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AS LINGUAGENS QUE CIRCULAM SOBRE O OUTRO OU COMO OS
ÍNDIOS E NEGROS SÃO REPRESENTADOS NOS LIVROS DIDÁTICOS
Verônica Maria dos Santos
Universidade Federal de Campina Grande
RESUMO
O presente resumo trata de uma explicação de como são formuladas as imagens e os
estereótipos sobre os índios e os negros nos livros didáticos de História. O mesmo faz parte do
projeto de pesquisa: “Identidade e Alteridade: como índios e negros chegaram ser o que dizem
que são nas narrativas da História ” Este resumo tem, portanto o objetivo de apresentar o poder
identitário imbuído nos discursos presentes nos livros didáticos, partindo do pressuposto que os
índios e os negros aparecem sempre em lugares de inferioridade. Dessa forma, vamos analisar
as falas dos autores dos livros didáticos pesquisados, para assim podermos discutir o poder
incluso nessas falas, vendo que as imagens, identidades e/ou estereótipos são construídos sobre
estes dois grupos étnicos. Partimos, então, da idéia de que os sujeitos e suas subjetividades são
formados de acordo com os discursos (tanto falados como escritos) sobres os mesmos. Esses
discursos sao “autorizados” e instituídos como “verdadeiros” e diretamente relacionados com os
saberes e poderes disseminados por toda sociedade. Pesquisamos alguns livros didáticos da
década de 70. Como técnica de pesquisa trabalhamos com citações dos livros – de História do 1º
grau, dos quais retiramos e registramos as falas dos seus autores acerca de índios e negros. Para
logo depois analisamos estas falas segundo o aporte teórico - metodológico utilizado na
pesquisa. A metodologia utilizada foi nesse sentido, fichar e registrar as citações retiradas dos
livros didáticos em relação a esses grupos étnicos, para dessa forma mostrar qual lugar foi
instituído para estes na sociedade. Isto, feito em paralelo com a realização de leituras teóricas
que dão embasamento para a análise em questão. Diante do exposto, os resultados conquistados
na pesquisa foram de que os índios e negros mal aparecem nos livros didáticos pesquisados, e
quando aparecem são colocados no lugar dos dominados, de inferiores, que nasceram para ser
mandados, como primitivos, entre outras atribuições. Sendo que, mesmo quando estas
designações não aparecem de forma direta, intrinsecamente percebe-se nessas falas como é
natural e espontânea a colocação. No caso do negro este é considerado objeto de trabalho, como
seres dominados, de cultura inferior, sem atitudes, verdadeiros bestializados que não tinham
outra saída senão a de aceitar viver com maus tratos, pelo fato de que os brancos eram mais
fortes, mais desenvolvidos e, por isso mesmo, os que trouxeram para o território brasileiro a
civilização e o desenvolvimento. E, no caso do índio estes são considerados como bárbaros,
animais selvagens que viviam em plena pré- história além de serem considerados “gentios”,
preguiçosos que precisavam ser “domesticados” e transformados em seres humanos, para assim
poderem sair desse estágio de atraso em que viviam e passarem a fazer parte do mundo
“civilizado ”. E ainda atribuí á miscigenação a não formulacáo de um pré-conceito muito forte
entre as pessoas aqui residentes. Fato improvável, pois há sempre um constante mal estar
quando um negro, por exemplo, entra em um lugar onde só existam brancos. Ou ainda, se
alguém ver um negro na rua já se amedronta pensando que se trata de um ladrão. Sendo muitos
outros exemplos ainda utilizados, como a quase inexistência de pessoas negras trabalhando em
lojas, ou em outros locais onde a da mão de obra é branca é intensa.
