Dossiê: Teoria Social e Desenvolvimento MOVIMENTOS SOCIAIS E A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O MEIO RURAL NO MUNICÍPIO DE SERRINHA Rivani Oliveira Ferreira* Resumo As desigualdades socioeconômicas da sociedade é o resultado das diferentes formas de relações estabelecidas em cada período da história, sobretudo relacionado à gestão das políticas públicas que grosso modo atendem mais os interesses de pequenos grupos sociais. Dentre os segmentos populacionais com maiores traços de abandono por parte dos poderes públicos, encontra-se a população residente no meio rural, os quais ora tem negligenciada a participação nas políticas, ora são beneficiados com políticas que não condizem com a realidade. Esta histórica situação de abandono tem contribuído para a migração exorbitante campo-cidade nos diferentes municípios brasileiros e como parte de toda esta emblemática, encontra-se o município de Serrinha-Ba, localizado a 170Km da capital. Assim, este trabalho pretende discutir a produção de políticas públicas para o meio rural, mostrando a efetiva participação dos movimentos sociais rurais na construção de uma realidade melhor para estes povos. Palavras Chave: Políticas públicas, Espaço rural, Movimentos Sociais. Abstract Socioeconomic inequalities in society is the result of relations established in every period of history, especially related to management of public policies that serve more broadly the interests of small social groups. Among the population segments with higher traits of abandonment by the bad government, is the population living in rural areas, which time has neglected participation in politics, now benefit from policies that do not correspond with reality. This historical neglect has contributed to the migration field exorbitant city in different municipalities and as part of this flagship, is the city of Ba-Serrinha. Thus, this paper discusses the production of public policies for rural areas, showing the effective participation of rural social movements in building a new reality. Keywords: Public Policies, Rural Area, Social Movements Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 79 1- Introdução Esta pesquisa visa analisar o processo de construção das políticas públicas para o campo no município de Serrinha-Ba, apontando a importância de se repensar as ações efetivadas nas comunidades rurais, de modo a assegurar a diversidade existente nestes espaços. Para tanto, é feito um diagnóstico das diferentes realidades existentes no espaço rural do município de Serrinha, ratificando assim a necessidade de se planejar ações adequadas com as distintas realidades existentes. Neste contexto, emerge a grande participação dos movimentos sociais rurais, na efetivação de ações mais condizentes com a heterogeneidade do campo e que vem assegurando grandes melhorias na vida da população rural, especialmente no que confere à geração de renda. Os meios utilizados para concretização da pesquisa foi: realização de entrevista e aplicação de questionários com representantes do poder público local e com o movimento social rural e visita in locu, para análise das realidades impressas em cada lugar. O objetivo central deste trabalho é mostrar as diferentes realidades existentes no meio rural do município de Serrinha, apontando a necessidade de se adequar estas realidades às ações do poder público local, que até então tem deixado a desejar no atendimento das demandas existentes, ao passo que se pretende indicar algumas das ações realizadas pelos movimentos sociais rurais em favor de melhores condições para esta população. 2- Movimentos Sociais e Políticas Públicas para o Campo O processo de produção e disseminação das desigualdades socioeconômicas em nossa sociedade não é algo recente, sendo resultado dentre outras coisas da falta de políticas públicas adequadas, ou mesmo a falta de qualquer política em prol da população como um todo. As políticas públicas, segundo Castro (2005, p. 127), dizem respeito à “prestação de bens e serviços às coletividades e aos seus territórios, como manutenção da ordem, regulamentação do trabalho, assistência social, saúde, educação, etc”. Contudo, é sabido também das lutas de uma parcela da população em favor da diminuição das disparidades econômicas e sociais existente na sociedade de forma a Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 80 asseguraruma sociedade mais igualitária. Estas lutas se materializam em reivindicações dos direitos coletivos que sempre foram “sonegados” pelos detentores do poder, sobretudo os