A FINALIDADE DO ENSINO DA ARTE : o trabalho como fundamento da necessidade estética Rose Meri Trojan Mestre em Educação pela UFPR Doutoranda em Educação e Trabalho – PPGE/UFPR Professora do Setor de Educação da UFPR Mesa-redonda nº.42 - Eixo temático 5: Educação, História e Filosofia Palavras-chave: necessidade estética, ensino da arte, currículo. Para que serve a arte? Esta questão tem preocupado os educadores da área de ensino da Arte, – particularmente a partir da Lei 5692/71 que torna sua inclusão como disciplina obrigatória nos currículos escolares –, com o objetivo de justificar a sua importância na escola básica. Contudo, os esforços despendidos nessa tarefa não têm convencido a maioria dos professores e alunos, a começar pela prática pedagógica ainda presente nas escolas, que mantém a impressão de inutilidade, de “coisa supérflua”. Como já temos afirmado em outros momentos 1: “Que importância tem ficar desenhando, fazendo cartões para o dia das mães, ou bandeirinhas para as festas de São João? Devia é ter mais tempo para a leitura, a escrita, o cálculo...” (TROJAN, 1996, p.87) A maior ou menor importância concedida a esta ou aquela disciplina do currículo escolar decorre da função social que determinado conjunto de conhecimentos, habilidades e comportamentos, que lhes correspondem, ocupa no processo de produção. Em outras palavras, a atividade material – por meio da qual são produzidos os objetos que satisfazem as necessidades humanas de existência – determina os objetivos, conteúdos e métodos da educação. Nesta perspectiva, podemos afirmar que a finalidade do ensino da arte na educação básica está articulada com a função social da arte em determinada etapa do desenvolvimento histórico de cada formação social. Ao analisarmos estas questões, percebemos que, de algum modo, todas elas estão relacionadas ao conceito de necessidade. Porque, “la necesidad del hombre y el objeto de la necesidad están en correlación: la necesidad se refiere en todo momento a algún objeto material o a una actividad concreta. Los objetos ‘hacen existir’ las necesidades y la inversa las necesidades a los objetos. La necesidad e su objeto son ‘momentos’, ‘lados’ de un mismo conjunto”. (HELLER, 1978, p.43) 1 Ver: TROJAN, R. M. A arte e a humanização do homem: afinal de contas, para que serve a arte? Educar em Revista, Curitiba, n.º12, p.87-96, 1996). 2 A necessidade estética como ponto de partida A análise da necessidade estética 2, como categoria fundamental da atividade artística, tem como ponto de partida o processo de humanização do homem através do trabalho. Se o homem produz objetos para satisfazer suas necessidades, os objetos artísticos foram criados para satisfazer uma necessidade, que aqui denominamos de necessidade estética. Isto significa, também, que a partir da satisfação de uma necessidade já desenvolvida, novas necessidades são criadas e, tanto as necessidades como a sua satisfação fazem parte de um processo histórico. A atividade humana é, neste sentido, uma atividade que se desenvolve de acordo com finalidades elaboradas, ao nível da consciência, a partir de uma necessidade. Ou seja, “carece de sentido propor-se um fim já alcançado, ou um resultado obtido. O fim prefigura idealmente o que ainda não se conseguiu alcançar. Pelo fato de propor-se objetivos, o homem nega uma realidade efetiva, e afirma outra que ainda não existe.” (VÁZQUEZ, 1978, p.189) No modo de produção capitalista, os objetos produzidos para satisfação das necessidades humanas são transformados em mercadorias. As mercadorias por um lado, correspondem a uma determinada necessidade, a um valor de uso, e por outro, correspondem a um valor de troca .Em primeiro lugar, A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. (...) A utilidade de uma coisa faz dela um valor-de-uso. Mas, essa utilidade não é algo aéreo. Determinada pelas propriedades materialmente inerentes à mercadoria, só existe através delas. (MARX, 1994, p. 41-42) Assim, a satisfação das necessidades humanas não se limita à mera sobrevivência física, às “necessidades do estômago”, mas, inclui também as necessidades espirituais, “a fantasia”, como a necessidade de estetizar os objetos que produz, a necessidade de produzir objetos propriamente artísticos, ou melhor dizendo, criar formas que contêm significados