1 SONIA CRISTINA LEAL LEIDERSNAIDER A SAÚDE DA CRIANÇA NO MUNICÍPIO DE TRÊS RIOS: QUANTO CAMINHAMOS COM O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA? Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Saúde da Família. Orientadora: Gabriela Bittencourt Gonzalez Mosegui. Rio de Janeiro 2007 2 L527s Leidersnaider, Sonia Cristina Leal. A saúde da criança no município de Três Rios: quanto caminhamos com o programa Saúde da Família? / Sonia Cristina Leal Leidersnaider. Rio de Janeiro, 2007. 131 f., il. Dissertação (Mestrado em Saúde da Família) – Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2007. 1. Cuidados da criança, Três Rios, Rio de Janeiro. 2. Programa Saúde da Família, Três Rios, Rio de Janeiro. I. Título CDD 362.82098153 3 Ao meu marido Benjamin e aos meus filhos Clarisse e Caio por compartilharem comigo cada etapa de aprendizado e por compreenderem minha ausência em tantos finais de semana. 4 AGRADECIMENTOS À Deus pela presença em todos os momentos de minha vida, especialmente naqueles mais difíceis e por ter me permitido chegar até aqui. Aos meus pais Alcy e Therezinha que nunca mediram esforços para que eu fosse à busca dos meus sonhos. À minha orientadora Gabriela que sempre esteve presente com carinho e dedicação. Além de jovem e competente mostrou-se um ser humano admirável e inesquecível. À Aline, secretária do mestrado, pela gentiliza em nos socorrer mesmo à distância. As coordenadoras da secretaria municipal de Três Rios Tereza, Letícia, Analúcia, Sonia e Rosyani pela disponibilidade em colaborar com as informações necessárias para a realização deste trabalho. Às minhas amigas Ângela e Analúcia pelas palavras de incentivo e companheirismo. Às minhas companheiras de mestrado Célia e Elisa que partilharam ao longo do curso uma carona onde nosso carro se tornou um “carro terapia” por dividirmos angústias, alegrias, incertezas e conhecimento, mas principalmente por ter brotado uma amizade tão preciosa. Ao colega Rossano e a professora Cláudia pelas primeiras palavras de incentivo no anteprojeto. 5 “Quem pensa saber tudo, priva-se de um dos maiores prazeres da vida: aprender”(São Francisco de Assis). 6 RESUMO O processo de descentralização do setor saúde no Brasil, iniciado na década de 1990, tornou a esfera municipal a principal responsável pelas ações e programas de saúde, em especial na atenção primária. A Estratégia Saúde da Família como modelo de atenção primária envolve novos atores e contextos locais que precisam estar sendo acompanhados quanto à mudança do modelo assistencial e aos resultados que estas mudanças esperam alcançar. Este estudo objetivou conhecer a situação de saúde de menores de cinco anos de idade, que residem no município de Três Rios, após a implantação do Programa Saúde da Família (PSF), ocorrida em 1999. Utilizamos metodologias quantitativa e qualitativa de forma complementar. Foram elaboradas séries temporais de indicadores: da saúde da criança, de dimensão sócio-econômica e relacionada à gestação. Houve uma rápida expansão do PSF, com cobertura de 86,5% da população, em 2005. As taxas de mortalidade infantil, mortalidade neonatal e de internações por infecção respiratória vêm apresentando queda em seus valores, embora de forma irregular. A proporção de recém nascidos com baixo peso ao nascer e consultas de pré-natal acima de seis apresentaram evolução negativa de 0,09% e 27,67% respectivamente. A escolaridade materna predominante é de 8 a 11 anos de estudo. O saneamento básico tem cobertura acima de 90%. Na abordagem qualitativa, realizamos entrevistas semi-estruturadas com médicos e enfermeiros que atuam no PSF do município. Segundo eles, a falta de educação permanente e de supervisão em pediatria, dificulta ao atendimento da criança com menos de dois anos. Quarenta sete por cento dos profissionais têm entre 20-29 anos (menos de cinco anos de graduação); 78% não participaram do curso introdutório. Dentro das ações de vigilância nutricional, 53% não acompanham ou marcam o gráfico ponderal; 61% não acompanham o desnutrido; 56% promovem ações de estímulo ao aleitamento materno. Nenhum profissional foi capacitado para a atenção integrada às doenças prevalentes da infância. Em relação à imunização, 44% apresentam vacinação nas unidades. O trabalho encontrou valores díspares entre os sistemas de informação da secretaria municipal de saúde e do DATASUS. Também identificou a importância de analisar e monitorar os dados coletados pelas unidades do PSF, além da capacitação da equipe e supervisão da pediatria nas atividades para o atendimento da população infantil. Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Programa Saúde da Família; Saúde da Criança. 7 ABSTRACT The process of decentralization of the health sector in Brazil, which started in 1990, made the municipal position the main responsible for its actions and health programmes, especially in the primary health care. The strategy health in the family as a model of primary care involves new people and local contexts which need to be given importance according to the changes of the assistancial model and the results in which they want to reach. This study aimed to know better the situation of the under five-year-old children’s health who live in the municipality of Três Rios, after the beginning of the Family Health Program (FHP), occurred in 1999. Qualitative and quantitative methodologies were used as a complement. Longitudinal ecological analysis from data secondary of health information systems as the indicators of the children’s health, the social-economical dimension and related to pregnancy were elaborated. There was a boom in the FHP representing 86,5% of the population in 2005. Infant mortality rate, the neonatal mortality rate as well as the internations because of the respiratory infections have been decreasing in numbers despite its irregular form since then. The quantity of the new-born babies with low birth weight and the pre-natal treatment over six come as a negative evolution of 0,09% and 27,67%, respectively. The maternal predominant education is from 8 to 11 years of studies. The basic sanitation covers more than 90%. According to the qualitative interest, interviews were made with doctors and nurses who have worked in the FHP of the municipality. In their views, the lack of education and supervision in the pediatrics contributes to the bad attention given to the children who are under two years old. Forty-two per cent of the professionals are between 20-29 years old (less than 5 years of graduation); 78% of them don’t take part in the introductory course. Regarding the nutritional care, 53% don’t follow or indicate the ponderal graphic; 61% don’t follow the children malnutrion; 56% have any stimulus to the breastfeeding. No professionals were introduced to Integrated Manegement of Childhood Illness Strategy. In relation to immunization, 44% have vaccination in the units. The work has found several values between the municipality office information systems and the “DATASUS”. Also, it has identified the importance to analyze and monitor the data of the FHP units as well as the group capacitation and supervision of the pediatrics in the activities to give attention to the childhood population. Key-words: Primary health care. Family Health Program. Child’s health 8 LISTA DE SIGLAS AIDPI- Atenção Integral das Doenças Prevalentes da Infância AIDS- Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida AIH- Autorização de Internação Hospitalar AM- Aleitamento Materno AME- Aleitamento Materno Exclusivo AMM- Aleitamento Materno Misto APS- Atenção Primária à Saúde BLH- Banco de Leite Humano CF – Constituição Federal CID- Classificação Internacional de Doenças CIDE- Centro de Informações e Dados (do Rio de Janeiro) CMS – Conselho Municipal de Saúde DATASUS – Banco de Dados do Sistema Único de Saúde DDA- Doença Diarréica Aguda DN- Declaração de Nascido Vivo DO- Declaração de Óbito DST- Doença Sexualmente Transmissível FAETEC- Fundo de Apoio a Escola Técnica do Estado (do Rio de Janeiro) FETRI- Fundação Educacional de Três Rios GM/MS – Gabinete do Ministro/ Ministério da Saúde IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano IDH- M – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IHAC- Iniciativa Hospital Amigo da Criança IMCI – Integrated Management of Chilhood Illness IQM- Índice de Qualidade dos Municípios IRA – Infecção Respiratória Aguda IUBAAM – Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação LACMAT – Programa baseado no Epi Info para estudo de prevalência em aleitamento LOS - Lei Orgânica da Saúde MS - Ministério da Saúde NBCAL – Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras 9 NOAS - Norma Operacional de Assistência à Saúde NOB’S - Normas Operacionais Básicas OMS - Organização Mundial de Saúde OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde PAB - Piso da Atenção Básica PACS - Programa de Agente Comunitário de Saúde PIG – Pequeno para a Idade Gestacional PMS - Plano Municipal de Saúde PMTR – Prefeitura Municipal de Três Rios PNHN – Programa Nacional de Humanização do Pré-natal e Nascimento PNI- Programa Nacional de Imunizações PNIAM – Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PSF- Programa Saúde da Família RN- Recém nascido SBMFC – Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade SIAB –Sistema de Informação da Atenção Básica SIH – Sistema de Informação Hospitalar SIM- Sistema de Informação de Mortalidade SINASC- Sistema de Informação de Nascidos Vivos SIS- Sistema de Informação em Saúde. SISPACTO – Sistema de Informação do Pacto SISPRENATAL – Sistema de Informação do PNHN SISVAN- Sistema de Informação de Vigilância Alimentar e Nutricional SMAM – Semana Mundial de Aleitamento Materno SMS – Secretaria Municipal de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde TMI - Taxa de Mortalidade Infantil TRO - Terapia de Reidratação Oral UFRRJ – Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância UTI - Unidade de Tratamento Intensivo WHO – World Health Organization 10 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Taxa de mortalidade infantil no município de Três Rios, no período de 1999 a 2005 ____________________________________________________________________ 61 Tabela 2 - Coeficiente de variação e intervalo de confiança para as médias da TMI no município de Três Rios, 1999 – 2005, pela SMS e DATASUS ________________________ 61 Tabela 3 - Evolução do número de óbitos neonatais no município de Três Rios, no período de 1999 a 2005 ______________________________________________________________ 62 Tabela 4 - Principais causas de óbitos em menores de um ano no município de Três Rios, 1999 - 2004_______________________________________________________________ 64 Tabela 5 - Número absoluto e percentual de óbitos no primeiro ano de vida de acordo com a faixa etária no município de Três Rios, 1999 - 2004 _______________________________ 64 Tabela 6 - Proporção de óbitos em menores de um ano de idade por causas mal definidas no município de Três Rios, 1999 -2005____________________________________________ 66 Tabela 7 - Proporção de nascidos vivos com baixo-peso ao nascer no município de Três Rios, período 1999 – 2005________________________________________________________ 67 Tabela 8 - Percentual de crianças menores de um ano com vacina em dia, no município de Três Rios, 1999 -2005_______________________________________________________ 70 Tabela 9 - Homogeneidade de cobertura vacina por tetra valente em menores de um ano de idade ____________________________________________________________________ 71 Tabela 10 - Evolução do nível de escolaridade materna, no município de Três Rios, 19992005 (SMS) _______________________________________________________________ 75 Tabela 11 Evolução do nível de escolaridade no município de Três Rios, 1999 – 2004 (DATASUS)_______________________________________________________________ 75 Tabela 12 - Evolução do número e percentual de consultas de pré-natal das gestantes do município de Três Rios, 1999-2005 ____________________________________________ 77 Tabela 13 - Média de gestantes cadastradas e com pré-natal acompanhada nas unidades saúde da família de Três Rios, 1999 a 2005 _____________________________________ 78 Tabela 14- Prevalência de desnutrição em menores de 2 anos no município de Três Rios, 1999 - 2005_______________________________________________________________ 83 Tabela 15 - Evolução da taxa de mortalidade infantil por diarréia, município de Três Rios, 2001-2005________________________________________________________________ 85 Tabela 16 - Evolução da cobertura do PSF no município de Três Rios 1999 – 2005 ______ 88 Tabela 17 - Evolução do número de crianças menores de 5 anos cobertas pelo PSF _____ 89 Tabela 18 - Perfil dos profissionais entrevistados quanto à faixa etária _______________ 91 Tabela 19 - Perfil dos profissionais entrevistados quanto à instituição de formação ______ 92 Tabela 20 - Classificação dos profissionais quanto ao tempo de graduação ____________ 92 Tabela 21 - Presença de especialização em Saúde Pública entre os profissionais entrevistados______________________________________________________________ 93 Tabela 22 - Tempo de atuação dos profissionais de saúde no PSF ____________________ 93 Tabela 23 - Tempo de permanência do profissional na mesma unidade de inserção ______ 94 Tabela 24 - Capacitação em introdutório _______________________________________ 96 Tabela 25 - Outras capacitações oferecidas aos profissionais do PSF _________________ 97 Tabela 26 - Ações desenvolvidas pelos profissionais para vigilância nutricional da criança _______________________________________________________________________ 100 Tabela 27 - Atividades para promoção do aleitamento materno_____________________ 101 Tabela 28 - Ações desenvolvidas para a AIDPI__________________________________ 102 Tabela 29 - Verificação do cartão de vacina nas consultas às Unidades Saúde da Família 103 Tabela 30 - Vacinações de rotina na unidade ___________________________________ 104 Tabela 31 - Busca de faltosos________________________________________________ 104 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Indicadores da saúde da criança pactuados pelo Ministério da Saúde em 2005 40 Quadro 2 - Dimensão, indicadores, unidade de análise e fonte a serem analisados em Três Rios. ____________________________________________________________________ 41 Quadro 3 - Quadro de distribuição das causas de internações nas crianças menores de cinco anos no município de Três Rios, em 2004 _______________________________________ 69 Quadro 4 - Principais causas de óbitos no município de Três Rios- 2004 ______________ 90 LISTA DE TABELAS RESUMO Tabela resumo 1 Evolução dos Indicadores Pactuados da Saúde da Criança ___________ Tabela resumo 2. Indicadores Socioeconômicos, Ambientais ________________________ Tabela resumo 3. Evolução dos indicadores relacionados à gestação _________________ Tabela resumo 4. Evolução dos indicadores relacionados a criança __________________ Tabela resumo 5. Perfil dos profissionais de saúde do Programa Saúde da Família no município de Três Rios, 2005 _________________________________________________ 71 76 80 86 95 12 LISTA DE FIGURAS Gráfico 1 - Evolução do número de municípios com equipes de saúde da família implantadas entre 1994 e novembro de 2006 _______________________________________________ 26 Gráfico 2- Evolução da taxa de mortalidade infantil no município de Três Rios, 1999 - 2005 ________________________________________________________________________ 62 Gráfico 3 - Evolução da taxa de mortalidade neonatal no município de Três Rios, 1999 2005 ____________________________________________________________________ 63 Gráfico 4 - Comparação da mortalidade infantil por faixa etária no município de Três Rios, 1999 - 2004_______________________________________________________________ 65 Gráfico 5 - Proporção de óbitos em menores de um ano de idade por causas mal definidas 66 Gráfico 6 - Evolução da proporção de nascidos vivos com baixo-peso ao nascer no município de Três Rios/RJ, no período de 1999 a 2005 _____________________________________ 68 Gráfico 7 Evolução da Taxa de Internação por Infecção Respiratória Aguda em menores de cincoanos no município de Três Rios/RJ, no período de 1999 a 2005 _________________ 69 Gráfico 8 Evolução do abastecimento de água da população coberta pelo PSF de Três Rios, 1999 – 2005 ______________________________________________________________ 72 Gráfico 9 Evolução do tratamento de água no domicílio da família coberto pelo PSF de Três Rios, 1990 – 2005 __________________________________________________________ 73 Gráfico 10 Evolução do destino do lixo das famílias cobertas pelo PSF em Três Rios, 1999 – 2005 ____________________________________________________________________ 73 Gráfico 11. Evolução do destino do esgoto da população coberta pelo PSF, Três Rios, 1999 – 2005 ____________________________________________________________________ 74 Gráfico 12 Percentual de pessoas alfabetizadas nas unidades cobertas pelo PSF no município de Três Rios, no período de 1999- 2005_________________________________________ 76 Gráfico 13 Proporção de gestantes com acompanhamento pré-natal no município de Três Rios, 1999-2005 ___________________________________________________________ 78 Gráfico 14 Evolução do Percentual de nascidos vivos por idade materna no município Três Rios, 1999 -2004___________________________________________________________ 79 Gráfico 15 Evolução do Percentual de AME e AMM em crianças <4 meses cobertas pelo PSF no município de Três Rios, 1999-2005 ______________________________________ 81 Gráfico 16 Evolução das crianças com menos de 1 ano e entre 1 e 2 anos com desnutrição infantil acompanhadas pelo PSF no município de Três Rios/RJ no período de 1999 a 2005 83 Gráfico 17 Evolução sobre a doença diarréica aguda no município de Três Rios/RJ, no período de 1999 a 2005 _____________________________________________________ 84 13 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO _________________________________________________________ 15 1.1. APRESENTAÇÃO __________________________________________________ 15 1.2. O SUS E O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO ____________________ 17 1.3. ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE_____________________________________ 20 1.3.1. A Estratégia Saúde da Família _______________________________________ 23 1.4. A SAÚDE DA CRIANÇA _____________________________________________ 1.4.1. Saúde da criança na atenção primária__________________________________ 1.4.2. Outros fatores determinantes de saúde _________________________________ 1.4.3. Atenção integrada às doenças prevalentes na infância-AIDPI_______________ 1.4.4. Promoção da saúde infantil__________________________________________ 26 28 29 31 33 1.5. AVALIAÇÃO EM SAÚDE ___________________________________________ 35 1.5.1. Avaliação na atenção primária à saúde_________________________________ 37 1.5.2. Pacto de indicadores _______________________________________________ 39 1.6. O MUNICIPIO DE TRÊS RIOS: CENÁRIO DE ESTUDO ________________ 1.6.1. Localização e dados demográficos ____________________________________ 1.6.2. Aspectos econômicos ______________________________________________ 1.6.3. Aspectos sociais: educação__________________________________________ 1.6.4. Saúde __________________________________________________________ 42 42 42 43 43 2. OBJETIVOS ___________________________________________________________ 47 2.1. OBJETIVO GERAL _________________________________________________ 47 2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS__________________________________________ 47 3. METODOLOGIA _______________________________________________________ 48 3.1. ABORDAGEM QUANTITATIVA _____________________________________ 3.1.1. Fontes de informações _____________________________________________ 3.1.2. Indicadores da saúde da criança pactuados pelo Ministério da Saúde _________ 3.1.3. Outros indicadores relacionados à saúde da criança ______________________ 3.1.4. Indicadores relacionados à gestação e a criança__________________________ 3.1.5. Análise dos dados _________________________________________________ 48 48 50 54 55 57 3.2. ABORDAGEM QUALITATIVA_______________________________________ 58 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ____________________________________________ 60 4.1. EVOLUÇÃO DOS INDICADORES DA SAÚDE DA CRIANÇA ____________ 60 4.1.1. Indicadores da saúde da criança pactuados pelo Ministério da Saúde _________ 60 4.1.2. Outros indicadores relacionados à saúde da criança ______________________ 72 4.2. O PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE ___________________________________ 86 4.2.1. Programa Saúde da Família _________________________________________ 87 4.2.2 Saúde da criança __________________________________________________ 89 14 4.3. O PERFIL DOS PROFISSIONAIS _____________________________________ 4.3.1. Sexo e idade _____________________________________________________ 4.3.2. Formação e especialização __________________________________________ 4.3.3. Tempo de graduação_______________________________________________ 4.3.4. Tempo de atuação em PSF no município _______________________________ 4.3.5. Tempo de permanência numa mesma unidade saúde da família _____________ 91 91 91 92 93 94 4.4. ATUAÇÃO DO MUNICÍPIO EM CAPACITAÇÃO DO PROFISSIONAL QUE ATUA NO PSF _________________________________________________________ 95 4.4.1. Capacitação em introdutório_________________________________________ 95 4.4.2. Educação permanente e outras capacitações ____________________________ 96 4.4.3. Supervisão de pediatria_____________________________________________ 98 4.5. AÇÕES BÁSICAS DA SAÚDE DA CRIANÇA ___________________________ 99 4.5.1. Ações sobre a vigilância nutricional___________________________________ 99 4.5.2.Atenção integral às doenças prevalentes da infância – AIDPI ______________ 102 4.5.3. Imunização _____________________________________________________ 103 4.5.4. Outras ações para a infância ________________________________________ 104 4.6. A VISÃO DOS PROFISSIONAIS _____________________________________ 4.6.1. Sentimento em relação ao trabalho no PSF ____________________________ 4.6.2. Auto-avaliação em relação ao atendimento infantil ______________________ 4.6.3. Maiores acertos e dificuldades em relação ao PSF_______________________ 4.6.4. Sugestões para melhoria do atendimento infantil________________________ 4.6.5. Relacionamento com a mãe e comunidade_____________________________ 4.6.6 Evolução da assistência prestada_____________________________________ 105 105 106 106 107 108 108 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS _____________________________________________ 110 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________ 117 ANEXOS _______________________________________________________________ 126 15 1.INTRODUÇÃO 1.1.APRESENTAÇÃO A recente descentralização do Sistema Único de Saúde transferiu aos municípios a responsabilidade pela implementação dos serviços de saúde, especialmente na atenção primária. Em 1999 observei, em meu município – Três Rios, estado do Rio de Janeiro – a implantação da estratégia do Programa Saúde da Família, sendo na ocasião convidada a trabalhar como tantos profissionais da saúde que atuam no local. Na realidade ainda não conseguia entender, com minha cabeça de especialista (pediatra), como poderia atuar de forma tão generalista. Recusei o convite, mas fiquei observando a evolução da nova proposta de oferta de serviço. Como trabalho no Programa de Atenção Integrada a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (PAIMSCA) do município, percebi que os encaminhamentos para a pediatria não diminuíram ao longo do tempo. Recebia mães que já tinham se consultado nas unidades próximas a suas residências (que elas chamam de “postinho”) e mesmo assim vinham à consulta, muitas vezes com o aval do colega, que atendia dizendo “melhor levar no pediatra porque não entendo bem de criança”, o que as deixava insegura. Bem, se depois de serem atendidas ainda precisavam de nova consulta com o pediatra (dois atendimentos), o que estava acontecendo? Qual o propósito da Saúde da Família? Estudando a respeito do Programa Saúde da Família, me encantei com seus objetivos e o incômodo cresceu, sobretudo por ver cidades onde o mesmo parecia funcionar. Seis anos se passaram e aí a inquietação precisava de resposta. Como está a saúde de nossas crianças? Como os indicadores estão evoluindo após a implantação do Programa Saúde da Família? Partindo desta interrogação, iniciei o Mestrado Profissional em Saúde da Família e hoje apresento o resultado desse estudo. No primeiro capítulo, apresento como se deu o processo de descentralização e o papel do município na construção do Sistema Único de Saúde. Descobri aqui que muito dos meus anseios estão diretamente relacionados a se cada município estaria pronto ou buscando, pela vontade política e compromisso com a gestão, oferecer serviços de saúde à população especialmente na Atenção Primária à Saúde, pela estratégia da Saúde da Família. 16 No segundo capítulo discuto a importância das políticas públicas diferenciadas, especialmente aqui voltadas para a saúde da criança. Discuto um pouco sobre as propostas do Ministério da Saúde para a mesma, especialmente na atenção primária, bem como outros fatores determinantes da saúde que podem influenciar na saúde da criança. Este novo modelo assistencial de atenção primária tem alimentado os Sistemas de Informações em Saúde, especialmente o Sistema de Informação da Atenção Básica, no qual as informações geradas do trabalho das equipes de saúde da família têm como objetivo primordial subsidiar as estratégias para a intervenção e planejamento das ações locais. Para isso, é preciso que esses dados se transformem em informações, para que sejam avaliados os resultados. Desta forma, discutimos no capítulo três, a importância da avaliação, especialmente no âmbito local e da atenção primária. No capítulo quatro apresentamos um pouco do nosso município e qual o desafio proposto por este estudo. Apesar do intenso debate sobre o tema, percebi que ainda temos poucos estudos de pesquisa da saúde da criança em torno da atenção primária no contexto municipal. Sendo assim, apresento “A Saúde da Criança no município de Três Rios: quanto caminhamos com o Programa Saúde da Família”? 17 1.2. O SUS E O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO A trajetória do sistema de saúde do Brasil vem sofrendo mudanças, acompanhando as transformações econômicas, socioculturais e políticas da sociedade brasileira. O Sistema Único de Saúde (SUS) é proveniente de um processo de reformas pactuadas em fins dos anos 80 e início dos anos 90. Segundo France (1997) apud Viana e Dal Poz (1998), os processos de reformas nos sistemas de saúde se distinguem de dois modos: os incrementais, que se baseiam em pequenos ajustes sucessivos, e os que advêm de uma reforma do tipo “big bang” introduzindo modificações expressivas e significativas no funcionamento do sistema. Dessa maneira, a reforma do modelo de assistência pública brasileira ocorrida com o SUS poderia ser considerada do último tipo, pois introduziu mudanças substantivas no modo de operação do sistema, com a criação do SUS. Em 1988, é então instituído o Sistema Único de Saúde pela Constituição Federal (CF) do Brasil, no artigo 198 (BRASIL, 2005), e um arcabouço jurídico e técnico formado pelas Leis nºs 8.080/90 e 8.142/901 dão origem à Lei Orgânica da Saúde (LOS), disciplinando legalmente o cumprimento do mandamento constitucional da proteção e da defesa da saúde (CARVALHO, MARTIN e CORDONI JR, 2001). Viana e Dal Poz (1998) destacam, no artigo 7 da Lei nº 8.080/90 (BRASIL, 2005a), o princípio da descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo, e a ênfase na municipalização (descentralização dos serviços de saúde para os municípios). Tal princípio norteia a organização do SUS, no qual o gestor municipal passa a ser um dos gestores do sistema público de saúde. Esse tipo de sistema torna complexa a implantação de políticas de abrangência nacional, que precisam buscar redistribuição, redução das desigualdades e iniqüidades em todo o território nacional, pois o Brasil é marcado pela diversidade e heterogeneidade (BRASIL/MS, 2002a). 1 A Lei nº 8.080/90 orienta a descentralização político-administrativa do SUS, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde e a organização e funcionamento dos serviços (BRASIL, 2005a). A Lei nº 8.142/90 repara os vetos feitos pelo chefe do Executivo à Lei nº 8.080/90 e dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS, sobre transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde (BRASIL, 2005b). 