História do Brasil Independente II A República de 46: dinâmicas políticas Balizas Históricas – Quadro político-partidário • • • • • UDN – União Democrática Nacional – Partido antigetulista e anticomunista, marcado pelo liberalismo econômico (críticas à intervenção do Estado na economia) e pelo discurso moralista. Os udenistas defendiam a abertura da economia ao capital estrangeiro. O partido era forte, sobretudo, entre a classe média das principais capitais. PSD – Partido Social Democrático – Partido criado pelos antigos interventores nomeados pela ditadura varguista para governar os Estados, que congregavam as elites simpáticas ao getulismo. Ampla base nas cidades do interior. PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – Partido organizado a partir das bases sindicais ligadas ao getulismo, com amplo apoio entre os trabalhadores urbanos. Seu programa era marcado pelo nacionalismo econômico e pela defesa dos direitos trabalhistas. A partir do final dos anos 1950, o PTB se inclinou para um programa de esquerda, desenvolvendo um projeto de reformas sociais e econômicas que prometiam acabar com as grandes desigualdades sociais do país. PCB – Partido Comunista Brasileiro – Fundado em 1922, sob a influência da Revolução Russa, o PCB conseguiu atuar na legalidade entre 1945 e 1947, concorrendo nas primeiras eleições livres após o fim do Estado Novo. Seu programa era socialista, defendendo a estatização da economia e a divisão de propriedade privada. Mas, no contexto da Guerra Fria dos anos 1940 a 1960, o PCB apoiava o nacionalismo econômico como forma de combater a influência norte-americana no Brasil. Por isso, em muitos momentos, se aproximou dos projetos do PTB. Outros partidos: Partido Social Progressista (Adhemar de Barros), Partido Democrata Cristão, Partido Socialista Brasileiro Balizas Históricas • Governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1950): liberalismo econômico, alinhamento à geopolítica de contenção do comunismo; repressão aos movimentos sociais. • Governo Getúlio Vargas (1951-1954): tentativa de coalizão e consenso; “guinada nacionalista” de 1953; política de industrialização • Governo Café Filho / Carlos Luz (1954-1955): política antivarguista; influência da UDN; “golpe preventivo” do Marechal Lott -1955 • Governo Juscelino Kubitscheck (1956-1961): alianças políticas amplas; liberdades democráticas; política industrializante; ensaio de geopolítica autônoma; • • Governo Jânio Quadros (1961) Governo João Goulart (1961-1964) Governo Dutra – Governo Dutra (1946-1951) • Conservadorismo anti-comunista e alinhamento com EUA – TIAR (8/1947) – “Projeto Ocidental” • ESG (subordinada à EMFA - Cordeiro de Farias)– DSN (Mobilização total, inimigo interno, segurança como condição para liberdade, guerra revolucionária - falar mais adiante no curso) • Clube Militar (lugar do debate – sobre mobilização popular na política e grau de associação com capital estrangeiro para desenvolver o país) – Eleições 1950 (nacionalistas), 1952 e 1954 (Cruzada Democrática + UDN-Polo Golpista) • Forças Armadas e Política – tática consciente e institucional de intervenção política / debate Stepan (moderador em favor dos conservadores, coadjuvante) e Martins Filho (projeto estratégico próprio) Governo Vargas (1951-1954) • Carisma pessoal e sistema partidário – o caso Vargas (governo de conciliação, dependência partidária sem a institucionalização necessária –Maria Celina) • Tese das duas fases do governo (Horácio Lafer“entreguista” – AEP-“nacionalista”, virada nacionalista) – críticas • A crise de 1954: Reforma Ministerial –jun 1953, memorial dos coronéis, crise do salário mínimo, atentado contra Lacerda, ultimato das Forças Armadas, crise de agosto e suicídio Fonte: MOTTA, Rodrigo. Introdução à história dos partidos políticos brasileiros. Outras referências: NICOLAU, Jairo. Partidos da república de 46: velhas teses, novos dados. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 47, no 1, 2004, pp. 85 a 129 Balizas históricas • A Constituição de 1946 manteve o controle dos sindicatos pelo Estado, afirmou um sistema político democrático-representativo, reestabeleceu o equilíbrio entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), ampliou os direitos políticos, mas manteve a proibição do voto do analfabeto, que constituíam uma boa parte da população brasileira. • Ampliação da cidadania eleitoral: – – – – 1945: 7,8 milhões de eleitores (16% da população em idade eleitoral) 1950: 11,5 milhões 1954: 15 milhões 1962: 18,5 milhões (25% da população) • Analfabetismo (taxas aprox): 54% (1945); 46% (1954); 36% (1962) Economia brasileira – industrialização • Foco Governo Vargas: insumos e indústria de base (petróleo, energia, siderurgia, máquinas) • Foco Governo JK: indústria de bens de consumo duráveis • Estratégia: “substituição das importações” • Plano