governantes políticos que muito se beneficiam com esta estratificação social fortemente presente em nossa sociedade. No meio rural, espaço fértil das mais absurdas desigualdades, estas lutas se apresentam inicialmente a partir do surgimento das Ligas Camponesas no Nordeste as quais, segundo Silva (2010, p. 52), “representam um importante momento da organização camponesa que, à medida que se amplia, começa a abrigar várias categorias que se vêem expropriadas das condições mínimas para sua reprodução social”. As lutas atualmente, de um modo geral, estão ocorrendo de forma mais organizada e muitas delas respondem pelo nome de movimentos sociais. Dentre estes movimentos, voltados para a área rural, os sindicatos rurais são – sem sobra de dúvida – um dos mais importantes para este segmento da população, principalmente no Território do Sisal. As políticas públicas para o campo vinculadas à atuação dos movimentos sindicais e outros movimentos rurais se materializam a partir da promoção e reivindicação de uma educação contextualizada, na orientação e capacitação dos trabalhadores a respeito da Previdência Social Rural, na organização de projetos de crédito rural como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PEONAF, bem como na atuação em alguns Conselhos Municipais com a finalidade de controle social e como forma de assegurar a implementação das ações específicas para as comunidades rurais. Outro segmento do movimento rural de extrema importância na organização e, de certa forma, na promoção do desenvolvimento das comunidades são as associações comunitárias. De acordo com Duque e Calheiros (2010, p. 190): As associações são muito diversas quanto aos seus fins, formas e modos de vivenciarem as missões que lhe são específicas. No entanto, existe um divisor comum que as caracterizam: são organismo que emanam das coletividades locais ou secretarias e pretenderem responder às necessidades das populações e dos seus associados, os quais são o sustentáculo da sua existência e vitalidade. Neste sentido as associações apresentam-se com um dos mais interventivos atores na promoção do desenvolvimento. Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 81 Estas organizações (associações) são responsáveis na luta por uma política localizada, visto que surgem com o intuito de fortalecer a identidade coletiva e solucionar os problemas do grupo de moradores e por meio de seus representantes buscar construir instrumentos de melhoria da qualidade de vida da população. “As associações devem ser encaradas como parceiros na promoção do desenvolvimento econômico, social e cultural das coletividades locais” (DUQUE E CALHEIROS, 2010, p. 195). Almeida (2006, p. 83) completa esta análise afirmando que: A organização comunitária é fundamental em qualquer processo de intervenção, isso porque é através dela que se constrói a identidade coletiva das comunidades. Mesmo compreendendo a existência de interesses individuais e particulares nessas organizações, as dificuldades comuns a todos, inclusive do alcance de uma melhoria individual, é que fazem com que pessoas se unam e se fortaleçam enquanto grupo para buscar, coletivamente, respostas para seus problemas. Fundamentada nesta realidade é que no município de Serrinha, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares - SINTRAF, Associações Rurais e outros movimentos rurais têm sido peça chave na promoção de ações específicas e de valorização das comunidades rurais, pois sustentada por interesses pessoais, mas que são generalizados, os moradores rurais recorrem cada vez mais a estas entidades fazendo com que amplie o número de associados e por isto fortalecem as ações que são de interesse coletivo. 2.1 Breve Retrato do meio rural de Serrinha O município de Serrinha possui atualmente, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE em 2010, uma população total de 77.285, sendo 47.177 da área urbana e 30.108 da área rural, ou seja, 38,9 % da população residem na área rural, o que é um número bastante significativo. O município compreende 659 Km² em extensão territorial, distribuída entre a sede e 128 comunidades rurais. Deste modo, é preciso atentar para as diferentes realidades apresentadas pelo campo, em se tratando de uma área rural extensa e de uma população razoavelmente grande, imprime sem dúvida alguma condições distintas em Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 82 cada um desses espaços rurais e que devem ser levadas em consideração no momento de planejamento e efetivação das políticas públicas municipais. Como ponto