A DEFESA E OS RECURSOS
NATURAIS NA AMÉRICA DO SUL
Contribuições para uma Estratégia Regional
Alfredo W. Forti
Diretor CEED
Centro de Estudos
Estratégicos de defesa
A Defesa e os Recursos Naturais na América do Sul
Contribuições para uma Estratégia Regional
Centro de Estudos
Estratégicos de Defesa
Buenos Aires, 10 de Junho de 2014
Este documento foi preparado como uma contribuição à Conferência de
"Defesa e Recursos Naturais", que será realizada em Buenos Aires de 9 a 11 de
Junho de 2014. Seus conteúdos e propostas baseiam-se nos principais
objetivos de integração da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e as
posições, princípios e definições acordadas no âmbito do Conselho de Defesa
Sul-Americano (CDS) e outros Conselhos setoriais da União.
No entanto, as recomendações descritas aqui representam propostas do autor
a fim de gerar insumos para a discussão desta importante Conferência, que
tem como objetivo "identificar as linhas orientadoras que poderia adotar o
setor de defesa para a preservação e proteção dos recursos estratégicos,
como contribuição deste sector para uma estratégia sul-americana integral
sobre os recursos naturais"; e "fazer recomendações e propostas de alcance
regional para a defesa dos recursos naturais estratégicos na UNASUL".
Alfredo W. Forti, Diretor do CEED
4
I. INTRODUÇÃO
Uma apreciação do cenário global internacional leva inevitavelmente, a partir de
qualquer perspectiva, a prever uma tendência irreversível para as próximas décadas:
a demanda crescente pelos recursos naturais.
Esta tendência é identificada em inúmeros relatos de agências especializadas da
Organização das Nações Unidas (ONU), estudos prospectivos de agências
governamentais nos principais países industrializados, organizações não
governamentais e fóruns internacionais, como o Fórum Econômico Mundial em
Davos.
Eles monitoram sistematicamente a política e a economia global e, a partir disso,
tanto os governos como as empresas, fazem estratégias para garantir o acesso,
controle e o aproveitamento dos cada vez mais escassos recursos, muitos dos quais
são –e serão cada vez mais– fontes vitais para sustentar suas economias e as
necessidades da população.
Aqui estão alguns dados de diferentes fontes que suportam esta visão do cenário
global:
•
A demanda da humanidade sobre os recursos ecológicos do planeta,
como o fornecimento de alimentos, matérias-primas e a absorção de
dióxido de carbono, ou seja, a pegada ecológica da população, vem
causando enormes pressões sobre a biodiversidade ameaçando o
fornecimento contínuo dos serviços ecossistémicos, que não só
ameaça a biodiversidade, mas também o futuro da saúde, da
segurança e do bem-estar da espécie humana em si. De acordo com o
relatório publicado pelo Fundo Mundial para a Natureza "Planeta Vivo
2012: Biodiversidade, biocapacidade e propostas para o futuro" 1, as
demandas humanas sobre o planeta superam a biocapacidade da
Terra, ou seja, a sua capacidade de regeneração e suprimento. Desde
2008, estamos vivendo como se tivéssemos um planeta extra à nossa
disposição. A humanidade consome 50% mais recursos do que a Terra
pode fornecer 2; defasagem que significa que seriam necessários 1,5
anos para regenerar completamente os recursos renováveis que os
seres humanos usam em um ano.
•
O tamanho da população afeta também a biocapacidade disponível
por pessoa. Se considerarmos que a população do mundo dobrou em
menos de 50 anos –chegando a mais de 6 bilhões de pessoas e
prevendo que em 2050 a população humana deverá ficar entre 7,8 e
10,9 bilhões de pessoas com uma média estimada em 9,3 bilhões–
então, o crescimento demográfico e o consequente aumento da
1
“Planeta Vivo Informe 2012: Biodiversidad, biocapacidad y propuestas de futuro”, World Wildlife Found,
2012 (ISBN 978-2-940443-55-0), pág. 37 a 52.
2
Expressos em números: em 2008, a biocapacidade total da Terra era de 12.000 milhões de hectares
globais (ASS) –1,8 hag. por pessoa–, enquanto a Pegada Ecológica –a damanda humana sobre a biosfera–
foi de 18.200 milhões de gha. –2.7 hag. por pessoa–. Veja p. 38 Op. Cit. 1.
5
demanda pelos recursos naturais, implicará na deterioração geral do
planeta e uma diminuição da biodiversidade, o que trará
consequências muito negativas para o desenvolvimento humano 3.
•
Globalmente, estima-se que cerca de 768 milhões de pessoas não têm
acesso a uma fonte de abastecimento de água potável – embora
existam estimativas que esse número de pessoas possa ser de até 3,5
bilhões– e outros 2,5 bilhões, permanecem sem acesso ao saneamento
básico. Espera-se que a demanda global por água tenha um aumento
de 55%, até 2050. Como resultado, a disponibilidade de água doce
estará cada vez mais sob pressão durante este período, e as previsões
indicam que mais de 40% da população mundial viverá em áreas com
grave estresse hídrico até 2050 4.
