OS GOVERNADORES CIVIS DO DISTRITO DE VILA REAL [1835-2002] que este havia ofendido a honra do primeiro, e o desluvado exigia reparação da ofensa por meio das armas. Nessa época devia o governador da província viver num castelo feudal, situado talvez numa das escarpas abruptas que desta vila descem para o Corgo, provavelmente onde hoje está a capelinha de S. João da Fraga. Os governadores militares, homens pundonorosos, fidalgos oriundos da melhor linhagem, punham acima de tudo a honra, e não consentiam que no seu castelo entrasse quem, não tendo recuperado a luva arremessada ao adversário, não tinha lavado com sangue a nódoa que lhe besuntara a honra. Acabando os governadores provinciais, e tendo-se estabelecido os governos civis, com as vastas prerrogativas como lhas davam as primeiras leis do novo regime, continuou-se com eles o mesmo procedimento que se havia tido com os seus antecessores. E aí tens tu, meu amigo, em que época se filia a causa de ter abortado o discurso, de que me vinhas falando há mais de quatro dias. Mas crê que as armas, depois de haverem cumprido o seu dever brutal, o seu dever de ensinar um governador civil a cumprir as leis velhas da velha cavalaria, estatuídas nesta terra de fidalgos há mais de duzentos anos, saberão também cumprir os deveres de cortesia, indo visitar o novo chefe do distrito.» Mas o que se dá com as luvas dá-se também com as esporas… «A mesma origem, meu amigo, a mesma origem. E senão… estou-te massando, talvez. Ficará para outra vez contar-te essa história que se filia ainda nas leis velhas da cavalaria andante». E, aquela saudosa hora da tarde, quando o sol, como uma cabeça de ouro, que um invisível gládio decepasse, rolava por sobre a superfície lisa de um mar de leite, o meu amigo separou-se de mim, e lá foi, curvado para o chão, a caminho da sua poética casa situada entre os velhos castanheiros musgosos que o viram nascer, e sob cuja protectora sombra ele aprendeu a interpretar a natureza tão flagrantemente, tão artisticamente. Do alto do outeirosito onde ele vive lançou uma vista de olhos para a paisagem e ficou-se estático, meditativo como uma incompreensível esfinge. E aí está como um indivíduo, precedido da fama de abalizado escritor e de autorizado mérito vem a entrar muitas vezes com o pé esquerdo numa pequena vila de província. (O Povo do Norte, de 18.12.1892) Como os nossos leitores viram no último número do Povo do Norte o novo governador civil deste distrito, sr. dr. Cândido de Figueiredo ficou com o seu belo discurso de apresentação embuchado, mercê de uma malvada sentinela que embirrou em o não deixar entrar no palácio do governo civil, sem que sua exa. calçasse as duas luvas. Este facto desgostou o sr. Cândido de Figueiredo por tal forma que tem andado triste, merencório e até ainda não teve gosto para enfeitar a lapela do casaco com flores que lhe são queridas. Não que isto de ficar embuchado com um discurso de apresentação é um tanto sério. Pois bem; vimos nós em socorro de sua exa. dando aos quatro ventos da publicidade a 342