1 SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MEC – SETEC INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MATO-GROSSO - CAMPUS CUIABÁ OCTAYDE JORGE DA SILVA DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MARIA DO SOCORRO DE SOUZA TORRES A VOZ E A VEZ DO RADIALISTA COM DEFICIÊNCIA VISUAL NAS EMISSORAS DE RÁDIO NA CIDADE DE NATAL - RN Natal - 2009 2 INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MATO-GROSSO - CAMPUS CUIABÁ OCTAYDE JORGE DA SILVA, CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU A DISTÂNCIA: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INCLUSIVA MARIA DO SOCORRO DE SOUZA TORRES A VOZ E A VEZ DO RADIALISTA COM DEFICIÊNCIA VISUAL NAS EMISSORAS DE RÁDIO NA CIDADE DE NATAL - RN Natal - 2009 3 MARIA DO SOCORRO DE SOUZA TORRES A VOZ E A VEZ DO RADIALISTA COM DEFICIÊNCIA VISUAL NAS EMISSORAS DE RÁDIO NA CIDADE DE NATAL - RN Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação do Curso de Especialização Lato Sensu à distância do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato-Grosso – Campus Cuiabá - Octayde Jorge da Silva, como exigência para a obtenção do título de Especialista. Orientador(a): Profa. Ms. Amélia Cristina Reis e Silva Natal - 2009 4 Divisão de Serviços Técnicos. Catalogação da publicação na fonte. IFRN / Biblioteca Sebastião Fernandes T693v Torres, Maria do Socorro de Souza. A voz e a vez do radialista com deficiência visual nas emissoras de rádio na cidade de Natal – RN / Maria do Socorro de Souza Torres. – 2009. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-Graduação Lato Sensu a Distância em Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva). Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, Natal, 2009. Orientador: Prof. Ms. Amélia Cristina Reis e Silva. 1. Inclusão social. 2. Deficiência visual. 3. Radialista. I. Silva, Amélia Cristina Reis e. II. Título. CDU 316.344-056.262 5 MARIA DO SOCORRO DE SOUZA TORRES A VOZ E A VEZ DO RADIALISTA COM DEFICIÊNCIA VISUAL NAS EMISSORAS DE RÁDIO NA CIDADE DE NATAL - RN Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do titulo de especialista em Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva, submetido à Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Aprovado em: 28 de Setembro de 2009. ______________________________________________ Profa. Ms. Amélia Cristina Reis e Silva (Orientadora) IFRN/IERC ________________________________________________________ Prof. Dda Katiene Symone de Brito Pessoa da Silva (Membro da Banca) Sec. de Educação Municipal de Natal _______________________________________________________ Prof. Esp. Margareth Míria Rodrigues Olinto Amaral (Membro da Banca) IFRN Natal - 2009 6 DEDICATÓRIA A todos os que fazem o Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos – IERC-RN, o qual me salvou de muitas maneiras. 7 AGRADECIMENTOS À minha orientadora Amélia Cristina, querida colega de trabalho que muito me incentivou com palavras de estímulo. Aos professores da banca pela disponibilidade e aos coordenadores do curso pela organização e competência. Aos professores do curso pela generosidade e sensibilidade demonstradas para comigo. A minha querida amiga Profa. Tania Campos, que tem me ensinado com a sua própria vida que nunca se pode desistir. Por causa dela eu não desisti. Aos meus familiares, esposo, filhos e irmãos pela infinita paciência e bondade demonstradas durante o curso. Desculpem a minha ausência nas resenhas. 8 RESUMO Este estudo objetivou avaliar a possibilidade de inserção da pessoa com deficiência visual nas emissoras de rádio da cidade de Natal/RN, caracterizando-se como um estudo do tipo exploratório, propondo-se a uma análise qualitativa. Participaram da pesquisa três radialistas, sendo um com visão normal e dois com deficiência visual, do sexo masculino, entre 35 a 57 anos. Os dados foram obtidos por meio de entrevista semiestruturada, sendo gravada em MP3 e em seguida transcrita para análise. Foram pesquisados dados referentes à profissão, qualidades, dificuldades, oportunidades, contribuições, adaptações, formação e vocação. Pela análise realizada verificou-se que os participantes da pesquisa já haviam trabalhado no rádio e afirmaram que a profissão de radialista pode ser realizada com pleno êxito pela pessoa com deficiência visual, sendo apontadas dificuldades ligadas ao preconceito, necessidade de algumas adaptações no que se refere à acessibilidade, tais como adaptações no estúdio e programas de computação específicos que ajudariam na locução e operação de mesa. Por outro lado, foi apontado que esse trabalho pode mostrar as potencialidades do indivíduo, aumentar a auto-estima, diminuir o preconceito e promover relacionamentos pessoais e profissionais. Concluiu-se que a pessoa com deficiência visual tem sido excluída desse mercado, perdendo a oportunidade de interagir com a sociedade e expandir seu talento. Essa exclusão não ocorre por “falta de voz”, ou seja, de talento radialístico, mas apenas por “falta de vez”, ou seja, cursos que ofereçam condições de capacitação para estas pessoas e oportunidades de entrada no mercado. Palavras-chave: deficiência visual, inclusão social, radialista. 9 ABSTRACT This study aimed to evaluate the possibility of inclusion of people with visual impairments on radio stations in the city of Natal / RN, characterized as an explorative study, proposing a qualitative analysis. The participants were three radio announcers, one with normal vision and two visually impaired, male, between 35 to 57 years. Data were collected through semi-structured interviews, and recorded in MP3 and then transcribed for analysis. Data were extracted relating to the profession, qualities, difficulties, opportunities, contributions, adjustments, training and vocation. The analysis found that study participants had worked in radio and said that the profession of radio can be performed with great success by people with visual impairment, and pointed out difficulties related to prejudice, the need for some adjustments to that regard to accessibility, such as adaptations in the studio and special computer programs that would help in the locution and operation mixer. Moreover, it was noted that this work can show the potential of the individual, enhancing self-esteem, reduce prejudice and promote personal and professional relationships. It was concluded that the person with visual impairment has been excluded from this market, losing the opportunity to interact with society and expand their talent. This exclusion does not occur for “no voice”, ie radialistic talent, but only for “lack of time”, ie, courses that offer training conditions for these people and opportunities for market entry. Keywords: visual impairment, social inclusion, radio announcers. 10 LISTA DE QUADROS Quadro 1- Caracterização da amostra ............................................................................ ........33 Quadro 2- Percepção dos radialistas quanto ao exercício da profissão.......................... ........34 Quadro 3- Percepção dos radialistas quanto as qualidades necessárias para o exercício da profissão............................................................................................................................ ......35 Quadro 4- Percepção dos radialistas quanto as dificuldades para o exercício da profissão.......................................................................................................................... ........37 Quadro 5- Percepção dos radialistas quanto as oportunidades para o exercício da profissão.......................................................................................................................... ........38 Quadro 6- Percepção dos radialistas quanto as contribuições que o exercício da profissão traz para a pessoa com deficiência visual................................................................................ ...... 39 Quadro 7- Percepção dos radialistas quanto as adaptações necessárias para o exercício da profissão............................................................................................................................ ......41 Quadro 8- Percepção dos radialistas quanto a formação necessária para o exercício da profissão............................................................................................................................... ... 42 Quadro 9- Percepção dos radialistas quanto a vocação para o exercício da profissão............ 45 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 11 1.1 Deficiência visual .............................................................................................. 1.2 Inclusão social ................................................................................................... 1.3 O rádio ............................................................................................................... 11 17 23 2 DESENVOLVIMENTO ...................................................................................... 31 2.1 Metodologia ....................................................................................................... 2.1.1 Caracterização da Pesquisa .......................................................................... 2.1.2 Procedimentos ............................................................................................. 2.1.3 Análise dos Dados ....................................................................................... 2.2 Resultados e Discussão ..................................................................................... 31 31 31 32 32 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 46 4 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 50 ANEXOS ............................................................................................................. 12 1 INTRODUÇÃO 1.1 Deficiência visual Em todas as sociedades, provavelmente, o sentido da visão foi sempre considerado o de maior valor, entretanto, nunca o apelo visual se fez tão constante como na sociedade moderna, o que torna mais difícil aceitar a possibilidade de interação social sem que haja a expressão e o contato visual, sabendo-se que tais elementos são cruciais no desenvolvimento evolutivo de todo indivíduo. Nesse sentido, abordar a deficiência visual implica diretamente na descoberta de um novo mundo, com outros significantes que funcionem como orientadores em atividades diárias e que, portanto, requerem considerações dos videntes para compreender suas funcionalidades (AMIRALIAN, 1997). Considerando uma relação entre a visão e a ausência dela com o mundo, nós que nascemos com a visão, mal podemos imaginar tal confusão. Já que, possuindo de nascença a totalidade dos sentidos e fazendo as correlações entre eles, um com o outro, criamos um mundo visível de início, um mundo de objetos, conceitos e sentidos visuais. Quando abrimos nossos olhos todas as manhãs, percebemos um mundo que passamos a vida aprendendo a ver. Não recebemos o mundo já pronto, antes o construímos pela experiência, classificação, memória e reconhecimentos. (SACKS, 2006 apud AMIRALIAN 1997). Segundo Ida Mara Freire (1998) há definições quantitativas e funcionais e muitas destas representações sociais são estruturadas tendo como base padrões bem definidos e estáticos de tal sorte que a extrapolação dos parâmetros estabelecidos ou a fuga da “normalidade” produz falácias conhecidas no contexto popular. Ainda de acordo com a autora o consenso social está permeado dessas falácias no que diz respeito a ausência da visualidade, de maneira que, a partir do dicionário a definição de “vidente” é: 1. Adj. Diz-se de pessoa dotada da faculdade de visão sobrenatural de cenas futuras ou de cenas que estão ocorrendo em lugares onde ela não está presente. 2. Pessoa dotada dessa faculdade. 3. Pessoa que profetiza. 4. Pessoa perspicaz. Pessoa que tem o uso da vista (em oposição aos cegos). Sobre a palavra “cego” a definição é:Página 12 de 69 13 1. Adj. Privado de vista. 2. Fig. Alucinado, transtornado: obcecado. 3. Que impede a reflexão, o raciocínio, que perturba o julgamento, oblitera a razão. 4. Total, absoluto, irrestrito. 5. Diz-se do instrumento cortante que tem o fio gasto ou embotado, reboto. 6. Indivíduo cego. Nestas definições, segundo Freire (1998) são reveladas as atitudes envolvidas nas interações sociais, nas concepções da medicina tradicional muito presentes na educação especial, que fazem com que muitos dos estudos e atitudes tenham como referencial um indivíduo abstrato e isolado da sociedade. Tal opinião, de acordo com Tomasine (1994 apud FREIRE, 1998) é percepção estanque e fragmentada do comportamento humano que observa a diferença como algo inato, produto da natureza e não como produto da atividade dos homens. Em 1966 a Organização Mundial de Saúde (OMS) registrou 66 diferentes definições de cegueira, utilizadas para fins estatísticos em diversos países. Para sintetizar, um grupo de estudos sobre a Prevenção da Cegueira da OMS, em 1972, propôs normas para a definição de cegueira e para uniformizar as anotações dos valores de acuidade visual com finalidades estatísticas. Há que se considerar ainda um conceito mais específico de deficiência visual que, sob parâmetros legais, compreende no Decreto n°. 5296, de 02 de Dezembro de 2004, Art.5°, Capítulo II – Do atendimento Prioritário, §1°: c) deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os cegos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60°; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores. Compreender a deficiência visual requer salientar a acuidade visual do indivíduo, também apontada na definição legal. A título de esclarecimento, por acuidade visual compreende-se o potencial que o indivíduo possui para identificar objetos a uma distância específica, sendo caracterizada por dois fatores: a distância e o ângulo formado pelos olhos no momento de apreciação do objeto. Já o campo visual remete-se ao grau que o olho pode abranger em cada direção, tendo nos limites normais 90° na parte externa; 50° na parte superior e 70° na parte inferior (GONZÁLEZ e DÍAZ, 2007). 14 Considera-se, então, pessoa com cegueira aquela cuja visão do melhor olho, após a melhor correção óptica ou cirúrgica, varia de zero a um décimo, segundo a escala optométrica de Snellen,1 ou quando tem o campo visual reduzido a um ângulo menor que 20 graus. Para entender-se melhor o que significa um décimo de acuidade visual, podemos esclarecer isso dizendo que o indivíduo portador dessa limitação enxerga apenas a uma distância de 20 m. De acordo com Amiralian (1997), ao contrário do senso comum, a pessoa cega, sob a ótica médica e educacional, não é aquela que não enxerga, pois é raro uma ausência total da percepção visual, podendo-se declarar que há graus de deficiência visual, não abrangendo todos os deficientes visuais numa mesma classificação. Esta variação é primordial para a constituição do sujeito, pois vai determinar se a percepção visual fará parte das formas que o sujeito terá de apreensão e interpretação do mundo. Conceituar e identificar a cegueira implica na idéia de total ou sério comprometimento visual. A referência a pessoas cegas requer considerar um público heterogêneo, composto daqueles que são privados da percepção de luz, como também dos que apesar de terem percepção de luz apresentam problemas graves, e são diagnosticados como legalmente cegos. Existe a cegueira parcial (conhecida como legal, econômica ou profissional) e nessa categoria estão os indivíduos apenas capazes de contar dedos a pouca distância e os que só veem vultos. Próximos da cegueira total estão os indivíduos que só tem percepção e projeção de luminosidade. No primeiro caso, há apenas a distinção entre claro e escuro e no segundo (projeção) o indivíduo é capaz de identificar a direção de onde vem a luz. A cegueira total (amaurose) pressupõe completa perda de visão. A visão é totalmente nula, ou seja, nem a percepção luminosa está presente e em oftalmologia isso significa visão zero (FARIAS e BUCHALLA, 2005, p. 187-193). Os indivíduos podem ter cegueira de nascença ou adquirida ao longo da vida. É frequente imaginar que toda pessoa com cegueira nasceu com tal problema visual, porém muitos são os casos de pessoas que adquiriram a cegueira ao longo da vida. 1 A tabela de Snellen, também conhecida como optótico de Snellen ou escala optométrica de Snellen, é um diagrama utilizado para avaliar a acuidade visual de uma pessoa. A tabela recebe seu nome em homenagem ao oftalmologista holandês Herman Snellen, que a desenvolveu em 1862. Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. 