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TRABALHO COMPLETO
Tomando a linguagem1 como ponto fundante dos discursos2 – não apenas falados e
escritos mas também pensados – percebemos como a mesma é importante na
formulação/produção de imagens estereotipadas. Levando isso em consideração, propomos uma
discussão acerca dessa importância discutindo o poder que tem a linguagem na classificação,
denominação, rotulação, promovendo a subjetivação de sentidos identitários, formulando os
mais variados discursos e naturalizando representações. A linguagem, nesse ponto, instituiria
sentidos e significados pautados em uma relação de poder onde são produzidas simbologias e/ou
imagens para os sujeitos.
Ao fazermos essa discussão temos a possibilidade de analisarmos que poder é esse que
foi atribuído a linguagem, no tocante a formação do processo identitário dos sujeitos. Processo
que de modo algum é neutro pois vai formulando significados e produzindo
lugares/posicionamentos para cada ser na sociedade.
Para tanto, a presente produção textual trata de um esboço, mostrando como índios e
negros estão representados nos livros didáticos de história. Esta produção faz parte de um
projeto de pesquisa que tem por objetivo perceber o poder presente nos discursos/falas
pesquisadas.3 No caso específico deste trabalho, estão presentes as falas dos livros didáticos
estudados, sendo essas analisadas ao longo deste texto4. Nossa preocupação é ver que
linguagem(ns) circunda(m) os personagens envolvidos nesta narrativa. A importância deste
trabalho está vinculada à necessidade de explicitarmos o poder incluso nestas falas, para assim
podermos analisar o porquê de índios e negros sempre aparecerem em lugares de inferioridade,
mesmo quando não se tem a intenção. Isso porque em todas as falas pesquisadas é recorrente
uma relação de alteridade em que um aparece no lugar de superior e, em contrapartida, ao outro
é dado o lugar de inferior.
Na busca por desmistificar esses lugares é fundamental esclarecer porque os livros
didáticos, principalmente os de História, têm participação crucial na estereotipação de índios e
negros, isso porque os mesmos trazem representações de imagens que já se tornaram
representação “oficial” do que seria História do Brasil. Nesta, o branco “desenvolvido e
civilizado” tomou posse do que lhe pertenceria por ser o mais forte, o mais desenvolvido, como
se as terras conquistadas tivessem à espera de seus descobridores, marcando dessa forma um
ponto de partida em que os Europeus tomaram o lugar do “Eu” e dessa forma rotularam o lugar
do outro; no caso seriam índios e negros. Lugares estes bem definidos na grande maioria dos
livros de História.
1
O termo linguagem a está sendo utilizada aqui em seu sentido atribuído na pós-crise da lingüística
ocorrida no século XIX, quando a mesma passou a ser encarada como detentora de poder, que
classificava, marcava e denominava através das falas/discursos. Esta, então, passou a ser vista como
instituidora do processo histórico. Formulando uma nova forma de encarar a lingüística, não vendo esta
como simples meio de comunicar.
2
Discurso aqui tomado enquanto prática de falar, pensar e agir, e que está permeado por relações de
alteridade.
3
Esse projeto de pesquisa intitula-se: “Identidade e Alteridade: como índios e negros chegaram a ser o
que dizem que são nas narrativas da História”. As fontes de pesquisa são: A Literatura de Viajantes e
alguns Livros Didáticos de História. O projeto tem por coordenadora Erônides Câmara Araújo e teve a
participação de quatro orientandas, incluindo a mim. O mesmo foi iniciado em 16 de maio de 2004, tendo
duração de dois anos.
4
Todas as falas em questão estão presentes nos livros pesquisados durante a realização da pesquisa.
Sendo todos esses livros da década de 70. 1.CARVALHO, L. G. Mota. Ensino Moderno de História do
Brasil. Edição n.º1. Editora do Brasil S/A; 2.VALUCE, Ládme. História do Brasil: ensino do primeiro
grau. Ed. 28. Editora do Brasil S/A . São Paulo; 3. MATTOS, I. de R. et all. Brasil: Uma História
Dinâmica – do Descobrimento à Independência. Vol. 1 São Paulo: Cia Editorial Nacional, 1970; 4.
