Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais Trabalho, Instituições e Direitos Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva Organizadora Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais Trabalho, Instituições e Direitos Ana Luísa de Souza Correia de Melo Palmisciano Antonio Baylos Grau Beatriz Pereira dos Santos Camila Hecksher Monteiro Carolina Pereira Lins Mesquita Clarisse Inês de Oliveira Cleber Magalhães Cristiane de Oliveira Igreja Daniele Gabrich Gueiros Eleonora Kira Valdez de Moura Fernando Valdés Dal-Ré Ivan Simões Garcia Jamile Khede Israel Karen Artur Karina Viana de Freitas Márcia Regina C. Barroso Mariana Chaves de Oliveira Maglione Mario Luís Gambacorta Nathalia Cavaliere do Amarante Oscar Zas Roberta Pimentel de Barros Roberta Toledo Barcellos Rodrigo de Lacerda Carelli Rosangela Lunardelli Cavallazzi Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva EDITORA LTDA. © Todos os direitos reservados Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP – Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Novembro, 2014 Versão impressa - LTr 5118.2 - ISBN 978-85-361-3179-5 Versão digital - LTr 8528.8 - ISBN 978-85-361-3228-0 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Transformações no mundo do trabalho e redesenhos institucionais : trabalho, instituições e direitos / Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, organizadora. -- São Paulo : LTr, 2014. Vários autores. Bibliografia. 1. Direito do trabalho 2. Direitos humanos. I. Silva, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. 14-12409 CDU-34:331 Índice para catálogo sistemático: 1. Direito do trabalho 34:331 Sumário Prefácio – Rosângela Lunardelli Cavallazi e Danielle Gabrich Gueiros.........................................................................9 Apresentação – Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva e Cristiane de Oliveira Igreja......................................11 Seção 1 Desenhos Institucionais, Globalização e Relações de Trabalho 1. Desenhos Institucionais e Relações de Trabalho: o Debate Contemporâneo Antonio Baylos Grau...................................................................................................................................................19 2. La Globalización y el Mundo del Trabajo Fernando Valdés Dal-Ré..............................................................................................................................................23 3. El Impacto del Derecho Internacional de Los Derechos Humanos Laborales en el Ordenamiento Jurídico Argentino Oscar Zas.....................................................................................................................................................................31 4. Las Instituciones del Mercado de Trabajo Mario Luís Gambacorta...............................................................................................................................................78 5. Linguagem “da Justiça”, Acesso à Justiça e Accountability Ana Luísa de Souza Correia de Melo Palmisciano.......................................................................................................82 6. Direito do Trabalho em Revista: Trabalho e Crítica da Ideologia na Teoria Marxista Ivan Simões Garcia......................................................................................................................................................88 7. A Função Institucional do Ministério Público do Trabalho e o Meio Ambiente Laboral Rodrigo de Lacerda Carelli..........................................................................................................................................101 8. Relação Empregatícia Doméstica e a EC n. 72/2013: Real Avanço Igualitário ou Retórica Político-legislativa? Carolina Pereira Lins Mesquita...................................................................................................................................109 6 • Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais: Trabalho, Instituições e Direitos 9. Instituições Trabalhistas na América Latina: Atores do Trabalho e Experiências Nacionais de Construção de Direitos Karen Artur..................................................................................................................................................................124 10. A Conformação do Mercado de Trabalho da Mulher e a Proteção do Direito Internacional do Trabalho contra Práticas Discriminatórias Cristiane de Oliveira Igreja..........................................................................................................................................133 Seção 2 Transformações no Mundo do Trabalho 11. O Controle Empregatício e a Liberdade de Expressão como Direito de Personalidade do Empregado: Uma Análise de Caso Jamile Khede Israel......................................................................................................................................................155 12. Alguma Coisa está Fora da Ordem... Fora da Nova Ordem Mundial: Fordismo e Toyotismo nos Novos Capitalismos Cleber Magalhães.........................................................................................................................................................167 13. Vulnerabilidade, Risco e Exclusão: o Nó de Marinheiro da Insegurança Social Clarisse Inês de Oliveira..............................................................................................................................................180 14. A Globalização e suas Inferências no Direito Internacional do Trabalho: o Trabalhador Migrante Camila Hecksher Monteiro..........................................................................................................................................185 15. Reconfiguração dos Institutos do Repouso Remunerado aos Domingos e em Feriados no Comércio Brasileiro entre 1997 e 2013 Eleonora Kira Valdez de Moura...................................................................................................................................193 16. A Organização Internacional do Trabalho, a Globalização e o Trabalho Decente Márcia Regina C. Barroso............................................................................................................................................201 Seção 3 Trabalho, Instituições e Direitos 17. Demandas por Controle Concentrado de Constitucionalidade em Matéria Trabalhista: o STF e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade Sayonara Grillo Leonardo Coutinho da Silva e Eleonora Kira Valdez de Moura........................................................211 18. A “Pejotização” como uma Fraude à Relação de Emprego: Uma Análise do Fenômeno Roberta Pimentel de Barros.........................................................................................................................................237 Sumário • 7 19. Negociação Coletiva e Afirmação de Direitos: Um Estudo sobre Cláusulas de Gênero no Setor Bancário Beatriz Pereira dos Santos............................................................................................................................................247 20. Proteção à Maternidade no Direito Trabalho Brasileiro Mariana Chaves de Oliveira Maglione.........................................................................................................................257 21. O Meio Ambiente e a Responsabilidade do Empregador nos Casos de Acidente de Trabalho Karina Viana de Freitas................................................................................................................................................273 22. A Questão da Deficiência e da Educação na Sociedade Contemporânea: Possibilidades e Limites da Intervenção do Profissional do Serviço Social Nathalia Cavaliere do Amarante..................................................................................................................................281 23. Revistas Pessoais: Uma Análise acerca da Violação aos Direitos Fundamentais do Empregado Roberta Toledo Barcellos.............................................................................................................................................289 Prefácio Muito honradas aceitamos o convite de prefaciar esta obra coletiva, cujos articulistas/pesquisadores contam com o reconhecimento do mundo acadêmico intelectual pela qualidade de suas pesquisas no campo do Direito do Trabalho. A estrutura do livro denota a coerência e a atualidade das questões debatidas. Com a participação de diversos autores, cumpre a expectativa das obras coletivas, a alta qualidade dos artigos, a promoção do debate plural e do confronto saudável de ideias e conceitos. Contudo, não somente isso; o