METODOLOGIA DE ENSINO: instrumento de formação do espírito
investigativo no acadêmico dos cursos de formação de professores i
Bruna Luiza Nunes Garcia ii
RESUMO
No presente trabalho discutimos acerca da Metodologia de ensino enquanto instrumento de
formação do espírito investigativo no acadêmico dos cursos de formação de professores da
Universidade X. Realizamos uma pesquisa qualitativa baseada em autores como: Bachelard,
Saviani, Sánchez Gamboa, Silveira Rodrigues, Damis, Dalarosa, etc.; bem como, uma
pesquisa de campo para indagar docentes e acadêmicos e assim levantar dados referentes ao
objeto estudado. Concluímos que a metodologia de ensino adotada pelos professores dos
cursos de licenciatura dessa instituição, na maioria dos casos, não vem contribuindo com essa
formação do espírito investigativo. Finalizando, ponderamos que, através da realização dessa
pesquisa, cumprimos, também, o nosso papel social ao considerarmos essencial a contribuição
dada na formação do espírito investigativo nos alunos e na construção do conhecimento
científico, a favor da transformação da nossa realidade, uma vez que somos pesquisadoras e
defensoras do desenvolvimento de pesquisas desde o ensino fundamental, sobretudo nos anos
iniciais de alfabetização.
Palavras-chave: Metodologia de Ensino. Conhecimento Científico. Espírito Investigativo.
ABSTRACT
In the present work we argue concerning the teaching Methodology while tool of formation
the investigative spirit into the academics of the licentiate courses. We carry through an
established qualitative research in authors as: Bachelard; Saviani; Sanchez Gamboa; Silveira
Rodrigues; Damis; Dalarosa; amongst others. Later, we carry through the field research using
a structuralized interview in order to question to professors and academics and thus raise
given referring to the studied object. However, we conclude that in the majority of the cases
the methodology of education adopted for the professors of the licentiate courses of this
institution does not contributing with the investigative spirit into the academics. At the end,
we ponder that we fulfill our social function because we considering essential this
contribution in the formation of the investigative spirit in the academics and the construction
of the scientific knowledge, in favor of the transformation of our reality. Also is important to
considering that we are researchers and defenders of the development of research since basic
education, over all in the initial years of elementary school.
Keywords: Teaching methodology. Scientific knowledge. Investigative spirit.
Esse estudo é uma síntese do trabalho monográfico que teve como propósito discutir
questões referentes à influência da metodologia de ensino adotada pelo professor na formação
do espírito investigativo iii no acadêmico dos cursos de licenciatura do ensino regular da
Universidade X. Optamos por adotar uma metodologia qualitativa fundamentada em Santos
Filho e Sanchez Gamboa (2007), que afirmam ser a compreensão, explanação e especificação
do fenômeno estudado os propósitos fundamentais dessa metodologia. Entendemos que os
estudos de caráter qualitativo foram ideais para a realização dessa pesquisa, sobretudo, para
analisar e refletir acerca dos métodos utilizados pelos professores dos referidos cursos e seus
pressupostos epistemológicos iv .
Salientamos que o estudo teórico se desenvolveu ao longo do curso de Pedagogia e,
que o interesse surgiu através de leituras realizadas em grupo de estudo e por observações
realizadas durante estágios e fóruns ligados a prática docente e a academia. Através da
consistência das afirmações dos autores estudados, desvendamos a respeito da didática do
professor e a não-neutralidade do método de ensino; sobre a epistemologia (os critérios de
“cientificidade”), a gnosiologia (o entendimento que o pesquisador tem do real, o abstrato e o
concreto no processo da pesquisa científica) e a ontologia (visão de mundo implícita em toda
a produção científica – concepção de homem, sociedade, história, educação e da realidade)
das correntes filosóficas e dos métodos científicos; sobre a formação do sujeito questionador,
crítico (político, econômico, social e culturalmente), autônomo, capaz de construir o
conhecimento científico e fazer as suas escolhas (convenientes aos seus interesses) de maneira
consciente. Passamos a compreender, pois, que o homem é um ser social e que as suas ações
são intencionais e têm interesses implícitos nas mesmas.
Salientamos que falar a respeito da formação do espírito investigativo implica basear
na formação do espírito científico conforme propõe Bachelard (1996), que entendemos
perceber que o espírito, que tem a crítica como elemento integrante, nasce de forma livre e
quase anárquica e deve se livrar dos falsos valores do pensamento científico. Desta forma,
deve se formar enquanto se reforma – se forma contra o que é; compreendendo a Natureza
oferecendo-lhe resistência. Bachelard afirma a necessidade de se procurar a variação e não a
variedade, pois essa busca leva o espírito à tentativa de objetivar e testar todas as variáveis
encontradas. O mencionado autor ressalta que na maioria das experiências científicas, os
alunos analisam superficialmente os fatos e as variáveis e, salienta que
é preciso então reavivar a crítica e pôr o conhecimento em contato com as condições
que lhe deram origem, voltar continuamente a esse “estado nascente” que é o estado
de vigor psíquico, ao momento em que a resposta saiu do problema.