15 É fácil verificar-se que todas estas definições apresentam a cegueira como redução ou ausência da acuidade visual e que essas noções tem guiado as proposições presentes nos documentos oficiais e, consequentemente orientado a formulação de políticas públicas para o trabalho e a educação das pessoas com cegueira ou baixa visão. No entanto, vale salientar que uma pessoa pode fazer uso dos seus sentidos de muitas maneiras, principalmente no que diz respeito ao processo educacional e nem sempre essa maneira pode ser determinada por meio de medidas objetivas, até porque, pode-se observar de imediato, que a quantificação médica das variações na acuidade visual é um tanto vaga para o leigo, já que a limitação visual se apresenta de forma bem variada. Diferente do que podemos imaginar, o termo cegueira é relativo, pois reúne indivíduos com diversos graus de visão residual e abrange vários tipos de deficiência visual considerados graves. Isso não significa, obrigatoriamente, total incapacidade para ver, mas prejuízo dessa aptidão a níveis incapacitantes para o exercício de tarefas do dia-a-dia. Partindo de uma perspectiva da psicologia escolar a cegueira é definida como um tipo de deficiência sensorial, sendo, portanto, sua característica central a carência ou comprometimento de um dos canais sensoriais de aquisição da informação, neste caso o visual (FREIRE, 1998). Tal deficiência tem consequências sobre o desenvolvimento e a aprendizagem, tornando-se necessário elaborar sistemas de ensino que transmitam, por vias alternativas, a informação que não pode ser obtida através dos olhos. Na carência ou séria diminuição de um canal sensorial da importância da visão certamente ocorre diminuição da captação da informação, fazendo com que a percepção da realidade de um cego seja muito diferente da dos que enxergam, levando-se em conta que uma grande parte da categorização da realidade reside em propriedades visuais que se tornam inacessíveis ao cego, embora isto não queira dizer que haja impossibilidade para conhecer o mundo ou para representá-lo, mas apenas que para isso deve potencializar a utilização dos outros sistemas sensoriais (OCHAITA E ROSA, 1995). Os mesmos autores defendem que é certo, portanto dizer que: a deficiência não pode ser vista como uma qualidade presente no organismo da pessoa ou no seu comportamento. Em vez de circunscrever a deficiência nos limites corporais da pessoa com deficiência, é necessário incluir as reações de outras pessoas como parte integrante e crucial do fenômeno, pois são essas reações que, em última instância, definem alguém como deficiente ou não deficiente. As reações apresentadas por pessoas comuns face às deficientes ou às deficiências não são determinadas única nem necessariamente por características objetivamente presentes num dado quadro de deficiência, mas dependem bastante da interpretação, fundamentada em crenças científicas ou não, que se faz desse quadro (p. 67). 16 De qualquer modo a cegueira é uma redução que requer adaptação, ajustamento, reorganização ou reprogramação. Lowenfeld (1991) constata que, embora a cegueira represente uma demanda especial na vida do indivíduo, a continuidade de sua existência e sua própria personalidade não foram consideradas por tais interpretações. Uma primeira interpretação vincula a cegueira com a tragédia e o desastre. Todos, estudiosos videntes ou não-videntes, reconhecem que a falta ou perda da visão é uma diminuição sensorial severa que afeta a pessoa como um todo. Salienta que a contribuição que os estudiosos videntes oferecem nessa discussão sobre a condição da cegueira pode ser valiosa, mas parcialmente entendida, pois, uma compreensão total da cegueira escapa ao vidente que não pode se colocar completamente na experiência e na posição ativa de uma pessoa cega. Vygotsky (1983) expõe que, como em qualquer ciência, é possível equivocar-se de diferentes maneiras, mas para avançar em direção à verdade só é possível por uma via. Sua idéia se resume em apresentar a cegueira, não somente como a falta da visão, ou deficiência de um órgão em particular, mas deve-se considerar que esta provoca uma grande reorganização de todas as forças do organismo e da personalidade. A cegueira, ao criar uma formação peculiar da personalidade, reanima novas forças, muda as direções normais das funções do organismo e de uma maneira criadora e orgânica, refaz e transforma a psiquê e a persona. Portanto, a cegueira não é somente uma deficiência, uma incapacidade, mas, em certo sentido, uma fonte de manifestação das capacidades, uma força, por mais estranho e paradoxal que seja. Outra definição de cegueira, mais subjetiva, porém é a definição que consideraremos preponderante nesta pesquisa é aquela que a considera não como falta, mas como uma outra modalidade de relação com o mundo, que tem suas especificidades, suas singularidades. (BATISTA, 2005; SIMMONS; SANTIN, 2000). De acordo com Eline Porto (2005, p.25) deve-se considerar a cegueira positivamente, como um modo singular de estar no mundo, pois aquilo que é “invisível aos olhos do cego não é invisível à sua sensibilidade, intencionalidade e interioridade”. Segundo a autora citada, a percepção que a pessoa com deficiência visual tem do mundo é própria, individual, única, assim como a de qualquer pessoa, deficiente ou não. E essa percepção única baseia-se nas experiências, sentimentos e sensações que vão sendo acumuladas ao longo da existência de cada um, a diferença é que a pessoa com deficiência visual constrói seu mundo sem a percepção do visível aos olhos. 17 A mesma critica o modo reducionista na percepção usual que se tem da falta do sentido visual, uma vez que este, na maioria das vezes, é visto apenas biologicamente. Enfatiza que não há razão para identificar-se o sentido com a subjetividade. O corpo é mais do que as coisas vistas; ele é o centro do campo perceptivo que o circunda e, tanto para o vidente como para o cego, viver no mundo implica a “possibilidade de percebê-lo além do ver com os olhos e sentir com os sentidos” (PORTO, P.36). Sustenta ainda que não há diferença entre o mundo dos videntes e o mundo dos cegos. O que existe é a maneira como cada um deles percebe esse mesmo mundo real e o elabora internamente, de acordo com suas singularidades, possibilidades e experiências. E argumenta que os videntes, como os cegos, também vivenciam diferentemente situações idênticas, porque são seres diferentes em sua essência e existência. O mesmo ocorre de cego para cego e de vidente para vidente, porque “todo ser humano é único e particular na sua relação com o mundo” (PORTO, 2005, p. 37). Tendo isto em vista entendemos que a condição de deficiente não deve ser considerada como negativa ou inferior, mas ser encarada como uma das possibilidades de estar no mundo, vivendo, trabalhando e sendo sujeito de direitos. Parece, então que para definir a cegueira faz-se necessário ir além daquilo que é dado. Deve-se compreender a pessoa cega como um ser singular, contribuindo para a pluralidade do mundo e, no mundo, este ser não-visual, que usa os outros sentidos para interagir e não a visão, como estamos acostumados, tem na sua história a marca da cultura, que reflete crenças, valores e ideologias que, materializadas em práticas sociais, estabelecem modos diferenciados de relacionamentos entre esta e outras pessoas, com ou sem deficiências. A deficiência apresenta-se como um fenômeno construído socialmente e, assim sendo, ser ou estar "deficiente" é quase sempre relativo a outras pessoas que são consideradas sem "deficiências" (AMIRALIAN, 1986, HIGINO, 1986, AMARAL, 1984, BRUNS, 1997, DELL’ACQUA, 1997). A ocorrência da cegueira e seus diferentes significados inserem-se na própria história da humanidade. As mudanças de atitudes da sociedade para com a pessoa cega ocorrem, da mesma forma, em função da organização social à qual estão submetidas. A pessoa cega tem sido, na maioria das vezes, excluída da sociedade e, de um modo geral, os estigmas se fazem presentes nos grupos minoritários (GOFFMAN, 1982; AMIRALIAN, 1986; AMARAL, 1994; BRASIL, 1994). 18 Quando ocorre o encontro entre pessoas que enxergam com aquelas que não enxergam, primeiramente, verifica-se a pena e simpatia como reações mais comuns por parte daqueles que enxergam em relação à pessoa invisual. Nesses encontros a piedade demonstrada às pessoas cegas muitas vezes é desproporcional em relação às limitações impostas ao indivíduo pela cegueira. Infelizmente, as limitações atuais, os reais problemas de ser cego, são geralmente desconhecidos ou incompreendidos pela maioria das pessoas. O que se constata sobre isso é que o fato de se viver sem visão é negligenciado em favor de uma gama imensa e diversa de malentendidos e interpretações diversas. Em relação às atitudes atuais sobre a cegueira, essas são provenientes da nossa herança cultural. Igualmente, muitas dessas atitudes são identificadas em outras culturas, indicando, assim, algumas experiências humanas em comum, no que diz respeito às nossas reações com a cegueira e com a pessoa cega. Deste modo, atitudes do passado podem desempenhar um papel de reforçar as experiências de hoje em relação à cegueira, como também a predisposição individual para certas reações. 1.2 Inclusão social A forma como, ao longo dos tempos, a sociedade tratou e vem tratando as pessoas consideradas deficientes demonstra como essa questão está diretamente relacionada com a forma pela qual interpretamos essas pessoas e lhes atribuímos rótulos. Geralmente as pessoas consideradas deficientes – e, dentro desse contexto, as pessoas cegas – constroem seus conhecimentos e sua relação com o mundo pautadas na forma como se dá a interlocução com o outro e como ocorre esse confronto. É comum que encontremos um vínculo semântico entre cegueira e escuridão, enquanto ser ou estar cego não coincide necessariamente com o enegrecimento da visão. Para nós, videntes, que cremos nisso, essa metáfora torna-se praticamente universal, além de haver aí uma relação negativa do que seja não ver. Assim se constitui a idéia de que ser cego é não ver, de que a cegueira representa a face negativa da visualidade. A relação com o conhecimento que as pessoas cegas constroem pode estar pautada em suas vivências orais, sensoriais e perceptivas, vivências que se configuram na sua relação direta com o outro que é o seu ouvinte. A definição de cegueira a partir da ótica de pessoas que têm visão, geralmente traz consigo a idéia de negação, de ausência de uma 19 capacidade, de privação, de limitação, situação impeditiva para que essa pessoa possa se relacionar com o mundo de forma legítima, como sujeito de direitos, antes, pelo contrário, atraindo a elas o estigma da exclusão e do preconceito. No entanto, parafraseando a tão repetida frase do sábio Salomão “nada disso é novo debaixo do sol” (ECLESIASTES 1.9 apud BÍBLIA SAGRADA). De fato, como explica Sassaki (1999, p. 16) a sociedade atravessou diversas fases no que se refere às práticas sociais que começou com a exclusão social de pessoas que não pareciam pertencer à maioria da população por causa de suas condições atípicas; daí partiu-se para o movimento segregado, passando para a prática da integração social e recentemente adotou a filosofia da inclusão social para modificar os sistemas sociais gerais. De acordo com Sassaki (1999, p. 09), "a sociedade inclusiva começou a ser construída a partir de algumas experiências de inserção social de pessoas com deficiência, ainda na década de oitenta". Ainda segundo o referido autor (1999, p. 42), a inclusão social, portanto, é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos e na mentalidade de todas as pessoas, portanto também do próprio portador de necessidades especiais. Seguindo com sua explicação sobre o movimento de inclusão, Sassaki (1999, p.17) alista os objetivos para a construção de uma sociedade realmente para todas as pessoas, sob a inspiração de novos princípios. Ele destaca a celebração das diferenças, o direito de pertencer, a valorização da diversidade humana, a solidariedade humanitária, igual importância das minorias e cidadania com qualidade de vida. Dentro destes princípios faz-se necessário ter os conceitos corretos de autonomia, independência e empowerment.2 Resumimos aqui estes três conceitos a partir da visão de Sassaki (1999); este diz que Autonomia é “a condição de domínio no ambiente físico e social, preservando ao máximo a privacidade e a dignidade da pessoa que a exerce”; Independência é “a faculdade de decidir sem depender de outras pessoas” e Empowerment significa “o processo pelo qual uma pessoa ou um grupo de pessoas usa o seu poder pessoal inerente à sua condição – por exemplo: deficiência, gênero, idade, 2 empowerment, do inglês: Empoderamento. Este termo é o usado atualmente pela maioria dos autores e ativistas dos movimentos das pessoas com deficiência. 20 cor – para fazer escolhas e tomar decisões, assumindo assim o controle de suas vidas”. (SASAKI, p. 37 e 38). Desse modo, conceitua-se como inclusão social: O processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas ainda excluídas e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções, efetivar a equiparação de oportunidades para todos (SASSAKI, 1999, p. 41). Assim temos que, baseados no modelo social da deficiência, para incluir todas as pessoas o mesmo autor, citando Clemente Filho (1996, p. 4) diz que: a sociedade deve ser modificada a partir do entendimento de que ela é que precisa ser capaz de atender a necessidade de seus membros. O desenvolvimento (por meio da educação, reabilitação, qualificação profissional, etc.) das pessoas com deficiência deve ocorrer dentro do processo de inclusão e não como um pré-requisito para estas pessoas poderem fazer parte da sociedade, como se elas precisassem pagar ingressos para integrar a comunidade (SASSAKI, 1999, p. 41). Acrescentamos ainda que, a partir do conceito do citado autor a prática da inclusão social repousa em princípios como a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendizagem através da cooperação, ao invés de se pensar nos atributos pessoais que representam a diversidade humana como critérios para separar pessoas (ibidem). A inclusão é, portanto, importante para todos, à medida que pode mudar o mundo, as pessoas e os pensamentos. Não obstante, o processo de inclusão vai muito além da inserção dos alunos na escola, exigindo uma mudança na estrutura social vigente, no sentido de se organizar uma sociedade que atenda aos interesses de todas as pessoas, indiscriminadamente. Acreditamos que a inclusão da pessoa com deficiência seja fundamental, porém, como pensar em uma sociedade inclusiva num sistema capitalista que é organizado de maneira excludente? Será a inclusão uma utopia, como afirma Glat (1998), ou uma possibilidade de acontecer a partir do paradigma que qualquer homem, com ou sem deficiência visível é um ser em transformação, sujeito de sua própria história? Estas são questões para as quais está se buscando uma resposta, acredita-se, também, que o processo de inclusão não se restringe às pessoas com deficiência, mas atinge todas as minorias cerceadas de direito dentro de uma sociedade capitalista. 21 No âmbito dos ideais de inclusão a preparação para o trabalho, ou “profissionalização” das pessoas com deficiência vem sendo discutida, segundo Pastore (2000), nas últimas três décadas, as quais marcaram um tempo de grandes esforços legislativos com o objetivo de melhor “integrar” as pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Inúmeras leis nacionais e convenções internacionais foram aprovadas com essa finalidade. Isso estimulou as pessoas com deficiências a se organizarem melhor e buscar formas variadas de representação para atuar em busca dos novos direitos. Cabe, entretanto, a sociedade “eliminar todas as barreiras físicas, programáticas e atitudinais para que as pessoas com necessidades especiais possam ter acesso aos serviços, lugares, informações e bens necessários ao seu desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional” (SASSAKI, 1999, p. 47). Partindo do pressuposto de que o trabalho é uma das principais vias de inclusão social, sendo fator fundamental para minimizar a estigmatização sofrida por estes indivíduos tornou-se uma das tarefas ou metas básicas da educação de jovens e adultos com deficiências capacitá-los para exercer uma atividade profissional, e auxiliálos em sua inserção no mercado de trabalho, formal ou informal. Através do trabalho o indivíduo com deficiência pode demonstrar suas potencialidades e competências e construir uma vida mais independente e autônoma. Consequentemente, o trabalho exerce também um efeito reabilitador, na medida em que contribui para o aumento da auto-estima e nível de ajustamento pessoal (SASSAKI, 1999). A educação para o trabalho é considerada uma área prioritária não apenas pelos especialistas, mas, sobretudo, pelas próprias pessoas com deficiência. Para esses indivíduos, trabalhar fora significa, entre outras coisas, “ poder abandonar sua condição de ‘excepcional’, de ‘deficiente’ e juntar-se à rotina diária das demais pessoas, lutando por sua sobrevivência e manutenção” (FERRARETTO, 2000 p.78). Em contrapartida, conforme assinalou Jannuzzi (1994, apud FERRARETTO, 2000, p. 80), “a ausência da possibilidade de trabalho para o deficiente aumenta sua exclusão, acentuando, então, sua subordinação aos outros, esmaecendo a própria identidade”. Infere-se, então que, pessoas com deficiência que estão inseridas no mercado de trabalho, atuando em situações semelhantes aos demais cidadãos de sua comunidade, tem mais possibilidades de expandir suas perspectivas de vida, inclusive sob o aspecto dos relacionamentos sociais. Isto as diferencia sobremaneira daqueles que continuam segregados em instituições ou escolas especializadas, em condições de trabalho protegido, sendo considerados incapazes e eternamente tutelados. 