presente livro vai muito além: explicita histórias de vida e, principalmente, traduz de forma exemplar o estado da arte do debate contemporâneo, dos redesenhos institucionais das relações de trabalho, revelando as contradições saudáveis do mundo acadêmico. Provoca o leitor ao sair do conforto dogmático. A diversidade das experiências dos autores estabelece um espelho com os temas e abordagens definidos, e sua inquietude se expressa na escolha dos temas problematizados, nas pesquisas acadêmicas que inspiraram os artigos, nas suas respectivas práticas profissionais, sobretudo como educadores/formadores de juristas atuantes, criativos, questionadores, críticos. Esta, aliás, é a tradição da Faculdade Nacional de Direito, como já advertia o professor Hermes Lima: “A ambiência de nossa faculdade é antidogmática, é antissectária, exatamente porque, entre nós, mesmo os convencidos querem ouvir e aprender” (Sala da Congregação da FND). Na contramão do processo de globalização, que a tudo e a todos uniformiza, a obra é pautada pela pluralidade/diversidade de autores que, embora tenham formação diferenciada e em tempos distintos, conseguem estabelecer identidade, ainda que reunindo experiências diversificadas. Obra que associa práticos e teóricos que, por sua vez, também rompem suas respectivas barreiras em uma proposta que costura teoria e prática, contrariando um pouco a tese de Bourdieu que, ao analisar o campo jurídico na França, distingue os práticos (magistrados) dos teóricos (acadêmicos). Interessante destacar a base fática das pesquisas – a relevante análise qualitativa de dados fáticos –, notadamente das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas por entidades sindicais em matéria trabalhista, que buscam analisar a interpretação da Constituição por diferentes intérpretes, concebendo os tribunais como arenas de debates e embates entre esses diversificados atores, como espaço de disputa de ideias/ideais, pelo conteúdo dos direitos. A judicialização dos conflitos trabalhistas no âmbito de nossa Corte Suprema abre janelas inéditas para a compreensão da dinâmica do STF, permitindo a produção de sentidos vários no processo de interpretação. Ressaltamos também o rigor metodológico adotado pelo Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (Cirt). Na França do século XVIII, mulheres que incitavam os homens a invadir a sala da Convenção na qual se reunia o governo para reivindicar a aplicação da Constituição de 1793, quando todos estavam morrendo de fome, foram apelidadas de “bota-fogos”(1). A professora Sayonara Grillo Leonardo Coutinho da Silva é uma dessas bota-fogos – incomodada, insatisfeita desde sempre com o estado das coisas. Impertinência produtiva e inspiração de grandes obras coletivas como esta. Insatisfação amorosa: compartilhar – palavra tão popularizada/banalizada nos dias atuais dos facebooks – é a antiga metodologia de trabalho da professora, que encontrou bela expressão no Grupo CIRT. Compartilhar: com os companheiros de academia, com estudantes, com profissionais das diferentes áreas do Direito e das Ciências Humanas e com o leitor: bota-fogo em mais esta aventura criativa, plural, progressista, um convite aberto, democrático e afetuoso à reflexão/ação. Com certeza não será surpresa para o leitor identificar um recorte no plano dos sujeitos/casos referência priorizando contextos de vulnerabilidade, uma vez que são apresentados de forma eloquente. Estes contextos são atravessados pela conjuntura do regime capitalista. “É inacreditável que um pedaço de ferro possa flutuar...” Esta é uma frase aparentemente banal de Sebastião Salgado em seu recente livro juntamente com Isabelle Francq(2). Quando nos debruçamos sobre a leitura, a afirmação ganha todo o sentido (1) MORIN, Tania Machado. Virtuosas e perigosas: as mulheres na Revolução Francesa. São Paulo: Alameda Editorial, 2014. (2) SALGADO, Sebastião; FRANCQ, Isabelle. Da minha terra à Terra. São Paulo: Paralela, 2014. p. 65. 10 • Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais: Trabalho, Instituições e Direitos porque diz respeito à admiração do autor pela impressionante engenhosidade da espécie humana, capaz de transformar um amontoado de ferragens em um navio. Assim é a obra, um prodígio enorme que transforma histórias de vida e experiências acadêmicas distintas e distantes em um navio que pode partir. Os mares que esse navio deve singrar são predominantemente do mundo do trabalho, mas os portos por onde deve passar, com os inúmeros embarques e desembarques, atrairão leitores de vários campos do conhecimento, que serão envolvidos pela refinada conversa e pela beleza dos ambientes. Destacamos os três grandes salões de perspectiva teórica/conceitual/ e de visão de mundo: Desenhos institucionais e relações de trabalho; Globalização e transformações no mundo do trabalho; Trabalho, instituições e direitos. Neles, teremos a maior e a melhor surpresa, um encontro de espaços generosos de liberdade para a interpretação dos textos. É possível e permitido, a exemplo do grandioso trabalho de Sebastião Salgado, tornar visível o trabalho e os trabalhadores. “Um mundo produtivo em ação. Um mundo em vias de desaparecer.”(3) Trabalhadores na sociedade de serviços em incessante captura pela tecnologia constituem relações que são transformadas em episódios. Deslocados das conjunturas e estruturas, perdem o sentido dos laços e conexões em que estão envolvidos e, aparentemente, desaparecem do processo. Deslocados da própria história, perdem também o espaço de visibilidade imprescindível para o seu reconhecimento e condução de suas escolhas. O sentir não necessariamente carece do olhar, o bom provérbio “longe dos olhos, longe do coração” confirma o senso comum, mas a negação da paisagem, aqui entendida não como mero cenário, mas como parte integrante do ambiente cultural, com certeza impede que o sentir possa ganhar novas dimensões ao se apropriar de todos os outros sentidos. Para sentir e compreender o mundo do trabalho, é preciso ter reconhecida a sua existência, o seu lugar no mundo do capital. A obra tem o grande mérito de provocar esta revolução, quase impossível nos dias contemporâneos, de dar voz e vida aos trabalhadores. Rio de Janeiro, março de 2014. Rosângela Lunardelli Cavallazzi Pós-doutora pela École Doctorale Villes et Environnement – Universite Paris 8. Doutora e Mestre em Direito (UFRJ e UFSC). Professora Adjunta e pesquisadora da UFRJ e PUC/Rio. Ex-Diretora do Departamento de Pesquisa da OAB/RJ. Líder do Grupo de Pesquisa Direito e Urbanismo do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Bolsista Produtividade do CNPq, nível 1. Diretora do Brasilcon. Daniele Gabrich Gueiros Mestre em Ciências Jurídicas (PUC-Rio). Professora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, no qual integra o Programa de Extensão e o Grupo de Pesquisa Relações de Trabalho e Configurações Institucionais. Ex-Diretora do Departamento de Pesquisa da OAB/RJ. Advogada. Conselheira da OAB/RJ. (3) Ibid., p. 63. Apresentação I Os artigos, ensaios e conferências que constam desta obra estão inseridos em um tempo e um espaço de reflexões que têm como centro o resgate da docência, da pesquisa e da extensão sobre o mundo do trabalho e seu direito na Faculdade Nacional de Direito (FND), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Incluem também diálogos com juristas de conceituadas universidades estrangeiras com os quais estabelecemos profícuo intercâmbio, principalmente desde 2007, por ocasião da fundação do Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (CIRT). Da lavra de Antonio Baylos Grau e Fernando Valdés Dal-Ré, os temas dos dois primeiros artigos foram apresentados em conferências pronunciadas pelos destacados professores catedráticos espanhóis por ocasião dos I e II Simpósios Internacionais, realizados na FND(1), e trazem relevantes contribuições para o estudo das transformações do trabalho, do direito e de suas instituições. Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Universidade Castilla La Mancha (Espanha), Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri, o professor Antonio Baylos Grau dispensa maiores apresentações em nosso país, no qual possui duas relevantes e excelentes obras publicadas pela LTr Editora – Direito do Trabalho: Modelo por Armar (1999) e A Dispensa ou a Violência do Poder Privado (2011), em coautoria com Joaquín Pérez Rey. Em sua conferência, intitulada Desenhos institucionais e relações de trabalho: o debate contemporâneo, Antonio Baylos Grau cita formas, desenhos ou fórmulas institucionais das relações de trabalho e reflete sobre os elementos que, neste início do século XXI, adicionam-se aos desenhos institucionais ou às fórmulas de institucionalização do trabalho construídas nos últimos 150 anos. Sua perspectiva é de que, sendo uma primeira narrativa, o Direito do Trabalho tem como ponto de partida a negatividade da classe trabalhadora e do trabalho assalariado, prestado em regime de exploração no sistema capitalista, e a contrariedade à institucionalização econômica, social, política e jurídica inerente ao desenvolvimento do capitalismo. Estrutura-se tendo como foco a percepção de que o trabalho se expressa em diferentes identidades e, nesta condição, adquire relevâncias política e democrática. Sob tal perspectiva, o jurista pode elaborar um discurso crítico que entenda a realidade. Deve buscar, entretanto, ampliar e estender as margens de emancipação e construir um referencial teórico explicativo e interpretativo conjugado com o movimento sindical, ator social por excelência das subjetividades existentes no mundo do trabalho. O ensaio La globalización y el mundo del trabajo traz importante contribuição do professor Fernando Valdés Dal-Ré às reflexões em torno das relações entre globalização, trabalho e teorias jurídicas, generosamente compartilhadas em suas duas visitas à Faculdade Nacional de Direito (2007 e 2010). Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri e Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social da mesma Universidade, professor Valdés redigiu dezenas de livros publicados em seu país e atuação significativa no âmbito institucional, nomeado, em julho de 2012, ministro do Tribunal Constitucional Espanhol. Professor Valdés Dal-Ré examina de que modo a configuração do Direito do Trabalho, como o sistema de instrumentos normativos vinculantes, e com fórmulas sancionadoras em caso de inobservância, perde sua relevância quando passa a ser (1) O I Simpósio Internacional Desenhos Institucionais, Mercado e Direitos do Trabalho foi realizado nos dias 6 e 7 de dezembro de 2007 e o II Simpósio Internacional Desenhos Institucionais e Direito do Trabalho em 26 e 27 de abril de 2010. Para a programação completa, consultar o blog oficial do grupo de pesquisa <http://configuracoesinstitucionais.blogspot.com.br/>. O CIRT promoveu ainda, nos dias 12, 13 e 14 de dezembro de 2012, o III Simpósio Internacional Desenhos Institucionais, Sociedade e Direitos do Trabalho). Todas as reflexões proporcionadas por estes eventos, que sempre reuniram diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros, foram relevantes tanto para o setor de Direito do Trabalho da Faculdade Nacional de Direito quanto para a linha de pesquisa Teorias da Decisão e Desenhos Institucionais do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRJ. Entre os temas debatidos, ao longo dos anos, podemos citar: a pesquisa em Direito no Rio de Janeiro e a abordagem dos desenhos institucionais; os conflitos do trabalho, a negociação coletiva e a judicialização; o papel das Instituições na concretização dos direitos fundamentais no mundo do Trabalho, a igualdade de oportunidades e da não discriminação, a globalização e as relações de trabalho. 12 • Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais: Trabalho, Instituições e Direitos permeado por instrumentos e atos jurídicos extremamente heterogêneos quanto à procedência, à forma, ao conteúdo e à natureza. Em um contexto de profundo desequilíbrio econômico e político, e de ampliação, desmensurada dos poderes das empresas transnacionais, propício ao surgimento de cláusulas sociais, códigos de conduta e outras fórmulas de direito dúctil no Direito do Trabalho, são analisados no artigo, que relaciona o soft law com a lógica assimétrica das instituições políticas nacionais e as forças econômicas transnacionais no mundo globalizado. Oscar Zas, professor titular regular da cátedra de direito social da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Nacional de La Plata (Argentina), presenteia-nos com seu valioso trabalho sobre o impacto do El impacto del Derecho Internacional de los Derechos Humanos Laborales en el ordenamiento jurídico argentino. Jurista de escol, magistrado integrante da Cámara Nacional de Apelaciones del Trabajo de la Capital Federal, ex-presidente da Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho, Oscar Zas alcança forte e merecida presença nos debates realizados em nosso continente. Em sua conferência no III Simpósio Internacional Desenhos Institucionais, Sociedade e Direitos do Trabalho, Oscar Zas salientou a importância dos direitos humanos diante da precarização das condições de vida e trabalho promovidas pela avalanche neoliberal. O professor abordou o conteúdo, o alcance e as relações entre direito interno e direito internacional dos direitos humanos trabalhistas na Argentina, temática relevante e na ordem do dia com vistas à revitalização e ampliação da perspectiva protetiva e emancipatória do direito trabalhista brasileiro. Também da Argentina recebemos a colaboração do jovem pesquisador Mario Luís Gambacorta, que participou de nosso primeiro Simpósio de Desenhos Institucionais, Mercado e Direitos do Trabalho. Professor adjunto regular da Universidade de Buenos Aires e Doutor pela Universidade de Salvador, Gambacorta desenvolve interessante pesquisa sobre inspeção do trabalho. O artigo Las instituciones del mercado de trabajo é a transcrição de sua palestra, proferida em 2007 na FND, na qual apresenta a inspeção do trabalho e da seguridade social em seu país, e propõe um redesenho institucional mais adequado à efetivação e concretização dos direitos. II O Grupo de Pesquisa e Configurações Institucionais e Relações de Trabalho, atualmente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) e registrado, desde 2009, no diretório de grupos de pesquisas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), articula docentes e discentes da graduação e pós-graduação em Direito da UFRJ, além de receber colaboração de pesquisadores de outras instituições e áreas de conhecimento. O grupo busca desenvolver investigações referentes ao estudo das instituições que estruturam as relações de trabalho no Brasil, bem como se propõe a ser um laboratório de acompanhamento das propostas em discussão no cenário público, que pugnam pela reformulação do marco regulatório aplicável ao mundo do trabalho na contemporaneidade. Privilegia a perspectiva interdisciplinar de estudo, com ênfase nas abordagens provenientes da sociologia do trabalho, da economia e da ciência política, de modo a refletir sobre as teorias jurídicas que se voltam à fundamentação e análise dos sistemas de regulação laboral. O desejo de dar prosseguimento à trajetória de estudos, iniciados na época do doutoramento na PUC/Rio, etapa finalizada em 2007, impulsionou a atual coordenação do CIRT a iniciar atividades de pesquisa sobre o mundo do trabalho na FND, faculdade na qual se graduou. À época, não existia na instituição uma vivência concreta da cultura de pesquisa, salvo honrosas exceções. A proposta suscitou a adesão de um conjunto de alunos interessados em desenvolver pesquisas afetas à reforma trabalhista e sindical e seus impactos nos sistemas jurídicos de regulação laboral, às configurações institucionais dos sindicatos, seu papel na construção do direito, e às propostas de reforma sindical em discussão no cenário público brasileiro. A perspectiva não dogmática, desde o início, ficou estabelecida, com todos os riscos e virtudes que a envolve. De toda sorte, o diálogo com a sociologia do trabalho permitiu romper a marginalidade imposta pelos juristas dominantes e corroborada por parte da chamada sociologia jurídica para o “estudo do sindicato como agente da regulamentação jurídica do trabalho”, nas palavras de Alain Chouraqui e Dominique Nazet-Allouche (2009, p. 727): Com efeito, se o direito não é mais considerado apenas como um conjunto de regras funcionais, neutras, naturais ou objetivas, mas como um conjunto de práticas sociais, como produto e produtor do social e até como prática social, então o estudo dos agentes da regulamentação jurídica se torna essencial. (...) É como tal que o sindicato pode ser objeto de trabalhos de sociologia ou de teoria jurídica. A comparação feita com maior frequência (tanto pelos sociólogos, como pelos juristas) das regras e dos agentes leva à percepção da possibilidade e as razões atuais de um movimento semelhante, tanto na abertura de certas concepções e práticas jurídicas, como no efetivo desenvolvimento do papel do sindicato na regulamentação jurídica.(2) (2) Ao responder à indagação sobre “o Sindicato objeto da sociologia jurídica”, os pesquisadores do CNRS que colaboraram com o verbete Sindicato (ARNAUD, A. J. et al. Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 723-729) Apresentação • 13 Nos anos que se seguiram à consolidação do Programa de Pós-Graduação, os estudos voltaram-se à linha de pesquisa Teorias da decisão e desenhos institucionais, concernentes às instituições, trabalhistas ou não. Na esteira de Berg e Kucera, compreendemos por instituições trabalhistas regras, práticas e políticas que afetam e configuram o funcionamento do mercado de trabalho, sejam elas formais ou informais, permitindo um amplo campo de pesquisa teórico-empírica e multidisciplinar. Entre as instituições não especificamente trabalhistas estudadas encontra-se o Supremo Tribunal Federal (STF), que, embora objeto de expressivos estudos acadêmicos, embalados por tradições teóricas distintas e vertentes explicativas múltiplas, inclusive no âmbito do PPGD, pouco é examinado do ponto de vista de sua atuação no mundo do trabalho. A partir da constatação de que são escassas as investigações sobre o funcionamento e o papel do STF em matéria laboral, em especial sobre a judicialização dos conflitos trabalhistas no âmbito de nossa Corte Suprema, o Cirt desenvolve e alimenta continuamente um banco de dados de Ações Constitucionais em matéria trabalhista, fonte primária para diversos estudos ao longo do último quinquênio. Por outro lado, não se pode deixar de ressaltar que a faculdade de direito, ao longo dos últimos anos, tem passado por transformações marcantes, que acarretaram um comprometimento institucional capaz de estimular a atividade acadêmica, desenvolver o pensamento crítico e aperfeiçoar a prática didático-pedagógica. Observou-se, principalmente, um fortalecimento da atuação de docentes e discentes na indissociabilidade entre as dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão. Nos últimos quatro anos, a docência em direito, prática e processo do trabalho na FND foi totalmente renovada, ensejando um compartilhamento dos valores de solidariedade e de companheirismo, que caracteriza hoje os setores de Direito e Processo do Trabalho do Departamento de Direito Social e Econômico e de Prática Trabalhista, do Departamento de Direito do Estado, aldeias resistentes à hegemonia competitiva do precário e produtivista novo mundo do trabalho. Felizes em acompanhar a formação de uma equipe na Universidade – plural em suas concepções metodológicas, mas coesa na opção ética e política em prol das dimensões emancipatórias do direito laboral – assistimos aos concursos dos promissores professores da Faculdade Nacional de Direito, coautores deste livro. Referimo-nos às competentes e jovens mestras Daniele Gabrich Gueiros, Ana Luísa Palmisciano, Carolina Pereira Lins Mesquita e aos doutores Ivan Simões Garcia e Rodrigo Carelli, empossados, respectivamente, em 2009, 2012, 2013, 2011 e 2012 nesta faculdade. Todos eles contribuíram decisivamente para esta obra com artigos que expressam dimensões da atividade de desenho e redesenho do direito e da justiça do trabalho em nosso país. Ivan Simões Garcia, em seu Direito do Trabalho em revista: trabalho e crítica da ideologia na teoria marxista, propõe-se a refletir sobre a centralidade da categoria do trabalho na compreensão das sociedades contemporâneas e, especialmente, o papel sobre sua regulação jurídica por meio das normas de Direito do Trabalho. Para o autor, Doutor em direito pela PUC de São Paulo, “a concepção ontológica sobre o trabalho, fixada pela tradição marxiana e marxista, afasta-se de qualquer metafísica transcendental, para inscrever-se na realidade histórica e concreta, inclusive para a análise do mundo do trabalho contemporâneo. A partir dessa realidade, observa a forma complexa e dinâmica por meio da qual, no capitalismo, se estrutura o trabalho alienado e reificado do qual decorrem as formas ideológicas de consciência”. O artigo aponta ainda alguns desdobramentos dessas formulações ideológicas no Direito do Trabalho. Já o professor Rodrigo de Lacerda Carelli nos brinda com importante estudo sobre A função institucional do Ministério Público do Trabalho e o Meio Ambiente Laboral. Doutor em sociologia pelo antigo IUPERJ, membro do Ministério Público do Trabalho, o professor tem contribuído com as atividades do grupo, mormente por sua abordagem interdisciplinar das instituições trabalhistas. Seu estudo analisa a forma de proteção que deve ser dada pelo Ministério Público do Trabalho no que se refere ao meio ambiente laboral, “a partir da sua inserção como um dos órgãos com atribuição da proteção do sistema trabalhista”. Linguagem “da justiça”, acesso à Justiça e accountability, de autoria da professora de prática trabalhista Ana Luísa de Souza Correia de Melo Palmisciano, ressalta a importância da clareza dos debates e das decisões judiciais para a superação de alguns dos obstáculos ao acesso ao Judiciário, em especial os socioculturais. Competente advogada e mestre em ciências políticas (IFCS-UFRJ), a professora utiliza, ou tem como base os conceitos de accountability e de governança judicial, “compreendidos como mecanismos de prestação de contas do Judiciário em relação ao destinatário final de toda e qualquer demanda judicial: a sociedade”, para apresentar sua pesquisa realizada no âmbito do Núcleo de Prática Jurídica e do CIRT. A professora Carolina Pereira Lins Mesquita, mestre em Direito pela UFMG, contribuiu com a reflexão sobre a importante atividade de redesenho do direito constitucional brasileiro, promovida pela Emenda n. 72. No capítulo A relação empregatícia doméstica e a EC n. 72/2013, ao indagar se a emenda representa um real avanço igualitário ou retórica político-legislativa?, a observam: “Se o sindicato pouco serviu de objeto para estudos de sociologia ou da teoria do direito, os sociólogos do trabalho, por outro lado, trabalharam amplamente com o sindicato, elemento essencial das relações de trabalho, e os juristas do trabalho com o direito sindical ou com o espaço dos sindicatos na convenção coletiva. As dificuldades conhecidas de todas as correntes da sociologia do direito, a ‘marginalidade’ do Direito do Trabalho aos olhos dos juristas dominantes, o caráter secundário do direito (simples reflexo das relações de produção) para muitos sociólogos, a finalidade política ou prática das reflexões sindicais, impediram qualquer desenvolvimento de uma verdadeira sociologia do Direito do Trabalho, especialmente durante longo tempo de um estudo do sindicato como agente da regulamentação jurídica do trabalho.” (CHOURAQUI; NAZET-ALLOUCHE, 2009, p. 727) 14 • Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais: Trabalho, Instituições e Direitos autora busca desvelar as alterações originadas pela Emenda Constitucional n. 72/2013. Apresenta os velhos e os novos direitos assegurados às trabalhadoras domésticas, perquirindo possíveis caminhos normativos inclusivos desta categoria, de forma a materializar o projeto de Estado (democrático e de direito) delineado pela Carta Constitucional de 1988, assentado no valor social do trabalho, na igualdade entre as pessoas e na justiça social. Dedicado a Aline Alves Matoso Batista, o artigo indaga: “Em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi sancionada pela Princesa Isabel, abolindo a escravidão no Brasil Imperial. Cento e vinte cinco anos depois, em 03 de abril de 2013, na República Federativa do Brasil, é publicada a Emenda Constitucional n. 72. Haverá semelhança entre esses dois diplomas legais? O recente “feito de ouro” jurídico-normativo há de resplandecer seus efeitos sobre a realidade concreta de milhares de trabalhadoras historicamente excluídas e relegadas à segunda categoria ou, ao contrário, se mostrará marco formal longínquo de imprimir concretas alterações fático-sociais?”