18 Pela CF de 1988, os municípios são considerados entes federativos com muitas responsabilidades na implementação de políticas públicas. A CF não leva em conta o porte, a capacidade de arrecadação tributária, as diferenças políticas, econômicas, sociais, nem as realidades epidemiológicas de cada região (BRASIL/MS, 2002a; PERES, 2002). Dessa forma, o SUS apresenta alguns problemas na sua implantação. Segundo Viana e Dal Poz (1998), na operacionalização do sistema existiriam nós críticos, como: o financiamento das ações de saúde; a definição clara de funções para os três entes governamentais; as formas de articulação público/privado no novo modelo de organização dos serviços e a resistência do antigo modelo assistencial a uma mudança substantiva nas práticas assistenciais. O Ministério da Saúde precisou assim redefinir as condições de gestão para os municípios, e passou a editar portarias através de Normas Operacionais Básicas (NOBs), cuja função é regular o processo de descentralização e a divisão de responsabilidades entre união, estados e municípios, na tentativa de induzir à organização do SUS (OLIVEIRA, 2004). A NOB/91 permitiu que os municípios tivessem a oportunidade de receber recursos diretamente da União, sem a intermediação dos estados, pelo repasse condicionado à produção de serviços. Já a NOB/93 criou uma modalidade de gestão municipal e estadual com repasse fundo a fundo para os municípios habilitados, que deu maior autonomia para os mesmos (OLIVEIRA, 2004). Segundo Cordeiro (2001), ela acompanhou a expansão e a intensificação do projeto municipalista. De acordo com Oliveira (2004), os incentivos financeiros oferecidos pelo Ministério da Saúde serviram para motivar a habilitação dos municípios e estados e contribuíram fortemente para o sucesso da descentralização; no entanto, levaram a muita habilitação “de fachada”. Já a NOB/96, vigente até o momento, favoreceu mudanças no modelo de atenção, instituindo estímulos financeiros para determinados programas, especialmente o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Criou o Piso Assistencial Básico, depois chamado Piso de Atenção Básica (PAB)2, que promoveu mudanças no funcionamento do modelo de atenção à saúde, contribuindo para o acesso universal e consolidando vínculos entre população e serviços (BRASIL/MS, 2003a). 2 O Piso da Atenção Básica (PAB) é composto de uma parte fixa destinada à assistência e de parte variável relativa aos incentivos para o desenvolvimento de ações complementares da atenção básica (BRASIL/MS, 2003a). 19 Essa Norma estabeleceu dois sistemas de descentralização para os municípios: Gestão Plena de Atenção Básica e Gestão Plena de Sistema Municipal. No primeiro tipo de gestão, o município recebe recursos para a administração autônoma das ações básicas; no segundo, a responsabilidade é ampliada para toda assistência ambulatorial e rede hospitalar (BRASIL/MS, 2002b). Além das NOBs, foram editadas outras resoluções que acabaram por ampliar as responsabilidades dos municípios quanto à atenção básica na área da saúde. A Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS) de 2001 estabelece o processo de regionalização como estratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de busca de maior eqüidade. (BRASIL/MS/NOAS, 2001). A NOAS de 2002 cria também mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do SUS e procede à atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios, aumentando a responsabilidade dos municípios na atenção básica, enfatizando a necessidade de avaliação do sistema, tanto em relação a sua organização quanto ao impacto da atenção prestada, de valorização dos resultados advindos de programações epidemiológicas e de desempenhos com qualidade (BRASIL/MS/NOAS, 2002). Contudo, os municípios encontram-se hoje em estágios diferentes do processo de responsabilização municipal para a gestão. Para Giovanella e colaboradores (2002), exigiu-se um grau de organização na unidade federativa que, para a maioria, foi extremo. Apesar dos avanços da implantação do SUS, seus princípios orientadores ainda não são realidade no cotidiano da atenção. Embora a avaliação e o monitoramento tenham se tornado mais freqüentes, ainda são poucas as metodologias apropriadas disponíveis para avaliar os sistemas de saúde (GIOVANELLA et al., 2002). As atividades de avaliação são realizadas a partir das informações produzidas do cotidiano da atenção – embora sejam insuficientes para aprender todas as mudanças desejáveis – são essenciais para a orientação dos processos de implantação, consolidação e reformulação das práticas de saúde, na medida em que permitem monitorar a situação de saúde da população, o trabalho em saúde e os resultados das ações. (BRASIL/MS, 2004a, p. 11). Figueiredo e Figueiredo (1986) apud Giovanella e colaboradores (2002) partem da premissa de que uma avaliação realizada ao longo da implementação permitiria controlar, com a devida antecipação, a qualidade do efeito desejado. Em concordância com essa afirmativa, o Ministério da Saúde (BRASIL/MS, 2002a) destaca que “no modelo do SUS é 20 dado um forte destaque ao papel da direção municipal de planejar, organizar, controlar, avaliar as ações e serviços, gerir e executar os serviços públicos de saúde”. Do exposto, fica clara a responsabilidade do gestor municipal sobre o sistema de saúde na construção da rede de atendimento da população, bem como a necessidade de gerar os dados relativos a essa prestação do serviço, para que se avaliem e monitorem sua organização e o impacto da atenção prestada. A Atenção Primária à Saúde passa a ser o eixo organizador das práticas sanitárias que visam a alcançar melhores indicadores de saúde, menores custos e maior satisfação dos usuários (STARFIELD, 2002). 1.3. ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Em reconhecimento crescente às iniqüidades sociais e de saúde em quase todos os países, a Organização Mundial da Saúde (OMS) adotou um conjunto de princípios com vistas a auxiliar a construção da atenção primária dos serviços de saúde. A OMS afirma que os cuidados primários de saúde são essenciais. São cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitáveis, por representarem o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelos quais os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde as pessoas vivem e trabalham, devendo permitir um continuado processo de assistência à saúde. Propõe que todos os governos devam formular políticas, estratégias e planos nacionais de ação para lançar/estruturar os cuidados primários de saúde em coordenação com os outros setores. Para Starfield (2002), a saúde de um indivíduo ou de uma população é determinada por sua combinação genética, mas gradualmente modificada pelo ambiente social, físico e por comportamentos culturais. Desta forma, para a autora, uma atenção médica eficaz deve enfocar vários determinantes de saúde, como seu meio social, físico, locais onde as pessoas vivem e trabalham; ao invés de estar limitada ao tratamento em si, é preciso considerar o contexto no qual a doença ocorre e onde o paciente vive. Atenção primária é aquele nível de um sistema de serviço de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a atenção oferecida em algum outro lugar ou por terceiros. (STARFIELD, 2002, p.28). 21 Ainda segundo essa autora (2002), para a efetiva organização de um sistema de saúde por meio da atenção primária, faz-se necessário observar alguns princípios, tais como o primeiro contato, a longitudinalidade, a integralidade e a coordenação da atenção. O primeiro contato implica a acessibilidade e o uso de serviços de acordo com a necessidade demandada pela população. Desta forma, um serviço de atenção primária funciona como porta de entrada do sistema de saúde que está organizado em diferentes níveis de atenção. A longitudinalidade é uma relação pessoal ao longo do tempo entre o paciente e um médico ou a equipe de saúde. A construção de vínculos entre a população e a equipe de saúde é fundamental nesse processo. O princípio da integralidade é entendido como um conjunto de serviços prestados pela equipe de saúde com a responsabilização pela oferta de serviços em outros pontos de atenção à saúde. A variedade de problemas na atenção primária é muito maior que em qualquer outro nível de atenção, necessitando de profissionais com grande base de conhecimento, atuando com uma visão interdisciplinar, de modo a aumentar a resolutividade dos problemas sem causar elevação de custos. Por outro lado, também deve ser uma visão global do paciente, ampliando o olhar sobre o que faz o indivíduo sofrer. Finalmente, a coordenação é a capacidade de um serviço centralizar e disponibilizar informações do paciente, com o objetivo de constituir uma base de informações essenciais sobre seu histórico que permita ser utilizado por outros níveis de atenção que não apenas o primário. Nem todos os países organizaram seus sistemas de saúde em torno de uma forte base de atenção primária. Uma comparação entre doze países industrializados ocidentais diferentes mostrou que aqueles que possuem uma orientação mais forte para a atenção primária apresentam maior probabilidade de ter melhores níveis de saúde e custos mais baixos para seus sistemas de saúde (STARFIELD, 1994). As vantagens decorrentes de uma forte atenção primária foram maiores para grupos jovens, ou seja, durante a primeira infância3 e a fase escolar, em relação à vida adulta (STARFIELD, 2002). 3 Primeira Infância: segundo o Comitê da Primeira Infância da Presidência da República, são crianças de 0 a 6 anos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/estr_02/SecExec/CDP_Locais.htm>. Acessado em 15/05/2005. 22 No Brasil, após a implantação do SUS, a interpretação da atenção primária à saúde enquanto modelo de organização do sistema de saúde recebeu a denominação, pelo Ministério da Saúde, de Atenção Básica. Para Paim (1999), a atenção básica seria: [...] um conjunto de ações, de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas, voltadas para a promoção da saúde, prevenção e agravos, tratamento e reabilitação, (reconhecendo que) a ampliação desse conceito se torna necessária para avançar na direção de um sistema de saúde centrado na qualidade de vida das pessoas do seu meio ambiente (PAIM, 1999, p. 500). Das diferentes interpretações de Atenção Básica à Saúde encontradas na literatura, a que dá margem a maior discussão seria a que tem como objetivos restritos e voltados especificamente à satisfação de algumas necessidades mínimas de grupos populacionais em situação de extrema pobreza e marginalizados (GIL, 2006). Para a autora, essa seria a definição dos países do Terceiro Mundo onde se constituiria em medicina simplificada ou a prática de saúde de pobre para pobre. As outras definições estão próximas das citadas por Paim (1999) e Starfied (2002). Para o Ministério da Saúde (BRASIL/MS, 2002c), a atenção básica é posta como prioridade e possibilidade concreta de promoção da melhoria do acesso e da capacidade resolutiva das ações de saúde no primeiro nível de atenção, sendo hoje realidade na grande maioria dos municípios brasileiros, recusando a concepção de programa de “medicina simplicidade”, como a definição descrita em Gil (2006). Considera a atenção básica como porta de entrada para o sistema, tendo nas unidades básicas sua instância operacional como nível próprio de atendimento. Utilizaremos neste trabalho, para fins de padronização, a terminologia internacional, ou seja, a expressão Atenção Primária à Saúde (APS). Uma das particularidades da APS é requerer do profissional uma sensibilidade e um compromisso ético-político com a cidadania. Os profissionais ligam-se fortemente às comunidades. A comunicação, neste momento, é sem dúvida o elemento central desse encontro, e o sucesso está vinculado à eficiência do processo de comunicação que se estabelecer entre as partes (TAVARES e TAKEDA, 1996a). Caberá ao profissional sistematizar três diagnósticos durante seu encontro com o paciente ou o grupo: o clínico, o psicofamiliar e o social. As ações de atenção primária são dirigidas a toda população, onde estão incluídas ações educativas, capazes de interferir no processo saúde/doença, no controle social e na 23 defesa da qualidade de vida. São também voltadas para grupos específicos, contemplados em programas especiais dirigidos a crianças, adolescentes, mulheres, trabalhadores e idosos. Segundo Tavares e Takeda (1996a), o processo de estruturação e organização de serviços de saúde em atenção primária se fará apenas se esse serviço conseguir adequar-se às suas necessidades, não bastando o conhecimento médico acumulado para dar sustentação a esse serviço. Para tanto, o primeiro passo será entender e conhecer profundamente os elementos que compõe sua comunidade e suas inter-relações, base para alcançar a redução das desigualdades de acesso e dos riscos de adoecimento entre indivíduos, famílias e comunidades (TAVARES e TAKEDA, 1996b). Esses aspectos diferem a APS dos demais níveis do sistema de saúde. Como conseqüência, a Estratégia Saúde da Família tem sido a principal proposta de organização da APS no Brasil, que tem possibilitado os municípios contemplarem os pontos essenciais de qualidade de atendimento de nível primário no SUS. 1.3.1. A Estratégia Saúde da Família A história do Programa Saúde da Família tem início quando o Ministério da Saúde formula o Programa de Agentes Comunitários de Saúde4, em 1991. Nesse momento, a família passou a ter o enfoque como unidade de ação programática de saúde, e não mais tão somente o indivíduo, sendo introduzida a noção de área de cobertura. Na realidade, o MS institucionalizou experiências práticas em saúde com agentes comunitários que já vinham sendo desenvolvidas de forma isolada em diversas regiões do país, como uma política estadual, nos estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e Ceará (VIANA e DAL POZ, 1998). O programa também introduziu uma visão ativa da intervenção em saúde, de não “esperar” a demanda “chegar” para intervir, mas de agir sobre ela preventivamente, constituindo-se, assim, em instrumento real de reorganização da demanda. Além disso, outro diferenciador são as concepções de integração com a comunidade e de um enfoque menos reducionista sobre a saúde, não centrado apenas na intervenção médica (VIANA e DAL POZ, 1988, p. 18). 4 Em sua implantação, o PACS teve como objetivo principal reduzir a mortalidade infantil e a mortalidade materna, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, com a extensão de cobertura dos serviços de saúde para áreas mais pobres. Os bons resultados do estado do Ceará com o PACS foram percebidos pelo Ministério da Saúde, e os agentes comunitários passaram a servir como peça importante para a organização do serviço básico no município. O êxito do PACS acabou por romper o isolamento do programa confinado às regiões do Norte e Nordeste, ampliando a todo país. O PACS impulsionou a formulação do Programa Saúde da Família (VIANA e DAL POZ, 1998). 24 A estratégia do PSF incorpora e reafirma os princípios do SUS (universalidade, eqüidade e integralidade), bem como se organiza de acordo com suas diretrizes (descentralização, participação popular e atendimento integral), estando estruturada a partir da Unidade Básica de Saúde da Família. Esses princípios são trabalhados juntamente com os de territorialização, cadastramento da clientela e trabalho em equipes multiprofissionais (BRASIL/MS, 2001a). A família, por ser a unidade básica da sociedade, é, segundo os princípios do Programa, merecedora de proteção e apoio integral (BRASIL/MS, 2004a). Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL/MS, 2004a), o papel da família em saúde é inquestionável, e a adoção de atitudes favoráveis ou mesmo de risco para a saúde se relaciona com a dinâmica biossociocultural desse núcleo. Assim, ela pode ser capaz de influenciar em aspectos positivos para a saúde, como adoção de estilos de vida saudáveis (prática de atividades físicas, hábitos alimentares saudáveis), e aspectos negativos, como a violência intrafamiliar, alcoolismo, prostituição e desnutrição, que transpassam a fronteira do indivíduo. Esses impactos positivo e negativo que as famílias têm sobre seus membros ocorre durante todo o ciclo de vida, isto é, desde o período gestacional até a velhice. Tal impacto ratifica a necessidade do entendimento dos problemas em saúde na sua abordagem integral (BRASIL/MS, 2004a). O próprio Ministério (BRASIL/MS, 2000) definiu os princípios operacionais que deveriam ser cumpridos pelos municípios por ocasião da implantação da Estratégia Saúde da Família. Entre eles destacam-se: a participação dos gestores, profissionais de saúde, das organizações comunitárias e da população em geral; a aprovação por parte do Conselho Municipal de Saúde; a elaboração de um projeto de implantação; a identificação de áreas prioritárias; a composição das equipes; a cobertura assistencial por equipe de saúde da família; o mapeamento e o diagnóstico das áreas e microáreas de atuação; a implantação e alimentação de sistema de informação; o processo de recrutamento, seleção e contratação dos profissionais; o planejamento local das atividades; a programação das atividades, incluindo um elenco de metas de desempenho e cobertura preestabelecidas; a organização de métodos e rotinas de trabalho; a educação permanente. Segundo Andrade, Barreto e Fonseca (2005), a Estratégia Saúde da Família é um modelo de organização de Atenção Primária à Saúde peculiar do Sistema Único de Saúde brasileiro. Está baseada em equipes multiprofissionais, compostas por no mínimo um médico generalista ou de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis agentes comunitários de saúde, responsáveis pela atenção integral e contínua à saúde de cerca de 800 25 famílias (3.450 pessoas, em média), residentes em território rural ou urbano. A partir de 2001, foram incorporados a essa equipe um cirurgião dentista, um auxiliar de consultório dentário e um técnico de higiene dental (BRASIL/MS, 2001b). Os serviços do PSF são prestados numa unidade básica de saúde ou no próprio domicílio da família. Os profissionais envolvidos procuram criar vínculos de coresponsabilidade com a população acompanhada, facilitando a identificação dos problemas de saúde dos indivíduos. A comunidade passa então a ser aliada na construção de uma vida mais saudável (BRASIL/MS, 2001a). Vale ressaltar que o acompanhamento realizado pela Equipe de Saúde da Família prevê uma série de atividades que ampliam o vínculo da população com os profissionais e aumentam a qualidade e abrangência do trabalho realizado. Esse acompanhamento configura, assim, uma concepção inovadora de trabalho, diferente do modelo biomédico tradicional, permitindo maior diversidade das ações e busca permanente do consenso e de comunicação horizontal entre os componentes da equipe (BRASIL/MS, 2001a). Desta forma, o processo de trabalho é baseado na interdisciplinaridade (integração de áreas técnicas diferentes), competência cultural (valorização dos diversos saberes e práticas possibilitando a criação de vínculos de confiança com ética, compromisso e respeito), integralidade (garantindo uma assistência contínua de acesso a recursos mais complexos) e intersetoriedade (integrando setores afins voltados para a promoção da saúde) (BRASIL/MS, 2005c). Assim sendo, a Estratégia Saúde da Família representa bem a porta de entrada de acesso à saúde para a maioria dos municípios brasileiros. Se funcionando adequadamente, tem respaldo para melhorar a qualidade de vida da sua população. Podemos notar a rápida expansão numérica em que se deu o PSF no Brasil, especialmente a partir de 1998 com ampliação quantitativa e geográfica da cobertura pelo progressivo aumento do número de municípios. 26 Gráfico 1 - Evolução do número de municípios com equipes de saúde da família implantadas entre 1994 e novembro de 2006 Fonte: BRASIL/MS (2006). A adesão dos municípios cresceu 448% entre 1998 e novembro de 2006 (de 1.134 municípios para 5.087 municípios com PSF), com um percentual de implantação neste momento de 92% dos municípios brasileiros. Para o mesmo período, 26.491 equipes estão implantadas, dando uma cobertura da população de 85 milhões de pessoas (BRASIL/MS, 2006). Sabemos que o escopo a ser estudado dentro dessa estratégia é imenso. Consideramos que, dentro da APS, a identificação de fatores de risco da população infantil é essencial para se buscar a promoção da saúde da criança. Vejamos a seguir, a proposta do MS para a Saúde da Criança na Atenção Primária. 1.4. A SAÚDE DA CRIANÇA De acordo com a Assembléia Mundial da Saúde realizada em Genebra no ano de 2003, o número de crianças e adolescentes que morreram em 2002 foi o dobro da soma das mortes de adultos pela Síndrome da Imunodeficiência Humana (Aids), tuberculose e malária. Em 2002, 10,8 milhões de crianças com menos de cinco anos morreram, sendo mais da metade delas por cinco tipos de doenças que podem ser prevenidas e desnutrição. Noventa por cento dessas mortes ocorreram em países em desenvolvimento (WHO, 2005a). 27 No Brasil, as principais causas de morte no primeiro ano de vida são as causas perinatais, a pneumonia e a diarréia, associadas à desnutrição Uma promoção da saúde integral da criança propicia a redução da mortalidade, bem como favorece uma melhor qualidade de vida, permitindo que a criança possa crescer e desenvolver todo seu potencial genético (BRASIL/MS, 2005). Embora os índices de mortalidade infantil tenham declinado na última década, eles ainda são altos, e, na maioria dos casos, os óbitos poderiam ser evitados se as gestantes e crianças fossem encaminhadas para um serviço de qualidade, com uma equipe profissional preparada para atender com eficiência e qualidade (BRASIL/MS, 2005). O Ministério da Saúde tem objetivado a promoção de políticas públicas diferenciadas para atender às necessidades de diversos segmentos populacionais, especialmente idosos, mulheres e crianças. Assim, a Coordenação de Atenção à Criança do Ministério da Saúde divulgou uma agenda de compromissos com a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil, a fim de orientar a todos os profissionais que lidam com a criança. Tratase de uma ferramenta de trabalho criada para ajudar gestores estaduais e municipais no processo de assistência à infância em seus vários níveis (BRASIL/MS, 2005). As principais estratégias de ações propostas pelo Ministério da Saúde na agenda da atenção integral à criança são direcionadas para a vigilância à saúde pela equipe de atenção básica, onde se espera uma postura ativa desse serviço, identificando situações de maior risco com ações estratégicas de visitas domiciliares para captação de usuários; prioridades para gestantes, puérperas, recém-nascidos, crianças menores de cinco anos e portadoras de deficiências, além daquelas egressas de internação. Segundo a agenda, caberá à equipe de atenção primária a vigilância do óbito materno, infantil e perinatal (BRASIL/MS, 2005). A capacitação teórico-prática e a supervisão da educação continuada das equipes da Saúde da Família são de fundamental importância para que os profissionais estejam aptos para os cuidados com a criança. Assim, o trabalho com a criança e a família pode ser realizado pela equipe multiprofissional. A referência de instrumento para capacitação é a proposta da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes da Infância (AIDPI)5. A seguir, levantaremos alguns pontos que consideramos importantes para o entendimento das propostas de Saúde da Criança na Atenção Primária. 5 BRASIL. Ministério da Saúde. AIDPI... (2003). Essa proposta será descrita mais adiante. 28 1.4.1. Saúde da criança na atenção primária Como a porta de entrada do sistema de saúde é preferencialmente a unidade básica de saúde ou a equipe de saúde da família, cabe a essa equipe o compromisso de acompanhar a criança, propiciando sua assistência e avaliando periodicamente os indicadores de saúde pactuados pelos gestores (BRASIL/MS, 2005). Segundo o MS (2001a), o Programa Saúde da Família contribuiu para diminuir a mortalidade infantil e a internação hospitalar, e para aumentar a quantidade de gestantes que chegam saudáveis e bem-informadas ao parto. Nas áreas cobertas pelo PSF, a redução da mortalidade infantil foi de 15,22% entre os anos de 1999 e 2001 (de 37,04 e 31,40 óbitos para mil nascidos vivo, respectivamente). Esses resultados estão relacionados sobretudo à queda de óbitos infantis por diarréia e infecção respiratória aguda. A vacinação desenvolvida pelas equipes de Saúde da Família ajudou a aumentar a cobertura das populações vulneráveis às doenças imunopreveníveis, o que também repercutiu na redução da mortalidade infantil. Verificou-se também um decréscimo de prevalência de desnutrição em menores de um ano, de 9,53% em 1999 para 6,63% em 2001, o que representa uma redução de 30,43% (BRASIL/MS, 2001a). A mesma pesquisa mostrou que, nas áreas assistidas pelo PSF, a prevalência do aleitamento materno exclusivo (AME) até quatro meses é maior que em outras áreas: 64,1% contra 35,6% da média nacional em 2001. Os profissionais da unidade primária devem estar preparados para cumprir a agenda de atenção à criança, citada anteriormente. No entanto, a capacitação desses profissionais nos preocupa. Trabalhos como o de Figueiras e colaboradores (2003), quando avaliaram conhecimentos e práticas relacionadas à vigilância do desenvolvimento da criança entre os profissionais que atuavam na atenção primária no município de Belém (PA), concluíram que médicos e enfermeiros da atenção primária desse município apresentavam deficiências nos conhecimentos sobre desenvolvimento infantil; sendo assim, a vigilância não era realizada de forma satisfatória. Kovacs e colaboradores (2005), ao buscarem conhecer a acessibilidade às ações básicas entre crianças atendidas em serviços de pronto-socorros públicos em Recife, concluíram que 88% dessas crianças eram cadastradas em unidades básicas de saúde, sendo 34,5% em unidade saúde da família e 42% em centro de saúde. Das que são cadastradas em PSF, mais da metade (56,8%) não utilizam os serviços da unidade. Os motivos alegados para 29 a escolha do atendimento em pronto-socorro foram: a qualidade geral do atendimento (boa referência, atendimento melhor, mais recursos e tratar bem as crianças); localização geográfica; qualidade da atenção médica (examina bem, passa remédio certo, solicita exame); disponibilidade de pediatra. No entanto, foi constatado que 63,5% das crianças apresentavam problemas passíveis de serem solucionados na rede APS. Esses autores identificaram as razões mais comuns para a não-utilização prévia dos serviços da APS: agendamento da consulta para o dia seguinte, não conseguir ficha, marcação pelo agente de saúde, excesso de demanda, ausência de médico e não dispor de pediatra. Essa forma inadequada de demanda repercute na qualidade da assistência prestada, comprometendo a integralidade da atenção, pois a contra-referência não é uma atividade habitual nesses serviços, que não mantêm articulação formal com a atenção primária (KOVACS et al., 2005). Após o atendimento hospitalar, deve-se garantir a continuidade de assistência à criança, por meio de comunicação com a equipe de saúde da família ou da unidade básica. Caberá à equipe a busca ativa ou visita domiciliar para garantir tal acompanhamento até a completa recuperação. A seguir, discutiremos outros atores determinantes da saúde, bem como a estratégia da AIDPI e a promoção da saúde infantil. 1.4.2.Outros fatores determinantes de saúde A saúde conceituada pela OMS, em 1948, como “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doença” nos remete ainda à idéia de um horizonte a ser perseguido. Poderíamos dizer que é uma construção permanente de cada indivíduo e da coletividade na luta de defender a vida, uma vez que ao longo de nossa existência estaremos diante do processo de saúde/doença, dependendo das condições de vida e sua interação com elas (STARFIELD, 2002). Não podemos compreender ou transformar a situação de saúde de um indivíduo ou de uma coletividade sem levar em conta sua relação com o meio físico, social e cultural. Entre os inúmeros fatores determinantes da condição de saúde, podemos citar os inclusos no terceiro artigo da Lei Orgânica da Saúde: Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o 30 trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 2005a, p. 1). O grande número de fatores ambientais que afetam a saúde humana é um indicativo da complexidade dessa interação, e a melhoria da saúde só pode ser atingida mediante os esforços conjuntos dos serviços de saúde, do setor público e privado, da comunidade e do indivíduo (OPAS, 2005). Com o avanço obtido no controle de doenças e melhor compreensão do conceito de saúde e de seus determinantes, a análise da situação sanitária passou a incorporar outras dimensões do estado de saúde, incluindo fatores ambientais, acesso aos serviços, qualidade da atenção e condições de vida. Por exemplo, o acesso ao saneamento básico é considerado fator importante no desenvolvimento socioeconômico dos países e na qualidade de vida das pessoas. Podemos considerar, como saneamento básico, o sistema de abastecimento de água (já que a água disponível com qualidade é uma condição indispensável à própria vida) e o esgotamento sanitário e coleta de resíduos sólidos. A falta de um adequado sistema de coleta, tratamento e destino dos dejetos é fator ambiental que, associado à água, é condição primária da alta incidência de doenças diarréicas, observada nos países em desenvolvimento e responsável pela morte de dois milhões de crianças por ano e novecentos milhões de episódios de doenças por ano (OPAS, 2005). O saneamento básico pode também potencializar os riscos de doenças infectoparasitárias e, por extensão, influenciar nos indicadores nutricionais, por sua precariedade. A influência do saneamento no meio, sob a forma de ausência de abastecimento de água e de esgotamento público, aumenta 2,5 vezes o risco de retardo de crescimento nas crianças (MONTEIRO, 1997 apud ROMANI e LIRA, 2004). A drenagem urbana de águas pluviais interfere com os demais sistemas de infraestrutura. A falta de um sistema adequado pode trazer transtornos à população com inundações e alagamentos, fazendo com que as águas a serem drenadas se misturem aos resíduos sólidos, esgotos sanitários e/ou fezes, propiciando aparecimento de doenças (OPAS, 2005). O grau de escolaridade é um elemento essencial a ser considerado na abordagem da população, quanto às práticas de promoção, proteção e recuperação da saúde. Algumas condições de atenção à saúde são influenciadas pelo nível de escolaridade dos responsáveis 31 pela condução da família, particularmente as condições de atenção à saúde da criança (BRASIL/MS, 2004d). Essa variável influi na determinação do crescimento infantil, por estar relacionado a uma melhor compreensão da prática dos cuidados infantis, além de contribuir para uma melhor oportunidade de emprego e, conseqüentemente, melhor nível salarial (MOLINA et al., 1989 apud ROMANI e Lira; MONTEIRO e FREITAS, 2000 apud ROMANI e LIRA, 2004). Entre os fatores socioeconômicos, a renda per capita desempenha importante papel no crescimento infantil, pois pode influenciar no estado de saúde e nutricional da criança, por meio de determinantes como: educação, moradia, saneamento, acesso aos serviços (imunização, estímulo à amamentação, acesso hospitalar) (ROMANI e LIRA, 2004). Nascer com peso inferior a 2.500g segundo Romani e Lira (2004), é um fator de risco expressivo para posterior retardo no crescimento das crianças, pois dificulta a amamentação e as torna mais vulneráveis à ocorrência de doenças freqüentes, repetidas e prolongadas, que podem deixar seqüelas ou conduzi-las à morte. Segundo a OMS, a capacidade de a criança se desenvolver e tornar-se um adulto produtivo é grandemente determinada por suas experiências na família e comunidade. As crianças ameaçadas por riscos ambientais têm sua saúde seriamente afetada. Mais de 40% das doenças atribuídas aos fatores de riscos ambientais atingem as crianças menores de cinco anos (WHO, 2005). O crescimento infantil é um dos melhores indicadores de saúde da criança, por se tratar de um processo dinâmico e contínuo, que reflete sua condição de vida no passado e no presente. Nos países em desenvolvimento, o atraso no crescimento inicia-se em geral no desmame, caracterizando o abandono progressivo do aleitamento e substituição por alimento de baixo valor nutricional, às vezes contaminado, propiciando maior risco a infecções gastrintestinais (ROMANI e LIRA, 2004). 