22 Entretanto, o percentual de pessoas com deficiência que estão fora da força de trabalho é duas vezes superior ao das pessoas sem deficiência, embora tenham o mesmo direito de trabalhar (SASSAKI, 1999). Embora pareça utópico falar em trabalho para deficientes num país onde há milhões de desempregados, ao comparar a situação do Brasil com a situação de países como o Canadá pode-se comprovar em estudos que, de cada 100 pessoas que não tem deficiência 70 estão trabalhando, enquanto que, de cada 100 pessoas com deficiência 40 estão trabalhando (MACFADDEN, 1994 apud SASSAKI, 1999, p.63). Esses dados nos mostram que a situação de países desenvolvidos não é muito diferente da situação do Brasil, que, além da retração na oferta de empregos, ainda há pouca divulgação sobre as potencialidades de trabalho de pessoas com deficiência. Esse fato faz com que muitos empregadores não acreditem nelas, no sentido de virem a ser bons funcionários, antes crêem que podem se tornar mais um problema para ser administrado, tanto na área de conduta como de ajustamento. Sassaki (1999), citando estudo realizado nos Estados Unidos, corrobora a assertiva acima relacionando quatro barreiras sérias que precisam ser removidas, no que diz respeito aos obstáculos ao emprego de pessoas com deficiência: a barreira atitudinal, falta de ambiente acessível, a não vontade de efetuar acomodações razoáveis e falta de informação sobre recursos e técnicas de desenvolvimento de empregos (SASSAKI, p. 63). Na fase atual, no que diz respeito às oportunidades de inserção no mercado de trabalho já se vê as empresas, embora em pequena escala, praticando a absorção da mão de obra de pessoas com deficiência. Tudo começou com pequenas adaptações no posto de trabalho e nos instrumentais de trabalho. Era a empresa inclusiva aparecendo e desejando envolver-se no esforço de valorizar a diversidade humana, contemplando as diferenças individuais (SASSAKI, 1999, p. 65). Mesmo assim, muitas são as dificuldades existentes para a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Uma das dificuldades diz respeito às vagas oferecidas, uma vez que se limita a poucas opções. No caso do presente estudo a ênfase dá-se sobre a pessoa com deficiência visual, pois é muito comum se observar profissionais qualificados, em certos casos com nível superior de ensino, em funções de baixa qualificação, como telefonista, ascensorista ou massagista. São poucas as experiências de pessoas com deficiência visual, mesmo com a devida qualificação, que desenvolvem alguma atividade profissional como especialista em informática, psicólogo, professor, músico, entre outras. Toda essa resistência quanto à contratação 23 de pessoas com deficiência é motivada pelo preconceito e falta de disposição em arcar com os custos e adaptação do local de trabalho. Também pela dificuldade de encontrar tais pessoas, pois é importante ressaltar que, no Brasil a educação e capacitação por parte das pessoas com deficiência em geral, muitas vezes deixa a desejar, dificultando a sua competição no mercado de trabalho. Esta é uma das razões pela qual o direito às quotas nas empresas para a pessoa com deficiência estabelecida pela legislação ainda não foi efetivado, em função da falta de profissionalização. Igualmente, consideramos de suma importância trazer à luz a questão do beneficio de ação continuada pago pelo INSS às pessoas com deficiência, consideradas incapacitadas para o trabalho. Pastore, (2000, p. 41-43) cita que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, no artigo 32, inciso II, a União, Estados, Municípios e Distrito Federal têm a responsabilidade de: “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”. O artigo 24, inciso XIV diz ser competência da União, Estados, Municípios e Distrito Federal legislar sobre a “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”, complementado pelo artigo 37, inciso VIII que estabelece “um percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência”. E, por fim é de interesse dessa pesquisa citar o artigo que foi, provavelmente, o que tenha tido maior notoriedade para a pessoa com deficiência e seus familiares: Artigo 2º, inciso V, da Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993 que dispõe “ a garantia de um salário mínimo de beneficio mensal à pessoa portadora de deficiência [...] que comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei” (LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, 1993, versão eletrônica). Esse benefício de ação continuada, que também é chamado de amparo social é dado àqueles que não contribuem com o INSS. Igualmente são beneficiados com aposentadoria por invalidez os que apresentam incapacidade para o trabalho, que tenham contribuído com o INSS e não tenham conseguido a reabilitação, de acordo com a lei de nº 8.212/91 (Diário Oficial, versão eletrônica) Ora, num país cujo desemprego é notório e o despreparo das pessoas com deficiência na área profissional é igualmente evidente, tal beneficio oferece segurança àqueles que o recebem, ao mesmo tempo em que também restringe a entrada destes no mercado de trabalho, visto que, recebendo o beneficio como é o caso de muitos, ou sendo aposentado por invalidez, mesmo tendo alcançado a reabilitação, em geral a pessoa com deficiência não se sente segura para trocar o beneficio pelo emprego. 24 Sem pretensão de discorrer neste momento sobre as questões da dignidade humana, da cidadania e do direito ao trabalho, nem tampouco do paternalismo compensatório demonstrado por esta lei, mas apenas enfatizando a questão da segurança e estabilidade que o beneficio traz e ainda levando em conta os valores salariais pagos à pessoa com deficiência no exercício das funções que geralmente lhe são atribuídas é possível discutir, a partir desse pressuposto, as vantagens e desvantagens que existem para a pessoa com deficiência ingressar no mercado de trabalho. Tais salários, em geral, não ultrapassam o valor recebido pelo beneficio, razão pela qual fica mais fácil entender porque muitas pessoas com deficiência, embora tenham desejo de entrar no mercado de trabalho para exercer uma profissão, tendo competência para tal, muitas vezes se retraem, recuando e permanecendo fora da vida profissional, por medo de, perdendo o beneficio não adquirirem estabilidade no mercado de trabalho e, então, sofrerem perda total. Tal pensamento pode parecer antiético, mas facilmente compreensível quando se tem aproximação da realidade econômica e social da pessoa com deficiência visual no Brasil, particularmente no Estado do Rio Grande do Norte, em cuja capital - Natal se concentra o objeto da nossa pesquisa. Dá-se o fato, então, que a grande maioria das pessoas com deficiência visual, embora já reabilitadas, não se dispõem a trocar a segurança do beneficio do INSS pela instabilidade de um emprego onde lhe serão feitas exigências e, muitas vezes lhe serão negadas as devidas adaptações. Em outra instância, não se pode negar também a acomodação trazida pelo beneficio a qualquer pessoa que ainda não esteja consciente de sua cidadania e do fato de que, trabalhar é um direito que traz a qualquer pessoa, notadamente a pessoa com deficiência, autonomia, independência e empoderamento, além de ser um prazer a mais. Espera-se, entretanto, de acordo com Sassaki (1999), que as velhas políticas vão sendo lapidadas e que sejam elaboradas novas políticas sociais, cada vez mais compatíveis com a vida independente, uma vez que esta agora se encontra no bojo do movimento internacional de inclusão social, notando-se, como exemplo a declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) e as Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (Nações Unidas, 1996). Nesse sentido, é possível que as pessoas com deficiência visual adquiram a segurança necessária para fazerem essa escolha, com entendimento e confiança de que essas políticas realmente funcionarão. 25 1.3 O rádio Diante de tudo o que se tem aprendido nesse novo contexto social e educacional a respeito da deficiência em geral, mais particularmente da deficiência visual e da inclusão social, educacional e profissional, considerando algumas das possibilidades da pessoa invisual, essa pesquisa visa chamar a atenção para o mercado da comunicação em radiodifusão, considerado, teoricamente, acessível a elas, levando em conta a grande importância da mídia nas elaborações dos conceitos formados pela sociedade. Desde o movimento da integração o mundo todo vem reconhecendo o importante papel que a mídia tem como aliada no processo de informação e conscientização a respeito das necessidades, das potencialidades e das políticas para a inclusão social de maneira geral. Desde a produção de documentários e matérias científicas sobre pessoas com deficiência, estudos de manuais de construção de imagens positivas, utilização de terminologia adequada sobre deficiência a fim de não reforçar os estigmas e preconceitos até a participação efetiva em eventos organizados por instituições ligadas à pessoas com deficiência, tem sido o papel da mídia na luta pela inclusão (SASSAKI, 1999). Os profissionais da mídia podem ajudar a formar uma imagem positiva, humana, da pessoa com deficiência, através de mensagens edificantes, possíveis, principalmente no rádio, uma vez que, segundo Mcluhan (1964, p.337) O rádio afeta as pessoas, digamos, como que pessoalmente oferecendo um mundo de comunicação não expressa entre o escritor-locutor e ouvinte. Este é aspecto mais imediato do rádio. As profundidades subliminares do rádio estão carregadas daqueles ecos das trombetas tribais e dos tambores antigos . Assegura ainda, o mesmo autor, que o rádio tem o poder de transformar a psique e a sociedade numa única câmara de eco e esta é a razão pela qual nos inclinamos a estudar o mercado da radiodifusão e suas possibilidades para a pessoa com deficiência visual, como se verá no corpo deste estudo. No que concerne a este mercado de trabalho, propriamente dito, esta realidade parece ainda estar muito distante, na medida em que observamos não ser muito comum se encontrar pessoas com deficiência visual atuando diretamente na apresentação de programas, noticiários e outros, embora este seja um excelente meio para promover a inclusão. A linguagem do rádio é simples e de fácil assimilação, os 26 preços acessíveis dos aparelhos (radinhos de pilha) e, principalmente pela possibilidade de qualquer um participar como ouvinte ou comunicador. No entendimento de Esch (1999, p. 71) a comunicação de rádio gera uma aproximação entre o comunicador e o seu público, “aproximação essa que tem sido um sucesso e se mostra cada vez mais forte, a ponto de alterar significativamente o perfil das programações de várias estações”. Segundo ele algumas destas emissoras, com esse diferencial, promovem uma verdadeira ‘revolução’ nos padrões tradicionais de fazer rádio, extrapolando os limites impostos pelo seu próprio espaço físico, transferindo seus estúdios para locais públicos, estrategicamente escolhidos em função do fluxo de pessoas, de onde os comunicadores com grande audiência e penetração popular comandam seus programas (p.71). O rádio está presente em casa, no automóvel, no trabalho e no lazer, atingindo diversos públicos em diferentes programações. Nove entre dez pessoas ouvem rádio. O ouvinte de rádio pode optar por programações diversas e embora o rádio tenha perdido gradativamente seus anunciantes, em função da atração da televisão, conservou, entretanto, seu carisma e seu público. Enquanto a televisão lhe subtraia os melhores profissionais e artistas e aumentava o faturamento difundindo a indústria cultural e incentivando a sociedade de consumo, o rádio adaptava sua mensagem para atender as necessidades de informação, prestação de serviços e entretenimento das classes populares urbanas (BIANCO E MOREIRA, 1999, p. 43). O rádio é meio de comunicação popular por excelência, onipresente no cotidiano de todos, presta-se a múltiplas funções e responde as mais variadas demandas e a fala constitui-se no principal instrumento de comunicação radiofônica, embora não seja o único. Quem lê uma notícia ou apresenta um programa depende em grande parte do uso que faz de sua capacidade vocal. Marshall McLuhan (1964, p. 344), que cunhou a expressão ‘Aldeia global’ diz que “o rádio é uma espécie de ‘tambor tribal’ da era eletrônica. Essa assertiva parece ser verdade, pois mesmo na era da TV digital, do computador e de todos os artefatos eletrônicos cada vez mais sofisticados, o rádio continua impactando como veículo de comunicação e o interesse político na sua utilização atesta o seu poder e sua influência. Segundo Mcluhan (1964) Hitler só teve existência política graças ao rádio e aos sistemas de dirigir-se ao público. De acordo com Ferraretto (2000), em termos numéricos, segundo o IBGE, em pesquisa realizada em 1995, 88,8% dos lares brasileiros possuíam, pelo 27 menos, um aparelho de rádio, levando-nos a crer que a presença do rádio dá-se em índices superiores aos da televisão. Leva vantagem inclusive nas regiões de difícil acesso como nas zonas rurais nos estados da Região Norte. Igualmente nos estados mais ricos como Sul e Sudeste o rádio chega a estar presente em mais de 90% dos domicílios. Ainda segundo este autor (FERRARETTO, 2000, p.90) em termos qualitativos a trajetória do rádio no Brasil desenvolve-se quase ao mesmo tempo em que a do veículo em outros países, sofrendo influência em especial dos Estados Unidos. No inicio da década de 1930 é também nas estações dos Estados Unidos que os pioneiros profissionais do novo meio de comunicação irão buscar inspiração e mesmo hoje os modelos mais difundidos continuam seguindo o modelo americano. Em 1925 a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro já emitia, além do jornal da manhã, o jornal do meio dia, da tarde e da noite, acompanhados de suplementos musicais, com algumas páginas literárias, esportes, agronomia, seção feminina, doméstica e infantil (FERRARETO, 2000, p.101). O mesmo autor diz que no inicio da década de 30 surgiram emissoras em diversos estados brasileiros. Quando a publicidade foi regulamentada em 1932 deu-se início a uma nova fase na história da radiodifusão sonora do país, com a presença do veículo em 11 estados do Brasil. A estruturação do rádio ocorre por volta de 1932 a 1940. Já aí o rádio nasce como espetáculo massivo. Com a regulamentação da publicidade a indústria e o comércio ganham um veículo para atingir a população, inclusive os analfabetos. A radiodifusão sonora passa também a ter uso político. Com a ditadura o programa Voz do Brasil torna-se obrigatório, transmitido em rede nacional de segunda à sexta. Em 1955 o rádio espetáculo chega ao seu apogeu, já com telenovelas, programas de auditório, programas humorísticos e o rádio jornalismo, decaindo apenas com o advento da televisão (FERRARETO, 2000, p.105). A partir de 1970 até 1983 acontece a reestruturação do rádio, com nova tecnologia, emitindo em frequência modulada (FM), com qualidade sonora superior e com uma programação que atraia pessoas economicamente mais favorecidas por incluir música popular brasileira, erudita e internacional, transmitida das 7 da manhã às 22 horas, com noticiários, boletins sobre bolsa de valores e blocos comerciais. O rádio também passa a ser utilizado em programas de ensino a distância, embora numa visão tecnicista trazida da ditadura, com horários obrigatórios para a transmissão destes programas (ibdem, p. 162). 28 Nos anos de 1980 o Brasil encontra-se na perspectiva de uma abertura política. O regime começava a se abrandar com a anistia que permite a volta dos exilados, a libertação dos presos políticos e o reaparecimento dos militantes, antes na clandestinidade. As greves explodem no país, vendo nascer um novo movimento sindical e o Partido dos trabalhadores. A informação ganha destaque na programação das rádios. O panorama da radiodifusão sonora muda também pelo uso de canais de satélite para a formação de rede de emissoras, um marco que introduz uma nova fase na história deste meio de comunicação no Brasil (FERRARETO, 2000, p. 165). Em 1985 o país passa a contar com um satélite próprio de comunicações. Perde-se a divisão entre AM e FM, pois cada vez mais os aparelhos de rádio incorporam as duas frequências, atraindo públicos diversos. (ibdem, p. 166). Com o movimento das Diretas-Já ganhando forças e a Emenda Dante de Oliveira prestes a ser votada no Congresso Nacional, a qual uma vez aprovada possibilitaria o país ir as urnas eleger o presidente da República ainda em 1984, surge a repressão e a censura aos meios de comunicação, que são proibidos, mediante uma Resolução de emergência, de irradiar, sem prévia liberação, programas noticiosos, de debates ou entrevistas. A censura e a pressão sobre o rádio e a TV coibiram a votação no Congresso que não foi bem sucedida pela falta de 22 votos. De “mãos atadas” as rádios calaram-se, uma vez que o Estado como poder concedente determinava quem podia ou não prestar os serviços de radiodifusão. Tais concessões, ao longo da ditadura foram um importante instrumento para consolidação dos governos militares. O governo podia cassar o direito das empresas de radiodifusão que não se adequassem às normas e estas concessões eram distribuídas a grupos econômicos simpáticos ao regime ou a políticos da Arena e de seu sucessor político o Partido Democrático Social (FERRARETO, 2000, p.170). O rádio torna-se também instrumento de conversão religiosa nas últimas duas décadas. Em meados dos anos de 1980, 10% das rádios do país estavam nas mãos dos religiosos (ORTRIWANO, 1985). Outro dado aponta que uma em cada sete rádios existentes no país está vinculada a uma igreja. Nos anos 90 o crescimento do poder político dos evangélicos atenuou denúncias de extorsão, falsas curas e ataques a outras religiões (ibdem). Em 1998 o Congresso Nacional aprova a lei que autoriza o serviço de radiodifusão comunitária, que consiste na operação em baixa potência e cobertura 29 restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias sem fins lucrativos com sede na localidade de prestação de serviço. ((ORTRIWANO, 1985). . Estabelece-se um novo marco nas rádios livres e comunitárias nas relações entre emissor e receptor. Ambos tendem a uma interação jamais verificada na comunicação massiva. No dizer de Manzano: Uma emissora comunitária tem como característica principal o fato de operar em via de duas mãos; ela não apenas fala como ouve, principalmente, assegurando, assim, à comunidade o direito de se fazer ouvir, em seus reclamos e se suas manifestações culturais e artísticas de natureza local. (apud FERRARETTO, 2000, p.189). A rádio comunitária dá ao cidadão a possibilidade de tomar posse do microfone e participar das decisões sobre um tipo de