ANAIS ELETRÔNICOS III ENILL
Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura.
29 a 31 de agosto de 2012, Itabaiana/SE: Vol.03, ISSN: 2237-9908
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LEITURA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: DISCUSSÕES E
PRÁTICA
Jairton Mendonça de Jesus (UFS/IFS)
Quando se quer discutir a respeito da formação de leitores, mesmo que
teoricamente, nada melhor que começar com um texto. Por isso nos reportamos à crônica
de Carlos Eduardo Novais “A regreção da redação”. Isso mesmo. “Regreção” com “ç” e
“redassão” com “ss”. A partir do título da crônica já se estabelece uma reflexão que só
será percebida por quem, no mínimo, sabe escrever as duas palavras de acordo com as
normas da língua portuguesa. O texto traz um diálogo em que uma mãe, desesperada por
seu filho com 17 anos não saber escrever, procura um escritor, o narrador, para que ele a
ajude em tal empreitada. O narrador tenta de todas as formas se sair dessa, ora dizendo
que a culpa não é do menino, mas do ensino, ora alegando que não sabe pontuar nem
acentuar as palavras, que dá muito trabalho ao revisor.
Diante de tal situação, o narrador comentou o fato com um professor, amigo
seu, que lhe respondeu que não devia se assustar, pois “o estudante brasileiro não sabe
escrever" (NOVAES, 2004, p. 10). Ouviu a mesma resposta de educadores e leu
declarações de um diretor de faculdade em um jornal no qual dizia que "o estudante
brasileiro não sabe escrever".
Comentando o assunto com um amigo, revela sua satisfação em saber que “os
brasileiros não sabem escrever” (NOVAES, 2004, p. 10), pois assim seu emprego de
escritor estaria garantido por pelo menos dez anos, ao que o amigo retruca: “Engano seu –
disse ele. – A continuar assim, dentro de cinco anos você terá que mudar de profissão”
(NOVAES, 2004, p. 11). Sem perceber a gravidade do que dizia, o narrador questiona e
descobre que se não se sabe escrever é porque não se lê. E se não há quem leia, para
quem escrever, já que escrever e ler são atos que se complementam? É impossível um
existir na ausência do outro. De acordo com Silva (2005), “o ato de ler envolve uma
direção da consciência para a expressão referencial escrita, capaz de gerar pensamento e
doação de significado” (p. 64).
Nesse sentido, ainda de acordo com Silva (2005), a
leitura, ao permitir a entrada e a participação no mundo da escrita, torna-se um meio de
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participação do ser humano nas sociedades letradas; a experiência dos produtos culturais
manifestados por meio da escrita só é possível pela existência da leitura e, portanto, de
leitores. Daí sua importância na escola, já que essa é, ou pelo menos deve ser, o ambiente
de desenvolvimento e transmissão do saber.
E aqui chegamos a nossa principal temática. Talvez pudéssemos ter começado
diretamente o assunto, mas tal estratégia faz parte de um método sem o qual não
conseguimos enxergar a formação de leitores: o uso do texto literário. Para que se leia na
escola é preciso que os alunos entrem em contato com o texto, com a leitura. Não
discordamos que a leitura deve ser de diferentes gêneros e tipos textuais, mas, como nossa
pretensão é estimular a leitura de textos literários, debatemos aqui a respeito do objeto “a
formação de leitores”, do instrumento “o texto literário” e do método “como ler o texto
literário”.
Para refletir a respeito da problemática da (falta de) leitura na educação básica,
trazemos algumas informações a respeito de pesquisas que avaliam o desempenho dos
estudantes brasileiros nesse aspecto. Os resultados do Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (Pisa) refletem a ineficiência do ensino de leitura. De acordo com os
resultados de 2006, os estudantes brasileiros têm um nível de entendimento textual dos
piores do mundo. Em 2009, o resultado mostrou uma leve melhoria, embora distante do
desejável. Tal desempenho passa inevitavelmente pela forma como se dá o ensino. O
papel da educação básica parece não ser bem desempenhado. E isso não deve ser
preocupação apenas do Estado, mas também de educadores e profissionais da educação
em geral.