de Metas (1956): Transporte 29%; Infra-estrutura 20%; Energia 43%; Alimentação 3,2%; Educação 4,3% – FONTE: FARO, Clovis de; SILVA, Salomão “A década de 50 e o Programa de Metas”. IN: GOMES, Angela de Castro (org). O Brasil de JK. Editora FGV, 2002, 85 • Gargalos: dependência financeira e tecnológica, desajustes cambiais, inflação, dívida externa, entraves estruturais (educação, limites do mercado interno, desigualdade, baixa poupança e investimento) Era JK • “ERA JK” – ponto de tensão histórica entre o Brasil arcaico e o Brasil moderno, aumento da clivagem entre os dois brasis? Ou manutenção do Brasil arcaico como condição para o tipo de modernidade, excludente, consagrada no “Projeto Moderno” brasileiro – anos 20 a 60? • Falta de poupança interna - Endividamento + Inflação (mais ou menos 40 % - em 1960) • Aumento das distorções regionais – Nordeste como ponto de estrangulamento da “modernização brasileira” –ao mesmo tempo fornecedora de m.o.barata para o Sudeste. • Concentração de renda – aumento da pressão distributivista por parte de sindicados e partidos de esquerda. Desenvolvimentismo • Plano de Metas: importação de bens de capital sem lastro cambial; fluxo de capitais privados; indústria de bens de consumo duráveis; mão de obra barata; Estado atua em áreas não lucrativas (transporte e energia); ver distribuição dos recursos nas cinco áreas (transporta 29%; infra-base 20%; energia 43%; alimentação 3,2%; educação 4,3%); 30 metas e 1 meta-síntese (Brasília). FONTE • Crescimento médio – 1951-55 – 5%/ 1956-1961-8% • Crise (inflação-40% em1960, déficit), contradições e limites do modelo (mercado interno, dívida externa) – “pressão distributivista” / drenagem dos lucros para o exterior – poder das multinacionais (400 em cinco anos), dependência tecnológica, atraso da economia rural; desequilíbrio regional (tema do “Nordeste” como lugar das contradições) – Teóricos: Eduardo Gudin, Otavio Bulhoes e Roberto Campos X Roberto Simonsen e Celso Furtado A questão do populismo • Conceito: O termo populismo se disseminou no Brasil entre os anos 1960 e 1970, a partir da área de sociologia. Em linhas gerais, estes trabalhos entendem o populismo a partir das seguintes características: – Relação direta e não-institucional entre o líder e a massa. – Nacionalismo econômico e união das classes sociais – Liderança política baseada no carisma pessoal e na rede de clientelismo (fidelidade pessoal) – Jogo eleitoral baseado na barganha entre candidato e eleitores (interesses individuais e coletivos) – Weffort, F. O populismo na política brasileira. São Paulo, 1978 – Frágil sistema partidário • Autores clássicos: Francisco Weffort, Octavio Ianni • Revisões: Angela de Castro Gomes, Maria Helena Capelato, Jorge Ferreira, Glaucio Dillon Soares, Antonio Lavareda A questão do populismo - revisões • • A pouca dedicação dos historiadores e as imagens fortemente introjetadas no imaginário acadêmico que desqualificam o período reforçaram a caracterização do regime político como populista. Durante muitos anos, a experiência democrática que se abriu em 1945 com o fim do Estado Novo e se encerrou com o golpe civil-militar de 1964 ficou conhecida por categorias pejorativas como período populista, república populista ou democracia populista. (...) As expressões podem ser encontradas tanto em livros didáticos quanto em textos produzidos nas universidades. (...) Uma das imagens que mais desmereceram a sociedade brasileira daquela época foi, sem dúvida, a do populismo. Diversos pesquisadores, atualmente, criticam a expressão por sua excessiva generalização. Por sua elasticidade, o termo populismo se esforça por dar conta de diferentes projetos e tradições políticas sob as mesmas características. Além disso, populismo é imagem que desqualifica a sociedade brasileira para o exercício da democracia. A expressão sugere a existência de lideranças cínicas e superconscientes capazes de "enganar" o eleitorado e os trabalhadores em particular. O "povo", nesse sentido, não saberia votar – é o que fica subentendido. (...) As imagens desmerecedoras do passado encobrem a atuação política dos atores sociais, marginalizando vivências e experiências de trabalhadores em seus sindicatos, camponeses em suas ligas, estudantes em suas entidades de representação, empresários em suas associações e diversos outros grupos sociais que, em suas organizações, atuaram politicamente. FERREIRA, Jorge. “Apresentação” do dossiê 1946-1964: a experiência democrática no Brasil. Revista Tempo, 14/28, UFF, Niterói, junho 2010 A questão democrática na República de 46 • Tese Antonio Lavareda (A democracia nas urnas. O processo partidário eleitoral brasileiro – 1945-64. Rio de Janeiro, Revan, 1999): “sistema partidário eleitoral experimentou, apesar dos obstáculos e embora de modo não uniforme, um processo de consolidação que