para análise da realidade do meio rural deste município três comunidades foram selecionas e distribuídas em três grupos distintos, levando em consideração a organização espacial, organização econômica e nível socioeconômico e sendo as mesmas generalizadas para as demais comunidades do município representando assim as diferenças existentes na área rural de Serrinha. Aqui a organização espacial é compreendida pelo conjunto de elementos que formam a comunidade, trata-se da quantidade e da forma de distribuição das residências, sobretudo na área considerada central, a existência de comércios mais diversificados, entre outros elementos fisionômicos que possam modelar estes espaços de forma que as diferencie dos demais grupos de comunidades elencadas. A organização econômica está vinculada as atividades predominantes para o conjunto da população, em especial tratando-se da diferença entre atividades estritamente rurais ou de outras atividades mais de caráter urbano. Por fim, a organização socioeconômica analisa a situação de vida da população destas comunidades, a partir do predomínio ou não de pessoas mais carentes. Para o primeiro grupo de comunidades, os critérios de organização espacial se fundamentaram na existência de uma infra-estrutura em especial no “centro” da comunidade que agregasse elementos mais “modernos” e com uma estrutura mais definida. Incluem-se nesta estrutura objetos visualizados costumeiramente nos espaços urbanos como praças, calçamento e comércio, sendo por isto e por outros fatores considerados por alguns pesquisadores como uma urbanidade. Estes elementos dizem respeito primeiramente à grande concentração de residências das áreas centrais, bem como a existência de uma diversidade de comércio, que possibilita uma dinâmica na comunidade, sobretudo, em função dos bares, que apresentam estruturas satisfatórias e por isto atrai pessoas de outros lugares inclusive da cidade. Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 83 Figura 01: Praça da comunidade de Tanque Grande Fonte: Edson Araújo A comunidade escolhida para representar este segmento foi a de Tanque Grande, a qual apresenta, também como já foi discutida, uma organização econômica bastante diversificada e não restrita à agricultura familiar ou qualquer outra atividade rural. Neste espaço há uma concentração muito forte de prestação de serviço público, bem como do desenvolvimento comercial de produtos não agrícolas. A figura abaixo exemplifica as formas de organização desses espaços. As atividades comerciais nestes espaços também perfazem em dados para a análise da organização espacial, devido à grande concentração e diversidade de estabelecimentos comerciais existentes. A tabela abaixo é uma síntese sobre estas comunidades. Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 84 Tabela 01: Estabelecimentos Comerciais em Tanque Grande Tipo de Estabelecimento comercial Quantidade Academia 1 Armarinhos 2 Bares 16 Casa de materiais de construção 2 Casas de farinha 6 Fábrica de sandálias 1 Lan house 1 Lanchonetes 2 Mercadinhos 5 Oficina mecânica 1 Padarias 1 Fonte: Pesquisa de campo Elaboração: Rivani Ferreira Os dados apresentados confirmam as análises de que Tanque Grande apresenta uma grande diversidade comercial, fortalecendo o diagnóstico de que nesta comunidade a agricultura não perfaz a atividade econômica de maior peso. A população desta comunidade também não apresenta grandes dificuldades financeiras. No geral as pessoas possuem condições socioeconômicas satisfatórias para o nível do município. Outro fator de destaque nesta comunidade é o fato de possuírem escolas de Ensino Médio, o que é bastante incomum nos espaços rurais do município. Tal afirmação é uma análise em função da quantidade de comunidades rurais e a quantidade de escolas de Ensino Médio verificadas, não se trata de uma relação entre o número total de escolas na área rural e na área urbana, pois se constata que do total de 18 escolas de Ensino Médio existentes no município cerca de oito encontram-se na área rural. Merece destaque, contudo, o fato de se registrar nos últimos anos um grande número de pessoas destas comunidades que ingressaram em Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 85 universidades públicas ou particulares, situação que não é muito comum nas demais comunidades, as quais apresentam um número ínfimo de pessoas em cursos de universidade. Este último dado, de certa forma justifica a tendência desta comunidade, e de algumas outras com o mesmo perfil, de desenvolver uma economia mais voltada para a