Sociedade Portuguesa de Física
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PARECER SOBRE O PROJECTO DE PROGRAMA DA
DISCIPLINA DE FÍSICA E QUÍMICA A - 11º ANO
COMPONENTE DE FÍSICA PARA OS CURSOS GERAIS
DE CIÊNCIAS NATURAIS E TECNOLÓGICAS
O Projecto de programa que agora se analisa foi elaborado pela mesma equipa de autoras
do programa do 10º ano para a mesma disciplina e, por isso, a sua apresentação mantém algumas
das características daquele. A proposta tem aspectos bastante positivos, mas tem também outros
menos positivos, tanto do ponto de vista de conteúdos como de metodologias.
Qualquer juízo sobre a proposta em apreço deveria pressupor o conhecimento do programa do 12º ano, ainda que sob a forma de projecto. De resto, faria todo o sentido que os programas de Física e de Química (e das outras disciplinas) fossem vistos numa perspectiva global
dos três anos do ensino secundário e não, como está a acontecer entre nós, que a homologação
dos programas seja feita por etapas e sujeita a flutuações políticas. Também parece criticável que
não haja uma equipa única de Física-Química responsável pelo programa das disciplinas de
Física-Química ou, pelo menos, que não haja uma liderança comum para a Física e para a
Química. A pertinência desta observação prende-se também com o facto de as duas áreas serem
leccionadas pelo mesmo professor numa mesma disciplina.
A proposta em apreço merece os seguintes comentários gerais:
a) O programa proposto aborda aspectos diversificados da Física e pode até considerar-se globalmente interessante. No entanto, afigura-se muito extenso.
b) Ao contrário do programa do 10º ano, opta-se no programa em apreço por uma metodologia
Ciência/Tecnologia/Sociedade, uma abordagem que por vezes prejudica a relação entre os conceitos. Assiste-se, a espaços, a uma subalternização da ciência física à tecnologia dela derivada e
chega até a parecer que certos conceitos de Física só estão incluídos na medida em que são imediatamente úteis à sociedade.
c) Nesta mesma linha, e dado que os vários conceitos são explorados em situações muito específicas, corre-se por vezes o risco de os conceitos físicos parecerem ter um carácter “ad-hoc”, em
detrimento dessa característica essencial das leis físicas que é a universalidade. Os alunos
poderão ter dificuldades em relacionar diferentes conceitos e até mesmo não entender por que se
interligam. Seria útil tanto para professores como para alunos enfatizar estas interligações no
programa.
d) Por outro lado, parece adequado que a aplicação dos conceitos se faça recorrendo, sempre que
possível, a abordagens gráficas em detrimento do mais convencional e habitual recurso a fórmulas. Preconiza-se no programa o uso da calculadora gráfica, uma recomendação que, apesar de ter
aspectos controversos, merece o nosso apoio. Não é demais, porém, chamar a atenção para que
essa utilização seja racional e não substitua completamente o uso de papel e lápis. Só assim, por
exemplo, os alunos podem aprender a fazer escolhas apropriadas de escalas.
A dificuldade de os alunos serem, em geral, pouco críticos relativamente aos resultados numéricos que obtêm nas respostas aos problemas que resolvem talvez resulte da utilização desregrada
da máquina de calcular logo no ensino básico.
e) O programa do 10º ano introduzia, e bem, uma unidade zero, onde não só se reviam alguns
pré-requisitos, como se lançavam as bases dos conteúdos a desenvolver nas unidades seguintes.
O mesmo, infelizmente, não acontece na proposta de programa do 11º ano, onde poderiam ser
relembrados o estudo de movimentos uniformes e uniformemente variados e alguns conceitos de
electricidade.
f) É muito meritório associar experiências aos vários temas do programa. Contudo, e sobretudo
na unidade 2, as actividades laboratoriais são excessivamente dirigidas, o que abre pouco espaço
para actividades de “investigação” que os trabalhos experimentais sempre sugerem. Cremos que
certas actividades demasiadamente específicas e excessivamente orientadas deveriam ser substituídas por outras de “banda larga”.
g) Há aspectos importantes de segurança nas actividades, nomeadamente na utilização de lasers,
microondas, etc. que deveriam estar explicitados, tal como acontece nos programas de química
(não estando nos programas, podem também não vir a estar nos manuais).
h) Há uma clara intenção de reformar o programa de Física através da sua ligação a aplicações
práticas. A ideia é boa, mas não pode perder de vista o carácter da Física como disciplina coerente, de aplicabilidade universal e que usa a linguagem matemática. Neste sentido, dir-se-ia que
o projecto agora apresentado mostra algum desequilíbrio, carecendo por isso de adequada
revisão.