SOUTO MAIOR, A. História do Brasil: para ensino de 2o grau e vestibulares. 10o ed. São Paulo. Cia
Editorial Nacional, 1974; 5. HERMIDA, Antônio José Borges. Compêndido de História Geral. 8a ed. São
Paulo: Cia Editorial Nacional, 1971.
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“Sua cultura muito adiantada [a dos brancos] colocava-o em
superioridade aos índios (...). No processo de colonização das terras
brasileiras, foi o elemento branco que promoveu o crescimento da
colônia (...).O branco já se misturara ao índio. Tentara escravizá-lo em
vão. Para trabalhar nos campos, chegava, como mercadoria, o negro.”
(p.122).Grifo nosso.5
Desse modo, ao observarmos as falas registradas, a começar por essa acima mostrada,
não é muito difícil percebermos o poder da representação que envolve índios e negros. Isso
porque estes dois grupos étnicos são denominados pelos autores dos livros didáticos
pesquisamos como menos desenvolvidos em relação ao branco. Representação esta que foi ao
longo do processo histórico (principalmente do Brasil) subjetivada como verdade. A
problemática disso é que dificilmente se questiona as informações contidas nos livros didáticos,
pois estes são tidos como representação da verdade, posto que discentes e docentes os tomam
como fontes de informações incontestáveis.
No entanto, nossa tarefa é desconfiar destas informações no sentido de mostrar que
esses livros são produtos envolvidos com intencionalidade e visões de mundo, contendo
narrativas de um dado contexto que em momento algum são neutras. Isso porque nós enquanto
professores e/ou público alvo desse material didático temos que ficar atentos para com essas
representações produzidas. Representações não somente referente aos escritos, mas também às
iconografias que por muitas vezes acabam reproduzindo sentidos pautados nessa relação de
diferentes.
Não obstante na busca por desconstruirmos esse lugar do livro didático como algo
instituído de verdade, temos que levar em consideração que essa categoria lhe foi atribuída por
este ser um meio didático muito utilizado em escolas, tornando-se em alguns momentos o único
meio de transmissão de informações. Esquecendo-se com esta visão que este instrumento faz
parte de escolhas e de práticas discursivas que cristalizam a visão de mundo e as leituras
realizadas por seus autores, que vão mesmo sem intencionalidade reproduzindo lugares a partir
de seu próprio lugar na sociedade.
Sabendo disso, observamos que os sujeitos e suas subjetividades são formuladas de
acordo com os discursos e representações escritos e/ou falados sobre os mesmos. Discursos
estes “autorizados” e instituídos como verdadeiros, diretamente relacionado com os saberespoderes disseminados pela sociedade.
Acerca disso FOUCAULT (1996) 6 nos diz que os sujeitos e suas subjetividades são
produzidos a partir da linguagem. Ou seja, somos o que dizem que somos a partir dos dizeres
que nos rodeiam e a partir de como subjetivamos tudo isso. Dito de outra forma, somos o que
dizem que somos pautados nos discursos que nos envolve desde o nosso nascimento e
construimo-nos enquanto sujeitos de acordo com o “mundo” onde vivemos. Nós subjetivamos
sentidos, símbolos, imagens; e nos colocamos como sujeitos pensantes, no entanto o nosso lugar
é sempre dado a partir de uma relação de reconhecimento e diferença; ou seja, nosso lugar é
sempre marcado pela alteridade: o que eu sou perante o outro.
Essa subjetivação perpassa por uma naturalização de um sentido identitário onde se
nomeia o eu e o outro em determinada situação. Em se tratando da História do Brasil não é
difícil percebermos a rotulação que é dada a negros e índios em relação ao branco. Nesta
história cristalizou-se cada imagem – estereótipo, bem como os significados que envolvem cada
personagem; significados que passam por um processo de classificação tendo por base o
discurso da diferença, discurso esse pautado no reconhecimento e na similitude. A respeito disso
FRANÇA (2002)7 nos diz que “...A questão da identidade aciona, no mesmo movimento, a
5
Essa citação foi retirada do livro História do Brasil: ensino do 1o grau de Ládme Valuce.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciado em 02
de dezembro de 1976. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
6
7
Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver? Org. Vera Regina Veiga França – Belo
Horizonte: Autêntica, 2002.