1.4.3. Atenção integrada às doenças prevalentes na infância-AIDPI A Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância é uma estratégia que visa tanto a reduzir a morbi-mortalidade infantil quanto a melhorar a saúde da criança. Inclui intervenções no nível comunitário e no sistema público de saúde, e constitui uma das prioridades das políticas de saúde infantil do Ministério da Saúde com ênfase na atenção primária de saúde (BRASIL/MS, 2003b). 32 A proposta da AIDPI tem origem com a introdução, em países africanos e asiáticos, da estratégia denominada Integrated Management of Chilhood Illness (IMCI), que permitia ao pessoal de saúde desses países sistematizar a avaliação, classificação e tratamento das principais doenças infantis, evitando a perda de oportunidade de detecção e resolução dos problemas, além de dar ênfase à prevenção e à promoção da saúde infantil. Essa estratégia foi submetida a um pré-teste na Etiópia, em 1994, e ali também foram realizados treinamentos para consultores internacionais (WHO, 1997 apud FELISBERTO, 2001). Na América Latina, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) incorpora essa estratégia como política de saúde fundamental dos países em desenvolvimento para o alcance das metas da Cúpula Mundial em Favor da Infância, contribuindo para acelerar a efetiva implantação da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes da Infância no continente. O Ministério da Saúde do Brasil adotou a estratégia AIDPI a partir de 1995, através da capacitação de seus profissionais. Em seguida, promoveu a adaptação do material instrucional produzido pela OPAS/OMS às normas e diretrizes nacionais (FELISBERTO, 2001). A implantação da AIDPI no Brasil teve início em 1997 e está avançando rapidamente em vários estados brasileiros. A estratégia está sendo implantada no contexto do PSF, na forma de capacitação dos profissionais integrantes das equipes do Programa, a fim de facilitar sua execução por profissionais da saúde não-médicos e por médicos não-pediatras. No ano de 2001, todos os estados brasileiros e o Distrito Federal já haviam implantados a AIDPI (BRaSIL/MS, 2003b). No entanto, o próprio Ministério reconhece que a capacitação em AIDPI está crescendo muito mais lentamente do que a cobertura do PSF – desse modo, muitos municípios com PSF não possuem profissionais capacitados em AIDPI. A AIDPI propõe ações de promoção e prevenção, juntamente com ações assistenciais, levando ao crescimento e desenvolvimento saudáveis da população infantil, e ainda priorizando aquelas que vivem em países e regiões menos desenvolvidas e aos menores de cinco anos. Essa estratégia enfatiza a visão integrada da criança, ao invés de enfocar apenas uma doença ou uma condição individual (BRASIL/MS, 2003b). Não tem como objetivo estabelecer diagnóstico específico de doenças, mas sim avaliar sinais preditivos que possam definir a necessidade de encaminhamento urgente para unidade de maior resolutividade ou de se tratar no nível primário (FELISBERTO, 2001). Mais especificamente, a AIDPI tem como objetivos: reduzir a mortalidade e a gravidade pelas doenças prevalentes nas crianças menores de cinco anos, especificamente devido às infecções respiratórias agudas, diarréias e desnutrição; melhorar a qualidade da 33 atenção ao atendimento da criança nos serviços de saúde, reduzindo o uso inadequado e excessivo de tecnologias de diagnóstico e tratamento inadequados; introduzir aspectos de promoção e prevenção da saúde infantil na rotina de atenção dos serviços de saúde e expandir a ação integrada ao nível comunitário (WHO, 1997 apud FELISBERTO, 2001). Segundo o manual de capacitação das AIDPI (BRASIL/MS, 2003b), essa estratégia se alicerça em três pilares básicos. O primeiro é a capacitação dos recursos humanos no nível primário de atenção; o segundo trata da reorganização dos serviços de saúde, na perspectiva da AIDPI. Por fim, deve-se enfocar a educação em saúde na família e na comunidade, para que haja participação de todos na identificação, condução e resolução dos problemas de saúde dessa família, especialmente os menores de cinco anos. Amaral e colaboradores (2004) relatam que estão sendo avaliados cinco países, inclusive o Brasil, para determinar a efetividade, custo e impacto da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes da Infância. Nesse estudo foram observadas diferenças significativas entre profissionais com e sem treinamento em AIDPI, na avaliação da criança, classificação da doença, tratamento e na comunicação com os pais ou cuidadores. Mostrou também que enfermeiros treinados na estratégia mostraram desempenho tão bom quanto ou até melhor que médicos treinados em AIDPI, sugerindo que o treinamento deva ser implantado nos demais municípios. No entanto, pesquisa realizada por Freitas e colaboradores (2003), sobre a AIDPI nas unidades do PSF de Pernambuco (estado pioneiro na implantação do AIDPI), após três anos de implantação da capacitação, monitoramento e supervisão dos médicos e enfermeiros das equipes, concluiu ainda ser preocupante o baixo percentual na avaliação dos sinais de perigo, o que pode refletir na não-detecção dos casos mais graves. Caminhando com o foco na educação e promoção da saúde, podemos lembrar que promover saúde não implica necessariamente desenvolver ações inéditas, mas efetivamente é preciso redirecionar o enfoque das políticas públicas de saúde. 1.4.4.Promoção da saúde infantil A promoção da saúde deve percorrer um conjunto de ações e projetos em saúde, apresentando-se em todos os níveis de complexidade da gestão e da atenção do sistema de saúde (BRASIL/MS, 2005b). 34 Tendo em vista nosso compromisso ético com o cuidar da saúde de sujeitos e coletividades, precisamos pensar como a promoção da saúde pode nos auxiliar na geração de outros modos de atenção e gestão da saúde. Nesse sentido, o ponto de comunicação mais óbvio entre promoção de saúde e o SUS é o conceito ampliado de saúde. O processo de ampliação do conceito de saúde denota outras posturas, como diretrizes e propostas que se integram desde a formação dos profissionais de saúde, até a efetivação das práticas de cuidado à população, passando pelo comprometimento de gestores (CAMPOS, BARROS e CASTRO, 2004), na busca de seu fortalecimento e ampliação por meio de parcerias e da participação popular, considerando o conceito abrangente de melhoria da qualidade de vida e inserindo os componentes de comunicação e educação em saúde como qualificadores das práticas de saúde (BRASIL/MS, 2005d). A visão integrada da saúde da criança contempla não só seus aspectos orgânicos, mas também psicoafetivos e sociais (FIGUEIRAS et al., 2003). A Puericultura é a área da Pediatria voltada pra os aspectos preventivos e da promoção da saúde, que priorizam ações de saúde no lugar da doença. Dessa forma, atua na educação da criança e de seus familiares, através de orientações antecipatórias aos riscos de agravos à saúde. Para se desenvolver em sua plenitude, é necessário conhecer e compreender a criança em seu meio ambiente familiar e social, contextualizando sua situação socioeconômica, cultural. O médico que a pratica precisa relacionar o complexo saúde-indivíduo-família-comunidade e levá-los em conta para que tenhamos a chance de atingir todo seu potencial de crescimento e desenvolvimento e uma melhor qualidade de vida futura (DEL CIAMPO et al., 2006). Independentemente da faixa etária atendida, nosso objetivo é vigiar o crescimento físico, o desenvolvimento neuropsicomotor e intelectual, ampliar a cobertura vacinal, promover educação alimentar e nutricional, promover segurança e prevenção de acidentes (principalmente no ambiente doméstico), estimular a promoção e prevenção das doenças mais comuns na comunidade, promover higiene física, mental e prática das atividades de lazer adequadas às faixas etárias e, por fim, propiciar socialização, estimulação cultural e adaptação da criança no seu meio social. Entre as estratégias de promoção da saúde infantil do recém-nascido, destacamos o incentivo ao aleitamento materno. Segundo Barros e colaboradores (1994), a estratégia de promoção de aleitamento nas visitas domiciliares pós-parto, por profissionais da saúde, confirmou o conteúdo analisado por trabalhos citados pelos autores, aumentando a prevalência do aleitamento materno. 35 Promover saúde é, portanto, aceitar o imenso desafio de desencadear um processo amplo, que inclui a articulação de parcerias, atuações intersetoriais e participação popular, que aperfeiçoe os recursos disponíveis e garanta sua aplicação em políticas que respondam mais efetiva e integralmente às necessidades da sociedade (CAMPOS, BARROS e CASTRO, 2004). A promoção da saúde trabalha a mobilização comunitária, tentando romper o individualismo e buscando compartilhar os saberes técnicos e populares, a fim de construir estratégias na abordagem de problemas de saúde. Inclui espaços saudáveis no ambiente que vivemos que precisam estar integrados neste conceito (BRASIL/MS, 2005b). 1.5. AVALIAÇÃO EM SAÚDE As definições de avaliação são numerosas. Para Hartz (1997), avaliar consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo de ajudar na tomada de decisões. Esse julgamento pode ser resultado da aplicação de critérios e de normas (avaliação normativa) ou ser elaborado a partir de um procedimento científico (pesquisa avaliativa). Os objetivos oficiais de uma avaliação, ainda segundo a autora, devem ser: ajudar no planejamento e na elaboração de uma intervenção (objetivo estratégico), fornecer informação para melhorar uma intervenção no seu decorrer (objetivo formativo), determinar os efeitos de intervenção para decidir se ela deve ser mantida ou transformada de forma importante (objetivo somativo) e contribuir para o progresso do conhecimento, para elaboração teórica (objetivo fundamental). Segundo o Ministério da Saúde (2004a), processos de avaliação são ainda muito incipientes, não tendo sido incorporados às práticas dos serviços de saúde. Pires (2005) acredita que tal fato esteja relacionado com o desconforto gerado pela iminência do ato avaliativo, já que a maioria das pessoas cria expectativas negativas em relação a esse mecanismo. Como as práticas de saúde se desenvolvem em diversos níveis de complexidade, é possível fazer recortes dentro desse contexto (SILVA e FORMIGLI, 1994). Paralelamente, qualquer método ou técnica escolhido para realizar a avaliação será sempre limitado, por não dar conta dos complexos cenários que se propõe a retratar (PIRES, 2005). 36 Precisa-se da avaliação como meio para reconstruir formas de apreender, interpretar e participar de cotidianos, aperfeiçoando o cuidado como mediação inteligente da ajuda e poder (avaliar para conhecer e cuidar melhor) (PIRES, 2005, p. 77). A institucionalização da avaliação implica assumir novas responsabilidades – entre elas, a reflexão crítica sobre o cotidiano do trabalho –, trazendo com isso a transformação do conjunto de idéias, valores e práticas que caracterizam a cultura da organização. Tornar essa atividade regular constituirá importante instrumento de tomada de decisão a respeito de políticas públicas (FELICIANO, 2005). O processo avaliativo demanda: superação das resistências; capacitação de profissionais para a coleta, ordenamento e análise de dados; utilização dos dados advindos da avaliação; desenvolvimento de estratégias para atender a situações diferenciadas e definição sobre a quem compete executar as tarefas previstas (FELICIANO, 2005). Encontramos em Habicht, Victora e Vaughan (1999) apud Santos e Victora (2004) avaliações em três níveis de inferência causal: adequação, plausibilidade e probabilidade. A primeira é a mais simples e deve ser feita sempre antes de estudos mais complexos. Avalia se os objetivos foram alcançados antes de atribuí-los ao programa. A avaliação de plausibilidade verifica se os objetivos do programa foram alcançados, tendo em vista a incorporação do mesmo. Exige, para tanto, algum tipo de grupo-controle. O último tipo de avaliação, de probabilidade, estima qual a probabilidade estatística de o programa ter realmente efeito. Para Santos e Victora (2004), muitas decisões acertadas podem ser tomadas com base em análises de adequação e plausibilidade. Para eles, avaliações complexas, como por exemplo, sobre impacto de um programa, somente devem ser feitas se estudos mais simples tiverem mostrado que o programa está sendo adequadamente ofertado e que a cobertura populacional necessária foi atingida. Avaliações de adequação podem ser realizadas por meio de estudos longitudinais, a fim de avaliar tendências nos indicadores de impacto.6 Esta é a proposta deste trabalho. 6 O Ministério da Saúde disponibiliza bases de dados onde se podem retirar tipos básicos de indicadores. Estes servem para avaliar uma situação de saúde e as respostas produzidas para transformá-las. A OMS considera como indicadores de efetividade: a mortalidade, a morbidade, os demográficos, os socioeconômicos e ambientais e o saneamento. Se somados, estes podem avaliar o impacto sobre a situação de saúde (FIOCRUZ, 1988). Em relação aos chamados Sistemas Epidemiológicos, temos o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC), entre outros. Os mesmos contribuem para o processo de tomada de decisões ligadas às respostas a serem produzidas pelo sistema público. 37 Macinko, Guanais e Souza (2006), em seu estudo de avaliação do impacto do Programa Saúde da Família sobre a mortalidade infantil no Brasil, de 1990-2002, concluíram que esse programa está relacionado com a queda da mortalidade, embora não seja o único fator determinante. Destacam a evidência de que os serviços de cuidados primários têm significativo impacto e melhora sobre a saúde da criança, mas que não ocorreu de forma longitudinal em nível nacional. Sugerem que, como complemento, sejam feitos estudos de efetividade da expansão do PSF em nível municipal. 1.5.1. Avaliação na atenção primária à saúde O consenso da comissão de avaliação da atenção primária do MS é que “avaliação em saúde é um processo crítico-reflexivo sobre práticas e processo desenvolvidos no âmbito dos serviços de saúde” (BRASIL/MS, 2003c, p. 9). Embora seja um procedimento de natureza técnica, deve existir um processo de negociação entre os diversos setores sociais envolvidos (profissionais de saúde, gestores e usuários do sistema). Cabem ao gestor e às equipes de saúde o processo de avaliação e a responsabilidade de fazê-lo, assegurando mecanismos para participação democrática dos envolvidos. É importante reforçar que a avaliação, especialmente na atenção primária, não deve ter enfoque punitivo ou burocrático, devendo, portanto, reorientar as práticas e políticas em saúde (BRASIL/MS, 2003c). A avaliação deve ser incorporada de forma sistemática, além de propiciar a seus gestores as informações necessárias para estratégias de intervenção (SILVA e FORMIGLI, 1994). Uma grande quantidade de informações já é registrada regularmente pelos serviços. No entanto, no Brasil, ainda temos uma bizarra situação onde a produção de informações em saúde não é utilizada no cotidiano da gestão em saúde (FIOCRUZ, 1998). Felisberto (2004) enfatizou a necessidade de serem abertos espaços com vistas à discussão das bases e diretrizes para a promoção de uma cultura avaliativa, capaz de contribuir para a implementação de mecanismos e instâncias locais de avaliação da atenção primária. Tal cultura avaliativa também é útil no estabelecimento de padrões de qualidade para a mesma, partindo-se da estratégia Saúde da Família. Entre vários objetivos que orientam a proposta de avaliação na atenção primária, temos como proposta deste trabalho, avaliar o cumprimento da programação na atenção saúde da criança. 38 Medina e Aquino (2002) alegam que, ao levarmos em consideração o porte municipal, os cenários de instalação são distintos, já que nas cidades de pequeno porte um número pequeno de equipes permite alta cobertura da população. Sendo assim, eles questionam: como estariam a organização dos serviços e a saúde da população a partir da implantação do PSF? Para as autoras, o PSF é ambicioso na intencionalidade de produzir mudanças. Não apenas por intencionar modificação no quadro da saúde e da organização dos serviços, mas por querer transformar a racionalidade dos modelos assistenciais e a lógica de funcionamento de serviços, bem com a vinculação com a comunidade e a integralidade com os demais níveis de saúde. Acreditam que, apesar da complexidade, dificuldades e desafios, é cada vez mais pertinente a necessidade de avaliação de programas e serviços de saúde, pois por meio desta poderemos contribuir na compreensão e aperfeiçoamento das intervenções (MEDINA e AQUINO, 2002). Medina e Aquino (2002) chamam a atenção para a baixa qualificação dos recursos humanos para manejar, analisar e interpretar as informações produzidas no cotidiano, o que pode comprometer a qualidade da informação. Desta forma, o despreparo das equipes das unidades básicas para lidar com os dados coletados acaba por transformar essas informações em ritos administrativos, de tal forma que os mesmos são encaminhados para outros níveis organizacionais sem que sejam analisados e utilizados pelo nível local. Essas informações, se analisadas de modo contínuo, poderão ser utilizadas para o monitoramento das ações implementadas, o que indicaria um estágio mais avançado de organização dos serviços de saúde, onde estimulariam a melhoria da qualidade da informação e cumpririam o objetivo de planejar as ações de acordo com os resultados alcançados (SILVA e FORMIGLI, 1994). A implementação da atenção primária à saúde pelo município tem propiciado o surgimento de uma diversidade de contextos locais, o que torna indispensável avaliar processos e resultados intermediários que possam evidenciar a ocorrência (ou não) de mudanças significativas, assim como contribuir para uma posterior validação do impacto (FELICIANO, 2005, p. 88). Torna-se então necessário desenvolver instrumentos e qualificar profissionais envolvidos no processo avaliativo, nas três esferas de governo. Ressalta-se a importância do feedback da informação e dos processos de avaliação para os setores de saúde envolvidos e para os profissionais de saúde que trabalham na ponta, para que o envolvimento seja completo 39 e aconteça mudança efetiva. O aperfeiçoamento dos mecanismos de divulgação das pesquisas por estados e municípios também se faz necessário (BRASIL/MS, 2003c). No âmbito nacional, os principais instrumentos de acompanhamento e avaliação da atenção primária são os Sistemas de Informação da Atenção Básica (SIAB) e o Pacto de Indicadores da Atenção Básica (BRASIL/MS, 2003c). “O Pacto precisa deixar de ser um instrumento burocrático de prestação de contas dos estados e municípios ao Ministério da Saúde” (BRASIL/MS, 2003c, p. 29). 1.5.2.Pacto de indicadores O Pacto de Indicadores foi instituído pelas Portarias GM/MS nº 3.925/1998 e 476/1999, que regulamentam o processo de acompanhamento e avaliação da atenção primária (BRASIL/MS, 2003a). Os indicadores têm sido os principais instrumentos de acompanhamento e avaliação, de abrangência nacional, capazes de analisar o desempenho do sistema de saúde, possibilitando uma melhoria da qualidade dos serviços de informação. Constituem a principal ferramenta no processo avaliativo da gestão do SUS, no que se refere à atenção primária, destacando-se na avaliação e qualificação da gestão municipal e estadual (BRASIL/MS, 2001). São instrumentos de acompanhamento das responsabilidades mínimas atribuídas aos municípios habilitados (BRASIL/MS, 2003c). O Pacto de indicadores é estabelecido entre as três esferas de governo e vem sofrendo alterações numa tentativa de aprimoramento técnico (BRASIL/MS, 2003a). Essas mudanças têm acontecido em função da busca constante de indicadores representativos para a avaliação da atenção primária. Objetiva a identificação das necessidades de saúde, o estabelecimento de prioridades e desenvolvimento de metodologias para o processo de monitoramento e avaliação nos três níveis de gestão do SUS (BRASIL/MS, 2001). O próprio Ministério da Saúde é sabedor da existência de algumas críticas em relação aos indicadores de resultado existentes no Pacto. Eles não discriminam os efeitos esperados das intervenções, em relação às subdivisões, promoção, prevenção e cura – ou seja, não é possível, a partir da análise dos indicadores, concluir que dimensões estão sendo priorizadas (BRASIL/MS, 2003c). 40 Em relação às ações programáticas, os indicadores do pacto avaliam as ações e problemas que mais vêm sendo assistidos pelos serviços de ações básicas, como da saúde da criança, da mulher e controle de doenças como diabetes e hipertensão (BRASIL/MS, 2005). Sabemos que outros elencos de ações básicas, como saúde mental, ambiental e intersetoriais de combate à violência não estão contemplados. Por meio do Pacto de Indicadores, não há como avaliar a coerência das práticas desenvolvidas pela atenção primária, com base nos princípios do SUS. Os indicadores do servem principalmente para revelar situações críticas de um elenco mínimo de ações básicas definido pela NOAS. No entanto, esse elenco é insuficiente para mostrar mudanças nos modelos de atenção e gestão no sentido da promoção da saúde e qualidade de vida (VIACAVA et al, 2004). Apesar das limitações expostas acima, a Comissão de Avaliação da Atenção Básica busca fortalecer e aprimorar o como instrumento de avaliação, bem como incluir análise sistemática dos indicadores provenientes dos sistemas de informação de base nacional, para monitorar e elaborar estudos avaliativos (BRASIL/MS, 2003c). Embora tenha limitações, o tem um papel indutor e inovador como proposta avaliativa (MEDINA e AQUINO, 2002). Destacamos a seguir os indicadores de avaliação da Saúde da Criança presentes no de 2005. Quadro 1 - Indicadores da saúde da criança pactuados pelo Ministério da Saúde em 2005 Indicadores Principais Município c/ menos 80 mil habitantes X Municípios c/ 80 mil ou mais habitantes Estado X X X X X X X X X X X X 1. Número absoluto de óbitos menores de um ano idade 2. Taxa de Mortalidade Infantil 3. Proporção de nascidos vivos com baixo-peso ao nascer 4. Proporção de óbitos em menores de um ano de idade por causa mal definidas 5. Taxa de internações por Infecção Respiratória Aguda em menores de 5 anos de idade 6. Homogeneidade de cobertura vacinal por tetra valente em menores de um ano de idade Indicadores Complementares 7. Número absoluto de óbitos neonatais 8. Taxa de mortalidade neonatal Fonte: Pacto de Atenção Básica 2005 (BRASIL/MS, 2005a). X X X X X Destacamos a importância da avaliação de efetividade por meio de indicadores de morbi-mortalidade do grupo infantil que, analisados temporal e regularmente, podem fornecer indicativos de modificações esperadas ou não, o que é uma proposta deste estudo. 41 A comissão de avaliação da atenção básica (BRASIL/MS, 2003a) propõe ainda uma matriz de indicadores a serem pactuados pelos entes federados. Nossa proposta é reunir indicadores que possam nos auxiliar na busca da efetividade7, aqui definida como grau com que assistência, serviços e ações atingem os resultados esperados. Evidenciamos a seguir a matriz de indicadores proposta para a análise da saúde da criança no município, em conjunto com os indicadores já citados. As definições, métodos de cálculo, comentários e limitações dos mesmos serão feitos posteriormente, na Metodologia. Quadro 2 - Dimensão, indicadores, unidade de análise e fonte a serem analisados em Três Rios. DIMENSÃO INDICADORES UNIDADE DE FONTE ANÁLISE Socioeconômicos e Ambientais *Taxa de analfabetismo *IDH municipal *Escolaridade materna *Saneamento básico: abastecimento esgotamento sanitário; coleta de lixo. de água; *Evolução da cobertura da população do PSF e da população infantil menores de cinco anos *Evolução da cobertura do pré-natal Atenção Primária à *Prevalência de desnutrição em menores de 1 ano de Saúde idade e entre 12 e 23 meses de idade *Percentual de aleitamento materno exclusivo em menores de 4 meses * Percentual de TRO e TMI por DDA IDH-Índice de Desenvolvimento Humano SIAB - Sistema de Informação da Atenção Básica SINASC - Sistema de Informação de Nascidos Vivos PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano TRO -Terapia de Reidratação Oral TMI – Taxa de Mortalidade Infantil DDA – Doença Diarréica Aguda 7 Municipal PNUD SINASC SIAB Municipal SIAB Fonte: PRO-ADESS. Desenvolvimento de metodologia de avaliação do desempenho do sistema de saúde brasileiro. Relatório Final, Rio de Janeiro, 2003. 42 1.6. O MUNICIPIO DE TRÊS RIOS: CENÁRIO DE ESTUDO 1.6.1. Localização e dados demográficos Três Rios apresenta seu nome numa clara conotação aos três mais importantes rios que cortam seu território: Paraíba do Sul, Piabanha e Paraibuna (PMTR, 2005). Possui uma área de 325km2, localizada na região Centro-Sul do Estado do Rio de Janeiro, distante 121 km da capital, Rio de Janeiro. No último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000), a população de Três Rios teve uma taxa média de crescimento anual de 1,01%, passando de 65.961 em 1991 para 71.976 em 2000. A taxa de urbanização cresceu 0, 93, passando de 92,71% em 1991 para 93,57% em 2000 (ATLAS, 2000). Segundo o IBGE, a estimativa populacional para 2005 é de 75.744 habitantes, sendo sua população predominantemente jovem, mais de 52% com menos de trinta anos. A população infantil (de menores de catorze anos) foi estimada para o mesmo ano em 19.727 e em 6.523 (8.61%) menores de cinco anos. De acordo com o estudo da análise da saúde da família no Brasil (BRASIL/MS, 2006) o porte populacional de Três Rios é intermediário, população entre vinte e oitenta mil habitantes. 1.6.2.Aspectos econômicos Levando em consideração o Índice de Qualidade dos Municípios (IQM) do Estado do Rio de Janeiro, composto por 92 municípios; Três Rios caiu da 8ª posição no ranking em 1998 para a 17ª, em 2005. O IQM é uma pesquisa realizada pelo Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (CIDE), órgão ligado à Secretaria de Estado de Planejamento e Controle. A classificação geral do IQM é obtida a partir de sete grupos (ou cestas) de indicadores, que abordam aspectos das condições básicas consideradas necessárias para o desenvolvimento do município. São eles: dinamismo, centralidade e vantagem locacional, riqueza e potencial de consumo, qualificação de mão-de-obra, facilidades para negócios, infra-estrutura para grandes empreendimentos e cidadania. São levados em conta vários aspectos: comércio local, concessionárias de veículos, transporte urbano, estadual e 43 interestadual, educação, número de escolas e grau de instrução, setor de saúde, número de hospitais, leitos hospitalares, consumo de energia elétrica, potencial econômico, rede bancária, órgãos públicos, cultura, lazer, segurança e todos os setores envolvidos no desenvolvimento do município (PMTR, 2005; CIDE, 2005). 