humanos, que identificam o homem como o seu criador. As diversas funções que determinam a utilidade dos objetos, como também daqueles considerados artísticos, dependem do contexto histórico através do qual são 2 Ver: TROJAN, R. M. O trabalho como categoria fundante da necessidade estética: reconstruindo a função educativa da Arte. Curitiba, 1998. Dissertação (Mestrado em Educação) Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná. 3 determinadas e das convenções sociais criadas para definir sua qualidade. Portanto, as necessidades são históricas, assim como os objetos criados e a satisfação obtida através deles, e dependem do grau de desenvolvimento da sociedade, dos meios de produção, distribuição e consumo. “Por eso, cuando se habla de producción, se está hablando siempre de producción en un estádio determinado del desarrollo social, de la producción de indivíduos en sociedad”. (MARX, 1971, p.5) Desta forma, também no modo de produção capitalista, a necessidade constituise em condição básica de todos os objetos, mesmo sob a forma de mercadoria, e não pode existir nenhum valor (valor de troca) sem valor de uso (satisfação de necessidades): “O homem como ser objetivo sensível é, por isso, um ser que padece, e, por ser um ser que sente sua paixão, um ser apaixonado. A paixão é a força essencial do homem que tende energicamente para o seu objeto.” (MARX, 1987, p.207) Entretanto, no modo de produção capitalista, onde as necessidades de expansão dos valores existentes predominam sobre as necessidades de desenvolvimento do trabalhador, a satisfação das necessidades humanas está subordinada aos interesses do capital e à divisão social do trabalho. A lei de acumulação capitalista, mistificada em lei natural, na realidade só significa que sua natureza exclui todo decréscimo do grau de exploração do trabalho ou toda elevação do preço do trabalho que possam comprometer seriamente a reprodução contínua da relação capitalista e da sua reprodução em escala sempre ampliada. E tem de ser assim num modo de produção em que o trabalhador existe para as necessidades de expansão dos valores existentes, ao invés de a riqueza material existir para as necessidades de desenvolvimento do trabalhador. (MARX, 1994, p. 722) Com efeito, os trabalhadores satisfazem suas necessidades, de acordo com suas possibilidades econômicas, porque as necessidades se repartem entre os indivíduos sempre em virtude da divisão do trabalho: o lugar ocupado no seio da divisão do trabalho determina a estrutura da necessidade, ou ao menos, seus limites. (HELLER, 1978, p. 23) Por conseguinte, ou as pessoas se preocupam em ganhar dinheiro, ou pela falta dele, ficam impedidas de realizar determinados desejos. De todo modo, a riqueza das mercadorias produzidas, tanto como bens de consumo quanto como bens de produção, submete todos à busca incessante de mais dinheiro. A necessidade (Beddürfnis) do dinheiro é assim a verdadeira necessidade produzida pela economia política e a única necessidade que ela produz. (...) – a propriedade privada não sabe fazer da necessidade bruta necessidade humana; seu idealismo é a fantasia, a arbitrariedade, o capricho; (...) toda necessidade real ou possível é uma fraqueza que arrastará as moscas ao melado - exploração universal da essência coletiva do homem. (MARX, 1987, p.182-183) 4 No entanto, o processo de desenvolvimento das forças produtivas promovidos pela divisão do trabalho e pala expansão do capital, traz em si uma contradição: por um lado, cria as condições materiais para o pleno desenvolvimento do sujeito e da sua atividade e, por outro determina a sua alienação em relação aos produtos e meios de produção. (MARX, 1971, p. 716) Deste modo, a determinação do salário do trabalhador, ao levar em conta apenas as necessidades básicas em seu limite mínimo, transforma em “luxo”, os produtos que não lhes correspondem. Nesta perspectiva, os objetos serão considerados necessários ou de luxo exclusivamente do ponto de vista econômico. Por conseguinte, na sociedade capitalista, podemos considerar objetos e necessidades de luxo, tudo aquilo que não pertence ao sistema de necessidades definidos para a classe trabalhadora. Toda a diferença que se possa fazer entre as mercadorias se situa no ponto de vista do consumidor, tendo em vista a classe a qual pertence 