74 [P R I V A D O ] Another life Às vezes, é mesmo preciso atirar tudo ao ar. Mas, e depois? Os testemunhos dos CEO que ousaram mudar a vida por Carla Novo S A RENÚNCIA Em 2012, Fabrice Grinda, fundador do OLX (um dos maiores sites de classificados gratuitos do mundo) demitiu-se do seu cargo de executivo na empresa, desfez-se do apartamento de luxo que tinha em Nova Iorque, doou parte dos bens e pôs-se a caminho do mundo, aderindo à moda do couchsurfing. Eles tiveram coragem para largar tudo o que conquistaram quem gosto. Não me vou reformar, sou novo demais, continuarei a trabalhar, ainda que seja por menos dinheiro e num cargo inferior.» Esta foi a carta que Max Schireson, antigo presidente executivo da MongoDB, deixou publicada no seu blog pessoal quando, em Janeiro de 2014, abandonou o cargo. As trocas e ainda acredita que desistir é fraqueza, não perca Quem se pode dar ao luxo de se reformar com 28, 35 ou 45 anos de tempo a ler este artigo. Mas se, pelo contrário, já peridade? Perguntámos à business coach Karina Milheiros. «Apenas cebeu que «atirar a toalha ao tapete» pode fazer parte alguém que possa viver de aplicações financeiras, de bens imóveis, de da sua evolução, embarque nesta viagem ao mundo da uma herança, ou do lucro que advenha de negócios. Nos casos que ousadia e de atitudes que parecem não fazer sentido. tenho acompanhado como coach, as pessoas que deixam cargos de Quem são as pessoas que se dão ao luxo de desistir do que conquis- topo continuam a trabalhar, com a diferença de que o seu desemtaram ao longo da vida? Em 2012, Fabrice Grinda, fundador do penho lhes traz satisfação plena. Não precisam de se “re-motivar”, OLX (um dos maiores sites de classificados gratuitos do mundo) porque o que os conduziu a abandonar tudo foi a falta de motivação, demitiu-se do seu cargo de executivo na empresa, desfez-se do a falta de prazer e de sentido. Quem muda vai atrás do que o motiapartamento de luxo que tinha em Nova Iorque, doou parte dos va. Do estatuto para a realização pessoal. Deixa de ser apenas imporbens e pôs-se a caminho do mundo, aderindo à moda do couchtante ter um salário alto e passam a priorizar o prazer dos pequenos surfing. Mohamed El-Erian, CEO da Pimco, gestor momentos da vida. Deixa de ser o stress e a pressão e A DISTÂNCIA de fundos de investimento, bateu com a porta quando passa a ser o tempo, a calma, deixam de ver apenas os «A MongoDB é uma a filha de dez anos lhe escreveu os 22 acontecimentos filhos enquanto dormem na cama, para verem os filhos empresa formidável, em importantes da vida dela em que ele não esteve presente. quatro anos como CEO a crescer, deixa de ser o luxo e passa a ser o conforto da consegui aumentar as A norte-americana Maria Kefalas, escritora e conceitusimplicidade, deixa de ser o material supérfluo e passa a vendas em 30 vezes. Mas ada professora universitária, recusou a promoção que a ser a vida que vivem.» não posso continuar a ser lançaria ao topo. Mas, o argumento «puderam fazê-lo o líder que todos pensam que sou, sobretudo por porque tinham almofadas financeiras que o permiticausa da distância entre ram» faz sentido? A business coach, Karina Milheiros, Maria Kefalas, 46 anos, esteve quase a chegar ao topo a empresa, em Nova co-fundadora da More Institut International, explicou da carreira. A norte-americana é professora universiIorque, e a minha família, porque há cada vez mais pessoas que, chegando ao topo, que vive na Califórnia», tária, autora de vários livros e de pesquisas sociológicas disse Max Schireson. largam tudo. Mas, o que acontece depois? sobre violência. O mérito e talento trouxeram-lhe a proposta que muito ansiava: dirigir uma importante universidade americana. Contudo, recusou o convite. E explica porquê: «Durante anos, coloquei em primeiro lugar a carreira, «Tenho três filhos maravilhosos, de 9, 12 e 14 anos, adoro passar mesmo estando casada e tendo filhos. Para mim era tão imporo tempo com eles, fazer esqui, natação, cozinhar, jogar gamão e tante ser bem-sucedida que, mesmo quando o meu marido foi ver filmes. Estou num ritmo que me faz voar 300 mil milhas por diagnosticado com cancro e teve de fazer quimioterapia, eu não ano, a quantidade média que um CEO em Silicon Valley, faz