1.6.3.Aspectos sociais: educação A taxa de analfabetismo tem caído e a proporção da população residente alfabetizada tem aumentado em todas as faixas etárias nos últimos anos. A taxa média de estudo está em torno de seis anos (ATLAS, 2000). No período 1991-2000, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) Municipal (IDHM) de Três Rios cresceu 7,86%, passando de 0,725 em 1991 para 0,782 em 2000. A dimensão que mais contribuiu para esse crescimento foi a educação, com 43,4%, seguida pela renda, com 43,4% e pela longevidade, com 13,3%. Está entre as regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8) (ATLAS, 2000). A rede de ensino é composta por 29 escolas municipais, 15 escolas da rede estadual e 16 na rede particular. O ensino técnico é disponibilizado através da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado (FAETEC) do Rio de Janeiro, com cursos de informática, inglês e espanhol. A Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro (UFRRJ) se faz presente com as Faculdades de Administração de Empresas e Ciências Contábeis, em convênio com a Fundação Educacional de Três Rios (FETRI). Três Rios conta com uma casa de cultura, um teatro, uma banda – Grêmio Municipal Primeiro de Maio – um coral municipal e duas bibliotecas públicas. 1.6.4. Saúde O plano municipal de saúde (PMS) de 2005 preconiza a unificação dos serviços públicos de saúde sob a responsabilidade do município (SMS, 2005). A Policlínica Walter Gomes Franklim e a Policínica Hélvio Tinoco atuam como unidades básicas de saúde. O Programa Saúde da Família contou, ao final de 2005, com 19 unidades saúde de da família. O Programa Saúde da Família visa a reorganizar a atenção à saúde junto à população, 44 sintetizando o conceito de saúde como qualidade de vida e direito do cidadão. As 19 equipes são compostas por equipe multidisciplinar, de acordo com a proposta do Programa. Segundo a coordenação do PSF do município, a cobertura é de 86,5%da população para o ano de 2005, com previsão para instalação de mais nove unidades para cobertura de 100% da população. A unidade de Bemposta, devido à distância do centro do município, possui serviços especializados. No indicador municipal da atenção básica, o percentual de população coberta pelo PSF em 2005 é de 61,5%. (DATASUS, 2005). A Policlínica Walter Gomes Franklim, localizada no centro da cidade, funciona como referência para atendimento de Programas de Saúde – Diabetes, Hipertensão Arterial, Saúde da Mulher, Educação Escolar, Doença Sexualmente Transmissível (DST), Tuberculose e Hanseníase, Sistema de Informação de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), Programa do Idoso) –, setor de psicologia, fonoaudiologia, avaliação neuropsicomotora, imunização, assistência social, controle de vetores, fiscalização sanitária e especialidades médicas. Dispõe de laboratório de análises clínicas, central de medicação, central de internação regional, central de regulação dos fluxos de referência e contra-referência intermunicipal para alta complexidade. É a sede do setor administrativo de toda a Secretaria de Saúde. Apresenta também serviço de urgência de média e pequena complexidade, que funciona por 12 horas diariamente. A Policlínica Municipal Hélvio Tinoco funciona no bairro de Vila Isabel e dispõe de unidade de pronto-socorro 24 horas para média e pequena complexidade; oito horas de atendimento ambulatorial (psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, clínica médica, cardiologia, pediatria, ginecologia, dermatologia, otorrinolaringologia, odontologia e exames especializados). Apresenta também farmácia básica e central de ambulâncias. A rede hospitalar de saúde no município é formada por um hospital geral filantrópico com pronto-socorro geral e pediátrico e rede ambulatorial das diversas especialidades. Há um hospital psiquiátrico e uma clínica para atendimento de urgência, emergência, ambulatórios e internações. Todos conveniados com o SUS. No total, oferecem 20 leitos pediátricos. O município de Três Rios atua como referência especializada para terapia renal substitutiva (hemodiálise), hemoterapia e na área hospitalar de maior complexidade dentro da sua região. Em geral são encaminhados os procedimentos em oncologia, cirurgia cardíaca, cardiopatia congênita, ortopedia complexa, hematologia, Unidade de Terapia Intensiva neonatal e pediátrica. 45 Todos os exames de patologia e imagem são feitos no município, à exceção da ressonância magnética. DESAFIO A SER VENCIDO Embora Três Rios seja uma cidade localizada num entroncamento rodo-ferroviário e mantenha uma proximidade com cidades universitárias como: Rio de Janeiro (RJ), Vassouras (RJ), Valença (RJ), Volta Redonda (RJ), Petrópolis (RJ), Teresópolis (RJ) e Juiz de Fora (MG), não apresenta um centro acadêmico nem grupo organizado de pesquisa e controle epidemiológico para acompanhar as mudanças na saúde da população trirriense. Para Hartz e Camacho (1996), é preciso avançar nessa área de pesquisa, dado que a maioria dos alunos de pós-graduação dos municípios do interior do país não está vinculada a instituições de pesquisa, e sim a serviços de saúde, o que reforça a importância de desenvolver modelos apropriados para as políticas locais de saúde. A especificidade da APS frente às características locais onde é implantada exige a criação de conhecimento próprio sobre a situação de saúde da população, suas possíveis intervenções e a avaliação de resultados (HARZHEIM et al., 2005). Como a avaliação na esfera municipal ainda é pouco incorporada às práticas dos serviços, pretendemos com esta pesquisa oferecer um instrumento de suporte ao processo decisório, bem com estimular a criação de grupos ou de estruturas municipais capazes de avaliar e monitorar, no âmbito da atenção básica. Na realidade, seria um primeiro passo para a identificação dos problemas infantis, visando a contribuir no planejamento estratégico de ações na saúde da criança do município. Percebemos que no momento da implantação do PSF no município, dois tipos de profissionais foram atuar – os recém-formados e os de “final de carreira” – e que a seleção destes era apenas política, não havendo a preocupação em buscar a qualificação dos mesmos para exercer medicina de família. Seis anos se passaram e precisamos avaliar como as ações da saúde da criança estão sendo desenvolvidas sob a nova ótica do PSF. Como a reorganização da porta de entrada aos serviços de saúde, cujos pressupostos de atuar com ações preventivas e de promoção da saúde, podem estar atuando nos indicadores da saúde da criança? Quem são hoje os profissionais que atuam no PSF do município? A preocupação especial com a criança é necessária para um futuro saudável, no qual é preciso investir, sobretudo com a mudança do perfil populacional brasileiro (que está 46 envelhecendo). Para se chegar a um idoso e adulto saudável, precisamos criar uma criança saudável, que esteja não apenas com ausência de doença, mas também emocionalmente equilibrada, socialmente integrada à família e à comunidade. Segundo Felisberto (2001), as ações executadas na assistência à saúde infantil, embora limitadas, precisam ser desenvolvidas no limite máximo de suas possibilidades, aperfeiçoando seu poder de resolução diante dos problemas prevalentes e relevantes. 47 2. OBJETIVOS 2.1. OBJETIVO GERAL Realizar um diagnóstico local da Saúde da Criança no Município de Três Rios após a implantação do Programa Saúde da Família. 2.2.OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1- Analisar a evolução dos indicadores da saúde da criança pactuados pelo Ministério da Saúde, em menores de cinco anos, após implantação do PSF no município de Três Rios. 2- Analisar a evolução dos indicadores socioeconômicos, ambientais e da atenção primária disponíveis no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e outras fontes de informações estatísticas oficiais, tais como IBGE, PNUD, DATASUS, como determinantes de saúde da população trirriense. 3- Identificar o perfil dos profissionais médicos e enfermeiros, que atuam no Programa Saúde da Família no município; quais as ações estão sendo desenvolvidas para a Saúde da Criança e analisar qualitativamente a auto-referência desses profissionais sobre o trabalho no PSF em relação ao atendimento infantil. 48 3. METODOLOGIA O presente estudo foi realizado com metodologia quantitativa e qualitativa de forma complementar, visando a buscar respostas sobre a atenção à saúde da criança que vem sendo oferecida aos menores de cinco anos no município de Três Rios, a partir da implantação do Programa Saúde da Família. Segundo Minayo (2004), o emprego de métodos combinados não os opõe; pelo contrário, eles se complementam e interagem. Além disso, o uso de métodos combinados permite suprir lacunas e tornar mais completa a coleta de informações realizadas em campo (VICTORA, 2000). O município de Três Rios/RJ foi o local de pesquisa, por ser a cidade onde a pesquisadora reside e trabalha. 3.1. ABORDAGEM QUANTITATIVA Foi realizado um estudo de séries temporais relacionados aos indicadores pactuados pelo Ministério da Saúde na atenção básica da saúde da criança em menores de cinco anos residentes no município de Três Rios. Também foram analisados outros indicadores de dimensão socioeconômica, ambiental e relacionados à gestação e à criança. Todos os dados foram selecionados no período compreendido entre 1999 e 2005, dos seguintes sistemas: Sistema de Informações de Nascidos Vivos, Sistema de Informação de Mortalidade, Sistema de Informação da Atenção Básica, Sistema de Informação Hospitalar e Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil (disponibilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 3.1.1. Fontes de informações a) Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC) 49 O SINASC permite que geremos informações sobre nascidos vivos no país, com dados sobre gravidez, parto e condições da criança ao nascer8. Atualmente, são considerados como nascidos vivos de risco aqueles que: têm baixo-peso ao nascer (menos que 2.500 gramas), idade da mãe menor do que 17 anos; idade gestacional menor que 37 semanas, (prematuridade), nível de escolaridade da mãe menor do que o primeiro grau e o número de consultas de pré-natal freqüentadas pela mãe inferior a sete consultas (FIOCRUZ, 1998). A partir desse sistema, selecionamos as variáveis de risco relacionadas à gravidez e às condições do recém-nascido. b) Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) O SIM é o mais antigo sistema de informação de saúde em funcionamento no país. A operacionalização do sistema se dá pelo preenchimento da Declaração de Óbito (DO) padronizada nacionalmente. Apesar de ser um dos sistemas mais consolidados e confiáveis do país, apresenta problemas relativos à subnotificação dos óbitos, principalmente de crianças menores de um ano (BARROS et al, 1985). Estima-se em 20% o sub-registro de óbitos, chegando a 40% nas regiões Norte e Nordeste (RIPSA, 2002). A partir desse sistema, selecionamos as variáveis de óbitos em menores de um ano de idade. c) Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) O SIAB foi implantado em 1998 e é um sistema que pode ser considerado inovador. Reúne as informações coletadas de forma diferenciada pelos agentes comunitários e pelas equipes do Programa Saúde da Família, com dados que, em geral, existem em diversos outros sistemas. Esses dados se baseiam no cadastro das famílias acompanhadas e incluem informações demográficas, socioeconômicas, ambientais e culturais, além das relativas à morbidade e à mortalidade. Sua metodologia de coleta se dá a partir de uma busca ativa da informação, por meio do trabalho cotidiano da equipe, garantindo uma boa sensibilidade de seus indicadores. Foi desenvolvida como instrumento gerencial dos sistemas locais de saúde. É o principal instrumento de monitoramento das ações do Programa Saúde da Família. d) Sistema de Informação Hospitalar (SIH) O SIH/SUS reúne informações sobre 60 a 70% das internações hospitalares realizadas no país. O documento básico é a Autorização de Internação Hospitalar (AIH), que habilita a 8 As condições da criança ao nascer, na Declaração de Nascidos Vivos (DN), são fornecidas pelo peso, estatura, índice de Apgar, idade gestacional e se possui ou não anomalias congênitas. 50 internação do paciente e gera valores para o pagamento. A abrangência do sistema está limitada às internações no âmbito do SUS, excluindo, portanto, as que são custeadas diretamente ou cobertas por seguro-saúde (RIPSA, 2002). Embora não possua mecanismos para produção de relatórios voltados para o perfil da morbidade hospitalar, suas informações permitem obter indicadores referentes a esse perfil, se utilizarmos outros softwares, como o Epi Info. Com os dados trabalhados, suas informações favorecem atividades de controle, avaliação e vigilância epidemiológica em âmbito nacional, além de permitir estudos e pesquisas em saúde pública. e) Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil O Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil é um banco de dados eletrônico cujo objetivo é aumentar a capacidade de análise sobre as informações socioeconômicas relevantes dos municípios brasileiros e das unidades da Federação. Dentre as informações disponíveis, destacamos o Índice do Desenvolvimento Humano Municipal: longevidade, educação, renda, escolaridade, habitação e características físicas do território. O Atlas é uma ferramenta que permite diagnosticar diferentes dimensões de acessos a bens públicos e serviços básicos e, desta forma, acompanhar as políticas públicas dos municípios (ATLAS, 2000). f) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) O IBGE se constitui no principal provedor de dados e informações do país, atendendo às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal (IBGE, 2006). É o órgão responsável pelas estatísticas oficiais do país, oferecendo ao governo e ao público dados sobre a situação econômica, demográfica, social e ambiental. Seu acervo de informações encontra-se disponível em publicações impressas e eletrônicas. Os indicadores de saúde da criança empregados na análise que nos propomos a fazer estão discriminados abaixo. As fórmulas podem ser visualizadas no Anexo 1. 3.1.2. Indicadores da saúde da criança pactuados pelo Ministério da Saúde a) Número absoluto de óbitos menores de um ano de idade e taxa de mortalidade infantil 51 A mortalidade infantil é o termo usado para designar os óbitos de crianças menores de um ano de idade ocorridos em determinado local e período. O indicador utilizado para sua mensuração é a taxa de mortalidade infantil (TMI), definida como o número de óbitos de menores de um ano de idade por 1.000 nascidos vivos, em determinado local e período (Fórmula 1 - Anexo 1). Estima o risco de um nascido vivo morrer durante seu primeiro ano de vida. As taxas de mortalidade infantil são geralmente classificadas em altas (50 ou mais), médias (20-49) e baixas (menos de 20), em função da proximidade ou distância de valores já alcançados em sociedades mais desenvolvidas, o que varia com o tempo (PEREIRA, 1995). A tendência de queda das taxas de mortalidade infantil exige a revisão periódica desses valores. Quando a taxa de mortalidade infantil é alta, o componente pós-natal é predominante. Quando a taxa é baixa, seu principal componente é a mortalidade neonatal, com predomínio para a mortalidade neonatal precoce (RIPSA, 2002). As causas de mortalidade infantil no Brasil se alteraram ao longo das últimas décadas. Na década de 80, as principais causas de óbitos estavam relacionadas às doenças infectocontagiosas, que sofreram um declínio nas décadas seguintes, especialmente as imunopreveníveis. Em contrapartida, houve aumento crescente, em importância das causas perinatais, que são decorrentes de problemas durante a gravidez, parto e nascimento, respondendo por mais de 50% das causas de óbitos no primeiro ano de vida (BRASIL/MS, 2004). A taxa de mortalidade infantil no Brasil vem declinando nos últimos anos. Entre 1996 e 2000, a redução foi de 20,5%. Entre 2000 e 2004, a redução foi de 15,9%. Estudo produzido pelo Ministério da Saúde mostrou que o Programa Saúde da Família e PACS podem ter tido impacto significativo na queda da mortalidade infantil no Brasil, no período de 1991 a 2002: para cada aumento de 10% da cobertura do PSF, a mortalidade infantil caiu 4,5% (BRASIL/MS, 2006b; MAKINKO, GUANAIS e SOUZA, 2006). Mas há consistente tendência de redução da mortalidade infantil em todas as regiões brasileiras, refletindo melhoria nas condições de vida, declínio de fecundidade e o efeito de intervenções públicas nas áreas de saúde, saneamento e educação (RIPSA, 2002). Para municípios com população inferior a 80.000 habitantes, além da TMI, deve-se utilizar o número absoluto de óbitos de menores de um ano de idade, em determinado local e período, para indicar a TMI. Essa diferenciação foi adotada pelo Pacto de indicadores, porque a TMI tem grande oscilação em populações pequenas, quando se avalia um período curto de 52 tempo, como um ano. Assim, cada óbito infantil tende a provocar grandes variações na taxa, sendo importante o uso de números absolutos, justificando esses dois indicadores para municípios com menos de 80 mil habitantes (BRASIL/MS, 2005a). b) Número absoluto de óbitos neonatais e taxa de mortalidade neonatal São indicadores complementares de mortalidade infantil. O indicador utilizado para sua mensuração é a taxa de mortalidade neonatal, definida como o número de óbitos de crianças menores de 28 dias ocorridos em determinado local e período por mil nascidos vivos no mesmo local e período (Fórmula 2 - Anexo1). Em geral está relacionado às causas perinatais ou congênitas, ligadas ao patrimônio genético, gestação, parto e fatores ligados à saúde materna (BRASIL/MS, 2005a). Podemos dividir os componentes da mortalidade infantil em: mortalidade neonatal precoce, tardia e pós-neonatal. A mortalidade neonatal precoce (0 a 6 dias de vida) estima o risco de um nascido vivo morrer durante a primeira semana de vida. A mortalidade neonatal tardia (de 7 a 27 dias de vida) estima o risco de um nascido vivo morrer no período considerado. Taxas elevadas de mortalidade neonatal precoce e tardia estão relacionadas a más condições de saúde da mãe e insatisfatória assistência pré-natal, ao parto e ao recémnascido. A mortalidade pós-neonatal (de 28 a 364 dias de vida) reflete, de maneira geral, baixos níveis de saúde e de desenvolvimento socioeconômico. Tem-se observado no país, uma mudança na distribuição dos componentes da mortalidade infantil, ocorrendo aumento do componente neonatal precoce e redução do pósneonatal (BRASIL/MS, 2004). c) Proporção de óbitos em menores de um ano de idade por causas mal definidas Mortalidade infantil por causas mal definidas é o termo usado para designar os óbitos de crianças menores de um ano de idade por causas mal definidas, sofridas num determinado local e período (Fórmula 3 - Anexo 1). Os óbitos por causas mal definidas correspondem ao Capítulo XVIII do Código Internacional de Doenças (CID)-10: “Sintomas, Sinais e Achados Anormais de Exames Clínicos e de Laboratório Não Classificados em Outra Parte” (BRASIL/MS, 2005a). Essa proporção avalia o grau de qualidade da informação sobre causas de morte. Percentuais elevados sugerem deficiências na declaração das causas de morte. Está condicionada pela disponibilidade de recursos médico-assistenciais, inclusive para 53 diagnóstico e avaliação da qualidade das estatísticas de mortalidade e das condições de prestação de serviços de saúde (BRASIL/MS, 2005a). d) Proporção de nascidos vivos com baixo-peso ao nascer Por meio do número de recém-nascidos (RN) com baixo-peso ao nascer, podemos obter o indicador pactuado na Saúde da Criança, a proporção de nascidos vivos com baixopeso ao nascer (Fórmula 4 - Anexo1). Esse indicador reflete a proporção de nascidos vivos com peso ao nascer inferior a 2.500 gramas, dentre os nascidos vivos em determinado local e período. Compreende o registro da primeira pesagem do recém-nascido, constante da Declaração de Nascido Vivo (BRASIL/MS, 2005a). Deve-se utilizar a informação de nascidos vivos por procedência da mãe (de residência) e não por local de ocorrência do nascimento, a fim de reduzir o viés decorrente da transferência de RN de cidades onde essas crianças teriam maior risco (BRASIL/MS, 2005a). A ocorrência de baixo-peso ao nascer expressa retardo do crescimento intra-uterino ou prematuridade, refletindo a qualidade dispensada à gestante, bem como os fatores de risco a que está exposta, permitindo identificar situações de risco e direcionamento de políticas e programas próprios (FRANCESCHINI et al., 2003). Esse baixo-peso representa também importante fator de risco para a morbi-mortalidade neonatal e infantil, por ser preditor de sobrevivência infantil. Além dos riscos elevados de adoecer e morrer durante o primeiro ano de vida, seus efeitos se estendem sobre o crescimento e desenvolvimento infantis, demandando intensivo uso de serviços de saúde (LEAL, GAMA e CUNHA, 2006). Valores percentuais em torno de 5 a 6% são encontrados em países desenvolvidos, e convenções internacionais estabelecem que essa proporção não deve ultrapassar 10% (BRASIL/MS, 2005a). e) Taxa de internações por infecção respiratória aguda (IRA) em menores de cinco anos de idade A taxa de internação por IRA é a ocorrência de internações hospitalares por infecção respiratória aguda na população residente de menores de cinco anos, pagas pelo SUS, em determinado local, no ano considerado (Fórmula 5 - Anexo1) (BRASIL/MS, 2005a). 54 Os códigos de procedimentos do SIH/SUS para identificação da causa de internação por IRA são preestabelecidos. São consideradas as internações por procedência da criança (município de residência) e não de ocorrência da internação (BRASIL/MS, 2005a). Essa taxa de internação mede o risco de crianças menores de cinco anos de idade serem internadas por IRA no SUS (BRASIL/MS, 2005a). Altas taxas de internação neste grupo sugerem condições assistenciais insatisfatórias ao grupo infantil, isto é, uma precariedade no acesso e na qualidade dos serviços de saúde, principalmente os de atenção básica, oferecidos à população (BRASIL/MS, 2005a). f) Homogeneidade de cobertura da vacina tetravalente em menores de um ano de idade Em 1973 foi formulado o Programa Nacional de Imunizações (PNI), por determinação do Ministério da Saúde, com o objetivo de coordenar as ações de imunizações, que se caracterizavam, até então, pela descontinuidade, pelo caráter episódico e pela reduzida área de cobertura. A vacina tetravalente é a associação da vacina tríplice (difteria, tétano e coqueluche) à anti-hemófilus. Passou a ser aplicada no país a partir de 2001 (BRASIL/MS, 2006b). A homogeneidade de cobertura da vacina é medida pela proporção de crianças menores de um ano de idade que receberam a terceira dose da vacina dentre o total de crianças da faixa etária, em determinado local e período (Fórmula 6 - Anexo 1). A proposta é que as crianças a recebam aos 2, 4 e 6 meses de idade. O Ministério preconiza como parâmetro de cobertura, para municípios e estados, a meta de 95% ou mais das crianças menores de um ano de idade vacinadas (BRASIL/MS, 2006b). 3.1.3. Outros indicadores relacionados à saúde da criança SOCIOECONÔMICOS E AMBIENTAIS a) Nível de escolaridade materna Romani e Lira (2004) destacam os trabalhos de Lei (1994), Aerts (1996), Guimarães e colaboradores (1999) e Oliveira (2001), os quais vinculam, dentro dos fatores socioeconômicos, a escolaridade da mãe como fator de risco para retardo de crescimento infantil, especialmente na faixa etária de menores de dois anos. O grau de escolaridade influi na determinação do crescimento, visto estar diretamente relacionado com a compreensão das 55 práticas relacionadas aos cuidados infantis e maior facilidade para alcançar os serviços públicos. Em 2000, a taxa de mortalidade de menores de cinco anos entre filhos de mulheres com até três anos de estudo (consideradas analfabetas funcionais) era 2,5 vezes maior que entre os filhos de mulheres com oito anos ou mais de estudos (UNICEF, 2006). Utilizaremos para análise as seguintes opções de escolaridade materna: nenhuma, 1 a 3 anos de estudo, 4 a 7 anos de estudo, 8 a 11 anos de estudo ou mais de 12 anos de estudo, contidas na Declaração de Nascido Vivo (DN) relacionada com a faixa etária materna. b) Taxa de analfabetismo É o percentual de pessoas de 15 anos e mais de idade que não sabem ler e escrever pelo menos um bilhete simples, no idioma que conhecem, na população total residente da mesma faixa etária, em determinado espaço geográfico no ano considerado (Fórmula 7 Anexo1). Mede o grau de analfabetismo da população adulta, sendo importante para dimensionar a situação de desenvolvimento socioeconômico da população em seu aspecto educacional. A atenção à saúde das crianças é influenciada positivamente pela alfabetização da população adulta, sobretudo das mães. Níveis de analfabetismo acima de 5% são considerados inaceitáveis internacionalmente (RIPSA, 2002). c) Saneamento básico A ausência de saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de resíduos sólidos) pode potencializar o risco de doenças infectoparasitárias, sendo condição primária para a alta incidência de diarréia. Sua ausência aumenta 2,5 vezes o risco de retardo de crescimento infantil (ROMANI e LIRA, 2004). 3.1.4. Indicadores relacionados à gestação e a criança a) Proporção de gestantes com acompanhamento pré-natal É o percentual de gestantes com seis ou mais consultas de acompanhamento pré-natal, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado (Fórmula 8 Anexo1). 56 As normas instituídas em âmbito nacional, pelo Ministério da Saúde, estabelecem o número mínimo de seis consultas de acompanhamento pré-natal, realizadas por médico ou enfermeiro. O número de gestantes é estimado pelo número de nascidos vivos no município. Segundo o Ministério, a assistência pré-natal tem como principal finalidade a diminuição da morbi-mortalidade materna e perinatal, e lançou a Política de Humanização do Pré-Natal e Nascimento, em que busca garantir o acesso e a qualidade do acompanhamento pré-natal, com humanização (BRASIL/MS, 2005d). O formulário atual de DN prevê as seguintes faixas e consultas pré-natais informadas pela mãe: nenhuma, 1-3, 4-6, 7 ou mais consultas. b) Proporção de nascidos vivos por idade materna Sua conceituação é a distribuição percentual de nascidos vivos por idade da mãe, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Indica a freqüência de nascidos vivos por faixa etária da mãe. A freqüência da gravidez precoce pode refletir uma relação das condições sociais e econômicas da população. Os achados da literatura sugerem que a gravidez nos extremos da vida reprodutiva (adolescentes menores de 20 anos e mulheres acima dos 35 anos) está relacionada à maior presença de riscos e complicações materno-fetais, entre eles a prematuridade, anóxia e baixopeso do recém-nascido (LAURENTI e BUCHALA, 1985; XIMENES e OLIVEIRA, 2004). c) Acompanhamento de pré-natal nas unidades de Saúde da Família Refere-se ao percentual de gestantes visitadas pelos agentes comunitários de saúde que realizaram a consulta de pré-natal nos últimos trinta dias, com médico ou enfermeiro, em uma unidade de saúde. d) Prevalência de aleitamento materno É o percentual de crianças que estão sendo alimentadas com leite materno, diretamente do peito ou por ordenha. Embora o próprio Ministério da Saúde recomende aleitamento materno exclusivo até o sexto mês, no SIAB é referido apenas o percentual de criança em aleitamento materno exclusivo (AME) até três meses e 29 dias. Considera-se aleitamento materno exclusivo quando a criança utiliza apenas leite materno, sem uso de água, chá ou qualquer outro líquido ou alimento (BRASIL/MS, 2003a) As crianças amamentadas ao seio ficam menos doentes e são mais bem nutridas do que aqueles que ingerem outro tipo de alimento. Se todos os bebês fossem exclusivamente 57 amamentados durante os seis primeiros meses de vida, aproximadamente 1,3 milhões de crianças teriam sua vida salva a cada ano (UNICEF, 2005). O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) recomenda que todos devamos ter acesso às informações sobre os benefícios do aleitamento materno (AM), sendo obrigação de cada governo fazer com que as pessoas tenham acesso a essas informações (UNICEF, 2005). No Brasil, essas informações e o estímulo ao AME devem ser feita através do PSF. A meta é atingir 60% de AME. O relatório do UNICEF “Situação Mundial da Infância 2005” (UNICEF, 2005) aponta para taxas de aleitamento exclusivo muito baixas: 37% no mundo inteiro. No Brasil, em pesquisa de 1999 em 20 capitais, o AME aos seis meses era de apenas 9,7%. e) Desnutrição infantil São consideradas desnutridas as crianças cujo peso encontra-se abaixo do percentil 3 (curva inferior) da curva de peso do Cartão da Criança, que deve ser monitorado pelos profissionais da saúde da unidade básica. A Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (INAN, 1990) revelou que 31% das crianças brasileiras menores de cinco anos apresentavam alguma forma de desnutrição. O período de maior risco para a desnutrição da criança é o do desmame, caracterizado pelo abandono progressivo do aleitamento materno e a adoção de uma dieta mista. f) Número de internações por doenças diarréicas e afins Atualmente as diarréias são responsáveis por cerca de 8% do número total de mortes entre menores de cinco anos (VICTORA e CÉSAR, 2003). O manejo adequado dos casos de diarréia permite seu efetivo controle, especialmente através da terapia de reidratação oral (TRO). A estratégia da AIDPI inclui treinamento de profissionais de saúde para o manejo apropriado das diarréias. 3.1.5. Análise dos dados Para a análise descritiva dos dados, optamos pela apresentação de tabelas e gráficos. Foram calculadas porcentagens para algumas variáveis ao longo do período estudado. Em algumas tabelas, empregamos a análise do coeficiente de variação e o intervalo de confiança. 