3. A partir desta análise, podemos entender a razão pela qual determinados produtos se tornem, temporariamente, mais baratos e acessíveis. As necessidades de luxo e os objetos que lhes correspondem são, portanto, definidos em um determinado tempo e em determinadas circunstâncias, pois, Ningún producto o necesidad concreta possee la propriedad de ser un producto o una necesidad de lujo. Esto viene determinado únicamente por el hecho de que el objeto sea poseído o usado (y por tanto quede satisfecha la correspondiente necesidad) por la mayoía de la populación o bien únicamente por la minoria que representa un nível más elevado de poder adquisitivo, y ello en virtud de la división del tabajo. Como consecuencia de la cresciente productividad, así com a tenor de los cambios de la estructura social, necessidades originariamente de lujo se convierten en necesidades necesesarias, sin ninguna modificación de su aspecto cualitativo. (HELLER, 1978, p. 38-39) Por este motivo, só no sentido econômico podemos classificar uma necessidade ou objeto na categoria “de luxo”. Portanto, a necessidade estética e o objeto artístico só podem ser considerados meios de consumo de luxo, quando e porque são inacessíveis à classe trabalhadora e, excedem as necessidades definidas para sua sobrevivência. 3 De acordo com Marx, podemos classificar as mercadorias em dois grupos: a) Meios de consumo que entram no consumo da classe trabalhadora e, sendo meios necessários de subsistência, constituem parte do consumo da classe capitalista, embora muitas vezes diferentes em qualidade e valor dos consumidos pelos trabalhadores. [...] meios de consumo necessários, não importando no caso que o produto, o fumo por exemplo, seja ou não necessário do ponto de vista fisiológico; basta que o seja convencionalmente. b) Meios de consumo de luxo, que só entram no consumo da classe capitalista e assim podendo apenas ser trocados por mais-valia, que nunca chega ao bolso do trabalhador. (MARX, 1991, p.431) 5 Em síntese, a classe trabalhadora não pode satisfazer determinadas necessidades a partir do pressuposto que estas sejam de luxo por sua própria natureza, pois, as necessidades de luxo deixam de existir quando o sistema produtivo transforma o modo de definição das “necessidades necessárias” 4. Este conceito formulado por Heller, é importante para analisar o desenvolvimento das necessidades humanas para além das exigências de ordem vital ou natural. Nesta perspectiva, estas não se limitam às necessidades materiais, mas também as de caráter não material tais como o ensino, a participação política, o acesso à arte, etc.. A necessidade que o homem tem de afirmar-se como ser humano é o fundamento de toda a atividade prática, e é também o fundamento de sua relação estética com a realidade já transformada pelo trabalho. Se a riqueza humana é riqueza de necessidades e riqueza de relações com o mundo, a arte se justifica pela possibilidade de, ao mesmo tempo que enriquece a realidade e a revela artisticamente, transformar o homem e a sua forma de ver o mundo. “Transformando a natureza exterior, o homem fez com ela um mundo à sua medida, um mundo humano, e assim acrescentou o humano à natureza. Mas também teve de se transformar a si mesmo, pois tampouco em sua própria natureza estava o humano dado previamente”. (VÁZQUEZ, 1978, p. 82) Esta transformação objetiva (da realidade exterior) e subjetiva (da realidade interior) determinou, na relação entre a necessidade e objeto, a criação de sentidos propriamente humanos para realizar a sua satisfação e apropriação dos produtos da sua atividade. No processo de objetivação do homem se criam os sentidos humanos e a relação humana objetiva que se desenvolve através de sentidos e necessidade humanas. Entretanto, o mundo das mercadorias é o mundo do egoísmo, do interesse individual egoísta. No âmbito do mercado, os sujeitos são indiferentes reciprocamente, só se relacionam para atender a seus interesses pessoais, não levam em conta as necessidades dos outros, as necessidades mais elevadas e mais humanas. Podemos definir necessidades mais elevadas como aquelas que ultrapassam os interesses individuais, as quais Marx denomina “necessidades sociais”, que não 4 Segundo Heller: “Las necesidades ‘necesarias’ son aquellas surgidas historicamente y no dirigidas