(BACHELARD, 1996, p.51)
Para a formação do espírito investigativo, portanto, o sujeito enfrenta como obstáculo
a experiência primeira (conhecimento empírico) – que colocada antes e acima da crítica, não é
uma base segura. Superados os obstáculos do conhecimento empírico, depara-se com as
dificuldades da informação geométrica (limitada) e matemática (exata), pois o espírito
científico avança em progressão aritmética, ou seja, é formado por elementos que têm entre si
diferença constante.
Relacionamos tal fato à formação de professores (cursos de licenciatura); à importância da
iniciação científica dentro das Instituições de Ensino Superior e, conseqüentemente, à
necessidade de oferecer ao acadêmico um ambiente de formação direcionado ao
desenvolvimento do espírito investigativo – por intermédio de situações que exigem sua
participação com uma postura de sujeito investigador crítico. Nesta direção, ressaltamos que
relacionar a metodologia de ensino adotada em sala de aula com a formação das pessoas é
pertinente, pois como afirma Sánchez Gamboa (2007, p.24), “através das diferentes formas e
métodos de abordar a realidade educativa estão implícitos diferentes pressupostos como, por
exemplo, valores, relação sujeito-objeto, etc. E entendemos que tais pressupostos precisam ser
desvelados”.
A escolha dos métodos de ensino: uma atitude política
Ao pensarmos em método, essa palavra nos remete a conotação de caminho, ou seja,
seguir um método seria o mesmo que seguir um caminho, uma direção. Ponderamos, então, a
partir do dicionário de Filosofia Lalande (1996), que a idéia de método é sempre ligada a uma
direção definível e regularmente seguida numa operação do espírito, o que nos leva a
compreender a idéia de uma orientação em torno de uma direção a seguir, segundo uma
determinada visão ou concepção. Complementando essa idéia, Silveira Rodrigues salienta
que,
por meio da utilização de um método científico, construímos uma forma de fazer
ciência e expressamos uma filosofia que determina a forma de relacionamento entre
o sujeito e o objeto do conhecimento que conseqüentemente anuncia uma visão de
mundo. (2009, p.03)
Ao se utilizar um método ou uma maneira de ensinar, o fazemos por acreditarmos que
esse método e as atitudes daí decorrentes nos conduzirão ao objetivo almejado. E, se
definimos o objetivo é porque temos uma intenção a realizar, uma meta a alcançar. Dessa
maneira, a escolha do método de ensino implica na definição de uma política, que por sua vez
expressa uma filosofia que define a forma de relacionarmos com o conhecimento. Vale
lembrar que,
sendo o homem um ser político, toda ação humana é carregada de intenções, que por sua vez, definidas de
acordo com uma determinada concepção de homem e educação sustentam a forma que os mesmos vêem o
mundo (SILVEIRA RODRIGUES, 2009, p.03).
A escolha de um método de ensino requer do professor uma atitude emancipada v ,
visto que, escolher tal método significa escolher uma tendência pedagógica, para nortear a
educação que se pretende. Urge lembrar que a definição de uma tendência pedagógica não se
dá desprovida de interesses, pois cada tendência foi produzida em um determinado contexto
histórico da sociedade, intencionando atender determinadas políticas predominantes de sua
época. Traduzir os fundamentos dos métodos de ensino, por conseguinte, possibilita entender
a serviço de quais interesses a educação é utilizada, uma vez que o ato de ensinar traz em si
um conteúdo implícito. Damis (1996) argumenta que,
a prática pedagógica que ocorre no interior da sala de aula, entre o professor e o aluno, para a transmissãoassimilação de um saber, através de determinados meios e procedimentos, não é neutra. Isto porque, uma forma
de ensinar, além da atividade planejada de um professor para transmitir direta ou indiretamente um saber,
utilizando-se de procedimentos e recursos específicos, e além da atividade de um aluno para assimilar,
memorizar, descobrir e produzir um novo saber, expressa uma forma de educação específica do homem, seu
desenvolvimento e sua adaptação para a vida em sociedade. Não possuindo um fim em si mesma, a forma de
ensinar possui determinada formação social como seu ponto de partida e de chegada. (DAMIS 1996, p.10)
Salientamos que quando a mesma se refere à forma de ensinar, está discorrendo sobre
o método de ensino - uma ponte entre o ensino e a aprendizagem - que norteia os conteúdos
curriculares com novos conhecimentos a serem construídos ou apreendidos pelos alunos.