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discussão tanto da similaridade quanto da diferença. Os dois ingredientes estão igualmente
presentes, são igualmente necessários.” (p.28). Quer dizer esse processo de subjetivação
formula um desejo de identificação e não identificação, deseja-se está no lugar do dito mais
forte, gerando em contrapartida uma fuga na identificação para com o considerado mais fraco.
Nesse sentido, nas leituras presentes nos livros didáticos são formulados sentidos e
significados onde o branco ganha destaque, formulando uma imagem pejorativa dos seus
diferentes; no caso o negro e o índio que são representados como dominados, selvagens,
preguiçosos, sem cultura. Se assim o é, então os livros didáticos produzem e reproduzem ao
mesmo tempo um desejo de similitude e de diferença em que ao diferente vai ser dado um
sentido identitário sempre o comparando a partir de uma relação de alteridade, onde um vai ser
sempre o menos favorecido. FRANÇA (idem)8 acrescenta ainda que:
“... identidade tem a ver com discursos, objetos, práticas
simbólicas que nos posicionam no mundo – que dizem o nosso lugar
com relação a outro (outros pontos de referência, outro lugar). Ao fazer
isto a identidade também marca e estabelece uma posição, o lugar que
efetivamente construímos e no qual nos inserimos. Ela se constrói assim
– nessa interseção entre discursos que nos posicionam e o nosso
movimento de nos posicionarmos enquanto sujeitos no mundo.” (p. 28).
FOUCAULT (1996)9 também enuncia que não existe eu sem o outro. E um vai estar
sempre em posição de destaque. Em se tratando do índio e do negro as subjetividades sobre eles
estão permeadas por relações de alteridade onde discursivamente estes são colocados num
patamar de inferioridade. E isso, resulta na construção de um processo de subjetivação que tem
por resultado a formulação de estereótipos, cuja base de sua representação está vinculada a uma
relação entre diferentes. Esse processo fez – ao longo da História – a leitura do mundo
Ocidental adquirir valor de verdade, fazendo com que sua cultura se tornasse hegemônica nas
narrativas tanto dos livros didáticos quanto dos não-didáticos, ou seja, uma narrativa
estritamente europocêntrica que passou a descrever o mundo, mas não uma descrição qualquer,
uma descrição em que os brancos europeus estariam sempre à frente das demais culturas. Sendo
que estas são experimentadas como diferentes, tornando-se as outras, com menos valor,
anormais e inferiores.
Diante do exposto, os resultados da pesquisa foram de que índios e negros mal
aparecem nos livros didáticos, em se tratando dos primeiros tempos da História do Brasil, e
quando aparecem são representados como inferiores, não civilizados, reproduzindo o seu lugar
de dominados. Isso, mesmo quando estas designações não aparecem de forma direta, pois se
percebe intrinsecamente nesses livros uma naturalização na representação destes dois grupos
étnicos. É o que podemos ver na citação abaixo:
“Duas raças se encontraram em terras do Brasil a 22 de abril de
1500. O índio, habitante do lugar e o branco que vinha tomar posse da
terra que, a partir dali, lhe pertenceria. Mais tarde vieram da África os
negros. Chegaram como escravos, para fazer a riqueza da terra e dos
colonos brancos.” (p.119). (grifo nosso)10.