Atualmente, saiu um dado ainda mais estarrecedor: segundo o Indicador de
Alfabetismo Funcional – Inaf1 –, em 2011, de cada quatro brasileiros apenas um domina
plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática. Esse seria o pior resultado se
não fossem os 38% de graduados classificados como analfabetos funcionais. Somente
62% das pessoas com ensino superior e 35% com ensino médio completo são
classificadas como plenamente alfabetizadas. Isso significa que, apesar de terem passado
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O Inaf é um indicador que mede os níveis de alfabetismo funcional da população brasileira adulta. Seus
resultados informam a sociedade brasileira a respeito das habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática dos
brasileiros entre 15 e 64 anos de idade.
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tantos anos estudando, essas pessoas não conseguiram o mínimo exigível, que é aprender
a ler e escrever em seu sentido mais óbvio: entender o está sendo lido e escrever textos
adequadamente.
Não seria querer demais, então, quando defendemos a formação de um leitor
crítico, quando a situação de leitura incipiente é visível entre os alunos da educação
básica? Como desejar formar um leitor literário já nesse nível de ensino quando não temos
ainda o básico: decodificadores que entendam o que leem.
Contudo, uma das questões que podem ser colocadas é que já foi demonstrado
por vários especialistas que o texto literário, mesmo no ensino médio, no qual a literatura
aparece como componente curricular obrigatório, não tem sido objeto de leitura e de
estudo. Em suas pesquisas e discussões, Cereja (2005), Chiappini (2005), Cosson (2006),
Todorov (2009), entre outros, apontam nessa mesma direção: o texto literário não está
sendo lido. Nossa inquietação, nesse sentido, não é o meio de acesso à leitura – que hoje
pode ser digital ou impresso –, mas o próprio acesso.
A grande preocupação do ensino de leitura, então, deve se pautar no fazer
pedagógico, no trato didático que se dá nas aulas de língua portuguesa e, especificamente,
nas de literatura, uma vez que, considerando os dados apresentados dos programas de
avaliação em leitura, podemos concluir que a educação básica está sendo ineficiente nesse
aspecto. A escola, portanto, não tem sido um ambiente de formação de leitores, e muito
menos de leitores de textos literários.
De acordo com Todorov (2009), a literatura está em perigo, pois, na escola,
ensina-se muito mais sobre o que a teoria e a crítica falam a respeito dos textos literários
do que sobre os próprios textos (cf. TODOROV, 2009, p. 27). Por uma visão similar,
Zilberman (2008) argumenta que a crise do ensino de literatura pode ser vista a partir de
uma gradação de fatores que, de forma ampla, pode ser resumida em falta de leitura: de
um lado, “recriminam-se os alunos por não gostarem de ler, preferirem outras formas de
expressão ou satisfazerem-se com seu estágio de ignorância” (p. 50); de outro, os
professores são o alvo das críticas por sua falta de eficiência. Vejamos que leitura e ensino
são postos em questão quando se fala em crise da literatura.
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E como formar um leitor literário crítico, se não se usa o texto literário? O
primeiro passo, portanto, é fazer com que o aluno entre em contato com o texto. Não
adianta querer que, de início, por si só, ele faça uma possível leitura adequada de um
texto literário se não é iniciado em leitura e análise textual. O professor tem um papel de
orientador que é imprescindível. Em pesquisa realizada em escolas públicas e particulares
da cidade de Itabaiana/Se, Jesus (2011) detectou nas respostas dos alunos entrevistados
(alunos de 1ª e 2ª séries do ensino médio) que uma de suas dificuldades com o texto
literário é linguagem empregada nos mesmos. Por aí percebemos que o contato com o
texto literário tem sido muito pouco, se pensarmos em termos quantitativos e qualitativos,
já que não estão acostumados ainda com uma linguagem mais elaborada. A falta de
contato com o texto foi detectada também quando se perguntou a respeito de suas
leituras. As leituras literárias, para a maior parte dos alunos, se limitavam a obras
indicadas pelo Vestibular da Universidade Federal de Sergipe, que eram no máximo quatro
para cada série do ensino médio.