. De minha autoria, juntamente com a pesquisadora Eleonora Kira Valdez de Moura, apresento artigo intitulado Demandas por controle concentrado de constitucionalidade em matéria trabalhista: o STF e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Utilizamos como fonte o banco de dados de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ações declaratórias de constitucionalidade, arguições de descumprimento de preceito fundamental e Ações Diretas de Inconstitucionalidade por omissão, alimentado e atualizado pelas sucessivas gerações de estudantes de iniciação científica que passaram pelo CIRT entre 2009 e 2013. Foram priorizadas as demandas formuladas pelos atores – ou legitimados ativos – que ingressam com ações diretas perante o Supremo Tribunal Federal. O objetivo do artigo é sistematizar e estudar as ações diretas interpostas por considerar necessário entender analiticamente a judicialização das relações sociais, visando ao comportamento de seus agentes, com reflexões voltadas à compreensão dos usos que os atores políticos procedem. Sob o pressuposto teórico da ampliação do círculo de intérpretes da Constituição, segundo a qual todos que vivem no contexto da norma são seus intérpretes, estudamos as demandas que invocaram o exercício do controle concentrado de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal em períodos de intensa judicialização, ocorridos entre 1988 e 2012, para declarar inconstitucionais regras incidentes sobre o mundo laboral. A catalogação dos atores políticos, econômicos e sindicais que postulam perante o STF, a declaração de inconstitucionalidade de normas que versam sobre direito e processo do trabalho, ou que apontam incompatibilidades entre regras infraconstitucionais, e os arts. 7º, 8º, 9º, 10, 11 e 114 da Constituição, são relevantes. Isto nos permite indagar a extensão dos intérpretes da Constituição e refletir sobre os papéis que desempenham na atividade de desenho e redesenho do direito constitucional do trabalho. O artigo Instituições trabalhistas na América Latina: atores do trabalho e experiências nacionais de construção de direitos foi apresentado no III Simpósio de Desenhos Institucionais, Sociedade e Direitos do Trabalho pela pesquisadora Karen Artur, à época pós-doutoranda na UFRJ. Fruto de pesquisa de pós-doutoramento, realizada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação da professora Elina Pessanha, a competente pesquisadora em muito contribuiu com as atividades do CIRT no profícuo ano em que esteve no Rio de Janeiro. Seu trabalho constituiu uma colaboração informal com o importante Grupo de Pesquisa Trabalho, Sindicalismo e Justiça, pioneiro no estudo da temática na UFRJ.(3) O artigo A questão da deficiência e da educação na sociedade contemporânea, de autoria de minha atual orientanda no PPGD, Nathalia Cavaliere do Amarante, demonstra a interlocução da proposta do CIRT com os demais grupos de pesquisa e extensão da UFRJ. A partir da análise das relações sociais travadas pelas pessoas com deficiência e da trajetória histórico-conceitual da própria deficiência, além da análise de documentos como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência do ONU (2006) e de categorias de análise como os Direitos Humanos, o artigo examina a questão fundamental para a inclusão e a não discriminação do trabalhador com deficiência. Encerra a primeira seção o artigo A conformação do mercado de trabalho da mulher e a proteção do direito internacional do trabalho contra práticas discriminatórias. Como autora, eu, Cristiane de Oliveira Igreja, analiso as configurações do mercado de trabalho da mulher e investigo os obstáculos encontrados pela trabalhadora que deseja disponibilizar sua força de trabalho neste mercado, em especial as práticas discriminatórias que se fundamentam em estereótipos e tendem a desqualificar o trabalho feminino extradoméstico. Ademais, por meio do estudo de três convenções internacionais que demonstram a relevância e a preocupação com a igualdade de gênero e o respeito dos direitos laborais das mulheres, busco refletir sobre a proteção do trabalho feminino, segundo o direito internacional do trabalho. III Como fecho de ouro para a primeira seção do livro e em toda a segunda seção, o leitor encontrará artigos provenientes de estudos de pesquisadores que cursaram o mestrado da UFRJ. (3) O grupo de pesquisa Trabalho, Sindicalismo e Justiça é composto por pesquisadores de grande competência e seriedade, tais como Elina Pessanha, Paola Cappellin, Regina Morel, José Luiz Soares, Karen Artur, Luisa Pereira, Márcia Barroso, Mônica Paranhos, Paula Menezes e Rosina Pérez. Dedica-se a investigar dimensões relevantes do campo dos direitos do trabalho, seus atores e instituições. Para mais informações, consultar: <http://trabalhoufrj.blogspot.com.br/>. Apresentação • 15 De minha primeira turma na graduação da FND em 2006, a professora Jamile Khede Israel examina as formas de controle da sociedade contemporânea que permeiam as relações de trabalho. Para a autora, a empresa e o empregador, ao exteriorizarem o poder diretivo e o exercício do controle sobre o trabalho, devem ter tais relações contidas e controladas pelo direito. Assim, considerando o empregado titular de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e os direitos de personalidade, o ensaio O controle empregatício e a liberdade de expressão como direito de personalidade do empregado: uma análise de caso estuda o contraponto entre poder fático de controle e direito fundamental dos trabalhadores incidentes nas relações de trabalho. Somam-se aos trabalhos da segunda parte, os artigos A Organização Internacional do Trabalho, a globalização e o trabalho decente, da socióloga e mestre Márcia Regina Barroso, e A globalização e suas inferências no Direito Internacional do Trabalho: o trabalhador migrante, da advogada Camila Hecksher Monteiro. Ambas atualmente são alunas da UFRJ vinculadas, respectivamente, aos programas de doutorado em sociologia e antropologia (PPGSA-IFCS) e de mestrado em direito (PPGD). Seus trabalhos foram apresentados para a disciplina Globalização e Transformações do Mundo do Trabalho, ministrada no PPGD, no primeiro semestre de 2013. Este programa contou também com a participação de alunos externos de outras instituições (UFF e FGV), entre os quais os doutorandos do PPGSD/UFF Cleber Magalhães e Clarisse Inês de Oliveira. Mestre e auditor da Receita Federal, Cleber Magalhães nos oferece em Alguma coisa está fora da Ordem... Fora da Nova Ordem Mundial: fordismo e toyotismo nos novos capitalismos um panorama das mudanças ocorridas no mundo que levaram ao surgimento de novos trabalhadores nos contextos do fordismo e do toyotismo, adaptados às necessidades de um novo capitalismo que se impunha ao mundo, cada qual a seu tempo. Já a jovem professora do IBMEC, mestre Clarisse Inês de Oliveira, em seu artigo Vulnerabilidade, risco e exclusão: o nó de marinheiro da insegurança social, contextualiza as novas formas de vulnerabilidade no trabalho para situar o binômio cidadania/trabalho como uma das dimensões constitutivas dos direitos humanos, integrante da dignidade que compõe o homem em sua completude e como agente fomentador do combate à desigualdade social. Em seus primeiros sete anos de existência (2006-2013), o Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (Cirt) privilegiou a divulgação do resultado das pesquisas realizadas com os alunos por meio das apresentações orais nas Jornadas Giulio Massarani de Iniciação Científica, Tecnológica, Artística e Cultural (JICTAC), da UFRJ. A Semana de Iniciação Científica é um mecanismo institucional, que faz parte do esforço de valorização da pesquisa, por permitir ao aluno dialogar com os demais membros da comunidade universitária que, com suas observações e sugestões, contribuem imensamente para o aperfeiçoamento dos estudantes e dos próprios professores. Afinal, cada apresentação indica um momento, uma parcela de um projeto mais amplo das pesquisas realizadas pelos docentes orientadores. Entre a XXIX Jornada (2007) e a XXXV Jornada (2013), o grupo de alunos vinculados ao CIRT recebeu inúmeras menções honrosas, e na Jornada de 2009 o grupo logrou êxito máximo. A apresentação da discente Eleonora Moura, Constituição e Trabalho: um exame sobre as Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas perante o Supremo Tribunal Federal que versam sobre Direitos do Trabalho, mereceu o prêmio de melhor trabalho do CCJE na XXXI Jornada e foi escolhida pela UFRJ para representar a produção discente da Universidade na 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 2010. Coorientado por nós, a apresentação incluía os resultados preliminares do levantamento de dados com as Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Vale destacar a importância deste momento que significou a coroação do grupo de pesquisa. Entretanto, sob um espectro maior, denotou a consagração da retomada da pesquisa em Direito do Trabalho na FND, demonstrada pelos excelentes trabalhos de todos os alunos da faculdade ao longo das fases das diversas Jornadas. Este livro também contém trabalhos escritos por alunos que durante a graduação se envolveram em atividades de iniciação científica, monitoria ou monografia. Na monitoria de Direito do Trabalho, as jovens Roberta Pimentel de Barros, Mariana Chaves de Oliveira Maglione e Beatriz Pereira dos Santos fizeram parte dos estudos que permitiram a redação de seus artigos sobre A “pejotização” como uma fraude à relação de emprego: uma análise do fenômeno, Proteção à maternidade no Direito do Trabalho brasileiro, e Negociação coletiva e afirmação de direitos: um estudo sobre cláusulas de gênero no setor bancário, este último apresentado por Beatriz Pereira dos Santos na JICTAC de 2012 e agraciado com a menção honrosa, concedida aos melhores trabalhos no CCJE da UFRJ. O rico processo de formação existente na graduação é demonstrado na terceira parte desta obra. O ensaio Reconfiguração dos institutos do repouso remunerado aos domingos e em feriados no comércio