Paulo Coelho
Mais histórias dos padres do deserto
Uma vez por ano publico aqui algumas histórias
tiradas do Verba Seniorum, uma compilação de textos dos
primeiros ascetas do Cristianismo, que viviam em torno do
mosteiro de Sceta, em Alexandria (Egito), e que nos legaram
ensinamentos importantes sobre a convivência com o próximo.
Fazendo a nossa parte
O rapaz cruzou o deserto, e chegou finalmente ao
mosteiro de Sceta. Ali, pediu para assistir uma das palestras
do abade - e recebeu permissão.
Naquela tarde, o abade discorreu sobre a
necessidade de meditar usando a imagem do Sagrado Coração.
Depois, falou da importância do silêncio. Finalmente, quando
a palestra terminou, pediu ao rapaz recém-chegado que fosse
ajudar na construção de uma estrada até uma aldeia que se
encontrava próxima ao mosteiro.
_- Mas como? – perguntou o rapaz. – Afinal de
contas, o importante é rezar.
- Rezar é muito importante – disse o abade. - Mas
você pode rezar ainda melhor se conseguir, com suas mãos,
descobrir uma maneira de comunicar-se com seu vizinho.
Respeitando o limite
Os monges de Sceta reuniram-se sob a orientação do
abade Paulus:
- Começaremos hoje um jejum - disse Paulus. - E só
terminaremos quando estivemos prontos para ter a visão de um
anjo.
Durante vários dias, os monges só bebiam água e
rezavam. Estavam tão animados com a proposta de Paulus, que
não sofriam com a fome. Até que, no final da primeira semana,
um velho monge começou a passar mal. Paulus percebeu que o
homem ia morrer, e decidiu interromper imediatamente o jejum.
Neste momento, um anjo apareceu para o grupo, e
disse:
- É importante que vocês entendam o sentido da
disciplina e do sacrifício. Mas é melhor ainda que conheçam
os limites da natureza. Não é preciso violar este limite para
conseguirem o que desejam.
Paulo Coelho
Fugindo do leão
Um grupo de monges - entre eles o grande abade
Nicerius - passeava pelo deserto egípcio quando um leão
surgiu diante deles.
Apavorados, todos se puseram a correr.
Anos depois, quando Nicerius estava em seu leito de
morte, um dos monges resolveu perguntar:
- Abade, lembra-se do dia que encontramos o leão?
Nicerius fez um sinal afirmativo com a cabeça.
- Foi a única vez que o vi ter medo - continuou o
monge.
- Mas eu não tive medo do leão.
- Então por que correu junto com a gente?
- Achei melhor fugir uma tarde de um animal, que
passar o resto da vida fugindo da vaidade.
Agradando a Deus
Deus?
Um noviço perguntou ao Abade Nicerius:
- Quais são as coisas que devo fazer para agradar a
- Abraão aceitava os estranhos, e Deus ficou
contente. Elias não gostava de estranhos, e Deus ficou
contente. David tinha orgulho do que fazia, e Deus ficou
contente. O publicano diante do altar tinha vergonha do que
fazia, e Deus ficou contente. João Batista foi para o
deserto, e Deus ficou contente. Jonas foi para a grande
cidade de Nínive, e Deus ficou contente.
"Portanto, não existe fórmula para isso. Pergunte a
sua alma o que ela tem vontade de fazer: se você caminhar a
estrada de seus sonhos, o mundo fica melhor”.
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