Para que essa dificuldade seja vencida, o professor, repita-se, tem um papel
imprescindível. Fazer com que o aluno leia, entenda o que lê e perceba criticamente as
nuances que um texto literário traz, não só em sua estrutura, mas também em sua
concepção ideológica, pode ser um dos caminhos seguidos na escola.
Nesse caso,
estaríamos concebendo um leitor apto a assimilar as informações que um texto, implícita
ou explicitamente, passa para seu receptor. Vale dizer que esse já seria um excelente
trabalho desempenhado no seio da escola, se consideramos o nível de aptidão leitora que
comumente são verificados nos testes que avaliam os estudantes brasileiros, conforme já
foi colocado.
Contudo, é preciso ir além. Na leitura literária, não se almeja apenas a uma
leitura passiva. É necessário que o aluno desenvolva meios para ampliar e articular
conhecimentos e competências que possam ser utilizadas nas inúmeras situações de uso
da língua com que se depara na família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho
etc. Entretanto, formar um leitor ativo se incompatibiliza com um ensino voltado para a
memorização mecânica de regras gramaticais ou de características de determinado
movimento literário. E essa tem sido uma prática constante nas escolas, conforme
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demonstra pesquisa realizada por William Roberto Cereja analisada no livro Ensino de
Literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com Literatura (2005). Nessa pesquisa,
além de apontar essa prática de ensino, Cereja também propõe uma metodologia que
toma o texto literário como força motriz inicial do ensino de literatura. Influenciado pelo
dialogismo de Mikhail Bakhtin, ele sugere que o texto literário seja trabalhado levando em
conta a intertextualidade que lhe é própria. Em sua metodologia, a concepção de que
“toda literatura é ‘intertextual’” (EAGLETON, 1997, p. 190) é considerada pelo viés
estético. Assim, como forma exemplificativa, Cereja toma os textos “As meninas da gare”,
de Oswald de Andrade, e um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha, procurando
mostrar as relações dialógicas existentes entre um e outro. Vejamos que são textos de
épocas diferentes, mas ele procura buscar as relações que os aproximam e prossegue por
caminhos apontados pelos próprios textos em suas relações intertextuais com outros textos
(cf. CEREJA, 2005). Nesse sentido, o propósito é mostrar a contradição de como a
literatura pode ser paródica e ao mesmo tempo original.
O texto literário pode ser lido de variadas formas, por variados métodos. Para
finalizar este trabalho, com o objetivo de também mostrar as diversas possibilidades de
como o texto literário pode ser lido, propomos uma prática fazendo uma leitura do poema
de Jorge de Lima “Retreta do Vinte”, de forma a exemplificar como a leitura literária,
além de poder ser feita pelo viés estético, pode ser analisada pelo viés crítico-cultural. Tal
proposta vem sendo construída por Carlos Magno Santos Gomes, professor da
Universidade Federal de Sergipe, e toma como base de análise do texto literário os
Estudos Culturais, daí o tipo de leitor ser denominado leitor cultural.
A leitura cultural valoriza, assim, as abordagens sociais e culturais para a
formação crítica do leitor a partir de uma recepção crítica do texto literário. No texto
“Retreta do Vinte”, cuja temática – o negro – foi negligenciada pela história da literatura
brasileira, verificamos como a estética pode estar relacionada a estigmas atribuídos à
cultura afro-brasileira, a exemplo da visão reducionista de sua cultura, comumente
associada ao ritmo, musicalidade e linguagem peculiares; ainda assim, pode-se, da
abordagem que fazemos, inferir noções não apenas de intertextualidade estética, mas
também de interculturalidade, pois exige reflexões sociais de como os negros são
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representados no texto literário. Nesse sentido, ao se formar o leitor crítico por um ponto
de vista cultural, opta-se por desenvolver a criticidade que se caracteriza pela participação
ativa do leitor no processo de construção do sentido da obra literária. O leitor cultural não
se prende, portanto, à compreensão do significado pretendido pelo autor (emissor), mas
vai além, pois reage, questiona, problematiza, aprecia com criticidade.
