A INCLUSÃO DIGITAL DOS EDUCANDOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS A PARTIR DA ESCOLA.
Julio Cezar Matos Pereira*.
Leôncio José Gomes Soares**.
Este trabalho foi escrito a partir da dissertação de mestrado “Os impactos na
vida dos educandos da Educação de Jovens e Adultos a partir do acesso à informática
na escola” (PEREIRA, 2011), defendido na Faculdade de Educação (FaE) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A pesquisa foi realizada com educandos da Educação de Jovens e Adultos
(EJA) de uma escola pública da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte
(RME-BH). O objetivo foi investigar se houve impactos na vida dos educandos, depois
que passaram a ter acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)1, por
meio da prática pedagógica, em uma instituição escolar.
Realizou-se uma revisão bibliográfica sobre temas como a EJA, alfabetização e
letramento, inclusão digital, TIC, ética e diversidade na escola, dentre outros. Para
entender melhor a temática em foco, busca-se estabelecer diálogos na dissertação
com as contribuições de Paulo Freire, Pierre Lévy, Marc Prensky e outros autores.
Os procedimentos metodológicos utilizados na investigação foram de cunho
qualitativo, em que se procurou observá-los e entrevistá-los para tentar saber se as
aulas de Informática na escola trazem alguma mudança em relação ao seu convívio
social, às amizades, à família, à cultura, às questões profissionais ou educacionais etc.
Através deste artigo pretende-se continuar a divulgação pública da dissertação de
Mestrado, compartilhado estudos e estabelecendo uma avaliação crítica da
comunidade acadêmica, em busca de uma triangulação em investigação qualitativa.
Os resultados apontam que foi na escola primeiro contato de alguns educandos
com o computador. A maioria dos entrevistados revelou que o acesso às TIC
aumentou e melhorou de forma satisfatória, a partir do seu uso na instituição escolar.
Assim, a partir do acesso à informática na escola, podemos encontrar impactos
positivos na vida dos educandos pesquisados, além da inclusão digital.
A pesquisa realizada, em torno das mídias e educação, nos remete à escola e
à cultura digital. Podemos entender a escola como uma instituição que pode trabalhar
as aptidões e atitudes que ajudam homens e mulheres a melhorarem seu capital
cultural, podendo compensar parte das desvantagens dos que não têm o estímulo à
prática cultural em sua família (BOURDIEU, 2003). A cultura digital, que também
*Professor de Matemática da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, Mestre em
Educação pela FaE/UFMG e Doutorando pela mesma instituição.
**Professor associado da UFMG, Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, pósdoutoramento pela Universidade Federal Fluminense e pela Northern Illinois University (EUA).
1
Adotarei a sigla TIC, pois a letra “T” já representa o plural da palavra “Tecnologias”. Autores
adotam os termos TIC, TICs ou TIC`s, mas há controvérsias de se colocar uma sigla no plural
com a letra “s” no final, ainda mais estando no plural apenas a primeira das três palavras do
termo representado.
2
chamamos de cibercultura, surge a partir das mídias e tecnologias digitais. Sobre as
condições dos educandos da EJA, em relação à alfabetização e ao acesso às TIC, o
Conselho Nacional de Educação ressalta que, para muitos deles, prevalece a falta de
acesso à leitura e escrita, somado à dificuldade de fazer o seu uso rotineiro em seu
cotidiano. Além disso, “o acesso a formas de expressão e de linguagem baseadas na
micro-eletrônica é indispensável para uma cidadania contemporânea e até mesmo
para o mercado de trabalho.” (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2000).
A EJA “caracteriza-se pela diversidade do público que atende e pelos contextos
em que se realiza, além da variedade dos modelos de organização dos programas”
(COSTA e OLIVEIRA, 2011, P. 121). Mas essa modalidade de educação enfrenta
diversos problemas em nosso país, dentre os quais: a falta de investimentos na área;
ausência de uma política mais definida pelos governos; sobrecarga no atendimento
aos governos municipais (SOARES, s/d). Essas dificuldades são aumentadas quando
tratamos da inclusão digital e do acesso às mídias eletrônicas. Mas ainda é preferível
usar o termo inclusão digital. Falar de inclusão, ao invés de exclusão, é bem mais
propositivo. Assim como falar de índice de alfabetismo é melhor do que de
analfabetismo. As palavras querem dizer a mesma coisa, são apenas diferentes, mas
nos passa uma idéia mais avançada, a ser perseguida ao anunciá-la.
