UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL ANALICE BARRETO DE MOURA COSTA ENQUANTO A SOCIEDADE DORME ETERNAMENTE EM BERÇO ESPLÊNDIDO, A JUVENTUDE BRASILEIRA SE QUEDA À MARGEM PLÁCIDA: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA NA ÓTICA DOS PROFISSIONAIS DO CEDUC PITIMBÚ NATAL-RN 2012 ANALICE BARRETO DE MOURA COSTA ENQUANTO A SOCIEDADE DORME ETERNAMENTE EM BERÇO ESPLÊNDIDO, A JUVENTUDE BRASILEIRA SE QUEDA À MARGEM PLÁCIDA: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA NA ÓTICA DOS PROFISSIONAIS DO CEDUC PITIMBÚ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª. Josivânia Estelita Gomes de Sousa NATAL/RN 2012 ANALICE BARRETO DE MOURA COSTA ENQUANTO A SOCIEDADE DORME ETERNAMENTE EM BERÇO ESPLÊNDIDO, A JUVENTUDE BRASILEIRA SE QUEDA À MARGEM PLÁCIDA: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA NA ÓTICA DOS PROFISSIONAIS DO CEDUC PITIMBÚ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial para obtenção do título de Graduação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Aprovado em: _____/_____/_____. BANCA EXAMINADORA ________________________________________________ Profª. Josivânia Estelita Gomes de Sousa Orientadora – UFRN/DESSO ________________________________________________ Profª. Dra. Maria Regina de Ávila Moreira Membro - UFRN/DESSO ________________________________________________ Profª. Ms. Tássia Rejane Monte Santos Membro – UFRN/DESSO Ao meu vô Geraldo; jamais perdoarei o tempo por ter tirado de nós, esse momento. AGRADECIMENTOS De todo o corpo do trabalho, é essa a parte mais difícil. De certa forma, acredito que tudo interfere na nossa vida, desde a grama que deixamos de pisar, o caminho das formigas que decidimos não interferir até o amigo que resolveu aparecer trazendo uma xícara de café para a madrugada intensa de escrita monográfica. As pessoas, no geral, sabem que são especiais para gente, mas a oportunidade de citálas num trabalho científico é única, e por isso já peço desculpas aos leitores pela lista demasiadamente longa – mas não me desculpo por gostar de tanta gente, de forma alguma. Agradeço à força, em que eu tenho fé, que independente do nome, tem me guiado sempre e me mantido de pé nos momentos escuros. À minha vó Consuelo, por ter decidido aos 15 anos fugir para casar com meu avô querido e ter começado essa família tão essencial quanto o ar que respiro. Obrigada vovó, pela fé, pelo investimento não só monetário na minha educação desde sempre, mas de amor e compaixão. Você é mais que avó e amiga, é anjo da guarda. Agradecimento aos pais jamais serão suficientes, mas gostaria de agradecer à minha mãe por ter suportado as dores do parto, das idas e vindas, do meu nariz empinado e por nunca ter desistido de mim. Obrigada mamãe querida, por todos os momentos em que foi minha amiga e principalmente, os momentos em que disse “não”, sendo antes de tudo o que uma mãe deve ser: mãe. Obrigada papai, por nunca ter soltado a bicicleta, pelas longas horas de trabalho, pelas palhaçadas e por ter sido, de todos os “joão’s” da minha vida, o primeiro e indivisível amor. A parte mais difícil: agradecer aos meus irmãos. Irmãos estes que são minhas caras/metades, paixões desenfreadas, meus melhores amigos e meus orgulhos. Obrigada ao Lula (e não me mate por isso), por ter sido desde sempre meu ponto referencial, meu super herói e meu jedi preferido. Ao João, por me dar mais humanidade do que nunca e por ter sido, em tempos de tempestade, a minha calmaria. Com o meu feminismo radical à parte, gostaria de agradecer às mulheres de minha vida, essas que fazem da lama que se encontra em fundos de poços, hidratantes, rainhas que não caem nos xeques-mates e que me apoiaram durante toda a minha caminhada como pessoa: Obrigada tia Virgínia e tia Lucinha, pelos sorrisos, abraços e ouvidos; às minhas primas, agradeço pela infância sadia e em especial, pela amizade em que tenho encontrado a irmandade vulgo Lê. Agradeço à Mogra e Sogrão, pelo baluarte no momento acadêmico mais importante desses 4 anos – obrigada pela adoção também. Às minhas companheiras, no sentido mais intenso da palavra, por compartilharem comigo a vida, as lutas e por terem me engrandecido como pessoa política, social e ser pensante; em ordem alfabética: Rol, Babi, Mica, Quel e Rê. Gostaria de frisar a senhorita Bárbara, por ter enxergado em mim, toda a potencialidade ético-política que poderia adquirir, e dona Raquel por ter compartilhado os mesmos problemas de vida e as mesmas soluções também. Á minha orientadora “Josi”, pelos risos, por direcionar o caminho, pelas correções e por ter me escutado quando ninguém mais podia. Por fim, mas não menos importante, gostaria de agradecer ao meu futuro marido, pela correção, pela paciência, pelo amor e carinho, mas principalmente, por ser meu. À todos os outros amigos, pessoas e animais que me influenciaram de alguma maneira, obrigada e que vocês tenham uma “vida longa e próspera”! Analice Barreto. Tá relampiano Cadê neném? Tá vendendo drops No sinal prá alguém E tá vendendo drops No sinal... Todo dia é dia Toda hora é hora Neném não demora Prá se levantar... Mãe lavando roupa Pai já foi embora E o caçula chora Prá se acostumar Com a vida lá de fora Do barraco... Hai que endurecer Um coração tão fraco Prá vencer o medo Do trovão Sua vida aponta A contramão... Tudo é tão normal Todo tal e qual Neném não tem hora Prá ir se deitar... Mãe passando roupa Do pai de agora De um outro caçula Que ainda vai chegar... É mais uma boca Dentro do barraco Mais um quilo de farinha Do mesmo saco Para alimentar Um novo João Ninguém A cidade cresce junto Com neném... (Lenine e Paulinho Moska) RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de Curso possui como objeto de estudo avaliar a efetividade da medida socioeducativa, no âmbito do Centro Educacional Pitimbúlocalizado em Natal (RN), responsável por fazer cumprir a medida de internamento. Destarte, o debate possui como pontos referenciais básicos o histórico das políticas voltadas para criança e adolescente, a problematização da visão dos profissionais inseridos nessa instituição sobre a medida, e, a reflexão da prática e importância do Serviço Social nesse contexto. Foi utilizado, portanto, a apropriação de aporte teórico, articulado com a pesquisa de campo. O instrumental para a coleta de dados empíricos, se materializou por meio de entrevistas semi-estruturadas, objetivando delimitar a existência da eficácia da socioeducação das medidas, a partir das perscrutações da visão dos profissionais inseridos nesse campo laboral. Diante desse contexto, os resultados possibilitaram identificar a não efetivação da medida socioeducativa, por diversas e complexas limitações, passando pela estrutura física imprópria, descaso por parte do Estado e sociedade civil e precariedade da compreensão da dimensão política dos profissionais sobre o espaço ocupado dentro da instituição. Inserido nesse cenário, o Serviço Social se depara com as dificuldades do cotidiano, que quando não encaradas com as balizas do Projeto Ético Político da profissão e as normativas legais, podem desaguar numa postura fatalista no Serviço Social e barreiras terminais para a ação socioeducativa. PALAVRAS-CHAVES: Efetividade da medida socioeducativa, dimensão política dos espaços sociocupacionais, Serviço Social. ABSTRACT The present work of course completion has as its object of study the effectiveness of the social-educational measure within the Centro Educacional Pitimbú – located in Natal (RN), responsible for enforcing the internment. Thus, the debate has as basic reference points the history of policies for children and adolescents, the problematization of the opinion from the professional inserted in this institution about the measure, and, the reflexion of practice and importance of the Social Work in this context. It was used, therefore, the appropriation of theoretical, articulated with the field research, through semi-structured interviews, aiming to delimit the existence of effectiveness of the social-education of the measure, from the thinking of the standpoint of the professionals inserted in this field of work. In this context, the results made possible the identification of the non-realization of the social-educational measure, through several and complex limitations, passing through the improper physical structure, neglect by the state and civil society and precariousness of understanding of the political dimension of the professionals about the space occupied within the institution. KEY WORDS: Effectiveness of the social-educational measure, political dimension, Social Work. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01 – Grau de Escolaridade..............................................................................30 Gráfico 02 – Experiência Profissional...........................................................................31 Gráfico 03 – Faixa Etária..............................................................................................32 Gráfico 04 – Concepção de Medida Socioeducativa....................................................34 Gráfico 05 – Configuração da Medida Socioeducativa................................................38 LISTA DE SIGLAS ASSEAF – Associação de Ex-Alunos da FEBEM CEDUC Caicó - Centro Educacional Caicó CEDUC Esperança - Centro Educacional Esperança CEDUC Mossoró - Centro Educacional Mossoró CEDUC Nazaré - Centro Educacional Nazaré CEDUC Pe. João Maria - Centro Educacional Pe. João Maria CEDUC Pitimbú - Centro Educacional Pitimbu CEDUC Santa Catarina - Centro Educacional Santa Catarina CEDUC Santa Delmira - Centro Educacional Santa Delmira CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CIAD - Centro Integrado de Atendimento aos Adolescentes CONSEC – Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor FUNDAC – Fundação Estadual da Criança e do Adolescente LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social LOS - Lei Orgânica da Saúde MNMMR – Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua NOB-SUAS - Norma de Operação Básica do Sistema Único de Assistência Social NOB-SUS - Norma de Operação Básica do Sistema Único de Saúde ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PIA – Plano Individual de Atendimento PNBEM – Política Nacional do Bem-Estar do Menor RN – Rio Grande do Norte SAM - Serviço de Assistência ao Menor SETHAS – Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................12 2 OS DIREITOS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE BRASILEIRA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA........................................................................................14 2.1 A TRAJETÓRIA INFANTO-JUVENIL PRÉ-AUTOCRÁTICA.................................14 2.2 PERSPECTIVAS SOBRE A INFÂNCIA E JUVENTUDE A PARTIR DA DITADURA MILITAR E O ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE (ECA) ..........................23 3 A (NÃO)EFETIVAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA NO CEDUC PITIMBU........................................................................................................................29 3.1 O PERFIL DOS PROFISSIONAIS DO CEDUC PITIMBU.....................................29 3.2 A EFETIVIDADE DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA NA ÓTICA DOS PROFISSIONAIS NO CEDUC PITIMBU.......................................................................33 4 O LUGAR DO SERVIÇO SOCIAL NO CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE........................................................................................45 4.1 O SERVIÇO SOCIAL ENQUANTO PROFISSÃO INSERIDA NA DIVISÃO SOCIOTÉCNICA DO TRABALHO............................................................................................45 4.2 O FAZER PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO CEDUC-PITIMBU...51 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................59 REFERÊNCIAS.............................................................................................................61 APÊNDICES..................................................................................................................66 12 1 INTRODUÇÃO O debate acerca da efetivação da medida socioeducativa se encontra cada vez mais latente e necessária nos tempos atuais. Com mais de 10 anos de existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os direitos humanos ainda continuam sendo infringidos, índice de reincidência do ato infracional continua alto e práticas coercitivas ainda atravessam as instituições responsáveis por materializar a socioeducação. Nesse sentido, o processo investigativo que sustenta o presente Trabalho de Conclusão de Curso teve como objetivo debater e analisar a efetividade da medida socioeducativa a partir dos profissionais inseridos no âmbito do Centro Educacional Pitimbú (CEDUC Pitimbú), órgão que tem como função a realização do cumprimento da medida socioeducativa de internação, à adolescentes do sexo masculino, em Natal – Rio Grande do Norte. A escolha por tal temática encontra-se vinculada, primariamente, às inquietações e reflexões após ler o livro “Laranja Mecânica” de Anthony Burgess (1962), um romance sobre a institucionalização de adolescentes “infratores” e práticas desenvolvidas nesse percurso. Posteriormente, o convívio, na minha adolescência, com jovens da periferia, acesso aos “bailes funks” das favelas da Mangueira e Providência (Rio de Janeiro), me proporcionaram um contato para mais perto daquela realidade, descortinando uma realidade diferente da que era passada na mídia. O interesse foi se aprimorando ao longo faculdade e teve seu ápice quando fiz mobilidade para a Escola de Serviço Social da UFRJ. Este fato possibilitou visitas ao Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Rio de Janeiro e entrevista com Tânia Dahmer – que na época era Assistente Social e da Secretaria do Estado do Rio de Janeiro e diretora do Hospital de Custódia e Tratamente Psiquiátrico Heitor Carrilho. Estes elementos aumentaram a minha vontade de desmistificar o cenário sócio-jurídico que se caracteriza como espaço sócio-ocupacional para a profissão, bem como, analisar os limites e possibilidades na concretização de políticas sociais. Diante desse cenário, no que se refere à investigação, o marco teórico norteador escolhido foi o crítico-dialético numa perspectiva histórica. A metodologia escolhida, por sua vez, consistiu em análise documental e entrevistas semiestruturadas de natureza simples. A presente monografia está dividida em três capítulos, no primeiro momento é recuperado o movimento dinâmico da construção da identidade infanto-juvenil, retomando as mudanças históricas das políticas sociais voltadas para a criança e o 13 adolescente, bem como, suas normativas legais. Este capítulo constrói a porta de entrada para a compreensão da medida socioeducativa na contemporaneidade. No item posterior, em “A (não)Efetivação da medida Socioeducativa no Ceduc Pitimbú, se problematiza a eficácia da medida, bem como sua causa, através das respostas dos entrevistados, identificando elementos cruciais do perfil dos profissionais e caracterização da medida. Por fim, tem-se o capítulo O Lugar do Serviço Social no cumprimento da Medida de Privação de Liberdade, no qual situa a profissão, sua prática e identidade, na dimensãoo da instituiçãoo enfocada, analisando-a de acordo com os pressupostos ético-políticos. Nesse sentido, partindo do pressuposto que a medida socioeducativa não funciona no campo do CEDUC Pitimbú, se ressalta a importância deste estudo na contribuição para o debate, elucidando questões transversais ao cumprimento da medida em Natal, cooperando assim, para indicar subsídios para a problematização da inserção do Serviço Social no espaço de medida de internação. Ademais, promove maior aproximação com a realidade da instituição, possibilitando a reflexão sobre as condições em que se encontram os adolescentes autores de ato infracional atualmente. 14 2 OS DIREITOS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE BRASILEIRA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA. O presente capítulo se dispõe ao resgate histórico das políticas voltadas para a infância e juventude, permeando os diversos lugares ocupados pelo segmento infantojuvenil ao longo do desenvolvimento da sociedade. Este capítulo está composto por dois subpontos: o 2.1, que se refere ao trajeto da concepção de criança e adolescente e as normativas legais que refletiam esta visão no período antecedente à ditadura do Brasil, e o 2.2, que faz alusão às inflexões no processo de mudanças nas ações destinadas à criança e ao adolescente a partir da autocracia, situando num cenário de complexos fenômenos sociais determinantes nas transformações do percurso histórico infantil e juvenil. 