Antiga Estação Rodoviária de Londrina – Hoje, Museu de Arte
A principal obra de Artigas e Cascaldi em Londrina é, sem dúvida, a da antiga rodoviária,que
desde a sua construção foi considerada um marco de desenvolvimento para toda a população.
Sua leveza, transparência e pureza geométrica incorporam os princípios da Nova Arquitetura, a
qual se expandia em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro; e consistiram no cartão
de visitas da cidade por muito tempo. Ela foi a quarta rodoviária em Londrina, tendo sido
tombada como patrimônio histórico nos anos 70; e atualmente abriga o Museu de Arte
Londrina, após um projeto de reciclagem do início da década de 90.
Como se sabe, nas décadas pioneiras, além das residências, empregava-se a madeira também
nas demais construções públicas, como a primeira parada de ônibus em Londrina – quando o
povoado era ainda um fim-de-linha na mata norte paranaense-, a segunda rodoviária também
era edificada em madeira, construída na praça Willie Davds, onde atualmente fica o Edifício
Autolon. Situada diante do escritório da CTNP, ficava bem próxima à Prefeitura Municipal, à
Associação Comercial, ao Bar Pingüim, ao Restaurante Calloni e a um ponto de táxis em que os
carros de aluguel eram chamados Biribas. Este local era o centro nervoso da cidade. A terceira
estação rodoviária também era um abrigo de madeira, construído, nos anos 40, na Praça 1º de
Maio, também naquelas proximidades.
Entretanto, já naquela época, começavam a surgir mais empresas de ônibus e o grande
movimento de passageiros acabou conduzindo para a mudança do local para a Rua Sergipe, a
tradicional rua de comércio da cidade.
Foi justamente o crescimento da cidade que conquistou uma estação projetada e, assim a
nova rodoviária foi inaugurada em 04 de outubro de 1952, pelo então Prefeito Milton Ribeiro
de Menezes, embora tenha tido a sua construção iniciada em 1948, pouco tempo depois do
projeto ter sido encomendado pelo Prefeito Hugo Cabral, através de seu Secretário de Obras e
Viação, o engenheiro civil Rubens Cascaldi, aos arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi.
Sua implantação na Rua Sergipe foi fundamental para que se criasse um logradouro público – a
Praça Rocha Pombo, situada entre a estação rodoviária e a estação ferroviária, que se tornaria
palco de grandes comícios na década de 50, devido ao fato de ser um local com muitos
transeuntes. Seu desenho, remodelado em 1954, acabou compondo importante conjunto com
a obra moderna.
A demora da construção da nova estação rodoviária deu-se devido à dificuldade para a
execução das estruturas em concreto armado e também pela falta de mão-de-obra
especializada. O acompanhamento e fiscalização ficaram a cargo do próprio Rubens Cascaldi,
irmão de Carlos e diretor do Departamento de Obras Viárias – DOV da Prefeitura Municipal de
Londrina. Quando da sua inauguração, os jornais sublinhavam a rodoviária como uma "obra
realmente grandiosa, dadas as suas linhas arquitetônicas, ultramodernas" (FOLHA DE
LONDRINA, 13.SET.1952).
Tendo cerca de 700m2, o edifício desde sua inauguração, enfrentou problemas de
superlotação. Alguns dizem que o projeto foi encomendado para uma cidade de apenas
25.000 habitantes, quando Londrina em 1952, recebia em média 6.000 pessoas só nos finais de
semana. Isto explicado pelo fato de todos os imigrantes e colonos, que vinham desbravar o
norte e o restante do centro-sul paranaense, passarem obrigatoriamente por Londrina. A
importância da cidade como pólo do interior do Paraná firmou-se graças à sua posição
privilegiada, com distâncias equivalentes entre Curitiba e São Paulo; e tal posição favorecia a
rota da imigração. Muitos estrangeiros que chegavam ao Brasil via Porto de Santos, já
embarcavam em ônibus com destino a Londrina. Chegando aqui, muitos não tinham dinheiro
sequer para pagar um hotel barato, o que os faziam dormir na própria rodoviária.