prestação de serviços do que no desenvolvimento de atividades agropecuárias, pois os cursos disponíveis no município e mesmo no território do sisal estão voltados para a área de educação. Deve-se ressalvar, porém, que não se está aqui defendendo que as pessoas da área rural não ingressem na universidade sob o risco destas comunidades tornarem-se espaços urbanizados ou de perderem suas peculiaridades, trata-se apenas de uma correspondência entre os dois fatos e mesmo a necessidade de se dispor no município ou ao menos no território do sisal cursos também voltados para as atividades rurais, fato que poderia fortalecer as perspectivas de vida desse grupo de pessoas. Assim, o que se percebe nesta comunidade, com generalização para um primeiro conjunto de comunidades é a tendência a existência de uma grande pluriatividade, aqual Para Fuller (apud Nascimento, 2008, p. 90) A adoção do termo pluriatividade obedece a seu mais amplo significado ao estar referido a uma unidade econômica que realiza outras atividades além da agricultura, tanto dentro como fora da exploração, e pelas quais obtêm distintos tipos de remuneração. Para esse autor, entre as atividades realizadas pela unidade familiar agrária em adição a agricultura inclui-se o emprego em outras explorações agrárias, atividades para-agrárias como transformação de alimentos – atividades não agrárias como o turismo e o artesanato, o emprego fora da exploração e do setor agrário. Assim, o que se verifica nas comunidades com estas características é a combinação de atividades não agrícolas, em conjunto com atividades voltadas para agricultura e a criação de animais que ainda é bem significativa. Para o segundo conjunto de comunidades os critérios foram os mesmos, ou seja, organização espacial, organização econômica e nível socioeconômico, porém verificando um grau menor em todos os aspectos. Na organização espacial nota-se para este perfil de comunidades que na área central, que normalmente é o local de encontro das pessoas nos finais Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 86 de semana, há uma menor quantidade tanto de habitações como de comércios, diferentemente do primeiro conjunto, pois restringe-se a bares e pequenas vendas nas quais se comercializam em pouca proporção alguns alimentos de primeira necessidade e uma baixa variedade de guloseimas. A área central assim como para as demais comunidades se formam em função da religiosidade sendo o local onde existe a capela, na sua grande maioria da religião católica. Figura 02 : Praça da comunidade de Mombaça Fonte: Rivani Ferreira A comunidade escolhida para representar este segmento foi Mombaça, a qual além de possuir características que se assemelham às descritas acima, quanto à organização espacial, também apresenta uma economia muito dependente da agricultura familiar, é um espaço que possui certa quantidade de pessoas que prestam serviços ou desenvolvem atividades não rurais, mas a atividade predominante e que garante a maior parte da renda das famílias é o trabalho na agricultura, sobretudo no cultivo da mandioca. Tabela 2: Estabelecimentos Comerciais em Mombaça Tipos de Estabelecimentos Comercial Quantidade Bar 3 Mercearia 1 Padaria 1 Fonte: Pesquisa de Campo Elaboração: Rivani Ferreira Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 87 Como se pode avaliar há uma grande disparidade da quantidade e da diversidade de estabelecimentos comerciais entre a comunidade de Mombaça e a comunidade de Tanque Grande, retratando assim o fato da agricultura familiar ainda ser a atividade econômica predominante na referida comunidade. Outro elemento que a diferencia da primeira comunidade é o fato de existir nesse lugar apenas escolas de Ensino Fundamental, havendo a necessidade dos jovens se deslocarem até a cidade para concluírem seus estudos. Em entrevistas com representantes da comunidade e também do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de Serrinha - SINTRAF, observou-se ainda que o número de pessoas que fizeram ou fazem cursos em universidades é bastante reduzido, havendo alguns casos muito raros e mais restritos dos professores que lecionam e vivem na mesma comunidade. Quanto ao aspecto sócioeconômico, nota-se que boa parte das pessoas, sobretudo as que possuem uma propriedade de terra suficiente para o desenvolvimento das atividades agropecuárias, possuem condições satisfatórias. Contudo, em nível maior do que o primeiro conjunto de comunidades pode-se perceber a existência de algumas famílias bastante carentes, inclusive no que se refere à