2.1 A TRAJETÓRIA INFANTO-JUVENIL PRÉ-AUTOCRÁTICA. O percurso histórico de formação da consciência de necessidade de direitos humanos, no que tange à população infanto-juvenil, passou por vários percalços até atingir o aparato legal de proteção que temos na atualidade. Apesar de só ter adquirido a concepção de sujeito portador de direitos recentemente, as legislações antigas já faziam referências às crianças. O juízo europeu de infância, definido no século XVI, perdurou durante muito tempo: a criança era vista como adulto em miniatura e se encontrava totalmente submetida ao poder de seus pais. A compreensão absolutista de propriedade parental do Direito Romano caminhava na seguinte direção: Pater familiae poderia castigar corporalmente seus filhos sem qualquer limitação, modificar seu status social, dar uma esposa ao filho, dar sua filha em casamento, divorciar seus filhos, transferi-los a outra família, dá-los em adoção, e até mesmo vendê-los. As crianças eram menos que pessoas e se aproximavam muito da categoria de objetos, de coisas (MAINE, 1930, p. 153). No que diz respeito às infrações cometidas por crianças, a idade de responsabilização por seus atos já era mencionada e as crianças diferenciadas nas legislações antigas. A Lei das XII Tábuas (Roma), já diferenciava os menores púberes e impúberes. Estes eram os que estavam na faixa etária menor que sete anos e estavam livres de qualquer castigo penal; já os púberes se encontravam na faixa etária de sete a catorze anos, e sofreriam sanções penais por suas infrações. Dentre essas sanções – que por sua vez, consistiam em castigos rigorosos e severos – se encontravam penas corporais como mutilações e pena capital. A partir do século XVIII, 15 o mundo assiste a um cenário de mudanças radicais: com a mecanização dos sistemas de produção, tinha-se o primórdio da Revolução Industrial, encerrando elementos feudais existentes e abrindo o caminho para o futuro sistema capitalista. Junto com a mesma, começam a crepitar lutas por independência e proclamação de repúblicas. E assim, a partir da secunda metade do século XVIII, o palco mundial teve em sua composição a independência dos Estados Unidos, Revolução Francesa e a Revolta escrava no Haiti. É nessa conjuntura que há uma transformação no significado de criança que, apesar de ainda considerada propriedade de seus pais, ganha o valor de ser humano. Sobre isso, Tanto a Revolução Americana quanto a Francesa tiveram a preocupação de explicitar um documento formalizador de defesa de direitos. Na perspectiva da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, teve por finalidade proteger os direitos e instruir os indivíduos contra os atos do governo (ODALIA, 2003 apud BIDARRA, OLIVEIRA, 2008, p. 156). No que diz respeito ao atendimento, assim como os pobres e idosos, as crianças - principalmente as tidas como carentes e os órfãos - se encontravam à mercê da Igreja Católica e sua caridade. O Estado se responsabilizava quando se tratava de “delinquência” infanto-juvenil e repressão aos mesmos. No século XIX a reflexão acerca da necessidade de proteção especial à criança e ao adolescente passa a ser latente, e esse segmento da população ganha o reconhecimento como “pessoa”. A história, em exemplo, de Mary Ellen1 gerou grande repercussão nos Estados Unidos e após o ocorrido, mais de 300 casos de abuso e maus-tratos foram investigados. Entretanto, apesar de já ter ensaiado um movimento revolucionário para a independência do país e emancipação civil, a dignidade e até mesmo a cidadania, eram privilégios concedidos apenas para os adultos. Num quadro de expansão mundial da Revolução Industrial, o capitalismo – com suas contradições fruto do movimento capital versus trabalho – se concretiza como o sistema econômico vigente aparado pelas ideias liberais pulsantes. O modo de vida urbano passa a se desenvolver e as cidades começavam a formigar com suas sociedades modernas, num panorama de intenso desenvolvimento. No Brasil-Império, este período demarcou 1 Filha de imigrantes irlandeses, com a morte de seu pai e pauperização de sua mãe viúva, foi entregue a um casal que, de forma fraudulenta, conseguiu a guarda da menina. Mary Ellen foi vítima de maus tratos durante anos. Apesar da preocupação dos vizinhos, não havia aparato jurídico-estatal que protegesse a menina de seus “pais”. Foi com ajuda da Igreja Metodista, baseado na Lei de Proteção aos Animais, que a intervenção jurídica pôde ser realizada com sucesso, sendo sua mãe condenada pela violência e Mary Ellen acolhida. 16 a inserção de crianças e adolescentes no âmbito legal, no sentido de que foram estipulados início e fim da inimputabilidade penal e maioridade civil. Sobre isso, Rosa (2001) dispõe que: Começou [a integração de crianças e adolescentes na perspectiva legal] no Império, com o Código Criminal de 1830, que considerava inimputáveis apenas os menores de 7 anos de idade. Esse Código estabelecia a faixa etária entre os 7 e os 14 anos para definir os que eram penalmente irresponsáveis, caso não houvesse prova de seu discernimento feita pela demonstração da capacidade de entendimento do ato infracional. Contudo, estabelecendo-se que os menores de 14 anos atuavam com discernimento, o Código admitia que fossem recolhidos a casas de correção, por tempo indeterminado pelo juiz, desde que não viessem a ultrapassar a idade de 17 anos. Aos maiores de 14 e menores de 17 anos de idade, era dispensado tratamento peculiar, estando sujeitos a uma pena equivalente a 2/3 daquela que coubesse ao adulto, além de ficarem em prisão comum, já que só no fim do século surgem as casas de correção para menores (ROSA, 2001, p. 188). No novo cenário brasileiro, as cidades inchavam cada vez mais, crescia o número de doenças, criminalidade e desordem. Entre o caos da modernidade, um contingente significativo de crianças e adolescentes abandonados residiam nas ruas dos centros urbanos. Numa fissura de se modelar ao estereótipo das cidades europeias e de seu modo de civilização, as crianças e adolescentes abandonados, material e moralmente, passam a perturbar a paisagem urbana. Nesse momento, passa a circular entre a elite brasileira a ideia de “salvar a criança para salvar o país”: a lógica, que parte do projeto nacionalista, era a de “tratar” as crianças para que estas, no futuro, não se constituíssem ameaça à ordem social e aderissem, de forma a contribuir, ao projeto nacional. Com os novos padrões de convivências e relações sociais, perante a modernidade e suas imposições, atravessados pela urbanização, industrialização e explanação do crescimento da pobreza em progressão geométrica das camadas populares; a necessidade de preparar a criança e o adolescente para serem inseridos nesse novo cotidiano da cidade e vida moderna. Assim, O movimento que se constituiu com o objetivo de salvar a criança tem sua origem a partir da crença de que, herança e meios deletérios transformavam em monstros crianças já marcadas por certas inclinações inatas, acarretando consequências funestas para a sociedade como um todo. Salvar essa criança era uma questão que ultrapassava os limites da religião e da família e assumia a dimensão política de controle, sob a justificativa de que havia que se defender a sociedade em nome da ordem e da paz social (RIZZINI, 1993, p.76). Esse movimento pressionou o Estado a assumir responsabilidade sobre as crianças por meio de políticas que fossem voltadas para elas. Entretanto, o objetivo desta estava longe de ser voltado para a proteção infantil, visava, assim, manter o controle social e defender interesses burgueses. O pensamento era simples: visto que as 17 crianças constituiriam a sociedade num tempo posterior, e eram de fácil adequação, era necessário podá-las para prevenção da delinquência e torná-las útil ao desenvolvimento do país, desta maneira estaria lapidando-se a civilização do futuro. No final do século, tardiamente, o Brasil aboliu a escravatura e proclama a República. É importante ressaltar aqui, que esse movimento exposto até agora dos signos que crianças e adolescentes receberam ao longo da história, bem como o processo das políticas voltadas para a infância e adolescência, não se refere às crianças escravas até sua libertação, pois, por se encontrarem nesse determinado grupo, possuíam valor de coisa sendo deslocada para o valor de pessoa com as normativas legais infanto-juvenis válidas, apenas após a abolição. No Código Penal do final do século XIX, crianças menores de 9 anos seriam inimputáveis, enquanto que de 9 a 14 anos seriam submetidas a avaliação do magistrado - nesse período deu-se o início do uso palavra menor. É importante compreender que no Brasil a Justiça de Menores, assim como em outros campos, era alicerçada nas discussões internacionais do final do século XIX, que debatiam sobre meios de conter a criminalidade infantil. A infância pobre passou a ser definida como menor, visto que, diante de balizas morais em vigor, a família que não conseguisse educar seus filhos moralmente e provê-los materialmente, não conseguiria controlá-los e precisariam de intervenção judiciária. No quesito política de assistência, criou-se o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, em 1889, numa perspectiva assistencialista, rompe com o atendimento caridoso da Igreja e direciona o atendimento para a filantropia. Na mesma linha de domínio e não proteção, o Instituto “tinha a proposta de intervir diretamente no campo social, através do controle do comportamento da criança pobre e de sua família” (ROSA, 2001, p.189). Nesse sentido, a ideia de que as crianças pobres são elementos cruciais nas mudanças sociais passa a legitimar as práticas coercitivas. No âmbito internacional, em 1891, o código penal da França define a isenção às infrações cometidas por menores e a separação destes com a lei penal (desde o século XIX a Europa já possuía casas correcionais). É importante destacar que a passagem do século XIX para o século XX é permeada por uma visão ambivalente da criança e do adolescente: cuidar da criança na perspectiva de moldá-la, pois era o futuro da nação e por outro lado, era um perigo a manutenção da ordem. No palco dos organismos que proporcionavam ações na área de assistência infantil, atuavam o privado e o público lado a lado: o público responsável por regular a preservação de crianças e adolescentes, e da sociedade, 18 munido de mecanismos educacionais e punitivos; já o privado se quedava com os cuidados à população pauperizada. Sobre isso, Em nome da manutenção da paz social e do futuro da nação, diversas instâncias de intervenção e controle serão firmadas. Será da medicina (do corpo e da alma) o papel diagnosticar na infância possibilidades de recuperação e formas de tratamento. Caberá à Justiça regulamentar a proteção (da criança e da sociedade), fazendo prevalecer a educação sobre a punição. À filantropia – substituta da antiga caridade – estava reservada a missão de prestar assistência aos pobres e desvalidos, em associação às ações públicas. A composição desses movimentos resultou na organização da Justiça e da Assistência (pública e privada) nas três primeiras décadas do século XX (RIZZINI, 1993, p.80). No início do século XX eclode a Primeira Guerra Mundial e enquanto de um lado da Europa ideais comunistas passam a circular intensamente terminando na criação do primeiro país socialista do mundo (União Soviética); por outro lado, nos Estados Unidos, o fordismo e sua produção em massa ditam a cultura do consumismo, que por sua vez, se enraízam cada vez mais na sociedade americana. Ao término da Guerra, a preocupação consistia em reorganizar as relações internacionais e uma legislação trabalhista no campo internacional, derivado de reflexões éticas e econômicas sobre o custo humano da Revolução Industrial. Em nível nacional, o país encontrava-se com um número excessivo de negros libertos pela abolição da escravatura, sem nenhum alicerce estatal que assegurasse condições dignas de sobrevivência (além da cultura do preconceito que permeava de maneira energética), e um volume exacerbado de imigrantes que se juntavam ao contingente abundante de mãos-de-obra disponíveis para o trabalho. Tratava-se de uma época de efervescência da indústria e movimentação da economia brasileira, divisão bem definida social e técnica do trabalho e dinamização das cidades. O desenvolvimento da urbanização é acompanhado por crises sociais: a falta de estrutura e políticas sociais que atendam as necessidades da população pobre em todos os elementos vitais para a cidadania, acaba por gerar perturbações na corrente societária. Dentre essas perturbações localizava-se a criminalidade, que por sua vez, se torna o rosto referencial do cotidiano ao tomar espaço em demasia do dia a dia social atingindo as pessoas, em diferentes amplitudes, seja por internalizar a insegurança ou por vivenciar fatos materiais. O afloramento de crimes é escoltado pelo aumento e especialização de meios repressivos avolumando conflitos urbanos refletidos pelas tensões sociais assaz intensas. De acordo com registros da época, percebe-se que os crimes infantis estavam, em sua maioria, ligados ao que se chamava de “vadiagem” e previsto no Código Penal 19 do período, nos artigos 399 e 400. Na diretriz da “ordem e do progresso”, a doutrina era educar o menor com a pedagogia do trabalho, para que este não “vagabundeasse” pelas ruas da cidade moderna. Em 1902, instituições de abrigamento para “menores” abandonados e julgados criminosos passaram a ser construídos, com escopo de prevenir a delinquência. O que estava presente era o binômio que permanece até hoje de crescimento econômico juntamente com a exclusão social, consequência do capital industrial que se instaurava no Brasil. De acordo com Octávio Ianni (1992), A economia e a sociedade, a produção e as condições de produção, o capital e o trabalho, a mercadoria e o lucro, o pauperismo e a propriedade privada capitalista reproduzem-se reciprocamente. O pauperismo não se produz do nada, mas da pauperização. O desemprego e o subemprego são manifestações dos fluxos e refluxos dos ciclos de negócios (IANNI, 1992, p. 99). Desse modo, a partir da década de 1920, o ideário não girava em torno apenas da repressão, mas de medidas preventivas e corretivas. Em relação às leis, houveram alguns avanços: em 1919, na Conferência Internacional do Trabalho, foi fixado a idade mínima de 14 anos para a inserção no mercado de trabalho da Indústria. “Dessa forma, todas as atividades laborativas ligadas à mineração, construção de edifícios, estradas, ferrovias, transporte de cargas e nas fábricas, em geral, estavam proibidas às crianças menores de catorze anos.” (BIDARRA, OLIVEIRA, 2008, p. 158); em 1921 a Lei nº 4.242 criou o Serviço de Assistência e Proteção à Infância Abandonada e aos Delinquentes, além de excluir o menor de 14 anos de qualquer processo penal. Em 1924, tivemos o primeiro marco legal de característica universal, aprovada pela Assembleia Geral da Liga das Nações, a Declaração de Genebra “trouxe avanços ao reconhecer que a humanidade deve à criança o melhor que tem a dar, [...], acima e além de quaisquer considerações de raça, nacionalidade ou crença” (DOLINGER, 2003, p. 84 apud BIDARRA, OLIVEIRA, 2008, p.159). Em 1927 no Brasil, através do Decreto n° 17943, é materializado o primeiro Código de Menores desenvolvido pelo jurista Mello Mattos. Foi utilizado como instrumento de vigilância infanto-juvenil do menor abandonado ou delinquente - que foi produto da falta de domínio e transgressão de suas famílias -, e tendo sido construído sobre base de uma visão estigmatizante da infância pobre, pois eram classificados “menores” apenas aqueles que se encontravam em situação irregular, naturalizando a relação entre pobreza e criminalidade, e culpando as famílias por se encontrarem nessa situação. Entretanto, a presente legislação é um importante passo do reconhecimento do Estado de sua responsabilidade para com as crianças e os adolescentes, subsidiando suas respostas em ações que propuseram “aplicar 20 corretivos necessários para suprimir o comportamento deliquencial. A concepção política-social era simples: a normativa legal era instrumento de assistência e vigilância infanto-juvenil, que por sua vez era vítima da omissão e transgressão da família. Baseava-se ainda, numa infância e adolescência visualizada como abandonada ou delinquente, passível de autoridade jurídica. Os abandonados agora estavam na mira do Estado” (PASSETTI, 2006, p. 35). A lei continuou com a inimputabilidade dos menores de 14 anos, e agregou o processo especial aos maiores de 14 anos e menores de 18. Ainda que estejam dispostos lugares específicos voltados para o cumprimento das medidas corretivas do menor, era comum colocá-los juntos com os adultos criminosos nas Casas de Detenção e nas Cadeias. Destarte, Incorporando tanto a visão higienista de proteção do meio e do indivíduo quanto à visão jurídica repressiva e moralista, este Código considerava a família responsável pelo desvio de seus filhos, classificava os menores quanto à sua inserção no trabalho e na conduta anti-social através de graus de periculosidade, além de explicitar institucionalmente as diferentes formas de conceber a criança pela legalização das Varas de Família para crianças e adolescentes, e pelo Juizado de Menores para as crianças pobres. É a partir desse primeiro código que a palavra menor se consolida como classificatória da infância pobre e, contraditoriamente, é também a partir dele que começam a ser formuladas estratégias relativas à intervenção junto a esse menor (TORRES, SOUZA FILHO, MORGADO, 2006, p.102). Pode-se atestar, portanto, que no percurso da história, as crianças e os adolescentes obtiveram a representação social de objetos. Quando objeto de proteção social, tinham em sua direção práticas baseadas em valores cristãos e ações de caridade, voltadas para alimentação e saúde de forma assistencialista. O