58 3.2. ABORDAGEM QUALITATIVA Foram realizadas análise do Plano Municipal de Saúde do ano de 2005 por ser o disponível na Secretaria Municipal de Saúde no período da pesquisa. Entrevista com todos os profissionais médicos e enfermeiros que estavam atuando nas 19 unidades do PSF do município de Três Rios, através de um questionário semi-estruturado. Antes da realização da entrevista, a pesquisadora desenvolveu um trabalho de sensibilização com os mesmos, durante uma reunião de treinamento para a campanha de vacinação a fim de esclarecer o cerne da pesquisa, a importância da participação e colaboração dos mesmos. Posteriormente, entramos em contato com cada um para a marcação da entrevista no seu local de trabalho. A opção por apenas entrevistar estes profissionais da equipe foi pelos mesmos estarem diretamente envolvidos com a realização das Ações Básicas desenvolvidas para a criança no PSF. O instrumento aplicado consta de perguntas estruturadas sobre informações pessoais, capacitação para atuação na Saúde da Criança, ações que os mesmos desenvolvem na unidade em que atuam referência e contra-referência com o pediatra. Nas questões semi-estruturadas, abordamos como se sentem trabalhando no PSF, uma auto-avaliação sobre o atendimento em pediatria, dificuldades, acertos e sugestões para melhorias no atendimento. Utilizamos um questionário validado por Silva (2003) em sua tese de doutorado, adaptado para os fins da presente pesquisa, apresentado no Anexo 2. O questionário semi-estruturado resultou da necessidade de combinar perguntas fechadas e abertas, em que o respondente tem a possibilidade de discorrer livremente, mas sem deixar de pronunciar-se sobre as questões centrais que envolvem a pesquisa. Julgamos que essas informações foram importantes para o entendimento do contexto do atendimento infantil no PSF do município, permitindo correlacionar os resultados dos indicadores de saúde da criança e ajudar no seu diagnóstico local. A análise da parte estruturada do questionário foi realizada pelo programa Epi Info - versão 3.3.2, a partir do banco de dados montado pelas entrevistadas dos profissionais de saúde, enquanto a análise das respostas semi-estrururadas optamos por fazê-las de forma descritiva. O estudo foi desenvolvido dentro dos parâmetros contidos na Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL/MS/CONEP, 1996), que dispõe sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Essa resolução visa a assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado. Cumprimos o que 59 estabelece a referida resolução, no que se tange à solicitação do consentimento para participação nas entrevistas e aos esclarecimentos quanto ao objetivo da pesquisa e aos direitos referentes ao anonimato (Anexo 3). Encontra-se disponível no Anexo 4 o parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da universidade Estácio de Sá. O questionário foi respondido individualmente após a sensibilização, para permitir melhor aproximação e abertura da investigação. Segundo Minayo (2004), a entrevista é uma técnica que se caracteriza por uma comunicação verbal que força a importância da linguagem e do significado da fala. Serve também como um meio de coleta de informações sobre determinado tema especifico. Além desse procedimento, é possível coletar dados objetivos e subjetivos. A própria pesquisadora se propôs a fazer a entrevista, por julgarmos permitir uma maior acessibilidade à informação do respondente. 60 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. EVOLUÇÃO DOS INDICADORES DA SAÚDE DA CRIANÇA A monitorização e avaliação da morbimortalidade na população são necessidades para o fortalecimento do SUS. Os Sistemas de Informações em Saúde (SIS) têm sido apontados como ferramentas importantes para o diagnóstico de situações de saúde. As bases de dados nacionais são alimentadas regularmente por municípios e estados (MEDEIROS et al, 2005). Pensamos em utilizar inicialmente os dados colhidos pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que é de onde partem as informações para os SIS. No entanto, nos deparamos com dados incompletos para alguns indicadores no período proposto. Em relação ao SIM, que é um dos sistemas de informação mais antigos, não havia dados disponíveis antes de 2001 no município. Passamos então a coletar no SIM, dados da SMS e do DATASUS, e observamos que mesmo nos períodos em comum, eles não eram os mesmos. Optamos por fazer uma análise em paralelo dos valores encontrados, visando a identificar se a tendência evolutiva dos gráficos se sobreporia. A qualidade dos dados coletados é de suma importância para que mostrem com fidelidade a realidade da mortalidade infantil. Através da vigilância epidemiológica do óbito e outros indicadores, é possível identificar falhas na assistência à saúde da criança. 4.1.1. Indicadores da saúde da criança pactuados pelo Ministério da Saúde Número absoluto de óbitos menores de um ano de idade e taxa de mortalidade infantil Segundo o relatório anual “Situação da Infância Brasileira” (UNICEF, 2006), o Brasil objetiva chegar a Taxa de Mortalidade Infantil de 16 óbitos por mil nascidos vivos até o ano de 2015. A média brasileira da TMI em 2004 foi de 22,5 (BRASIL/MS, 2006a). 61 A tabela 1 evidencia os valores da taxa de mortalidade infantil pelo SIM da SMS e do DATASUS. Podemos verificar que as captações de nascidos vivos e de óbitos em menores de um ano não são compatíveis. Segundo a SMS, nascem mais e morrem menos. Tabela 1 - Taxa de mortalidade infantil no município de Três Rios, no período de 1999 a 2005 1999 n. de nascidos vivos SMS DATASUS 2061 1454 n. de óbitos <1 ano SMS DATASUS (----) 44 2000 1866 1448 (----) 2001 1620 1240 2002 1506 2003 Ano TMI SMS (----) DATASUS 30,26 39 (----) 26,93 22 39 13,58 31,45 1217 23 27 15,27 22,18 1479 1205 23 32 15,55 26,55 2004 1562 1190 21 25 13,44 21,00 2005 1657 (----) 23 (----) 13,88 (----) Fonte: SMS (2006) e DATASUS (2006). SMS - Secretaria Municipal de Saúde. DATASUS – Banco de dados do SUS. TMI – Taxa de Mortalidade Infantil. (-----) - Informação não disponível. A média da mortalidade infantil no município, de acordo com a SMS, é de 14,34 por mil nascidos vivos, abaixo da média das regiões de maior desenvolvimento econômico, Sul e Sudeste, onde, segundo o Ministério, possuem uma TMI de 15 e 14,9 óbitos por mil nascidos vivos, respectivamente, para o ano de 2004 (BRASIL/MS, 2006a). De acordo com o DATASUS, a média da mortalidade infantil do município é de 26,39 por mil nascidos vivos. Neste caso, a análise evolutiva mostra uma redução na TMI de 30% entre 1999 e 2005, índice expressivo se comparado com a tendência nacional, que, para o período de 2000 a 2004, registrou uma queda de 15,9% (BRASIL/MS, 2006c). A tabela 2 mostra o coeficiente de variação e o intervalo de confiança para as médias da TMI para a SMS e DATASUS considerando α de 5%. Tabela 2 - Coeficiente de variação e intervalo de confiança para as médias da TMI no município de Três Rios, 1999 – 2005, pela SMS e DATASUS MÉDIA DA TMI SMS 14,39 DATASUS 26,39 TMI = Taxa de Mortalidade Infantil. SMS= Secretaria Municipal de Saúde. DATASUS – Banco de dados do SUS. *considerando α de 5%. COEFICIENTE DE VARIAÇÃO(%) 13,82 16 INTERVALO DE CONFIANÇA* 12,88 - 15,79 23,56 - 29,22 62 Atualmente, considera-se que na Região Sudeste os dados do SIM estejam sendo bem coletados e que a TMI calculada a partir do mesmo represente o quadro real para esse indicador, por não ter problema com subnotificação (BRASIL/MS, 2004). TMI Gráfico 2- Evolução da taxa de mortalidade infantil no município de Três Rios, 1999 - 2005 35 30 25 20 15 10 5 0 DATASUS SM S 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte: SMS, 2006 e DATASUS (2006). O gráfico evolutivo esperado seguiria o padrão nacional, com queda contínua e progressiva a cada ano. No entanto, tal curva não é representada nem com os dados do município, nem do DATASUS. Apesar de a análise estatística das médias da TMI ser confiável, acreditamos que os valores encontrados pela SMS não sejam reais, em virtude do número de óbitos neonatais fornecidos pela própria SMS, como mostra a tabela 3. Número absoluto de óbitos neonatais e taxa de mortalidade neonatal Tabela 3 - Evolução do número de óbitos neonatais no município de Três Rios, no período de 1999 a 2005 Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Fonte: SIM – SMS (2006). (---) Informação não disponível. n. de óbitos neonatais (<28 dias) (---) (---) 20 17 25 24 25 Neste caso, os valores de óbitos neonatais já são em número maior que o total de óbitos em menores de um ano no município, nos anos de 2003, 2004 e 2005. 63 Esses achados denotam uma falha de observação na coleta e preenchimento dos dados nas planilhas dos SIS, onde nos sugere o cumprimento de uma ação burocrática e não analisada nem percebida enquanto informação. Por outro lado, como é o município que alimenta o DATASUS como os dados podem ser tão distintos? As fontes de informações são as mesmas: declaração de nascidos vivos e declaração de óbito. O Programa Saúde da Família pode ajudar na notificação rotineira dos nascimentos e mortes, com ênfase nos óbitos menores de um ano. Neste caso, o responsável pelo SIM do município teria como comparar se existe uma Declaração de Óbito compatível com o notificado pelo PSF. Outra forma de o PSF ajudar é vigiando crianças potencialmente de risco, quebrando a vulnerabilidade por meio de ações educativas e de vigilância, prevenindo óbitos (BRASIL/MS, 2004b). O gráfico 3 representa a evolução da taxa de mortalidade neonatal. Os gráficos representados pelas duas fontes são bastante irregulares. Gráfico 3 - Evolução da taxa de mortalidade neonatal no município de Três Rios, 1999 - 2005 3 2,5 TMN 2 SMS DATASUS 1,5 1 0,5 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte: SMS, 2006 e DATASUS (2006). TMN - Taxa de Mortalidade Neonatal. Segundo o SIM - DATASUS (2006), as principais causas de morte em menores de um ano no município de Três Rios estão distribuídas de acordo com a tabela 4. 64 Tabela 4 - Principais causas de óbitos em menores de um ano no município de Três Rios, 1999 - 2004 Ano Código Internacional de Doenças – CID 10 Total de óbitos Cap. 1 Cap. 16 Cap. 17 Cap. 18 Outros 1999 44 4 36 (---) (---) 4 2000 39 3 28 3 1 4 2001 39 3 28 4 1 3 2002 27 1 15 5 2 4 2003 32 (---) 24 5 2 1 2004 25 1 22 1 (---) 1 Fonte: DATASUS (2006). (---) Informação não disponível. Verificamos que, em média, 70% das causas de óbitos no primeiro ano de vida estão relacionadas ao capítulo 16 do CID-10, algumas afecções no período perinatal. O capítulo 1 está relacionado a algumas doenças infecciosas e parasitárias; capítulo 17 a malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas e o capítulo 18 a sintomas, sinais e achados anormais e exame clínico e laboratoriais (causas mal definidas). Dentre as afecções perinatais, destacam-se as principais causas de óbitos: septicemia do recém-nascido, transtornos relacionados ao baixo-peso ao nascer, desconforto respiratório do recém-nascido, asfixia perinatal (SMS, 2005). Nos países onde a mortalidade infantil já é baixa, a principal causa de morte é a malformação congênita (SIMÕES, 2002), fato não encontrado no município. A tabela 5 mostra os valores proporcionais de óbitos por faixa etária proporcional em menores de um ano no município pelo DATASUS. A SMS não forneceu esse dado. Tabela 5 - Número absoluto e percentual de óbitos no primeiro ano de vida de acordo com a faixa etária no município de Três Rios, 1999 - 2004 Ano n. óbitos 0 a 6 dias n. óbitos 7 a 27 dias n. % n. % n. % 65,90 71,7 69,23 59,25 68,75 60,00 7 3 3 1 4 6 15,91 7,79 7,69 3,71 12,50 24,00 36 31 30 17 26 21 81,81 79,49 76,92 62,96 81,25 84,00 1999 29 2000 28 2001 27 2002 16 2003 22 2004 15 Fonte: DATASUS (2006). Total de óbitos neonatal n. óbitos pós neonatal 28 a 364 dias n. % 8 8 9 10 6 4 18,19 20,51 23,08 37,04 18,75 16,00 Total de óbitos em menores de 1 ano n. % 44 39 39 27 32 25 100 100 100 100 100 100 65 O gráfico a seguir é representativo dos dados expostos na tabela 5. n. de óbitos menores de 1 ano Gráfico 4 - Comparação da mortalidade infantil por faixa etária no município de Três Rios, 1999 - 2004 35 30 n. de óbitos de 0 a 6 dias 25 20 n. de óbitos de 7 a 27 dias 15 n. de óbitos de 28 a 364 dias 10 5 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Ano Fonte: DATASUS (2006). A partir de 2002, os óbitos pós-neonatais estão declinando e os neonatais tardio voltam a se elevar. A predominância continua sendo dos óbitos neonatais precoce. Os óbitos neonatais precoces são, atualmente, o componente que, em nível nacional, tem impossibilitado as quedas na taxa da mortalidade infantil (BRASIL/MS, 2004 As causas relacionadas à mortalidade neonatal exigem, além de recursos humanos capacitados, unidades de saúde em condições de prestar atendimento adequado às mulheres durante o período de gestação e no parto, bem com ao recém-nascido no momento do nascimento (BRASIL/MS, 2006b). Proporção de óbitos em menores de um ano de idade por causas mal definidas Altos índices de óbitos por causas mal definidas mascaram as verdadeiras causas de óbitos, sejam por mau preenchimento da declaração de óbito (sinais e sintomas inespecíficos) ou por dificuldade de acesso ao atendimento médico. A média nacional tem sido 11%, não chegando a 5% na Região Sudeste (SIMÕES, 2002). Pesquisa realizada sobre saúde da família no Brasil revelou que quanto mais elevada a faixa de cobertura do PSF no município, maior a queda na proporção de óbitos infantis por causa mal definida. No geral, municípios com cobertura acima de 70% tiveram um percentual médio anual de 13,27% no período de 1998 a 2003. A proporção de óbitos infantis por causas 66 mal definidas mostrou-se sensível para refletir a variação ocorrida na situação de saúde da população brasileira, segundo estratos de cobertura do PSF (BRASIL/MS, 2006b). Tabela 6 - Proporção de óbitos em menores de um ano de idade por causas mal definidas no município de Três Rios, 1999 -2005 Ano Proporção 1999 SMS (---) DATASUS 4,55 2000 (---) 2,56 2001 9,09 2,56 2002 17,39 7,41 2003 4,34 3,1 2004 0 (---) 2005 8,69 (---) Fonte: SMS, 2006 e DATASUS (2006). (---) Informação não disponível. Não foi possível obter do DATASUS o número absoluto de óbitos por causas mal definidas, apenas a proporção conforme os dados da tabela 6. Notamos uma discrepância entre os valores da SMS que variam de 0 a 17,39%, e o DATASUS, que evidencia valores bem menores. O gráfico 5 mostra a evolução desse indicador. Proporção de óbito Gráfico 5 - Proporção de óbitos em menores de um ano de idade por causas mal definidas 20 15 10 5 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 SMS DATASUS Ano Fonte: SMS e DATASUS (2006). Proporção de nascidos vivos com baixo-peso ao nascer O baixo-peso ao nascer está associado à maior morbimortalidade neonatal e infantil. Em geral, decorre de duas condições adversas: a prematuridade (nascer antes da data prevista) e/ou restrição do crescimento intra-uterina (nascendo pequeno para sua idade gestacional – PIG), que podem atuar de forma isolada ou sinérgica em graus variáveis (RUGOLO, 2005). 67 Crianças nascidas com baixo-peso apresentam risco aumentado de evoluir com falha de crescimento e têm forte evidência de repercussões na saúde do adulto, com risco aumentado de evoluir com obesidade e doenças crônicas na vida adulta, incluindo hipertensão, doença coronariana e diabetes (RUGOLO, 2005). Segundo a autora, no Brasil, isso ocorre em torno de 10% dos nascidos vivos. Tabela 7 - Proporção de nascidos vivos com baixo-peso ao nascer no município de Três Rios, período 1999 – 2005 Ano n. nascidos vivos n.nascidos vivos com <2500g SMS DATASUS SMS DATASUS 1999 2061 1454 181 2000 1866 1448 2001 1620 2002 Proporção SMS DATASUS 26 8,78 1,78 159 15 8,52 1,03 1240 187 22 11,54 1,77 1506 1217 141 13 9,36 1,06 2003 1479 1205 153 16 10,34 1,32 2004 1562 1190 152 14 9,73 1,17 2005 1657 (---) 147 (---) 8,87 (---) Fonte: SMS, 2006 e DATASUS (2006). (---) Informação não disponível. Encontramos dentro do SINASC a mesma divergência de dados com os fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde, como pode ser visto na tabela 7. A média de recémnascidos com baixo-peso pela SMS é de 160 e pelo DATASUS 18. Os coeficientes de variação são 10,87% e 28,68%, respectivamente. O intervalo de confiança considerando α 5% foi de 150 a 171 para a SMS e 14 a 21 para o DATASUS. Na Região Sudeste observou-se um aumento da proporção de recém-nascido com baixo-peso de 8,5% para 9,1% entre 2000 e 2004 (BRASIL/MS, 2006b). Desta vez, os dados da SMS é que parecem estar mais próximos da realidade nacional. Apresenta como média para o período estudado 9,59% a proporção de nascidos vivos com baixo-peso. Segundo o DATASUS, essa proporção se encontra estável e numa posição bastante privilegiada. No entanto, os dados de mortalidade infantil neonatal evidenciaram os transtornos relacionados ao baixo-peso ao nascer entre as principais causas de óbitos deste período. 68 Gráfico 6 - Evolução da proporção de nascidos vivos com baixo-peso ao nascer no município de Três Rios/RJ, no período de 1999 a 2005 Proporção de BPN 15 10 SM S DATASUS 5 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte: SINASC /SMS e DATASUS (2006). Segundo o UNICEF (2006), a proporção de crianças com baixo-peso ao nascer na América Latina é de 8,3%, e dos países desenvolvidos está próxima de 1%. O nível desejável seria 4%. Dentro do parâmetro assistencial da atenção básica (BRASIL/MS, 2001), o esperado é 8%. Cabe aqui também chamar a atenção para a importância do PSF na cooperação do esquema que possa amenizar as distorções encontradas. O SINASC coleta os dados dos nascidos vivos do município; sendo assim, toda criança nascida viva na área adscrita, ao ser comunicada ao coordenador de PSF, deveria ser comunicada ao responsável pelo SINASC, onde se faria a comparação com as Declarações de Nascidos vivos (DN) do banco de dados do município. Se detectado um nascimento sem a correspondente DN, o agente de saúde pode ser acionado para que a família seja localizada, vendo se o parto foi domiciliar ou por que não se fez o registro da DN (BRASIL/MS, 2004b). Taxa de internações por infecção respiratória aguda (IRA) em menores de cinco anos de idade Segundo o SIH/SUS, a distribuição percentual das internações por grupo de causas e faixa etária em 2004, para o município de Três Rios, encontra-se distribuída de acordo com o quadro 3. 69 Quadro 3 - Quadro de distribuição das causas de internações nas crianças menores de cinco anos no município de Três Rios, em 2004 Causas de internações Doenças do aparelho respiratório Algumas afecções originadas no período perinatal Algumas doenças infecciosas e parasitárias Outras causas diversas Fonte: DATASUS (2006). Menores de 1 ano –(%) 44 25,5 1 a 4 anos de idade (%) 23,9 21,6 16,6 23,9 13,9 30,6 A pneumonia é a principal causa de internação nos menores de cinco anos no município de Três Rios. As infecções respiratórias, em especial a pneumonia, são a principal causa de morte na faixa etária pré-escolar (1 a 5 anos). É causa de morte evitável, por ser uma afecção na qual se pode intervir caso não ocorra atraso ou erro no diagnóstico e/ou terapêutica. O quadro 3 também desperta para o fato de termos encontrado 21,6% (um quinto) de internações por afecções originadas no período perinatal na faixa etária de 1 a 4 anos. Como explicar isso? Podemos observar no gráfico 7 que a taxa de internação para IRA em menores de cinco anos caiu de 41,27 em 1999 para 34,03 em 2005: uma queda de 17,55%. Taxa de Internação por IRA Gráfico 7 Evolução da Taxa de Internação por Infecção Respiratória Aguda em menores de cincoanos no município de Três Rios/RJ, no período de 1999 a 2005 50 40 30 Taxa de internação por IRA 20 10 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte: SIH/SUS-Datasus. IRA – Infecção Respiratória Aguda. 70 Homogeneidade de cobertura da vacina tetravalente em menores de um ano de idade O objetivo de se manter as crianças vacinadas conforme a faixa etária indicada é proporcionar proteção contra as doenças imunopreveníveis precocemente. A definição de vacinas em dia no PSF é “quando no dia da visita, o calendário de vacinas estiver completamente preenchido, de acordo com a idade da criança” (BRASIL/MS, 2006c). Este é um indicador da atenção básica com o propósito de estimular os profissionais a um melhor acompanhamento do calendário vacinal. Um elevado percentual de crianças com vacinas em dia significa melhor cuidado e maior proteção à saúde infantil. A tabela 8 aponta o número de crianças menores de um ano cadastradas e com vacinas em dia. Tabela 8 - Percentual de crianças menores de um ano com vacina em dia, no município de Três Rios, 1999 -2005 1999 n. crianças cadastradas <1 ano 7 n. crianças <1 ano vacina em dia 6 Percentual de vacinas em dia (%) 85,71 2000 2621 2395 91,37 2001 4610 4418 95,83 2002 5823 5654 97,09 2003 6916 6749 97,58 2004 6472 6304 97,40 2005 6793 6614 97,36 Ano Fonte: SIAB (2006). Apesar do elevado percentual de crianças com vacinas em dia (em torno de 97%), não verificamos nos depoimentos dos profissionais de saúde do PSF do município um compromisso e cuidado para evitar as perdas de oportunidades em vacinação. Isso pode ser verificado na análise das ações básicas um baixo percentual de verificação do cartão de vacinas. Também não há na maioria das unidades um monitoramento de vacinação para proceder à busca de faltosos. A meta para a programação da atenção básica é de 100% de cobertura (BRASIL/MS, 2001). 71 Tabela 9 - Homogeneidade de cobertura vacina por tetra valente em menores de um ano de idade Cobertura (%) 98,9 99,3 96,4 Ano 2003 2004 2005 Fonte: SMS (2006). Segundo a coordenadora da imunização do município, a vacina tetravalente foi introduzida na rotina partir de fevereiro de 2002, não sendo calculada a cobertura por esse imunobiológico, uma vez que o mesmo não fazia parte do de metas daquele ano. Desde então vem mantendo a meta proposta, de vacinar acima de 95% dos menores de um ano. É importante ressaltar que a população de menores de um ano de idade, denominador utilizado para obter a cobertura vacinal, é calculada por estimativas. Pelo exposto, Três Rios tem conseguido manter o indicador de cobertura vacinal acima do esperado pela meta. Apresentamos a seguir uma tabela-resumo da evolução dos indicadores infantis pactuados pelo Ministério da Saúde. Tabela resumo 1 Evolução dos Indicadores Pactuados da Saúde da Criança Indicadores do 1999 pacto 44 n. absoluto de óbitos menores de 1 ano idade 30,26 Taxa de Mortalidade Infantil 8,78 Proporção de Nascido vivo com baixo-peso ao nascer(*) 41,27 Taxa de internação por IRA em <5 anos Homogeneidade de cobertura vacinal por tetra valente em <de 1 ano 36 N. absoluto de óbitos neonatais 2,47 Taxa de Mortalidade Neonatal Fonte: DATASUS (2006) (*) Fonte SMS (2006) 2000 2001 2002 2003 2004 39 39 27 32 25 26,93 31,45 22,18 26,55 21 8,52 11,54 9,36 10,34 9,73 8,87 43,72 38,81 35,2 42,62 46,5 34,03 98,9 99,3 96,4 31 30 17 26 21 2,14 2,41 1,39 2,15 1,76 2005 72 4.1.2.Outros indicadores relacionados à saúde da criança Saneamento básico De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2006, das Organizações das Nações Unidas (PNUD, 2006), cerca de 2,4 bilhões de pessoas não têm condições básicas de saneamento, o que multiplica o número de casos de mortes evitáveis. A falta de água e esgoto tem impacto numa área vital do desenvolvimento humano, a educação (PNUD, 2006). Infecções parasitárias transmitidas pela água e pelas más condições de saneamento atrasam a aprendizagem de mais de 150 milhões de crianças. Em razão dessas doenças são registrados, no mundo, 443 milhões de faltas escolares por ano, informa o Relatório. Segundo o censo do IBGE-2000, o percentual de população do município de Três Rios que vivia sem saneamento adequado era de 1,41% (IBGE, 2000). O abastecimento de água pública do município vem-se mantendo com uma média de 90% de cobertura das casas do Programa Saúde da Família, seguida por água e poço ou nascente, como mostra o gráfico 8 (SIAB, 2006). Gráfico 8 Evolução do abastecimento de água da população coberta pelo PSF de Três Rios, 1999 – 2005 100 Percentual 80 Abastecimento Público 60 Poço ou Nascente 40 Outras fontes 20 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte: SIAB (2006). Encontramos o percentual de água tratada no domicílio com cloração de 50%, com crescimento progressivo da utilização de filtração como tratamento, como mostra o gráfico 9. Notamos também que a fervura não é uma forma de tratamento habitual, visto o percentual de casas sem nenhum tratamento se manter acima deste. 73 Gráfico 9 Evolução do tratamento de água no domicílio da família coberto pelo PSF de Três Rios, 1990 – 2005 Percentual 100 80 Cloração 60 Sem tratamento 40 Filtração 20 Fervura 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte SIAB (2006). Notamos também que ao longo dos anos de cobertura do PSF, não houve modificação ou esboço de queda do gráfico da população sem tratamento de água, que se manteve por volta de 14,51%, evidenciando talvez a falta de concretização da intersetoriedade como proposta do PSF, mesmo em se tratando de zona urbana. A média de coleta pública de lixo em Três Rios está por volta de 86%, com tendência de aumento progressivo ao longo dos anos. Gráfico 10 Evolução do destino do lixo das famílias cobertas pelo PSF em Três Rios, 1999 – 2005 100 Percentual 80 Coleta Pública 60 Queimado ou Enterrado 40 Céu Aberto 20 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte SIAB (2006). A coleta pública de lixo atinge uma média de 83,3% da população coberta pelo PSF. Não encontramos na literatura nenhum parâmetro a fim de que pudéssemos fazer algum tipo de comparação. 74 Gráfico 11. Evolução do destino do esgoto da população coberta pelo PSF, Três Rios, 1999 – 2005 100 Percentual 80 Esgoto Público 60 Fossa 40 Céu Aberto 20 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte: SIAB (2006). A média de cobertura de esgoto público da população coberta pelo PSF encontra-se por volta de 83,8%. Em 1999 o esgoto a céu aberto era de 15,31% e, em 2005, 7,67%, o que representa uma evolução positiva de 7,64% – ou seja, uma melhora de 50% ao longo do período estudado. Nível de escolaridade materna Ao analisarmos o nível de escolaridade materna, chama novamente atenção a diferença gráfica dos resultados obtidos para essa variável dos dados coletados na SMS e no DATASUS. Para efeito de número de gestantes para cada ano, leva-se em conta o número de nascidos vivos. No entanto, para cada variável relacionada à gestante, esse valor, tanto na SMS quanto no DATASUS, muda no seu total, diferindo dos nascidos vivos. 75 Tabela 10 - Evolução do nível de escolaridade materna, no município de Três Rios, 1999-2005 (SMS) Ano Total Nenhuma 1 a 3 anos 4 a 7 anos 8/ 11 anos + 12 anos de estudo de estudo de estudo de estudo % n. % n. % n. % n. gestantes n. Ignorado % n. % 1999 2061 37 1,7 176 8,5 685 33,2 464 22,5 14 0,67 461 22,3 2000 1866 21 1,1 215 11,5 793 42,4 628 33,6 15 0,80 32 1,7 2001 1620 27 1,6 187 10,8 763 77,0 473 29,1 14 0,86 22 1,3 2002 1506 15 0,9 127 8,4 623 41,3 572 37,9 14 0,92 27 1,8 2003 1479 13 0,8 141 9,5 627 42,3 614 41,5 72 4,86 9 0,6 2004 1562 13 0,8 112 7,1 662 42,3 667 42,7 75 4,8 30 1,9 2005 1657 16 0,9 96 5,7 660 39,8 750 45,2 120 7,24 7 0,4 Fonte: SMS (2006). Pela SMS, tem ocorrido percentual de elevação progressivo na escolaridade materna entre 8 e 11 anos de estudo, a partir de 2001, ultrapassando a faixa então predominante, que era de 4 a 7 anos de estudo. A escolaridade materna entre 1 e 3 anos tem-se mantido baixa, bem como a acima de 12 anos de estudo, ignorado e o percentual de nenhuma escolaridade. Tabela 11 Evolução do nível de escolaridade no município de Três Rios, 1999 – 2004 (DATASUS) Ano Total Nenhuma gestantes 1 a 3 anos 4 a 7 anos 8/ 11 anos + 12 anos de estudo de estudo de estudo de estudo Ignorado n. % N % n, % n. % n. % n. % 1999 1454 26 1,8 107 7,3 467 32,1 336 23,1 107 7,3 24 1,6 2000 1448 18 1,2 144 9,9 612 42,2 502 34,6 131 9,0 18 1,2 2001 1240 15 1,2 126 10,2 577 46,5 377 30,4 123 9,8 9 0,7 2002 1217 10 8,2 99 8,1 492 40,4 466 38,2 129 10,5 17 1,4 2003 1205 10 8,3 102 8,5 511 42,4 503 41,7 69 5,7 4 0,3 2004 1190 12 1,0 81 6,80 484 40,6 513 43,1 74 6,2 18 1,5 Fonte: DATASUS (2006). Pelos valores obtidos do DATASUS, a. partir de 2002, todos os valores para a escolaridade materna estão caindo, sem que nenhuma categoria esteja se elevando. Diante o exposto, fica difícil para a pesquisadora entender como essa variável vai afetar a saúde da criança pela presença de resultados tão discrepantes. Taxa de analfabetismo 76 A taxa de analfabetismo segundo o IBGE, no censo de 2000 para o município de Três Rios, foi de 7,15%, valor considerado acima do esperado – 5% (RIPSA, 2002). A proporção de pessoas com mais de 15 anos alfabetizadas cadastradas nas unidades de saúde tem-se mantido num percentual elevado e constante, como mostra o gráfico 12, em torno de 93% a partir do ano de 2002 (SIAB, 2006). Percentual Gráfico 12 Percentual de pessoas alfabetizadas nas unidades cobertas pelo PSF no município de Três Rios, no período de 1999- 2005 96 94 92 90 88 86 84 82 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte: SIAB (2006). A seguir a tabela-resumo da evolução desse grupo de indicadores : Tabela resumo 2. Indicadores Socioeconômicos, Ambientais Socioeconômicos 1999 2000 2001 e Ambientais 92,7 85,1 86,2 Abastecimento de água pública (%) 84,8 79,5 83,7 Coleta de lixo público (%) 80,7 77,4 80,5 Destino do Esgoto público (%) Escolaridade Materna (%) 1,03 1,14 1,67 Nenhuma escolaridade 13,91 11,68 11,60 1 a 3 anos de estudo 54,15 43,10 47,33 4 a 7 anos de estudo 36,68 34,13 29,34 8 a 11 anos de estudo 11,62 8,21 8,68 Acima de 12 anos 7,15* Tx analfabetismo. Fontes: SIAB/DATASUS (2006) e *IBGE (CENSO 2000). 