Sérgio Haddad (2002) apresenta um estado do conhecimento no campo da
EJA no Brasil, em que traz uma rica produção acadêmica sobre os temas emergentes,
pesquisados a partir das teses e dissertações no período 1986 a 1998. Em suas
análises há um total de 202 dissertações e 20 teses. Ele destaca algumas lacunas e
aspectos inexplorados pela pesquisa. O tema tecnologia fica de fora, inclusive dessas
lacunas. Em suas 140 páginas, o termo “TIC” não aparece uma única vez e a palavra
“tecnologia” aparece por seis vezes (duas no plural). Poderíamos entender que as
pesquisas em EJA relacionadas às tecnologias eram escassas até 1998?
Dentre as análises realizadas por Haddad (2002), a dissertação de Mestrado
de Maria Cristina Rosa, de 1997, pela Universidade Federal de Santa Maria, RS,
intitulada “Novas competências para um outro século: um estudo crítico da
conscientização na educação de adultos” (HADDAD, 2002, p. 77), conclui que os
cursos de formação de professores precisam prepará-los para um tempo marcado
pelo desenvolvimento de TIC e tornar o conhecimento como algo “imediato,
simultâneo e global, requerendo que a escola passe a interagir não só com a escrita,
mas também com a imagem, o som e a informática, além de saber ouvir, compreender
e utilizar a informação que chega através da mídia.” (HADDAD, 2002, p. 66-67).
Em sua pesquisa, Cynthia Gontijo (2008) investigou as TIC na EJA e observou
que esse tema é um campo pouco explorado. Ela verificou que, entre 1999 e 2006,
3
foram apresentados à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPED) 133 trabalhos sobre EJA e 4 sobre as TIC na EJA (2 em 2001, 1
em 2002 e 1 em 2006). Também podemos encontrar em Julio Pereira, Ludimila Bastos
e Olavo Ferreira (2011) – uma investigação feita a partir dos trabalhos apresentados
na ANPED, entre 1998 e 2008, sobre o tema escolarização em EJA – que o tema
tecnologia foi investigado em 2 artigos2 e citado em um terceiro3 (PEREIRA, BASTOS
e FERREIRA, 2011, p. 159).
Hoje, se discute muito a escrita na utilização do computador, nas redes sociais,
no acesso às informações via Internet. Para aproveitar melhor os recursos
proporcionados pelas TIC, precisamos pensar cada vez mais em como vencer a
barreira da comunicação escrita. Algumas tecnologias foram fundamentais à evolução
da humanidade, como a roda, o papel, a eletricidade, o rádio, a televisão, o telefone, o
computador, dentre outras. É possível perceber que a invenção da escrita trouxe
grandes contribuições para a comunicação humana, inclusive para a propagação e a
criação de outras tecnologias. Mas essa invenção, a escrita, ainda não é dominada por
uma parcela da sociedade, em que se insere grande parte dos educandos da EJA.
Como fazer para superar essa condição e avançar na garantia desse direito?
A tecnologia é uma consequência do desenvolvimento do ser humano e sua
cultura. Compartilhamos com Roque Laraia (2006) a idéia de que não adianta que a
natureza crie “indivíduos altamente inteligentes, isto ela o faz com frequência, mas é
necessário que coloque ao alcance desses indivíduos o material que lhes permita
exercer a sua criatividade de uma maneira revolucionária” (LARAIA, 2006, p. 46). Se o
ser humano evolui e cria novas tecnologias, qual seria o papel da escola em busca da
construção do conhecimento e frente a essas mudanças?
Ao utilizar o computador para produzir textos, hipertextos4 ou site, o sujeito
pode construir novos sentidos e significados para a escrita, elaborados sob uma nova
ótica e para uma sociedade que se renova. Para acompanhar as mudanças
tecnológicas, o homem e a mulher precisam se atualizar. A escola poderia
2
Sheilla Brasileiro (2002), pesquisou em duas escolas da RME-BH, intitulado “Juventude e as
Novas Tecnologias: implicações para a Educação de Jovens e Adultos”; em 2008, Suzana
Bournier Coelho apresentou seu artigo, sob o título “Limites e possibilidades das tecnologias
digitais na educação de jovens e adultos”, investigando uma escola particular de EJA.
3
Rita de Cássia Curvelo da Silva, em 2001, pesquisou “As aprendizagens escolares como
objeto do desejo dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra”, em Santa Catarina, e
concluiu que os trabalhadores rurais, mesmo tendo acumulado conhecimentos úteis, ficavam
excluídos do acesso às novas tecnologias.
4
Página da Internet onde um usuário pode ter a facilidade se comunicar com vários sistemas,
imagens, fazer ligações com outras páginas etc. Hipertexto é um termo usado ao nos referimos
a um texto em formato digital relacionado a outros textos, imagens ou páginas, que são
interligados pela tela do computador e que podem nos levar a outras páginas.