Após essa reflexão sobre a não-neutralidade do método de ensino ressaltamos a existência de
interesses políticos na articulação da metodologia com o ensino nas instituições escolares, que
por sua vez, se ocupam em materializar através da educação das pessoas, uma finalidade
social. Ou seja, as metodologias de ensino adotadas nas escolas desse país não ocorreram por
acaso e sim, foram implantadas a serviço de interesses políticos, econômicos e ideológicos
das classes dominantes, por meio da escolha das tendências pedagógicas para nortear a
educação brasileira.
Dessa forma, é mister compreender as diferenças existentes entre as concepções pedagógicas.
Consideramos importante identificar os processos de formação cultural e política da
instituição escolar e das concepções e objetivos da educação para que o profissional da
educação seja consciente da postura que está adotando em sala de aula.
Aproveitamos o ensejo para afirmar que essa pesquisa é baseada na Pedagogia Históricocrítica proposta por Saviani (2007), para o qual o homem se caracteriza por ter uma
necessidade contínua de produzir a sua existência. Para tanto, ele considera influentes na
formação do sujeito, as suas contradições particulares, bem como, a influência que esse
sujeito recebe do ambiente e da classe social à qual está inserido e, também, da própria
instituição de ensino. Em sua concepção, há uma consciência acerca das desigualdades e
contradições existentes na sociedade e, por isso, cabe à educação refletir sobre elas e assim,
“possibilitar o acesso das novas gerações ao mundo do saber sistematizado, do saber
metódico, científico. Ela necessita organizar processos, descobrir formas adequadas a essa
finalidade” (SAVIANI, 2005, p.75). Dessa maneira, os métodos de ensino partem da prática
social dos problemas observados e da reflexão sobre esses surgem os conhecimentos
necessários para solucioná-los. Em conseqüência disso, os alunos conscientizados retornam à
sua prática social, transformando-a.
Assim, essa tendência nega os métodos utilizados na tendência Tradicional, ou seja, o
verbalístico unilateral do professor. E, apesar da tendência Humanista utilizar métodos de
investigação e considerar os interesses do aluno como a concepção Histórico-crítica, esta
última nega a primeira por centrar-se na ação do aluno e se firma na socialização do saber, a
partir da formação crítica do cidadão, construída na coletividade pelos sujeitos ativos.
Saviani considera o método de ensino importantíssimo, pois o ensino do conteúdo envolve o
método. O professor, portanto, tem como papel a orientação da aprendizagem, a mediação
entre a prática e o saber sistematizado, “da classe dominante”, que ele deve dominar para que
atinja as classes “dominadas” (que até então, no capitalismo, desenvolve-se ao trabalhador um
conhecimento mínimo para que esse possa desempenhar sua função e produzir, fazendo
crescer o capital).
Com a discriminação das classes sociais, a concepção Histórico-crítica busca na educação um
meio para que os sujeitos emancipados possam lutar pelos direitos e espaços iguais e,
conseqüentemente, transformar a realidade em uma sociedade sem classes (socialista). Logo,
a importância da escola acontece ao permitir o acesso e domínio dos homens aos instrumentos
de elaboração e sistematização do saber elaborado e, por conseguinte, permite a aquisição da
consciência crítica para que expressem (de forma elaborada) os seus interesses.
Cabe às instituições de ensino possibilitar o saber científico, sobretudo a sua produção,
considerando que os alunos são agentes sociais e, assim sendo, contribuirão para a
transformação da sua realidade. Compreendemos que tal transformação acontece quando os
sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem são ativos e possuidores do espírito
investigativo que se desenvolve através da ciência que, por sua vez, para ser construída
necessita de um método (caminho). Continuaremos, portanto, os nossos estudos e
discutiremos a seguir sobre a ciência, os seus conceitos e a sua relação com a pesquisa,
metodologia e a educação, pois, como afirma Bachelard (1996, p.18) “aceder à ciência é
rejuvenescer espiritualmente, é aceitar uma brusca mutação que contradiz o passado”.
A ciência, a pesquisa e a metodologia: conceitos e relação
A formação do espírito investigativo no acadêmico se desenvolve através da produção do
conhecimento científico. Por isso, discorreremos sobre a ciência e sua evolução para
compreendermos melhor a formação desse espírito investigativo.
Sabemos que antes da ciência, a sociedade vivia arraigada aos mitos e dogmas. Porém, com
os pensadores pré-socráticos (os filósofos da natureza), na Grécia Antiga, nasce o
conhecimento científico baseado no ceticismo, acreditando ser através da observação que se
dava a construção da ciência. Dessa forma, desconsiderava o sobrenatural, sendo necessárias
provas para legitimar as teorias. Posteriormente, com Sócrates, esse conhecimento se
consolida, em especial com a “prova científica” – a repetição do fato observado na natureza.