A unidade 1, que trata de mecânica, merece os seguintes comentários específicos:
a) O lançamento horizontal de um grave é um assunto pedagogicamente complicado
devido à necessidade de se efectuar o estudo de dois movimentos em duas direcções perpendiculares. Mas a fazer-se este estudo, então não deveria reduzir-se a uma simples visualização em
máquina de calcular gráfica. O movimento de projécteis é um exemplo de situações em que faz
todo o sentido a sua exploração analítica.
b) Na página 8 refere-se a interpretação do movimento circular uniforme como a “composição de dois movimentos: um tangencial e outro numa direcção que lhe é perpendicular”. Não
se percebe o que se pretende.
c) Uma das opções didácticas merecedora de forte crítica é a introdução da 3ª lei de
Newton no contexto da gravitação universal. Imagine-se um(a) professor(a) a explicar que a
Terra atrai a Lua com uma força gravitacional e que, por isso, a trajectória da Lua é uma circunferência. Pela 3ª lei a Terra girará então em torno da Lua... E se alguém se lembrar de aplicar a
expressão GmM/R2=mω2 R à Terra e à Lua obterá resultados bem diferentes para os períodos da
Lua e da Terra... Havendo inúmeros exemplos simples para introduzir o conceito de par acção/
reacção, sobretudo em situações estáticas, não se percebe por que se escolheu um caso tão complicado.
d) Também não se compreende bem a opção de introduzir a 3ª lei antes das primeiras
duas e até a 2ª antes da 1ª. Será que a ordem sugerida pressupõe que é mais fácil identificar movimentos acelerados do que o movimento rectilíneo e uniforme? É questionável.
e) A utilização do GPS parece uma boa ideia mas deveria aparecer mais bem contextualizada. As interrogações suscitadas por situações práticas são excelentes formas de motivar a
introdução de temas de Física. Mas seguramente não é este o caso do GPS: a maioria dos alunos
não levanta questões que se prendam com GPS’s, aparelhos que não estão sequer muito difundidos. O aparelho poderia sempre ser mencionado como exemplo de aplicação e não como motivação. Tal como aparece no programa pode até levar a pensar que ele é essencial para o estudo da
cinemática.
A unidade 2, que trata de ondas, em geral, de acústica, de electromagnetismo e também
de óptica geométrica, merece os seguintes comentários:
a) Esta unidade perde em coerência relativamente à anterior: amalgamaram-se uma série
de tópicos numa só unidade, sendo questionável que tenha sido conseguida uma boa interligação
entre os vários temas propostos. Os aspectos matemáticos não estão suficientemente explicitados, o que suscita dúvidas sobre a profundidade dos temas a abordar.
b) Na página 22, a primeira vez que se refere o campo magnético acontece no contexto
de ele poder ser fonte de campo eléctrico, se variar no tempo. Não seria mais natural fazer referência a campos estacionários e só numa fase posterior falar em campos variáveis?
c) De resto, a indução electromagnética é um assunto complicado e que poderá aparecer
para muitos alunos com um carácter abstracto.
d) O fluxo do campo magnético é também um assunto novo (apesar de se dizer de na
apresentação da unidade que já se falou de fluxo no 10º ano) que irá levantar dificuldades a quem
aprende.
e) A secção 2.2 é um exemplo de enciclopedismo que pode ser contraproducente:
começa-se por aspectos históricos do electromagnetismo clássico para logo passar ao espectro da
radiação electromagnética, sinais digitais e analógicos, óptica geométrica, etc.
f) Das actividades laboratoriais já se falou na parte inicial deste parecer. Quanto ao trabalho A.L 2.1, como explicar aos alunos que U= 2 Uef? (No material deve ser referido fonte de
tensão contínua rectificada).
g) Na lista de material para a actividade A.L 2.2 figura um “kit” de fibra óptica que,
mesmo contendo um multímetro e não um osciloscópio, custa 1000 a 1200 _. Como se preconiza
a necessidade de quatro kits por turma as escolas teriam de ser devidamente equipadas, o que no
actual contexto e no contexto que se antevê a médio prazo não parece ser muito viável. Os aspec-
tos financeiros afiguram-se pertinentes no planeamento de actividades experimentais à escala
nacional.
h) O mesmo se diz da actividade A.L 2.3 que utiliza um gerador de sinais com funções
AM e FM e osciloscópios. A descrição do trabalho faz pressupor que se assume um certo fabricante para adquirir material que não existe presentemente nas escolas.
i) O kit de microondas para a A.L 2.4 volta a ser caro. Interrogamo-nos sobre se existirá,
de facto, uma mais valia do equipamento preconizado relativamente a experiências mais ou
menos equivalentes com uma tina de ondas ou com um vulgar apontador laser com uma rede de
difracção (estes, sim, são equipamentos comuns nas escolas)?
Em conclusão e tendo em atenção o guião orientador apresentado, podemos afirmar que
no global o programa é interessante e inovador. No entanto, e considerando os elementos já referidos, expomos as seguintes grandes preocupações:
1. O conteúdo da proposta de programa é extenso, tendo em atenção a necessária
“exploração” das actividades experimentais. Na reformulação deve atender-se aos pontos atrás
levantados.
2. Preconiza-se a busca de um equilíbrio entre a forma metodológica apresentada e a
forma mais tradicional. O nível de aprofundamento com que alguns dos conteúdos devem ser
tratados não é claramente explicitado.
3. A natureza das actividades propostas no programa pressupõe um grande esforço de
formação adequada e atempada dos professores de Física-Química, nomeadamente no desenvolvimento do trabalho experimental e na utilização de certos equipamentos, como o osciloscópio. Este é um aspecto claramente positivo da aplicação de um programa como o que se apreciou,
mas não pode ser esquecido por quem tem a responsabilidade de proporcionar essa formação adicional.
Graça Santos, Coordenadora da Divisão Técnica de Educação da SPF
Manuel Fiolhais, Vice-Presidente da SPF
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Parecer sobre o programa de Física 11º ano