4
acompanhar pedagogicamente essa evolução e proporcionar aos seus educandos o
uso das tecnologias de maneira crítica e a partir de seu meio?
Hoje, as telas passaram a ser mais do que interfaces privilegiadas de imagem e
escrita, como foi com a página impressa. Elas criaram novas linguagens, gestadas a
partir de uma nova lógica estabelecida pelas tecnologias, pois já estamos “diante do
surgimento de uma nova escrita [...] que incorpora e transforma as características da
linguagem alfabética, das linguagens imagéticas clássicas (da pintura à televisão), dos
meios sonoros e da comunicação corporal” (NOVA e ALVES, p. 119).
Marc Prensky (2008) apresenta um trabalho sobre o papel da tecnologia no
ensino e na sala de aula e defende que os educandos deveriam usar as tecnologias
como ferramentas para ensinar a si próprios, tal como alguns fazem depois da escola
quando as utiliza para aprender por conta própria sobre assuntos de seu interesse.
Como exemplo, temos a educanda Letícia5, entrevistada durante a investigação, em
que relatou a sua aprendizagem no uso da Internet através da escola, agilizando suas
atividades políticas junto à sua comunidade e facilitando seus contatos e a sua agenda
de compromissos. Com isso, ela consegue conquistar benefícios para a população do
lugar onde ela vive.
Quanto melhores e mais abrangentes forem as habilidades de leitura e escrita,
maiores serão as exigências do letramento da população. Isso ocorre em diversos
contextos e estratos sociais. Com o advento das TIC, novas oportunidades de
letramento surgem a cada momento e elas deveriam estar disponíveis a toda
população. Magda Soares (2006) ressalta que “o letramento é, sem dúvida alguma,
pelo menos nas modernas sociedades industrializadas, um direito humano absoluto,
independente das condições econômicas e sociais em que um dado grupo humano
esteja inserido” (SOARES, 2006, p. 120). Podemos remeter a Roxane Rojo (2010),
quando aponta que, no Brasil, há grandes problemas em relação ao letramento e, por
isso, existe a necessidade de se criar na escola os eventos de letramento que insiram
seus estudantes em práticas letradas da contemporaneidade e tentar desenvolver
neles as competências e capacidades atuais de leitura e escrita. Pereira (2008)
destaca que a escola pode contribuir para que o nosso educando esteja se
comunicando com outras pessoas pela Internet, neste mundo em que agora se
começa a exigir que o sujeito se torne letrado digitalmente. Complementando esse
tema, Magda Soares (2002) constrói um conceito de letramento digital:
“No contexto de uma diferenciação entre a cultura do papel e a
cultura da tela, ou cibercultura, [em que se busca] uma melhor
5
Todos os nomes dos pesquisados são fictícios, para preservar sua identidade e anonimato.
5
compreensão
do
conceito
de
letramento,
confrontando
tecnologias tipográficas e tecnologias digitais de leitura e de
escrita, a partir de diferenças relativas ao espaço da escrita e
aos mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita;
[...] cada uma dessas tecnologias tem determinados efeitos
sociais, cognitivos e discursivos, resultando em modalidades
diferentes de letramento, o que sugere que a palavra seja
pluralizada: há letramentos, não letramento.” (SOARES, 2002).
A informática utilizada na EJA promoveria a inclusão digital e, ao mesmo
tempo, poderia influenciar na construção do conhecimento? As TIC possibilitariam
melhorias nas condições de letramento, ensino e aprendizagem dos seus educandos?
Como problematizar a sua utilidade?
A educação está relacionada diretamente à ética e à política. A escola procura
acompanhar os avanços tecnológicos, se atualizar e aplicá-los em sua prática
pedagógica. Através do espaço escolar seria possível ir além da simples apropriação
das tecnologias e criar possibilidades de seu uso, de forma crítica, sem as imposições
das indústrias e do consumismo?