rádio mais aberto e democrático. Um exemplo disso são as experiências do Movimento dos trabalhadores rurais (MST) com emissoras como a Camponesa FM, que, Segundo Marta Regina (apud FERRARETTO, 2000, p.189). Tem conseguido romper com o culto a especialização e a competência – valores importantes no sistema capitalista – ao propiciar o exercício direto da democracia. Não há nenhum padrão sobre a forma de transmissão, a única exigência é que seja inteligível. Ao mesmo tempo que o cidadão ganhou o acesso ao rádio, a imagem do comunicador sofreu uma expressiva mudança. Segundo Esch (1999, p. 78) Uma imagem comum de se ver nos comunicadores de rádio é a de educador, na qual assumem o papel daquele que deve educar ensinar, informar, preparar e instruir o ouvinte sobre temas que eles consideram os mais importantes da atualidade. A palavra locutor vem do latim “locutore” e significa “aquele que fala”. No entanto, o mais importante e necessário é expressar um significado. Jorge Valdês (apud FERRARETTO, 2000, p.104) “elenca alguns requisitos essenciais para que o profissional seja considerado um bom locutor: entender o conteúdo, interpretar o texto e transferir as idéias”. Nessa transferência de idéias dar-se-iam as identificações tão essenciais entre as pessoas, já que o locutor é aquele que estabelece com seus ouvintes uma relação mais próxima. Com a imagem de provedor os comunicadores fazem o trabalho de intermediação, mostrando que está atuando num espaço onde o Estado tem 30 se mostrado ausente ou pouco eficaz na promoção do bem estar dos cidadãos. Outro grande papel que exercem diante do microfone é o de articular ações realizadas por terceiros com o intuito de atender aos pedidos que chegam diariamente às emissoras por intermédios de cartas, telefonemas ou mesmo participação direta ao vivo das pessoas que os visitam no estúdio. Tais atitudes de articulação os humanizam perante sua audiência tornando-os unos com seu público. Outra faceta no trabalho do comunicador de rádio é sua atuação como conselheiro, quando muitas vezes os comunicadores acabam se oferecendo como um espaço para apoio e amparo para as horas difíceis (ESCH, 1999, p.79). A confiança que se estabelece entre comunicador e ouvinte pode chegar a ponto de os radialistas, em muitos casos exercerem poder real de influência e se sentirem capazes de ditar modelos de comportamentos e atitudes a serem seguidos por seus ouvintes. “Esse poder alcança níveis nos quais muitas vezes o comunicador pode acabar servindo como instância final para a solução de alguns problemas” (ESCH, 1999, p. 81). É provável que, com a informatização e a digitalização haverá uma redefinição do trabalho nas empresas de radiodifusão. Entretanto com essas facilidades tecnológicas as emissoras utilizarão menos da metade dos profissionais hoje necessários no rádio analógico. Nesse sentido os profissionais dessa área terão que aliar o seu conhecimento acumulado no sistema analógico com os novos conhecimentos de informática necessários para o domínio dessas novas tecnologias. Entretanto, no dizer de Esch (1999), independentemente da defasagem tecnológica e de status intelectual que o rádio tenha sofrido, os comunicadores valeramse do rádio e acabaram incorporando em suas relações com os ouvintes alguns aspectos que caracterizam uma verdadeira relação de amizade. Da confiabilidade e intimidade estabelecidas entre os radialistas e o público surgiram, então, programas nos quais o comunicador exerce vários papéis. Sendo assim – afirma Esch (1999, p. 72) a programação radiofônica das emissoras ultrapassou o campo do entretenimento, da oferta da música e do recado amoroso e alcançou, verdadeiramente o cotidiano dos seus ouvintes, registrando seus problemas e angústias, diante de uma realidade que se apresenta quase sempre marcada pela ausência de condições mínimas de bem estar. Com isso a atenção do comunicador ganha mais uma característica. O antigo amigo e companheiro de todas as horas se coloca agora como um aliado de seus ouvintes ao apresentar e defender, por intermédio do microfone, os pedidos, reclamações e reivindicações da natureza social que o público faz chegar às emissoras. 31 O ouvinte pode discutir os problemas de sua comunidade, questões familiares ou amorosas, queixar-se de uma determinada loja que desrespeitou sua condição de consumidor, reclamar da falta de água, esgoto, escola, transporte coletivo e assistência médica, enfim reivindicar direitos de toda natureza. Os microfones das rádios se transformam em verdadeiras tribunas livres, nas quais a insatisfação popular ganhou importância e se tornou referência para segmentos representativos das classes populares. Segmentos que encontram a possibilidade concreta de tornarem públicas e colocarem perante as instâncias governamentais responsáveis pelas suas reclamações de caráter social (BIANCO E MOREIRA, 1999, p. 72). A relação entre o comunicador e o ouvinte alcançou níveis de confiança no qual o poder de influência e decisão do radialista chega, em muitos casos, a substituir instituições sociais com ação e função bastante definidas como é o caso da própria justiça. Esse “magistrado” ganha facilmente a confiança e o respeito dos seus ouvintes ao colocar-se como igual, ou seja, aquele que conhece e pode apreciar melhor os problemas, porque também já os vivenciou (BIANCO e MOREIRA,1999, p. 81). Dentro desse contexto surge a comunicação de rádio como possibilidade real de trabalho para a pessoa com deficiência visual, já que a radiodifusão sonora continua sendo poderoso instrumento de integração nacional em um país de dimensões continentais como é o Brasil. Acreditamos que todo esse contexto pode ser utilizado em beneficio da pessoa com deficiência visual que demonstra habilidade para a comunicação de radiodifusão. Em primeiro lugar estaria incluído no mercado de trabalho, ao mesmo tempo faria bom uso político da fala e da sua influência junto ao público para investir na educação e compreensão de uma sociedade que pode, através da inclusão, tornar-se mais justa e igualitária. O presente estudo visa analisar as possibilidades de inclusão do radialista com deficiência visual neste mercado de trabalho, nas diversas emissoras sediadas na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, no que diz respeito a sua atuação na locução de programas de rádio, noticiários, coberturas esportivas e afins, compreendendo-se que hoje tais sujeitos encontram-se à margem deste mercado, com raras exceções. Partindo-se deste estudo, pretendemos contribuir com uma concepção de cegueira a partir de uma ótica mais ampla, que não somente o modelo médico ou educacional e observar como poderia se dar o processo de inclusão dos radialistas com deficiência visual nas emissoras de rádio da cidade de Natal, justificando porque é 32 preciso dar vez à voz dos mesmos. Pretende-se que, por meio da história dos sujeitos implicados na pesquisa, ou seja, os radialistas com deficiência visual, seja possível entender a cegueira como uma experiência perceptiva em contrapartida à visão de cegueira como uma desvantagem e uma limitação. Sendo o porta-voz dos menos favorecidos, na relação de cumplicidade que um radialista estabelece com seu ouvinte, almeja-se pesquisar como a pessoa com deficiência visual poderia vir a desempenhar o papel de comunicador. Dentro desta perspectiva se crê que este pode fazer uso deste poder político do rádio, da história crítica de sua influência para permear e interferir no espaço social, estabelecendo mediações com a sociedade e se posicionando em seu meio na luta pela produção de significados resultantes da experiência social. Essas são, em parte, as razões que justificam a pesquisa, que pressupõe, sem dúvida, a profissionalização da pessoa com deficiência visual no setor da comunicação de rádio, para que este, valendo-se das ondas radiofônicas, possa ele mesmo, ter voz e maior abrangência das suas mensagens. 33 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Metodologia 2.1.1 Caracterização da pesquisa Este estudo caracterizou-se como do tipo exploratório, propondo-se uma análise qualitativa. 2.1.2 Procedimentos A metodologia adotada foi a pesquisa de campo vista por nós como o que melhor nos possibilita conseguirmos, não só uma aproximação com aquilo que desejamos conhecer e estudar, mas também de criar um conhecimento, partindo da realidade presente no campo, tendo como fundamental importância a relação do pesquisador com os sujeitos a serem estudados, como sintetiza Otávio Neto (1994, p.51) “o campo torna-se um palco de manifestações de intersubjetividades e interações entre pesquisador e grupos estudados, propiciando a criação de novos conhecimentos.” Fizemos uma listagem de todas as rádios AMs, FMs e Rádios Comunitárias existentes na cidade de Natal, e a partir daí efetuamos os contatos com cada uma delas a fim de saber se já existia a inclusão de pessoa com deficiência visual, de agora em diante caracterizados neste trabalho com as iniciais DV, - atuando na locução de rádio ou que já tenha atuado anteriormente. De posse destes dados investigamos a trajetória profissional de dois radialistas cegos e um de visão normal, que já atuaram nas emissoras de rádio na cidade de Natal. Após isso localizamos os sujeitos em questão e realizamos as entrevistas semiestruturadas, contendo questões fechadas e abertas. A entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo, buscando através dela o pesquisador obter informes contidos nas falas dos atores sociais (CRUZ NETO, 1994, p.52). Neste sentido a entrevista, embora seja um termo genérico é aqui entendida como uma conversa a dois com propósitos bem definidos em dois níveis. O primeiro nível se caracteriza por uma comunicação verbal que reforça a importância da linguagem e do significado da fala e, num segundo nível serve como um meio de coleta de informações sobre um 34 determinado tema científico (ibdem). Os questionamentos contidos na entrevista que nortearam o estudo foram baseados nas seguintes categorias: profissão, qualidades, dificuldades, oportunidades, contribuições, adaptações, formação e vocação. Ao investigar o item “profissão” partiu-se da possibilidade de alguém com DV atuar na função de locutor, interagindo diretamente com o público. No que diz respeito às “qualidades” a idéia era investigar sobre quais características seriam necessárias para que um sujeito com DV atuasse numa emissora de rádio. O estudo das “dificuldades” partiu das experiências vivencidadas pelos profissionais com DV e dos entraves encontrados pelos mesmos neste percurso. Já o item “oportunidades” enfocaria a realidade da absorção da mão de obra de tais profissionais e em que funções eles poderiam atuar nas emissoras de rádio. Investigou-se também a respeito das “contribuições” que a entrada no mercado de trabalho traria para a pessoa invisual e quais as adaptações poderiam ser feitas no ambiente de trabalho para absorver esta mão de obra com mais propriedade. Quanto a “formação” a idéia era investigar o tipo de treinamento necessário a um radialista e inquirir se os radialitas sujeitos da pesquisa já tinham recebido algum. Tratava-se também de saber em que medida estes cursos são oferecidos às pessoas com deficiência visual e de que maneira são adaptados para recebê-los, promovendo uma real inclusão. Por fim, em se tratando da questão da “vocação”, pretendia-se comparar, na perspectiva dos entrevistados, o aspecto técnico da profissão e sua relação com a arte, propriamente dita, enquanto aptidão natural. As entrevistas foram gravadas através de um MP3 e em seguida transcritas para análise dos dados. 2.1.3 Análise dos dados A partir dos dados coletados, foi realizada uma análise qualitativa de conteúdo com exploração de todo material, e subsequente interpretação das opiniões levantadas. A entrevista de cada participante foi lida e relida, comparando-se as opiniões de cada um a fim de analisar as categorias estabelecidas no estudo que permitissem avaliar as possíveis condições de inclusão da pessoa com deficiência visual em alguma emissora de rádio. 35 2.2 Resultados e Discussão No levantamento realizado em todas as emissoras de rádio na cidade de Natal encontramos dados de apenas um radialista não vidente que tinha atuado profissionalmente por dois anos. Além disso, encontramos dados de outro radialista que depois de ter atuado no rádio por dezoito anos, perdeu a visão, atuando ainda por um período de onze anos como radialista nessa condição. Assim sendo, foi feita a opção de entrevistar também um radialista vidente a fim de poder comparar essas três experiências e conseguir identificar as possibilidades de inserção da pessoa com DV nesse mercado de trabalho. No decorrer da análise de cada entrevista em consonância com as oito categorias de maior relevância já explicitadas anteriormente, tratamos os três sujeitos que participaram da pesquisa como RV (Radialista Vidente); RNV (Radialista Não Vidente) e RVNV (Radialista Vidente - Não vidente); agrupamos as perguntas e as respostas e discutimos cada uma delas sucessivamente. Destacamos que na apresentação dos resultados foram considerados apenas os trechos de fala relacionados com as categorias estabelecidas a partir dos objetivos do estudo. Esses trechos foram separados por colchetes com reticências para indicar a interrupção da fala dos entrevistados apresentadas em alguns momentos de modo literal e, em outros, com correções, em função da necessidade de torná-las mais claras ao leitor. Ainda sobre a apresentação das transcrições, em alguns momentos, utilizamos parênteses para marcar interrupções e explicações. Os nomes dos sujeitos no Quadro 1 que se segue encontram-se apenas com suas iniciais e a caracterização de acordo com o que foi explicado acima, seguida do sexo, faixa etária, profissão e o tempo que exerceu (ou exerce) a profissão em emissora profissional. Todos os participantes são radialistas do sexo masculino com idade entre 35 a 57 anos, com tempo de profissão de 02 a 33 anos (Quadro 1). Quadro 1- Caracterização da amostra Nome Sexo Idade Profissão Tempo no rádio EOD (RV) Masculino 35 anos Radialista 18 anos JT (RNV) Masculino 39 anos Radialista 02 anos 36 JJPM (RVNV) Masculino 57 anos Radialista 33 anos No que diz respeito à profissão (Quadro 2) todos os entrevistados já trabalharam no rádio, mas apenas o RV continua trabalhando. O RNV atuou no rádio por apenas dois anos e o RVNV atuou por 25 anos e já não atua mais em rádios profissionais, mas apenas em rádios comunitárias, sendo este tempo de rádio comunitária incluído no quadro acima. Levando-se em conta esta informação infere-se que existe a possibilidade de uma pessoa com deficiência visual ocupar esta função, entretanto apenas o RV permanece exercendo formalmente a profissão. O RVNV mencionou que, embora já aposentado e trabalhando em uma rádio comunitária reconhece que poderia atuar na rádio profissional e que hoje nem entende porque não o faz. Porém, foi levantada a impossibilidade de uma contratação formal em função do mesmo ter uma aposentadoria paga pelo INSS, por invalidez. O entrevistado RNV que atuou apenas dois anos no rádio confirma a razão citada pelo colega, explicando que as dificuldades maiores se referem a instabilidade no emprego, gerando insegurança em abrir mão do salário que advém da aposentadoria por invalidez para arriscar a profissão no rádio, uma vez que percebe tanto preconceito e exclusão. Os três entrevistados afirmaram nunca terem trabalhado em emissora de rádio profissional em Natal com um colega com deficiência visual, entretanto, eles tiveram conhecimento de pessoas com deficiência visual atuando como radialista. De acordo com o RV a pessoa que ele conhecia atuava em rádio comunitária e os RNV e RVNV tinham conhecimento de duas pessoas com deficiência que trabalharam em emissoras de outros estados. Ao serem inquiridos a respeito da sua experiência pessoal na área de radialismo, da possibilidade de alguém com deficiência visual atuar nessa área, exercendo a função de locutor, o RV respondeu que seria algo inédito em Natal. O RNV acredita que uma pessoa com DV poderia realizar esta função sem grandes dificuldades, bastando ter os conhecimentos e capacidades relativos a esta área e o RVNV assumiu que é necessário se dedicar realmente, ter muita força de vontade e habilidade, concordando em sua fala enfática com a resposta do colega RNV. É importante observar que o RVNV fala como alguém que já enxergou anteriormente e, perdendo a visão seguiu com sua experiência no rádio. 37 Quadro 2- Percepção dos radialistas quanto ao exercício da profissão. Profissão Questão 1 O que você acha, a partir da sua experiência na área de radialismo, de alguém com deficiência visual atuar nessa área, exercendo a função de locutor? Vidente (RV) Não vidente (RNV) Vidente-não vidente (RVNV) Seria uma coisa inédita aqui Não teria problema Precisa ter o dom, se dedicar em Natal. [...] Eu conheço nenhum; é uma função que realmente, ter muita força de só um, José Jorge que é o deficiente pode realizar vontade. locutor esportivo. com pleno êxito.[...] É um dom. Ao serem inquiridos sobre as qualidades requeridas para que um sujeito com DV possa atuar no rádio (Quadro 3), os três entrevistados se colocaram da mesma maneira no que diz respeito a sua própria experiência de interação com o rádio, sendo que o RV acrescentou que considera a visão desnecessária para o processo, considerando que é a voz que faz o rádio, o que nos leva a crer que é a voz e não a visão a responsável pelo sentimento de presença e companhia, no que foi apoiado pelo RNV o qual assegurou haver nascido para o radialismo e ter o rádio como companhia vinte e quatro horas por dia. O RVNV assegurou a necessidade de ser polêmico. Ao que parece a polêmica mantém o interesse do ouvinte, o qual, envolvido pela fala do radialista mantém-se preso ao rádio, o que nos leva de novo a sugerir que a voz é, por assim dizer, o carro chefe nessa profissão. Quadro 3- Percepção dos radialistas quanto as qualidades necessárias para o exercício da profissão. Possibilidades Vidente (RV) Não vidente Vidente-não vidente Questão 2 (RNV) (RVNV) Porque você acha que Só precisa usar a voz, não Vivo o rádio 24 horas por Tem de ser polêmico. Eu já mesmo com deficiência a visão. [...] Rádio é dia. Nasci pra isso. nasci no rádio [...]