público desse quesito são crianças e adolescentes considerados carentes e que passavam por seus primeiros anos de vida. Já quando se integram no objeto de controle e disciplina, as práticas visam integração social, de forma a tornar a linha infanto-juvenil produtiva para o desenvolvimento econômico do país, objetivam ainda prevenir a delinquência, nesse sentido, foram aplicadas ações de escolarização básica e iniciações laborais - em lugares subalternos - voltada para o público, que nesse caso, eram crianças e adolescentes pobres perigosos à sociedade, que poderiam ameaçar a ordem social estabelecida. Ambas as representações tiveram como atores de sua prática a Igreja, a Sociedade e o Estado (variando de acordo com o momento e o escopo das ações). Por fim, há o objeto de repressão social, que por sua vez, representava socialmente os denominados “menores infratores” que se encontravam em “Situação Irregular”, ainda considerados um perigo à sociedade e à ordem, sendo sua família culpabilizada por seus filhos se encontrarem em tal situação. A chamada 21 “Doutrina da Situação Irregular” exprimia a visão fragmentada e superficial da realidade social, bem como a perspectiva jurídica repressiva e moralista sobre as crianças e os adolescentes, que se encontravam “privados de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, vítimas de maus tratos em perigo moral, com desvio de conduta e autores de ato infracional” (TORRES, SOUZA FILHO, MORGADO, 2006, p. 102). As ações desse momento, de confinamento, maus tratos e opressão; deixaram uma herança de práticas coercitivas que perdurará por muito tempo. O ator responsável por garantir o trato dos menores nesses casos era o Estado. Em 1929 o mundo se vê encenando a primeira grande crise econômica com a quebra da bolsa de valores de Nova York. A crise promoveu mudanças decisivas em países como o Brasil, de capitalismo tardio e dependente e Estado oligárquico. Como reflexo do “crush” , a cafeicultura (principal produto exportado e terreno da economia do país) cai, balançando a estrutura política e econômica do Estado brasileiro, trazendo à tona problemas no modo de conduzir o Brasil. Na Revolução de 1930, Getúlio Vargas assume a presidência, “desconecta-se” de forma superficial com a estrutura oligárquica estatal, e nesse momento, a inovação na arena da política econômica-financeira e mudanças nos órgão pertencentes ao governo, foram iniciados pelos grupos políticos no poder e as deficiências político-admnistrativas passam a incitar reformulações dos organismos públicos. No âmbito internacional, o presidente Roosevelt dá início ao “New Deal” na tentativa de recuperar o estado econômico dos Estados Unidos. Com resquícios do sistema escravocrata, “o liberalismo brasileiro era exclusivamente urbano, superficial, de conotação ideológica (antes que prática) e voltado para as relações externas do País” (PRADO JUNIOR, 1981, p.34). A política governamental concentrava todas as forças em possibilitar a infra-estrutura necessária para emancipação e desenvolvimento econômico do Brasil. Assim, visando reorganizar a estrutura dependente que assinalava o subsistema econômico brasileiro nesse período, a maioria das políticas econômicas do governo, nos anos 1930-45, reverberava os interesses dos grupos econômicos e políticos dominantes e integrantes do governo. No contexto da Segunda Guerra Mundial, os trabalhadores passam a se unir e reivindicar. O governo, por sua vez, percebe os benefícios de ter a classe trabalhadora legitimando-o e nesse sentido, as Legislação Trabalhista, significam um grande passo na história brasileira, visto que incorporou algumas reivindicações da classe laboral; visava conter os trabalhadores, harmonizando as relações de trabalho. Na realidade, 22 seu objetivo era a pacificação das relações de trabalho, ou seja, teve o propósito de doutrinar de forma legal a ligação entre as classes sociais urbana, com o escopo de apaziguar sua relação. A ideia do governo corporativista era a de criar uma identidade nacional que os trabalhadores aderissem, controlando assim as relações políticas e atividades organizacionais dos trabalhadores, o sindicalismo, dessa maneira, passa a fazer parte da área administrativa do Estado. Ademais, se presenciara a força proveniente do discurso do Nacionalismo Hitleriano e a capacidade que o mesmo tinha para com sua juventude. O nacionalismo passou a ser a diretriz determinante no que se refere à economia, sociedade e política. Com o chamado “Estado Novo” (1937), o pulso autoritário do governo começava a mostrar limitações do sistema de administração estatal, enquanto classes passavam a tomar consciência de sua realidade. O regime foi se esgotando quanto mais subordinado se quedava o Brasil, comprometido em demasia com o capitalismo mundial, submetendo-se às condições e consequências da aliança com os Estados Unidos ao ingressar na guerra. Em 1945, tanto a Guerra quanto a Era Vargas, acabaram. Sobre a infância e juventude nesse período, em sua fase autocrática, é criado o Serviço de Assistência ao menor (SAM), “trata-se de um órgão do Ministério da Justiça e que funcionava como um equivalente do Sistema Penitenciário para a população menor de idade” (COSTA, 1993, p.14). O SAM possuía uma finalidade correcionalrepressiva e era responsável por internar os “menores infratores”. Assim, em 1940, o Código Penal avançou ao definir a inimputabilidade penal até os 18 anos de idade. Outras entidades foram criadas durante esse período, em sua maioria ligada à promoção de qualificação para inserção laboral, produzindo trabalho/geração de renda, exemplificando que o cerne da questão do governo de Getúlio Vargas era a classe trabalhadora, sua legitimidade perante ela e a dinamização do mercado nacional, potencializado pela ideologia de que o trabalho era a solução para que os “menores” não se desvirtuassem para a delinquência ou se tornassem vagabundos. A Segunda Guerra Mundial se tornou uma barreira para a construção dos Direitos Humanos, a população inteira do mundo assistia à Europa sediar um dos maiores massacres da história: Hitler, sob efeito de sua ideologia racista arbitrária, executou o genocídio de milhares de crianças, mulheres e homens. Além disso, a guerra veda a materialização dos Direitos Humanos, ainda mais na proporção mundial, na medida em que pressupõe a morte do outro justificada pelas diferenças socio-ideopolíticas e econômicas, e, em que sua essência, consiste em seres humanos sobrepujando o direito de outros seres humanos. Em contrapartida, é em momentos 23 de crises sociais extremas que há um maior movimento dirigido a avanços éticos societários e construção de direitos sócio-políticos. Assim, após o término da Segunda Guerra, a população do mundo estava devastada pela barbaridade do regime nazifascista, países precisariam ser reconstruídos e as reflexões sobre os Direitos Humanos e sua necessidade passaram a permear as sociedades ao redor do mundo. Nasceu assim a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1946 foi instaurado o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, carregando um artigo com elementos de proteção aos direitos das crianças. Isso demonstrou que a preocupação em relação ao segmento infanto-juvenil, no sentido de sua proteção, começava a dar os primeiros grandes passos. Na década de 1950, Kubitscheck subiu ao poder e pôs a todo vapor a sua política de modernização conservadora e ampliação do conjunto de trabalho urbano-industrial; a legislação nacional (Código Mello Mattos) começava a se exaurir, sobretudo após a Declaração dos Direitos da Criança, em 1959, promulgada pela ONU, que reconheceu nas crianças sujeitos de direitos, o que não sintonizava com o que estava vigente no Brasil. Todavia, quando reflexões e discussões sobre as crianças e os adolescentes começaram a ser fomentados, o golpe militar de 1964 minou qualquer debate democrático sobre a temática, trazendo uma nova conjuntura para a tentativa de construção de uma política protetiva infanto-juvenil. 2.2 PERSPECTIVAS SOBRE A INFÂNCIA E JUVENTUDE A PARTIR DA DITADURA MILITAR E O ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE (ECA). O regime militar se impõe num contexto de expansão da ideologia comunista no âmbito internacional e intenção de assegurar a concentração de poder, segurança econômica e política da elite brasileira. Esse governo estava sitiado de ações truculentas, ideologia de Segurança Nacional como princípio governamental e total submissão do social ao econômico, no sentido que as políticas sociais passam a ser apenas condutores de outras finalidades: “Nesta nova concepção, o gasto público passa a atender a uma dupla finalidade: fortalecer a determinados segmentos do setor empresarial e atender às necessidades básicas dos segmentos mais vulneráveis da população” (COSTA, 1993, p.17), garantindo o mínimo para subsistência da oferta de mão-de-obra. Foi nesse contexto que nasceu a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), cujo órgão nacional era a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), e órgão executores estaduais as famosas FEBEM(s) – Fundações 24 Estaduais do Bem-Estar do Menor. Apesar do intento de superar o SAM, o novo organismo voltado para “menores infratores” cometia os mesmo vícios. Dividiu-se, então, os menores em três categorias absolutas: abandonados (os órfãos, crianças e adolescentes que ficavam vagando pelas ruas das cidades), carentes (crianças e adolescentes que se encontravam em situação de pobreza) e infratores (aqueles que eram considerados inadaptados, que se quedavam fora da escola e precisavam esta sob o domínio institucional para regularizar o menor). A FUNABEM possuía enquanto referência, o sentido de infância infratora como marginal e disfuncional, dando continuidade à ideia de culpabilização da família pelo menor que se encontra fora da lei e dos bons costumes. É importante salientar que quando se fala em crianças e adolescentes referentes a esse cenário, correspondem apenas aos que se encontravam na chamada “situação irregular”, que consistia em associar automaticamente a pobreza à criminalidade, de modo que os abandonados e delinquentes, sem distinção, eram alvos da intervenção do Estado e privação de liberdade, além de tornar o conjunto infanto-juvenil pobre facilmente passível de sofrerem ação estatal. Pois, A doutrina da situação irregular partia do princípio de que a origem dos “problemas dos menores” estava no abandono moral, afetivo e material por parte dos responsáveis. A família e a escola eram consideradas responsáveis pelo controle e socialização das crianças e adolescentes (ROSA, 2001, p.194). A década de 1970 começa com a desestabilização da economia mundial provocada pela Crise do Petróleo, que juntamente com a Revolução Tecnológica, desencadeia a Reestruturação Produtiva; o neoliberalismo em voga diante da desestabilidade social com o enfraquecimento do Welfare State, desemprego estrutural e Estado mínimo. Por volta de 1975, o sistema autocrático militar começa a se esgotar, a falta de liberdade e a repressão energética sobre a população faz com que esta comece a responder às barbaridades e restrições de direitos perpetrados pelo Governo. Na medida em que aumentava as contestações, ampliavam também as respostas repressivas a estas. Em 1979 um novo Código de Menores foi estabelecido. Estendendo a filosofia menorista do código anterior (assim como ocorreu com a PNBEM em relação ao SAM), o “novo” código estava ligado com a ideologia militar, que por sua vez, estava carregando uma série de conflitos de legitimidade perante a falta de atendimento das necessidades da população. Além disso, a organização de movimentos sociais e sociedade civil, denúncias de abuso, maus tratos e violência, dentro das FEBEM(s) passaram a repercutir internacionalmente. A única saída para a Ditadura Militar diante 25 da pressão popular e desfalecimento da política econômica era abrir as portas para a democracia. Nesse movimento, a década de 1980 foi marcada por dois elementos contraditórios: de um lado a economia brasileira decaída com uma dívida externa abrupta e de outro, a riqueza de organização social e política da população. Havia sido restaurada a democracia, os movimentos sociais caminhavam vigorosamente, principalmente os movimentos ligados à infância, as universidades iniciaram pesquisas sobre a problemática da infância desvalida, promovendo a desmistificação dessa área, a quebra do senso comum e construindo o terreno para as futuras formulações de proteção as crianças e adolescentes. Em 1985 um marco político começava a engatinhar: O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) foi fundado e no ano seguinte ocorreu o I Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. O nível de maturidade, organização e consciência política dos integrantes do movimento pasmou a sociedade. Entre as reflexões promovidas pelo movimento, os meninos que participaram debateram sobre saúde, sexualidade, família e outros assuntos, porém, o tema que mais eclodia era a violência. Dava-se assim, a corrida pelos direitos infanto-juvenis: a Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, a Pastoral do Menor, Associação dos Ex-Alunos da FEBEM (ASSEAF), ONG(s) internacionais, ONU e UNICEF, Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e outros órgãos passaram a se articular e realizar um processo diuturno de mobilização e conscientização da opinião pública e dos constituintes. Nessa direção, em 1988 a nova Constituição Brasileira é promulgada, traçando um salto rumo a transformação no modo de pensar no quesito infância e juventude ao estabelecer este segmento como sujeitos de direitos e prioridade no atendimento, como resulta o Artigo 227: Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). Conquistada a vitória na Carta Magna, era necessário aproveitar a oportunidade do momento para construir um aparato jurídico-legal que tratasse especificamente da infância e juventude, num direcionamento contrário a legislação policialesca e repressiva até então presenciada. Milhares de encontros, manifestações e debates foram forjados, e em 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nasceu com a definição de criança e adolescente em condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. O ECA trouxe grandes avanços legais no âmbito das políticas 26 públicas, dos organismos de proteção e sistematização da garantia de direitos. Com o panorama de democracia participativa, ele garante não só a participação da sociedade civil na gestão dos mecanismos de defesa dos direitos, mas traz a tona a responsabilidade da família, Estado e Sociedade Civil de resguardar o segmento infanto-juvenil. Apesar desses avanços, ele não traz nenhuma ruptura com o projeto de sociedade capitalista, o grande responsável pela desproteção e abandono das crianças e dos adolescentes. Substituiu a categoria “delinquente” pela a de “infrator”, e ainda, no campo de abertura para a participação da sociedade, se tornando instrumento de pressão e luta, acabou sendo um mecanismo ambivalente, pois, é um espaço que possui a possibilidade de ser cooptado pelo poder público. Por isso não se constituiu como um documento revolucionário, mas que acompanhou as mudanças sociais que se encaminhavam. Somado a isso, no âmbito da prática, tem sido difícil materializar os artigos dispostos no ECA. A luta pelo rompimento do estigma do “menor” e senso comum, por desnaturalizar a pobreza e a criminalidade ainda persiste, a mídia e a ideologia dominante se constituem como grandes barreiras a serem atravessadas. Os meios de comunicação, em sua maioria, deveriam ser compreendidos como instrumentos de controle social, entretanto, são utilizados de forma sensacionalista e manipuladora, de postura política bem definida. Munem-se de análises fragmentadas para defender posturas reacionárias como a redução da maioridade penal e a conservação da ideia de que os adolescentes – negros e pobres- são responsáveis pelo alto índice de criminalidade, ainda que eles sejam responsáveis somente por 10% dos crimes praticados no Brasil, de acordo com o Ministério Público (2005). Um fato relevante é que apenas 8% dessa percentagem corresponde a crimes que atentaram contra a vida, a maioria (78%) são infrações cometidas contra o patrimônio. A massificação das informações superficiais que estimulam o senso comum, baseiam a reprodução dos valores éticos da classe dominante, tornando difícil a permeabilidade dos princípios do ECA na sociedade. Os meios mediáticos tendem a repassar as notícias sobre violência a partir do ato violento em si e desconsideram as causas e o contexto do fenômeno, não identificam os motivos e consequências dos crimes possuírem classe e raça. Ademais, o pensamento de que a única via para obter segurança é através de isolamento dos “desajustados sociais”, para que estes possam ser recuperados, debilita a junção de segurança e cidadania, nessa perspectiva, a sociedade não reconhece o agressor 27 como cidadão. Além disso, o pífio recurso financeiro público e a falta de preparo teórico-prático dos profissionais direcionados aos órgãos cujo escopo é o trabalho com crianças e adolescente, bem como a apatia política das organizações e movimentos sociais na década de 1990, também se constituíram em grandes abismos para efetivação na prática o que já está posto legalmente: