12º Domingo Tempo Comum Homilias Meditadas Lectio Divina para a Família Salesiana P. J. Rocha Monteiro, sdb XII Domingo do Tempo Comum - Ano B Mc 4,35-41 1. Introdução Domingo passado lemos algumas das parábolas de Jesus apresentadas no Evangelho de Marcos. Hoje começamos a ler alguns dos seus milagres. Há quatro seguidos em Marcos: a tempestade acalmada, o demoníaco gesareno (que não será lido), a cura da hemorroíssa e a ressurreição da filha de Jairo. Depois da doutrina chegam as obras de Jesus. Assim, com palavras e obras vai revelando o Reino de Deus. 2. Relato de Marcos Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse aos seus discípulos: «Passemos à outra margem do lago». Em pleno mar da Galileia, os discípulos de Jesus lutam, aflitos, contra a tempestade que ameaça desfazer a pequena embarcação no meio do mar encapelado. Entretanto, «Jesus, à popa, dormia deitado sobre uma almofada». Os discípulos acordaram-n’O dizendo: «Mestre, não Te importas que pereçamos?» Jesus falou ao vento. O vento cessou e fez-se grande bonança. Disse aos discípulos: «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?» Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros: «Quem é este homem que até o vento e o mar Lhe obedecem?» 3. Símbolos para a nossa vida A vida é um barco em movimento. Não podemos ficar sempre na mesma margem. Cristo envia-nos para novos horizontes. Às vezes a vida mete-nos medo. Nunca podemos perder o horizonte de Deus. Ele é vizinho e transcendente, silencioso e eloquente. A fé está para além das dificuldades. Ter fé é tocar o inalcançável. O medo não deixa ver a proximidade de Deus. Marcos garante-nos que os discípulos nunca estão sozinhos a enfrentar as tempestades que todos os dias se levantam no mar da vida… Cristo vai com eles, ajudando-os a vencer a oposição das forças que se opõem à vida e à salvação dos homens. Jesus está no “barco”, mas são os discípulos que se encarregam da navegação. São eles os anunciadores do Evangelho do Reino. 4. O sono de Deus “Porque dormes? Desperta!” A maior contestação da existência de Deus é a dor inocente. Os Salmos transbordam deste grito; grita-o Job, dele se fazem eco os profetas, repetemno os Apóstolos a meio da noite. Poucas coisas são tão bíblicas como este combate com Deus, que nasce da paixão pela vida, da arrogância de um amor que não aceita acabar. Quantas vezes tenho tido a impressão de que Deus não se importa comigo. Por vezes escutamos estas palavras ”Cortei relações com Deus, porque me tirou um filho, me tirou o marido, deixou que a doença devastasse o meu corpo... e não fez nada. «Zangueime com o Senhor!» Cortei relações com Ele! E dentro de mim eu dizia: «Contudo, também isto é oração. Verdadeira oração amassada com o sal das lágrimas.” Quando tudo corre bem, não colocamos muitas perguntas a Deus. 5. Religião e fé “Quando é que é religião? Quando é que é fé? Religião é quando fazes Deus à tua medida. Fé é quando te fazes a ti à medida de Deus. A única coisa que vence o medo é a fé! Não a religião, mas a fé... Deus e o medo lutam entre si. O medo faz nascer a religião, não a fé.” (Estar no seu refúgio com santinhos, crucifixos e bíblias... será isso sinal de fé ou de medo?) (A esperança que nasce da Palavra) A fé do povo cristão, não o deve levar a exaltar-se no sucesso, nem a desanimar nas tempestades, mas, em todas as circunstâncias, a reconhecer que Deus está presente e o acompanha no caminho da História. Vivemos «por meio de» Cristo e vivemos «orientados para» Cristo (2ª Leitura). Job 38,1.8-11 6. As perguntas do homem e as respostas de Deus Depois de todas as perguntas diretas, polémicas e desesperadas de Job ao Senhor acerca do porquê do sofrimento, e sobretudo sobre o porquê do Seu silêncio, eis a resposta divina: «Fixei limites»; «tranquei portas e ferrolhos»; «e disse-lhe». Job exige respostas racionais e convincentes para o seu sofrimento. As razões tradicionais da teologia, expostas pelos seus amigos, parecemlhe palavras vazias de sentido. Ele quer a resposta que conta, a resposta de Deus. E ei-la finalmente, a resposta de Deus que encosta o homem à parede e às suas pretensões. Job terá de experimentar a sua pequenez, a sua condição de criatura e confiar no Senhor, incondicionalmente. O homem Job vê-se pequenino perante a grandeza da Criação, e ainda mais pequenino perante a perfeição do Criador e do Seu mistério e, por isso, no final responderá: «Sinto-me arrasado. Que posso eu replicar?» (Job 40,4) (Giuseppe Casarin). 