moradia, com a existência até mesmo de casas de adobe. Para o último grupo de comunidade a realidade vai decrescendo ainda mais em todos os aspectos, a começar pela organização espacial, em que o chamado centro, na sua grande maioria, restringe-se a uma capela, uma escola, um bar e algumas casas. São espaços em que a distância entre uma casa e outra é bastante grande e a natureza predomina nesses intervalos de espaço entre as casas. Figura 03: Comunidade de Barra do Vento Fonte: Rivani Ferreira Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 88 Foi escolhida para representar este grupo a comunidade de Barra do Vento. Esta comunidade de acordo com os representantes do SINTRAF, que conhece muito bem a realidade da zona rural do município, é uma das comunidades mais carentes em termos econômicos e sociais, concentrando uma grande quantidade de pessoas pobres. Neste e em outros espaços semelhantes a atividade predominante é a agricultura familiar, porém em proporções e níveis insuficientes para garantir boas condições de vida para as famílias. Em parte esta insuficiência da agricultura é resultado da falta de políticas públicas adequadas e suficientes, incluindo-se acompanhamento técnico, beneficiamento dos produtos e mecanismos de comercialização que urgentemente precisam ser revisados no município. Tabela 3: Estabelecimentos Comerciais em Barra do Vento Tipo de Estabelecimento Comercial Quantidade Bar-mercearia 2 Fonte: Pesquisa de Campo Elaboração: Rivani Ferreira Como se pode notar há uma extrema disparidade entre a primeira e a terceira comunidade escolhidas para representar a diversidade no meio rural do município. Tal situação ratifica a necessidade de planejar ações cabíveis a cada perfil de comunidade, a fim de assegurar melhores condições de vida para este segmento da população. Segundo informações e análises de representantes do movimento social há um predomínio de comunidades que se enquadram no segundo conjunto, seguida do terceiro conjunto e por último, o primeiro. Com base no perfil das setenta comunidades que fazem parte da Central das Associações Rurais de Serrinha – CACRES estipula-se que 68,6% das comunidades rurais do município correspondem a uma realidade semelhante a comunidades de Mombaça que perfaz o segundo grupo. Com características que assemelham ao terceiro grupo representado por Barra do Vento, estipula-se que haja em torno de 22, 8% das comunidades do município. E com peculiaridades que se aproximam às das comunidades de Tanque Grande, estima o restante de 8,6%. Um elemento que se destaca em todas as comunidades, independente do grupo a que foi inserido é o desenvolvimento de atividades de lazer restritas ao futebol. Os chamados centros dos povoados contam sempre com um campo, todos eles em condições Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 89 mínimas e construídos pelos próprios moradores, mas que configuram na única atividade para o divertimento das pessoas e encontro dos amigos dos finais de semana. Nota-se que há muito a se fazer para melhorar as formas de lazer nas comunidades rurais, pois não há incentivo ao desenvolvimento de outras modalidades de esporte, os quais costumam configurar em formas de lazer. Tal situação é ainda mais precária em se tratando das mulheres que não possuem nenhuma forma de diversão e descontração nos finais de semana. Até mesmo o futebol não possui qualquer ajuda, pois todos os campos de futebol analisados nas comunidades encontravam-se em total abandono e com mínimas condições de funcionamento. Uniformemente verifica-se ainda o hábito das famílias rurais do município de Serrinha em possuir eletrodomésticos, como televisão, geladeira, entre outros, o que não é novidade, uma vez que é uma tendência nacional, acelerado, sobretudo, a partir da conquista das aposentadorias rurais e dos salários maternidades, garantidos aos trabalhadores e trabalhadoras rurais. 