brasileiro entre 1997 e 2013 é resultado da monografia orientada pela professora Salete Maria Maccalóz, professora adjunta de Direito do Trabalho, que o Setor de Trabalho da Faculdade reconhece como sua Decana. Ela está presente neste livro por meio dos textos de seus alunos. O mesmo ocorre com Daniele Gabrich Gueiros, professora de Prática Trabalhista, orientadora da monografia sobre Proteção à maternidade no Direito do Trabalho brasileiro, docente com liderança nas atividades de extensão, realizadas pelo coletivo de docentes do Núcleo de Prática Jurídica. No transcorrer do tempo, muitos discentes passaram pelo grupo. Deixaram suas marcas, mas levaram a experiência de pesquisa, que tanto contribui para a formação acadêmica e pessoal de todos eles. Trata-se, sem dúvida, de uma verdadeira relação de troca contínua de conhecimento e convivência, permeada por valores como a solidariedade, a cooperação e o diálogo democrático. Cristiane Igreja, Viviane Santos, Isabela Petra, Cláudia de Moraes, Roberta Barros, Renata Leite, Thadeu Ibarra, Eleonora Kira, Bruno Kazuhiro, Fernanda Frattini, Marina Tomazini, Fabio Gomes, Jamile Israel, Juan Carlos Perez, Verônica Triani, 16 • Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais: Trabalho, Instituições e Direitos Mayara Sant’Anna, Camila Monteiro, Alana Azevedo, Rodrigo Silva, Beatriz Santos, Tayná Chagas, Helena Maria Pereira, Edgar Sousa, Laíse Peres, Bruno Burman, Rosana Souza, entre tantos outros, foram alguns dos alunos e alunas da Faculdade Nacional de Direito que se envolveram na graduação com as atividades de estudo e pesquisa no âmbito do CIRT. Em maior ou menor grau, este livro é fruto do trabalho coletivo que realizamos com muita alegria e solidariedade em cada colóquio, simpósio, reunião e jornada de que participamos juntos. Em virtude dos limites de tempo e de espaço, foi impossível incluir nesta obra outros excelentes trabalhos de pesquisa apresentados como monografias de final de curso. O grupo de pesquisa orgulha-se ter participado significativamente da trajetória acadêmica de tantos alunos, contribuindo para a formação pessoal e profissional deles. Além dos levantamentos bibliográficos e da leitura crítica sobre temas relevantes, aprender o caminho da pesquisa, como pesquisar, os aspectos metodológicos, são instrumentos valiosos para aprimorar qualidades desejadas em um profissional de nível superior, bem como para estimular e iniciar a formação daqueles mais vocacionados para as reflexões acadêmicas. Acreditando na pesquisa como uma construção coletiva, preocupada com a realidade social, que se aprende a compartilhar, o CIRT busca organizar eventos acadêmicos para pensar o Direito de forma crítica e criativa. A colaboração de inúmeros colegas tem sido fundamental. Agradecemos aos que participaram do Colóquio “Globalização e Transformações das Relações de Trabalho”, realizado em 30 de novembro de 2011, em especial ao professor titular da Universidade Mackenzie, José Francisco Siqueira Neto, pesquisador de escol e inspirador de inúmeras gerações de juristas progressistas, comprometidos com a liberdade sindical e com a democracia nas relações econômicas e de trabalho no Brasil, à professora da Universidade Castilla La Mancha, Nunzia Castelli, com a qual estreitamos relações de cooperação entre os grupos de pesquisa das duas Universidades, bem como à professora Vanessa Batista, Vice-Decana do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ. Inseridos no contexto dos conflitos de trabalho que assolaram o funcionalismo público federal no ano de 2012, o grupo doou sua contribuição à reflexão coletiva e ao papel da Universidade em greve. Com a concordância do Comando de Greve, mantivemos nossas atividades de pesquisa e extensão, organizamos o Seminário “Movimentos Sociais e Conquista de Direitos”, no âmbito do PPGD, que contou com a conferência do professor titular de direito constitucional da Universidade de Barcelona, doutor Gerardo Pisarello, e as palestras das professoras Carol Proner (Unibrasil e UFRJ), Vanessa Batista (UFRJ) e Wilson Ramos Filho (Unibrasil e UFPR). IV Nossos agradecimentos à Helena Pereira e Edgar Sousa Austerlitz pela colaboração na organização dos textos. Ao CNPq, à FAPERJ, à CAPES, ao Centro de Pesquisa e Documentação da OAB/RJ, ao Banco do Brasil e às PR-2, PR-3, PR-5 da UFRJ, o auxílio financeiro em momentos pretéritos, seja com o financiamento dos dois primeiros Simpósios, seja com a concessão de bolsas de iniciação científica para graduandos, para alunas do mestrado e produtividade em pesquisa para a docente-coordenadora. Agradecemos ao Desembargador Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha o apoio da Escola Judicial do TRT da 1ª Região aos I, II e III Simpósios de Desenhos Institucionais e Direitos do Trabalho e a todos os colegas docentes e pesquisadores que compareceram e ministraram conferências e palestras em nossos eventos, cujas contribuições certamente farão parte dos próximos volumes. Registramos também nossos agradecimentos a todos os pareceristas anônimos que analisaram os pedidos de bolsas, o apoio aos projetos, os resumos de trabalhos e artigos, bem como aos colegas integrantes do Departamento de Direito Social e Econômico e do colegiado da Pós-graduação em Teorias Jurídicas Contemporâneas. À competente equipe da editora LTr, na pessoa do doutor Armando Casimiro Filho, que apoiou decisivamente esta publicação, contribuindo assim para a divulgação do conhecimento. Às professoras Rosangela Cavallazzi e Daniele Gabrich Gueiros, que aceitaram prefaciar este livro, deram suporte fundamental a todos os eventos organizados no grupo Configurações Institucionais e Relações de Trabalho, e compartilham, desde décadas passadas, do sonho de fazer as teorias jurídicas e as práticas sociais presentes no ensino, na pesquisa e na extensão da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Por fim, agradecemos a todos que trabalham em prol de um mundo, um Direito e uma Universidade melhores – com solidariedade, autonomia e emancipação. Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva Doutora e Mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio. Professora-adjunta da Faculdade Nacional de Direito, onde integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UFRJ, no qual compõe a linha de pesquisa “Teorias da decisão e desenhos institucionais”. Desembargadora do Trabalho. Líder do Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (CIRT) do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Cristiane de Oliveira Igreja Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora substituta da Faculdade Nacional de Direito. Pesquisadora e integrante do grupo de pesquisa “Configurações Institucionais e Relações de Trabalho” (CIRT-UFRJ). Seção 1 Desenhos Institucionais, Globalização e Relações de Trabalho 1 Desenhos Institucionais e Relações de Trabalho: o Debate Contemporâneo Antonio Baylos Grau(*) Estou agradecido, honrado, lisonjeado por este gentil convite e, naturalmente, contente por estar presente neste Simpósio Internacional(1), a convite da professora Sayonara, existindo, entre nós, uma relação de muito respeito. É um prazer poder encontrar, dentro do Direito Comparado do Trabalho, culturas jurídicas, formas de aproximar-se dentro do ramo jurídico laboral, que são convergentes e demonstram uma maneira muito parecida ou paralela de estar estudando na universidade e de ver a pesquisa, o que, de alguma forma, é útil para ambos. Peço desculpas a todos os ouvintes por falar em espanhol, mas acredito que falando pausadamente, vocês possam entender bem. Prometo ser breve, mas sempre os professores mentem quando dizem isso, serei eu uma exceção? Quem sabe?! Quero ser sucinto, pois o evento está extenso, com um grande número de apresentações. Estou encarregado de falar sobre os desenhos institucionais e as relações de trabalho, ou seja, discutir sobre como é observada, de modo institucional, a relação de trabalho, fundamentalmente a relação de labor assalariado em um regime de livre empresa proveniente de um sistema capitalista, e as regras gerais dessa institucionalização em nível jurídico. Este é um debate que foi muito praticado na doutrina trabalhista espanhola dos anos 1970, porque não falávamos de Desenhos Institucionais, mas somente de modelos institucionais, e nos interessava a transição da ditadura à democracia para saber qual era o desenho institucional democrático das relações de trabalho. Fizemos, então, uma longa discussão sobre esse assunto, debate que se perde, dilui-se posteriormente, e que, no entanto, agora se recupera e está na moda por causa de dois dados. O primeiro é a crise econômica de 2008, a grande crise e a estrutura institucional dos distintos países europeus, verificando como