7. O fracasso de Job O fracasso de Job, numa visão humana, não tem recuperação possível. Nem cabe no nosso racionalismo. Só Deus controla o mundo que criou. Só Ele põe os limites ao mar e à inteligência humana. Só n’Ele encontramos a explicação do sofrimento. O reconhecimento da grandeza inenarrável de Deus será o primeiro passo: seguir-se-ão outros e sobretudo a experiência do Seu interesse por nós, como é cantado pelo Salmo 8, cheio de admiração pelo homem tornado grande por esse Deus grandíssimo: «O que é o homem para Te lembrares dele? [...] Tu o fizeste pouco menos do que um deus, e o coroaste de glória e esplendor.» (Sl 8, 5.6). 8. O Salmo 106 (107) O Salmo 106 (107) exprime a admiração e o louvor do homem perante os «prodígios do Senhor» (v. 24a); a Sua Palavra regula «mares» e céus (V. 24b-25.29-30) e liberta da opressão os homens (v. 28). Resta-nos apenas louvá-l’O pela Sua misericórdia e pelos Seus prodígios em favor dos homens. 2 Cor 5,14-17 9. A nossa força é Cristo Paulo diz-nos que, na travessia do mar de cada um de nós, há uma força que nos impele a caminhar contra ventos e marés. E essa força é Cristo. Paulo fez a experiência desse amor de Cristo e deixou-se absorver por esse amor. Ele, que «morreu e ressuscitou por nós», é o nosso timoneiro. N’Ele «todos morremos para nós mesmos». “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As coisas antigas passaram: tudo foi renovado.” Aí está o homem, essa nova e bela criatura, nascida da graça, chamada a dar graças. 10. A estrada da vida no barco do mar da nossa Galileia A estrada da vida por onde passamos, por vezes parece-nos mar borrascoso, realidade inverosímil, pinturas de paisagem antiga. Uma estranha frieza debilita as nossas emoções. Deus parece adormecido. Um silêncio emocional paralisa-nos numa estranha frieza. Sentimo-nos um pouco perdidos no nevoeiro do tempo. Agarremos a primavera de Deus mesmo que ela se nos apresente incerta e frágil, cheia de dias de nuvens. Este é o tempo de viver, do encontro pessoal com o transcendente. O tempo já não será tempo comum mas antes um longo domingo de Páscoa. Invoca a luz da esperança. Pode estar fechada em qualquer parte de ti. Não deixes afundar teu barco. Deus está sempre acordado. Vela por ti como uma mãe. Chama por Ele. Lança-te nos Seus braços. Enquanto meu Deus dorme Há uma névoa branca nesse instante. (Lê este Poema Meditação) Enquanto meu Deus dorme Há uma névoa branca nesse instante Levantou-se então uma grande tormenta e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água. Jesus, à popa, dormia. Mc 4, 37-38 Paixão pela vida, luta encapelada, Combates bíblicos sempre presentes, De arrogância, violências, guerras, Sal de lágrimas no homem inocentes. Por que neste mundo de tempestades Há a doença, o desespero, a angústia, Há flores vermelhas de sofrimentos? E Deus na popa, repousado, dormente... Passemos à outra margem da esperança, Vencedora do medo, da ilusão, Do sentimento de culpa, frustração, Libertando as amarras da paixão. Religião, tentação indizível Do homem fazer Deus à sua medida. A fé é quando tu mesmo te fazes À medida do Deus que te dá vida. Fiquei fiel pastor da minha razão, Um rebanho de ideias resmungão. Quisera poder enchê-la de luz Levá-la aos montes da fé ver Jesus. “Não temais” – palavra de Deus, de anjos, De profetas. Vosso Deus está presente. Deixai-vos amar. Tanto Ele vos quer! Nas mãos do oleiro sereis malmequer. Vi nascer pedras alvas no rio Sousa Sementes de fé de branco alvor. Gota a gota a fonte lhe cantava. Lá longe, em mim, meu Deus eu adorava. Pastorinha da serra, alma minha, Quando vives com fé vives em Deus. Como a rosa florida dás tuas cores, Enfeitas a terra, geras amores. Coroai de lírios o nosso Deus; Lançai flores à Sua vida em mim. Olhai a curva florida do arco-íris! Meu barquinho em mar calmo floriu. (J. Rocha Monteiro in “Palavra ardente”)