a la mera supervivencia, en las cuales el elemento cultural, el moral y la costumbre son decisivos y cuya satisfacción es parte constitutiva de la vida normal de los hombres pertencientes a una determinada clase de una determinada sociedad. Denominamos ‘medio necesario para la supervivencia’ en un determinado tiempo o para una determinada clase, a todo lo que sirve para la satisfacción de las necesidades (vitales) y de las “necesidades necesarias”. (HELLER, 1978, p.33-34) 6 correspondem à demanda do mercado, e que são determinadas por critérios econômicos. (MARX, 1991, p.213) Na sociedade contemporânea, grande parte das necessidades sociais estão subordinadas à instituições (públicas ou privadas), que detêm o controle sobre a produção, distribuição e consumo dos objetos que as correspondem, isto é, que determinam as regras pelas quais são satisfeitas estas necessidades. Para a satisfação das necessidades estéticas, temos toda produção relacionada à chamada indústria cultural, bem como a criação de salas de cinema, clubes, teatros, museus, etc.. A limitação do acesso a estes espaços e objetos são, basicamente, decorrentes de dois problemas. Um deles se refere à condição econômica das pessoas, pois o acesso a maioria deles se dá de forma privada e, a solução mais simples, porém improvável no atual contexto de privatização geral, seria torná-los públicos ou criar outros que assim o fossem. Ainda assim, a existência de espaços públicos não é condição suficiente, e as propostas alternativas que se colocam nesta direção – como exposições abertas ou concertos com entrada franca – têm atraído, de modo geral, um público mais intelectualizado que possui o “gosto” para este tipo de arte, de alguma forma, já desenvolvido. O que nos leva a identificar o segundo problema, que se refere à necessidade de uma educação estética, que desenvolva os sentidos humanos e torne acessível a compreensão das obras de arte, suas técnicas e modos de expressão dos significados humanos nelas contidos. Este processo, além de métodos adequados, exige uma clara definição da função social da arte enquanto expressão e afirmação da realidade humana, e de sua função específica na prática pedagógica desenvolvida, principalmente na instituição escolar. Compreender como a necessidade estética se constrói, se manifesta e se transforma, a partir de suas relações com o trabalho, é a condição para definir os objetivos para o ensino da arte na escola. Se na maioria das vezes, a arte é colocada na escola como forma de lazer e expressão espontânea e, neste sentido, secundária e oposta às preocupações relacionadas com o conhecimento necessário para a formação humana, esta situação se explica pelas condições estabelecidas pelo sistema produtivo. A partir do capitalismo e da ideologia liberal que o justifica, a concepção de arte predominante, centra-se na individualidade absoluta do sujeito. Se na Antigüidade, o estético deveria se subjugar aos princípios divinos – a aparência como expressão de uma 7 essência –; na modernidade se subordina à subjetividade humana – a expressão original da criatividade individual 5. Desse modo, ao ingressar no território escolar, a arte subordina-se ao imperativo das capacidades individuais subjetivas: sensibilidade, imaginação, inspiração. Como nos mostra Ferry, a autonomia da estética é uma conquista dos tempos modernos: “Com o individual, buscado pelo artista, ingressamos no domínio que a razão cartesiana não pode captar e que podemos chamar de domínio do irracional, ou ainda, se adotarmos um vocábulo estético, domínio do ‘mistério’, da delicadeza e do ‘não-sei-quê”. (FERRY, 1994, p.113) O caminho em busca de novas perspectivas A partir da década de 80, os estudos na área de renovação curricular, a partir de uma nova base epistemológica de base marxista, se abre uma nova perspectiva para o ensino da arte na escola básica, para superar a visão ora idealista, ora mecanicista, que tem permeado a educação escolar, bem como o determinismo imobilista das análises crítico-reprodutivistas. Nesta busca, o caminho percorrido foi longo e permeado por avanços e recuos, determinados pela dificuldade em encontrar referências que tornassem tornar visível uma necessidade sentida. Como afirma Fischer, sabemos que a arte é necessária, resta saber porquê. (FISCHER, 