É certo que as tecnologias carregam toda uma história e cumprem
determinados objetivos, que nem sempre promovem a justiça social, o que nos deve
deixar em alerta. Conforme Paulo Freire (1997), as comunicações são impossíveis de
serem neutras, pois comunicam algo em favor ou na defesa de algum ideal contra
outro. Assim, uma postura crítica em relação aos avanços tecnológicos é
indispensável. Precisamos investir no uso ético das TIC, em favor de uma melhor
qualidade de vida da humanidade, pois compartilhamos da idéia de que “o progresso
científico e tecnológico que não responde fundamentalmente aos interesses humanos,
às necessidades de nossa existência, perdem, para mim sua significação” (FREIRE,
1997, p. 147). Ele destaca que o desemprego no mundo não é uma fatalidade, mas o
resultado da globalização na economia e dos avanços tecnológicos que não vêm
acompanhados de uma ética a serviço do ser humano e sim do lucro, que favorecem
as minorias que comandam o mundo. A questão não é tecnológica, ela é política e
ética. Freire defende que a todo progresso oriundo dos avanços tecnológicos haveria
de se ter o real empenho na busca de se compensar qualquer risco à alegria de viver,
pois “um avanço tecnológico que ameaça a milhares de mulheres e homens de perder
seu trabalho deveria corresponder outro avanço tecnológico que estivesse a serviço
do atendimento das vítimas do progresso anterior” (FREIRE, 1997, p. 147).
6
Podemos verificar que as TIC também estão sendo usadas na atuação política
e vêm se tornando grandes aliadas dos movimentos sociais, pela facilidade de
penetração em grupos que estão geograficamente desterritorializados, pela sua
grande abrangência, além de se formar um rizoma no ciberespaço. As TIC deixaram
de ser unidirecional como são a televisão e o rádio, passaram a ser também
interativas, que possibilitam a atualização de suas informações em alta velocidade.
Elas vêm se tornando uma ferramenta de luta que reforça os movimentos e ações
sociais. A ciberpolítica chega com toda a força de mobilização na política no mundo
globalizado. Não que venha substituir outras formas de luta, ela vem se somar às
existentes. Aprender a transitar no ciberespaço é o caminho inicial para a inclusão
digital e a consequente participação política em nossa sociedade. A escola, inserida
geograficamente nas comunidades, poderia ser esse elo entre a camada popular e o
mundo digital, com suas comunidades virtuais?
As TIC têm importante papel na política do século XXI. Por isso, a inclusão
digital se mostra tão necessária. Uma das educandas entrevistadas utiliza bastante as
TIC no seu trabalho político comunitário, principalmente no Orçamento Participativo
(OP)6. Ela revela que aprendeu a usar o computador na escola e, logo depois que teve
as primeiras aulas de Informática, comprou um computador. Isso facilitou muito a sua
vida, trouxe benefícios a ela e a toda sua comunidade. Vários educandos relataram
que, após terem tido contato com o computador na escola, através das aulas de
Informática, compraram um computador ou outros equipamentos digitais, como a
máquina fotográfica e o celular de recursos mais avançados. A conversa com os
sujeitos pesquisados nos revelou que eles gostam de praticar em casa o que
aprendem nas aulas de Informática da escola. Portanto, o investimento na inclusão
digital aumenta o uso das TIC e o consumo dos equipamentos e produtos de
informática, além de diversos outros aparelhos eletrônicos, o que gera mais empregos
na indústria e no comércio de produtos com tecnologia digital.
Pelas observações e entrevistas é possível afirmar que o uso do computador
ajuda aos educandos da EJA na sua socialização e na busca da aprendizagem com
mais autonomia. A relação interpessoal é muito presente, tanto no interesse pelos
sites de relacionamento, quando pelas mensagens por meio de correio eletrônico. A
pesquisa por diversos assuntos transmite certa magia no olhar dos educandos,
6
O OP realiza plenárias com a população nas nove regionais administrativas da cidade, para a
definição de empreendimentos a serem executados pela Prefeitura de Belo Horizonte. Isto se
dá por meio da escolha de delegados que definem os empreendimentos de sua regional.
Fonte: Disponível em:
<http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=
portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=portaldoop&tax=17238&lang=pt_BR&pg=6983
&taxp=0&>. Acessado em: 07 Mai. 2011.
7
quando se encontram diante de uma infinidade de possibilidades de busca sobre o
que lhes interessa, tanto em forma de texto, quanto de imagem, mapa, vídeo,
apresentações e várias outras opções. A criação de blog trouxe alternativas para a
divulgação e trabalhos autônomos de alguns educandos.
A investigação nos revela que a relação das TIC com o mundo do trabalho é
grande para os educandos da EJA, já que é parte do seu cotidiano, trabalhando ou à
procura de uma colocação para o seu sustento e de sua família. As TIC conseguem
trazer melhoria em suas condições de trabalho e eles demonstram grande interesse
no uso e no domínio dessas tecnologias. É quase unânime a avaliação dos
entrevistados de que o seu uso poderá ajudá-los a conseguir um trabalho melhor. Um
dos educandos relatou que sua autoestima melhorou muito após as aulas de
Informática na escola e revelou que mudou de posição no trabalho, já que teve uma
promoção em seu serviço e passou a ter melhores condições de trabalho. Ele contou
que fazia parte do “grupo que não aprendia”, antes das aulas de Informática na escola.