. Estava lá visual um sujeito pode companhia, rádio é voz. com cinco anos de idade. trabalhar numa emissora de rádio? Que qualidades você poderia reconhecer num deficiente visual para desenvolver este trabalho? No item ‘Dificuldades’ a pergunta dirigida ao RV sofreu uma pequena mudança de foco, voltando-se para as dificuldades encontradas pela pessoa com DV e não as dificuldades encontradas pelo entrevistado. O mesmo entende que possivelmente 38 o DV encontrasse algumas dificuldades, mas as mesmas não seriam impeditivas, desde que fosse colocada a disposição do radialista DV uma outra pessoa para operar a mesa, já que o locutor é quem exerce essa função na rádio FM. O RV entende que a pessoa com DV não daria conta de fazer o trabalho de locução e ao mesmo tempo operar a mesa. A resposta do RNV não tratou de nenhum aspecto técnico propriamente, mas enfocou a dificuldade de convencer o empresário do rádio a respeito da sua capacidade. Já o RVNV demonstrou ter sofrido uma dificuldade particular, ligada a seus próprios sentimentos com relação a cegueira e não mencionou dificuldades objetivas, acrescentando apenas que teve que fazer algumas adaptações. A pergunta a respeito dos roteiros em braille3 os três foram unânimes em dispensar esse recurso, entendendo que memorizar ou gravar as informações, ou mesmo falar de improviso, isto é, baseados apenas no conhecimento das informações, sem scripts, seria mais prático. No que diz respeito à necessidade de uma capacitação para o radialista com DV os três concordam que esta tem a sua importância e alistaram motivos diferentes. O RV prioriza um treinamento para a memória em função das muitas tarefas agendadas. O RNV acha que tal treinamento é essencial para promover a interação com o operador. O RVNV crê que apenas alguém que nunca teve uma experiência prévia no rádio, antes de deixar de enxergar teria essa necessidade. No nosso entender as dificuldades encontradas não foram de grande estirpe, uma vez que os três radialistas não apontaram faltas objetivas. Entretanto vale realçar a resposta do RNV à primeira pergunta deste item, a qual reforça a idéia concebida pelas pessoas com DV a respeito do preconceito que eles têm que enfrentar no campo profissional. No que tange as oportunidades para o exercício da profissão a percepção dos radialistas quanto ao mercado e absorção da mão de obra de um radialista DV foi assim colocada: o RV tomou como certa a absorção das referidas pessoas no mercado, desde que a mesma tivesse talento reconhecido; o RNV também parece ter certeza quanto a oportunidade baseado na capacidade de raciocínio dos radialistas DV e a capacidade de absorver informações por estar em companhia do rádio o dia todo. Já o 3 Braille: sistema de leitura e escrita para cegos inventado pelo francês Louis Braille. O sistema de Braille aproveita-se da sensibilidade epicrítica do ser humano, a capacidade de distinguir na polpa digital pequenas diferenças de posicionamento entre dois pontos diferentes. 39 RVNV intitulou a oportunidade de entrada no mercado em questão como ‘um sonho irrealizável’ e alistou em seguida o preconceito, as programações retransmitidas, que classifica de programações ‘enlatadas’ (em detrimento das produções locais) e a decadência das rádios AM’s. Observando esta questão e comparando as respostas diferenciadas e antagônicas entendemos que, se por um lado a mão de obra da pessoa DV pode ser considerada e até aceita, por outro se depara com a realidade expressa na resposta do RVNV que aponta para a decadência do rádio, particularmente as rádios AM’s; observa-se também que a programação retransmitida pelas emissoras diminui a transmissão de produções locais; tal decadência aponta para um futuro desemprego na área de radialismo. Quadro 4- Percepção dos radialistas quanto as dificuldades para o exercício da profissão. Dificuldades Vidente (RV) Questão 3 Que dificuldades você (a resposta dele diz encontrou para exercer a respeito ao deficiente). função de locutor? ...teria algumas, mas isso não iria atrapalhar o desempenho. [...] A emissora teria que dispensar mais um operador de áudio para essa pessoa, alguém para operar a mesa de som...[...] a dificuldade não seria decisiva para impedir que uma emissora desse chance [...] .isso não seria difícil para o deficiente visual. Você acha que é necessário Basta apenas o deficiente ter roteiros (scripts) em visual memorizar. Braille para exercer a função de locutor? Na emissora de rádio é Acho que o treinamento necessário a pessoa com que ele deve fazer é o de deficiência visual fazer memorização, pois são algum treinamento? muitas as tarefas para memorizar. Não vidente Vidente-não vidente (RNV) (RVNV) Convencer o empresário No começo pensei que o de rádio de que você é mundo tinha acabado capaz. (quando perdeu a visão), depois fiz as adaptações. Eu fui ensinado por José Seria bom, mas eu prefiro Jorge a usar um gravador. falar de improviso. É necessário, sim, principalmente para se entrosar com seu operador de rádio, senão vai ficar falando sozinho. Acho importante. Eu nunca fiz porque nasci no rádio e enxergava, mas quem nunca teve experiência precisa. Ainda tendo como tópico as oportunidades foram sugeridas as funções que a pessoa com DV poderia exercer numa emissora de rádio, bem como: locução, diretor de produção, roteirista, assistente de estúdio, operador de câmera, operador de 40 som de estúdio, projetista de estúdio, auxiliar de discotecário, continuista, filmotecário, dublagem, contra-regra, sonoplastia, operador de mixagem. É importante acrescentar que tais funções não englobam todas as funções existentes numa emissora, nem tampouco foram escolhidas pensando-se na questão da deficiência visual, no entanto, à esta lista todos os três radialistas responderam que todas as funções, a princípio poderiam ser exercidas por uma pessoa com DV, mas em seguida acrescentaram pequenas sugestões que marcavam algumas delas como tendo um maior grau de dificuldade, como por exemplo: Diretor de produção, Roteirista, Projetista de estúdio, Dublagem (RV); Assistente de estúdio (RNV); operador de câmara, continuísta e filmotecário (RVNV); todas, entretanto poderiam ser exercidas, desde que fossem acrescentados treinamento, auxiliares, experiência profissional e desenvoltura natural. Pode-se observar nestas respostas que o RV alistou maior número de funções que considerou dificultosas, enquanto o RNV encontrou apenas uma e o RVNV encontrou apenas três. Também são dignas de nota as sugestões oferecidas para sanar as dificuldades das funções mais dificultosas. O RV sugeriu a ajuda de um auxiliar; o RNV acrescentou que precisaria de desenvoltura e o RVNV encontrou solução num treinamento. As oportunidades, entretanto, existem a partir destas respostas e são amplas e quase irrestritas. Quadro 5- Percepção dos radialistas quanto as oportunidades para o exercício da profissão. Oportunidades Questão 4 Você acha que o mercado de trabalho na área de radialismo absorveria a sua mão de obra? Por quê? Qual a(s) função(ões) que o deficiente visual poderia exercer numa emissora de rádio? Vidente (RV) Não vidente (RNV) Com certeza. A essência do rádio é comunicar. [...] Uma pessoa com talento, mesmo deficiente visual não passaria despercebido ao empresariado de rádio. Com certeza [...] absorveria sim, pela capacidade de raciocínio do radialista deficiente e por estar sempre muito bem informado, já que tem como companheiro o próprio rádio 24 horas. Todas. Assistente de estúdio eu acho mais complicado, mas depende da desenvoltura da pessoa. Todas, mas o Diretor de produção é muito difícil, não se encaixaria bem [...]. Roteirista, só com um auxiliar. Projetista de estúdio... [...] não acho que essa aí seria uma área aproveitável... Vidente-não vidente (RVNV) Seria muito difícil por causa do preconceito, das programações “enlatadas” e não locais. Por causa da decadência da rádio AM que torna difícil emprego até para quem vê, imagine para um deficiente.[...] Um sonho irrealizável. Todas, menos operador de câmara; continuísta e filmotecário, [...] só com treinamento. 41 Em se tratando das contribuições que o exercício da profissão traria para a pessoa com DV o RV referiu que a oportunidade seria um exemplo de responsabilidade social que teria como consequência maior visibilidade para a empresa; acrescentou que ajudaria na auto-estima da pessoa com DV e estimularia outras pessoas com a mesma deficiência a enfrentar a procura por igual oportunidade. Opinou que a presença de uma pessoa com DV nos programas e campanhas de doação de órgãos angariaria maior interesse dos ouvintes. O RNV concordou que o aumento da autoestima com a inclusão no mercado de trabalho faz a pessoa com DV sentir-se útil para a sociedade, além do prazer de exercer a função que ‘se nasceu pra fazer’. O RVNV entende que as contribuições seriam muitas. Usando o verbo no futuro do pretérito o entrevistado parece ver essa possibilidade como algo ainda distante, já que, novamente repete que acredita ser “um sonho irrealizável”. Dá-se a si mesmo como exemplo, realçando o fato de hoje trabalhar numa rádio comunitária mesmo sabendo que poderia trabalhar numa rádio grande. Os três entrevistados parecem ser unânimes no que diz respeito às contribuições que a entrada no mercado de trabalho na área de radiodifusão poderia trazer para a pessoa com DV, embora o último (RVNV) pareça incrédulo de que isso poderá vir a acontecer. É importante fazer notar também a lembrança do RV quando se refere à visibilidade que uma empresa recebe quando demonstra ter responsabilidade social e o retorno de tal visibilidade que redunda em merchandising positivo e consequente retorno financeiro. Quadro 6- Percepção dos radialistas quanto as contribuições que o exercício da profissão traz para a pessoa com deficiência visual. Contribuições Vidente (RV) Não vidente (RNV) Vidente-não Questão 5 vidente (RVNV) Que contribuições você acha Oportunidade, [...] daria Aumenta a auto-estima, Muitas...poderia trazer Poderia..[...]. que o trabalho na rádio traria exemplo, [...] além de ajudar inclui o deficente no muitas... para a pessoa com na auto-estima ajudaria a mercado de trabalho,[...] a agora é um sonho que eu deficiência visual? outras pessoas que tem gente se sente útil para a acho irrealizável porque vontade de procurar uma sociedade, exercendo uma hoje eu trabalho numa empresa, mas não tem função principalmente rádio comunitária, mesmo coragem porque acha que aquela que a gente nasceu sabendo que eu tenho condições de trabalhar vai ser rejeitado. Tornaria as para fazer. campanhas para doação numa rádio grande... mais interessantes... Daria visibilidade à emissora quanto a oportunidade às pessoas com DV. 42 As adaptações requeridas para receber um radialista com DV foram analisadas pelos radialistas de diferentes maneiras. De acordo com a percepção do RV o que poderia ser feito para que esta inclusão ocorresse com mais propriedade se resume em uma simples tentativa de fazer uma apresentação para demonstração das habilidades do radialista, na emissora, a fim de ser avaliado. Uma vez demonstrando ter as qualidades ideais para a função, com certeza seria admitido. O RNV referiu-se a quebra do preconceito e o RVNV se colocou falando da falta de atuação do Sindicato dos radialistas dizendo que o sindicato é fraco em não agir exigindo o cumprimento da lei, na sua determinação de que a programação de rádio obrigatoriamente seria 75% local. Essa colocação parece ter ligação com o fato de que a programação vinda de fora, retransmitida pelas emissoras geram desemprego para muitos profissionais do rádio. Ainda no que diz respeito às adaptações no sentido mais concreto e técnico o RV sugeriu novamente a ajuda de outra pessoa que faria lembretes, auxiliaria a pessoa com DV na memorização das tarefas e faria narrações dos programas para o locutor com DV executar. Já o RNV se colocou em desacordo com a primeira resposta demonstrando que contratar pessoas seria desnecessário. Enfatizou como maior necessidade mudanças no ambiente externo, cuidados com as barreiras arquitetônicas, sem esquecer do ambiente interno e os equipamentos inadequados. Sugeriu que a instalação do programa Jaws4 resolveria os pequenos entraves que a pessoa com DV poderia vir a enfrentar. O referido programa de computação deveria ser instalado principalmente nas emissoras de FM, onde o operador e o locutor são o mesmo. Explicou que o mencionado programa serve para selecionar música, blocos comerciais, apenas com um comando de voz, bastando apenas que tenha duas faixas de som no computador. O RNV disse que esse programa não está instalado em nenhuma emissora comercial na cidade de Natal e que já tinha feito a proposta de instalação nas emissoras onde trabalhou, mas não obteve resposta. O RNV acrescentou que a informática tornase hoje a ferramenta que faltava para facilitar a vida da pessoa com DV. O RVNV não acha que sejam necessárias quaisquer adaptações, mas apenas que o radialista com DV conheça o equipamento. É valioso pensar na ajuda que a informática vem trazer para todos, particularmente para a pessoa com DV. O entrevistado RVNV mencionou a experiência 4 JAWS: O Jaws é um software do tipo ledor de tela que fornece assistência para que pessoas com deficiência visual possam utilizar melhor o computador. 43 de ter tido um estúdio montado em sua casa logo que perdeu a visão, utlizando o programa Dosvox5 e que, graças ao seu contato com a informática pôde continuar atuando por onze anos depois de ter adquirido cegueira e hoje pode efetuar gravações de comerciais através do computador. Quadro 7- Percepção dos radialistas quanto as adaptações necessárias para o exercício da profissão. Adaptações Questão 6 O que poderia ser feito para incluir com mais propriedade o deficiente visual nesse mercado de trabalho? O que poderia ser adaptado na emissora de rádio para absorver o trabalho de uma pessoa com deficiência visual? 5 Vidente (RV) Não vidente (RNV) Em primeiro lugar uma Diminuir o preconceito. tentativa... alguém que pudesse trazê-lo a uma emissora, trazer uma proposta... [...] se nessa apresentação essa pessoa com deficiência visual tiver qualidades, a emissora tem condições para colocá-la no ar... O principal é ter alguém Contratar pessoas é O da emissora que fosse desnecessário. colocado para ficar ambiente externo com fazendo os lembretes [...] certeza, [...] o ambiente fazer um trabalho de interno precisa ser memorização [...] o melhorado. [...] hoje a departamento de instalaçao do Jaws promoções teria que dar resolve quase tudo. Ele maior atenção. Não seria pode ser instalado no necessário grandes computador, mudanças, apenas alguém principalmente nas de cada setor que diria: emissoras de FM, que o você vai executar tal operador e o locutor são o [...] Para música e tais promoções mesmo [...] alguém ficaria selecionar música, blocos lembrando verbalmente, comerciais, com um fazendo uma narração pra comando de voz no ele de cada área, de cada computador dá para o programa que ele fosse deficiente fazer [...] não fazer. tem nenhuma (emissora) aqui em Natal (com o jaws instalado). A informática é a ferramenta que faltava. Vidente-não vidente (RVNV) O sindicato do radialista, que é muito fraco, poderia agir, porque, ao que me parece existe uma lei que determina que 75% da programação de rádio tem que ser local. [...]. Mas essa lei não é cumprida... Você fala de adaptação do...sistema, da parte técnica...bom...hoje a parte técnica...[...] é aquilo que eu falei, eu trabalhei com Sidney, na rádio Nova Visão e ele fazia tudo na mesa de áudio...[...] ele colocava tudo...na mesa de áudio... Sem nenhuma adaptação... trouxeram uma pessoa para ensinar...depois que ele pegou não teve problema. DOSVOX: sistema para microcomputadores que se comunica com a pessoa que tem deficiência visual por meio de síntese de voz. O software é gratuito e foi desenvolvido pelo Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 44 No item que diz respeito a formação, apenas dois dos entrevistados (RV e RNV) fizeram algum curso de capacitação para o exercício da profissão. O terceiro entrevistado (RVNV) não fez curso por não haver obrigatoriedade na época em que foi admitido como radialista. Buscando conhecer mais a respeito dos cursos de capacitação para a área de radialismo observamos que estes existem em larga escala em todo o Brasil, tanto a nível técnico como a nível universitário; tanto cursos presenciais quanto cursos a distância, via internet. Na cidade de Natal-RN estes cursos são oferecidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mediante a aprovação no vestibular e pelas universidades e faculdades privadas, com o intuito de preparar pessoas para exercerem a função de radialista. Estes cursos, porém, de acordo com dois dos três sujeitos entrevistados (RV e RNV) colocam que os cursos não estão preparados para receber alunos com DV. Somente o terceiro entrevistado (RVNV) sugeriu que os cursos são bem ministrados, embora ele mesmo nunca tenha participado de nenhum. Mencionaram todos também que os cursos não ministram disciplinas a respeito da inclusão da pessoa com DV. Os dois entrevistados (RNV e RVNV) apontaram como falta nos cursos de formação a ausência das apostilas em braille, para que ocorra uma melhor aprendizagem e participação da pessoa com DV. O RV não apontou falta específica, mas apenas as faltas usuais que ocorrem em muitos lugares, como ruas, universidades e escolas formadoras de profissionais, entretanto pontuou que a formação de um radialista não passa necessariamente por um campo teórico, mas basta ter voz, tempo, dedicação e talento. Quadro 8- Percepção dos radialistas quanto a formação necessária para o exercício da profissão. Formação Vidente (RV) Questão 7 Você já fez algum curso de Eu comecei...