1981, p. 11) O peso da história do ensino da arte na escola brasileira e das concepções teóricas que o matizou ainda se faz sentir nos dias de hoje, tornando difícil superar os problemas de sua posição no currículo escolar. De um lado, a visão tradicional de ensino que se caracteriza pela reprodução mecânica dos padrões clássicos de arte, e de outro, a visão liberal que se baseia na expressão espontânea e imediata, acabam por se encontrar no idealismo: a possibilidade de produzir e apreciar a arte dependem de um dom inato e misterioso. Nas palavras de Porcher: “Os métodos tradicionais e os métodos liberais representam, aliás, sob este aspecto as duas faces de uma mesma moeda.” Estas “duas igrejinhas concorrentes e que se excomungam mutuamente, acreditam no mesmo Deus da arte”; e “as diferenças residem apenas nos exercícios de culto”. Em ambos os casos, 5 Ver FERRY, L. Homo Aestheticus: a invenção do gosto na era democrática, 1994. 8 não há o que ensinar, basta deixar que a “natureza” aja por si: se houver talento ele se apresentará; se não houver, nada poderá ser feito. (PORCHER, 1982, p.20-21) Nesta direção, o “desenvolvimento da criatividade” pela via da estimulação da expressão espontânea, desenvolvido pelas teorias norte-americanas, e popularizado a partir da reforma educacional dos anos 70 6, ainda mantém sua influência: “Na arteeducação, o que importa não é o produto final obtido; não é a produção de boas obras de arte. Antes, a atenção deve recair sobre o processo de criação. O processo pelo qual o educando deve elaborar seus próprios sentidos em relação ao mundo à sua volta. A finalidade da arte-educação deve ser, sempre o desenvolvimento de uma consciência estética.” (DUARTE JR, 1985, p. 73) É esta influência que podemos identificar, por exemplo, nos subsídios para a programação de Educação Artística de Santa Catarina, apesar de já estar contida a preocupação com o desenvolvimento dos sentidos e da percepção: “Na Educação através da Arte, uma forma acessível e adequada de estimular a criança, é dar atenção às emoções e sentimentos, visando o aprimoramento de sua capacidade perceptiva e a dinamização de sua imaginação, através de experiências criadoras, na medida de suas possibilidades e limites.” (SANTA CATARINA, 1985-88, p.7) Contudo, ainda subordinada a Lei 5692/71, formula seus “objetivos gerais e específicos da expressão plástica”, dentro do espírito da lei: - OBJETIVOS GERAIS Desenvolver a coordenação motora. Expressar-se espontaneamente. - - - - Desenvolver os estímulos visuais e táteis, criatividade e originalidade aproveitando os recursos disponíveis do meio ambiente. Educar a percepção e a apreciação de valores culturais da região, do estado e do país. Educar a percepção e desenvolver a capacidade de análise crítica, ampliando o campo de experiências. - - - OBJETIVOS ESPECÍFICOS Identificar figuras geométricas. Criar composições com formas e espaços originais. Transformar materiais de sucata em produtos originais de forma, cores e texturas, em espaços bi e tridimensionais. Inovar as técnicas de pintura, desenho, gravura, escultura, tecelagem, etc.. Explorar a arte folclórica, regional, estadual e nacional. Manifestar atitude de interesse pelos valores estéticos na obra de arte. (...) UNIDADE EXPRESSÃO PLÁSTICA SANTA CATARINA, 1985-88, p.15) 9 Percebe-se, nesse conjunto de objetivos, a dificuldade de superar a herança de práticas remanescentes do Desenho Geométrico, cuja finalidade estava ligada ao desenvolvimento de habilidades motoras; da Música, onde o folclore ocupa um espaço significativo; e, da influência das “escolinhas de arte”, onde a exploração da sucata serve de meio para a expressão criativa. Se de um lado, o que compete ao professor é “dar orientação e estímulo, para que o aluno realize com alegria e espontaneidade o seu trabalho, em um ambiente que facilite essa tarefa”, as sugestões de atividades mesclam o canto de hinos pátrios e canções folclóricas com a confecção de fantoches de papier maché, “desenho livre” e confecção de instrumentos musicais com sucata. SANTA CATARINA, 1985-88, p.92) Seria interessante analisar cada um desses objetivos a partir da orientação metodológica e das sugestões de atividades contidas no referido documento, que se fundamenta na concepção da “livre expressão criadora”, o que demandaria um outro estudo que não cabe aqui nesse espaço e extrapola a finalidade desse trabalho. Por hora, deixamos como ilustração de uma fórmula que ainda hoje se repete em muitos projetos pedagógicos. Os manuais didáticos, elaborados pelas editoras, na época, orientam e denunciam a confusão que se instala nas práticas escolares, reunindo de forma desconexa atividades ligadas a diferentes práticas da área de desenho, música e teatro. Um exemplo que pode ser verificado é “Comunicação Visual e Expressão” para 1.