2.2 O movimento social rural e as ações no município de Serrinha As representações sociais do campo no município de Serrinha construíram ao longo dos anos um grande respeito não só diante da sociedade civil como também do poder público. Este respeito se fundamenta nas grandes lutas e reivindicações em prol dos direitos da população rural, os quais são constantemente negados. Sauer (2010, p. 76) afirma que “como sujeitos políticos coletivos, os movimentos sociais lutam contra a exclusão política e por direitos que são constantemente negados, explicitando conflitos presentes na sociedade”. Desta forma o SINTRAF e as Associações Rurais juntamente com outras organizações têm representado o mecanismo para assegurar os direitos dos trabalhadores rurais no município. A partir de discussões junto aos poderes público local, estadual e federal, muitos projetos foram implantados, bem como muitas leis foram colocadas em práticas. Dentre estas ações cita-se a efetivação da Lei 11.947 de 16 de junho de 2009, que dispõe sobre a alimentação escolar garantindo que 30% seja oriunda da agricultura familiar. De acordo com o Art. 14, desta lei Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 90 os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. Desde o final de 2010, o movimento social assegurou nas compras para alimentação escolar, realizadas tanto pelo estado como pelo município a aquisição dos produtos da agricultura familiar. Esta conquista representa dois ganhos para a população rural: o primeiro é que os agricultores passam a ter um mercado certo para os seus produtos, podendo até mesmo dinamizar e aumentar a produção para assegurar o atendimento da nova demanda, bem como é uma forma de trabalhar a valorização destes espaços junto aos estudantes, mostrando as vantagens de uma alimentação saudável. Fernandes, Marques e Suzuki (2007, p. 284) analisam esta questão verificando que dentre as ações para fortalecer o campo há a necessidade da Criação de mecanismos que facilitem a melhor inserção dos produtos agropecuários gerados pelos pequenos produtores rurais no mercado, seja por meio da promoção de feiras livres, da aquisição direta de alimentos para o abastecimento de creches, escola (merenda escolar), hospitais etc. Outra grande conquista do movimento social, em especial do SINTRAF, foi a aquisição de equipamentos de beneficiamento de frutas, os quais possibilitam a produção de polpas, geleias e licores. O maquinário promoveu benefícios diversos, entre eles o fato dos agricultores poderem comercializar as frutas que na maioria das vezes estragavam por falta de um melhor aproveitamento. Participar deste processo permite aos agricultores um aumento na renda familiar. Por outro lado foi possível inserir no mercado de trabalho mulheres e jovens da área rural enquanto membros do grupo de beneficiamento das frutas. Vale ressaltar também que por se tratar de produtos oriundos da agricultura familiar, estes produtos beneficiados como polpa de frutas e geleias são também incluídos na merenda escolar, o que fortalece as atividades deste novo grupo de produção por ter um mercado garantido para comercialização. Os autores Fernandes, Marques e Suzuki (2007, p. 284) apontam esta iniciativa como outro mecanismo de fortalecimento das atividades no campo. Segundo eles, é preciso “estímulo à agregação de valor aos produtos agropecuários, seja por meio da integração de empresas processadoras de matérias-primas provenientes da zona rural, seja pela organização de agroindústrias comunitárias”. Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 91 Ainda sobre o beneficiamento dos produtos da agricultura familiar, registra-se a aquisição de equipamentos para o trabalho com derivados da mandioca. Trata-se de um projeto especifico para a comunidade de Mombaça, a qual apresenta um forte potencial no trabalho com a mandioca especialmente na produção de bolos, doces, salgados, entre outros produtos feitos a partir desta matéria prima. O projeto tem como objetivo fortalecer esta atividade que já é comum na comunidade por meio da criação de um grupo de produção formado por mulheres. Além disso, os representantes do movimento social impetraram também a aprovação de uma casa do mel, a qual tem a função de agregar valor aos derivados deste produto e assim fortalecer a atividade de apicultura no município. A casa de farinha está pensada para ser implantada na comunidade de Subaé, mas com o objetivo de atender a todos os apicultores do município. Vale ressaltar que o mel faz parte dos alimentos adquiridos pela prefeitura para a alimentação escolar e que o beneficiamento deste produto representa a possibilidade de ampliar e diversificar os produtos oferecidos. Pautado nestas novas atribuições dos movimentos sociais Tonneau (2007, p.271) avalia que (...) a sociedade civil e os movimentos sociais reorganizaram-se: de uma ação estritamente política e social para a adoção de uma preocupação técnica e econômica. O desenvolvimento tornou-se assunto de trabalho, e os movimentos passaram a assumir um novo papel de organizações coletivas para sua promoção, preenchendo progressivamente a lacuna deixada pelo Estado. Os representantes do movimento local conseguiram