E neste contexto novelesco, ou de filme policial, e,m que o ponto fundamental é a inversão dos fatos e da realidade, o ECA tem sido apontado por vários setores da opinião pública como um dos responsáveis pela situação. Ele teria descriminalizado os menores. No momento em que se processa a revisão constitucional, esses fator são perigosos porque, se não avançarmos muito na prática, ao menos temos de defender as conquistas da lei para lutarmos para sua adoção e vigência (GOHN, 1994, p.111). No âmbito do estado do Rio Grande do Norte (RN), em 1994, por meio da Lei 6.682, foi criada a Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (FUNDAC), para substituir a FEBEM após a promulgação do ECA. A FUNDAC é um órgão vinculado à Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (SETHAS/RN), e se constitui como órgão responsável por formular e executar, em todo o Estado, a política infanto-juvenil de forma horizontal e uniforme. Deve possuir como base legal para a prática, as diretrizes e princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 13/07/1990), a Política Estadual para a Criança e o Adolescente, aprovada pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONSEC/RN) e o SINASE. Possui como missão, asseverar as condições necessárias para a efetivação da cidadania e desenvolvimento pleno e sadio, de crianças e adolescentes que se encontram em vulnerabilidade psicossocial e em especial, adolescentes autores de ato infracional. Em relação ao cumprimento de medida socioeducativa, existem dez unidades de atendimento: socioeducativas de privação e restrição de liberdade, são elas: Centro Integrado de Atendimento aos Adolescentes (CIAD); Centro Educacional Nazaré (CEDUC Nazaré); Centro Educacional Santa Catarina (CEDUC Santa Catarina); Centro Educacional Esperança (CEDUC Esperança); Centro Educacional Santa Delmira (CEDUC Santa Delmira); Centro Educacional Pe. João Maria (CEDUC Pe. João Maria); Centro Educacional Pitimbu (CEDUC Pitimbú); Centro Educacional Caicó (CEDUC Caicó) e o Centro Educacional Mossoró (CEDUC Mossoró). O CEDUC Pitimbú, que será o palco da nossa pesquisa e reflexões nos próximos capítulos, é a entidade de atendimento à jovens do sexo masculino, entre 12 e 18 anos – excepcionalmente até 21 anos- que cumprirão a medida socioeducativa em regime de internação. Localizado na divisa entre Natal e Parnamirim (RN), o Centro Educacional 28 Pitimbú deve garantir a integridade física, psicológica e moral, promovendo ações socioeducativas destinadas aos adolescentes. Entretanto, apesar da existência do ECA desde 1990 e de normativas internacionais desde a década de 1940, na madrugada do dia 23 de julho de 1993, o Brasil foi palco da Chacina da Candelária, em que seis adolescentes e dois adultos, todos moradores de rua, foram assassinados por tiros à queima roupa disparados por policiais militares (que por sua vez, atiraram contra mais de setenta crianças e adolescentes, tendo como consequência as oito mortes), enquanto dormiam próximo à Candelária, Igreja que se queda no centro do Rio de Janeiro. Não obstante, em 1999 os Estados Unidos presenciou “Columbine”, no qual dois estudantes do Instituto Columbine atiraram em vários estudantes da instituição e professores. Em 2011, um adolescente de 17 anos, internado no CEDUC Pitimbu, matou outro adolescente de 13 anos que estava no mesmo núcleo de convivência, sendo sua orelha e garganta cortadas, mesmo quando em legislação é proibido colocar adolescentes de idades diversas no mesmo núcleo, como expressa o Art. 123. “A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração” (BRASIL, 1990). Em 2012, Natal (RN) teve em suas páginas de jornal, a notícia de que o CEDUC Pitimbu estava sendo parcialmente interditado por abrigar os adolescentes em condições desumanas e degradantes, com suas estruturas condenadas pelo Corpo de Bombeiros e Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária. No começo do mesmo ano, é aprovado o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), Lei nº 12.594, responsável por nortear e regulamentar as execuções da medida socioeducativa, dando atenção às particularidades desse atendimento peculiar e tentando estrangular as brechas que ainda insistem em atravessar o processo socioeducativo. Portanto, apesar dos avanços legais é preciso transportá-los pra realidade social, na materialidade do cotidiano das práticas institucionais e para consciência da sociedade. 29 3 A (NÃO) EFETIVAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA NO CEDUC PITIMBÚ E O PAPEL DO SERVIÇO SOCIAL NO CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO A presente pesquisa se realizou dentro do Centro Educacional Pitimbu (CEDUC Pitimbu), unidade de Proteção Jurídico Social da FUNDAC, voltada para o cumprimento da medida socioeducativa de internação para adolescentes do sexo masculino, entre 12 e 18 anos, excepcionalmente até 21 anos de acordo com o Parágrafo único expresso no Título I do ECA que versa: Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (BRASIL, 1990). Foram entrevistados 11 profissionais: 2 policiais militares, 1 pedagoga, 1 assistente social, 1 psicóloga, 1 auxiliar administrativo, 1 auxiliar odontológico, 1 auxiliar de enfermagem, 2 educadores e o diretor da instituição. O estudo se baseou na tentativa de compreender o significado de medida socioeducativa, na ótica dos trabalhadores inseridos nesse campo quanto ao que ela se propõe, bem como identificar as variáveis determinantes na sua efetividade. Este capítulo está dividido em duas partes: a primeira, apresentada em 3.1, consiste em perfilar de maneira descritiva os entrevistados e a segunda parte, localizada em 3.2, traz à tona a discussão sobre a medida socioeducativa de privação de liberdade, e sua implementação em Natal –RN. 3.1 O PERFIL DOS PROFISSIONAIS DO CEDUC PITIMBU A pesquisa foi realizada com 11 profissionais, tendo como participantes das entrevistas 80% do total de integrantes que compõem atualmente a equipe técnica do CEDUC Pitimbu, que por sua vez, é constituída por duas assistentes sociais, uma pedagoga, uma psicóloga e um apoio técnico. O perfil profissional que será apresentado neste Trabalho de Conclusão de Curso encontra-se calcado nos seguintes aspectos: nível de escolaridade, experiência anterior ao CEDUC Pitimbu na área infanto-juvenil, idade, raça, religião, se possuem filhos e a forma de ingresso ao campo de trabalho. Encontrei dificuldades de saber quantos profissionais existiam em sua totalidade no Centro Educacional Pitimbu, a pedagoga não soube responder quantos professores atualmente existiam na escola, falando que “deve existir mais ou menos de 9 a 15 professores” (pedagoga). O que pude constar é que durante o dia, estão presentes a equipe técnica completa, as duas profissionais ligadas à saúde, apenas 4 educadores e 5 policiais militares (devido a diminuição do número de 30 adolescentes, existiam na faixa de 30 internos). Ao todo, observaram-se as seguintes características no que se refere ao grau de escolaridade: Gráfico 01: Grau de Escolaridade Fonte: Coleta Direta/ 2012 O número 1 corresponde à quantidade de profissionais que possuem ensino superior e são fixos da instituição, já que profissionais da área do Direito e da Saúde (dentista e médico) visitam esporadicamente o CEDUC. O número 2 corresponde àqueles profissionais que não possuem Ensino Superior, tendo o Diretor como parte integrante dessa porcentagem, pois ainda estava cursando sua primeira graduação, faculdade de Administração, ferindo diretamente o inciso I do artigo 17 do SINASE que dispõe: Art. 17. Para o exercício da função de dirigente de programa de atendimento em regime de semiliberdade ou de internação, além dos requisitos específicos previstos no respectivo programa de atendimento, é necessário: I - formação de nível superior compatível com a natureza da função; (BRASIL, 2012). No que tange ao aspecto de experiência na área da infância e juventude, antes de serem inseridos num contexto de privação de liberdade juvenil, foi verificado que a maioria já havia tido contato com essa área como pode ser observado no gráfico a seguir: 31 Gráfico 02: Experiência Profissional Fonte: Coleta Direta/ 2012 O número 1 corresponde ao percentual de entrevistados que já haviam trabalhado na área de crianças e adolescentes; nesse grupo, concentram-se as duas técnicas da saúde, a auxiliar de odontologia (formada também em curso técnico de enfermagem) e a auxiliar de enfermagem. Estas duas últimas, apesar de estarem há 3 e 9 anos respectivamente no CEDUC, até o momento da pesquisa se encontravam sem registro no Conselho Regional de Enfermagem. Tal percentual também compreende a pedagoga que pelo caráter da profissão já havia tido proximidade com a área. Contudo, ao ser indagada sobre a experiência, ela relacionou sua participação no passado na Escola Penal com a sua prática profissional no CEDUC. O número 2, em contrapartida, nos leva aos profissionais que tinham no Centro Educacional sua primeira experiência: neste grupo, quedam os dois policiais militares, que, em virtude da natureza de sua profissão, têm como compreensível a falta de experiência. O Diretor da instituição que da mesma maneira como foi afirmado na análise do elemento anterior, desrespeita o inciso II do artigo 17 do SINASE ao ocupar o cargo há menos de um ano e nunca ter tido contato com a temática previamente: Art. 17. Para o exercício da função de dirigente de programa de atendimento em regime de semiliberdade ou de internação, além dos requisitos específicos previstos no respectivo programa de atendimento, é necessário: II - comprovada experiência no trabalho com adolescentes de, no mínimo, 2 (dois) anos; (BRASIL, 2012). No que se refere a cor, pode-se constatar que 5 entrevistados afirmaram ser da cor morena, 3 da cor parda e 3 da cor branca. Houve também uma predominância na religião evangélica: 1 entrevistado disse não possuir religião, 4 são católicos (sendo um não praticante) e 5 evangélicos. Apenas uma entrevistada não possuía filhos e um educador entrou no CEDUC por via de concurso público, considerando que os dois 32 policiais militares são concursados e cedidos, assim como a pedagoga que pertence à secretaria de educação e também foi cedida; o diretor não explicou qual foi o caminho percorrido para ocupar o cargo, mesmo tendo sido questionado acerca disso. Apenas afirmou que “antes de chegar a FUNDAC eu trabalhei em gabinete... de político” (Diretor). A faixa etária dos trabalhadores não obteve variações significativas, predominando pessoas com idade acima de 40 anos. Sobre isso, um dos policiais afirmou certa preocupação: “se você olhar bem, tem educadores aí já, não aguenta nem em pé direito, pessoas já de idade, eu acho que pra trabalhar com adolescente, eu acho que não é adequado... porque Deus me livre de acontecer de um interno desse puxar a faca ou ferro pra um educador desse, eles não têm preparação nenhuma pra lidar com isso, eu digo física mesmo.” (Policial Militar) De acordo com o gráfico abaixo, pode-se constatar que 7 dos entrevistados se encontravam na faixa etária entre 40 e 54 anos (n° 1) ; 2 entre 30 e 40 anos (n°2) e 2 possuíam 27 anos exatamente (n°3), estando a maioria acima da faixa dos 40 anos. Sem a constante capacitação e reciclagem teórico-metodológica, este fator acaba por repercutir de maneira improfícua no atendimento aos adolescentes, visto que muitas vezes o fazer profissional acaba por se manter em posturas antiquadas e limitar-se em ações rotineiras. Essa postura que estigmatiza os adolescentes autores de ato infracional, alicerçadas em pensamentos antigos, não acompanha o movimento social histórico dinâmico e veda a possibilidade de visualizar respostas e ações emancipatórias, na perspectiva do horizonte da problemática. Gráfico 03: Faixa Etária Fonte: Coleta Direta/ 2012 33 Tecidas as considerações iniciais e traçado o perfil dos profissionais entrevistados, debruçar-nos-emos no próximo ponto sobre a medida socioeducativa e sua efetivação na ótica dos profissionais entrevistados, construindo um debate sobre a concepção da medida e nós fundamentais que determinam sua concretização. 3.2 A EFETIVIDADE DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA NA ÓTICA DOS PROFISSIONAIS NO CEDUC PITIMBU A medida socioeducativa, proposta no ECA, é uma medida de proteção destinada aos adolescentes que praticaram o ato infracional, devendo ser operacionalizada de acordo com as diretrizes do SINASE. Entende-se por ato infracional, a conduta descrita como crime ou contravenção penal (BRASIL, 1990). A medida socioeducativa, proposta no ECA, é uma medida de proteção destinada aos adolescentes que praticaram o ato infracional, devendo ser operacionalizada de acordo com as diretrizes do SINASE. Entende-se por ato infracional, a conduta descrita como crime ou contravenção penal (BRASIL, 1990). A medida socioeducativa, atualmente, ainda consiste no processo de tomada de posse das mazelas sociais por parte do Estado, que através de práticas coercitivas, de forma superficial, tenta esconder as manifestações do problema na obrigação de combater a criminalidade, na finalidade de promover o sentimento de segurança e paz social. No entanto, medida socioeducativa deve ser compreendida como um processo peculiar, cuja intencionalidade é desenvolver a responsabilização dos atos pelo adolescente autor do ato infracional, visando a reintegração da liberdade de forma responsável e reeducando para o convívio social. Além disso, ela materializa-se através de meios pedagógicos-educativos, assegurando atendimentos psicossociais, médico, jurídico, odontológico, educativo, profissionalizante e executando ações culturais, esportivas e de lazer ao adolescente privado de liberdade. É preciso entender, portanto, que a privação de liberdade já é a dimensão sancionatório-punitiva e não consiste na perda dos outros direitos inerentes aos adolescentes, expressos no Estatuto da Criança e Adolescente. Nesse contexto, foi questionado aos entrevistados o que era a medida socioeducativa, as respostas variaram bastante de uma para a outra, como podem ser vista no gráfico a seguir: 34 Gráfico 04: Medida Sócioeducativa Fonte: Coleta Direta/ 2012 O número 1 corresponde a respostas que caracterizaram a medida por ações que eram ou deveriam ser desenvolvidas durante o período de internamento, tal como artesanato. O número 2 equivale a respostas vazias e amplas sobre o significado da medida, “É um modo assim né, da gente saber lidar com eles, educar eles né, arrumar uma maneira de ensinar pra ele né, no meu entender...” (auxiliar de odontologia). O número 3 compreende o conjunto das respostas do diretor e da pedagoga que não souberam responder a pergunta, se atendo apenas ao fato de que ela não cumpria o seu papel: “A medida socioeducativa, eu vejo como, que não é o caso aqui né, entre aspas, que a gente vê né, que o adolescente ele vem pra aqui, pra cumprir e receber medida socioeducativa, mas não é a realidade... que a gente vê. Por que eu acho que no momento que ele está aqui, ele está sob nossa responsabilidade mas mesmo assim fica a desejar...” (Pedagoga) O número 4 contém o percentual ligado às respostas dos dois educadores que, de forma abstrata e pouco clara, disseram que a medida é consequência do que os adolescentes conseguiram, socializá-los e fornecer condições básicas de saúde e educação. Os números 5 e 6 abrigam as respostas da psicóloga e da assistente social, respectivamente. A psicóloga afirmou que a medida era “uma forma de reinserir 35 e trabalhar pedagogicamente”, contudo, não explicou de que maneira isso ocorreria e nem que fatores deveriam ser trabalhados. A assistente social afirmou que era “um momento de reflexão sobre a gravidade do ato cometido e de ter encaminhamento” (Assistente Social). Um fator muito preocupante esteve presente em quase todas as respostas: ao serem indagados sobre o significado de medida socioeducativa, 82% dos profissionais entrevistados responderam que ela não funcionava (quando não só respondiam isso, como é o caso do diretor e da pedagoga supracitados). Esse fato aponta para um elemento chave na compreensão de medida socioeducativa - ela carrega na sua constituição, o rosto da ineficácia, que não é novo e possui sua herança no exórdio da política voltada para população infanto-juvenil, como pode ser notado ao longo do capítulo 1. A medida socioeducativa, atualmente, é uma resposta coercitiva estatal ao fenômeno da criminalidade juvenil, que por sua vez tem sua acepção manipulada pela mídia, senso comum e teorias profícuas ao sistema produtivo hegemônico baseadas em argumentos frágeis, de modo a “invisibilizar” os adolescentes autores de ato infracional que viveram a maior parte de sua vida na subcidadania, com participação social marginalizada, em sintonia com as normas societárias burguesas. Nesse sentido, a característica principal da medida não é a de proteção, mas a de punição, sua essência é castigar os adolescentes que não conseguiram se ajustar à ordem social e tentaram transgredi-la – ou seria mantê-la, já que a cultura do medo faz as empresas privadas de segurança lucrarem e legitima de um modo geral as práticas violentas e de coação do Estado e Sociedade. Nesse sentido, [...] cidade punitiva ou instituição coercitiva? De um lado, funcionamento do poder penal repartido em todo o espaço social; presente em toda parte como cena, espetáculo, sinal, discurso; legível como um livro aberto; que opera por uma recodificação permanente do espírito dos cidadãos; que realiza a repressão do crime por esses obstáculos colocados à ideia do crime; que age de maneira invisível e inútil sobre as "fibras moles do cérebro", como dizia Servan. Um poder de punir que correria ao longo de toda a rede social, agiria em cada um de seus pontos, e terminaria não sendo mais percebido como poder de alguns sobre alguns, mas como reação imediata de todos em relação a cada um. De outro, um funcionamento compacto do poder de punir: ocupação meticulosa do corpo e do tempo do culpado, enquadramento de seus gestos, de suas condutas por um sistema de autoridade e de saber; uma ortopedia concertada que é aplicada aos culpados a fim de corrigi-los individualmente; gestão autônoma desse poder que se isola tanto do corpo social quanto do poder judiciário propriamente dito. O que se engaja no aparecimento da prisão é a institucionalização do poder de punir (FOUCAULT, 2004, p. 107). 