2002 2003 2004 2005 90,1 91 92,1 93,1 87,3 88 88,8 90,1 85,8 86,5 87,5 88,2 0,99 0,87 0,83 0,97 8,40 9,42 7,18 5,82 41,23 41,88 42,46 40,02 37,85 41,01 42,71 45,48 9,33 4,81 4,81 7,27 77 Proporção de gestantes com acompanhamento pré-natal As mortes por causas neonatais foram responsáveis em média por mais de 70% dos óbitos em menores de um ano ao longo do período estudado (tabela 5). Uma atenção pré-natal pode contribuir para reduzir o número de mortes por partos prematuros, baixo-peso ao nascer, relacionados a problemas maternos, entre outros. Um pré-natal adequado requer serviços acessíveis e de qualidade adequada (VICTORA e CÉSAR, 2003). Os indicadores disponíveis utilizados para analisar a atenção ao pré-natal foram: proporção de gestantes com acompanhamento pré-natal (número de consultas de pré-natal), acompanhamento de pré-natal nas unidades saúde da família, proporção de nascidos vivos por idade materna. O percentual de gestantes que não compareceu a nenhuma consulta pré-natal caiu de 2,80% em 1999 para 2,27% em 2005. O que chama atenção, no entanto, é o percentual de gestantes que realizaram mais de seis consultas. Em 1999 era de 75,02% e caiu para 47,35% – ou seja, apresentou uma evolução negativa de 27,67%, como mostram a tabela 12 e gráfico 13. Tabela 12 - Evolução do número e percentual de consultas de pré-natal das gestantes do município de Três Rios, 1999-2005 Ano n. total de gestantes Nenhuma consulta pré-natal 1 a 6 consultas de pré-natal n. % n. % Mais de 6 consultas de prénatal n. % 1999 1854 52 2,80 411 22,17 1391 75,02 2000 1824 47 2,57 477 26,15 1300 71,27 2001 1596 38 2,38 577 36,15 981 61,47 2002 1462 28 1,91 538 36,80 896 61,28 2003 1451 39 2,69 710 48,93 702 48,38 2004 1516 41 2,70 797 52,57 678 44,72 2005 1626 37 2,27 819 50,37 770 47,35 Fonte: SMS (2006). 78 Percentual de consultas no pré-natal Gráfico 13 Proporção de gestantes com acompanhamento pré-natal no município de Três Rios, 1999-2005 80 60 40 Nenhuma consulta de pré-natal 20 1 a 6 consultas de prénatal acima de 6 consultas de pré-natal 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte: SMS (2006). Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde, no Estado do Rio de Janeiro a proporção de mães que disseram não ter realizado nenhuma consulta pré-natal caiu de 3,1% para 2,6% em 2002 e a proporção de mães que referiram ter feito sete ou mais consultas de pré-natal vêm aumentando nos últimos anos, passando de 43,7% em 2002 para 52% em 2004. Na Região Sudeste, em 2004, esse percentual era de 65,2% (BRASIL/MS, 2006b). Neste estudo não se verificou queda significativa do percentual de gestantes que não compareceram a nenhuma consulta pré-natal, se mantendo estável ao longo do período estudado. Paralelamente constatamos uma queda progressiva das gestantes que realizaram mais de seis consultas de pré-natal, inversamente do que se tem encontrado nos estudos do Ministério da Saúde. Uma das explicações para essa realidade poderia ser o fato de que, embora o município tenha aumentado o número de unidade de PSF, nem todos estariam fazendo o pré-natal em suas unidades, ainda com dificuldade de acesso. Tabela 13 - Média de gestantes cadastradas e com pré-natal acompanhada nas unidades saúde da família de Três Rios, 1999 a 2005 Média gestante Média das gestantes Percentual cadastradas acompanhadas (%) 1999 3 2 66,6 2000 62 57 91,9 2001 130 124 95,3 2002 168 161 95,8 2003 197 192 97,5 2004 186 181 97,3 2005 229 218 95,2 Ano Fonte: DATASUS (2006). 79 De acordo com a tabela 13, encontramos nos últimos anos mais de 95% das gestantes cadastradas também acompanhadas nas unidades de saúde da família. Se isso é fato, porque as mesmas não realizam mais de seis consultas de pré-natal? A associação entre o acesso, assistência pré-natal e a mortalidade infantil neonatal já estão bem estabelecidas. No final do ano 2000, foi lançado pelo Ministério da Saúde o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PNHN), que repassa as Secretarias Municipais de Saúde um valor de R$ 50,00 por gestante adequadamente assistida, e um acréscimo de R$ 40,00 pelo parto (BRASIL/MS, 2004c). Esse programa considera uma gestante adequadamente assistida aquela que tem no mínimo seis consultas de pré-natal, oito exames e uma consulta no pós-parto. No entanto, em 2002, no Brasil somente 4,07% das gestantes inscritas no PNHN realizaram o elenco mínimo de ações preconizadas (BRASIL/MS, 2004c). O município de Três Rios também aderiu ao programa a partir de 2001 (SMS, 2006). O banco de dados desse programa é o SISPRENATAL e não será aqui analisado, por não fazer parte da metodologia deste estudo. Proporção de nascidos vivos por idade materna Com base em dados censitários, em 2000 houve aumento importante do número de mães com idade entre 10 e 19 anos, em 2001 chegando a atingir o percentual de 23,1%, em nível nacional. No entanto, a Região Sudeste foi a que apresentou menor proporção nesse grupo de faixa etária (0,6%) (BRASIL/MS, 2004). Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde, o número de mães na faixa etária entre 10 e 14 anos diminuiu entre o período de 2002 e 2004 (BRASIL/MS, 2006c). Gráfico 14 Evolução do Percentual de nascidos vivos por idade materna no município Três Rios, 1999 2004 Percentual 80 10 a 14 anos de idade 60 15 a 19 anos de idade 40 20 a 34 anos de idade 20 acima de 35 anos de idade 0 1999 2000 2001 2002 Ano Fonte SINASC – DATASUS (2006). 2003 2004 80 Em Três Rios predomina a faixa etária entre 20 e 24 anos de idade das gestantes, fugindo ao alto percentual nos extremos da idade em que são maiores os riscos de prematuridade, baixo-peso ao nascer e outras complicações. Chama atenção neste gráfico o fato do percentual de adolescentes (15-19anos) grávidas estarem se mantendo constante em 20% ao longo de todo período. Apresentamos a seguir uma tabela-resumo sobre a evolução dos indicadores relacionados à gestação. Tabela resumo 3. Evolução dos indicadores relacionados à gestação Percentual de consultas prénatais Nenhuma 1 a 6 consultas Acima de 6 consultas Proporção de nascidos vivos por idade materna 10 a 19 anos Acima 20 anos Acompanhamento de pré-natal no PSF (%) 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2,8 22,17 2,57 26,15 2,38 36,15 1,91 36,80 2,69 48,93 2,70 52,57 2,27 50,37 75,02 71,27 61,47 61,28 48,38 44,72 47,35 21,55 78,45 21,81 78,19 21,24 78,76 19,60 80,40 19,42 89,58 20,75 79,25 66,6 91,9 95,3 95,8 97,5 97,3 Prevalência de aleitamento materno Para reverter o acelerado processo de desmame precoce no Brasil foi criado, em 1981, o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM), com o objetivo de promover, proteger e apoiar a prática do aleitamento. No início, o Programa foi caracterizado por grandes campanhas na mídia e a instituição da obrigatoriedade do sistema de alojamento conjunto nas maternidades, entre outras ações (BRASIL/MS, 2003). Em 2001 foi aprovada por unanimidade, na 54ª Assembléia Mundial de Saúde, a proposta brasileira de recomendar aleitamento materno exclusivo por seis meses e complementado com outros alimentos até dois anos de vida ou mais. Essa passou a ser a recomendação da OMS e do UNICEF (BRASIL/MS, 2003). No Brasil, múltiplas estratégias têm sido adotadas nos últimos anos para ampliar a prevalência do aleitamento materno, entre as quais destacamos: a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC); Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL); Bancos de Leite 81 Humano (BLH); Projetos Bombeiros da Vida; Semana Mundial de Amamentação (SMAM); Projeto Carteiro Amigo; Método Canguru de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo-peso; Fiscalização de Direitos da Mulher Trabalhadora que Amamenta; e Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação (IUBAAM) – esta, de acordo com a Declaração de Alma-Ata, busca na atenção primária promover a educação e promoção da saúde, mobilizando as unidades básicas de saúde a oferecerem no pré-natal e assistência maternoinfantil os dez passos para o sucesso da amamentação, tais como o IAHC. Para Oliveira, Camacho e Souza (2005), essas ações multissetoriais contribuíram para o aumento do aleitamento materno no Brasil, apesar de o desmame precoce ainda ser uma realidade. Segundo os autores, a prevalência do aleitamento materno exclusivo se elevou de 3,6% em 1986 para 35,6% em 1999. Apresentamos no gráfico 15 a evolução do percentual de aleitamento materno exclusivo (AME) e aleitamento materno misto (AMM) nas crianças de até quatro meses de idade, cadastradas no PSF do município de Três Rios. Gráfico 15 Evolução do Percentual de AME e AMM em crianças <4 meses cobertas pelo PSF no município de Três Rios, 1999-2005 Percentual 80 60 AM E 40 AM M ISTO 20 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Fonte: SIAB (2006). Três Rios não adotou até o momento nenhuma das estratégias citadas para proteger e apoiar a amamentação. Na análise das ações básicas do PSF realizada pelos profissionais do PSF, encontramos que 44% dos profissionais ainda não realizam nenhuma atividade de promoção do aleitamento materno. Segundo Oliveira, Camacho e Souza (2005), verificou-se associação direta entre a prática dos “Dez Passos” da Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação e a prevalência do aleitamento materno exclusivo. Nesse estudo, a prevalência de AME no único município do Estado do Rio onde todas as unidades básicas são Amigas da Amamentação, 82 triplicou de 13,6% em 1998 para 39,3% em 2003. Nos demais municípios do Estado do Rio onde os municípios não estão envolvidos com a IUBAAM, a prevalência de AME variou entre 11,5% e 13,7%. Leidersnaider e Sant’Anna (2005), em estudo sobre a prevalência de aleitamento materno no município de Três Rios, encontraram uma diferença de 12,37% em AME em menores de quatro meses (SIAB 27,95%9 e 15,58%, pelo LACMAT)10.O índice encontrado pelas autoras está próximo dos encontrados por Oliveira, Camacho e Souza (2005). Tal diferença foi observada mudando-se basicamente a forma de se perguntar ao responsável: “o que o seu filho comeu ou bebeu ontem?” Não havia diretamente a sugestão de aleitamento. O número de crianças em AME evidenciou uma diferença significativa (p=0,000006). Acreditamos que o resultado indicou um possível viés na aplicação do instrumento do SIAB, devido a uma provável indução de resposta. Por isso, também acreditamos que o percentual de AME no município não esteja tão elevado quando apresenta (média de 67%). O estudo de Oliveira, Camacho e Souza (2005) parece indicar que a capacitação dos profissionais de saúde e seu envolvimento enquanto equipe, bem como a implementação de normas e rotinas adequadas, são fatores que podem levar a um melhor aproveitamento do potencial das unidades básicas existentes, gerando bom desempenho na proteção, promoção e apoio à amamentação. Desnutrição infantil A desnutrição, associada à pobreza e à desigualdade, é um expressivo fator de mortalidade de crianças em países em desenvolvimento. Ela também aumenta o risco de uma série de doenças, podendo afetar o crescimento e desenvolvimento cognitivo. A relação entre estatura e idade é um indicador do histórico nutricional da criança. Serve para identificar os casos de desnutrição crônica, sendo um dado importante para planejar políticas de médio e longo prazos. Crianças desnutridas têm maior chance de apresentar complicações na vida adulta (UNICEF, 2006). No Brasil, os gráficos presentes na caderneta da criança para o crescimento contemplam apenas até o momento as curvas de peso e perímetro cefálico. 9 Foi utilizado informações do SIAB na SMS, o que explica também ter percentual diferente do gráfico 15. LACMAT - Programa baseado no Epi Info para estudo de prevalência em aleitamento materno. 10 83 A relação entre peso e estatura indica o estado nutricional atual da criança e revela casos de desnutrição aguda, que precisam de intervenção imediata. São estes os casos aqui relacionados. Em Três Rios, o número de crianças com desnutrição em menores de um ano apresentou queda vertiginosa nos primeiros anos após o PSF, com elevação a partir de 2003, como pode ser visto no gráfico 16. Acreditamos que esse fato possa estar relacionado com a melhora da taxa de aleitamento materno, que atua como fator de proteção para a desnutrição nessa faixa etária. Acreditamos que, embora o percentual de aleitamento materno esteja aquém do relatado, parece estar melhorando. 120 100 80 60 40 20 0 menores de 12 meses 20 04 entre 12 e 23 meses 20 02 20 00 n. de crianças desnutridas acompanhadas no PSF Gráfico 16 Evolução das crianças com menos de 1 ano e entre 1 e 2 anos com desnutrição infantil acompanhadas pelo PSF no município de Três Rios/RJ no período de 1999 a 2005 Ano Fonte: SIAB – DATASUS (2006). A falta de persistência dessa queda poderia estar relacionada com a mudança constante de profissionais nas unidades de saúde, bem como pela expansão da cobertura que permitiria maior captação de crianças e melhoria das pesagens e cuidados no crescimento da criança, embora isso não seja relatado nas ações básicas desenvolvidas pelos profissionais de saúde do município. Isso até nos preocupa, não pelo aumento mas pelo risco de estar sub-notificado. Tabela 14- Prevalência de desnutrição em menores de 2 anos no município de Três Rios, 1999 - 2005 Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Fonte: DATASUS (2005). (---) Informação não disponível. Prevalência de desnutrição em menores 2 anos (---) 3,5 1,0 0,3 0,5 (---) 1,6 84 Dentro dos parâmetros para a programação das ações básicas (BRASIL/MS, 2001), a prevalência de desnutrição em menores de cinco anos seria de 5,7% (0,56% da população). Número de internações por doenças diarréicas e afins Apesar dos recursos tecnológicos de fácil aplicabilidade, cada criança nos países em desenvolvimento apresenta uma média de três episódios de diarréia por ano (LOPES, SILVA e HARTZ, 2004). As diarréias foram a segunda causa de internação em menores de cinco anos na rede pública e SUS no ano de 2001 e constituem-se ainda um problema de saúde pública, visto que a ocorrência de hospitalizações e/ou óbitos infantis revela falência nas ações de controle (LOPES, SILVA e HARTZ, 2004). Gráfico 17 Evolução sobre a doença diarréica aguda no município de Três Rios/RJ, no período de 1999 a 2005 n. de crianças 800 600 menores de 2 anos com diarreia 400 menores de 2 anos com diarreia em TRO 200 Internação < 5 anos por desidratação 0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Ano Óbitos em < 1 ano por diarreia Fonte: SIAB (2006). O gráfico 17 evidencia um surto de diarréia no ano de 2001, que não é acompanhado pelo aumento no uso de TRO no mesmo período. Em 2005, também percebemos a tendência de aumento do número de casos de diarréia em menores de dois anos, sem aumento paralelo da terapia correspondente. Esse achado corrobora o encontrado nas ações básicas para a saúde da criança, nos quais 75% dos profissionais de saúde do município no PSF não utilizam TRO. Os casos de internação e óbitos por diarréia têm sido mantidos em menos de 1% segundo o gráfico. Nos indicadores da atenção básica do SIAB, encontramos a taxa de mortalidade infantil por diarréia por mil nascidos vivos, de acordo com a tabela 15. 85 Tabela 15 - Evolução da taxa de mortalidade infantil por diarréia, município de Três Rios, 2001-2005 Ano TMI -DIARRÉIA 1999 (---) 2000 (---) 2001 11,1 2002 2,5 2003 5,5 2004 (---) 2005 12,7 Fonte: SIAB (2006). (---) Informação não disponível. De 2003 para 2005 duplicou a taxa de mortalidade por diarréia. Como pode não variar a evolução dos óbitos em menores de um e de internação em menores de cinco como mostra os dados do gráfico 17? Acreditamos que possam estar ocorrendo casos de sub-notificação dos casos de diarréia infantil, ou as mesmas não estão sendo atendidas nas unidades. No estudo de avaliação da organização, acesso e qualidade técnica do cuidado na atenção à diarréia infantil (LOPES, SILVA e HARTZ, 2004), os autores mostraram que a população tem buscado centros de saúde distantes do seu local de residência, devido a barreiras organizacionais nas unidades de saúde, mesmo havendo boa distribuição espacial destas. Em geral, o acesso à atenção primária, como as Unidades Saúde da Família, não oferecia flexibilização da rotina para atender aos pacientes quando as fichas acabavam. Tal fato fez com que os pacientes buscassem, como porta de entrada, serviços de atenção especializados (policlínicas e hospitais públicos). Outro fato destacado no estudo foi a respeito da baixa qualidade técnica do cuidado e desconhecimento ou a pouca utilização de protocolos para atendimento e agravos específicos. Chamamos a atenção aqui, em especial, para os municípios que nem ofereceram capacitação para atuar dentro dos parâmetros do programa da AIDPI do Ministério da Saúde, como é o caso de Três Rios. Apresentamos a seguir uma tabela-resumo sobre a evolução dos indicadores relacionados à saúde da criança. 86 Tabela resumo 4. Evolução dos indicadores relacionados a criança 1999 66,93 2000 63,66 2001 64,88 2002 63,93 2003 64,81 2004 71,98 2005 Prevalência de desnutrição infantil em <2 anos ----- 3,5 1,0 0,3 0,5 ----- 1,6 TMI por DDA ---- ----- 11,1 2,5 5,5 ----- 12,7 Prevalência de AME em <4 meses 4.2.O PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE Dentro do cenário de grandes mudanças de políticas públicas de saúde que o país vem atravessando desde os anos 90, a crescente adesão dos gestores municipais à organização do sistema de saúde brasileiro merece destaque. Buscamos neste momento discutir como o PSF está se inserindo na organização do sistema local de saúde. Estamos cientes da grande dificuldade e das múltiplas determinações causais que influenciam nas ações e serviços de saúde propostos. Segundo Medina e Aquino (2002), o PSF é ambicioso na intencionalidade de produzir mudanças, já que busca modificar não apenas a organização e o quadro da saúde, mas transformar a lógica de funcionamento de serviços, bem como a vinculação com a comunidade e demais sistemas de saúde. A Secretaria Municipal de Saúde de Três Rios foi criada em 1989. Como acontecia em todo o país, naquele momento histórico, o modelo de saúde vigente era focado nas ações curativas centradas na intervenção médica e na hospitalização, com uma estrutura concentrada nos setores secundário e terciário. Em Três Rios o modelo não era diferente. Os serviços de saúde eram realizados por entidades filantrópicas, unidades privadas e governos estadual e federal. A partir de 1998, o município é habilitado em Gestão Plena de Atenção Básica, e a partir de 2001, em Gestão Plena do Sistema Municipal (CMS, 1999). 87 O atual plano gestor da saúde tem como proposta permitir acesso igualitário e universal de todos os cidadãos à assistência e saúde na cidade e nos distritos; prestar saúde pública e saneamento básico nas melhores condições técnicas aos usuários e ampliar e melhorar as unidades de Saúde da Família e Unidades Básicas de Saúde (policlínicas) (SMS, 2006). O município conta com o Conselho Municipal de Saúde (CMS), com a Comissão Interinstitucional Municipal de Saúde e com o Fundo Municipal de Saúde como órgãos participantes da gestão do Sistema Único de Saúde. O organograma da SMS é assim composto: I - Subsecretário de Saúde II - Coordenadoria OdontológicaIII - Coordenadoria VeterináriaIV - Coordenadoria de Saúde Coletiva, V - Coordenadoria Administrativa. A Coordenadoria de Saúde Coletiva é composta pelos seguintes departamentos: Enfermagem, Serviço Social, Técnicos das Unidades, Patologia Clínica, Programas Especiais (Saúde da Mulher, Reabilitação de Excepcionais, Saúde Escolar, Saúde Mental, Suplementação Alimentar, Doenças Cardiovasculares, Diabetes, Unidade Saúde da Família – PSF), Segurança do Trabalho e Saúde Coletiva (Epidemiologia, Imunização e Endemias). 4.2.1.Programa Saúde da Família Por ocasião da implantação da Estratégia Saúde da Família, foram definidos pelo MS (2000) os princípios operacionais que deveriam ser cumpridos pelos municípios, citados no capítulo da Atenção Primária à Saúde, Estratégia Saúde da Família. No plano gestor, não há relato sobre os critérios de implantação nem expansão do PSF no município. Não há relato das áreas prioritárias a serem atendidas pelas equipes, nem indicadores epidemiológicos ou sociais que nortearam a escolha da abertura das unidades de Saúde da Família. Também não o encontramos nas atas do Conselho Municipal de Saúde de Três Rios. A única referência é na ata de 27/07/99, onde consta que a primeira unidade a funcionar seria a do Bairro do Ponto Azul (CMS, 1999). A próxima referência é de 25/07/00, 88 onde é dito que naquele momento, o Programa Saúde de Família se encontrava em pleno atendimento em nove bairros. Até dezembro de 2005, o município contava com 19 unidades de Saúde da Família localizadas nos seguintes bairros: Werneck Marine, Ponto Azul, Moura Brasil, Cidade Nova, Monte Castelo, Pilões, Cantagalo, Triângulo, Mãe Preta, Morada do Sol, Ponte das Garças, Portão Vermelho, Boa União, Juscelino Kubstichek, Caixa D’Água, Santa Terezinha, Cariri, Purys e no distrito de Bemposta. Todas estão localizadas na zona urbana. Por critérios definidos pelo Ministério da Saúde (BRASIL/MS, 2000), cada equipe de Saúde da Família deve estar adscrita a uma população entre 2.400 e 4.500 pessoas. Não encontramos no plano municipal de saúde qual a base de cálculo utilizada para a criação da unidade, o que talvez crie as divergências observadas quanto ao percentual de cobertura da população do PSF entre o município e o SIAB, como pode ser visto na tabela 15, especialmente nos últimos dois anos. Além disso, o registro da informação pode apresentar distorções ligadas à insuficiência de treinamento das equipes de saúde para essa atividade. Na análise da saúde da família no Brasil (BRASIL/MS, 2006b), o método de cálculo da cobertura populacional do PSF, por município, tomando por base o mês de dezembro como referência, foi a fórmula 9 do Anexo 1. De acordo com essa fórmula do Ministério da Saúde, o estrato de cobertura de Três Rios seria de 86,5%, compatível com o resultado fornecido pela coordenadoria do PSF do município. Por outro lado, pelo SIAB apenas 68% da população está cadastrada. Se o município recebe através deste de onde vêm os recursos financeiros para cobrir a diferença dessa população (13.948 pessoas)? Tabela 16 - Evolução da cobertura do PSF no município de Três Rios 1999 – 2005 Ano Estimativa População Pop. Coberta pela SMS n. % Pop. Coberta pelo SIAB n. % Unidades Cadastradas SMS SIAB 1999 66.596 1997 2,9 2565 3,9 1 (---) 2000 71.976 26.039 36,1 26055 36,2 9 (---) 2001 72.692 30.821 42,3 30831 42,4 (---) (---) 2002 73.242 43.432 59,2 43436 59,3 (---) (---) 2003 73.830 46.703 63,2 46703 63,3 (---) (---) 2004 74.413 52.156 70,09 45738 61,5 15 (---) 2005 75.744 65.518 86,5 51.570 68 19 (---) Fonte: SMS (2006) e SIAB (2006). (---) Informação não disponível. 89 A população é estimativa do IBGE. Apenas no ano de 2000 foi estimada por censo. Neste momento, 93,39% da população se concentra na área urbana. A SMS, através coordenadoria do PSF, não soube informar a evolução das unidades cadastradas entre 2001 e 2003. Para uma população estimada de 75.744 habitantes, se utilizássemos uma unidade de PSF para cada 3500 pessoas, com aproximadamente 21 unidades, já teríamos uma cobertura de 100%. A proposta do plano municipal de saúde é chegar a 28 unidades para atingir esse percentual (SMS, 2006). Precisamos estar atentos, pois o aumento considerável da cobertura da população não significa necessariamente uma expansão adequada às necessidades da população local. O consolidado das famílias cadastradas no ano de 2005 pelo SIAB, fornecido pela SMS, mostra que o número de famílias cadastradas nas 19 unidades varia de 210, no bairro do Caixa D’água, a 1.005 famílias no Bairro da Mãe Preta. A média das 19 unidades é de 735 famílias cadastradas, bem abaixo do preconizado pelo MS, o que permitiria um bom desenvolvimento do trabalho da equipe de Saúde da Família. 4.2.2 Saúde da criança Tabela 17 - Evolução do número de crianças menores de 5 anos cobertas pelo PSF Ano 1999 Menores de 1 ano 72 De 1 a 4 anos 239 Total 311 2000 346 2227 2573 2001 135 2438 2573 2002 103 3214 3317 2003 82 2856 2938 2004 95 2042 2137 2005 106 1715 1821 Fonte: SIAB (2006). Em 2005, a população estimada pelo IBGE de menores de cinco anos era de 6.523; sendo assim, nesse período apenas 27,91% dessa população estão cobertos pelo PSF naquele ano. Um número bem aquém da cobertura da população geral (86,5%). Chama a atenção especialmente o baixo número de crianças menores de um ano de idade que estão cobertas pelo PSF. No plano municipal de saúde não há nenhum departamento especial voltado para a saúde da criança ou mesmo discussão sobre a saúde infantil. 90 O quadro 4 foi transcrito do plano gestor de 2005, sobre as principais causas de óbitos de residentes em Três Rios, no ano de 2004. Quadro 4 - Principais causas de óbitos no município de Três Rios- 2004 CAUSAS Causas mal definida Morte fetal de causa não especifica Sistema respiratório Acidentes de trânsito Afogamento Armas de fogo Agressão Cardiomegalia Insuficiência Cardíaca Hemorragia intracerebral Acidente vascular cerebral Feto recém nascido com complicações Diabetes Mellitus Infarto Agudo do Miocárdio Total Fonte: SMS (2005). N. DE ÓBITOS 96 11 16 18 5 15 4 23 9 18 20 22 39 32 328 PERCENTUAL (%) 29,26 3,35 4,87 5,48 1,52 4,57 1,21 7,01 2,74 5,48 6,09 6,70 11,89 9,75 100 Destacamos que, das 328 causas de óbitos relatadas como principais, a primeira é por causas mal definidas, com 96 casos (29,2%). Dentro do enfoque da criança, aparecem 33 casos de óbitos infantis, que correspondem a 10,1%. Destes, temos 11 casos como morte fetal de causa não esclarecida e 22 casos de morte de feto recém-nascido com complicações, o que denota uma necessidade de melhoria das condições natais e perinatais. Uma atenção pré-natal e puerperal é fundamental para a saúde materna e neonatal. Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL/MS, 2005d), vem sendo registrado no Brasil um aumento do número de consultas pré-natal no SUS, chegando a 5,1 consultas por parto em 2003. Apesar da ampliação de cobertura, a análise dos dados disponíveis ainda demonstra comprometimento na qualidade dessa atenção, visto que pequena parcela dessas gestantes consegue realizar o elenco mínimo de ações preconizadas pelo Programa de Pré-natal. O município necessita dispor de uma rede organizada para atenção obstétrica e neonatal, de modo a assegurar, ao final da gestação, o nascimento de uma criança saudável. No entanto, dentro do Programa da Saúde da Mulher encontramos como plano de ação as seguintes propostas: desenvolvimento de palestras para as comunidades, estimular, planejar e supervisionar campanhas, como: prevenção para o câncer de mama e do cérvico uterino, campanha de estímulo ao aleitamento materno e implantação do Projeto “Formação de Grupo de Mulheres” junto às Unidades de Saúde da Família, trabalhando em conjunto com as associações de bairros. Não parece haver nenhum foco priorizando a organização do prénatal. 91 4.3. O PERFIL DOS PROFISSIONAIS Para que as práticas de atenção à saúde das crianças sejam desenvolvidas pelo PSF, como estratégia que promove a reordenação da atenção primária nos sistemas locais de saúde, da forma preconizada pelo Ministério da Saúde, é preciso uma abordagem bem mais complexa no trabalho diário dos profissionais que integram a equipe. Para tanto, buscamos conhecer quem são os profissionais que estão atuando no município e como estão sendo desenvolvidas as práticas da atenção à saúde da criança, a partir da implantação do Programa Saúde da Família. Foram entrevistados 17 profissionais médicos e 19 enfermeiros que trabalhavam nas 19 unidades de saúde da família pertencentes ao município de Três Rios, no período de maio a julho de 2006. Destes, dois estavam ausentes, pois duas das 19 unidades encontravam-se sem médicos no momento da pesquisa. Esses resultados são referentes às questões estruturadas e semi-estruturadas do questionário aplicado. 4.3.1. Sexo e idade Dos 36 entrevistados, 14 (38,9%) são do sexo masculino e 22 (61,1%) do sexo feminino. A faixa etária encontra-se entre 23 e 72 anos. Quase 50% dos profissionais têm menos de 30 anos de idade, com predominância dos enfermeiros. Tabela 18 - Perfil dos profissionais entrevistados quanto à faixa etária Faixa Etária 20 – 29 anos 30 – 39 anos 40 – 49 anos 50 – 59 anos 60 – 69 anos 70 – 79 anos TOTAL Médicos 3 6 3 3 0 2 17 Freqüência Enfermeiros 14 4 1 0 0 0 19 Total 17 10 4 3 0 2 36 Médicos 8,3 16,7 8,3 8,3 0 5,5 47,2 Percentual (%) Enfermeiros 38,9 11,1 2,8 0 0 0 52.8 Total 47,2 27,8 11,1 8,3 0 5,5 100 4.3.2. Formação e especialização Dentre os atuais profissionais do Programa Saúde da Família que atuam no município de Três Rios, 27 (75%) se graduaram em instituições privadas, inversamente ao encontrado na 92 pesquisa de Machado (2002) onde mais de 70% desses profissionais eram formados por escola pública. Tabela 19 - Perfil dos profissionais entrevistados quanto à instituição de formação FORMAÇÃO Instituição Pública Instituição Privada TOTAL FREQÜÊNCIA 9 27 36 PERCENTUAL (%) 25 75 100 4.3.3. Tempo de graduação Para a análise destes dados, utilizamos a tipologia contida no livro Os médicos no Brasil: um retrato da realidade11. O grupo classificado como “iniciando sua vida profissional” tem até quatro anos de formado. Já os profissionais que estão se “afirmando no mercado de trabalho” possuem de 5 a 9 anos de formados. Aqueles classificados como “consolidando sua vida profissional” têm de 10 a 24 anos de formados. Já os com mais de 25 anos no mercado são os profissionais que “iniciam a desaceleração das suas atividades”. Por fim, aqueles com mais de 35 anos de formação encontram-se “paralisando a vida profissional”. Tabela 20 - Classificação dos profissionais quanto ao tempo de graduação TEMPO DE GRADUAÇÃO 0 a 4anos de formado 5 a 9 anos de formado 10 a 24 nos de formado 25 a 34 anos de formado + 35 anos de formado TOTAL FREQÜÊNCIA 17 7 10 1 1 36 PERCENTUAL (%) 47,2 19,4 27,8 2,8 2,8 100 Na avaliação normativa do PSF (BRASIL/MS, 2004d), a pesquisa revelou que a inserção dos profissionais nas equipes de saúde era recente. Na média nacional, em mais da metade das equipes os médicos e enfermeiros estavam trabalhando há menos de um ano. O pequeno tempo de permanência dos profissionais nas equipes pode constituir fator limitante, uma vez que dificulta tanto a qualificação dos profissionais quanto o desempenho das ações, pela necessidade de adesão e incorporação de novos valores para o exercício de novas práticas de saúde. 