No caso do negro, percebemos nas falas dos autores pesquisados que este quase sempre
aparece como objeto de trabalho, os seres dominados, de cultura inferior, sem atitudes,
verdadeiros bestializados que não tinha outra saída senão a de aceitar viver com maus tratos,
pelo fato de que os brancos eram mais fortes, mais desenvolvidos os que trouxeram para o
território brasileiro a civilização e o desenvolvimento. Sendo o seu trabalho – o do negro – a
única saída viável para o desenvolvimento do processo histórico. Havendo mais, para os autores
8
Idem.
A Ordem do Discurso.
10
Essa citação foi retirada do livro História do Brasil: ensino do 1o grau de Ládme Valuce.
9
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a miscigenação existente no Brasil não permitiu que se formulasse um preconceito muito forte
entre as pessoas aqui residentes.
“O grande número de escravos se fizera necessário, pois a
produção dependia deles.(...).A mistura de raças facilitou muito o
trabalho de colonização e impediu que se formasse aqui preconceito
racial exagerado.” (p.124) - grifo do autor.11
E, no caso dos índios, estes aparecem como bárbaros, animais selvagens que viviam em
plena pré-história, “gentios” preguiçosos que precisavam ser “domesticados” e transformados
em seres humanos, para assim poderem sair desse estágio de atraso em que viviam e passarem a
fazer parte do mundo “civilizado”. Tomemos como exemplo a fala de um outro livro didático
pesquisado:12
“...Além do mais, não vinha (cic) êsses portugueses dispostos a
encarregar-se de trabalhos pesados. A quem caberiam êstes? A princípio
se pensou na escravização do índio. No entanto, manhoso, conhecedor
da terra e desacostumado ao trabalho, o indígena não chegava a
produzir sequer o necessário para o seu próprio sustento...”(p. 70).(grifo
nosso).
Percebe-se desse modo que, a rotulação, nomeação e representação de índios e negros
foram produzidas e reproduzidas pelos autores dos livros didáticos, sendo que suas falas estão
transpassadas por diversos símbolos e significados formulados antes deles. Mesmo palavras ou
narrativas utilizadas, até certo ponto, sem intenção de mostrar uma diferenciação colocam um
personagem – o branco – em posição de destaque naturalizando mais uma a visão
europocêntrica do processo histórico, em que o branco mantém uma relação binária com as
demais culturas, este aparecendo como mais bonito, mais inteligente, mais desenvolvido.
Essa representação ligada ao poder da linguagem é, segundo Foucault13, instituída e
aceita como verdade, posto que uma linguagem hegemônica ganha “autoridade” de denominar e
rotular classificando os vários lugares sociais que são impostos aos sujeitos. Assim o sujeito
sempre fala de um determinado lugar social, internalizando simbologias e significados
diretamente afetados por uma relação de poder, que é constitutiva de seu discurso e de suas
práticas. Foucault14 acrescenta que é somente pela prática discursiva que se naturaliza um
determinado lugar social e empírico para cada ser.
Ou seja, em se tratando das representações aqui analisadas, negros e índios posicionamse em um discurso instituído como verdade que está sempre em comparação com a
representação dada aos brancos. Tomemos como exemplos essas falas retiradas dos livros
didáticos.
“Donos das terras brasileiras os índios viviam livres e, por não
se fixarem, eram nômades (...). Com agricultura atrasada não tinham
condições para produzir muito...” (p.120-1). (grifo nosso).15
“Achamo-nos em plena África, junto a tribos de homens negros
que, na sua simplicidade, outra coisa não fazem que não seja viver e
caçar, lutar e dançar, plantar e colher...Em sua ingenuidade, em seu
primitivismo, nada viam de mal os chefes negros nas trocas que
efetuavam e, de tal modo, iniciou-se, e depois prosseguiu por longos
11
História do Brasil: ensino do 1o grau - Ládme Valuce
Ensino Moderno de História do Brasil de L. G. Mota Carvalho, ed. n.º 11.
13
A Ordem do Discurso.
14
Idem.
15
Retirada do livro didático História do Brasil de Ládme Valuce.