Com o intuito de pensar sobre o processo de produção do conhecimento científico,
recorremos à Borges que nos apresenta aspectos importantes dessa evolução. De acordo com
a autora,
o século XX presenciou profundas mudanças nas ciências. A ruptura com as
concepções anteriores quanto à natureza da matéria levou a repensar também a
natureza do pensamento científico. Atualmente, no início do século XXI, o
pensamento científico ainda tem raízes no século XVII, apoiando-se principalmente
nas concepções de René Descartes, Galileu Galilei e Francis Bacon. (BORGES,
2007, p.31-33)
Segundo a mesma, o método de Francis Bacon vi influenciou e continua influenciando,
inclusive sendo considerado como “o método científico”, tornando-se o mais tradicional.
Bacon enfatiza a verdade como descoberta, dessa forma, seu método caracteriza-se pelo
empirismo,
por crer que o conhecimento origina-se na observação, e pela indução, por dirigir-se dos fatos às teorias, do
particular ao geral. Criticando a prática das pessoas argumentarem sobre Aristóteles sem observar a natureza, ele
recomendava limpar a mente, viciada de preconceitos individuais e coletivos, e realizar investigações
cooperativas na comunidade cientifica. (idem, p. 32)
Porém, Borges afirma que permanecem em discussão muitas idéias sobre a natureza
do conhecimento científico. A maioria dos filósofos da ciência divergem entre si, porém
apresentam em comum uma visão construtivista do conhecimento (acreditam não haver
observação neutra, sem a influência da teoria), contestando o empirismo. Apesar de
apresentarem variações, todos têm algo em comum. Dos três métodos discorridos pela autora:
o Racionalismo crítico ou hipotético-dedutivismo de Popper; o Contextualismo de Kuhn e o
Racionalismo aplicado ou racionalismo dialético de Bachelard; comungamos com esse
último, ressaltando que o imediato cede lugar ao construído, onde
o conhecimento científico é estabelecido tanto pela reflexão como pela experiência,
mas essa última é necessariamente precedida por uma construção intelectual. Para
planejar uma experiência, é preciso ter alguma idéia sobre o tema a investigar. Mas a
ciência exige criatividade, senso crítico e, portanto, rejeição à aceitação passiva de
teorias e interpretações. Isso envolve ruptura com o senso comum e com
conhecimentos anteriores, que são reestruturados quando uma ciência avança. Pode
envolver, inclusive, mudanças na metodologia científica. Segundo Bachelard, os
métodos, com o tempo, tornam-se maus hábitos, que devem ser superados.
(BORGES, 2007, p.42)
A partir de tais explicações, buscamos em Houaiss (2004, p.157) o conceito da palavra
ciência, que a traz como o “conjunto de conhecimentos sistematizados relativos a um
determinado objeto de estudo”. Complementamos que a ciência é uma consolidação humana
do conhecimento científico, sendo humana, nos enganamos ao pensar a ciência como uma
verdade absoluta, que só depende de si mesma pra existir ou sendo algo sobrenatural. O
conhecimento científico é contrário ao conhecimento empírico (senso comum), uma vez que
esse se caracteriza pela observação e pela experiência cotidiana assistemática (fundamentada
na filosofia popular, acriticamente) e generalizada, que segundo Bachelard (1996) não pensa,
uma vez que traduz necessidades em conhecimentos. Dessa forma, compreendemos que para
construir a ciência, “não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de
mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida
cotidiana” (BACHELARD, 1996, p. 23). Sendo assim,
embora o senso comum seja a base do preconceito e apresente superficialmente a realidade, nem por isso ele é de
todo falso ou sem valor algum. [...] No entanto este senso comum precisa ser reconstruído, analisado, refletido
aos olhos do conhecimento cientifico. (DALAROSA, 2000, p.98)
Logo, o conhecimento empírico não é desprezado, mas é preciso ser analisado de uma
forma metódica e sistemática, ou seja, desenvolvida intencionalmente para que no seu
aprofundamento seja construído o conhecimento científico. Como visto, a produção de
conhecimento é uma qualidade da natureza humana, conseqüentemente, julga-se necessário,
como afirma Bachelard (1996, p.13), “tornar claramente consciente e ativo o prazer da
estimulação espiritual na descoberta da verdade”. De acordo com o autor, deve-se modelar o
cérebro com a verdade, sobretudo, modelá-lo para a criticidade, para que sejam formados
sujeitos com espírito investigativo.