ainda, juntamente com representantes do movimento social em nível estadual, firmar com a prefeitura de Serrinha uma parceria na construção de casas populares para o meio rural deste município, visto que há uma grande demanda nesta área, havendo inclusive a existência de casas de adobe. Neste primeiro momento foi estabelecida a construção de apenas cinquenta casas, mas com perspectiva de ampliação ao findar a primeira etapa. Este projeto representa um mecanismo para assegurar uma moradia digna e de qualidade para o homem do campo, fortalecendo as possibilidades de continuidade deste segmento da população na área rural. No âmbito da educação, os movimentos sociais têm sido apenas agentes de fiscalização e reivindicações voltadas apenas para os aspectos de funcionamento e estrutura destes espaços. No que confere à inserção de uma política especifica nos currículos das escolas Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 92 rurais, as ações não têm sido muito efetivas, tendo como conquista apenas a aprovação de uma escola família agrícola para o município, a qual pode representar uma renovação na educação ofertada no meio rural. Contudo, esta escola nem mesmo iniciou o processo de construção do espaço físico, quanto mais do planejamento para o funcionamento. Sobre a saúde o movimento social conseguiu estabelecer junto à Secretaria de Saúde dois dias específicos para agendamento de exames médico para a população rural. Antes deste acordo a população rural ficava sem marcar seus exames ou era obrigada a se deslocar um dia antes para a sede do município na tentativa de conseguir uma vaga. Outra questão sobre a saúde é o fato de o SINTRAF, disponibilizar para os seus associados alguns tratamentos dentários, tais como extração e restauração. Esta iniciativa do SINTRAF, ainda que possa ser considerada como uma prática assistencialista, tem sido na verdade uma das poucas chances desta população poder cuidar de alguns problemas bucais, uma vez que há uma disponibilização ínfima de Programas de Saúde da Família - PSFs no meio rural, sendo estes os responsáveis na prestação destes tipos de serviços de forma gratuita. Esta situação coloca a população rural em uma situação de extremo desamparo e abandono por parte do poder público. Algumas alternativas voltadas especificamente para cada comunidade, sobretudo a partir da atuação das associações locais têm sido a aquisição de equipamentos como tratores para o uso coletivo e que possam facilitar o desenvolvimento das atividades no campo. Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 93 3.Considerações Finais As discussões estabelecidas e os dados apresentados até o memento conduzem para a ratificação da existência de uma realidade bastante heterogênea no meio rural do município de Serrinha, a qual deve ser considerada no momento da construção e efetivação das políticas públicas para a população residente, sobretudo com o objetivo de assegurarmelhores condições de vida a esta parcela da população e assim contribuir dentre outras coisas para a contenção da migração campo-cidade. Verifica-se a significativa participação do movimento social rural na efetivação de ações que contribui para amenizar a histórica situação de abandono e descaso com as necessidades apresentadas nestes espaços. Compreende-se que uma parceria entre o movimento social e o poder público local pode levar a construção de uma realidade melhor, com menos disparidades socioeconômicas e menos abandono a certos grupos sociais. Olhares Sociais (02) janeiro-junho de 2013: 79-95 94 Referências Bibliográficas ALMEIDA, Tânia Scofield (org). Viver Melhor. Salvdor: Solisluna Design de Editora, 2006. CASTRO, Iná Elias de. Geografia e Política: território, escalas de ação e instituições . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. DUQUE, Eduardo e CALHEIROS, Antônio. O Associativismo e os novos desafios da Glocalidade. In: (Geo) grafias dos movimentos sociais. Feira de Santana: UEFS Editora, 2010. FERNANDES, Bernardo Mançano; MARQUES, Marta Inez Medeiros; SUZUKI, Júlio César (orgs). Geografia Agrária: teoria e poder. São Paulo: Expressão Popular, 2007. NASCIMENTO, Carlos Alves do. Pluriatividade, pobreza e políticas públicas: uma análise comparada entre Brasil e União Européia. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2008. PORTUGAL, Cadja Araújo. Dissertação de mestrado: agentes comunitários do Semi-árido e desenvolvimento local. Cruz das Almas: Universidade Federal da Bahia, 2003. SAUER, Sergio. 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