11 Machado et al. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade, 1997, p. 123-126 (apud MACHADO, 2002). 93 Encontramos, neste estudo, que a maioria dos profissionais se encontra na fase de iniciação profissional. Embora o PSF venha se mostrando uma boa oportunidade de mercado de trabalho para o recém-formado, a opção de especialização em saúde pública ou em médicos de família ainda foi pouco observada, como mostra a tabela 20. Tabela 21 - Presença de especialização em Saúde Pública entre os profissionais entrevistados ESPECIALIZAÇÃO Saúde Pública Outras Especializações Nenhuma especialização TOTAL FREQÜÊNCIA 6 15 15 36 PERCENTUAL (%) 16,6 41,7 41,7 100 Dos 36 profissionais entrevistados, 58,4% haviam concluído uma especialização, mas apenas seis (16,7%) em Saúde Pública. Na pesquisa realizada por Machado (2002) sobre o perfil dos médicos e enfermeiros do PSF no Brasil, pouco mais de um terço dos médicos eram clínicos e dos enfermeiros, sanitaristas. A especialização em Medicina de Família e Comunidade foi constituída nos idos de 1981 (SBMFC). O Brasil está passando pelo processo de consolidação da Atenção Primária da saúde e vemos que boa parte dos médicos que atuam na Equipe de Saúde da Família ainda não é especialista em Medicina de Família e Comunidade nem tem formação em Saúde Pública. Essa meta deve ser buscada e incentivada, para que a qualificação e aperfeiçoamento profissional contribuam para o desenvolvimento de habilidades atitudes e conhecimentos próprios de APS. 4.3.4. Tempo de atuação em PSF no município Quanto ao tempo de atuação no PSF em Três Rios, podemos observar alguns dados que são tratados na tabela 22. Tabela 22 - Tempo de atuação dos profissionais de saúde no PSF TEMPO DE ATUAÇÃO NO PSF DO MUNICÍPIO 0 a 12, meses 13 a 24 meses 25 a 36 meses Mais de 37 meses TOTAL FREQÜÊNCIA PERCENTUAL (%) 12 7 7 10 36 33,3 19,4 19,4 27,8 100 94 Percebemos que a maior parte dos profissionais (52,7%) está atuando há até dois anos no PSF do município. Ao compararmos os profissionais que atuam há mais de dois anos na tabela 21 (47,2%) com os resultados da tabela 22, perceberemos que esse número cai, em relação ao tempo de permanência na mesma unidade, para 30,4%. 4.3.5. Tempo de permanência numa mesma unidade saúde da família A tabela 23 identifica o tempo de permanência ou atuação dos profissionais de saúde numa mesma unidade (em que foi inserido). Tabela 23 - Tempo de permanência do profissional na mesma unidade de inserção TEMPO DE PERMANÊNCIA NA UNIDADE DE INSERÇÃO 0 a 12 meses 13 a 24 meses 25 a 36 meses Mais de 37 meses TOTAL FREQÜÊNCIA PERCENTUAL (%) 15 10 6 5 36 41,6 27,7 16,6 13,8 100 Assim, percebemos que dos 17 profissionais que atuam no município há mais de dois anos, apenas 11 trabalham na mesma unidade em que foram inseridos, mostrando que após esse período é que ocorre a maior rotatividade de profissionais. A troca dos profissionais entre as unidades pode interferir sobretudo no estabelecimento de vínculo com a comunidade, bem como gerar dificuldade para criar e manter programas de forma contínua na promoção da saúde. Apresentamos a seguir uma tabela-resumo sobre o perfil dos profissionais e saúde que atuam no PSF do município de Três Rios. 95 Tabela resumo 5. Perfil dos profissionais de saúde do Programa Saúde da Família no município de Três Rios, 2005 Percentual (%) 61,1 38,9 Social Sexo Descrição Feminino Masculino Faixa etária 20 – 29 anos 30 – 39 anos 40 – 49 anos 47,2 28 11,1 Formação Técnico-científica Profissionais de Saúde Descrição Médicos Enfermeiros Percentual (%) 47,2 52,8 Natureza da instituição formadora Públicas Privada Tempo de formado Menos de 10 anos 10 anos ou mais 66,6 33,4 Curso de especialização Sim Não Saúde Pública Outras especializações 58,4 41,7 16,6 41,7 Participação no curso introdutório de Saúde da Família Participantes 22,3 Não Participantes 77,7 25 75 Atuação no Programa Saúde da Família Tempo de atuação no PSF do município Descrição 0 a 24 meses Acima de 25 meses Percentual (%) 52,7 47,3 Tempo de permanência na unidade de inserção 0 a 24 meses Acima de 25 meses 69,3 30,7 4.4. ATUAÇÃO DO MUNICÍPIO EM CAPACITAÇÃO DO PROFISSIONAL QUE ATUA NO PSF 4.4.1. Capacitação em introdutório O curso introdutório para equipes de saúde da família constitui a etapa inicial do processo de educação permanente das equipes. Possibilita a organização inicial do processo de trabalho das equipes de acordo com as práticas cotidianas, permitindo que o profissional construa seus próprios conhecimentos e desenvolva habilidades para identificar e resolver problemas (BRASIL/MS, 2000). Discute o processo de territorialização como instrumento 96 fundamental na construção do diagnóstico de saúde e, conseqüentemente, no planejamento das ações mais próximas da realidade da população na qual estará inserido. Esse curso orienta as equipes sobre a lógica de funcionamento do programa e a utilização do Sistema de Informação da Atenção Básica. O treinamento deve ser ministrado, de preferência, antes ou imediatamente após a implantação das equipes. Na média nacional (BRASIL/MS, 2004d), o percentual de médicos que realizaram o “introdutório” foi de 61,9% e 69,4% para enfermeiros. Tabela 24 - Capacitação em introdutório CAPACITAÇÃO EM INTRODUTÓRIO RECEBERAM NÃO RECEBERAM TOTAL FREQÜÊNCIA PERCENTUAL (%) 8 28 36 22,3 77,7 100 Dos atuais profissionais que atuam em PSF no município, 22,2% receberam “introdutório” em PSF – praticamente apenas aqueles que estão atuando no PSF do município há mais de quatro anos. Dado que 100% das equipes deveriam ter realizado o treinamento introdutório, os percentuais são baixos, o que pode comprometer inclusive a utilização do SIAB como ferramenta para monitoramento e avaliação das ações de saúde. Não foi possível quantificar quantos desses participaram do processo de reconhecimento do território. Muitos deles não estão mais na unidade de origem. A qualificação dos profissionais das equipes de Saúde da Família constitui ação estratégica para a transformação das práticas de saúde. É imprescindível que sejam despendidos tempo e esforços para a qualificação desses profissionais na construção de novos saberes, valores e práticas voltadas para a qualidade de vida. 4.4.2. Educação permanente e outras capacitações Não pretendemos neste item levantar uma discussão sobre diferenciação metodológica entre educação permanente ou continuada para as reorganizações das práticas dos serviços de saúde. Em geral os programas de capacitação são verticalizados e não é possível garantir a transformação nos processos de trabalho (RIBEIRO e MOTTA, 2006). 97 A educação permanente em saúde tem como objeto de transformação o processo de trabalho, orientado para a melhoria da qualidade dos serviços e para a eqüidade no cuidado e no acesso aos serviços de saúde (RIBEIRO e MOTTA, 2006). A formação e a educação permanente do profissional de saúde ainda constituem um grande desafio. A capacitação desse profissional é extremamente importante no PSF, especialmente pela perspectiva da compreensão mais objetiva do processo saúde-doença e da proteção e promoção da saúde, o que garantiria um profissional com o perfil voltado para a proposta do SUS. Visa a buscar a explicação dos problemas identificados na vida cotidiana dos serviços (RIBEIRO e MOTTA, 2006). Se esse profissional não trabalhar o contexto familiar e as novas propostas da APS, corremos o risco de a própria comunidade não perceber a diferença e perpetuar o conflito de por que substituir os especialistas por um único médico? Desta forma, há necessidade de habilitar esses profissionais para as novas práticas de saúde exigidas pela Saúde da Família. Tabela 25 - Outras capacitações oferecidas aos profissionais do PSF CAPACITAÇÕES OFERECIDAS AIDPI12 DST e Aids13 Gestação de Alto Risco Saúde Mental Hipertensão Arterial Saúde da Mulher Aleitamento Materno Hanseníase TOTAL FREQÜÊNCIA PERCENTUAL (%) 0 4 2 2 1 3 2 2 16 0 11,1 5,6 5,6 2,7 8,3 5,6 5,6 44,4 No que se refere à capacitação das equipes do Programa Saúde da Família, percebemos o baixo percentual de profissionais capacitados de um modo geral. Em relação à capacitação na saúde da criança, ninguém obteve treinamento na estratégia de Atenção Integral a Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI). Embora esta seja uma estratégia proposta pelo Ministério da Saúde, esse percentual também tem sido baixo, em torno de 20% no Brasil até o ano de 2002 (BRASIL/MS, 2004d). Amaral e colaboradores (2004) examinaram o efeito da qualidade do atendimento prestado em crianças menores de cinco anos em consultas realizadas nos serviços de saúde do Nordeste. Perceberam que os profissionais treinados em AIDPI prestavam assistência significativamente melhor quando comparados com aqueles que não foram treinados. 12 13 AIDPI - Atenção Integrada das Doenças Prevalentes da Infância. DST/Aids – Doenças Sexualmente Transmissíveis / Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. 98 Concluíram que embora ainda exista espaço para a melhoria, o treinamento em AIDPI melhora o desempenho dos profissionais de saúde no tratamento das crianças. 4.4.3. Supervisão de pediatria A maior parte dos profissionais que atuam no PSF do município se graduou segundo um paradigma curativo e fragmentado da saúde, em que são valorizadas as especialidades e não a compreensão global do ser humano e do processo do adoecer. As especialidades de 41,7% dos profissionais que atuam no município se distribuem em Cardiologia, Ginecologia e Obstetrícia, Gastroenterologia, Homeopatia, Intensivista, Medicina do Trabalho, Nefrologia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Psiquiatria. Desta forma, pensamos que uma das maneiras de redirecionar a formação desses profissionais frente às novas exigências de competências do trabalhador da saúde seria a ação pedagógica da supervisão como ferramenta da educação continuada e permanente. Não como uma supervisão pedagógica tradicional, reprodutora de conteúdos e conceitos prontos, mas como uma supervisão que atue como instrumento de reflexão, mudanças e transformações, realizando-se a prática da ação-reflexãoação, como sugerem Reis e Hortale (2004). Segundo as autoras, a visão moderna da supervisão significa gestão “co-laborativa” ou construção conjunta, funcionando como um viabililizador da política de saúde à medida que procura reforçar o processo de descentralização, dando sustentabilidade ao processo de educação continuada e permanente das equipes do PSF, permitindo o aperfeiçoamento profissional, criação de vínculos de responsabilidade com a população assistida, a fim de garantir as mudanças do modelo de atenção à saúde. Desta forma, o município não tem oferecido nem educação permanente nem supervisão de pediatria. O que o município tem feito para cobrir a carência das habilidades no atendimento infantil é a introdução de um pediatra nas unidades para realizar as consultas em pediatria. Esse profissional tem feito um rodízio nas unidades onde os demais especialistas têm maior dificuldade de atendimento. Ele atende na unidade a uma média dez crianças agendadas a cada quinze dias em algumas unidades e a cada trinta dias em outras unidades. Esse atendimento fica destinado preferencialmente para os menores de dois anos, onde acontece a maior dificuldade ou resistência pelos profissionais da Saúde da Família. Voltaremos a essa discussão na análise qualitativa da visão dos profissionais. 99 4.5. AÇÕES BÁSICAS DA SAÚDE DA CRIANÇA A atenção à saúde da criança é um campo prioritário dentro dos cuidados de saúde das populações. É importante salientar o papel que desempenham os serviços de saúde, no cumprimento de normas técnicas por parte dos profissionais, bem como ações educativas, adequação de equipamentos, insumos e estrutura para uma adequada atenção à saúde infantil (SAMICO et al., 2005). 4.5.1. Ações sobre a vigilância nutricional O papel da Equipe de Saúde da Família é privilegiado, por prover ações resolutivas e prestar ação integral à saúde da criança, cuja idéia central é, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL/MS,2005), “não perder oportunidades de atuação, prevenção, promoção e assistência... por onde caminha a criança e a família”. O Cartão da Criança, que vem sendo substituído progressivamente pela Caderneta da Criança, é um instrumento que permite conhecer sua história. Para tanto, esta precisa ser preenchida com as informações necessárias. Só conhecendo a população infantil da sua unidade de Saúde da Família a equipe poderá programar e avaliar as ações de saúde. Apenas com o preenchimento e acompanhamento do gráfico de crescimento e desenvolvimento da criança, podemos identificar aquelas com risco nutricionais, tais como: baixo-peso ao nascer, prematuridade, outras doenças intercorrentes que predispõem à desnutrição (crianças abaixo do percentil 10). Permite, ainda, observar aquelas que possam estar acima do percentil 90, com risco de sobrepeso ou obesidade. Na média nacional, um elevado percentual das equipes (89,4%) declarou realizar ações para identificação de casos de desnutrição, sendo uma das intervenções mais importantes no plano do combate à carência nutricional a suplementação alimentar (BRASIL/MS, 2004d). O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento foi realizado por menos de 70% das equipes (BRASIL/MS, 2004d). 100 Tabela 26 - Ações desenvolvidas pelos profissionais para vigilância nutricional da criança VIGILÂNCIA NUTRICIONAL Marcação e Acompanhamento do gráfico ponderal Identificação e Acompanhamento do Desnutrido Realizam suplemento nutricional Promoção do Aleitamento Materno FREQÜÊNCIA SIM 17 PERCENTUAL SIM (%) 47,2 FREQÜÊNCIA NÃO 19 PERCENTUAL NÃO (%) 52,8 14 38,9 22 61,1 7 19,4 29 80,6 20 55,6 16 44,4 Percebemos, pelos resultados acima, que o preenchimento e acompanhamento do gráfico ponderal ainda não é uma ação rotineira pelas equipes, já que 52,8% não o fazem. Tal procedimento dificulta a identificação e acompanhamento dos desnutridos. Essas crianças de risco precisam de busca ativa e acompanhamento regular e orientação alimentar. Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL/MS, 2006b), a queda progressiva que o país tem mostrado na desnutrição infantil não significa que o problema esteja sob controle. A população mais vulnerável à desnutrição são as crianças menores de dois anos. O gráfico auxilia sobretudo na identificação dos desvios nutricionais protéico-calóricos. Não levam ainda em consideração os graves desvios nutricionais pelas carências de micronutrientes, tais como ferro, vitamina A, ácido fólico, iodo e zinco, que colaboram para a chamada fome oculta. Em Três Rios existe o Programa de Bolsa Alimentação desde 2003, que substituiu o Programa do Leite. Para isso, as famílias precisam ser cadastradas pelos agentes de saúde nas suas unidades. Podem fazer parte do programa crianças acima de 6 a 11 anos, dependendo da avaliação nutricional e ou renda familiar per capita menor que meio salário mínimo. O número máximo de beneficiados de cada família seria de três crianças (CMS, 1999). No entanto, o percentual que respondeu positivamente à suplementação alimentar (19,4%) o faz através da Pastoral da Criança. Sabemos hoje das inúmeras vantagens do aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade, complementado após esse período, para a criança, a família e a sociedade. Tais vantagens justificam as várias ações de promoção da amamentação. A abordagem sobre o aleitamento de livre demanda durante o pré-natal, alojamento conjunto, o posicionamento da criança e da pega da aréola, o risco do uso de chupetas e mamadeiras, a realização de ordenha manual para evitar ingurgitamento mamário, bem como 101 saber guardá-lo e oferecê-lo posteriormente, são de fundamental importância para desenvolver autoconfiança e envolver familiares e comunidade nesse processo. Na primeira semana de vida, deve ser prioritário para a equipe de saúde da família o apoio, incentivo e orientação sobre o aleitamento materno. Em geral nesse período e dentro do primeiro mês de vida, ocorrem os principais problemas que levam ao desmame precoce. Uma alimentação saudável se inicia com o aleitamento materno. A Equipe de Saúde da Família também precisa estar preparada para a orientação do período de iniciação de novos alimentos, quando vários distúrbios nutricionais tendem a aparecer. Paralelamente às orientações de hábitos alimentares saudáveis, será preciso acompanhar o gráfico de crescimento para detecção precoce da criança com desvio nutricional. As ações de promoção em aleitamento materno são desenvolvidas pela metade dos profissionais das unidades (55%). Procuramos identificar como estão sendo realizadas as atividades de promoção em aleitamento materno nas unidades. Atividades individuais são as realizadas durante a consulta de pré-natal, na sala de vacinação, somente entre profissional e a gestante ou mãe. Atividades em grupo são àquelas realizadas pelos profissionais em salas de espera ou na comunidade. Algumas unidades atuam das duas formas. De acordo com a tabela 27, ainda temos 44% de profissionais que não realizam nenhuma atividade de promoção em aleitamento materno. Tabela 27 - Atividades para promoção do aleitamento materno ATIVIDADES DE PROMOÇÃO EM ALEITAMENTO MATERNO Individual Grupos Grupo e Individual Não realizam atividade TOTAL FREQÜÊNCIA PERCENTUAL (%) 11 3 6 16 30,5 8,3 16,6 44,4 36 100 A gravidez é um período privilegiado para trabalhar o desejo, as dúvidas e inseguranças das mulheres e seus companheiros quanto à amamentação. É importante nesse momento ouvi-las para perceber os fatores de risco para o desmame precoce e apoiá-las para adquirir autoconfiança em amamentar. Os grupos de apoio de mais fácil acesso às gestantes e mães costumam ser os grupos de sala de espera (BRASIL/MS, 2003). As unidades básicas de saúde desempenham importante papel na criação dos grupos de apoio à amamentação, quer aqueles coordenados por profissionais de saúde, quer aqueles criados na comunidade com apoio da unidade de saúde. As visitas domiciliares também são 102 fontes de apoio importantes à amamentação e de envolvimento dos familiares nesse apoio. As mães devem ter acesso facilitado às consultas nesse período, para que, durante a mesma, possam receber orientações individuais que permitam resolver suas dificuldades no manejo da amamentação (BRASIL/MS, 2003). 4.5.2.Atenção integral às doenças prevalentes da infância – AIDPI A grande finalidade do AIDPI é promover uma rápida queda da mortalidade infantil, por considerar de forma integrada as doenças prevalentes da infância no contexto em que elas estão inseridas. A utilização desses sinais e sintomas tem mostrado uma boa relação de sensibilidade e especificidade, permitindo um diagnóstico mais preciso. Esse é o ponto alto desta estratégia (BRASIL/MS, 2003b). Na tabela 28 encontramos as principais atividades relacionadas a essa estratégia, que foram perguntadas aos profissionais. Tabela 28 - Ações desenvolvidas para a AIDPI AÇÕES RELACIONADAS AO AIDPI Ações IRA14<5 anos Ações para DDA15 e TRO16 <5 anos Atividades de promoção ou prevenção desenvolvida comunidade FREQÜÊNCIA SIM PERCENTUAL SIM (%) FREQÜÊNCIA NÃO PERCENTUAL NÃO (%) 12 33,3 24 66,6 9 25 27 75 13 36,1 23 63,8 Na avaliação normativa do PSF no Brasil (BRASIL/MS, 2004d), a realização de atividades educativas pelos profissionais variou entre 63% a 77%, segundo o Ministério, demonstrando a incorporação dessas atividades, porém em patamares que necessitam ser incrementados. As atividades pesquisadas foram apenas questionadas sobre sua realização. Não entramos no manejo das condutas, visto que nenhum profissional havia sido treinado para a 14 IRA- Infecção Respiratória Aguda. DDA Doença Diarreica Aguda. 16 TRO Terapia de Reidratação Oral. 15 103 estratégia. De qualquer forma, existe uma baixa produtividade nas ações educativas ou promotoras de saúde desenvolvidas na comunidade. As doenças respiratórias são o primeiro motivo de consulta ambulatorial e de serviços de urgência, sendo também principal causa de internação hospitalar em menores de cinco anos de idade, seguida bem de perto pelas doenças diarréicas (VICTORA e CÉSAR, 2003; BRASIL/MS, 2005). Chama atenção também o fato de 75% desses profissionais não atuarem com terapia de reidratação oral. O percentual que realizam a TRO na avaliação normativa do PSF no Brasil foi de 63,5% (BRASIL/MS, 2004d). 4.5.3. Imunização “A imunização é uma das intervenções mais seguras e com melhor relação custo/benefício que existe”, segundo a diretora executiva do UNICEF, Ann Veneman (UNICEF, 2005). Uma em cada quatro crianças corre ainda o risco de doenças evitáveis e os programas de imunização podem reduzir em um quarto a mortalidade das crianças menores de cinco anos se a imunização de rotina tiver uma cobertura superior a 90% (UNICEF, 2005). Tabela 29 - Verificação do cartão de vacina nas consultas às Unidades Saúde da Família FREQÜÊNCIA PERCENTUAL (%) 23 63,9% NÃO 13 36,1% TOTAL 36 100 VERIFICAÇÃO DO CARTÃO DE VACINA NAS CONSULTAS SIM O enorme êxito alcançado na prevenção e controle das doenças transmissíveis não significa que as mesmas foram erradicadas. Dentro deste grupo com tendência ao declínio estão várias doenças imunopreveníveis. Para a manutenção do controle ou mesmo sua erradicação, precisamos estar vigilantes na cobertura vacinal de nossas crianças. Uma das estratégias que temos que adotar é a manutenção da verificação do cartão vacinal, para manutenção da meta proposta de cobertura de 100%. 104 Tabela 30 - Vacinações de rotina na unidade VACINAÇÃO ROTINA NA UNIDADE SIM NÃO TOTAL FREQÜÊNCIA PERCENTUAL (%) 16 20 36 44,4 55,6 100 FREQÜÊNCIA 10 26 36 PERCENTUAL (%) 27,8 72,2 100 Tabela 31 - Busca de faltosos BUSCA DE FALTOSOS SIM NÃO TOTAL Para reduzir as taxas de morbi-mortalidade das doenças imunopreveníveis, é importante que as unidades de saúde tenham um funcionamento contínuo da sala de vacina, com facilidade de acesso, para não se perder a oportunidade de vacinação. Em Três Rios, pela proximidade dos bairros com o centro da cidade, muitas unidades do Programa Saúde da Família não possuem vacinação de rotina. Outras até já possuíram sala de vacinas, mas em virtude de infra-estrutura inadequada, deixaram de tê-las. Nem todas as unidades funcionam com arquivo de vacinação, tipo segunda via do cartão, o que dificulta a busca de faltosos. A avaliação normativa do PSF no Brasil (BRASIL/MS, 2004d) mostra que, na média nacional, 64,1% das equipes aplicam rotineiramente as vacinas preconizadas pelo Programa Nacional de Imunização. Nos estados do Sudeste houve uma variação ainda mais baixa, entre 34% e 56,1%, ficando Três Rios na média, com 44% de unidades com vacinação. 4.5.4. Outras ações para a infância Apenas uma unidade relatou desenvolver uma ação dentro da saúde bucal com foco na criança. Não podemos esquecer que, no Brasil, os acidentes e violência configuram problema de saúde pública com forte impacto na morbi-mortalidade. O tema inclui conceito ampliado de saúde, abrangendo não só questões médicas, como também estilo de vida, condicionantes sociais, históricos e ambientais. Crianças e adolescentes são vítimas de diferentes tipos de acidentes e violência, dependendo de sua faixa etária. Na primeira infância, o ambiente doméstico é o principal 105 local onde são gerados os agravos (quedas, atropelamentos, queimaduras, intoxicações, afogamentos, maus-tratos, abuso sexual, psicológico e negligência), enquanto na adolescência o espaço extradomiciliar tem prioridade no perfil epidemiológico (acidentes de trânsito, exploração trabalho infantil e sexual, consumo de álcool e drogas, agressões físicas e suicídio) (BRASIL/MS, 2002d). A proposta deste momento é apenas chamar a atenção para outras formas de agravo da saúde infantil, que são passíveis de prevenção por intermédio de orientação familiar, alterações físicas dos espaços domiciliares e elaboração ou cumprimento de leis específicas. 4.6. A VISÃO DOS PROFISSIONAIS Esses resultados são resultados referentes às questões não-estruturadas do questionário. Por uma questão de não-identificação dos atores, os relatos não irão variar de gênero. 4.6.1. Sentimento em relação ao trabalho no PSF A palavra que mais definiu este sentimento foi “limitação”. De um modo geral, todos gostam do que estão fazendo, mas se sentem sem autonomia para resolver coisas simples. Tudo está atrelado à gestão central da Secretaria Municipal de Saúde. Embora a coordenação se mostre disposta a ajudá-los, percebe que eles também não têm amparo para isso. “Gosto do trabalho de Saúde da Família, apesar da falta de estrutura de manutenção” (enfermeiro). “Isolado. Sinto falta de interação entre a equipe e os profissionais. Vejo descaso na própria organização que não oferece suporte técnico nem financeiro” (médico). “Gosto do trabalhar com a comunidade, mas prende muito pela carga horária e não há reconhecimento pelo município. Ele não oferece opção de crescimento profissional nem financeiro” (enfermeiro). “De início gratificante, porém, não atingiu a expectativa. Percebe pouca integração da equipe e da população que ainda busca ações imediatas de exames e prescrições, eles gostam quando tem especialista na unidade” (médico). 106 4.6.2. Auto-avaliação em relação ao atendimento infantil A grande maioria diz tentar fazer o melhor. Em geral não acompanham as crianças da comunidade, fazem o atendimento apenas de emergência. Pelas dificuldades na realização da puericultura, na maior parte das unidades acontece a visita quinzenal ou mensal de um pediatra, que atende em média dez crianças, preferencialmente menores de dois anos. O restante da população adscrita é encaminhada para a pediatria da policlínica do centro. Os que dizem fazer puericultura pesam, medem e vacinam. Procuram orientar dentro do possível. “Sem problemas”. Atendo habitualmente o que aparece. Deixo apenas os recém-nascidos para o pediatra que vem à unidade a cada 15 dias (médico). “Peso e vacino, pois régua pra medir não tem. Faço triagem de consulta para encaminhamento das emergências” (enfermeiro). “Fico inseguro para atender crianças menores de dois anos e neste caso prefiro encaminhar” (médico). “É precário o atendimento. Em geral peso as crianças para o pediatra. Às vezes a balança não funciona por falta de manutenção” (enfermeiro). 4.6.3. Maiores acertos e dificuldades em relação ao PSF O maior acerto sem dúvida é criação do vínculo. Antes eles iam direto para a policlínica. Agora usam a unidade até para serem referenciados. O Programa de Hipertensos e Diabéticos também levou esses pacientes a serem vistos mais de perto. O preventivo também funciona de forma regular. Alguns também vêem como acerto a presença do pediatra na unidade, apesar de a freqüência às unidades ser pequena. A visita domiciliar, principalmente após o nascimento, tem funcionado como estímulo à amamentação. O trabalho com a equipe ora aparece como acerto e ora como dificuldade. Muitos percebem que mesmo sem capacitação a equipe se empenha em trabalhar A lista de dificuldades sinaliza para o mesmo foco de um modo geral. Inicia-se pela estrutura física do local de funcionamento, que não é compatível para o trabalho da equipe. Falta sala de espera, inclusive uma sala para puericultura. A manutenção precária do espaço 107 físico fez com que várias unidades deixassem de ter sala de vacinação, por infiltração, luz queimada, geladeira com defeito. Falta de autonomia para a enfermagem resolver problemas locais (não se tem acesso a material para trabalhar com a comunidade, como papel, cartazes), há falta constante de medicação de uso regular, de medicação de emergência (como para vômito, febre, nebulização, glicotest) que permitiria resolver ali casos sem precisar encaminhar. Faltam otoscópio, esfingnomanômetro, sonar, espéculo, material de curativo. Dificuldades de referência e contra-referência de consultas e exames e falta de integração do hospital com as unidades e capacitação profissional também são notadas. “Percebo que estamos conseguindo conquistar a comunidade, criando vínculo. No entanto, existe pouco investimento no profissional, na nossa condição de trabalho. Ficamos limitados em relação aos programas que oferecemos porque começamos e temos que nos virar para manter depois” (enfermeiro). “A política está misturada com a saúde pública e não permite que ela funcione enquanto programa. Assim eles exigem apenas produção, não estão preocupados com a qualidade do atendimento” (médico). “Não vejo objetivos do programas, pois o atendimento oferecido é básico”. Nenhum programa funciona. Não tem suporte profissional nem medicamentoso. Nada tem seqüência. Você detecta câncer de colo e daí? Quem opera? Manda pra onde?” (médico). “Temos muitos problemas sociais e com drogas. O lado positivo é buscar soluções no nosso bairro com engajamento da comunidade como a pastoral, igrejas, asilos, depender o mínimo possível da coordenação. Procuro usar a associação do bairro para resolver meus problemas de infra-estrutura (lâmpada, pintura). Acredito que o PSF é uma mudança de comportamento e sabe que isso é difícil. Precisamos dizer para nossas Agentes de Saúde que o trabalho é de persistência” (enfermeiro). 