viria a ser frustrado pelo golpe militar” • Esta tese questiona as visões clássicas de um sistema desestruturado ou sem institucionalização. • Tese Glaucio Dillon Soares (A democracia interrompida. Rio de Janeiro, FGV Editora, 2001): ampla entrada das classes médias no eleitorado e crescente, embora sobrerepresentada, participação eleitoral popular (p.54); “elite ampliada”; tensão entre “política dos estados” (velhas oligarquias estaduais) e extensão da cidadania; extraordinário crescimento econômico + claro e seguro “progresso político” + lento desenvolvimento social. “Avanços foram claros...mas a história foi curta” (p.320) O trabalhismo • Trabalhismo, getulismo e o PTB • Doutrinários, fisiológicos e pragmáticos • Projeto nacional-popular reformista (1956, aprox): O PCB e a república de 46 • O PCB – 1945-1947: existência legal (1 senador e deputados) – 1950-1956: isolamento e tática da “guerra popular de libertação” – 1956-1964: “nova política”: aliancismo policlassista e tese da revolução “nacional e democrática” (“etapismo revolucionário”) – “construção de um governo nacionalista e democrático cujo sucesso estava condicionado aos sucessos da Frente Única, das ações de massa, do isolamento das políticas conciliatórias, e da derrota das ‘forças reacionárias e entreguistas’ (SEGATTO, 149). – Tática das “soluções positivas” (espécie de programa mínimo) – política externa independente e de paz, reforma agrária, legalidade democrática, melhoria do nível de vida. Vão confundir-se ou transfigurar-se na luta por “reformas de base” (1962). Movimentos sociais • Movimento operário: – Trabalhistas, comunistas e católicos – Estrutura do “sindicalismo oficial”, convivendo com ampliação e diversificação na militância de base – Greves (1953 – “300 mil”; 1957, anos 1960) • Movimento camponês: – Passagem dos valores messiânicos e milenaristas, para a “consciência de classe” – luta pela posse da terra e pelo direito à sindicalização – Revoltas de Porecatu-PR (1951), Trombas e Formoso-GO (1950-1957) • Ref: CUNHA, Paulo. Aconteceu longe demais: a luta pela terra dos posseiros de Formoso e Trombas e a revolução brasileira. Editora UNESP, 2007 • OIKAWA, Marcelo. Porecatu. A guerrilha que os comunistas esqueceram. São Paulo, Expressão Popular, 2011 Fontes • "O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar." – Carlos Lacerda, em artigo publicado no Jornal Tribuna da Imprensa, 1 de junho de 1950 Fontes • Perigosas só poderão ser hoje, nos meios militares, as repercussões que já se pressentem e anunciam de leis e decisões governamentais que, beneficiando certas classes ou grupos, acarretarão pronunciado aumento de custo já insuportável de todas as utilidades. (...) E a elevação do salário mínimo que, nos grandes centros do país, quase atingirá os vencimentos máximos de um graduado [sargentos e subtenentes ] resultará por certo em aberrante subversão de todos os valores profissionais, destacando qualquer possibilidade de recrutamento para o Exército dos seus quadros inferiores. • Memorial dos Coronéis, assinado por 82 oficiais, fevereiro de 1954 – BONAVIDES, Paulo & AMARAL, Roberto. Textos políticos de história do Brasil. Volume VI, Senado Federal, 2002, p.653 Fontes • “Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam. Não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar minha voz e impedir minha ação, para que eu não continue defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes (...) tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora de queda desamparado. Nada mais posso dar a não ser o meu sangue (...) meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será vossa bandeira de luta (...) eu vos dei minha vida. Agora ofereço a minha morte. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade, e saio da vida para entrar na História”. • (Carta Testamento de Getúlio Vargas, 24 de agosto de 1954) – BONAVIDES, Paulo & AMARAL, Roberto. Textos políticos de história do Brasil. Volume VI, Senado Federal, 2002, p. 700 Fontes • “A justa indignação popular, explorada por comandos soviéticos que implantaram a desordem na capital e promovem depredações em massa – Prejuízos de milhões de cruzeiros – Cerca de 400 veículos danificados – A policia assistiu impassível ao atentado contra a propriedade pública e privada – Os grupos predatórios estavam tão bem organizados que até eram abastecidos de gasolina, por caminhões sem chapa, para atear fogo aos bondes e ônibus” [*20] – Matéria sobre a revolta popular depois do aumento da passagem de ônibus em São Paulo. A Noite, São Paulo, 2 de agosto de 1947, Ed. 1247, Acervo APESP (apud BORIN, Monique Félix. “Distúrbio urbano de 1947:a imprensa paulistana e os responsáveis do levante. Revista Histórica, APESP Bibliografia • D’ ARAUJO, Maria Celina Soares D' O Segundo Governo Vargas, 1951-1954. São Paulo: Atica 1992.