Dado que o conhecimento não é estático (toda solução para um problema produz uma
nova questão), consideramos importante a formação de sujeitos críticos (que buscam pelas
contradições da realidade aparente), pois tal formação promove a capacidade do sujeito em
conhecer a sua realidade. Com isso, torna-os aptos a intervirem nessa realidade,
transformando-a. Dalarosa (2000) complementa que para a construção do conhecimento
científico ocorrer temos dois elementos necessários que são a pesquisa e a metodologia.
A pesquisa é o instrumento utilizado para a construção desse conhecimento, ou seja, o espírito
investigativo e o ato de pesquisar são fundamentais para se construir a ciência, pois é a partir
da dúvida, de um problema que nasce a pesquisa – o ponto inicial para o desenvolvimento da
ciência consiste em buscar a solução desse problema (dúvida, interrogação). Mas, para haver
a consolidação da ciência e sua verdade (ponto de chegada), a pesquisa precisa ser planejada,
sistemática e metodologicamente. Portanto, como afirmamos antes, na relação existente entre
a ciência, a pesquisa e a metodologia, há uma lógica de desenvolvimento: fazer ciência (o
fim), pela pesquisa (o processo para chegar a este fim) e com metodologia (os métodos que
tornam esse processo organizado e eficaz).
Ao se levar em conta que o questionamento dessa pesquisa, consideramos essencial a
contribuição do autor Dalarosa ao questionar,
se a universidade não tem a pesquisa como atividade básica, o que é que ela está
produzindo? Atualmente fala-se tanto em crise de paradigmas, era das
perplexidades, inovação, constante mudança, pós-modernidade, e tantos outros
adjetivos que indicam transformação, questionamento, busca do novo. No entanto a
academia, em grande parte, ainda persiste em repassar o velho, já sabido.
(DALAROSA, 2000, p.101)
Afirmamos a partir de Sánchez Gamboa (2007) que são os professores os sujeitos que,
definitivamente, mudarão “o mundo da escola”, entendendo-a, sobretudo investigando a sua
dinâmica e diagnosticando as possibilidades de mudança. Como salienta Silveira Rodrigues
(2006), a construção do saber não deve ser tratada como um processo de transmissão, mas,
sim como uma construção realizada em um espaço de confronto. Este espaço deve garantir a
formação de cidadãos autônomos, críticos, com o domínio da língua falada e escrita, do
conhecimento lógico matemático e dos princípios científicos, incluindo discussões que
envolvam dignidade, igualdade, ética, preconceito e respeito, bem como sobre o meio
ambiente, a saúde, educação sexual, informática, etc..
Dessa forma, consideramos a ressalva de Sánchez Gamboa sobre essa prática de
investigação na universidade atual, que tem as características do trabalho humano, mas, na
maioria das vezes, cumpre apenas “um mero requisito acadêmico para a aquisição de um
título ou ascender num grau universitário”. Assim, “a pesquisa perde a capacidade de
instrumento de conhecer a problemática da realidade à sua dimensão transformadora, como
todo trabalho criativo deveria ter” (2007, p.42). Dessa maneira, mesmo o Plano de
Desenvolvimento Institucional da Universidade X ao reiterar que as práticas educativas
devem estabelecer a busca por uma formação de qualidade; que a formação dos sujeitos tem
como finalidade capacitá-los para analisar e intervir “em seu contexto de forma responsável e
estarem atentos às necessidades de construir uma sociedade mais justa e democrática” (2005,
p.19) e, ainda, enfatizar a pesquisa e a extensão, corre o risco de consistir em uma mera
formalidade e ficar apenas na teoria.
Corroborando com tal idéia, Dalarosa (2000, p.101) esclarece que, “o conhecimento
cientifico precisa ser o núcleo catalisador de toda atividade universitária. Ou buscamos esta
forma de conhecimento na universidade, ou então passamos por ela como se tivéssemos
passado por um outro lugar qualquer”.
Esclarecemos, através de Silveira Rodrigues (2006) que a prática educativa, a didática
de ensino, aqui é compreendida como essencial ao desenvolvimento das atividades do ensino
na universidade, portanto, é constantemente construída no dia-a-dia das atividades a serem
desenvolvidas. A didática envolve as relações entre o conteúdo ensinado e a forma de ensinar,
como afirma Damis (1996), e é fundamental para que através do ensino, possamos
compreender e analisar as determinações, as ligações e as relações presentes no âmbito das
relações que ocorrem no contexto da sociedade-escola.
