ID: 60673569 23-08-2015 Tiragem: 34268 Pág: 27 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 25,70 x 31,00 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 Pode a austeridade diminuir os custos com a saúde? ENRIC VIVES-RUBIO Opinião Armando José Garcia Pires Segundo a troika, Portugal necessita de diminuir as despesas com a saúde, porque é um dos países da OCDE que mais gasta nesta área em percentagem do PIB: 10,7% em Portugal, contra 9,5% na OCDE. No entanto estes números escondem que Portugal tem uma menor despesa per capita em saúde do que a média da OCDE: 2196 euros em Portugal, contra 2631 na OCDE. Apesar de tudo, mesmo com o ímpeto da troika, as despesas com a saúde têm-se revelado difíceis de diminuir, pois caíram entre 2010 e 2011, mas subiram novamente em 2012. Pode-se interpretar esta dificuldade em diminuir as despesas com a saúde como o espelho de um Estado Social “despesista”. De facto, segundo os especialistas do sector, muito se pode ainda fazer para diminuir os desperdícios e aumentar a qualidade. Ver a este propósito o estudo Qualidade Institucional e Desenvolvimento de Margarida Marques (Universidade Nova, 2015) que apresenta um retrato preocupante de práticas questionáveis num hospital público de Lisboa. No entanto, a situação não é melhor em países sem Estado Social. Por exemplo nos EUA, as despesas com a saúde ascendem a 18% do PIB, ou seja 6629 euros per capita. O caso dos EUA mostra que as dificuldades em diminuir as despesas com a saúde vão para além das disfuncionalidades associadas aos estados sociais. Por um lado, a saúde não é um bem qualquer, como um automóvel, mas um bem essencial ao qual todos devem ter direito. Por outro lado, a saúde é um dos sectores que sofrem o que William Baumol (New York University) apelida de “doença dos custos”, ver The Cost Disease: Why Computers Get Cheaper and Health Care Doesn’t (2012). Segundo Baumol, alguns sectores estão condenados a ficarem mais caros com o passar dos anos. Isto acontece porque enquanto nuns sectores a produtividade aumenta, por exemplo através da tecnologia, noutros, onde a mão-de-obra qualificada é difícil de substituir por tecnologia, os ganhos de produtividade são limitados. Ou seja, nos sectores com ganhos de produtividade é possível ao mesmo tempo aumentar salários e reduzir custos. Isto, por seu lado, vai obrigar a que os sectores sem ganhos de produtividade tenham também que aumentar os salários para conseguirem atrair trabalhadores. Mas sem aumentos da produtividade, os custos nestes sectores vão aumentar. Baumol dá o exemplo de um quarteto de música clássica. Hoje em dia é necessário o mesmo número de músicos que no tempo de Mozart, como tal a produtividade será a mesma. Mas enquanto no século XVIII se podiam pagar aos músicos os salários da altura, no século XXI têm de se pagar os salários actuais, muito mais elevados que então. Considere-se em oposto o sector automóvel. Em 1913, Henry Ford introduziu o sistema de produção em série que permitiu reduzir o tempo para produzir o conhecido modelo T da Ford de 12 para duas horas. Aumentos de produtividade como este tornam possível pagar muito mais em termos absolutos aos trabalhadores, uma vez que mesmo assim os custos de produção são reduzidos em termos relativos (i.e. menos horas para produzir o mesmo número de carros). Por este prisma, em sectores onde a automatização é difícil, como a saúde, será complicado diminuir os custos de produção. Claro que, na saúde podem ser usadas novas tecnologias para melhorar a produtividade e a qualidade. E no caso de Portugal, como se referiu, é possível ainda obter ganhos nestas duas dimensões. De qualquer modo, enquanto o factor humano continuar a ser central na saúde, como se prevê que continue a ser, a tendência será para o aumento das despesas neste sector. O que é então possível fazer para combater a “doença dos custos”? A resposta é por todos conhecida: o crescimento económico. Com crescimento económico as pessoas O debate desde a chegada da troika tem-se centrado em como reduzir o peso do Estado na economia. (...) Só o crescimento económico pode garantir a sustentabilidade do sector da saúde, mas este tem sido posto em segundo plano enriquecem e, assim, enquanto no tempo de Mozart poucos poderiam pagar para assistir a um concerto de música clássica, hoje em dia muitos têm poder de compra para tal. O mesmo poderá acontecer na saúde. Desde que haja crescimento económico, os custos com a saúde — apesar de terem tendência para aumentar — podem ser sustentáveis. Baumol exemplifica a importância do crescimento económico para o sector da saúde. Se por exemplo os EUA crescerem 2% por ano, mesmo que as despesas com a saúde cheguem a 60% do PIB daqui a 100 anos, tal será sustentável. Isto porque os ganhos de produtividade noutros sectores permitirão às pessoas adquirirem os bens destes sectores a um custo mais baixo, o que compensará os maiores custos com a saúde. Por exemplo, em 1908 um americano tinha que trabalhar em média cerca 4700 horas para comprar um carro, em 2008 bastavam 1365 horas. Ou seja, crescimento económico e ganhos de produtividade noutros sectores irão permitir que se liberte parte do rendimento para ter acesso a bens essenciais como a saúde. Baumol defende também que entregar a saúde aos privados pode ter efeitos opostos aos pretendidos. Como o exemplo dos EUA demonstra, os custos com a saúde em vez de diminuírem podem aumentar quando esta é dominada por privados. Quando a saúde está nas mãos dos privados, isto pode conduzir a um racionamento deixando os mais pobres com menos acesso aos serviços, ao mesmo tempo que pode fazer explodir os custos para aqueles com recursos. De facto, quem pode pagar estará sempre disposto a gastar o que for preciso com a sua saúde. O racionamento em períodos de guerra conduziu muitas vezes a estes dois efeitos díspares: os pobres nem para o pão tinham, os ricos gastavam fortunas para obter bens como o vinho. Desejase o mesmo no sector da saúde: intermináveis filas de espera para os mais necessitados, enquanto os privilegiados gastam fortunas em operações plásticas? O debate, desde a chegada da troika a Portugal, tem-se centrado em como reduzir o peso do Estado na economia. Devido à importância do factor humano na saúde, estes esforços podem no entanto revelar-se infrutíferos neste sector. Só o crescimento económico pode garantir a sustentabilidade do sector da saúde, mas este tem sido posto em segundo plano. Além disso, se com a redução dos custos da saúde se afectar a qualidade dos serviços, isto pode ter efeitos negativos no crescimento económico, uma vez que uma população saudável é mais produtiva e acarreta menos despesas com a segurança social. A redução da despesa no sector da saúde pode vir assim a revelarse uma vitória pírrica; ganhase a batalha da redução dos custos, para perder a guerra do crescimento económico. Norwegian School of Economics