(um curso) radialismo? Se sim, por que? [...] tenho formação Se não, por que? acadêmica em jornalismo e, por vocação sou radialista. Não vidente Vidente-não vidente (RNV) (RVNV) Sim, por determinação Não, porque naquela época.... do sindicato dos a profissão não era radialistas. Em 1989 eu reconhecida. estagiava na rádio Poti quando fui retirado do ar porque eu não tinha curso de radialista, então fiz um curso com duração de oito meses. Durante o curso você teve algum colega com deficiência visual, ou teve conhecimento de alguém Tive dois colegas, o Francisco Daniel e o Ronaldo Tavares. Tambem fiquei sabendo A única oportunidade de conhecer um radialista cego foi o José Jorge. Eu até perguntei como ele Nildo, Daniel... [...] estavam atuando na Rádio Rural e o sindicato tirou do ar porque não tinham curso...Eles 45 que já tenha cursado? conseguia fazer isso, ele me disse que decorava, absorvia as informações e memorizava... de outras pessoas que já trabalhavam como o José Jorge...[...] não...desculpe, o José Jorge veio depois, mas tenho um outro colega na Paraiba, o Darci Cachoeira, que eu também conheci.... Na época em que eu fiz, não. A gente fez mais na vontade, na superação, hoje eu não tenho assim muito conhecimento, mas sei que os cursos estão mais rápidos, durando apenas três meses... Os cursos que você fez ou conhece nessa área estão prontos para receber um aluno com deficiência visual, proporcionando a ele as mesmas oportunidades dos demais? Acho que não, a universidade...[...] eu não conheço o curso, mas pelo que eu ouço falar são poucas as escolas hoje...e no âmbito geral, não só na universidade, mas os deficientes visuais tem dificuldades em andar nas ruas, no trânsito, em shoppings...[...] essa deficiência que as escolas tem, essas escolas formadoras de profissionais com deficiência elas tem dificuldade também de receber esses profissionais com deficiência visual. Na grade curricular do curso que você fez tinha alguma disciplina que envolvia o tema da inclusão social da pessoa com deficiência? Não lembro...[...] na Não, na epoca, não. Na universidade como epoca não tinha... jornalista..[...] se falava muito em algumas aulas, mas sempre ficava só no falar, mas nas cadeiras que eram pagas não tinha essa temática mais aprofundada de inclusão dos deficientes visuais. Pelo menos juridicamente...[...] o sindicato fazia cursos para legalizar o pessoal.... eu lutei muito na ADVIRN para que as pessoas que estavam lá fazendo radio fizessem o curso... O que você acha que falta nos cursos de radialismo para uma pessoa com deficiência visual tornar-se radialista? Basta querer..[...] ter um pouquinho de talento, um pouquinho de voz...[...] muita dedicação, tempo. A formação de um radialista e especialmente um radialista com deficiência visual... não passa especificamente por um campo muito teórico...[...] Um comunicar de rádio de sucesso e com bom desempenho, ele é formado por vários fatores: vocação, dedicação, boa O que falta nos cursos...o que poderia ser acrescentado...[...] o Braille. A leitura braile é essencial para a pessoa que vai começar no rádio. É necessário por exemplo ter as apostilas em braille, é mais fácil;. Eu creio que as apostilas estando em braille facilita. fizeram o curso do sindicato. Disseram que era obrigado fazer o curso. É... Inclusive porque os curso são ministrados por professores e radialistas profissionais. Sempre tem um professor de português, professor de comunicação e os próprios radialistas que ministram o curso... [...] muitas pessoas boas, além do professor de comunicação da UFRN. 46 dicção, um bom domínio da língua portuguesa... No que diz respeito à vocação os três entrevistados foram unânimes em afirmar a relação do radialismo com o dom. Definem a voz como um dom, como algo artístico que vem “do berço”. Sendo assim, não parece ser, segundo eles, tão necessária a técnica na comunicação, muito menos a visão, mas basta ter boa oralidade e outras qualidades usuais como boa memória e raciocínio rápido para poder exercer a profissão de locutor de rádio. Entretanto, analisando tanto as respostas dos entrevistados, como suas posições pessoais frente ao mercado de trabalho e enfrentamento dos preconceitos, bem como sua situação atual, - observamos que dois dos entrevistados, justamente os que não enxergam estão desempregados, fora das emissoras, embora tenham competência reconhecida e experiência na área. Com base nessa análise é possível concluir que a realidade do mercado de trabalho da cidade de Natal, no que diz respeito às emissoras de radio e sua relação com o radialista com DV não parece realmente aberto a absorver esta mão de obra. Entende-se que mesmo tendo capacidade para o exercício da profissão não tem conseguido sua inclusão no dito mercado, uma vez que na nossa amostra de profissionais da radiodifusão com DV apenas um dos radialistas (RVNV) se encontra hoje “trabalhando” em uma rádio comunitária, no entanto, nenhum profissional do rádio, na amostra e além desta, atua, hoje, profissionalmente, como radialista em emissoras comerciais na cidade de Natal. Quadro 9- Percepção dos radialistas quanto a vocação para o exercício da profissão. Vocação Questão 8 Vidente (RV) A comunicação no rádio é um pouco de dom, de vocação. É uma coisa mais artística. Não é uma coisa técnica, é mais de vocação [...] no Brasil ser radialista hoje é mais questão de vocação e dom. Não vidente (RNV) [...] porque falar é um dom e você tendo o dom [...] nasceu “pra quilo”, desenvolve sua profissão sem maiores problemas. Vidente-não vidente (RVNV) [...]...porque eu acho que o rádio é berço. Eu acho que [...] as pessoas falam muito, mas eu acho que o rádio...[...] o radialista já nasce com o dom. 47 48 3 CONCIDERAÇÕES FINAIS A comunicação, do ponto de vista da matriz sócio-histórica é um processo que faz parte das relações sociais, é uma necessidade humana. Segundo Pedrinho A. Guareschi (2004) a comunicação é o mais forte dos poderes e este fenômeno misterioso é ainda carente de estudos. Segundo o autor “não seria exagero dizer que a comunicação constrói a realidade e que esta existe ou deixa de existir se apenas for silenciada pelos meios de comunicação ((GUARESCHI, 2004, p.14). Parece-nos correto, então pensar que, quem detém a comunicação também detém o poder, detém a existência das coisas, a difusão de idéias, a criação da opinião pública. O mais importante é que, quem detém a comunicação chega até a definir os outros, definir determinados grupos sociais como sendo melhores ou piores, confiáveis ou não confiáveis (...). Quem tem a palavra constrói identidades pessoais ou sociais (GUARESCHI, 2004, p. 15). De fato os meios de comunicação estão sempre presentes e são fator indispensável tanto na criação como na transmissão, mudança, legitimação e reprodução de determinada cultura, sendo uma das relações mais persuasivas e abrangentes (GUARESCHI 2004, p. 20). Dentre os meios de comunicação destacamos o rádio, ainda grande companheiro das massas e, de acordo com o objeto da nossa pesquisa grande instrumento para contribuir com o processo de inclusão. De acordo com Esch (1999, p. 70), o rádio entretém, informa, é companheiro e acima de tudo presta serviço para o seu público. Caracteriza-se também por apresentar programações bastante diversificadas que procuram com dinamismo e linguagem coloquial criar um clima vibrante e estimulante para seu ouvinte. No dizer de Chantler (1992, p. 21) “o rádio é um meio muito pessoal, pois o locutor fala diretamente para o ouvinte, considerando cada um como se fosse uma pessoa individual, embora tecnicamente se saiba que um locutor quando fala está falando para massas através de um sistema gigantesco de transmissão de mensagens. Para o que ouve, porém, o locutor esta falando com ele apenas, como se estivesse conversando”. 49 Pelo rádio também é possível se captar toda a emoção da voz humana, o que transmite sensações mais fortes do que a leitura de um texto sobre o mesmo acontecimento. Isso ocorre porque o modo de dizer as coisas influencia sobremaneira naquilo que é dito. Provavelmente, levando em conta toda a gama de valores que tem o rádio enquanto veículo de comunicação esse espaço acabou sendo cedido para os comunicadores populistas, os pregadores eletrônicos e o jornalismo de merchandising. Os departamentos comerciais foram desarticulados e a produção artística praticamente desapareceu da programação das emissoras. A profissionalização no rádio piorou de qualidade em quase todas as funções e a remuneração tornou-se irrisória. A queda de faturamento dificultou a modernização física das emissoras e a contratação de pessoal qualificado. Equipamentos de produção e operação tecnicamente superados e mal conservados contribuem para piorar a qualidade de transmissão das emissoras – particularmente das AMs (BIANCO E MOREIRA, 1999, p. 43). Em meio a todas essas questões citadas encontra-se a pessoa com DV que tem talento para o radialismo, formação e desejo de ingressar nessa profissão. É a partir desse momento que elas iniciam sua jornada com encontros que lhes proporcionam sentimento de fracasso e exclusão. No caso da pessoa com deficiência visual os scripts em braille, embora sejam importantes não oferecem uma opção muito viável, uma vez que as tarefas cotidianas agendadas para o radialista são muitas e as informações são dinâmicas e urgentes, requerendo do profissional extrema agilidade. Isso nem sempre é possível com a utilização de uma reglete6, sendo necessários, no caso de se ter scripts, equipamentos mais sofisticados como impressora braille. Entretanto esta ferramenta também não seria adequada, pois sendo o sistema braille muito extenso, as agendas e notícias necessitariam ser impressas em muitas folhas, o que dificultaria a “interação” do radialista com o microfone, pois segundo Chantler (1992, p. 76): “O microfone é um equipamento sensível, que amplifica o som de tudo o que é possível, desde a voz até a respiração. A distância do microfone, então, é sobremaneira importante. Se tiver perto demais o estalo dos lábios e a força exagerada das consoantes tornam a voz desagradável para ser ouvida. Se muito longe vira uma reverberação forte que dificulta a audição” Uma pessoa de apoio contratada para auxiliar a pessoa com DV seria um ônus a mais para a emissora, sustentando ainda o preconceito de dependência que 6 REGLETE: Equipamento utilizado para auxiliar na escrita do sistema braille. 50 a pessoa com DV tanto quer quebrar. Seria necessário apenas que o mesmo recebesse as notícias em tempo hábil para poder gravá-las e repetí-las, pois segundo os próprios radialistas com DV entrevistados “o convencional é que a pessoa com DV use mesmo um pequeno gravador para gravar as informações mais longas e memorize as demais agendas” (JT - RNV). Ademais não podem ser descartados os cursos que oferecem formação para estas pessoas e pensem em soluções dos pequenos problemas que surgem no rádio para qualquer profissional, sendo isso ainda mais verdadeiro no que diz respeito a pessoa com DV. A falta de pesquisas nessa área, também foi observada. Já existem muitos trabalhos que tratam da relação intensa da pessoa com DV e o rádio, entretanto são poucos os que pensam na pessoa com DV ocupando essa “tribuna livre”, fazendo suas considerações e levando à comunidade, ele mesmo, a sua mensagem. Segundo essa realidade constatada é como se o rádio e toda a gama de possibilidades advindas da relação com seus ouvintes fossem direito e posse apenas dos que possuem visão normal. Esse fato ocorre ainda em função do olhar da pessoa de visão normal, dita vidente, em relação à pessoa com DV, como bem lembra Eline Porto, recorrendo a Elcie Masini (PORTO, 2005, p. 105) na relação entre o cego e o vidente, a identidade do deficiente visual estabelece-se a partir da falta da visão e não da presença dos outros sentidos. Essa assertiva dita de outro modo chama a nossa atenção para o fato de que a pessoa com deficiência visual é considerada mais pela falta, do que pelas suas possibilidades, pela positividade dos sentidos que ele possui. Em razão de esta ser uma pesquisa que tem como objetivo principal estudar as possibilidades de inserção da pessoa com DV no mercado de trabalho na área de radialismo na cidade de Natal espera-se, por meio destas reflexões e dos dados aqui lançados, poder contribuir com alguma informação a fim de possibilitar o vislumbramento da ocupação por sujeitos com DV nesta profissão. É importante levar-se em conta que, embora existam cursos capacitadores para o profissional da área de radialismo na cidade de Natal, não existe ainda interesse suficiente em relação à pessoa com DV, a ponto de serem feitas nos mesmos qualquer adaptação. Havendo tal interesse, este poderia gerar mobilização de 51 educadores e pesquisadores na oferta destes cursos, bem como despertar o interesse de pessoas com DV para atuar nessa área e o estudo de novas perspectivas na utilização da tecnologia do rádio como ferramenta possível de ser utilizada pelos referidos sujeitos. Enxergar-se-ia essa via de comunicação, que se coloca para todos os sujeitos, como uma possibilidade de ser colocada também para os radialistas com deficiência visual, os quais até hoje se encontram a margem da comunicação de rádio. Essa marginalização não ocorre por “falta de voz”, ou seja, de talento radialístico, mas apenas por “falta de vez”. Acreditamos igualmente, que a ocupação da “tribuna” de uma emissora comercial, por uma pessoa com DV geraria, no dizer deles mesmos, maior interesse para o público ouvinte em relação à pessoa com deficiência e a consequente quebra de paradigmas, favorecendo os ideais da inclusão, através de mensagens positivas e construção de um novo saber e de um novo olhar a respeito de tais sujeitos. Da parte da pessoa com deficiência visual a inclusão neste mercado patrocinaria para ela a oportunidade de ser, ela mesma, agente de mudança a respeito da percepção que a sociedade tem sobre a sua condição e informação sobre as suas potencialidades. Nesse caso, o rádio, como mídia fácil e próxima poderia ser um aliado aos ideais de inclusão e o deficiente visual, enquanto locutor seria o ator principal em cuja fala se refletiria a mensagem de que ele, finalmente, fora incluído, com voz e com vez. 52 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, L. A. Pensar a diferença: deficiência. Brasília: CORDE, 1994. 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Ele chegava até a encostar os olhos na tela do computador para tentar enxergar as vinhetas, os comerciais que ele teria que veicular na rádio. 4- O que você acha, a partir da sua experiência na área de radialismo, de alguém com deficiência visual atuar nessa área, exercendo a função de locutor? Seria uma coisa inédita aqui em Natal, pelo menos no meu conhecimento, na FM não existe ninguém com deficiência visual que esteja hoje atuando, ou pelo menos nos últimos dez anos que tenha tido essa oportunidade. Eu conheço apenas um que faz rádio AM e, inclusive, faz plantão de futebol. 5- Porque você acha que mesmo com deficiência visual um sujeito pode trabalhar numa emissora de rádio? Que qualidades voce poderia reconhecer num deficeinte visual para desenvolver este trabalho? Primeiro que, em rádio não necessita ter a imagem e sim áudio; rádio é companhia, rádio é voz, rádio é áudio. Então através da voz, do som da sua voz e de outros sons é que você pode levar companhia, levar sua mensagem e entretenimento, sem necessidade de ter a visão. 6- Que dificuldades você acha que um deficiente visual encontraria para exercer a função de locutor? No rádio, que é áudio, teria algumas, mas isso não iria atrapalhar o desempenho. A emissora teria que dispensar mais um operador de áudio para essa pessoa, alguém para operar a mesa de som, pois na FM hoje todo locutor opera a sua própria mesa de som; a maior dificuldade seria essa, mas não seria decisiva para impedir que uma rádio desse chance, porque ele pode ser muito bem informado ouvindo as noticias na televisão, ouvindo as notícias no rádio, ouvindo no dia a dia, que a gente recebe milhares de informações por dia, isso não seria difícil para o deficiente visual. 7- Você acha que é necessário ter roteiros (scripts) em braille para exercer a função de locutor? 56 No rádio seria mais fácil ainda, porque o rádio, o rádio popular, no qual estou inserido, precisa muito de improviso. Precisaria do comunicador ter muito conhecimento em sua memória, então não necessariamente a rádio teria que adaptar uma mesa em braille, com botões em braille, pois já teria um operador pra ele. Ele teria que se preocupar...no rádio em si para ele ser comunicador de rádio, por exemplo, não necessariamente precisaria nem da...da...de um roteiro em braille, não. Bastava que ele decorasse. Bastava que alguém da pauta de promoção dissesse apenas: você tem isso e isso para sortear, tem essa informação para executar. Se ele tiver essa capacidade de memorizar... 