36 Ainda em harmonia com o pensamento foucaultiano, o castigo que antes era aplicado sobre o corpo, na modernidade se direciona para a subjetividade do indivíduo, coabitando com ranços de punições arcaicas ferindo o corpo quando há oportunidade, quando em caso de rebeliões, por exemplo. Esse pensamento é facilmente encontrado nos discursos profissionais: “Mas num é punição de espancar e bater de nada não, [...] é evitar uma visita, evitar ir prum futebol, tá entendendo?!” (Policial Militar); “Infelizmente não podemos é... agir com mais rigor, porque o estatuto não permite” (Policial Militar); “O que tem sido o cumprimento das medidas socioeducativas? Tem sido um local onde você vai ser castigado, vai ser humilhado, você vai sofrer, você vai sair pior do que você entrou, esse tem sido os fatos os fatos do cumprimento da medida socioeducativa” (Assistente Social) Destarte, é através da transgressão das leis e da ordem que o adolescente acusado de cometer um crime ou contravenção penal traça seu primeiro contato com a justiça, e não pela via do direito, demarcando um processo contraditório do sistema de justiça, acessado pelo canal da infração, criando a identidade repressiva e antidemocrática do significado de direito e principalmente, da medida socioeducativa, que, por sua vez, não passa de um castigo, vestido com a roupagem de presídio na maior parte do tempo, por refletir as propagações das contradições produzidas pelo sistema capitalista2. Elementos diversos e complexos, introduzidos pelo modo de produção burguês acabam por atravessar de maneira incisiva a vida dos adolescentes pertencentes às classes subalternas, patamar no qual se localiza a maioria – se não todos em algumas instituições – da população jovem em cumprimento de medida de internação. Dentre esses elementos está a ausência da realização do papel protetivo da família, escola e comunidade; valendo ressaltar que essa família, inserida num contexto de desafios cotidianos pela sobrevivência, passe a identificar as alternativas agressoras ao desenvolvimento sadio das crianças e adolescentes, como o trabalho infantil e exploração sexual, como o único meio possível de manutenção de suas vidas. Há também a reprodução das relações sociais na perspectiva de carência à integração social de forma plena, reafirmando uma identidade de juventude à imagem de como 2 Para maior aprofundamento acerca da temática, ver artigo de Costa, “Adolescência, violência e sociedade punitiva”, em Serviço Social e Sociedade número 83; e (IN)Visibilidade perversa: Adolescentes infratores como metáfora da violência, de Apolinario Sales. 37 são vistos e julgados pela sociedade, numa cidadania subalterna, com forte traço da criminalização da pobreza. O tráfico de drogas é o elemento que mais possui ramificações: o uso de drogas proporciona o lazer, que, apesar de assegurado por lei, inexiste na realidade das classes populares; enquanto atividade econômica, se constitui também como oportunidade de emprego e meio de aquisição de bens materiais antes não acessíveis, além de ser sinal de status e autoestima para os seus integrantes, coisa que dificilmente esses adolescentes encontrarão em outros espaços, associado com a visibilidade a esses jovens que os meios de comunicação proporcionam através da violência, quando tornam conhecido seus nomes e rostos ao praticarem algum crime, reafirma a questão do status. A cultura da violência é a espinha dorsal do contexto social do cotidiano dos adolescentes, extrapolado pela apatia da Sociedade Civil e falta do Estado no provimento de cristalizações das políticas sociais, garante a inserção do crime na biografia da juventude pobre. Essa ideia, por sua vez, é confirmada ao longo das entrevistas como a característica mais estridente na não efetivação da medida: “A maior dificuldade enfrentada é a questão da alienação por parte do Estado como também da sociedade, [...] isso aqui passa um pouco invisível” (Psicóloga). Articulando essa realidade com o que se encontra preconizado no ECA, observa-se: Art 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta. Nessa perspectiva, a medida socioeducativa deve ser compreendida como um direito inalienável dos adolescentes, assegurada por lei, que se canaliza pela via da medida protetiva, visto que as três dimensões do artigo 98, em sua maioria, foram responsáveis pela violação dos direitos juvenis. A primeira – I por ação ou omissão da sociedade ou do Estado – se concretiza na falta de estrutura das escolas públicas, da saúde, de habitação digna para as famílias pauperizadas, na ausência de provimento de esporte, cultura, lazer e emprego para os adolescentes das camadas populares aliada à apatia da sociedade ou sua ação no ato de marginalizar as crianças e adolescentes de baixo ou nenhum poder econômico. A segunda – II por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável –, no entender do cenário de precariedade e complexidade no qual a família se encontra inserida atualmente, é um fato muito 38 comum nas áreas onde as classes subalternas se localizam. A terceira – III em razão de sua conduta – é a referência considerada quando se fala em medida socioeducativa, quando, na verdade, todas os três caracteres do artigo 98 deveriam ser ponderados, o que torna a situação ainda mais inquietante. Ora, é preciso começar a perceber e questionar o tipo de sociabilidade e Estado que se omite, quando não promove, todas as três vias de violação de direitos de crianças e adolescentes de sua nação. Não sendo suficiente o desrespeito aos direitos infanto-juvenis precedente à entrada do adolescente no CEDUC Pitimbu, no momento em que deveria ser efetuada a medida protetiva, aclarar e fomentar a realização da real concepção de direito e cidadania, acaba por se tornar mais um espaço de degeneração dos direitos humanos, democracia e qualquer possibilidade de restituição da cidadania integral: “Nós temos uma estrutura deficitária, temos um sistema deficitário, que na realidade a gente pouco tá podendo fazer por ele. Temos poucas oficinas, hoje praticamente eles (os adolescentes) vivem o tempo todo reclusos, tá faltando atividades, além da condição, falta também é... a questão de olhar isso aqui como ele realmente deveria ser olhado”. (Diretor) “Deixa a desejar (a medida no CEDUC), [...] ele (adolescente) tá sob nossa responsabilidade, mas aí entra um órgão e aí vem, procura e bate [...] como eu soube, e dá choque como houve no dia da rebelião e tal, e teve meninos aqui que apanharam entendeu?!”. (Pedagoga) Com relação à configuração da medida no CEDUC, as respostas dos sujeitos da investigação foram pouco diversificadas e estão demonstradas no gráfico a seguir: Gráfico 05: Configuração da Medida Sócioeducativa Fonte: Coleta Direta/ 2012 39 O número 1 equivale ao grupo de respostas que afirmou a materialização da medida por meio de recursos oferecidos: oficinas, aula e atendimentos. O número 2 refere-se às respostas que caracterizaram a medida pelas orientações fornecidas e oferta da educação escolar, e o número 3 não responderam sobre a formatação da medida, apenas citaram sua debilidade: “Sinceramente... as condições daqui não tem como trabalhar em cima disso aí não sabe, estrutura, em geral, em tudo, não tem como ninguém trabalhar aqui, é precária a situação” (Auxiliar administrativa). Mais de 90% dos entrevistados afirmaram haver dificuldades e inexistência de condições e estrutura para a implementação da medida socioeducativa de forma eficaz: “Hoje o que é que vai fazer aqui uma assistente social, uma psicóloga, uma pedagoga? Nada. A gente vai apenas manter a dificuldade que estamos” (Assistente Social). Desse modo, faz-se imprescindível uma indagação circunspecta sobre o raio de efeito que as mobilizações, desde a redemocratização do país, em prol da infância e juventude conseguiram atingir na contemporaneidade, quando depois de mais de 20 anos da instituição do ECA, ainda é possível se deparar com o estado de calamidade no qual se encontra atualmente o CEDUC: considerando a primeira parte deste capítulo, sabe-se que apesar da maioria dos profissionais já possuírem contato prévio com a temática de criança e adolescente; foi constatado, portanto, que ninguém soube dar o significado de medida socioeducativa, que as transgressões das normas legais principiam na localização do espaço físico, passando pela porta de entrada através da presença dos policiais militares – em vista de uma profissionalização mais humanitária, policiais civis seria uma alternativa mais coerente -, visitam a sala da diretoria com o atual gestor e deságua nos profissionais e modo de lidar com os adolescentes. Compreendendo, todavia, que a sociabilidade burguesa fomenta práticas tecnicistas e posturas fatalistas, imprime dificuldades colossais e escassa condição de trabalho para ações profissionais transgressoras da ordem produtora e emancipatórias. O prédio do CEDUC Pitimbu é localizada fora da capital, no município vizinho em Parnamirim, com um acesso difícil e chão de barro, sendo necessário que um carro pertencente à instituição busque os familiares no ponto de ônibus nos dias de visita; remete-se, portanto, à falta de vontade de tornar esses adolescentes visíveis, trilhando um caminho rumo à tentativa de ocultá-los e desenhando a indesejabilidade social em suas identidades, circunscrevendo a justiça brasileira analogicamente a uma sociedade autoritária, severamente hierarquizada e excludente. O Centro Educacional 40 se localiza entre um presídio, rio e complexo militar pertencente à Marinha do Brasil, pondo na leviandade o parágrafo 1º do artigo 16 da seção III do SINASE, que proíbe unidades socioeducacionais próximas ou ligadas a espaços penais. A única diferença visível na entrada da estrutura do CEDUC e da estrutura de um presídio é o muro baixo. Assim: As crianças e adolescentes, mesmo depois do ECA, continuam ainda presas da manipulação ideológica e da aposta na lógica da fragmentação, e suas condições de vida e necessidades não recebem o suporte em termos de política pública (Sales, 1998). Os governos federal, estaduais e municipais revelam-se pouco determinados a ser criativos e eficazes na lida com esta expressão da questão social, de tão grave monta em seus aspectos visíveis e invisíveis, em face do que submetem o seu foro à política de segurança pública e de justiça, reatualizando os vínculos naturalizadores das teses acerca da criminalidade e pobreza. (SALES, 2007, p. 94) No período em que a pesquisa foi realizada, os adolescentes estavam há mais de uma semana sem sair de seus núcleos, fosse para alimentação, receber visitas ou atendimento individual. Portanto, se existia algum recurso que remetesse ao direito, no âmbito da socioeducação, nesse momento passou a não existir mais, reinscrevendo o CEDUC como um local de despejo de adolescentes não aceitos aos olhos da população. Por estar parcialmente interditado, o CEDUC não aceita mais a entrada de novos adolescentes e movimentou boa parte de seus socioeducandos para Mossoró (Cidade no Interior do Rio Grande do Norte), a 278 km da capital, provendo o fornecimento de veículo para as visitas dos familiares da capital apenas uma vez ao mês. Além disso, não há mais nutricionista na instituição, reclamações sobre o pobre gênero alimentício foram registradas durante o desenvolvimento das entrevistas: “A questão da fiscalização da alimentação, que muitas vezes a alimentação não é muito boa, nós tínhamos uma nutricionista, mas agora nós não temos mais” (Assistente Social). “às vezes até alimentação falta, questão de alimentação sabe... geralmente eles (adolescentes) só se alimentam melhor quando os familiares vêm pra visita, traz uma coisa, traz outra, às vezes eles até dispensam o almoço, as coisas assim da casa, porque uma nutricionista, uma pessoa que coloca aqueeeelaaa alimentação sabe?!” (Educador). Apesar de realização de visitas domiciliares em algumas ocasiões, não há acompanhamento ou ações no âmbito familiar, que promova o fortalecimento dos 41 vínculos, aspecto crucial num desenvolvimento produtivo pessoal e social, além de estar destoante do artigo 100 do ECA e inciso IX do artigo 35 do SINASE, sobre o princípio de fortalecimento dos vínculos familiares na execução da medida, que expressa respectivamente: Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. (BRASIL, 1990); e Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: [...] IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo. (BRASIL, 2012). Diante desse palco de contradições bizarras e lutuosa escassez de recursos concretos para o engessamento das políticas públicas e direitos básicos do ser humano, há a possibilidade de se apropriar das mazelas político-sociais como ponto de partida parametrizável na construção da ideia axiológica e teleológica do que é a medida socioeducativa. Se a medida socioeducativa é um direito político-social destinado à população adolescente, é preciso começar a edificação de sua ideia descortinando o sentido de direito e política que aqui se faz manifestado. O direito, assim como a história, teve seus signos em constante mutação, e se transforma de acordo com as mudanças sociotécnicas, interesses da classe que sedia o poder e luta pela hegemonia, desenvolvimento social, tecnológico e econômico. O grupo dos direitos pertencentes ao homem é além de variante e não linear, diversificado, numa conjuntura em que o individualismo impede a ideia coletiva de humanidade, vai negar também a ideia de direito universal, tratar de maneira arbitrária o merecimento dos direitos fundamentais e inalienáveis, construindo a incoerência contemporânea que os direitos humanos atravessam. A participação no poder, determinado pelo poder econômico e manipulado pela ideologia dominante, acaba por rogar um poder político que diante de uma democracia, exige um direito a sua submissão. É preciso ter em mente que vivemos numa sociedade marcada pela herança de concepção de direito de ser cidadão de acordo com as posses econômicas, em que só é cidadão quem tem propriedade privada, que, por sua vez, está concentrada nas mãos de uma minoria. Todavia, essa democracia pode ser instrumento da classe trabalhadora no momento em que esta se torna uma demanda com o surgimento e agravamento das questões sociais, forma novas exigências e se realiza como autor de sua história. Entretanto, para além da necessidade de lutar pelos direitos do homem – sociais, civis e políticos –, e exigir execuções efetivas na realidade social, o direito possui, em sua essência, o papel primitivo de suprimir e restringir, e não o de explanar 42 a liberdade, a função “de corrigir a árvore torta, e não a de deixá-la crescer naturalmente” (BOBBIO, 2004, p. 53) e asilado no modo de produção capitalista, isso se radicaliza. Não obstante, é preciso apossar-se dessa função primária da lei e transformá-la em proveitosa para a maioria, é nessa hora que a democracia passa a se concretizar, restringindo e oprimindo a desigualdade nas relações sociais, os benefícios da classe burguesa e a concentração da riqueza socialmente produzida. Logo, Uma visão dialética e contra hegemônica, em que os direitos humanos são vistos como mediações para a construção de um projeto alternativo de sociedade: inclusiva, sustentável e plural. Enfatiza uma cidadania coletiva, que favorece a organização da sociedade civil, privilegia os atores sociais comprometidos com a transformação social e promove o empoderamento dos grupos sociais e culturais marginalizados. Afirma que os direitos políticos não podem ser reduzidos aos rituais eleitorais, muitas vezes fortemente mediatizados pela grande mídia e pelas estratégias de marketing. Coloca [...] na perspectiva da construção de uma quarta geração de direitos que incorpora questões derivadas do avanço tecnológico, da globalização e do multiculturalismo. Acentua a importância dos direitos sociais e econômicos para a própria viabilização dos direitos civis e políticos. Privilegia temas como: desemprego, violência estrutural, saúde, educação, distribuição de terra, concentração de renda, dívida externa e dívida social, pluralidade cultural, segurança social, ecológica. Do ponto de vista pedagógico, admite a transversalidade mas privilegia a interdisciplinaridade e enfatiza “temas geradores”. Trabalha as dimensões