eles reagem frente à crise, à adversidade. Portanto, é relativamente diferente em história, construções culturais, em relação ao que os outros estão acostumados, mas o comparatismo, ou seja, o tratamento comparado neste nível, acredito que seja muito útil, muito proveitoso para todos, para os que o recebem e para os que o dizem. Irei me limitar ao seguinte: explicar e tentar elencar formas, desenhos ou fórmulas institucionais das relações de trabalho com uma prévia introdução. Buscarei mostrar alguns dos elementos que, na década atual, do século XXI, tem se adicionado aos desenhos institucionais ou a essas fórmulas de institucionalização. A primeira advertência é bastante importante. Nós devemos falar sobre institucionalização, mas, no início, quando começa essa história, todo o Direito é um discurso, uma narração. Portanto, seu ponto de partida é a negatividade da classe trabalhadora e do trabalho assalariado, prestado em regime de exploração no sistema capitalista, a contrariedade a respeito da institucionalização econômica, social, política e jurídica, que implicava o capital e o capitalismo. Inicialmente, o tema que justamente renega nosso Direito do Trabalho é a negatividade da classe trabalhadora e seu olhar, sua ação de ruptura do existente, seu caráter subversivo, caráter negador do existente, substituindo-o em outra dimensão, não sendo a institucionalização econômica, social, nem jurídico-política, do que chamamos de Liberalismo. É nesse contexto de onde emerge ou se constrói a dimensão coletiva da subjetividade de uma classe, dos trabalhadores, do trabalho, que se requer uma representação, embora ainda não traduzida jurídica nem de modo organizativo. Ao olharmos os documentos da AIT, Asociación Internacional de Trabajadores, de Londres de 1874, vemos que essa representação (*) Catedrático de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Universidad de Castilla La Mancha (Espanha). Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid. (1) Tradução e transcrição da palestra em espanhol proferida no 2º Simpósio Internacional: Desenhos Institucionais e Direitos do Trabalho, realizado em 27 de abril de 2010 na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizada pelos alunos do Grupo de Pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho (Cirt). 20 • Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais: Trabalho, Instituições e Direitos binária que o Trabalho irá encontrar no Partido Trabalhista e no Sindicato, não estava tão clara, todavia isso estava de alguma maneira formalizado. O que quero frisar é que o começo desta narração, a alternatividade, a exterioridade do sistema institucional do sistema liberal, é a chave de como se vai formulando essa institucionalização do trabalho e das relações laborais. Esse é o primeiro elemento, que espero que tenham compreendido. Segundo elemento: quais são os três esquemas, as três fórmulas de institucionalização? Bom, a primeira passa necessariamente pelo Estado e pela dimensão pública. Apresenta-se de modo ambivalente, porque a reivindicação do público aparece como uma reação normal frente à privatização, à individualização liberal, à intenção de recrutar o trabalho, ao esquema de contrato de trabalho, da autonomia individual, das liberdades econômicas que se manifestam de um modo puramente contratual de intercâmbio no mercado, aparece como uma reação reformista, a qual ocorre historicamente em meio à crise da revolução. Estou falando de 1917, da Revolução Russa. E o que quer dizer esse esquema? Este esquema estabelece que a mediação do Estado aparece como um elemento de referência em um desenho institucional que é centralizado em um Estado-nação e na norma pública como forma de regulação hegemônica das relações de trabalho, havendo a sua institucionalização. Trago a essa conversa a versão democrática, a Weimariana, sendo importante a centralidade do Estado, contudo é realizado o reconhecimento subalterno da autonomia coletiva, da sua subjetividade. Isto quer dizer que a negociação coletiva é fundamentalmente do projeto contratual, de troca de tempo de trabalho por salário, e que a greve, a medida clássica de autotutela coletiva, é restringida, é limitada, é recortada, justamente porque não pode transcender esse âmbito, do econômico e, com certeza, do privado mercantil. Naturalmente, o projeto contratual não somente regula essa autonomia, mas também atua diretamente sobre a norma estatal, norma pública, e o faz estabelecendo um nível mínimo, aquele que fixa institucionalmente as margens aceitáveis da exploração e permite que essa autonomia privada coletiva funcione como uma norma mais favorável, apesar de não poder mudar os supostos parâmetros em que foram fundados. Ademais, essa norma pública é estabelecida de maneira férrea, dura, forte, fora do contrato, não “contratualizando”, não se permitindo que se submeta a um intercâmbio de interesses. O poder privado do empresário na empresa é garantido por esse desenho institucional. Uma segunda fórmula institucional é mais conhecida por todos. É a fórmula da Constituição, a qual estabelece a incorporação do trabalho às instituições democráticas ou, se preferirem, a incorporação do trabalho às estruturas políticas da cidadania e dos direitos de uma sociedade que pretende se tornar materialmente, e não apenas formalmente, democrática. Isso implica conceituar ou construir, teoricamente, a centralidade política do trabalho como fundamento da denominação de direitos, que são enraizados em uma posição social, de classe, não podendo ser entendido esse tipo de direito sem seu engajamento, sem sua fixação, sem sua ancoragem na situação social do trabalhador, sendo direitos importantes, direitos decisivos, que irão permitir instituir, criar uma sociedade materialmente democrática, com direitos que são atribuídos aos trabalhadores com uma ideia muito clara, a ideia da igualdade material, da igualdade substancial. É uma ideia de que eles devem caminhar em uma linha, direção, em um processo de nivelação social gradual. E, nesse horizonte, tem que trabalhar o Estado, o Estado Social, que já não é somente revestido de império, mas sim é um Estado organizador e regulador da sociedade, desmercantilizando as necessidades sociais, reconhecendo, de maneira plena e absoluta, a subjetividade coletiva da representação do trabalho. O sindicato é um sujeito político diferente, naturalmente, de um partido político nos meios de ação, mas que tem um projeto de sociedade próprio e autônomo, que coincide em alguns momentos, e em outros não, com o projeto dos partidos trabalhistas, e todavia demonstra ser um projeto pertencente a essa subjetividade coletiva e que se expressa por meios de ação clássicos e de organização sindical, da autonomia coletiva, além das greves. Ademais, essa constitucionalização do trabalho leva à criação da cidadania, sendo esta transportada para as relações de trabalho. Portanto, há esse desenho institucional, que garante uma presença coletiva nos locais de trabalho, os direitos dos cidadãos que trabalham e a permanência de uma relação que fornece direitos e os exercita, procedimentaliza, desenvolve, limitando o poder empresarial. Como se consegue dita permanência? Por meio da afirmação de uma regra básica desse desenho institucional da estabilidade do emprego, de trabalho estável com todos os seus elementos. É aí que se verifica, de maneira muito clara, a ideia de garantismo individual dos direitos dos trabalhadores, que tem dois pontos: a tutela judicial e a tutela coletiva. O último modelo de desenho institucional pode ser chamado de constituição de mercado e não constituição de trabalho. Isso significa verificar o desenho institucional das relações de trabalho em uma configuração, conceituação das liberdades fundamentais da livre empresa como diretamente produtivas, ativas e a definição dos contornos desse desenho institucional da relação de trabalho. Ele leva consigo quatro características. A primeira, que todos conhecemos, é o olhar, é o desenho institucional, que produz uma despolitização do trabalho, deixando de ser o centro, o valor político fundador da democracia e uma remercantilização do trabalho sobre a lógica das liberdades fundamentais, não sobre a lógica contratual, não sobre a lógica da autonomia individual, mas sim sobre a cláusula da livre empresa, o que implica a liberdade de estabelecimento, liberdade de prestação de serviços, livre concorrência, esse frontispício de liberdade a que estamos acostumados e que, naturalmente, leva consigo a funcionalização dos direitos de cidadania, a eficácia direta ou indireta dessas liberdades econômicas. Então, isto possui alguns efeitos muito conhecidos, como, por exemplo, a vinculação do crescimento econômico, de bem-estar de todos à contenção, à