8- Na emissora de rádio é necessário a pessoa com deficiência visual fazer algum treinamento? Ela...eu acho que o maior treinamento que ela deve fazer deve ser de memorização... de informações que ele vai receber. Hoje no rádio...que eu faço hoje, sem nenhuma deficiência visual eu executo de cinco a seis tarefas que são elaboradas por outras pessoas...tem a pauta de promoções, tem a pauta comercial, tem a execução da pasta comercial, tem a locução, atendimento ao ouvinte, tem a produção musical, só ai em pouco tempo eu já enumerei seis e teriam outras funções...eu perdi a sua pergunta... (E- Um treinamento extra...?) O único extra que ela poderia receber é o de memorização...capacidade de armazenar muitas informações, exato, na memória dele, para que alguém chegasse ali e dissesse: você teria que memorizar quatro a cinco pautas por dia...na sua comunicação aqui no rádio você teria que memorizar quatro a cinco pautas por dia. 9- O que poderia ser adaptado na emissora de rádio para absorver o trabalho de uma pessoa com deficiência visual? - contratação de outros profissionais, adaptação no ambiente externo, adaptação no ambiente interno. (E- Você falou da contratação de um operador...) O que eu poderia...O principal é ter alguém da emissora que fosse colocado para ficar fazendo os lembretes que eu falei anteriormente, fazer um trabalho de memorização porque nós executamos por dia cinco a seis promoções diárias, principalmente na área de promoções...então o departamento de promoções teria que dar maior atenção. Não seria necessário grandes mudanças, apenas alguém de cada setor que diria: você vai executar tal música e tais promoções. No caso o deficiente visual ficaria somente com a locução e outra pessoa ficaria com a execução de vinhetas, de tocar as música pra ele...em relação ao departamento de promoções alguém de cada área do jornalismo ou de promoções ficaria lembrando verbalmente, fazendo uma narração pra ele de cada área, de cada programa que ele fosse fazer. 10- Que contribuições você acha que o trabalho na rádio traria para a pessoa com deficiência visual? - aumentar suas potencialidades; - ter uma vida mais independente; - aumentar a auto-estima; - diminuir o preconceito; inserir no mercado de trabalho; - ter relacionamentos sociais; - expandir suas perspectivas de vida. Em primeiro lugar oportunidade; segundo para dar exemplo de que uma pessoa com deficiência visual pode executar com toda perfeição, com toda tranqüilidade, com toda objetividade o que toda pessoa pode, até porque o rádio é leitura, companheirismo, o rádio faz companhia a milhares de pessoas... 57 (E- Ajuda na auto-estima?) Sim..além de ajudar na auto-estima ajudaria a outras pessoas que tem vontade de procurar uma empresa, a televisão, mas não tem coragem porque acha que vai ser rejeitado ou discriminado. (E- Preconceito?) Sim, alguns radialistas, comunicadores que fazem campanhas sobre doação de medula óssea, se uma emissora colocasse um cego visual para trabalhar na sua locução, tornaria o programa mais interessante e daria maior visibilidade a emissora quanto a oportunidade que ela dá para deficientes visuais. 11- Você acha que o mercado de trabalho na área de radialismo absorveria essa mão de obra? Por quê? Apesar de no começo da entrevista dizer que não conheço, continuo não conhecendo na FM em Natal especificamente alguém que tenha deficiência visual trabalhando acho que é uma idéia a ser estudada. Acho que é algo que não seria tratado com indiferença pelos empresários do rádio...dependendo da qualidade. Assim como pessoas que são vistas...tidas... como perfeitas visualmente, elas são avaliadas em certos testes em rádio e são reprovadas, porque não tem conteúdo, da mesma forma podemos enxergar um deficiente visual que saiba falar, comunicar, pois a essência do rádio é fazer companhia, mas comunicando. 12- O que poderia ser feito para incluir com mais propriedade o deficiente visual nesse mercado de trabalho? Em primeiro lugar uma tentativa...alguém que pudesse trazê-lo a uma emissora, trazer uma proposta...em primeiro lugar ele teria que estar interessado, teria que levar jeito. A comunicação no rádio é um pouco de dom, de vocação. É uma coisa mais artística. Não é uma coisa técnica, é mais de vocação... Se nessa apresentação essa pessoa com deficiência visual tiver qualidades a emissora tem condições para colocá-la no ar...para avaliar, assim como avalia tantos e tantos sem deficiência visual. 13- Qual a(s) função(ões) que o deficiente visual poderia exercer numa emissora de rádio? a. Locução (x) Sim, nós já falamos nesse assunto aqui, acho tranquilamente a locução... perfeito. b. Diretor de produção ( ) É mais difícil, acho que não se encaixaria bem, daria muito trabalho. c. Roteirista (x) Roteirista sim. Só com um auxiliar. Sempre com um auxiliar. d. Assistente de estúdio (x) Sim... e. Operador de câmara (x) Seria mais para a televisão. f. Operador de som no estúdio (x) Se ele tivesse um domínio muito bom do equipamento... Hoje com a chegada da informática... acho que sim. g. Projetista de estúdio (x) Não, acho que essa aí não seria uma área aproveitável... h. Auxiliar de discotecário (x) Perfeito, com certeza. i. Continuísta (x) Acho que sim. j. Filmotecário (x) Essa pergunta é mais direcionada a imagem. k. Dublagem (x) Eu não imagino um deficiente visual fazendo dublagem... 58 l. Contra-regra ou sonoplastia (x) Sim, parecido com a outra pergunta, operador de som de estúdio, ela é mais ou menos uma função, também com um contato com...com...como a informática está hoje diminui o trabalho de operação. m. Operador de mixagem (x) também, que ela se assemelha com a sonoplastia, né? 14- Para ser radialista você precisa fazer um curso de radialismo? Você já fez algum curso de radialismo? Se sim, porque? Se não, porque? Não necessariamente, no Brasil ser radialista hoje é mais questão de vocação e dom, mas é bom ter o conhecimento. Existe um órgão que fiscaliza bem no Rio Grande do Norte... se o radialista é registrado, se tem autorização para atuar em emissora A ou B. É o Sindicato dos Radialistas; ele exerce esse papel, não deixa que entre no ar nenhum profissional que não tenha registro no ministério do trabalho. Você fez um curso? Eu comecei... tenho formação acadêmica em jornalismo e, por vocação sou radialista. 15- Durante o curso você teve algum colega com deficiência visual, ou teve conhecimento de alguém que já tenha cursado? A única oportunidade de conhecer um radialista cego foi o José Jorge. Eu até perguntei como ele conseguia fazer isso, ele me disse que decorava, absorvia as informações e memorizava... 16- Os cursos que você fez ou conhece nessa área estão prontos para receber um aluno com deficiência visual, proporcionando a ele as mesmas oportunidades dos demais? Os cursos de radialismo, tanto os formais como os técnicos, estariam prontos a absorver o aluno que quisesse se aperfeiçoar? Acho que não, a universidade... eu não conheço o curso, mas pelo que eu ouço falar são poucas as escolas hoje... e no âmbito geral, não só na universidade, mas os deficientes visuais tem dificuldades em andar nas ruas, no trânsito, em shoppings...essa deficiência que as escolas tem, essas escolas formadoras de profissionais com deficiência elas tem dificuldade também de receber esses profissionais com deficiência visual. 17- Na grade curricular do curso que você fez tinha alguma disciplina que envolvia o tema da inclusão social da pessoa com deficiência? Não lembro... Na universidade como jornalista... se falava muito em algumas aulas, mas sempre fica só no falar, mas nas cadeiras que eram pagas não tinha essa temática mais aprofundada de inclusão dos deficientes visuais. 18- O que você acha que falta nos cursos de radialismo para uma pessoa com deficiência visual tornar-se radialista? Nos cursos quais os passos que um deficiente visual daria para tornar-se um profissional? A principio um pouco de técnica vocal, Basta querer... ter um pouquinho de talento, um pouquinho de voz...muita dedicação, tempo. A formação de um radialista e especialmente um radialista com deficiência visual... ele... essa formação não passa especificamente por um campo muito teórico; você vai 59 para universidade, não é garantido que ter uma teoria... isso não garante que você vai ter sucesso nem vai ser extremamente bem sucedido como comunicador de rádio. Não é bem assim. Um comunicar de rádio de sucesso e com bom desempenho ele é formado por vários fatores, vocação, dedicação, boa dicção, um bom domínio da língua portuguesa, isso contribui para que ele seja bem sucedido, seja deficiente visual ou não. 60 ENTREVISTA: Radialista Não -Vidente 1- Você já trabalhou em alguma emissora de rádio? Sim, ja trabalhei....já estagiei na rádio Poti e Rural e na Novos Tempos de Ceará Mirim e em Natal na Alternativa FM. 2- Você já trabalhou em alguma emissora com um colega com deficiência visual? Sim, na Rádio Rural e na Novos Tempos de Ceará Mirim e na Alternativa com Ronaldo Tavares e Kleiton Costa. 3- Você tem conhecimento de alguma pessoa com deficiência visual que tenha atuado como radialista? Sim, José Jorge... que atuou muito tempo na rádio CBM – Tropical - e hoje está na Satélite FM, além de Marco Aurélio, na rádio Globo Brasil. 4- O que você acha, a partir da sua experiência na área de radialismo de alguém com deficiência visual atuar nessa área, exercendo a função de locutor? Acho que é uma função que o deficiente pode realizar com pleno êxito no seu trabalho, porque falar é um dom e você tendo o dom... nasceu “pra quilo”, desenvolve sua profissão sem maiores problemas... não tem problema algum que um deficiente visual seja locutor. 5- Porque você acha que mesmo com deficiência visual você pode trabalhar numa emissora de rádio? Que qualidades você reconhece em você para este trabalho? A qualidade que reconheço... primeiro, que eu acho que nasci pra isso, desde criança que eu gosto de rádio e eu acho que nasci para ser radialista, não me vejo em outra profissão que não seja o rádio. Eu vivo o rádio vinte e quatro horas por dia. 6- Que dificuldades você encontrou para exercer a função de locutor? A principal dificuldade é você convencer o empresário do rádio que você tem capacidade de exercer a profissão; inclusive quando a gente estava a procura de uma rádio, eu e Ronaldo Tavares, um empresário disse que não tínhamos condições de exercer a profissão de radialista na capital, que ele não acreditava...só se fosse no interior, mas na rádio dele, não. 7- Você acha que é necessário ter roteiros (scripts) em Braille para exercer a função de locutor? Olha, alguma coisa assim você tem que ter, principalmente no meu caso que tinha um programa de três horas diárias... é importante... você tem que ter um roteiro, agora não necessariamente em braille, mas é importante você ter algo em braille; eu digo isso assim porque a informação está muito rápida...então você tem que divulgar uma notícia e tem um minuto, então você tem que ter alguma coisa...eu fui ensinado por José Jorge a usar um gravador, porque aí você dá a informação em tempo real. 61 8- Na emissora de rádio é necessário a pessoa com deficiência visual fazer algum treinamento? É necessário sim, principalmente com a rádio que tem um operador de áudio, é importante que você tenha um entrosamente com o seu operador de áudio, senão você vai ficar falando...como agente diz... vai ficar falando sozinho.... 9- O que poderia ser adaptado na emissora de rádio para absorver o trabalho de uma pessoa com deficiência visual? - contratação de outros profissionais, adaptação no ambiente externo, adaptação no ambiente interno. É necessário sim a adaptação no estúdio... e por exemplo na rádio FM, como a rádio FM não utiliza o operador, o radialista é ao mesmo tempo locutor e operador, é necessário a colocação do sistema Jaws, que isso é possível sim, para que o deficiente possa operar e ser o locutor ao mesmo tempo. 10- Que contribuições você acha que o trabalho na rádio traria para a pessoa com deficiência visual? - aumentar suas potencialidades; - ter uma vida mais independente; - aumentar a auto-estima; - diminuir o preconceito; inserir no mercado de trabalho; - ter relacionamentos sociais; - expandir suas perspectivas de vida. Olha aí... está tudo realmente...tudo o que está aí é realmente tudo o que poderia dizer: aumenta a auto-estima, inclui o deficente no mercado de trabalho, a gente se sente útil para a sociedade, exercendo uma função principalmente aquela que a gente nasceu para fazer. 11-Você acha que o mercado de trabalho na área de radialismo absorveria a sua mão de obra? Por quê? Com certeza. Absorveria sim; primeiro, eu acho que pela capacidade não só minha, mas do deficiente em si, a capacidade de raciocíonio, a capacidade de estar sempre muito bem informado, já que o companheiro nosso, do deficiente, é sem dúvida o rádio por vinte e quatro horas, além também da internet que veio suprir a lacuna que se tinha... a necessidade de informação. Eu sei que desempenho muito bem a minha função e por onde eu passei, graças a Deus sempre fui muito elogiado por meus colegas de trabalho pela capacidade que eu tenho para exercer a minha função. 12- O que poderia ser feito para incluir com mais propriedade o deficiente visual nesse mercado de trabalho? 13- Qual a(s) função(ões) que o deficiente visual poderia exercer numa emissora de rádio? a. Locução (x) b. Diretor de produção (x) c. Roteirista (x) d. Assistente de estúdio (x) ...eu acho mais complicado...mas depende da desenvoltura da pessoa... e. Operador de câmara ( ) f. Operador de som no estúdio (x) g. Projetista de estúdio (x) 62 h. i. j. k. l. m. Auxiliar de discotecário (x) Continuísta (x) Filmotecário (x) Arquivar filme? É isso? Acho que sim... Dublagem (x) Contra-regra ou sonoplastia (x) Ai sim...como sonoplasta também sim... Operador de mixagem (x) 14- Para ser radialista você precisa fazer um curso de radialismo? Você já fez algum curso de radialismo? Se sim, porque? Se não, porque? Sim, por determinação do sindicato dos radialistas. Em 1989 eu estagiava na rádio Poti quando fui retirado do ar porque eu não tinha curso de radialista, então fiz um curso com duração de oito meses. 15- Durante o curso você teve algum colega com deficiência visual, ou teve conhecimento de alguém que já tenha cursado? Tive dois colegas, o Francisco Daniel e o Ronaldo Tavares. Também fiquei sabendo de outras pessoas que tem curso e já trabalhavam como o José Jorge...não, desculpe, o José Jorge veio depois, mas tenho um outro colega na Paraiba, o Darci Cachoeira, que eu também conheci.... 16- Os cursos que você fez ou conhece nessa área estão prontos para receber um aluno com deficiência visual, proporcionando a ele as mesmas oportunidades dos demais? Na época em que eu fiz, não. A gente fez mais na vontade, na superação, hoje eu não tenho assim muito conhecimento, mas sei que os cursos estão mais rápidos, durando apenas três meses, hoje eu não tenho conhecimento. 17- Na grade curricular do curso que você fez tinha alguma disciplina que envolvia o tema da inclusão social da pessoa com deficiência? Não, na época, não. Na época não tinha... 18- O que você acha que falta nos cursos de radialismo para uma pessoa com deficiência visual tornar-se radialista? É necessário por exemplo ter as apostilas em braille, é mais fácil; na época que a gente fez teve um pouco de dificuldade, mas a gente teve as apostilas em braille. Eu creio que as apostilas estando em braille facilita. 63 ENTREVISTA: Radialista Vidente - Não -Vidente 1- Você já trabalhou em alguma emissora de rádio? Em várias, comecei em 1973 na rádio Cabugi, hoje Globo, no programa Carlos Alberto que era o programa de maior audiência da cidade na época, programa “Show Carlos Alberto” de oito as onze horas e após uma cobertura de carnaval em 74 eu tive pela primeira vez a carteira assinada. E de lá em 77 levado por Assis de Paula que trabalhou também comigo lá fui para rádio Poti. De 77 até 80 fiquei lá. Em 80 eu fui para rádio cearense, a rádio Progresso de Juazeiro de Adauto Bezerra, governador do Ceará, senador da República, deputado e após um ano e seis meses, em 81 eu voltei para a rádio Tropical que era Trairi na época, que hoje é CBN e fiquei ate 2006. ou seja, eu passei 25 anos na rádio Tropical, depois me aposentei. (Entrevistador interrompendo: Nesse tempo você já tinha perdido a visão ou ainda enxergava?) Não, eu era... era normal, enxergava tudo, era locutor esportivo, transmitia futebol, fazia reportagem, era repórter policial porque no rádio eu sempre fiz tudo, desde narrar futebol é...produção de programa, noticiarista, redator, apresentador, repórter policial, repórter de campo, tudo isso fiz no rádio. 2- Você já trabalhou em alguma emissora com um colega com deficiência visual? Não... eu trabalhei...é...em rádio comunitária sim, mas em rádio profissional não, na Cabugi, não; na Poti, não; na Progresso, não; na Tropical, não, mas na rádio Nova Visão e na rádio Alternativa FM, rádios comunitárias que ficam no bairro de Nazaré, Sept Rosado por ali eu trabalhava com um deficiente visual, Josenildo Trindade que também é radialista profissional... e na rádio das meninas...ADVIRN eu trabalhava com Sidney que era operador na época. 3- Você tem conhecimento de alguma pessoa com deficiência visual que tenha atuado como radialista? Tenho, tivemos em Fortaleza Paulo Rodrigues que faleceu há dois meses atrás, ele era deficiente visual de nascença... era plantão esportivo... e no rádio Nacional tem Marco Aurélio, que apesar de não ser deficiente visual total, já que ele enxerga 20 por cento no olho esquerdo e tem prótese no direito, quer dizer, olho de vidro para ser mais exato..ele trabalha hoje na rádio Globo, faz o Quintal da Globo todas as noites. 