sociocultural, afetiva, experiencial e estrutural do processo educativo na perspectiva da pedagogia crítica e assume do ponto de vista psicopedagógico um construtivismo sociocultural (CANDAU, SACAVINO, 2003, p. 96). A política é um espaço de conflito de classes antagônicas, às vezes usado como área de burocratização e pragmatismo, que serve como via para a problematização da democracia, desmistificação de consensos, retrocessos e/ou avanços na conquista de direitos. Sendo assim, a medida socioeducativa deve ser entendida como um direito conquistado politicamente para os adolescentes – por possuírem a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, acabam por serem inimputáveis – que se operacionaliza por meios pedagógicos educativos, cuja finalidade é a responsabilização não só pelos seus atos, mas por suas vidas, na tentativa de transformá-los em atores protagonistas de sua história, de acordo com uma liberdade responsável, delineando uma nova relação com a comunidade e convívio coletivo, metamorfoseando sua inserção excludente na subcidadania em uma cidadania efetivamente plena e desenvolvendo mecanismos que possam explorar suas 43 potencialidades e seus limites numa perspectiva de integração social, democrática e dignamente humana. Nesse âmbito, A contenção não é em si a medida socioeducativa, é a condição para que ela seja aplicada. De outro modo ainda: a restrição da liberdade deve significar apenas limitação do exercício pleno do direito de ir e vir e não de outros direitos constitucionais, condição para sua inclusão na perspectiva cidadã. (VOLPI, 2011, p. 28) Em vista disso, foram listadas pelo profissionais distintas dificuldades na implementação da medida no CEDUC: com 21,49% das respostas, a liderança se queda com a falta de profissionais, seguido de ausência de recursos monetários e estruturantes, oferta de oficinas, “destutelamento” do Estado e Sociedade, falta de punição a manutenção da disciplina. Como ações para sanar essas dificuldades foram assinaladas o investimento, maior número de profissionais, capacitação dos que já existem, tutela do Estado e a concretização da política que já existe, maior integração entre os profissionais das múltiplas áreas, alimentação adequada e acompanhamento do jovem mesmo após sua saída do CEDUC. A realidade latente da falta de interdisciplinaridade, do conhecimento da dimensão política de cada área e principalmente a negligência do juízo do que é ser Educador, seu papel e sua importância, visto que é o profissional mais próximo do adolescente, é um dos componentes cruciais que merecem ser considerados quando se pensa medida socioeducativa em Natal, como se identifica nas falas a seguir: “Ele abre pavilhão? Então ele é educador” (Assistente Social); “Eles simplesmente largam os meninos aqui e pronto, só falta falar agora pega e se vira com ele” (Educador). Nenhum dos dois educadores tinha ensino superior ou tinha tido qualquer capacitação sobre a temática durante os anos de trabalho no Centro Educacional, bem como, demonstraram a total falta de conhecimento sobre quaisquer normativas legais basilares da medida socioeducativa, como se percebe nas respostas: “A gente segue o regimento interno da casa mesmo... tudo certinho.” (Policial Militar 1); e “O que a gente tem que fazer aqui no caso é... não pode atirar, não pode bater, é... o máximo que a gente pode fazer é agir quando realmente tá uma coisa mais séria.... mas fora isso é eles lá e a gente aqui na da gente. E evitar fugas.” (Policial Militar 2) Ademais, apenas dois profissionais – a assistente social e o diretor – falaram parcialmente sobre as legislações que direcionavam os princípios da prática do atendimento socioeducacional. De toda maneira, a falta de reflexões e elaborações de propostas criativas alternativas à situação precária do CEDUC, associada a falta de ocupação dos espaços de reivindicação, demonstram, além do pouco interesse da maioria dos profissionais, uma das maiores dificuldades em busca da mudança e 44 quebra de paradigmas: empenho no campo laboral. Lembrando que o espaço sócio ocupacional é minado diariamente pela falta de valorização, pelas frustrações que a burocratização da prática profissional e correlações de forças podem proporcionar, é preciso sempre buscar identificar na realidade as opções postas para o fazer laboral crítico reflexivo, de modo coletivo, visto que “O trabalho educacional abrange conjuntos de pessoas que coletivamente “se dão conta” do efeito multiplicador e do poder que a tomada de consciência coletiva adquire, bem como da solidariedade transindividual dos direitos humanos.” (CANDAU, SACAVINO, 2003, p. 138) Uma justiça acessada em seu primeiro plano pela infração, um direito circundado por policiais militares, firmado na falta de perspectiva de futuro, de alimentação e ausência da educação, devem ser condenados. Diante desse contexto, a profissão de Serviço Social é chamada para atuar dentro desse cenário e possui, portanto, um papel no cumprimento da medida de privação de liberdade. Essa discussão será o foco do próximo capítulo. 45 4. O LUGAR DO SERVIÇO SOCIAL NO CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE O presente capítulo trata sobre as particularidades do Serviço Social inserido no CEDUC-PITIMBU. No quesito 4.1 são apresentadas reflexões acerca da prática e identidade do Serviço Social enquanto profissão assalariada liberal, inserida no modo de produção capitalista, de especificidade integrada à divisão social e técnica do trabalho, subsidiada por aportes legais. Na segunda parte, 4.2, serão perscrutadas as atuações da profissão considerando seus recursos técnicos e base ético-política. Como ferramenta deste capítulo, foram utilizadas as onze entrevistas com os profissionais do CEDUC como citado no capítulo anterior, esmiuçando em especial, a entrevista da Assistente Social. 4.1 O SERVIÇO SOCIAL ENQUANTO PROFISSÃO INSERIDA NA DIVISÃO SÓCIOTÉCNICA DO TRABALHO. O capitalismo contemporâneo sofreu diversas influências ao longo do seu desenvolvimento, que, por sua vez, constituíram-se como decisivas na transformação da estrutura da organização do trabalho na sociedade. Nesse sentido, serão retomados alguns processos históricos que incidiram diretamente nas condições de trabalho da classe laboral, visando um melhor entendimento das configurações atuais em que o Serviço Social se estabelece e se desenvolve. A complexificação do mundo do trabalho se dá a partir da década de 1970, cujas causas se dividem entre a crise estrutural do capitalismo, fim do Leste europeu – tornando alguns grupos de esquerda em social-democratas – e a expansão do projeto neoliberal. No que diz respeito ao processo produtivo, as formas de acumulação baseada no taylorismo/fordismo – produção em massa, divisão de funções, controles amostrais entre outros – foram esgotadas e superadas pela então mais nova tecnologia baseada no modelo toyotista, fundamentado na produção flexível, multifuncionalização da mãode-obra, controle de qualidade total e a perspectiva do “just in time”3. Nesse sentido, a realidade se divide em duas veias contraditórias que passam a compor o espaço do trabalho: diminuição da classe operária industrial versus a expansão do trabalho assalariado. Esse fenômeno traz como consequência uma série de fatores tais como: des e subproletarização, expansão do desemprego industrial (já que cada vez mais o homem é substituído pela máquina), heterogeneização da classe trabalhadora visto que mulheres passam a serem incorporadas e jovens e idosos são 3 “Just in time” é um sistema administrativo japonês de produção cuja flexibilidade da quantidade de acordo com a demanda, garante, entre outros aspectos, a diminuição do estoque, maior qualidade e lucratividade. 46 excluídos, retrocesso de direitos e intelectualização do trabalho. A crise do petróleo nos anos 1970 faz prosperar as desigualdades sociais junto à instabilidade sócioeconômica que multifaceta a questão social. Como enfrentamento, o modelo de produção flexível, acompanhado de novas tecnologias, pode se moldar de acordo com a demanda do mercado tornando a reestruturação produtiva em uma resposta lucrativa para a classe burguesa. Essa nova fase exigiu mudanças na administração da força de trabalho, na qual o trabalhador passa a ter diversas funções e necessita suprir as exigências de qualificações com múltiplas competências. Ao mesmo tempo, a automação, robótica e microeletrônica tomam o lugar do homem, criando o que chamamos de desemprego estrutural, e intelectualiza o trabalho: o trabalhador já não transforma de forma direta os produtos, operacionaliza o processo produtivo através de recursos mecânicos computadorizados. Não obstante, essa flexibilização se dá nas relações trabalhistas, tornando as condições de trabalho precárias e criando ofícios temporários e parciais, com terceirização da mão de obra e subcontratações que, associadas à economia informal, desestabilizam a garantia dos requisitos básicos para a sobrevivência e reprodução social da classe trabalhadora. Assim, Essas diversas categorias de trabalhadores têm em comum a precariedade do emprego e da remuneração; a desregulamentação das condições de trabalho em relação às normas legais vigentes ou acordadas e a consequente regressão dos direitos sociais, bem como a ausência de proteção e expressão sindicais, configurando uma tendência à individualização extrema da relação salarial. (BIHR, 1992, p.89 apud ANTUNES, 1995, p. 52) O neoliberalismo encena o papel da salvação, se constituindo como pensamento político-social vigente e ideologia legitimadora do Estado mínimo nas políticas sociais – edificando políticas compensatórias –, Estado máximo no que se refere a salvar a economia e o mercado em seus períodos críticos. A ideia é a defesa da liberdade individual, a defesa do privado (propriedade), por isso o Estado deve se manter apático, tendo sua função restrita à garantia da ordem, da lei e deve promover o mercado, pois ele fomentará, por si mesmo, uma distribuição apropriada dos recursos e, por conseguinte, desenvolverá o bem comum geral da sociedade. Por isso, Ainda que o Estado continue sendo um agente importante na indução do desenvolvimento, seu papel essencial consiste em receber e processar os sinais do sistema global interconectado e adequá-lo às possibilidades do país, deixando que sejam as empresas privadas que assumam o risco, invistam e criem riqueza ou miséria conforme sua capacidade e competência. (CASTELLS, 1999, p.153) Nesta perspectiva, a noção neoliberal de liberdade ganha corpo no individualismo na forma de racionalizar e agir no mundo, a participação no mercado é parâmetro na qualificação dos sujeitos, fazendo com que os integrantes da classe 47 subalterna sejam compreendidos como inválidos, interferindo diretamente na subjetividade dos indivíduos, preservando a reprodução de posições desiguais ocupadas pela classe trabalhadora versus burguesa nas relações sociais. O mundo laboral assiste a um novo fenômeno na contemporaneidade: a desproletarização do trabalho industrial, o crescimento do terceiro setor, o chamado setor de serviços, e a financeirização do capital. O setor terciário além de depender da acumulação industrial, não lida com a produção dos objetos materiais e, portanto, não produz de forma direta a mais-valia. Contudo, para a manutenção do sistema de produção capitalista são necessários recursos legitimadores da hegemonia da classe burguesa, por isso, o setor terciário está intrinsecamente ligado à extração da mais-valia ao conservar a engrenagem de exploração da força de trabalho, gerando condições indispensáveis para a reprodução da vida dos trabalhadores. É nesse âmbito que o Serviço Social se insere através do trabalho assalariado, sendo uma profissão regulamentada e detentora de normas ético legais norteadoras do fazer profissional, necessitando assim de formação universitária especializada e compreensão de uma prática tensionada pelos interesses polivalentes de classes opostas. Destarte, O processo de produção e reprodução capitalista requer uma gama de atividades que, não sendo diretamente produtivas, é necessária ao movimento do capital, seja porque reduz o limite negativo à valorização do capital (como, por exemplo, atividades do comércio), seja porque se dedica à criação de base para o exercício do poder de classe – que tem no Estado sua maior expressão. (IAMAMOTO, 2008, p.256) Vale ressaltar que, apesar da ligação duradoura com as ações caridosas, Igreja e práticas moralizadoras, doutrinárias, de culpabilização dos sujeitos, cuja perspectiva referencial era “ahistórica”, é no período da década de 1970 que o Serviço Social se laiciza, passa a se envolver com os interesses da classe trabalhadora, experimenta em seus operadores o militantismo político, passando a coexistir, assim como classes sociais na realidade, projetos profissionais distintos. Assim, de forma coletiva, a profissão passa a debater e imprimir mudanças em suas normativas legais e atuações, na direção do direito e proteção social, construção de um projeto ético-político que prioriza os interesses da classe trabalhadora e nega qualquer tipo de exploração. Em vista disso, é preciso compreender o significado sociopolítico da profissão e as implicações que contornam as condições da prática profissional, localizando-a como especialização do trabalho inserido na divisão social e técnica na sociedade capitalista. Nesse sentido, o Serviço Social possui utilidade social na participação da reprodução das relações de dominação de classe e de suas contradições. A 48 necessidade social da profissão, principal responsável pela sua existência e permanência, se deve à radicalização da questão social4 criando novas expressões que passam a necessitar de intervenções para a sua sutura. Desse modo, o significado da profissão se movimenta mediante as relações mercantis de trabalho e direção política do exercício profissional. Situada entre duas classes antagônicas, a profissão é liberal e mediada pela compra e venda da capacidade de trabalho por seus empregadores, possui a condição de trabalhador assalariado e precisa responder ao empregador e à demanda institucional. Constrói assim, uma teia complexa de ações dirigidas ao fornecimento de condições materiais objetivas de sobrevivência da classe subalterna e manuseio das demandas do capital. Nesse momento é preciso perceber o caráter e a função política do Serviço Social, que situado numa realidade histórica, encontra possibilidades concretas de reproduzir as condições de exploração da classe trabalhadora, mas também, o terreno profícuo para propulsar a materialização dos indivíduos como transformadores da sociedade e sujeitos da história. Logo, O exercício profissional não foge a essas determinações sociais. O assistente social, ao ingressar no mercado de trabalho – condição para que possa exercer a sua profissão como trabalhador assalariado – vende a sua força de trabalho: uma mercadoria que tem um valor de uso, porque responde a uma necessidade social e um valor de troca expresso no salário. O dinheiro que ele recebe expressa a equivalência do valor de sua força de trabalho com todas as outras mercadorias necessárias à sua sobrevivência material e espiritual, que podem ser adquiridas no mercado até o limite quantitativo de seu equivalente – o salário ou proventos -, que corresponde a um trabalho complexo que requer formação universitária. É por meio dessa relação mercantil que se dá a objetivação do valor de uso dessa força de trabalho, expresso no trabalho concreto exercido pelo assistente, dotado de uma qualidade determinada, fruto de sua especialização no concerto da divisão do trabalho. (IAMAMOTO, 2008, p.217-218) Em frente à dinâmica social fremida por forças políticas opostas, exigências mercantis e a tentativa de construção da identidade profissional, o Projeto ÉticoPolítico da profissão é alicerce sobre o qual a prática carece ser cristalizada, que de modo dialético, defende o projeto ao executar ações no cotidiano laboral que o reafirme. Nesse sentido, cabe explicitar que se o projeto é ético e político, ele é dotado de concepções de valores e acepções políticas de cunho ideológico, que se encontra com um determinado projeto de sociedade. Ao enfarpelar-se de defesa da justiça 4 Lembrando que “a questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado”. (IAMAMOTO, 2007, p. 77) 49 social, da cidadania plena, dos direitos humanos e democracia, o projeto se enfrenta com a sociabilidade capitalista que possui em sua essência as desigualdades sociais e miséria cidadã como razão de existir. Portanto, resguardar o projeto profissional e o conjunto ético de valores nele incluídos é necessariamente compreender a imprescindibilidade da construção de um novo tipo de sociabilidade, no qual a riqueza socialmente produzida seja também coletivamente divida e a história rume à emancipação humana. Então, se uma profissão possui um determinado projeto profissional, ela subscreve os valores ético-políticos que alumiarão o labor de tal profissão. Sendo assim, se faz indispensável à reflexão que a inexistência de um projeto profissional também anuncia os princípios éticos que edificam a identidade de tal profissão e sua prática. A falta da defesa de valores contra-hegemônicos é, senão, a sustentação da moralidade burguesa, a conservação da ética-política e direção social vigentes que legitimam uma sociedade pautada na diferença de classes e contradições sociais. A edificação de um projeto ético-político profissional, que reconhece o âmbito contraditório das demandas profissionais, que desenha as condições e requisitos para o alcance dos objetivos e funções do Serviço Social, balizados pela finalidade da conquista emancipatória dos seres humanos, é fruto de uma consciência política maturada de seus agentes e avanços teórico-metodológicos. Além disso, reflete de forma positiva nas três dimensões constituintes da prática profissional: ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa5, todas igualmente importantes e intrinsecamente conectadas, produzindo efeitos retroativos quando negligenciadas. Esse amadurecimento ético, filosófico e técnico é normatizado pelo Código de Ética (Resolução CFESS nº 273-1993) e a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei nº 8.662/93) que imprime nos espaços sócio ocupacionais as instruções e os resguardos para uma atuação ética e crítica, capaz de encenar ações propositivas que legitimem fatores como a liberdade humana emancipatória, recusa do autoritarismo e enraizamento da democracia, consolidação da cidadania, equidade e justiça social, respeito à pluralidade e 5 Para saber mais sobre o assunto, ler SANTOS, Cláudia Mônica dos. As dimensões da prática profissional do Serviço Social. IN: LIBERTAS. Juíz de Fora: UFJF, Revista do Serviço Social, v. 2, n.2, jul/dez 2002, v. 3, n.1 e n.2, jan/dez 2003 e GUERRA, Yolanda. As dimensões da prática profissional e a possibilidade de reconstrução crítica das demandas contemporâneas. IN: LIBERTAS. Juíz de Fora: UFJF, Revista do Serviço Social, v. 2, n.2, jul/dez 2002, v. 3, n.1 e n.2, jan/dez 2003. . 