Sendo assim, partindo da concepção de que a literatura – pautada num ensino
que priorize a leitura do texto – é um dos caminhos mais viáveis para se despertar no
aluno uma consciência crítica do mundo em que vive, e, portanto, para formar um leitor
apto a interagir com o outro e com outras leituras, a proposta de leitura que apresentamos
parte da concepção de que a leitura não deve se limitar aos níveis da compreensão e da
assimilação textuais tão somente, mas ir além, colocando o leitor como partícipe da
construção do sentido do texto literário. Nesse sentido, ao assumirmos tal postura, não
pretendemos colocá-la como solução inquestionável para os problemas que atingem a
escola no que se refere ao ensino de leitura e de literatura. Ao contrário, entendemo-la
como apenas um dos possíveis caminhos para atingir o objetivo de formar leitores críticos
e participativos. É com esse propósito que partimos para a análise do poema “Retreta do
Vinte”, de Jorge de Lima.
Contudo, antes mesmo que falemos do poema, é interessante situar seu autor.
O poeta alagoano Jorge de Lima, além de ter notoriedade por sua poesia religiosa, é
conhecido também pela produção poética cuja temática nos remete ao negro. Quem não
se lembra do poema “Essa negra Fulô”? Embora seja uma produção inovadora – pois no
percurso da história da literatura não se deu atenção ao negro, nem enquanto tema para o
texto literário, nem tampouco pela sua importância na construção da cultura e identidade
nacionais – sua poesia traz uma visão ambígua: ao mesmo tempo em que mostra o negro
submisso ao branco e como objeto de exploração, valoriza o negro enquanto personagem
importante na formação da cultura brasileira. A característica de formador da cultura
brasileira pode ser vista no poema que passamos a analisar como forma exemplificativa da
proposta de leitura baseada numa relação estético-cultural. Vamos ao texto:
Retreta do Vinte
O cabo mulato balança a batuta,
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meneia a cabeça, acorda com a vista
os bombos, as caixas, os baixos e as trompas.
(No centro da Praça o busto de D. Pedro escuta.)
Batuta pra esquerda: relincham clarins,
requintas, tintins e as vozes meninas da banda do 20.
Batuta à direita: de novo os trombones
e as trompas soluçam. E os bombos e as caixas: ban-ban!
Vêm logo operários, meninas, cafuzas,
mulatos, portugas, vem tudo pra ali.
Vem tudo, parecem formigas de asas
Rodando, rodando em torno da luz.
Nos bancos da Praça conversas acesas,
apertos, beijocas, talvezes.
D. Pedro II espia do alto.
(As barbas tão alvas
tão alvas nem sei!)
E os pares passeiam,
parece que dançam,
que dançam ciranda,
em torno do Rei.
(LIMA, 1997, p. 299-300).
Não defendemos que o sentido de um texto literário possa vir de apenas de um
dos elementos relacionados à leitura. Ao ler, o leitor parte sempre do elemento “texto”
produzido por um autor. Portanto, o processo de leitura deve envolver autor, texto e leitor.
Nesse sentido, ao ler o poema em análise, o leitor pode fazer o seguinte questionamento:
Qual análise deve ser feita primeiro, a estética ou a cultural? Não defendemos uma ordem
prioritária, portanto a escolha fica a critério do leitor. Fazemos aqui primeiro a estética por
termos o objetivo de exemplificar como a estrutura do poema diz muito em relação ao
conteúdo cultural abordado nele, mas, se invertêssemos a ordem, não teríamos nenhum
prejuízo para a proposta de leitura. Elas podem ser feitas também concomitantemente.