º e 2.º grau, que se apresenta em dois volumes: o primeiro composto de “técnicas” de artes plásticas (do tipo pintura a dedo, desenho cego, mosaico, etc..); e o segundo de desenho (geométrico). (PENTEADO, 1977) A falta de referências para uma nova prática, que refletisse da pedagogia em processo de organização, que se fundamenta a partir do trabalho como princípio educativo, e a dificuldade de superar a idéia da arte como resultado de inspiração espontânea tornaram o processo particularmente mais complexo. Em Curitiba, a primeira experiência de revisão curricular do período citado acima, tem como base a pedagogia histórico-crítica, desenvolvida por Dermeval Saviani 7 e outros, com a finalidade de “redimensionar os conteúdos, de um ponto de vista científico, crítico, reflexivo.” (CURITIBA, 1988, p. 27) 6 Lei 5692/71, que reforma em parte a Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional – Lei 4024/61. 7 Ver, entre outros trabalhos do autor: Escola e Democracia, 20 ed. S.P: Cortez, 1988; e Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações, S.P: Cortez, 1991. 10 No que se refere ao ensino da arte, fortemente influenciada por uma prática espontaneísta, o grande desafio era “identificar” os conteúdos para redimensioná-los. Nessa direção, o avanço obtido constituiu-se no resgate histórico do conhecimento, acumulado ao longo da História da Arte, que deveria ser transmitido aos alunos como condição para produção e apreciação da arte: “Na escola, a Educação Artística constituise no espaço possível para o domínio dos meios de expressão a partir da observação efetiva da realidade, do conhecimento das normas e códigos socialmente construídos e do fazer artístico como linguagem.” (CURITIBA, 1988, p. 133) Paralelamente, a rede estadual de ensino do Paraná, a exemplo da maioria dos estados brasileiros, desenvolve sua proposta que é apresentada em 1990. O Currículo Básico do Paraná indica mais um avanço no processo, definição do objetivo do ensino da arte: “educar esteticamente é ensinar a ver, a ouvir criticamente, a interpretar a realidade, a fim de ampliar as possibilidades de fruição e expressão artística.” Para isso, propõe como base para a ação pedagógica: “a humanização dos objetos e dos sentidos; a familiarização cultural e o saber estético; e também o trabalho artístico.” (PARANÁ, 1990, p,150) No entanto, o desenvolvimento da metodologia proposta, bem como a qualificação docente necessária para consolidar uma mudança efetiva sofreu duros golpes: de um lado, as mudanças de encaminhamento político dos governos que se sucederam, já sob forte influência das transformações econômicas geradas pela globalização e pelas inovações de ordem tecnológica e administrativa do sistema produtivo; e de outro, mas no mesmo contexto, da nova legislação 8 que trouxe para o interior da escola a chamada “pedagogia das competências”, que por hora não vamos analisar. Esta mudança de encaminhamento pode ser percebida na formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, publicado pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação e Cultura. Apesar de citar como referência a maioria dos documentos elaborados pelos estados brasileiros ao longo da década de 80, inclusive o Currículo Básico do Paraná, não incorpora a sua concepção. O que mais se evidencia nos seus objetivos é a finalidade de ensino da arte pela arte, isto é, ensina-se arte para compreender a arte e se expressar artisticamente. 