Basicamente, a obra lembra a tipologia das residências paulistas projetadas no mesmo período
por Artigas e Cascaldi: as lajes inclinadas e os volumes trapezoidais, assim como as superfícies
de vidro que passavam a encontrar lugar em obra de grandes dimensões. Ela guarda muitas
semelhanças especialmente com a segunda residência de Vilanova Artigas, projetada em 1949,
no Campo Belo, São Paulo, entre as quais: o emprego de volumes geométricos claros e
definidos, coberturas convergentes, estrutura independente de concreto armado, jogos de
rampas e de níveis desencontrados, transparência e interpretação espacial. Possuindo uma
fachada de cerca de 65,50m de comprimento, compõe-se de sete abóbadas abertas, além de
um volume prismático, com 34m de frente, que encerrava as atividades do restaurante,
escritórios e lojas subdivididas em dois níveis bem definidos e interligados. Percebe-se neste
projeto outra característica de Artigas e Cascaldi: as grandes áreas envidraçadas, com caixilhos
de ferro, expostas em uma das faces das edificações, em contraposição à outra, cobertura de
brises, os quais foram instalados somente em 1954. A preocupação com os detalhes,
especialmente, no que diz respeito à estrutura, é perceptível nos pilares, também revestidos
de pastilhas, como também na laje de piso do mezanino.
Equilibrando a composição, os arquitetos optaram não mais pela repetição do prisma –
solução que já haviam utilizando anteriormente – mas pela adoção de uma série de abóbadas,
sob as quais ficavam as plataformas de embarque e desembarque dos passageiros. A leveza do
conjunto final, principalmente da estrutura, fez muitos duvidarem, na época, da estabilidade
da construção. Entretanto, não se pode deixar elogiar o resultado obtido pelos estreitos pilotis
que sustentam as abóbadas ou pilares em V que suportam a marquise de acesso. As
referências à Escola Carioca foram muitas, indo desde as citações dos brises inspirados no
Ministério da Educação e Saúde, de 1936, até os trabalhos de Oscar Niemeyer e Afonso E.
Reidl (1909-1964) dos anos 40.
O edifício foi implantado no sentido de valorização das vistas: de um lado, ao sul, a cidade, e
do outro, ao norte, as grandes plantações de café. A transparência do conjunto permite uma
panorâmica sem igual daquele setor de Londrina, pois ao subir ou descer pela rampa interna,
uma paisagem descortina-se de modo fascinante. O comércio, de lojas a ambulantes, todos
disputando um ponto privilegiado na emergente Rua Sergipe, endereço que se mantem
comercial até os dias de hoje.
No aniversário de 20 anos da cidade, em 1954, dois anos após a inauguração da nova estação
rodoviária, quando também foi apresentada outra obra de Artigas e Cascaldi, a Casa da
Criança, ainda se destacava o valor do projeto. A imprensa divulgou a seguinte nota: "Soberbo
conjunto arquitetônico a enfeitar a urbe, (a estação rodoviária) ressalta, do contraste com o
feio barracão anterior, o próprio desenvolvimento da cidade nos últimos tempos, cuja feição
urbana a coloca, indiscutivelmente, entre as melhores do interior do país" (FOLHA DE
LONDRINA, 02.DEZ.1954).
Nos anos 70, com a decadência da
cafeicultura, as cidades do interior do
norte-paranaense, entre elas Londrina,
sofreram um êxodo populacional. Baixada
a poeira da prosperidade, a degradação do antes próspero centro urbano em torno da
rodoviária teve então início. A prostituição tomou ruas e pequenos hotéis de viajantes; e a
estação tornou-se um lugar sujo e tumultuado. Em setembro de 1974, a Estação Rodoviária foi
tombada como patrimônio histórico e artístico, através do Tombo Histórico n. 52, processo n.
53/74, assim como a Praça Rocha Pombo, à sua frente, inscrita no livro paisagístico sob n. 53,
processo 54/74, em 08 de setembro de 1947. Ela foi a primeira obra modernista a ser tombada
no interior do país.