50 negação de qualquer forma de preconceito; elementos que estão dispostos como princípios na legislação profissional. Destarte, Nosso projeto profissional está nitidamente vinculado a um projeto de transformação da ordem social, sem se confundir e/ou se diluir nele. Suas acepções e valores o vinculam a projeções sócio-históricas que vislumbram a ruptura com a ordem social vigente. A partir daí, seu desenvolvimento se dá em sintonia com os movimentos que pretendem mudanças sociais na sociedade com vistas a transformála. Não é a toa que o Código de Ética temos, em seus “Princípios fundamentais”, uma ideia que expressa plenamente o projeto éticopolítico do qual falamos. (BRAZ, 2004, p. 57) Portanto, diante do estrangulamento da oferta de empregos, degradação dos serviços públicos - aviltando tanto as condições de sobrevivência dos Assistentes Sociais enquanto sujeitos como as condições de trabalho enquanto profissionais inseridos nesse âmbito-, competitividade cada vez mais exacerbada, que, com a falta de organização política, pode acarretar em retrocessos de direitos trabalhistas e a precariedade do trabalho, combinado com as exigências do mercado de qualificação, trazem à tona fenômenos improfícuos para a luta histórica da categoria de promoção do projeto ético-político e identidade profissional, tal como a busca por unidades de ensino de baixa qualidade cuja formação pífia será responsável pela falta de esclarecimentos e escassez de uma prática politicamente ética. Ademais, é nesse movimento que são produzidos os falsos dilemas6 da profissão, pois a inferioridade da formação é a principal responsável pela dicotomia entre a teoria e prática, que, na realidade, não existe, visto que o não aprofundamento teórico-metodológico-filosófico gera dificuldades de conceber o fenômeno social presente nas demandas numa perspectiva de totalidade, se traduzindo em ações burocráticas e rotineiras. Por isso, vale ressalvar a importância das normativas legais tais como o Código de Ética, Lei de Regulamentação da Profissão, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e Lei Orgânica da Saúde (LOS); os parâmetros para a atuação, a Norma de Operação Básica do Sistema Único de Saúde (NOB-SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS). As legislações sociais tais como os estatutos articulados com o Projeto Ético Político, bem como a participação nos espaços políticos e do interesse de estar por dentro das informações e atividades dos conselhos, além da contínua renovação visto que a realidade é mutável modificando os fenômenos sociais no decorrer do desenvolvimento da sociedade. Estes elementos são essenciais para a afirmação de 6 Para maior aprofundamento, ler IAMAMOTO, Marilda Villela. Dilemas e falsos dilemas no serviço social. IN: Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995. 51 um projeto que almeja a emancipação da classe trabalhadora, e para que a categoria, politicamente articulada, de forma coletiva e democrática, obtenha êxito na edificação com afinco da identidade do Serviço Social e garantia dos direitos dos Assistentes Sociais , de sua autonomia nas ações laborais e condições de trabalho. 4.2 O FAZER PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO CEDUC-PITIMBU De acordo com o que foi discutido na primeira parte deste capítulo, é através das ações do cotidiano que o perfil do Serviço Social na instituição de trabalho é perfilado. Assim, é preciso reconhecer que o campo socio-ocupacional nas instituições é movimentado pelas correlações de forças, interesses coletivos que se chocam, novas demandas e constante renovação de exigências de eficiência. O CEDUC Pitimbu, assim como as outras instituições que empregam assistentes sociais, é um espaço político transversal à sociedade e, portanto, está atravessado pelos múltiplos e complexos determinantes produzidos pela sociedade capitalista. Por um lado, a classe dominante necessita do consenso, permissão e tolerância da classe dominada para manter a hegemonia e direcionar o desenvolvimento social, portanto, a instituição é uma via compensatória – assim como as políticas sociais utilizadas por ela – das crises do processo produtivo do capital, se constituindo como órgão de manutenção do desenvolvimento capitalista. Por outro lado, a instituição oferece serviços que, teoricamente, objetivam validar os direitos da população, visando seu bem-estar. É nesse sentido que são criadas condições para aceitação das sequelas do modo de produção burguês, se munindo de mecanismos ideológicos e profissionais para mediar as expressões da questão social. No que tange ao CEDUC Pitimbú, a ideia é remediar, de forma debilitada, a falta de condensação de políticas públicas para a juventude, de educação de qualidade, o desemprego e subcidadania em demasia que a maioria dos adolescentes do país experimenta. Quando a reprodução da força de trabalho ou a paz social são postas em risco, a dominação da classe burguesa é ameaçada, uma vez que ambos são requisitos condicionantes para a acumulação do capital e lucratividade dos proprietários do meio de produção, acabando por introduzir no Estado instituições que enfraqueçam qualquer ponto precursor das ameaças. As instituições responsáveis pela medida socioeducativa se circunscrevem em locais de controle social, com respostas superficiais, focalizadas e parciais que mascaram as expressões do problema e não o tratam pela raiz, numa visão nebulosa de solução da perturbação da paz social – lê-se ordem burguesa de sociabilidade –, a 52 ideia é esconder os sujeitos de seu meio em instituições totais. No entanto, assim como a realidade social, as instituições são dinâmicas, influenciadas pelos processos externos e internos, mutável de acordo com a participação política de seus agentes. O arrefecimento de atuação profissional burocrática e anti-consuetudinária pode promover a labuta numa perspectiva de transformação estrutural, ampliando a autonomia profissional e alternativas de ação. A instituição deve ser vista como espaço onde numerosos acordos profissionais tácitos ou explícitos podem ser feitos, necessários para a caminhada institucional. Esse espaço sofre pressão e intervenção de seus agentes, fazendo com que as regras que auxiliam na continuidade e desenvolvimento das ações sejam negociadas. Faz-se imprescindível, portanto, estar ciente de suas competências e atribuições, do código de ética, para refletir sobre ações criativas e impregnar-se do projeto profissional na tentativa de apropriar-se das possibilidades tão presentes na realidade social quanto as dificuldades. Contrapondo a isto, observa-se: “Hoje o que é que vai fazer aqui uma assistente social, psicóloga, pedagoga?! Nada. A gente vai apenas manter a dificuldade que estamos” (Assistente Social). Ao afirmar que “nada” é a única alternativa prática diante das dificuldades estruturais do CEDUC Pitimbu, a Assistente Social sentencia à morte o protagonismo profissional, negando sua autonomia relativa e qualquer possibilidade de mobilizar um conjunto mínimo de condições para a realização de suas ações, o que materializaria, através do encaminhamento das suas atividades, o projeto ético-político do Serviço Social. Assim, A consideração unilateral das imposições do mercado de trabalho conduz a uma mera adequação do trabalho profissional às exigências alheias, subordinando a profissão ao mercado e sujeitando o assistente social ao trabalho alienado. Resguardar a relativa autonomia na condução do exercício profissional supõe potenciá-lo mediante um projeto profissional coletivo impregnado de história e embasado em princípios e valores radicalmente humanistas, com sustentação em forças sociais reais que partilham de um projeto comum para a sociedade. (IAMAMOTO, 2008, p. 219) Logo, fica claro que o fator interdisciplinaridade é uma via facilitadora do fazer profissional, na medida em que estabelece o debate horizontal multidisciplinar, considerando as especificações de cada área laboral, respeitando a pluralidade, com objetivos de ações que tomem como referência a tentativa de compreender a demanda de forma generalista. Além disso, a interdisciplinaridade pode ser um momento útil na afirmação da identidade profissional uma vez que há a possibilidade, através das discussões e atividades desenvolvidas, de esclarecer o papel do Serviço Social e sua importância no âmbito da instituição. É ainda, o espaço no qual as alianças, alicerçadas no respeito entre profissionais e valorização do trabalho alheio, 53 podem ser realizadas trazendo uma nova configuração para as correlações de forças internas. Ademais, sobre a relação com outros profissionais, o código de ética dispõe: Art. 10 São deveres do/a Assistente Social: [...] d- incentivar, sempre que possível, a prática profissional interdisciplinar. (BRASIL, 1993, p.32). Contudo, 71,4% dos profissionais entrevistados afirmaram não haver interdisciplinaridade, alguns afirmaram até a dificuldade em se comunicar, tornando contraditória a afirmação da Assistente Social, quando indagada sobre o assunto: “Existe um trabalho de todos, unidos mesmo.” (Assistente Social) Nesse momento, é relevante frisar que as pessoas estavam cientes que as perguntas eram base para o desenvolvimento de um trabalho científico, e por isso é importante considerar o fato de que as pessoas que afirmaram haver interdisciplinaridade faziam parte da equipe técnica e possuíam ensino superior (com exceção da auxiliar administrativa), deixando a indagação: quando afirmaram que a interdisciplinaridade era presente no cotidiano, os profissionais não sabiam do significado da palavra ou justamente por saberem, compreenderem a importância, tanto da falta quanto da presença dela, resolveram fazer tal afirmativa? Na direção de aprofundar a reflexão, segue algumas respostas de outros profissionais sobre o questionamento: “Contato a gente tem, mas cada um faz o seu sabe?! Ás vezes que eles querem se meter aqui, mas é complicado porque eles ficam na salinha deles.” (Educador). “O contato é muito pouco com outros profissionais, tem pouco assim, porque cada um tá no seu aconchego, aí o contato é pouco, que a gente tem com eles (a equipe técnica), mas ela vem, dá os nomes, os meninos, tanto o serviço social quanto a psicóloga, ela traz o nome pra eu colocar pro tratamento.” (Auxiliar de odontologia) “A gente não tem muito contato, como falei agora a pouco, assim, a gente tem muito contato na maioria das vezes a gente tem mais contato é com os educadores que ficam com a gente 24 horas direto aqui, até mermo porque eles são os que mais precisam do nosso serviço. E no geral, a relação é harmônica, mas em relação a coordenação o contato é zero.” (Policial Militar) Assim, é crucial a compreensão da função pedagógica do Serviço Social, que por sua vez, se realiza conforme os assistentes sociais inserem o projeto ético-político como guia de atuação, compreendendo seu papel de natureza socio-educativa na medida em que trabalha para subverter ou conservar a hegemonia dominante da ordem intelectual e moral. Desse modo, as ações profissionais produzem reflexos no modo de pensar e agir dos usuários, influenciando na subjetividade dos sujeitos envolvidos, portanto, estratégias emancipatórias precisam ser consideradas nos procedimentos profissionais. Portanto, 54 Desenvolve-se, por meio das relações que se estabelecem entre assistentes sociais e usuários, um processo educativo que possibilita aos usuários, a partir de suas individualidades, apreender a realidade de maneira crítica e consciente, construir caminhos para o acesso e usufruto de seus direitos (civis, políticos e sociais) e interferir no rumo da história de sua sociedade. (MIOTO, 2009, p. 4) Ao que se refere à função do Serviço Social no CEDUC, é evidente, no decorrer da entrevista com a assistente social, a redução do papel profissional às ações encaminhadas pela Assistente Social, tratando de maneira negligente o caráter socioeducativo e pedagógico da profissão. Ademais, visualiza de forma megalomaníaca a profissão, afirmando que ela exerce, comparada aos outros ofícios, o papel fundamental no cumprimento da medida – mais um recurso para a reflexão sobre a existência da interdisciplinaridade visto que esta necessita, inerentemente, de uma visão democrática e horizontal das profissões. Fica claro ainda, que a identidade profissional sediada na instituição é a de comporta, lugar último para onde são transferidos os problemas e deficiências estruturais, que tenta calafetar de maneira aparente, técnica e burocrática, as dificuldades complexas. Quando entrevistada sobre sua função, a Assistente Social respondeu: “A função do serviço social é o atendimento individual. Ela que toma o conhecimento de tudo, do que tá acontecendo, como é que tá a mente dele, se é necessário um contato maior com a família, ela que vai verificar, observar, todas as necessidades dele. Ele vai contar todo o histórico familiar dele, desde quando nasceu, tudo. O segundo passo é fazer os encaminhamentos, se ele ta precisando de dentista, de oftalmologista, de médico, se ele toma algum remédio controlado ou não, se ele tem curso profissionalizante ou não, qual a escolaridade dele, então a gente já identifica tudo isso nos atendimentos individuais. Depois a gente encaminha ele pra, conforme a sua necessidade, é encaminhado para a psicóloga. [...] (o serviço social) É o principal setor do meu ponto de vista. Porque a assistente social tem uma visão e um trabalho a mais que a pedagoga e a psicóloga não faz certo, a psicóloga não se dispõe muito a trabalhar essa aproximação familiar, em tá encaminhando ele para os cursos, ela trabalha só a parte psíquica do adolescente, também acompanha a visita domiciliar, mas é um negócio raro. Toda essa função é jogada pro Serviço Social, tudo que você tenta alisar e que não dá certo, a última porta que você bate é o Serviço Social, e a gente não tem pra quem jogar, a gente tem que resolver. As visitas domiciliares são realizadas pela assistente social. [...] Meu papel aqui fundamental é a construção das avaliações sociais.” (Assistente Social) Tal afirmativa demonstra a falta de debate multiprofissional, a deficiência de planejamento de ações, desenhando os objetivos, tornando clara a intencionalidade ético-política dos processos e projeção dos meios para atingir o fim. Faz ainda com que haja um sobrecarregamento de algumas profissões e carência da percepção dos limites, atribuições e competências pertencente à cada setor constituintes do cumprimento da medida socioeducativa. 