4.6.4. Sugestões para melhoria do atendimento infantil As sugestões em geral são: capacitação dos médicos das unidades para o atendimento das crianças menores, pois em geral os menores de dois anos são encaminhados; ou a colocação do pediatra na unidade para atendimento regular, uma vez que seu atendimento é limitado. Além de atender a poucas crianças nas unidades, aquelas muito distantes do centro não recebem a visita dele. Os entrevistados sugerem que deve ser facilitada a referência e contra-referência com os pediatras das policlínicas, além de visitas domiciliares, como forma de trabalhar a prevenção. Uma sala para realização de puericultura com material próprio (otoscópio, régua), 108 material de atendimento emergência (remédios, nebulização) e material disponível para ações educativas (por exemplo, material didático) também seria bem-vinda. “Nós somos cobrados por produção. Então cadê a filosofia do PSF? Não existe. O pediatra começou a atender nas unidades porque não tinha produção de atendimento infantil nas unidades. Se não tem puericultura, não tem nem prevenção nem promoção. Sugestão? Deixar de ter cobrança de produção e ser PSF” (médico). “Ainda não se sabe das realidades locais. As mães quase não freqüentam a unidade porque não tem pediatra e os médicos que passaram por aqui ninguém atendia criança” (enfermeiro). “Acho a demanda pequena aqui. Percebo que são sempre os mesmos que vem. Eles sabem que não dá pra fazer muita coisa. Não tem otoscópio, nebulização. É só pra ver se tem virose, ver a febre” (médico). 4.6.5. Relacionamento com a mãe e comunidade Em geral todos percebem boa aceitação da comunidade. Progressivamente foi acontecendo aumento de demanda. Sem dúvida tem acontecido estabelecimento de vínculo. Observam também que a utilização da unidade funciona ainda como prontoatendimento: por falta de organização na rede de serviços, não sobra tempo, nem têm apoio para atuar em outros programas de prevenção. “Melhorou a aceitação das visitas, mas ainda não entendem a proposta do programa, querem pronto-atendimento. Acho que consegui estabelecer um bom relacionamento com o usuário, mas efetivamente mudança no comportamento é difícil porque oferecemos apenas consulta. Não tem conscientização de PSF” (médico). 4.6.6 Evolução da assistência prestada De um modo geral, notam dificuldade de organização do PSF e da rede de serviços de saúde. No programa de hipertensos e diabéticos, a percepção de melhoria no atendimento é bem mais citada, parece já ser mais evidente. Os que estão trabalhando pouco tempo nas unidades percebem que a maioria vem quando está doente ou para pegar medicamentos. Ainda há dificuldade de formação de grupos. 109 A falta de organização e a ausência de normas e rotinas do programa impedem reuniões e encontros sistemáticos com a comunidade. Uma boa parte ainda tem dificuldades para conter a demanda espontânea. A visita domiciliar também não foi citada como um ponto positivo e de distinção do trabalho do PSF. Acreditamos que tenha sido pelo fato de não ser tão freqüente dentro da pediatria, exceção às visitas ao recém-nascido. “Ainda não consigo ver evolução. O próprio pessoal da Secretaria de Saúde não valoriza nossos pedidos de melhoria na unidade. Você cadastra e não te dão suporte para dar continuidade do programa e o usuário percebe isso e nós ficamos sem credibilidade perante eles” (médico). Os que já atuam há mais de dois anos conseguem ver a confiança e o respeito da comunidade com a equipe. Por conhecer bem a comunidade hoje, quase não encaminho (médico). Apesar de estar há cinco meses sem médico na unidade, já consegui organização da demanda e aceitação da comunidade da equipe e de colher o preventivo (enfermeiro). Acho que consegui estabelecer um bom relacionamento com o usuário, mas efetivamente mudança no comportamento é difícil, porque a assistência oferecida ainda é apenas consulta, a comunidade não tem conscientização de PSF (médico). Dos 36 profissionais entrevistados, apenas um citou a participação da comunidade na busca de soluções dos problemas. Não houve citação de interação com o Conselho Municipal de Saúde. Também não aparece nas falas nenhum estímulo às ações intersetoriais ou estabelecimento de parcerias, exceto com a Pastoral da Criança e a utilização do espaço da escola no bairro para realização de palestras. Há uma tendência de “culpar” a comunidade por não saber o que é PSF, mas não há nenhuma mobilização dentro dele para que esse esclarecimento seja feito. 110 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho identificou uma rápida expansão do PSF no município, coerente com os resultados da análise de implantação do PSF no Brasil (BRASIL/MS, 2004d), que apresentou um estrato de cobertura acima de 70% da população ao final do período estudado. Do ponto de vista geográfico e quantitativo, encontra-se privilegiado em relação ao número de equipes e população adscrita. Contudo, este estudo permitiu identificar uma fragilidade na estrutura organizacional e funcional da APS no município. Desde a criação do SUS, o recurso humano tem sido alvo de discussão. Os gestores municipais vêm enfrentando a dificuldade de fixar profissionais de saúde para atuar na Saúde da Família (MEDEIROS et al., 2005). Na ocasião da pesquisa, o município apresentava duas unidades de Saúde da Família sem médico há dois e quatro meses, respectivamente. Um dos motivos da dificuldade de se manter o profissional de saúde no PSF tem sido a forma de contratação dos mesmos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que não oferece garantia nas trocas de governos nem oportunidades de crescimento profissional. Muitos se queixaram da carga horária, que exige dedicação e baixa remuneração, proporcionalmente. Não se sentem reconhecidos pela gestão, o que se reflete no comprometimento e satisfação do trabalho. Embora os profissionais de saúde gostem de atuar com a comunidade, ainda não atingimos a mudança de modelo de atenção à saúde conforme o paradigma de produção social da doença, atuando ainda segundo o paradigma flexneriano de formação. A falta de capacitação dos profissionais no curso introdutório (que orientam os mesmos no tocante à nova prática de serviços de saúde), bem como a ausência da educação permanente, impedem a minimização de dificuldades relativas à atenção integral da saúde da criança. Tal déficit precisa ser enfrentado de forma estratégica e consistente, pois, do contrário, comprometerá a consolidação do PSF, fato que já é notado com a tentativa de inclusão do pediatra nas unidades. A colocação de um pediatra para trabalhar nas unidades sem integração com a equipe e para atuar sem o paradigma da Estratégia Saúde da Família (como está acontecendo no município) corrobora o atendimento curativo. 111 A maior parte dos profissionais atuantes no PSF do município é especialista (58,4%). Acreditamos que a presença de um pediatra atuando como supervisor – ou seja, indo ao encontro desses profissionais para auxiliar nos casos de dúvidas, realizando encontros regulares para orientar o que é Puericultura (já que, pelos resultados, muitos acham que é só pesar e medir), bem como atuar nas doenças prevalentes da infância – possa restabelecer a confiança dos mesmos no atendimento infantil. Acreditamos que, desta forma, as referências seriam menores, permitindo maior agilidade para o setor secundário nos casos de real necessidade. As ações básicas da criança preconizadas pelo MS não têm sido realizadas pela maioria dos profissionais de saúde que atuam no PSF do município. O atendimento infantil tem sido ainda limitado às consultas de livre demanda, imunização, dando a impressão de atenção simplificada, ou da atenção da rede básica tradicional apenas mais próxima da residência das pessoas. Chamamos a atenção, em especial, para o preenchimento do Cartão da Criança, onde fica contido todo histórico da criança, desde o pré-natal, nascimento e evolução infantil. O não-preenchimento do mesmo, bem como das curvas de crescimento e desenvolvimento, não permite identificar as situações de risco. Dentro da educação permanente percebemos que o município, embora tenha oferecido alguns cursos de capacitação, apresentou em geral freqüência baixa. Menos da metade freqüentou os oito cursos oferecidos, sendo maior percentual de presença em DST/Aids, de quatro profissionais (11%). Desta forma, também seria preciso criar algum estímulo para que esses profissionais desejem participar do processo de capacitação e educação permanente, pois não podemos ficar à espera dos “novos profissionais” que estão nos cursos de graduação como promessas do novo perfil do profissional, voltados para a atual política de saúde do governo. O conhecimento das causas de morte em menores de um ano de idade é fator importante para a compreensão dos determinantes da mortalidade infantil em uma dada população. No entanto, é necessário que a qualidade dessas informações seja confiável para que sua utilização contribua na definição de ações de intervenção para a redução da mortalidade infantil, tornando-as mais eficientes e eficazes (RIPSA, 2002). Reconhecemos o inegável aumento da qualidade das fontes de informação em saúde, mas ainda persistem diferenças importantes entre os dados do município e do DATASUS, que influenciam na confiabilidade dessas informações. São esses dados que irão contribuir para a avaliação e monitorização da APS para subsidiar gestores, profissionais e usuários nesse 112 processo. Desta forma, é preciso existir uma normatização desta prática em todas as esferas do governo, investindo em recursos materiais mínimos, como a informatização dos setores e a capacitação dos recursos humanos. Percebemos, ao longo da pesquisa, a dificuldade das coordenações dos setores envolvidos na pesquisa (de epidemiologia, do PSF, da imunização, SIAB) ao acesso das informações de que necessitávamos. Em geral, elas não tinham as informações solicitadas, ficando as mesmas a cargo da pessoa responsável pelo setor de informática da SMS, que, por sua vez, estava sobrecarregada de solicitações e afazeres. Esse profissional em geral não tem formação da área da saúde e repassa todos os dados coletados do município para os SIS, que por sua vez são fragmentados. Os profissionais que atuam diretamente com a clientela não recebem retorno de suas ações, ou seja, não têm o resultado dos seus dados coletados em informações. Conseqüentemente, a coleta de dados passa a ser cumprida apenas como um dever de manter as planilhas preenchidas para recebimento dos recursos do MS. Colher para quê? Colher para quem? Como proposta inicial, é preciso capacitar os funcionários progressivamente para que eles conheçam de fato o que é o SUS, sintam a sua importância na construção das políticas públicas de saúde, e queiram estar comprometidos com as suas funções, onde quer que eles atuem. É importante criar uma equipe que se responsabilize pela análise dos indicadores, retornando para os profissionais que atuam junto aos usuários, sobre os resultados desses dados colhidos, o que permitiria uma discussão em prol da melhoria dos mesmos. Os funcionários responsáveis pela digitação devem estar em contato com essa equipe, para que entendam e valorizem os dados numéricos digitados. De posse das informações mais próximas da realidade, achamos fundamental envolver os usuários. Não apenas o Conselho Municipal de Saúde, mas em nível de controle social efetivo, com reuniões por território, diretamente com discussão das questões locais. Só assim se poderia fazer um planejamento das ações educativas, preventivas e promotoras de saúde adequado às peculiaridades locais. Paralelamente, é preciso existir um entrosamento entre os coordenadores, junto ao Secretário de Saúde, para facilitar a organização dos serviços, pois, embora sejam divididos por questões organizacionais, todos estão interligados. Talvez pudesse existir uma agenda 113 entre os mesmos, focando os problemas relevantes para não ficar perdendo tempo com as emergências por falta de planejamento. Esse é o grande problema: não vimos planejamento nas ações, metas a serem cumpridas. Apesar do Pacto de indicadores, as ações estão acontecendo de forma precária. Será que os profissionais conhecem a meta do Pacto de indicadores? É preciso que todos os atores estejam envolvidos. A noção de trabalho em equipe ainda não está presente, e qualquer gestão hoje sabe que não se consegue nada sozinho. O próprio conceito de saúde incorporou múltiplos fatores, que exigem uma responsabilidade política de saúde integrada às demais políticas, como as sociais, econômicas e ambientais, por exemplo. Esse olhar ampliado precisa integrar profissionais com novas habilidades, comprometidos com as práticas de cuidados à população e vontade política dos gestores. Análise dos indicadores Chamou-nos a atenção a disparidade dos valores encontrados nos sistemas de informações de saúde. Esta, inicialmente, chamou mais a atenção do que os próprios valores, visto que a utilização do banco de dados secundários teve como objetivo dar viabilidade, confiabilidade e reprodutividade ao trabalho. Tal fato vem ratificar a necessidade da capacitação dos recursos humanos envolvidos na coleta e transmissão de dados. A taxa de mortalidade infantil, taxa de mortalidade neonatal e taxa de internações por IRA vêm apresentando queda em seus valores, embora de forma irregular e aquém do esperado pela expansão de cobertura do PSF. Não conseguiram evidenciar ainda nenhuma tendência (até pelo curto período de tempo estudado). De qualquer forma, as causas pósneonatais ainda têm apresentado números de óbitos acima dos óbitos neonatais tardios, o que significa que podemos melhorar a qualidade da APS. A vacinação pareceu ser o ponto alto na análise dos indicadores de saúde da criança, pois tem-se mantido em percentuais próximos dos 100%. Acreditamos que a queda das doenças imunopreveníveis seja o grande responsável ou tenha contribuído fortemente para o controle da mortalidade infantil no período estudado. De qualquer forma, o PSF ainda não trouxe uma descentralização efetiva para as unidades da saúde da família, por questões em sua maioria estruturais (físicas). Os dados obtidos pela entrevista mostraram que as crianças mais vulneráveis (menores de dois anos) são aquelas que estão com maiores dificuldades de acompanhamento nas 114 unidades de saúde do PSF do município, o que talvez explique a irregularidade dos valores encontrados nos indicadores das crianças. A mortalidade neonatal ainda é a principal causa de morte nos menores de um ano, evidenciando condições inadequadas ou insatisfatórias na assistência ao pré-natal, parto ou recém-nascido. As principais causas de morte nessa faixa etária foram as relacionadas ao baixo-peso ao nascer. Assim como os outros indicadores da saúde da criança, seus valores também têm sido irregulares ao longo do período, não conseguindo evoluir de forma positiva entre 1999 (8,78%) e 2005 (8,87%). Tais achados estão de acordo com a piora dos indicadores relacionados à gestação. Este parece ser o nó crítico de nosso estudo. A proporção de gestantes com seis ou mais consultas de pré-natal evolui de forma negativa (27,67%) no período estudado. Encontramos uma proporção de 95% de gestantes acompanhadas nas unidades de Saúde da Família do município. Neste caso, se aumentamos o acesso porque não está sendo acompanhado como era de se esperar? O percentual de grávidas é predominante fora da faixa de risco gestacional (entre 20 e 35 anos), o que é um fator que pesa sobre o pré-natal inadequado para uma mortalidade neonatal elevada (acima 70%). Outro fato que chama a atenção é o percentual de gestante adolescente em torno de 20% que ainda não se modificou. Sugerimos um estudo sobre a atenção no pré-natal às gestantes no município, para melhor elucidação dos fatos, inclusive porque o PNHN oferece incentivos aos municípios que cumprirem as ações mínimas de pré-natal. O município apresentou bons indicadores para abastecimento de água, coleta de lixo e esgotamento públicos (por volta de 90% de cobertura) para o ano de 2005, embora todas as unidades de cobertura do PSF do município sejam urbanas. A escolaridade materna predominante em 2005 foi de 4 a 11 anos de estudo (85%). O percentual acima de 12 anos de estudo ainda é muito baixo (7,27% em 2005), mas com boas perspectivas de melhora, pela chegada de cursos de educação à distância de universidades públicas. De qualquer forma, o índice de mães consideradas analfabetas funcionais (menos de três anos de estudo) teve uma queda de mais de 50%. Esse achado é um dado positivo para que nossas mães possam compreender os cuidados infantis a elas direcionados. Em relação ao aleitamento materno, encontramos um percentual elevado (acima de 60%), como preconizado pelo MS. Acreditamos, no entanto, que esse resultado seja um viés de coleta de dados, já que o município não apresenta implantado nenhum dos programas de 115 incentivos ao AM citados, e a maior parte dos profissionais de saúde ainda não faz ou atua na promoção do mesmo. Como vimos, o período de puericultura é um período conturbado para o atendimento e sabemos das dificuldades no manuseio da amamentação, bem como da necessidade de apoio profissional e familiar para sucesso do mesmo. É difícil acreditar nesse percentual oferecendo tão pouco. Sugerimos capacitação e vontade política para implantar os programas específicos voltados para este fim. Os indicadores de desnutrição infantil estão se mantendo em níveis abaixo do preconizado pelo MS, mas também não oferecem uma curva de tendência, que também é irregular no período estudado. Acreditamos que esse indicador também possa estar subnotificado, em virtude do pouco preenchimento do gráfico de crescimento. Embora seja citado que essas crianças estão sendo acompanhadas, pesadas, se não acontecer a marcação no gráfico de crescimento perdemos a identificação precoce dessas crianças. Os indicadores de diarréia também parecem estar subnotificados, pois mantêm índices de internação menores de 1% e com uma taxa de mortalidade por diarréia oscilante e alta em 2005. Chamou a atenção, ainda, a pouca ação dos profissionais sobre a TRO, evidenciando a dificuldade do manejo com o mesmo numa doença tão prevalente da infância, fruto de falta de capacitação em AIDPI. Muito nos preocupa esse profissional da Saúde da Família, que precisa estar em educação continuada e permanente, sobretudo para desenvolver novas habilidades e competências que antes não eram atribuídas a ele. Na análise do perfil dos profissionais, a maior parte é jovem, iniciando sua vida profissional.. Como estar preparado ou ter condições de se preparar se não há incentivo financeiro, estrutura organizacional e ainda com sentimentos de não-valorização como médico de família dentro da própria estrutura de saúde do município? Após dois anos de reflexões, fica difícil resumir em poucas páginas as várias sugestões que temos para melhorar os serviços de atenção à saúde da criança existente no PSF de Três Rios. No entanto, tentamos aqui fazer um resumo destas idéias. A capacitação dos funcionários que atuam no PSF sobre o SUS, suas diretrizes e princípios, serviria para estimular o maior comprometimento dos mesmos com suas funções. Os gestores ainda poderiam estimular a capacitação do introdutório, a fim de melhorar a coleta de dados e o manuseio das informações do SIAB, tentando minimizar os vieses de coleta e transmissão dos dados. 116 A educação permanente é uma outra saída, com supervisão de Pediatria para capacitar progressivamente o profissional da Saúde da Família a atender às crianças adscritas nas unidades. Sugerimos ainda a montagem de uma equipe capacitada para analisar os indicadores de saúde do município, e disposta a levar os resultados dos mesmos para os profissionais que atuam na ponta, para que possam ver os resultados de suas ações, positivos ou negativos, para manter ou melhorar o atendimento da população. Tal ação funcionaria como estímulo também para envolver a população nesse novo modelo de assistência, dando-lhes também funções de contribuir na melhora coletiva de saúde, integrando outros seguimentos que atuam promovendo saúde de forma isolada. A informações obtidas, além de servirem de monitorização das atividades, ajudariam nas propostas de ações a serem discutidas no Conselho Municipal de Saúde que poderiam se fortalecer à medida que recebam maiores informações. Por fim, acreditamos que novos estudos precisam ser realizados, sobretudo aqueles relacionados à assistência ao pré-natal do município, onde os indicadores se mostraram dúbios, com evolução negativa e com provável interferência no indicador de recém-nascido de baixo-peso. Sabemos que o período analisado é pequeno e qualquer conclusão seria precipitada. No entanto, avaliação sem dado não existe, impacto sem ação também não. O PSF pressupõe fazer diferente, e isso é mais do que implantar unidades de saúde da família. É dar condições de trabalho a elas, é investir no ser humano tanto que está do lado de cá (as equipes) quanto daquele que está do lado de lá (o usuário). Enquanto isso não acontecer nossos indicadores continuarão subindo e descendo. Fazendo uma analogia com a criança, o Programa Saúde da Família do município de Três Rios encontra-se na primeira infância e, como tal, é hora de cuidados intensivos para que não percamos seus pressupostos e objetivos ao longo do caminho. 117 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AERTS, D.R.G.C. O retardo no crescimento e seus determinantes: o caso de Porto Alegre. Porto Alegre, 1996. Tese (Doutorado em Medicina) - Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1996. AMARAL, J. et al. O efeito da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) sobre o desempenho dos profissionais de saúde do Nordeste. Cad. Saúde Publica. Rio de Janeiro, v. 20, supl. 2, p. 209-219, 2004. ANDRADE, L.O.M.; BARRETO, I.C.H.C.; FONSECA, C. D. A estratégia saúde da família. In: Manual Curso Básico em Saúde da Família. Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte, Pólo de Educação Permanente para Profissionais de Saúde, 2005. p. 18-37. 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Fórmula 3 - Proporção de óbitos em menores de um ano de idade por causas mal definidas Número de óbitos em crianças <1ano de idade por causas mal definidas em determinado local e período ----------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------- X 100 Número de óbitos de crianças <1 ano de idade no mesmo local e período Fórmula 4 - Proporção de Nascidos Vivos com Baixo-Peso ao Nascer Número de nascidos vivos com peso <2.500g em determinado local e período --------------------- ----------------------------------------------------------------------------------- X 100 Número total de nascidos vivos, mesmo local e período. Fórmula 5 - Taxa de internações por Infecção Respiratória Aguda em menores de cinco anos de idade Número de internações por IRA em crianças residentes <5 anos de idade em determinado local e período ----------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------- X 100 Total de crianças <5 anos, no mesmo local e período. Formula 6 - Homogeneidade de cobertura vacinal por tetravalente em menores de um ano de idade Número de crianças menores de um ano que receberam a terceira dose da vacina tetravalente ----------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------- X 100 Total de crianças menores de um ano , no mesmo local e período. 127 Fórmula 7 - Taxa de Analfabetismo Número de pessoas residentes de 15 anos e mais que não sabem ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhecem ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ X 100 População total residente desta faixa etária Fórmula 8 - Proporção de gestantes com acompanhamento pré-natal Número de nascidos vivos de mães residentes, com seis e mais consultas de pré-natal17------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- X 100 Número total de nascidos vivos de mães residentes18 Fórmula 9 - Cálculo de Cobertura Populacional do PSF Número de equipes de PSF x 3450 ( n. médio estimado de pessoas cadastradas por equipe) --------------------- ------------------------------------------------------------------------------------------X 100 População total do município 17 A informação disponível no SINASC é acima de sete consultas. A exclusão de pessoas de idade ignorada resulta em que o indicador seja referido ao total da população com idade conhecida. 18 128 ANEXO 2 QUESTIONÁRIO SEMI-ESTRUTURADO PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE PERFIL DOS PROFISSIONAIS IDADE: ___________ SEXO ( ) M ( )F FORMAÇÃO PROFISSIONAL: ( ) MÉDICO ( ) ENFERMEIRO ANO DE GRADUAÇÃO: ________________INSTITUIÇÃO____________ POSSUI ESPECIALIDADE: ( ) SIM QUAL?__________________( ) NÃO TEMPO DE ATUAÇÃO EM PSF NO MUNICÍPIO: _____________ TEMPO DE ATUAÇÃO NESTA UNIDADE: ______________ RECEBEU CAPACITAÇÃO NO MUNICÍPIO: INTRODUTÓRIO? ( ) SIM ( )NÃO EM AIDPI ? SIM ( ) Há quanto tempo? ____ Quanto tempo durou?_______ ( ) NÃO RECEBEU ALGUMA OUTRA CAPACITAÇÃO NO MUNICÍPIO? ( )SIM? ( )NÃO Qual?___________________________________________________ RECEBE EDUCAÇÃO PERMANENTE? ( )SIM Como é feito?_____________________ ( ) NÃO. TEM SUPERVISÃO DE PEDIATRIA ( ) SIM Como é feito? ________________________ ( ) NÃO II- AÇÕES BÁSICAS DA SAÚDE DA CRIANÇA 1- VIGILÂNCIA NUTRICIONAL ( ) MARCAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DO GRÁFICO PONDERAL ( ) IDENTIFICAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE DESNUTRIDO ( ) REALIZAM SUPLEMENTAÇÃO ALIMENTAR ( ) PROMOÇÃO DO ALEITAMETO MATERNO. Qual atividade?______________ _____________________________________________________________________ 2- IMUNIZAÇÃO ( ) VERIFICAÇÃO DO CARTÃO VACINAL NAS CONSULTAS ( ) BUSCA DE FALTOSOS ( ) VACINAÇÃO ROTINA NA UNIDADE 3- ATENÇÃO INTEGRADA ÀS DOENÇAS PREVALENTES DA INFÂNCIA – AIDPI ( ) AÇÕES PARA INFECÇÃO RESPIRATÓRIA AGUDA <5 ANOS. Qual?________________________________________________________________ ( ) AÇÕES PARA DOENÇA DIARRÉICA AGUDA <5 ANOS -TRO ( ) ATIVIDADES DE PREVENÇÃO OU PROMOÇÃO DE SAÚDE NA COMUNIDADE? Qual? _________________________________________________ 129 4 OUTRAS AÇOES DESENVOLVIDAS PARA A INFÂNCIA: ( ) _____________________________________________________________________ QUESTIONÁRIO ABERTO: 1- Como se sente trabalhando no PSF? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 2- Em relação ao atendimento que você vem prestando às crianças, como se autoavalia? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 3- Em relação aos seus objetivos no PSF, quais seus maiores acertos e dificuldades? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 4- Alguma sugestão para melhoria em relação ao atendimento infantil? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5- Como vê a evolução da assistência prestada na comunidade, desde a sua chegada até os dias de hoje? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 6- Como você avalia a estratégia AIDPI? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 7- O que mudou no seu atendimento à criança, nas suas condutas, após o curso AIDPI? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 130 ANEXO 3 UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Você está sendo convidado para participar da pesquisa sobre A SAÚDE DA CRIANÇA NO MUNICÍPIO DE TRÊS RIOS, desenvolvida por uma aluna do mestrado profissional em saúde da família, da Universidade Estácio de Sá/RJ. O objetivo deste estudo é fazer um diagnóstico da Saúde da Criança no Município de Três Rios após a implantação do Programa Saúde da Família. Você foi selecionado por trabalhar no Programa Saúde da Família do Município de Três Rios e sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder algumas questões a respeito da sua formação profissional, sobre as ações básicas da saúde da criança desenvolvidas na sua unidade, sua relação com o atendimento infantil. É um questionário simples, objetivo, cuja entrevista não tomará muito do seu tempo. Sua participação não trará nenhum risco para você. As informações obtidas nessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua participação. Como não haverá identificação no questionário, seu anonimato será preservado quando os dados forem divulgados. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e endereço do pesquisador principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento. ___________________________________________ Sonia Cristina Leal Leidersnaider Rua 7 de Setembro, 241/1204 ,Centro- Três Rios/Rj Cep. 25802-130 – Tel. R: 22521719 – T: 22521740 Email: [email protected] e cel. 9969-9876 Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar. _____________________________________________________ Participante da pesquisa 131 ANEXO 4 Parecer do comitê