8 Ver especialmente: LDB, Lei 9394/96 e Resoluções e Pareceres do CNE, referentes às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica no site http: //.mec.gov.br. 11 Citamos aqui, como ilustração, os objetivos expressos para as etapas finais do ensino fundamental, a fim de não nos alongarmos demasiado. • • experimentar e explorar as possibilidades de cada linguagem artística; compreender e utilizar a arte como linguagem, mantendo uma atitude de busca pessoal e/ou coletiva, articulando a percepção, a imaginação, a emoção, a investigação, a sensibilidade e a reflexão ao realizar ou fruir produções artísticas; experimentar e conhecer materiais, (...) de modo que os utilize em trabalhos pessoais, identifique-os e interprete-os na apreciação e contextualize-os culturalmente; construir uma relação de autoconfiança com a produção artística pessoal e conhecimento estético, respeitando a própria produção e a dos colegas, sabendo receber e elaborar críticas; identificar, relacionar e compreender a arte como fato histórico contextualizado nas diversas culturas, ...; observar as relações entre a arte e a realidade, refletindo, investigando, indagando,...; identificar, relacionar e compreender diferentes funções da arte, do trabalho e da produção dos artistas; identificar, investigar e organizar informações sobre a arte, reconhecendo e compreendendo a variedade dos produtos artísticos e concepções estéticas presentes na história das diferentes culturas e etnias; pesquisar e saber organizar informações sobre a arte em contato com artistas, obras de arte, fontes de comunicação e informação. (BRASIL, 1998, p.48) • • • • • • • As palavras de ordem agora são: experimentação e contextualização. Precisamos reconhecer e respeitar a diversidade cultural, identificar e compreender as diferentes funções da arte, pesquisar e organizar informações, saber elaborar e receber críticas, etc.. Para quê? Talvez, tomando como referência a “estética da sensibilidade” definida nas Diretrizes Curriculares Nacionais, para tornar possível estimular ... a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, e a afetividade, bem como facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a diversidade, valorizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e alegóricas de conhecer o mundo e fazer do lazer e da imaginação um exercício de liberdade responsável 9. (CNE, 1998) Esta concepção de “estética da sensibilidade”, expressa nos documentos relativos às diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio, revelam, não um apelo à sensibilidade, antes disso, ao conformismo decorrente da aceitação do individualismo e do relativismo como princípios absolutos, sintomas que começam a se evidenciar a partir da segunda metade do século XX. É uma forma de estetização que vem “saturar” toda a cultura com seu “fetichismo do estilo e da superfície, seu culto do hedonismo e da técnica, sua reificação do significante e o deslocamento do significado discursivo por intensidades casuais”. 9 Resolução CEB n.º 3 de 26 de junho de 1998 do Conselho Nacional de Educação - CNE, referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, relatora Guiomar Namo de Mello. 12 Como afirma Eagleton: “Estamos agora, assim nos dizem, na era do pós-modernismo.” (EAGLETON, 1993, p.269) Contudo, e apesar dos entraves legais e ideológicos, os educadores continuam desenvolvendo novos projetos que permitem avançar na definição de objetivos para o ensino da arte na direção do pleno desenvolvimento humano, tomando a arte como resposta a uma necessidade humana fundamental. Este avanço pode ser identificado nos objetivos formulados na Proposta Curricular de Pinhais, município da região metropolitana de Curitiba: Formar e ampliar os sentidos para uma efetiva compreensão da cultura visual, sonora, cênica e da dança, mediante o domínio do conhecimento artístico necessário para interpretar o significado dos objetos. (...) Possibilitar ao aluno, tomando como referência o seu olhar e o seu conhecimento, o domínio de diferentes formas de interpretação do significado dos objetos. (...) Possibilitar ao aluno, mediante a formação dos sentidos e do domínio do conhecimento artístico, construir estratégias de produção e apreciação (compreensão e interpretação ) dos objetos que constituem a produção cultural. (PINHAIS, 2000, p. 166-169) Esta perspectiva retoma a direção indicado no processo de reformulação curricular, iniciado nos anos 80, que aponta para um ensino que contribua para democratizar o acesso à arte como resposta a uma necessidade estética. de interpretar, expressar e compreender a realidade humana, ou seja: A arte, como o trabalho, é