55 Nesse cenário, cabe ressaltar a importância da pesquisa e estudos sobre o perfil da demanda. Criar instrumentais que monitorem aspectos importantes, tais como raça, etnia, classe social, escolaridade entre outros fatores dos adolescentes que entram, bem como as causas pelo cumprimento da medida de internação e número de reincidências, se constitui como importante recurso para a produção de conhecimento científico que se contraponha ao senso comum da opinião sobre a juventude autora de ato infracional. Tais elementos são essenciais para inscrever cada vez mais a profissão na agenda socio-jurídica e principalmente, é o meio mais rico de promoção da apreensão da demanda e construção de respostas efetivas a ela, visto que proporciona uma aproximação da realidade social dos sujeitos destinados à ação. Dessa maneira, conforme a Lei nº 8662/93 Art. 4º Constituem competências do Assistente Social: [...] VII- planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais (BRASIL, 1993, p.2). Malgrado a necessidade da pesquisa social e estudo socioeconômico, estes instrumentos não estão presentes no cotidiano da instituição. De acordo com a entrevista, as únicas ações que são desenvolvidas pelo Serviço Social se restringe aos atendimentos e encaminhamentos: “Nós não temos condições, pelo número do quadro, de fazer nenhum trabalho com as famílias não... agora são duas vezes por semana que as famílias vêm visitar. Nós fazemos atendimentos individuais, encaminhamentos e também fazemos atendimentos grupais, só que há algum tempo eles estão parados.” (Assistente Social). Todavia, os vínculos intersetoriais da rede de atendimento da assistência social precisam ser utilizados e fortalecidos. Os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referências Especializados de Assistência Social (CREAS), por exemplo, são áreas estratégicas de proteção integral que devem ser mobilizados no sentido de trabalhar as famílias dos adolescentes internados; o trabalho em conjunto entre os serviços sociais destinado às famílias do adolescente, pode promover consequências vantajosas no desenvolvimento sadio do adolescente, durante sua estadia nas instituições de cumprimento da media socioeducativa, mas principalmente, na sua saída da instituição. Por isso é fundamental estar dotado do projeto éticopolítico, normativas legais e quedar-se constantemente em reciclagem teóricometodológica. Esses elementos proporcionam reflexões críticas que permitem visualizar as possibilidades para além do cenário institucional. Destarte, um arsenal de instrumentos é ativado para operacionalizar as ações interventivas, de modo a dirigirse às demandas levando em consideração suas especificidades na configuração de 56 uma atuação profissional propositiva que potencialize os meios de alcançar os resultados desejados. Na identificação da profissão é importante perscrutar o instrumental técnico-operativo do Serviço Social em sua articulação com as especificidades do espaço sócio-ocupacional e os projetos profissionais estabelecidos. Na dimensão técnico-operativa, tem-se o foco no uso das técnicas, tendo em mente os fundamentos e princípios éticos políticos, explicitados no Código de Ética (Lei 8.662/93) que dispõe: Art. 5º Constituem atribuições privativas do Assistente Social: [...]IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social (BRASIL, 1993). Articulado com o projeto ético-político norteia as ações do Assistente Social, contrariando a concepção técnicainstrumental de um “fazer” fragmentado, burocratizado e rotineiro. A atuação profissional deve impulsionar a reflexão sobre a razão instrumental, combinando meios e fins, identificando no âmbito da realidade social as alternativas e estratégias para atingir as finalidades profissionais, questionando diuturnamente as implicações éticas das ações e unindo com a direção política. Logo, Na definição das finalidades e na escolha dos meios e instrumentos, na decisão entre as alternativas mais adequadas ao alcance das mesmas, os sujeitos estão exercendo sua liberdade (concebida historicamente como escolha racional por alternativas concreta dentro dos limites possíveis). Tais escolhas implicam projetar tanto os resultados e meios de realização quanto as conseqüências, para o que há que se ter conhecimento dos objetos, dos meios/instrumentos e dos resultados possíveis, adquiridos pelo conhecimento teórico. (GUERRA, 2003, p.19) Sobre os instrumentos, a profissional afirmou que eram utilizados uma entrevista – feita quando o adolescente chega à instituição -, ficha de inscrição, relatório avaliativo que é mandado para a Vara da Infância e Juventude e “se nós conseguirmos, fazemos a visita também” (Assistente Social). Visto que os instrumentos acabam por sofrer influência da falta de pressupostos éticos e políticos condizentes com a transformação social, há a falta de compreensão que seus instrumentos e técnicas são diferentes do modo de produção, pois, lida com fenômenos sociais mutáveis e não com coisas e, por isso, não podem ser desenhados por uma regra ou modelo. O que se percebe é que, como a prática, o instrumental não possui a intenção de descortinar os elementos que compõem o palco da expressão da questão social, fazendo com que a utilização dos instrumentos seja um fim em si, e não um meio para o alcance de uma finalidade, traçando a “rotineirização” da utilização dos aparatos técnicos-operativos. Portanto, na medida em que não concebe a dimensão socioeducativa e o caráter pedagógico da profissão, que não compreende o papel político do Serviço 57 Social, as consequências ético-políticas no modo como instrumentaliza a prática são sobremaneira preocupantes, pois, o Assistente Social que se encontra no âmbito socio-jurídico é responsável, muitas vezes, por decidir os caminhos futuros a serem percorridos pelo usuário. Se a instrumentalidade não é dotada de mecanismos democráticos e politicamente direcionada, reposiciona a profissão numa postura contrária ao Código de Ética, ao projeto profissional e localiza-a como engrenagem conservadora da ordem social hegemônica. Por ser um profissional generalista, que permeia várias áreas da política social, o Assistente Social precisa estar em consonância com as normativas legais que se referem à cada área socio-ocupacional. Sobre esse aspecto, a profissional demonstrou pouco conhecimento das normativas que baseiam a prática, respondendo apenas que possuía “O direito, no meu código, ao sigilo profissional. Nós trabalhamos com o SINASE, a gente procura colocar em prática todas as informações do SINASE mas é impossível certo, porque o Estado não dá um amparo correto para que ele seja colocado em prática corretamente” (Assistente Social). A profissional não citou o ECA, elemento chave nas políticas voltadas para infância e adolescência, que encontra cada vez mais dificuldade de ter seus princípios concretizados após tantos anos. O fato de não conseguir trabalhar com o SINASE é um ponto de dificuldade a ser enfrentados no âmbito do CEDUC, no entanto, ao falar sobre a superação das limitações da prática profissional, a assistente social respondeu que “Um orçamento resolveria todos esses problemas” (Assistente Social). Uma visão que ignora acionar o Ministério Público, os Conselhos Municipais, participar dos fóruns de debate e discussão e ocupar outros espaços dispostos na sociedade, como ferramenta de mobilização para a luta de melhorias macroestruturais, é o espelho de um Serviço Social pragmático e pouco propositivo. Esse espelho, por sua vez, reflete duplamente de modo danoso na sociedade e categoria profissional: reincide a negligência familiar, social e estatal no momento em que deveria materializar a política social, e retrocede a luta da classe de Assistentes Sociais que possuem o compromisso de uma prática de qualidade condizente com o projeto profissional e societário que possuem, disseminando uma imagem não delimitada do que é o Serviço Social e de sua importância no âmbito das instituições, além de não interromper a ideia antiquada do Serviço Social como ajuda ou benesse. De acordo com o apêndice A, é possível perceber tal fato através da fala do Educador: “É porque é muito difícil a gente ter ouvido. O Serviço Social, em termo de adolescente, como é que trabalha assim?! Porque eu nunca tive, aqui infelizmente a gente não tem acesso ao Serviço Social. [...] 58 Existe uma barreira muito grande da gente trabalhar aqui, antigamente era feito um questionário com o adolescente e o educador, ultimamente a gente foi excluído dessa função. Porque assim, a gente (educador) trabalha diretamente com eles, a gente tem essa realidade, a realidade desses adolescentes é totalmente diferente, porque o que o serviço social vê aqui é mais a questão de avaliações, de procedimentos de comportamento, porque eles acha que a pessoa tá boa, tá tranquila, pode ser liberada, mas eu já não vejo esse lado. Eu vejo que tem que ser trabalhado mais profundamente, agora a quantidade (de adolescentes) tá pouca, tá com 33, se podia trabalhar melhor, com eles diretamente, e eu não vejo resultado” (Educador). Nesse sentido, é entendível a carência de identidade profissional bem desenhada e calcada no projeto ético-político, bem como, a visualização do exercício profissional no cotidiano. A importância do Serviço Social na medida socioeducativa reside na competência fundamental de identificação das necessidades pessoais dos adolescentes que entram no CEDUC Pitimbu, cujo escopo será a construção do Plano Individual de Atendimento (PIA), disposto no SINASE, na perspectiva de desenvolver intervenções profissionais que atinjam os objetivos traçados e esperados. Portanto, a profissão está situada no horizonte da garantia de direitos, acompanhando a efetividade do fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Deve sistematizar os atendimentos individuais e grupais, numa perspectiva coletiva e democrática, trazendo ações que permitam a reflexão, potencializem a tomada de consciência e participação social. Necessita assegurar o acesso aos direitos no que tange à alimentação, saúde e educação, bem como, de fazer com que os adolescentes estejam cientes da sua situação processual. É preciso reafirmar que o Serviço Social possui compromisso primordial com os usuários, que nesse caso, são os adolescentes em medida de internação. Por isso, é necessário pensar a prática para além da instituição, compreender a medida como algo provisório, colocando como norte a saída dos adolescentes, o âmbito familiar no qual ele será reinserido e acionar os recursos para que esse ambiente também seja trabalhado, sempre, na perspectiva do direito e de transformação da sociedade numa humanidade emancipada. Portanto, a presença do Assistente Social se faz imprescindível para uma medida efetivamente socioeducativa, e em seu cumprimento de modo a preservar o desenvolvimento psíquico e social sadio do adolescente autor de ato infracional. 59 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das reflexões expostas ao longo dessa monografia, é imprescindível ressaltar que o presente trabalho não se propôs a esgotar o debate, visto que os determinantes que atravessam a temática além de serem diversos, são complexos, necessitando de mais recursos, tais como tempo, e precisando abranger a uma área geográfica muito maior. Desse modo, a análise dos dados investigados permitiu a elucidação de alguns resultados relevantes. Destarte, o despreparo teórico-metodológico por parte dos profissionais, bem como a carência de apropriação das normativas legais norteadoras, do cumprimento da medida socioeducativa de internamento, criam lacunas que vedam a visualização das possibilidades de atuação. Consequentemente, cristaliza o abismo para a materialização do caráter pedagógico da medida. A herança histórica, da visualização dos adolescentes autores de ato infracional como delinquentes, transporta para a medida socioeducativa a função punitiva e coercitiva que, apesar de repudiada juridicamente, ainda permeia na consciência da sociedade, cada vez mais referenciada pela mídia e senso comum, e principalmente, dos profissionais que se inserem nas instituições responsáveis por responder às ações infracionais. Ademais, associados a um estrutura física precária, com infiltrações e falta de condições mínimas de dignidade e cidadania, tais como alimentação e educação, os adolescentes internados no CEDUC Pitimbú se deparam com a falência da organização civil comprometida com a transformação de suas condições de subcidadania. A omissão dos profissionais em ocupar os lugares reivindicatórios, dispostos pelo Estado e sociedade, mostra o desentendimento da dimensão éticopolítico que engloba tais âmbitos sócio-ocupacionais. Nessa perspectiva, o Serviço Social que possui um papel fundamental na medida socioeducativa, mediando os meios para viabilizar os direitos dos usuários, passa a ter uma função meramente burocrática e rotineira. Portanto, a medida socioeducativa no que cerne ao cumprimento de internação em Natal, de responsabilidade do CEDUC Pitimbú, não só é capenga, negando sua efetividade, como violenta quaisquer princípios éticos de Direitos Humanos, renega a luta histórica pela construção e validações das atuais legislações protetivas, e condena cada vez mais os adolescentes natalenses que já praticaram ato infracional à uma identidade e vivência estigmatizante. 60 Nesse sentido, varrer os resquícios do tratamento discriminatório e coercitivo destinado à infância e juventude há mais de séculos não é apenas necessário para o desenvolvimento sociopolítico dos direitos sociais, é dar o próximo passo de avanço na história da humanidade. Assim, é essencial a constante capacitação e atualização dos profissionais, a fiscalização por parte da sociedade civil e Ministério Público, se apoiando nos Conselhos de Direito e entidades de controle social, bem como criar mecanismos mais complexos para a análise de entrada de profissionais dispostos a trabalhar nesta área. Atuar numa perspectiva política comprometida com a transformação e justiça social, equidade, plena cidadania, negação dos preconceitos e qualquer elemento arbitrário, é a única saída para a prática socioeducativa, diante de um parâmetro alicerçado nos Direitos e emancipação humana. Por isso, há que se reafirmar o Projeto Ético Político da profissão, introduzir as diretrizes do Código de Ética (Lei 8662/93) no cotidiano e construir a identidade do Serviço Social, cada vez mais, na área sócio-jurídica; circunscrevendo assim, mais um espaço estratégico de ocupação pelo Assistente Social. É necessário que o povo heroico, chamado sociedade civil– quando organizada –, encontre seu brado retumbante. Só assim os raios fugidos brilharão sobre os que se encontram provados do sol da liberdade. O Brasil, quando as crianças e os adolescentes pobres e negros passarem a substituir a clava forte pela justiça, será de fato, um sonho intenso; para além do Hino Nacional. 61 REFERÊNCIAS ABREU, Marina Maciel; CARDOSO, Franci Gomes. Mobilização social e práticas educativas. IN: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPPS, 2009. ANTUNES, Ricardo. II As metamorfoses no mundo do trabalho In: Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo: Cortez, 1995. ASSIS, Simone Gonçalves de, CONSTANTINO, Patrícia. Filhas do Mundo: infração juvenil feminina no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001. BIDARRA, Zelimar Soares; OLIVEIRA, Luciana Vargas Netto. 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Fazer profissional 6) Como se encontra configurado as relações entre os profissionais? 7) Qual o papel/função do Educador no cumprimento da medida socioeducativa dentro do ceduc? E qual a sua importância(significado)? 8) Quais ações/instrumentos são desenvolvidas pelo Educador? 9) Há limitações para efetivar a prática profissional? Se sim, quais? Quais formas de enfrentamento? 10) Quais os aparatos jurídico-legais que baseiam a prática profissional 67 APÊNDICE B – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA (EDUCADORES) Perfil e Medida Socioeducativa na visão profissional Policial Militar I. Identificação a) Nome: b) Tem filhos? Quantos? c) Idade: d) Há quanto tempo trabalha na instituição e) Qual foi o processo pelo qual o profissional passou para ingressar no campo laboral? f) Trajetória profissional: experiência com criança e adolescente antes de chegar no ceduc. g) Possui alguma religião? h) Cor que se considera: i) Ensino Superior/qual? II. Específico 1) Na sua concepção, que é medida socioeducativa? 2) Como a medida socio-educativa se apresenta no CEDUC? 3) Há limitações para sua efetivação? Se sim, quais? 4) Quais as formas de enfretamento dessas limitações? 5) Como o adolescente é apresentado à instituição? III. Fazer profissional 6) Como se encontra configurado as relações entre os profissionais? 7) Qual o papel/função do policial no cumprimento da medida socioeducativa dentro do ceduc? E qual a sua importância (significado)? 8) Como vocês lidam com a evasão/invasão? 9) Há limitações para efetivar a prática profissional? Se sim, quais? Quais formas de enfrentamento? 10) Quais os aparatos jurídico-legais que baseiam a prática profissional? 68 APÊNDICE C – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA (ASSISTENTE SOCIAL) Perfil e Medida Socioeducativa na visão profissional Assistente Social I. Identificação a. Nome: b. Tem filhos? Quantos? c. Idade: d. Há quanto tempo trabalha na instituição e. Qual foi o processo pelo qual o profissional passou para ingressar no campo laboral? f. Trajetória profissional: experiência com criança e adolescente antes de chegar no ceduc. g. Possui alguma religião? h. Cor que se considera: i. Ensino Superior/qual? II. Específico 1. Na sua concepção, que é medida socioeducativa? 2. Como a medida socio-educativa se apresenta no CEDUC? 3. Há limitações para sua efetivação? Se sim, quais? 4. Quais as formas de enfretamento dessas limitações? 5. Como o adolescente é apresentado à instituição? III. Fazer profissional 1. Como se encontra configurado as relações entre os profissionais? 2. Qual o papel/função do Serviço Social no cumprimento da medida socioeducativa dentro do ceduc? E qual a sua importância (significado)? 3. Quais ações/instrumentos são desenvolvidas pelo Serviço Social? 4. Há limitações para efetivar a prática profissional? Se sim, quais? Quais formas de enfrentamento? 5. Quais os aparatos jurídico-legais que baseiam a prática profissional?