Como ponto de partida, podemos tomar o título do poema. O termo “retreta”
está relacionado ao concerto popular de uma banda em praça pública. Associando à
musicalidade, que já é própria do poema, podemos investigar o ritmo que o mesmo
apresenta. Verificando a sequência de silabas fortes, percebemos que recaem, na maior
parte dos versos, na 2ª, 5ª, 8ª e 11ª sílabas de cada verso. Embora, em alguns versos, essa
sequência seja diferenciada, o ritmo se sobrepõe à métrica e permanece o mesmo em todo
o poema. Musicalmente, pode ser representado da seguinte forma:
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Utilizando onomatopeias, temos: tá-taá-tá-tá-taá-tá-tá-taá-tá. Tradicionalmente,
essa sequência rítmica (um tempo dividido em três notas musicais em compasso binário2:
semicolcheia, colcheia, semicolcheia) é classificada como modinha, um ritmo musical de
caráter popular. Vejamos que o poeta se utilizou de conhecimentos musicais,
demonstrados pelo ritmo, para representar o assunto em questão. Sendo assim, o poema
diz não apenas por meio de sua estrutura, mas também pelo conteúdo abordado. A
começar pelo título do poema, a comunicação vai além quando o leitor se depara com
uma situação muito frequente e tradicional da cultura brasileira: o poema descreve a
apresentação de uma retreta em praça pública na qual estão reunidas várias pessoas da
comunidade para apreciar a música popular, enquanto outras passeiam na praça em pares,
mas seguindo o mesmo ritmo da música.
Já no primeiro verso, a imagem formada nos lembra um maestro pronto para
começar a execução musical. Utiliza apenas o olhar para convocar os músicos para o início
da peça. A cada movimento da batuta, os instrumentos começam a tocar. Assim, no
movimento da batuta para a esquerda, tocam clarins, requintas, tintins e as vozes meninas
da banda do 20 (versos 5 e 6). Batuta para direita e outros instrumentos entram com sua
sonoridade (versos 7 e 8). Cada instrumento, assim, entra em seu devido tempo, conforme
lhe pede a partitura e avisam os movimentos da batuta.
Um dado que interessa também é a composição étnica da comunidade que
frequenta a praça. As diversidades étnica e social se apresentam como diferenças que se
unem em prol de um mesmo objetivo: ouvir a banda tocar. Seria essa comunidade
apresentada pelo poema uma metáfora dada pelo poeta para representar a composição
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A modinha pode aparecer em compasso binário ou quaternário. Fazemos referência ao binário por se tratar do ritmo do
poema.
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étnica e social brasileira, ou essa interpretação seria apenas uma projeção de leitura
possível permitida pelo texto e feita pelo leitor? Talvez as duas respostas sejam possíveis,
mas, para a leitura que pretendemos, o fato de essa comunidade ser formada por
diferenças dá a oportunidade de análise numa perspectiva questionadora em relação aos
preconceitos e discriminações que se estabelecem socialmente. Se a população brasileira é
composta de várias etnias, havendo nela uma miscigenação, como “justificar” a
sobreposição de uma etnia sobre as outras? Vejamos que para haver uma explicação
razoável, temos que nos reportar à ideia de Derrida segundo a qual um dos termos das
oposições binárias (nesse caso a dicotomia branco/negro) sempre se sobrepõe ao outro (cf.
DERRIDA, 2001). Tal sobreposição, entretanto, não pode ser entendida nem aceita como
uma simples naturalização, mas como resultado de uma construção social.
Ao fazermos uma leitura questionadora dessa construção social, podemos
trazer à discussão ideias que refletem a respeito da desconstrução do que é naturalizado
socialmente. Desse modo, embora possamos usar os mesmos termos do sistema, é preciso
rompê-los de forma a serem colocados sob “rasura” (cf. HALL, 2000). Para tanto,
inicialmente, deve ser feita a inversão da hierarquia dicotômica (cf. DERRIDA, 2001).