Na década seguinte, foi encomendado o projeto de uma nova rodoviária ao arquiteto carioca
Oscar Niemeyer (1907). Em 1998, o atual terminal ficou pronto e a rodoviária foi
definitivamente transferida. O espaço da antiga estação então passou a ocupado por uma feira
de artesanato local, mas a depredação do lugar tornou-se cada vez pior. A idéia de reciclar a
edificação para o Museu de Artes surgiu no final de 1989, sendo oficializada através da UEL
Antonio Carlos Zani e Jorge Marão C. Miguel. O prédio foi restaurado conforme as
especificações do projeto original de Artigas e Cascaldi. Esquadrias e vidros foram trocados;
cores e pastilhas recuperadas; e, em 12 de maio de 1993, o Museu de Arte de Londrina foi
inaugurado. Desde então o espaço tem abrigado várias exposições e eventos, sendo até agora
mantido em boas condições de conservações pela Prefeitura Municipal.
Contudo, a transformação do edifício em área de exposição de arte conduziu a alguns
problemas, principalmente pela grande quantidade de paredes envidraçadas, o que
comprometia a conservação de obras artísticas. Em uma decisão encontrou polêmica no seio
da sociedade londrinense, em 1997, optou-se em aplicar uma película protetora nas aberturas
do prédio. Com este filme mais escuro, a transparência, que consistia em talvez a característica
mais marcante do edifício foi perdida. Da mesma forma, alegando-se a questão da segurança
do recinto, uma vez que a aquisição de obras escultóricas por parte do museu requisitava
Que as mesmas fossem dispostas exteriormente, a edificação foi cercada por uma grade de
ferro, o que, novamente, comprometeu o caráter original da obra. A implantação aberta, que
associava o prédio à praça circunvizinha, foi perdida, substituída pelo gradil que apesar de
solucionar o problema de controle de acessos, bloqueia a fluidez que havia anteriormente no
local.
Apesar dessas modificações, a obra mantém suas principais características plásticas,
consistindo em importante testemunho da fase áurea do café norte-paranaense. Funcionando
36 anos como rodoviária, o prédio guarda suas feições originais dos anos 50 e ainda desperta a
atenção pelo seu inusitado jogo volumétrico, conseguindo através do contraste da oblíqua do
volume trapezoidal com as curvas das abóbadas, quase soltas no espaço.
É interessante aqui também destacar a contra posição – tanto especial como forma – entre a
antiga Estação Ferroviária (1948/50), essencialmente eclética, e a antiga Estação Rodoviária
(1948/52), de Artigas e Cascaldi.
A tensão provocada entre as duas edificações é evidente; um antagonismo que pode ser
estendido para os termos de antigo e novo; passado e futuro. Suas formas ainda hoje se
contrapõem, assim como novos usos: à primeira foi conferida a função de museu histórico –
que reúne em seu acervo, relíquias dos pioneiros e lembranças do período de apogeu do café
londrinense – enquanto que a segunda foi conduzida a atividade de museu artístico,
predominando as funções de uma galeria com exposições itinerantes, especialmente de arte
moderna e contemporânea – um tributo a criatividade e, por extensão, à veia desbravadora da
cidade. Com um isolamento pela diferença de nível topográfico e pela permanência na Praça
Rocha Pombo, ambas edificações quase que se confrontam, ou seja, a composição simétrica,
tradicional e acadêmica da ferroviária está literalmente tensionada pela composição
assimétrica, leve e transparente – moderna – da rodoviária. Artigas e Cascaldi não somente
produziram uma obra funcional e bela, mas que também servia de mediadora: de um lado, o
campo, as plantações de café e a ferroviária; do outro, a cidade, a "selva de pedra" e o
progresso. Isso sem citar a natural contraposição entre o transporte ferroviário e o rodoviário.
Infelizmente, ambas as obras mantêm-se cercadas por uma grade metálica, justificada pelo
Conselho Municipal de Cultura por questão de segurança. Pela natureza original das duas
edificações, estas eram implantadas de aberta à cidade – eram, na verdade, "portas" de
Londrina. Entretanto, hoje a situação é outra. O acelerado crescimento do centro da cidade
também conduziu a sérios problemas àqueles espaços tão significativos para a memória
londrinense. Assim, a garantia da preservação como monumentos arquitetônicos somente
pode ser dada com o sacrifício de seu fechamento em relação às vias públicas.
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Antiga Estação Rodoviária de Londrina – Hoje, Museu de Arte