12
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anos, a escravização dos negros, que manchou de crueldade e de sangue
o nosso solo e a História de nossa Pátria.” (p. 68-9) (grifo nosso).16
Observando estes fragmentos percebemos a contradição dos seus autores, pois os
mesmos naturalizam a superioridade dos brancos, e, mais que isso, reproduzem subjetivações
carregadas de sentidos negativos para os que não são brancos. Em suma, essas falas reiteram o
discurso promulgado nas narrativas históricas do ocidente, fazendo com que se reproduzam,
através das práticas discursivas, os lugares ocupados por cada ser perante a sociedade.
FRANÇA (2002)17 nesse ponto nos interpela dizendo que: “... os discursos que estabelecem
uma identidade unificadora (tais como o discurso do colonizador europeu ...) marcam o “nós” e
marcam “o outro”, e eles constituem claramente um lugar privilegiado de análise.”(p.29).
Seguindo essa idéia expressa por França, vemos que o lugar privilegiado presente nos
livros didáticos está com os brancos, enquanto índios e negros aparecem como hostis, raças
fracas, primitivos. Além de selvagens que faziam parte da fauna ou produtos comercializáveis.
Em outro livro didático pesquisado,18 vemos também a formação de um discurso étnico
quando o autor divide o livro em capítulos e destina um para cada etnia: índia, negra e branca.
Mostrando (no 2 capítulo) o índio como selvagem, expressão constante em todas as suas falas.
Como a exemplo, ao citar Gilberto Freire o autor reitera: “Para Gilberto Freire, vários jogos
infantis brasileiros,..., são reflexos do complexo de flagelação existente entre nossos primitivos
selvagens.” (p.37) (grifo nosso). E ao se referir (no capítulo 5) ao negro, o autor continua a
reproduzir uma imagem pejorativa, pois na sua representação é constante a explicação de que
não se tinha outra solução senão os negros serem escravos, não só porque os brancos
precisavam de muita mão-de-obra, mas também porque os negros são tidos como “passivos”,
estando em “posição de inferioridade”. Ver-se, portanto, nessas expressões uma
representatividade muito forte para designar posições e mais que isso, para serem subjetivadas
pelos leitores como verdade e não como construção do homem.
Nossa discussão, está ligada justamente ao desejo de mostrar o poder dessa construção.
Pois só a partir desse entendimento (de que nossa identidade foi produzida culturalmente - no
processo histórico - e está permeada pelos dizeres que nos rodeiam - família, escola, trabalho ou como defendeu Foucault, foi construída discursivamente) vemos como as leituras têm papel
importante na formação dos sentidos identitários. Tanto porque os livros têm poder de verdade
quanto por terem poder de subjetivação. E não é somente isso, vemos que os livros estão
diretamente vinculados aos discursos/práticas discursivas que circundam no momento histórico
que seus autores vivenciaram, ou mesmo antes deles.
A respeito disso VEIGA - NETO (2003) expressa que “... cada um de nós nasce num
mundo que já de linguagem, num mundo em que os discursos já estão há muito tempo
circulando, nós nos tornamos sujeitos derivados desses discursos.” (p.110). Por isso é não
podemos dizer simplesmente que os autores dos livros didáticos foram preconceituosos,
precisamos levar em consideração que eles não foram os primeiros nem os únicos a utilizarem
essas representações expressas nesse texto. Os próprios viajantes quando estiveram no Brasil
desde século XVI ao XIX já rotulavam os “gentios” brasileiros (como eles chamavam os nativos
e cativos do Brasil) como seres de segunda categoria. Sendo essa rotulação difundida na Europa,
por vezes parecendo que esses viajantes vinham para cá constatar o que já sabiam.
Isso implica dizer que as falas aqui analisadas foram resultados da cristalização dos
discursos e significados formulados no processo histórico da sociedade. Que, por sua vez, foram
reproduzidas. O que explica – não significando dizer que não possa ser desconstruída – o fato de
mesmo nas entrelinhas vir a tona nos livros pesquisados uma visão de alteridade, em que índios
e negros aparecem como inferiores e atrasados.