4- O que você acha, a partir da sua experiência na área de radialismo de alguém com deficiência visual atuar nessa área, exercendo a função de locutor? Olhe eu levei umas vantagens diante de outras pessoas porque eu não sou cego de nascença, eu perdi a visão há onze anos atrás, eu sei definir por exemplo as cores, eu sei quando é a cor rosa, vermelha, branca. Eu tenho mais ou menos a idéia do que vem a ser um carro, um fone, um microfone, a pessoa que nasceu já cego não tem essa idéia, não tem essa idéia do que vem a ser um red fone, um microfone... de rádio. Quando eu perdi a visão eu era locutor esportivo. Eu transmitia futebol e passei, então, a ser plantão esportivo. Quando Marco Antonio que já não está entre nós, o chamado garotinho da copa, deixou o rádio, ai veio...vieram outras pessoas e me colocaram para ser repórter, e hoje 64 eu sou repórter de cobertura de clube. Eu só não faço ficar no de lance de meta porque aí eu não vou poder descrever o lance porque eu não tô enxergando o lance, mas eu faço entrevistas depois do jogo, no vestiário, vou para o coletivo, entrevisto o jogador. A experiência e força de vontade acima de tudo, se interessar pelo que está fazendo porque eu acho que o rádio é berço. Eu acho que... as pessoas falam muito, mas eu acho que o rádio, o rádio mesmo, o radialista já nasce com o dom. Eu sou irmão de dois radialistas Jarian e Jorge Menezes. Um já se foi, o outro ainda vive. Quando eu dei meus primeiros passos, ainda criança, cinco anos de idade eles me levavam para o rádio Poti que eles trabalham lá e eu ficava ouvindo Genário Vanderlei, Diênio Trigueiro, Ademir Ribeiro, Glorinha Oliveira, então eu já nasci dentro do rádio porque na minha família tinham dois radialistas; então eu acho que pra ser radialista, sendo deficiente visual a pessoa tem que ter uma força de vontade muito grande e se dedicar realmente. 5- Porque você acha que mesmo com deficiência visual você pode trabalhar numa emissora de rádio? Que qualidades você reconhece em você para este trabalho? Olhe eu aprendi com um cidadão... Aliás, quem me lançou no rádio foi Carlos Alberto... depois Assis de Paula me colocou na equipe de esportes da rádio Cabugi em 1975. Eu comecei lá em 74 fazendo apresentações de programa de estúdio e participando de patrulha da cidade e do programa dele. Depois ele me colocou também no futebol. Eu aprendi uma coisa: No rádio o importante é você ser polêmico. Hoje, se ninguém polemizar você cai na mesmice. É... Faz o trivial e o trivial o ouvinte não gosta, gosta de polêmica. Agora mesmo estamos numa polêmica para saber quem é a favor ou contra a derrubada do Machado. Eu sou contra, mas tem várias pessoas que são a favor. Isso é polêmica. Eu acho que a polêmica hoje é o principal requisito pra você ganhar audiência no rádio. 6- Que dificuldades você encontrou para exercer a função de locutor? Olhe..quando perdi a visão pensava que o mundo tinha acabado. Com o apoio da família...a minha mulher que não gostava de futebol passou a gostar, porque ela passou a ser minha escuta. Foi montado um estúdio aqui em casa, pra mim, na rádio CBN as transmissões do estádio aconteciam e eu em casa com uma linha direta com a rádio dava as informações dos jogos que estavam acontecendo no Brasil inteiro. Então ela era responsável pelo trabalho de escuta. Nós tínhamos 5 rádios, eu não tinha nem internet. Eram cinco rádios e mais a televisão que pegava a rádio Nacional do Rio e de Brasília através de uma antena parabólica comum, sem ser de assinatura. Então ela ficava ouvindo a rádio Nacional, a rádio Clube e eu ouvia a rádio Dragão do Mar noutro rádio. Ela ouvia três rádios e eu ouvia três rádios, fora o retorno da minha rádio. As informações iam saindo, eu já sabia a programação, ela me dizia os resultados e eu ia informando. A facilidade de memorizar os resultados... porque Deus tira uma coisa e dá outra. Memorizar, ou seja, poucas vezes eu tinha que perguntar quanto é que foi o jogo tal, porque eu já sabia ela dizendo só uma vez. Eu tinha vezes que dizia os 14 jogos da loteria esportiva sem perguntar, já na cabeça, todos os 14 jogos. (entrevistador intervindo: Não encontrou dificuldade nenhuma.?) Não...no começo eu sentia algumas...no começo o cara sente dificuldades, mas agora já me acostumei, é tanto que hoje eu vou para um 65 treinamento coletivo e não anoto nada, eu chego aqui e digo os dois times que treinaram, o time A e o time B. 7- Você acha que é necessário ter roteiros (scripts) em braille para exercer a função de locutor? No caso de noticiário eu acho que seria necessário porque pra ler noticiário você tem que saber braille, aliás, eu comecei a fazer braille e não deu mais pra fazer, mas eu não precisei ainda do braille para exercer a função, até porque eu aprendi a falar de improviso, ou seja, quem me ensinou... eu tive grande professores no radio, além de Carlos Alberto, Assis de Paula, Rubens Lemos que pra mim foi um dos homens mais inteligentes que eu encontrei no radio...Frank Machado, Nilson Freire que não está no rádio mas grava comerciais. Liênio trigueiro, Helio Câmara que ainda hoje esta no radio...esse pessoal me ensinou muito... Jaime Cisneiros, que não era daqui, era de Pernambuco, mas veio pra cá quando eu estava na radio Poti, ele falava de improviso e muito bem... eu aprendi a falar de improviso eu faço o noticiário inteiro do clube que eu cubro sem anotar nada... eu poderia gravar e depois botar um fone e repetir...mas gravador eu uso pra fazer entrevista com os jogadores, treinadores e a diretoria do clube. 8- Na emissora de rádio é necessário a pessoa com deficiência visual fazer algum treinamento? É... se a pessoa não tiver exercido a profissão antes, como foi o meu caso, como eu já falei anteriormente eu nasci dentro do radio, eu participei de programas de auditório na época, a radio Poti tinha um auditório...onde hoje é o diário de Natal, na Deodoro era um auditório com mil lugares, nós tínhamos programas de auditório lá...Domingo Alegre, Vesperal dos Brotinhos e Alegria na Taba. Geraldo Fontinele, Paulo Câmara e...Genario Vanderlei...quem... a pessoa que perdeu a visão já no radio como foi o meu caso não precisei fazer nenhum treinamento...agora a pessoa que nasceu com deficiência, nunca fez radio, ai teria que passar por um treinamento para poder exercer a profissão... 9- O que poderia ser adaptado na emissora de rádio para absorver o trabalho de uma pessoa com deficiência visual? - contratação de outros profissionais, adaptação no ambiente externo, adaptação no ambiente interno. Você fala de adaptação do...sistema, da parte técnica...bom...hoje a parte técnica...é aquilo que eu falei, eu trabalhei com Sidney, na radio Nova Visão (rádio comunitária) e ele fazia tudo na mesa de áudio. Eu usava apenas o microfone mas ele colocava tudo...na mesa de áudio (entrevistador intervindo: Sem nenhuma adaptação?) Sem nenhuma adaptação...é evidente que ele foi lá, as meninas que também são deficientes trouxeram uma pessoa para ensinar..depois que ele pegou não teve problema. Trabalhou até a radio parar de funcionar por conta de uma licença do ministério de comunicações 10- Que contribuições você acha que o trabalho na rádio traria para a pessoa com deficiência visual? - aumentar suas potencialidades; - ter uma vida mais independente; - aumentar a auto-estima; - diminuir o preconceito; inserir no mercado de trabalho; - ter relacionamentos sociais; - expandir suas perspectivas de vida. 66 Muitas...poderia trazer muitas... Poderia...agora é um sonho que eu acho irrealizável porque hoje eu trabalho numa rádio comunitária, mesmo sabendo que eu tenho condições de trabalhar numa radio grande, porque ao longo da minha vida eu só trabalhei em rádios grandes. Eu trabalhei na Cabugi.. com os maiores nomes do rádio; na radio Poti também com grandes nomes do radio, Almeida filho,...Trigueiro, Zé Antúrio,. Ademir Ribeiro... 11-Você acha que o mercado de trabalho na área de radialismo absorveria a sua mão de obra? Por quê? Seria muito dificil, porque há um preconceito contra o deficiente visual; muita gente acha que um deficiente visual não tem capacidade de fazer determinadas coisas. É por isso que eu me superei e já transmiti, inclusive, uma partida de futebol sem enxergar.....a ponto das pessoas procurarem um comentarista que trabalhou num jogo da seleção brasileira em 2005...na radio da ADVIRN – Nova Visão eu transmiti Brasil 4, Argentina 1, Brasil 3, Alemanha 2, na copa das confederações. Como eu transmiti? Transmiti ouvindo uma emissora do Sul do pais...o que o comentarista dizia lá, eu dizia aqui, evidentemente mudando o vocabulário, isso gerou uma polemica...o comentarista que eu falei...foram perguntar se eu tinha voltado a enxergar...há um preconceito...há uma falta de respeito principalmente na hora de fazer entrevista porque algumas pessoas acham que tem mais direito que o deficiente visual...ainda bem que eu tenho algumas amizades que me dão o direito...exatamente pelo respeito que eles têm pela minha deficiência. (entrevistador intervindo: E também pelo seu passado de grande radialista, pela sua historia. Essa expressão...um sonho irrealizável...você acha que o mercado de trabalho...) Eu recentemente fui entrevistado num programa Memória Viva, aliás vai para o ar agora no dia 16 na TV universitária, as sete horas da noite, com reprise no dia 19 as onze horas da manhã. Eu digo o seguinte, o radio AM, principalmente o AM está numa queda livre. Por quê? Por vários fatores. Primeiro: qualificação de mão de obra, você não tem mais mão de obra qualificada na radio AM de Natal, é tanto que as emissoras de radio tem 75 a 80 por cento da sua programação enlatadas com programas vindos do Rio de Janeiro e São Paulo. O tempo em que tínhamos emissoras fazendo programação local já se foi. Tínhamos a Cabugi com programação local. Todas as outras com programação local; E... não sei porque as pessoas não preservam uma coisa chamada memória. A radio Poti mudou de nome para radio Clube; você ouve a programação de Brasília. A Cabugi mudou de nome; é Globo, você ouve a programação do Rio de Janeiro ou São Paulo. E a radio Tropical é CBN, outra enlatada, você ouve a programação do Rio de Janeiro, então o espaço para o norte-riograndense...os profissionais daqui tenham a oportunidade de desenvolver um trabalho no radio está cada vez menos, imagine um deficiente visual. Se os próprios diretores tomaram um caminho de colocar enlatados...imagine só como é que fica um deficiente visual que vai concorrer a 25 por cento de uma programação...com pessoas que tem maiores facilidades de desenvolver um trabalho. Inclusive...porque tem poucas rádios FM que você suporta ouvir por conta da má qualidade da programação. 12- O que poderia ser feito para incluir com mais propriedade o deficiente visual nesse mercado de trabalho? 67 O sindicato do radialista, que é muito fraco, poderia agir, porque, ao que me parece existe uma lei que determina que 75 por cento da programação de radio tem que ser local. Mas essa lei não é cumprida. Se o sindicato entrasse na briga...teria que haver uma união entre o radialista e o sindicato, mas o profissional de radio sabe que se gritar, se reivindicar pode lhe custar caro, porque o desemprego é grande e pode custar o emprego dele, por isso eles aceitam a situação atual. Se você me falar...a radio AM, a radio AM quando eu comecei no radio Carlos Alberto fazia 38 pontos percentuais...começava de oito.de oito as nove ele tinha vinte e cinco pontos. Ele concorria com Omar Cardoso, que era um enlatado ...de nove as dez ele já vinha para 31, 32... e no pique das 11 horas ele subia para trinta e oito pontos. Hoje com o advento da televisão, porque naquela época não tinha televisão, tinham cinco emissora e a audiência era só no radio AM. Ele inclusive percorreu as casas legislativas em função do radio porque ele era a maior audiência, prestava serviços etc. Em 1976 o radio AM atingia a maior audiência...eu to falando isso, porque eu participei de varias pesquisas. Eu participei do programa “Você faz o show, substituindo Edson de Oliveira...ate que eu passei a ser setorista de clube...hoje se você for fazer uma pesquisa séria do ibope vai aparecer mais traço do que ponto, porque o índice de radio desligado é muito alto, de radio AM...por isso que já faz mais de dez anos que não se faz pesquisa de ibope em Natal. 13- Qual a(s) função(ões) que o deficiente visual poderia exercer numa emissora de rádio? n. Locução (x) o. Diretor de produção (x) p. Roteirista (x) q. Assistente de estúdio (x) ...eu acho mais complicado...mas depende da desenvoltura da pessoa... r. Operador de câmara ( ) s. Operador de som no estúdio (x) t. Projetista de estúdio (x) u. Auxiliar de discotecário (x) v. Continuísta (x) w. Filmotecário (x) Arquivar filme? É isso? Acho que sim... x. Dublagem (x) y. Contra-regra ou sonoplastia (x) Ai sim...como sonoplasta também sim... z. Operador de mixagem (x) Todas, menos operador de câmara, porque ai você tem que estar enxergando para saber o que esta fazendo. Também acho que Continuísta e filmotecário, não...Bem... desde que você tenha um treinamento para saber manusear os equipamentos...não há problema nenhum. 14- Para ser radialista você precisa fazer um curso de radialismo? Você já fez algum curso de radialismo? Se sim, porque? Se não, porque? Quando eu comecei no radio... eu comecei em 73 e eu tava estudando. A...a minha entrada no radio é porque eu era líder estudantil e Carlos Alberto me conheceu e me levou para a rádio Cabugi, no dia de uma festa que eu fiz com uma banda dele... que naquele tempo não era banda, era conjunto. Depois eu fiz o teste pra ficar no radio...quem fez o teste comigo foi Roberto Machado, que 68 na época era o grande nome da radio. Ele mandou eu ler um noticiário “O mundo em sua casa”. Eu li o noticiário e depois ele mandou eu fazer um teste como se tivesse apresentando um programa; eu fiz, respondi algumas perguntas de português e conhecimentos gerais, nome de presidente de republica, na época era Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos, ai quando foi uma semana depois o Dr. José Gobar mandou me chamar e assinou minha carteira, mas eu já estava há quase um ano com Carlos Alberto. (entrevistador intervindo: O senhor não foi chamado para fazer um curso pelo sindicato?) Não, porque naquela época era o seguinte...a profissão não era reconhecida. Quem era radialista pagava o sindicato dos comerciários; A partir do momento em que o presidente Ernesto Geisel sancionou a lei regulamentando a profissão de radio ai todas as pessoas que trabalhavam no radio eram chamadas profissionais do radio; entre essas pessoas tinha Ademir Ribeiro que era técnico em contabilidade. Um dos maiores noticiaristas que eu vi na minha vida. Liênio Trigueiro que se formou em jornalismo depois de vinte anos no radio. Assis de Paula, jornalista e Roberto Machado, jornalista. Porque quem exerceu a profissão antes da assinatura da lei entrar em vigor, a regulamentação da profissão recebeu o registro profissão da DRT como jornalista e como radialista. Hoje não precisa mais. 15- Durante o curso você teve algum colega com deficiência visual, ou teve conhecimento de alguém que já tenha cursado? O sindicato... Nildo, Daniel e alguns que estavam fazendo o curso estavam atuando na radio Rural e o sindicato tirou do ar porque não tinham curso...Eles fizeram o curso do sindicato e eu fiz as transcrições em Braille. Disseram que era obrigado fazer o curso. O grande problema é que quem exerceu a profissão ate o dia 16 de dezembro de 79 com carteira assinada teve direito ao registro profissional...na realidade eu fiz o segundo grau inteiro já no radio; alias o meu registro profissional não foi nem em Natal, meu registro é de fortaleza. Assim que entrou 1980 eu fui pro ceará e fiz o meu registro lá, é 471, livro 2, folha 72. 16- Os cursos que você fez ou conhece nessa área estão prontos para receber um aluno com deficiência visual, proporcionando a ele as mesmas oportunidades dos demais? É... inclusive porque os curso são ministrados por professores e radialistas profissionais. Sempre tem um professor de português, professor de comunicação e os próprios radialistas que ministram o curso, Helio câmara já ministrou, deu palestras...muitas pessoas, alem do professor de comunicação da UFRN.. 17- Na grade curricular do curso que você fez tinha alguma disciplina que envolvia o tema da inclusão social da pessoa com deficiência? Pelo menos juridicamente, ate a 15 dias atrás quando o Superior Tribunal aboliu...inclusive o sindicato esta de mãos atadas...por exemplo: João Maria de Souza que mora ali na esquina, se uma empresa quiser contratar ele o sindicato não pode fazer nada. O sindicato fazia cursos para legalizar o pessoal...(entrevistador intervindo: Ainda precisa disso?) Não, não precisa mais de curso superior para exercer a profissão,.. basta que a empresa entenda que você tem condições...(entrevistador intervindo: agora nem mais para jornalista, né?) Não, precisa, sim para você ser um editor de jornal, mas para repórter não 69 precisa. É...eu falo...Josenildo me disse que fez o curso e eu lutei muito na ADVIRN para que as pessoas que estavam lá fazendo radio fizessem o curso, mas profissional do radio mesmo só tinha eu e Josenildo, mas era uma garantia...porque o sindicato tirou do ar muita gente que não tinha...o sindicato pegava, anexava o diploma e solicitava o registro profissional a DRT... 18- O que você acha que falta nos cursos de radialismo para uma pessoa com deficiência visual tornar-se radialista? O que falta nos cursos...o que poderia se acrescentado...O que deve ser acrescentado no curso é o que você acabou de falar, o braille. A leitura braille é essencial para a pessoa que vai começar no rádio. Alias eu fiz uma reivindicação dessas na faculdade, eu queria fazer o vestibular, eu perguntei se tinha braille e eles disseram que não tinha. Como posso fazer o vestibular se não tem braille na faculdade? A não ser que tudo fosse adaptado no dosvox.