entre estive a apoiá-lo a 100 por cento. Estava ocupada a escrever livros, Palo Alto e Nova Iorque. Perco todos os momentos de diversão da minha família. E momentos importantes, como o dia em que o meu a dar aulas, a fazer pesquisas, a escalar o topo que ambicionava. Considerava-me uma excelente profissional e óptima mãe, só filho mais novo foi operado de urgência. A minha mulher tem uma porque conseguia dividir o tempo, embora não estivesse a dividir o carreira brilhante, é médica e professora na Universidade de Stanempenho. Quando a tão desejada promoção chegou, a minha filha ford e é uma mãe fantástica. Os meus amigos perguntam-me com mais nova estava gravemente doente. Era o timing errado, que frequência como é que ela consegue equilibrar trabalho e família. A pouca sorte, pensei. Mas, na verdade foi a atitude certa. Sim, a vida mim nunca ninguém me pergunta tal coisa. Há um sentimento de encarrega-se de nos colocar obstáculos para não nos desviarmos solidão e vazio inerente a tudo isto. A MongoDB é uma empresa do nosso caminho. Respondi que “não” e fui para casa ter com formidável, em quatro anos como CEO consegui aumentar as vendas em 30 vezes. Mas não posso continuar a ser o líder que todos a minha filha. Não me arrependo. Actualmente, continuo a dar aulas, embora tenha abrandado o ritmo. Concilio a vida privada pensam que sou, sobretudo por causa da distância entre a empresa, em Nova Iorque, e a minha família, que vive na Califórnia. Assumi- com a profissional sem stress, algo que seria impensável se tivesse aceitado aquele cargo. Todas as mães têm de fazer escolhas, mas -lo pode ser a “certidão de óbito” para futuros cargos como CEO. somos sempre julgadas.» Mas a vida é feita de escolhas. Eu escolhi passar mais tempo com Mohamed El-Erian abandonou o cargo quando a filha de dez anos fez uma lista com os 22 acontecimentos da vida dela em que ele não esteve presente Todas as mães são julgadas Os arrependimentos dos bem-sucedidos DE ROSA NICOLA/IO DONNA/RCS/ATLÂNTICOPRESS Estas imagens de moda não foram produzidas para este artigo Certidão de óbito ou libertação? A PESQUISA Daniel Gulati, da Harvard Business Review, fez um estudo sobre os maiores arrependimentos das pessoas que chegam ao topo da carreira. Contactou profissionais com idades entre os 28 e 58 anos e perguntou-lhes: que fariam de diferente se retrocedessem na carreira? Este é o top: 1 Gostaria de ter aceite o cargo por um motivo que não fosse o salário. 2 Gostaria de ter mudado de carreira. 3 Gostaria de ter tido confiança para abrir o meu próprio negócio. 4 Gostaria de ter usado melhor o tempo de formação. 5 Gostaria de ter seguido mais vezes a minha intuição. Engolidos pela pressão «As pessoas que largam tudo e decidem dar uma nova direcção à vida são vítimas, muitas vezes, de pressão social e familiar para manterem o estatuto, a função, o dinheiro... Na maioria dos casos, família e amigos não compreendem porque alguém muda de rumo, aparentemente sem sentido, e dizem coisas do tipo “Como é que deixas o luxo e decides viver a confeccionar compotas caseiras”?», conta a coach Karina Milheiros. «Tive um cliente, um ex-vice-presidente de uma conhecida multinacional da área informática, que me disse: “Eles desejam o mesmo, mas não têm a coragem de o fazer, projectando o seu medo em mim. Perguntam-me se sou maluco, de que vou viver, se vou deixar de conduzir um Mercedes para andar de bicicleta”. Para tomar uma atitude destas é necessária ousadia e coragem, pois é provável que os contactos profissionais desapareçam. A reacção da família varia, embora esta decisão traga sempre insegurança financeira. Surgem questões tipo: como continuar a pagar o colégio dos filhos e as outras despesas mensais? É preciso que se esteja consciente e preparado para estas mudanças», alerta a especialista. Estava a perder o maior negócio da minha vida Mohamed El-Erian é um executivo reconhecido e um dos homens mais influentes no mundo dos negócios. Era CEO da Pimco, empresa de gestão de investimentos, e ganhava 100 milhões de dólares por ano. Aos 56 anos, deixou o cargo. «Um dia, mandei a minha filha de dez anos escovar os dentes e ela ignorou-me. Ao invés de lavar os dentes, pediu-me um minuto, foi ao quarto e trouxe-me