criação de uma realidade na qual se plasmam finalidades humanas, mas nesta nova realidade domina sobretudo sua utilidade espiritual, isto é, sua capacidade de expressar o ser humano em toda sua plenitude, sem as limitações do produto do trabalho. A utilidade da obra artística depende de sua capacidade de satisfazer não uma necessidade material determinada, mas a necessidade geral que o homem sente de humanizar tudo quanto toca, de afirmar sua essência e de se reconhecer no mundo objetivo criado por ele. (VÁZQUEZ, 1978, p.71) E a luta continua No entanto, as condições materiais da escola, especialmente da escola pública, tornam ainda distantes as possibilidades de um avanço efetivos na implementação dessas propostas. O ensino da arte, na perspectiva apontada, exige espaço e tempo adequados, materiais específicos e qualificação permanente para os professores. E isso, numa sociedade capitalista, é uma utopia, pois ainda predomina “a idéia de que a arte é uma atividade aristocrática, portanto fora das possibilidades da multidão que precisa trabalhar para viver”. (PORCHER, 1982, p.14) 13 Se hoje, a valorização da estética, relacionada às mudanças nas bases materiais de produção, tem gerado o desenvolvimento de novos processos pedagógicos, no âmbito das relações sociais através das atividades artísticas. Contraditoriamente, o ensino da arte continua apresentando dificuldades para encaminhar seus objetivos. Para dar conta desta contradição, precisamos analisar a atividade artística e seus reflexos no processo educativo, tendo como referencial o modo de produção, distribuição e consumo da arte sob o capitalismo. Muitas vezes se considera, equivocadamente, que a apropriação dos objetos artísticos se dá de forma imediata através dos sentidos. No entanto, o desconhecimento dos códigos utilizados para produzir um objeto, impedem uma percepção mais elaborada, aumentando o risco de conformação do sujeito aos interesses do capital. A falta de conhecimentos significa falta de defesas, leva ao consumo passivo e imediato dos produtos artísticos, o que possibilita uma visão fragmentada e distorcida da realidade e torna as pessoas vulneráveis à manipulação. A partir desta compreensão, a realidade mostra o quanto ainda será exigido de esforço “teórico e prático”, de pesquisa e ação política e pedagógica para superar velhos e novos obstáculos. A luta continua, pela definição e realização de objetivos de ensino que permitam que a arte ocupe, na escola, o lugar que lhe é devido. E, hoje, este esforço passa pela afirmação dos objetivos expressos na proposta curricular de Pinhais: a formação e desenvolvimento dos sentidos; o domínio do conhecimento artístico necessário para compreender a arte como meio de compreensão e humanização da realidade humana; e a construção de estratégias para produção e apreciação da arte. Nesse caminho, vislumbra-se a possibilidade de recuperar a necessidade estética como uma necessidade fundamental do homem, onde o ensino da arte poderá contribuir para o pleno desenvolvimento humano, pois: “Cuando cesa el domínio de las cosas sobre el hombre, cuando las relaciones interhumanas no aparecen ya como relaciones entre cosas, entonces toda necesidad es gobernada por la ‘necesidad de desarrollo del indivíduo’, la necesidad de autorrealización de la personalidad”. (HELLER, 1978, p. 85) 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Lei n.º 5692 de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1.º e 2.º graus, e dá outras providências. _____. Lei n.º 9394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, no 2048, p. 27833-27841, 23 dez. 1996. _____. Secretaria de Educação Fundamental Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte (primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental). Brasília, 1997. _____. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte (terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental). Brasília, 1998. CANCLINI, N. G. A socialização da arte: teoria e prática na América Latina. São Paulo: Cultrix, 1984. CURITIBA. Secretaria Municipal da Educação. Currículo básico: uma contribuição para a escola pública brasileira. Curitiba, 1988. DUARTE JUNIOR, J. F. Por que arte-esducação? 2 ed. Campinas: Papirus, 1985. FERRY, L. 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