Sabemos que propor a pesquisa na escola é uma prática antiga, porém, o que é necessário
considerar aqui, é a forma como tal atividade é desenvolvida. Muitas vezes, como afirma
Ricci (2007), a pesquisa realizada se reduz uma cópia ou transcrição. A autora contextualiza a
sua afirmação no ensino médio, mas fazemos uma ressalva e afirmamos que da mesma
maneira, muitas vezes, essa prática de cópia e transcrição acontece na academia. Tal atitude
reforça os interesses do Estado, em formar cidadãos acríticos e democráticos, uma vez que o
indivíduo passa todo o ensino fundamental sem criar o hábito de questionar, apenas se
acomoda e aceita os conteúdos e valores transmitidos.
Jacomeli (2007) ressalta ser proposta do Estado (através de seus documentos oficiais) que os
professores das séries iniciais (do 2º ao 5º ano) transmitam aos seus alunos apenas valores
sociais, e, para tanto, eles não precisam dominar conteúdos específicos (Matemática, Física,
etc.). Assim, os objetivos do Ensino Fundamental acabam sendo os conteúdos ou temas
transversais, “eleitos como aqueles a serem transmitidos e incorporados na sociedade neste
momento histórico: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual, Saúde e
Trabalho e Consumo” (idem, p.78).
Desse modo, apenas no Ensino Médio, o professor deverá atuar de forma a que o aluno
perceba a relação existente entre o fazer e o pensar. Esse aluno, por sua vez, ao chegar ao
Ensino Médio, após “uma maciça inculcação ideológica” no Ensino Fundamental,
provavelmente, não questionará o que lhe está sendo transmitido, pois não lhe foi
oportunizada tal atitude nos anos anteriores. De tal maneira, a atitude investigativa do aluno
esvazia-se de sentido ou significado, quando esta poderia ser vivenciada em situações de
experimentos (perante as diversas fases de seu desenvolvimento, por meio de atividades,
inclusive, da pesquisa) em que são ativadas as potencialidades, capacidades, necessidades e
interesses naturais desse aluno.
Por que é importante que, enquanto docentes/educadores, nos preocupemos em formar
cidadãos com o espírito investigativo aguçado, cidadãos críticos e questionadores? Porque ao
estimular as atitudes e habilidades investigativas dos alunos, haverá uma aprendizagem
significativa, assim, ao trabalhar a pesquisa na escola – como não existe pesquisa sem
perguntas – torna-se fundamental que os alunos se interroguem, questionem as informações
recebidas e queiram saber mais sobre um determinado problema.
Contextualizando a Pesquisa de Campo
É mister esclarecer que o objeto aqui estudado encontra-se situado na Universidade X
da cidade de Montes Claros, a qual possui cursos nas diversas áreas do conhecimento, sendo
os mesmos de graduação, pós-graduação Lato Sensu e Strictu Sensu – presenciais e alguns à
distância. Ressaltamos que os cursos pioneiros nesta foram os de “formação de professores”:
Geografia, História, Letras e Pedagogia no ano de 1964 e em 1968, Matemática, Ciências
Sociais e Filosofia. Atualmente, a mesma oferece 14 cursos regulares de licenciatura – Artes
Visuais; Artes Teatro; Artes Música; Ciências Biológicas; Ciências da Religião; Educação
Física; Filosofia; Geografia; História; Letras Espanhol; Letras Inglês; Letras Português;
Matemática e Pedagogia – totalizando 2194 acadêmicos matriculados e 489 professores.
Diante dessa realidade e para obter dados necessários a reflexão do objeto estudado,
foram entrevistados 03 professores e 10 alunos de cada curso de licenciatura da rede regular
dessa Universidade, exceto Pedagogia, no qual foram 04 professores e entrevistados 20
acadêmicos, em razão do mesmo formar professores das séries iniciais do Ensino
Fundamental. Ressaltamos que nos cursos de Artes (Artes Visuais; Artes Teatro; Artes
Música) e Letras (Letras Espanhol; Letras Inglês; Letras Português) fizemos uma junção de
todas as modalidades: entrevistamos apenas dez acadêmicos e três professores de cada um.
Salientamos que para a realização da entrevista estruturada, estipulamos como critério de
escolha que os professores estivessem vinculados, no mínimo, há dois anos nos cursos de
licenciatura; o que não foi aplicado aos alunos, que foram escolhidos aleatoriamente de
acordo com a disponibilidade dos mesmos, diversificando-os entre os períodos de cada curso.