Tradicionalmente, o papel de quem está no poder é representado pelo branco. No poema,
contudo, podemos dizer que isso é invertido, já que o símbolo de representação do poder,
a batuta, está nas mãos de um mulato que rege a orquestra. A partir disso, a leitura que
pode ser feita não pretende inverter a ordem de valores socialmente estabelecidos, mas
colocar em discussão uma problemática imanente à vida social: a construção de valores.
Nesse caso, a distinção entre as diferenças feitas pelo poeta não deixa margem
para a sobreposição de uma das etnias sobre as outras. O poeta representa poeticamente
uma comunidade de diferenças, mas o faz de modo que todos ali se insiram numa
situação de igualdade: “Vêm logo operários, meninas, cafuzas,/ mulatos, portugas, vem
tudo pra ali / Vem tudo, parecem formigas de asas / Rodando, rodando em torno da luz”
(Versos 9 a 12). Tal leitura pode, entretanto, ser direcionada para outro rumo. Seria tal
representação poética uma forma de camuflagem do que realmente acontece socialmente?
Ou seria a defesa de um sonho de igualdade entre as pessoas independentemente de suas
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situações de diferenças? Ou ainda uma possibilidade de interação social por parte do poeta
a fim de que sua atuação tenha influência na vida social com o objetivo de mudança?
Vejamos que o texto literário pode deixar margem para diversas leituras. Aqui
fizemos apenas pequenos levantamentos semânticos a fim de exemplificar a leitura por
uma abordagem tanto estética quanto cultural. Ao analisarmos o ritmo do poema,
verificamos que a estrutura do mesmo deixa a possibilidade de uma leitura que direciona
para o assunto tratado. Nessa análise, mostramos como esse processo de leitura se efetiva.
O texto escolhido, como se vê, facilita a percepção apresentada, contudo a leitura pode ser
guiada por outras direções. Mostramos no poema como um grupo de diferenças pode se
unir em prol de um mesmo objetivo.
Como pudemos perceber, por essa proposta de leitura, se explorássemos
apenas os aspectos estruturais do poema, já poderíamos ter uma análise do texto de forma
que seu significado fosse construído a partir de tais aspectos. Contudo, é sua pretensão ir
além e chegar ao aspecto ideológico-cultural, conforme propõe Gomes (2010). Dessa
forma, a leitura do texto literário, além de se debruçar sobre os aspectos estéticos,
pretende analisar o texto pelo viés cultural. Isso significa que a leitura do texto segue uma
perspectiva que remete para a carga ideológica apresentada pelo texto. Sendo assim, a
própria escolha do poema já nos coloca numa posição ideológica. O fato de termos
escolhido um texto não canônico já nos direciona para a desconstrução de valores. A
pretensão não é inverter a ordem valorativa dos termos canônico/não canônico, mas
colocar o binarismo sob “rasura”. Foi nessa perspectiva, portanto, que tentamos fazer a
leitura do poema.
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com Literatura. São Paulo: Atual, 2005.
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COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
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Cristóvão, Deslocamentos Culturais (anais), p. 329-340.
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e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
JESUS, Jairton Mendonça de. Leitura cultural no ensino de literatura. 2011. 112f.
Dissertação (Mestrado em Letras) – Núcleo de Pós-Graduação em Letras, Pró-Reitoria de
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LIMA, Jorge de. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
NOVAES, Carlos Eduardo. A regreção da redassão. In: TERRA, Ernani; NICOLA, José de.
Português de olho no mundo do trabalho: volume único. São Paulo: Scipione, 2004.
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pedagogia da leitura. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
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ZILBERMAN, Regina; Literatura, escola e leitura. In: SANTOS, Josalba Fabiana dos;
OLIVEIRA, Luiz Eduardo (orgs.). Literatura & ensino. Maceió: EDUFAL, 2008.
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