Depois que aprendeu a usar o computador, através da escola, passou para o outro
grupo formado pelos que “conseguem aprender” e, com isso, foi promovido e mudou
de local de trabalho. Continuou na mesma profissão, como trabalhador de portaria,
mas passou a ter melhores condições de exercer sua profissão, em um local de
trabalho mais agradável, com uma melhor autoestima.
Outras vantagens que a informática traz à escola são as novas formas de se
trabalhar com a alfabetização e o letramento. Observa-se que a possibilidade do
alfabetizando utilizar o computador no seu processo inicial de alfabetização traz muitos
benefícios, por não exigir tanto dele a coordenação motora fina para construir uma
palavra ou um texto. O processo de busca pela imagem através da internet também
contribui no seu processo de letramento e propicia o exercício da sua oralidade sobre
determinados assuntos. O ciberespaço desperta grande curiosidade aos educandos
da EJA, sejam eles alfabetizados ou não. Os que foram investigados falaram que o
uso do computador os ajudaram a escrever mais corretamente, citando as pontuações
e as acentuações, o corretor ortográfico do editor de texto, a correção sugerida pelos
sites de busca e a procura online dos significados de uso das palavras como
alternativa ao dicionário no papel.
A investigação nos revela que os lugares em que eles mais utilizam os
computadores são a escola e a residência, mas a escola ainda aparece em primeiro
lugar.
É quase unânime a avaliação de que o uso do computador na escola é
importante para eles e também que uso das TIC contribui na socialização. A grande
maioria considera que o uso do computador na escola contribui para o uso de outras
TIC fora da instituição escolar. Com esse uso, a escola consegue perpassar a
8
educação, o trabalho, a socialização, a aprendizagem e a cultura, promovendo a união
de dois grandes “locais” de culturas: a própria escola e a cibercultura.
A cultura de que a escola é o lócus da aprendizagem estimula o educando a
iniciar o contato com o computador, mesmo que muito receoso a princípio. Quando ele
verifica que outros, tão iguais a ele, conseguem usar com certa desenvoltura o
equipamento, perde aquele receio de usar a máquina, antes tão distante, e passa a
enxergar a possibilidade de também poder utilizar. E depois que começa, não quer
mais parar. Enxerga novos horizontes, ganha confiança e aumenta a sua autoestima.
A inclusão social passaria também pela inclusão digital? A escola poderia se
tornar mais um local de inclusão digital da camada popular, devido à sua grande
inserção social na comunidade em que está inserida?
A relação estabelecida entre as educandas e os filhos e os netos há de ser
destacada. O que ocorre, muito mais com as mulheres do que com os homens, é que,
em muitas vezes, elas possuem computador em casa – na maioria das vezes,
comprado por elas – e não utilizam, porque seus filhos e netos não ensinam ou não
deixam, alegando que elas podem danificar o equipamento ou o programa. Quando
aprendem a usar na escola, começam a usar em casa, conseguem acompanhar o uso
das TIC feito pelos filhos e netos, dialogam com eles sobre essas tecnologias, passam
a perguntar e aprender com eles, mas agora com mais segurança e com o
conhecimento que a máquina não se estraga com tanta facilidade, vão além e passam
a dialogar no trabalho sobre o que aprendem com essas tecnologias.
Essa investigação pretende contribuir para se compreender melhor sobre a
importância das TIC na educação, a partir da visão do educando da EJA. Contudo,
muitas lacunas permanecem para que sejam investigadas oportunamente e, dentre
elas, apontamos algumas: como as TIC poderiam ser usadas na ação política em
benefício das pessoas que se encontram à margem em nossa sociedade? Há
expectativas de se fazer a inclusão digital? Como a escola contribuirá nesse processo
de inclusão digital? Quais são as realidades e as possibilidades brasileiras? As TIC
poderiam ser utilizadas com mais uma ferramenta de aprendizagem na EJA?
Poderiam ajudar os educandos da EJA que não podem estar todos os dias na escola?
Muitas das metas e realizações das políticas públicas para as TIC infelizmente
não ocorrem de fato. Para se alcançar a inclusão digital, as políticas públicas
prometem grandes avanços e o que se espera é que as metas não fiquem somente
nas promessas e na tela do computador e comecem a passar do virtual para o real.
A escola carrega consigo a tradição que lhe é exigida. Ao mesmo tempo, lhe é
cobrada que acompanhe as mudanças na sociedade. Encontrar o meio termo é o que
se deseja.
9
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