CONSIDERAÇÕES
Após a análise dos dados coletados, percebemos que a formação que o sujeito recebe
ao longo de sua escolaridade reflete na formação da sua personalidade, assim como é um
parâmetro para a sua prática enquanto docente. Notamos, também, que os professores dos
cursos de licenciatura se preocupam com a formação do espírito investigativo no acadêmico,
entretanto, recorrem aos exemplos que tiveram ao longo da formação, por ser mais seguro. A
maioria das pessoas resiste em sair da “zona de conforto”, ou seja, não busca alternativas que
diferem das que eles têm como funcional. Reiteramos que não temos a intenção criticar os
métodos de ensino utilizados pelos professores, porém julgamos essencial que esses, ao
optarem por uma metodologia saibam as suas implicações, intenções, e dessa forma, que tipo
de cidadãos estão formando. Exemplificamos com a forma de ensinar dos jesuítas que era
intencionada a não permitir que os alunos questionassem, era uma educação centrada em
dogmas. Foi uma educação imposta com a qual os jesuítas aculturaram os índios aqui
encontrados, como se os mesmos não tivessem um passado; desconsideraram a cultura desses
povos e impuseram a cultura dos brancos, pois isso lhes favorecia. É a partir dessa base que a
metodologia de ensino foi sendo modificada em nosso país, sempre de acordo com o interesse
do Estado em cada época específica. Assim, percebemos que é o tradicional ensino
universalista formal que ainda predomina, sendo, portanto, um ensino contrário ao que
propomos aqui – o ensino voltado para a investigação, o questionamento e a criticidade.
A partir das respostas dos acadêmicos questionados notamos que os mesmos não demonstram
uma postura crítica e emancipada. Tal consideração é fundamentada pelos dados analisados
em nossa pesquisa de campo, sobretudo, em relação ao posicionamento desses perante
perguntas realizadas – a capacidade de compreender e respondê-las. Percebemos que não é
evidenciado nos cursos de formação de professores a importância e a não-neutralidade da
metodologia de ensino, de maneira a subsidiar os acadêmicos em suas escolhas e na formação
do seu espírito investigativo.
Sánchez Gamboa (2007) salienta que a preocupação com as questões metodológicas, teóricas
e epistemológicas tem como objetivo melhorar a formação do acadêmico/pesquisador, visto
que essas dão suporte nas construções científicas e na produção de conhecimentos. Para essa
construção é mister o entendimento das relações existentes entre os métodos e os
procedimentos de uma prática, seja ela docente ou investigativa.
Consideramos que, mesmo nas situações em que os professores afirmaram se preocupar com
a formação humana e do espírito investigativo nos acadêmicos e utilizarem métodos de ensino
que contribuem com tal formação (aulas expositivas dialogadas, debates, produção de texto,
dentre outros), não constatamos tal postura ao indagarmos os acadêmicos, pois, por diversas
vezes foram contraditórios em suas respostas, demonstrando falta de maturidade acerca do
assunto apresentado. Tais acadêmicos não conseguiram desvincular a metodologia de ensino
da prática de seus professores, ou seja, não conseguiram se distanciar do objeto de estudo,
tampouco conseguiram analisar a metodologia como um todo. A todo o momento buscaram
como exemplo os “seus atuais” professores e a forma como estes ministram as aulas.
Salientamos que tanto os professores quanto os acadêmicos indagados, não têm clareza de
entendimento acerca da contribuição dos métodos de ensino na formação do espírito
investigativo. Ressaltamos, ainda, que esse entendimento é extremamente relevante na
atuação desses enquanto futuros profissionais.
Diante dos dados, podemos considerar que os métodos de ensino adotados pelos professores
dos cursos de licenciatura da Universidade X, em sua maioria, não vêm contribuindo com a
formação do espírito investigativo nos acadêmicos. Assim afirmamos por considerar
contraditórias as respostas encontradas nesta pesquisa, apontando o desconhecimento por
parte de acadêmicos e docentes no que se refere à possibilidade de influência da metodologia
de ensino na formação do espírito investigativo no aluno. O que nos remete a inferir que os
sujeitos indagados trazem em seus imaginários a idéia de neutralidade do método de ensino
frente ao conteúdo. Diante de nossa leitura acerca do resultado encontrado, indagamos: será
possível a metodologia de ensino contribuir na formação do espírito investigativo nos
acadêmicos, se os próprios sujeitos envolvidos no ensino-aprendizagem desconhecem a
ligação (e as suas contribuições) entre metodologia de ensino e a formação do sujeito?
Urge que os pesquisadores da mencionada área, inseridos no contexto da universidade
investigada, se debrucem sobre tal problema, tomando-o como objeto de estudo,
problematizando o contexto e provocando nos acadêmicos e demais docentes, reflexões e
análises objetivando a superação de tal realidade. Há que se priorizar a escolha e utilização de
métodos de ensino que contribuam com o processo de emancipação dos futuros professores.
Posicionamos-nos dessa forma, por entendermos que tal postura encontrada atualmente entre
acadêmicos e docentes da Universidade X ajuda a reafirmar a “divisão de classes” através da
manutenção do status quo, do poder e da dominação do Estado sobre os sujeitos.