uma carta. Tinha feito uma lista com as 22 situações na procura de um novo sentido para a vida. Há pessoas que atingiram um nível financeiro que lhes permite viver confortavelmente enquanto fazem a transição para o que desejam. Há outras que se assustam tanto ao pensar que ficam sem dinheiro e estatuto, que se mantêm contrariadas, justificando a sua “prisão” com a manutenção do nível de vida. Já tive clientes nessa situação, alguns deles com consumo elevado de álcool e medicamentos para aguentarem a pressão. Há pessoas que deixam o topo de uma carreira bem-sucedida com preparação e tempo, investigam o que lhes traria satisfação e preparam o caminho que pode implicar estudar ou explorar uma actividade diferente da que tinham. Quem larga uma posição de topo, está a deixar uma função, mas não está a abandonar a realização pessoal nem o sentimento de ser útil.» Trocou tudo pelo couchsurfing «Deixei a minha casa e o meu carro, doei móveis, livros, roupas, etc. Em Dezembro de 2012, mudei radicalmente de vida. Acharam que estava louco, mas eu só estava a ser feliz», é assim que Fabrice Grinda, fundador do OLX, começa a contar a sua aventura. «Tudo o que tinha estava a afastar-me das relações importantes da minha vida. Gastava fortunas para manter a minha fortuna e viver de acordo com um certo estatuto. Reatei relacionamentos com amigos, come- «Escolhi passar mais tempo com quem gosto. Mas continuarei a trabalhar, ainda que seja por menos dinheiro e num cargo inferior» que, para ela, tinham sido muito importantes, como o primeiro dia de escola, o primeiro jogo da temporada, reuniões com a professora e um desfile de Halloween, entre outras. Em nenhuma delas eu estive presente. Tive uma atitude defensiva, tentei justificar cada uma das minhas ausências: estava em viagem, estava a gerir milhões, estava a atender chamadas importantíssimas, reuniões inadiáveis e decisivas, etc. Mas percebi como era ridícula a minha ordem de importâncias, como é que eu conseguia gerir tantos milhões e não conseguia gerir a minha vida pessoal? Estava a perder o maior negócio da minha vida: a relação com a minha filha. Demiti-me nesse mesmo mês. Passei a trabalhar em part-time. A minha situação financeira permitiu-me fazer esta escolha, mas sei que muitos pais e mães não a podem fazer.» O perfil de quem larga tudo «Tive três clientes que desistiram da vida que tinham. Deixaram o lugar de topo que haviam conquistado e contactaram-me para sessões de coaching», revela Karina Miheiros. «Trabalhei com eles cei a fazer couchsurfing pelo mundo, que é dormir poucos dias no sofá de alguém ao invés de ir para um hotel. Estas viagens ligaramme ao mundo real. Benjamin Franklin tinha razão quando disse: “ao fim de três dias, as visitas começam a cheirar mal”. Entretanto, apaixonei-me pela República Dominicana, onde vivo agora a maior parte do tempo de forma muito melhor e por menos de um décimo do que me custava viver em Nova Iorque. Descobri o kiteboarding e voltei a fazer actividades que tinha abandonado como jogar videojogos, ler livros, ver filmes… Como os negócios estão no meu ADN, abri duas empresas e dediquei-me a apoiar novos empreendedores. Apesar de trabalhar quase tanto como na OLX, faço-o com outra satisfação e sentido, sou mais feliz.» «Não me interessa ser o homem mais rico do cemitério» «Há um trecho da música “Stairway to Heaven”», dos Led Zepplin que diz: “Há dois caminhos que podemos seguir mas, na longa estrada, ainda temos tempo para mudar o trilho a seguir”», comenta Karina Milheiros. E continua: «Desistir não é uma atitude radical. É colocar nos pratos da balança o que se ganha e o que se perde em cada um dos caminhos possíveis. Deixam-se para trás os resultados de uma conquista, mas não a conquista em si. Ela deu-nos experiência e conhecimentos. Tudo isso são recursos. A mudança provoca ansiedade, expectativa e medo mas, quando os nossos propósitos são claros, sentimo-nos confiantes. Um coach ajuda a encontrar soluções. Algumas pessoas querem “renascer” e pensam “mas o que vou fazer?” Como disse Steve Jobs, numa entrevista ao Wall Street Journal: “Não me interessa vir a ser o homem mais rico no cemitério… mas sim ir para a cama dizendo para mim próprio que fiz algo maravilhoso”.» >