16
Retirada do livro didático Ensino Moderno de História do Brasil de L. G. Mota Carvalho
Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver? Org. Vera Regina Veiga França – Belo
Horizonte: Autêntica, 2002.
18
SOUTO MAIOR, A. História do Brasil: para ensino de 2o grau e vestibulares. 10o ed. São Paulo. Cia
Editorial Nacional, 1974.
17
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Vale dizer ainda que a linguagem detentora de poder não é somente a escrita, a fala, os
gestos, mesmo os pensamentos são resultados de vivências distintas que marcam a identidade de
cada ser. Demarcando também seu posicionamento, que não é uno, pois adquire várias faces
dependendo do momento vivido e dos discursos que circundam nesse momento. Assim, é
preciso que tenhamos em discussão todo esse aparato ligado à linguagem, buscando
desnaturalizar essas representações que além de produzirem discursos também impõem sentidos
por vezes pejorativos. Faz-se necessário discutirmos também os discursos em torno da
diferença, posto que – como foi tratado no presente texto – as leituras que temos sobre nós e os
outros estão sempre marcadas por uma relação de diferentes, onde um vai ter uma posição
destacada perante os demais. É preciso, então, que entremos em debate, discutamos até onde
nosso “lugar no mundo” interfere em nossas ações e até que ponto nos sentimos mal perante as
outras pessoas, ao nos experimentarmos como o outro para alguém.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FOUCAULT, Michel. A Ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciado
em 02 de dezembro de 1976. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições
Loyola, 1996.
Educação em debate. As narrativas dos livros didáticos de História e a construção de
identidades: o papel (in) formativo da leitura/Erônides Câmara Donato. Fortaleza. Ano 24. Vol.
2 nº 44, 2002.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Uma história de ‘diferenças e desigualdades’: As doutrinas raciais
do século XIX. In: O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil.
1870-1930. São Paulo: Cia das Letras, 1993.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
VAZ, Paulo Bernardo F. et all. Quem é quem nessa História? Iconografia do livro didático. In:
Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver? Org. Vera Regina Veiga França – Belo
Horizonte: Autêntica, 2002.
REIS, Tais W. As falas cotidianas da pobreza. In: Imagens do Brasil: modos de ver, modos de
conviver? Org. Vera Regina Veiga França – Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
SOUZA, Regina Maria de & GALLO, Silvio. Porque matamos o barbeiro? Reflexões sobre a
paradoxal exclusão do outro. In: Educação & Sociedade. nº 79, Ano XXIII, Agosto/2002.
FRANÇA, Vera Regina Veiga. Discurso de identidade, discurso de alteridade: a fala do outro.
In: Imagens do Brasil: modos de ver, modos de conviver? Org. Vera Regina Veiga França –
Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
SPIX & MARTIUS. Viajem pelo Brasil: 1817-1820. Tomo.I. vol. I. São Paulo: Edições
Melhoramentos.
SAINT-HILARE, August de. Viagem ao espírito Santo e Rio Doce. Belo Horizonte.
Ed.Itatiaia,1974.
CARVALHO, L. G. Mota. Ensino Moderno de História do Brasil. Edição n.º 11. Editora do
Brasil S/A.
4494
VALUCE, Ládme. História do Brasil: ensino do primeiro grau. Ed. 28. Editora do Brasil S/A .
São Paulo.
MATTOS, I. de R. et all. Brasil: Uma História Dinâmica – do Descobrimento à Independência.
Vol. 1 São Paulo: Cia Editorial Nacional, 1970.
SOUTO MAIOR, A. História do Brasil: para ensino de 2o grau e vestibulares. 10o ed. São Paulo.
Cia Editorial Nacional, 1974.
HERMIDA, Antônio José Borges. Compêndido de História Geral. 8a ed. São Paulo: Cia
Editorial Nacional, 1971.
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