Diante do exposto, salientamos que é papel dos professores (em especial dos
educadores) buscar o entendimento das políticas educacionais e suas propostas para, assim,
resistir às suas imposições neoliberais. Esclarecemos, através das palavras de Jacomeli (2007)
que,
as permanências verificadas se devem ao fato de que não poderia ser de outra forma, já que ainda estamos sob a
organização da sociedade capitalista, que divulga a sua ideologia, agora na versão neoliberal. Nesse sentido,
alguns princípios fundantes do liberalismo estão presentes, como estarão sempre, enquanto essa sociedade
sobreviver. A escola ainda será um espaço para divulgar e inculcar valores desejáveis, contribuindo para
abrandar os homens.
[...] Cabe a escola cumprir o papel de formar o novo homem da nova sociedade que
vai nascer das cinzas da sociedade capitalista [...] Por essa razão a formação de
valores é fundamental, já que, primeiro, o indivíduo deve ser convencido de que não
há nada mais possível e melhor de se fazer e acreditar, a não ser naquilo que é
veiculado pela escola. (JACOMELI, 2007, p.199-203)
Por não compactuarmos com tal formação, ressaltamos nesse estudo a nãoneutralidade dos métodos de ensino e das escolhas que fazemos, bem como, salientamos a
necessidade do professor ter atitude crítica para atuar de forma competente e formar o espírito
investigativo nos seus alunos. Somente a partir dessa conscientização esses professores
poderão sair do papel de “mero reprodutor de valores e conhecimentos para o de agente de
mediação no processo de transformação da sociedade” (idem, p.203). Consideramos a
pesquisa realizada de extrema relevância social, por sensibilizar os sujeitos envolvidos, os
demais professores e acadêmicos acerca do problema levantado e, dessa forma, promover a
reflexão sobre as alternativas que temos, bem como, sobre a prática individual de cada um.
Assim, faz-se possível contribuir na substituição do saber “fechado” e estático por um
conhecimento “aberto” e dinâmico, “dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer
enfim à razão, razões de evoluir” (BACHELARD, 1996, p.24).
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políticas públicas educacionais brasileiras. Campinas/SP: Alínea, 2007.
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Associados, 2005.
i
Artigo apresentado ao V Congresso Internacional de Filosofia e Educação (CINFE) da Universidade de Caxias
do Sul, no período de 17 a 20 de Maio de 2010.
ii
BRUNA LUIZA NUNES GARCIA ([email protected]) Graduada em Pedagogia pela
Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, Brasil. (Monografia: Título: Metodologia de Ensino:
instrumento de formação do espírito investigativo no acadêmico dos cursos de formação de professores.
Atualmente cursa o Ciclo Avançado do Curso Mídias na Educação pelo Ministério da Educação/Brasil e é
acadêmica pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas de Educação e Saúde na Diversidade –
GEPEDS/Departamento de Educação da Unimontes. Em 2009, realizou Intercâmbio Universitário no curso de
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (Portugal); estagiou na Coordenadoria de Apoio ao
Estudante – CAE e foi monitora ledora do Núcleo de Sociedade Inclusiva, ambos na Unimontes. Possui curso
básico de Braille e LIBRAS. Em 2008, era acadêmica pesquisadora do Grupo de Assessoramento às Escolas
Públicas – GAEP/Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais da Unimontes. Possui artigos publicados
em periódicos e anais de Congressos nacionais e internacionais.
iii
Ao falar em desenvolvimento do espírito investigativo, referimos-nos ao desenvolvimento de habilidades e
atitudes que correspondem ao perfil do pesquisador.
iv
Vale ressaltar que, por epistemologia, entendemos que “é essencialmente o estudo crítico
dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, destinado a determinar a
sua origem lógica, o seu valor e a sua importância objetiva” (Lalande, 1996, p.313).
v
De acordo com o minidicionário dicionário Houauiss, emancipar é tornar(-se) independente; libertar(-se);
eximir(-se) [de pátrio poder ou tutela] (2004, p.268). Assim, consideramos em nossa pesquisa, a emancipação
como o ato do sujeito em se libertar, sendo crítico acerca das informações, do conhecimento que lhe é oferecido,
assim, torna-se consciente das suas escolhas. Dessa forma, o sujeito emancipado é investigativo, criativo, duvida
das informações que lhes são transmitidas, problematiza questões e busca a construção do conhecimento
científico acerca desses problemas e, sobretudo, politicamente coerente com a sua intencionalidade consciente.
vi
Francis Bacon defendia a idéia de que os fenômenos físicos precisam ser estudados sem a
interferência do observador, assim, propôs um método empirista-indutivista, que vai do
particular ao geral, considerando a experimentação como o único caminho válido para estudar
a natureza. (BORGES, 2007, p.31-33)
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