degradação ou à redução dos padrões comuns das condições de vida e de trabalho. Quer dizer, de uma maneira muito clara, um direito de natureza salarial, de condições de saúde, de exercício da prestação trabalhista que permitam uma vida digna ao trabalhador. Essa é a versão amável do modelo, assinalando que, se há escassez, se a economia tem problemas, há 1. Desenhos Institucionais e Relações de Trabalho: o Debate Contemporâneo • de se sacrificar os direitos. Quando se inicia a crise, o primeiro a ser sacrificado é o direito social. Isso coincide com esse desenho institucional com várias histórias, sobretudo com uma absorção desses poderes regulamentares clássicos da relação de trabalho, que estão presentes no âmbito da empresa. Este modelo entende que a negociação coletiva não deve estar nas relações de intercâmbio do mercado, mas, acima de tudo e fundamentalmente, deve estar subordinada ao poder do empresário, isto é, o fortalecimento do poder unilateral do empresário elege, digamos, o sinal de identidade desse desenho institucional e, ademais, esse fortalecimento ocorre por meio da organização da empresa, da incidência das decisões unilaterais do empresário sobre o emprego, construindo uma rede de externalização de seus serviços, instituindo a terceirização. O que quero ressaltar é que esse desenho institucional passa sua atuação sobre a cláusula de livre empresa, e não sobre a individualização da relação de trabalho, é a riqueza que cria a empresa eleita socialmente. Encaminhando-me para o final da explanação, não se pode dizer que esses três modelos não são desenhos institucionais, em estado puro, de determinado sistema político ou jurídico. São, pois, orientações e tendências que acredito servir para interpretar algumas das experiências que enfrentamos e, sobretudo, a dinamicidade de determinados processos históricos sobre a institucionalização da relação laboral. Quais seriam alguns dos elementos que se adicionam a esse modelo, o qual é relativamente básico, fixando-se na necessária nacionalização, publicitação das relações de trabalho, baseadas no valor político do trabalho ou no valor decisivo de riqueza por meio da livre empresa? Bom, parece-me que, no momento, o mais interessante, ou que tem uma maior incidência, é o tema da globalização, a relevância da globalização e deste desenho institucional da relação de trabalho. Primeiro, porque a globalização tem uma dimensão financeira, mas também há uma dimensão penal (com a qual vem sofrendo o meu país) e uma dimensão social da globalização, que faz referência a um processo muito importante de universalização de direitos trabalhistas básicos, que vão além do direito internacional, de seu respeito em determinadas nações, da incorporação pelos Estados dos tratados internacionais que reconhecem esses direitos. A declaração da Organização Internacional do Trabalho de 1998, que dispõe sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento, estabelece como direitos trabalhistas básicos: a proibição do trabalho escravo, a proibição do trabalho infantil, a liberdade sindical e de ação coletiva e o princípio de igualdade de oportunidades e de tratamento, sendo elementos de universalização, quer dizer, que têm validade universal, não digo vigência. Portanto, esse é um elemento muito interessante que vai se conectando a outro, que normalmente fica invisível, da construção da organização global de sindicalismo, que é tardia, mas que, desde 2006, na Confederação Sindical Internacional, se constrói de maneira global e está atuando ativamente. E, junto a essa dimensão global da dimensão social da globalização, está também a dimensão social de que nós chamamos de um colóquio grande de espaços supranacionais de mercado, integrados regionalmente, como 21 a União Europeia, o Mercosul, o Nafta, mercados que vão mais além dos mercados, de modificação regional de mercados, de modificação monetária (no caso europeu), porém tem uma dimensão social, existindo uma formalização determinada de um nível homogêneo, que pretende ser homogêneo com relação aos direitos trabalhistas. Essa dimensão social desses espaços supranacionais permitem preservar os espaços nacionais dos Países-membros que têm suas constituições de trabalho fortes, rígidas. Também, no plano da globalização, é evidente que os fluxos de circulação de trabalhadores, hoje, são globais. Já não se pode falar em termos de Estado-nação para abordar o tema da imigração. A imigração é um fenômeno global, mas o protecionismo cria barreiras ao direito de migrar. Este é um tema que enriquece, complica, mas que, por sua vez, é interessante para prefigurar os desenhos institucionais a que antes estava me referindo. O segundo ponto que é relevante, para essa história dos desenhos, é a percepção de trabalho como um elemento político democrático que se expressa em diferentes identidades trabalhistas e políticas, o gênero, a raça. Significa dizer que o sentido político e democrático de trabalho não pode reconduzir-se ao geral, mas sim deve se manifestar, garantindo a diferença dessas identidades e isso é um problema grande, não é? Sobretudo, porque o tratamos pelo prisma do princípio da igualdade, mas para garantir a diferença, temos que empregar fundamentalmente o princípio de igualdade substancial. Além disso, há de se reformular os lugares de representação de trabalho, se o trabalho tem essas expressões diferentes, o sujeito, a subjetividade do trabalho se modifica e, portanto, classicamente, o habitat das novas identidades não é o mesmo do trabalhador fordista. A precariedade não é o caldo de cultivo de onde o sindicalismo funciona classicamente, onde se sabe, onde persiste sua rotina e estão seguras suas certezas. A precariedade é um desafio para a construção dessa nova subjetividade, entretanto é também um lugar de onde se tem de construir essa representação, e exatamente igual ao valor de trabalho. Nós estamos em uma cultura na qual somos socializados para acreditar que o trabalho tem um valor à medida que seja produtivo e há, ainda, uma ideia da coletividade do trabalho que se compadece mal com o trabalho de cuidados, com o trabalho reprodutivo e este é um tema de grande interesse, que se manifesta em algumas zonas-limites e no meu país, chama-se trabalho a serviço do lar familiar, trabalho doméstico, que são os trabalhos de cuidados, trabalhos de casa, do cuidado de crianças, de limpeza, sendo um trabalho feminino, por excelência (90%), mas que se mercantiliza. E o último ponto: a preferência, cada vez maior, na institucionalização da relação de trabalho, por fórmulas regulamentares, não normativas, não imperativas. Para essa causa, há uma certa indeterminação de liberdade arbitrária na fixação de objetivos e de fins dessa tutela do direito dos trabalhadores. Parece mais uma certa moralização, são compromissos mais éticos que jurídicos. E, aí, simplesmente recordar o que é o método aberto de coordenação das políticas de emprego e, na Europa, a construção do famoso oxímoro que se chama 22 • Transformações no Mundo do Trabalho e Redesenhos Institucionais: Trabalho, Instituições e Direitos flexisseguridade. Este é um exemplo muito claro, mas também teremos um exemplo muito chamativo em todo o debate sobre a responsabilidade social da empresa, os códigos de conduta, a atuação das empresas transnacionais, ainda que aí se veja, muito bem, como se produz esse deslocamento de um código ético, de um compromisso de conduta, há necessidade de compromisso inter partes, obrigações estabelecidas por um contrato coletivo no vazio, sem nenhum tipo de referência ao ordenamento. Bom, isso é, portanto, o que lhes proponho como esquema de reflexão ou de interpretação. Um jurista de trabalho tem que se utilizar desses elementos e desse desenho institucional sempre que estiver na linha de objetivos ampliatórios, que aumentam a capacidade de trabalho, no sentido mais literal do seu termo, que consiga ampliar, estender, as margens de emancipação, sobretudo do Direito do Trabalho. E o jurista com esse tipo de modelo consegue elaborar um discurso crítico, um discurso que entende a realidade, mas que seja crítico, neolaboralista, buscando construir um trabalho teórico que explique, interprete e exija a reforma do Direito do Trabalho. Para isso, no entanto, todo jurista de trabalho, seja advogado, seja professor, estudante, tem que mesclar seus conhecimentos, interpretar conjuntamente com o ator social por excelência que representa sua subjetividade de trabalho, a recomposição de lugares de encontro, de intercâmbio entre juristas de trabalho e o movimento sindical. Eu acredito que isso seja a chave que nos permitirá seguramente acender a luz e saber, desde logo, até onde vamos, como queremos ir e aonde queremos chegar. Muito obrigado pela atenção.