Estes exemplos dos níveis e magnitudes por demanda de recursos no presente se
projetam para o futuro. O relatório quadrienal elaborado pelo Conselho Nacional de
Inteligência dos Estados Unidos da América, "Tendências Globais 2030: mundos
alternativos", prevê para o 2030:
Um crescimento substancial na demanda, na ordem de 35% por
alimentos, 40% em água e 50% em energia, devido ao aumento da
população mundial e seus níveis de consumo. Isso, somado às secas,
consequência das alterações climáticas, deverá produzir um aumento e
uma maior volatilidade nos preços e tensões pelo acesso à comida e a
água. Em 2030, 60% da população mundial terá problemas de
abastecimento de água, resultando no agravamento dos já existentes
e/ou surgimento de novos "conflitos pela água". Segundo este
relatório, os estados mais frágeis da África e Oriente Médio são aqueles
que vão sofrer maiores riscos de experimentar escassez de alimentos e
de água, embora países com melhores perspectivas econômicas e
sociais, tais como China e Índia, também são vulneráveis 5.
No contexto global, a América do Sul é inserida como a região comparativamente
mais rica do mundo em termos de recursos estratégicos (relação populaçãoterritório-riquezas naturais). Com uma superfície de quase 18 milhões de km2 e uma
população de 400 milhões de habitantes, a região possui:
•
28,9% do total dos recursos hídricos no mundo (água doce), com
uma renovação natural anual de mais de 20.000 m3 per capita, e uma
população de menos de 6% da população mundial 6, o que significa
3
"World Resources 2000-2001," World Resources Institute (WRI), Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial,
Washington, DC.
4
“Agua y Energía, Informe de las Naciones Unidas Sobre el Desarrollo de los Recursos Hídricos en el
Mundo 2014”, WWDR 2014, UN WATER, 2014.
5
“Global Trends 2030: Alternative Worlds”, National Intelligence Council (NIC), diciembre 2012 (ISBN 978-1929667-21-5), pág IV. Versión electrónica disponible: www.dni.gov/nic/globaltrends.
6
“Managing Water under Uncertainty and Risk”, United Nations World Water Development Report 4, 2012 y
FAO-AQUASTAT, 2012.
6
que os recursos hídricos são regionalmente abundantes, sendo a
escassez de água econômica e não física 7.
•
Altas porcentagens de reservas e produção de minerais combustíveis
ou energéticos convencionais –hidrocarbonetos (petróleo, gás e
carvão)– e não convencionais –petróleo pesado, areias de alcatrão e
betume natural–, especificamente: 19,5% das reservas mundiais
provadas de petróleo cru do mundo, tendo produzido em 2011, 9,2%
do petróleo total no mundo, sendo uma das regiões de menor
consumo do produto (em 2011 foi de 5,8%).
•
As maiores reservas mundiais de minerais críticos como o Lítio
estão contidos em três países da região –Argentina, Chile e Bolívia,
que representam 90% das reservas mundiais–, ao mesmo tempo em
que a região também está à frente na produção mundial desse mineral
–totalizando 86,1% produzido pela Argentina, Chile e Brasil, em 2013–
Nióbio –Brasil é o maior produtor, com 95,93% e possui 98,4% das
reservas mundiais–. Também tem reservas substanciais de Prata –
41,6%–, Cobre –América do Sul produz 42,36% do total mundial,
possuindo mais de 43% das reservas mundiais entre Chile e Peru–,
entre outros 8.
•
Além disso, em nosso território está concentrada a maior riqueza
em biodiversidade do planeta. Na verdade, a América do Sul é,
talvez, o reservatório mais importante de biodiversidade do planeta, já
que tem uma enorme variedade de ecossistemas, espécies e
genótipos 9, basta mencionar que 5 dos 17 países megadiversos do
mundo são sul-americanos –Brasil, Colômbia, Equador, Peru e
Venezuela–.
Paradoxalmente desta bênção da natureza, nós somos tanto uma região que
subestimou o valor de conceber em chave regional um planejamento estratégico
para a gestão e exploração de nossas riquezas imensuráveis, a fim de assegurar o
controle, acesso e usufruto endógeno das mesmas, condição para o
desenvolvimento sustentável de nossas nações e nossa população.
A ausência de uma política regional sobre o assunto ignora um fator geoestratégico
fundamental, de que a abundância de recursos em nossa região tem como
contrapartida a escassez e a demanda dos mesmos pelos atores extra regionais.
7
“Global Water Futures 2050, Driving Forces 2011–2050”, Report on the findings of Phase One of the
UNESCO-WWAP Water Scenarios Project to 2050, United Nations World Water Assessment Programme.
8
“World Mining Data 2013”, Volume 28, C. Reichl, M. Schatz, G. Zsak, International Organizing Committee
for the World Mining Congresses, Vienna 2013.
9
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU estabelece formalmente que biodiversidade
"significa a variabilidade de organismos vivos de todos os origens, incluindo, entre outros, ecossistemas
terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte;
compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas" (CBD, 2001). Esta
definição destaca os muitos aspectos do conceito: inclui vários níveis de expressão (ecossistemas, espécies,
populações e genótipos), escala geográfica (local, regional, continental e global) e de tempo para ser
considerado em biodiversidade e as interações entre eles.
7
Nas palavras do Secretário-Geral da UNASUL, Alí Rodríguez Araque, a falta de uma
política regional sobre a utilização e preservação de nossos recursos naturais nos
expõe a situações em que, por exemplo:
“(…) na concessão de direitos de exploração e aproveitamento dos
recursos naturais, nossos países se enfrentam separadamente com
gigantes corporações internacionais que se movem com uma
estratégia única e sob um único comando de escala planetária.
Representam uma única equipe de alcance mundial. Enquanto isso, nós
representamos separadamente pequenas equipes de alcance local,
com diferentes políticas e uma direção dispersa 10.
Neste cenário, a natureza estratégica dos recursos naturais adquire uma dupla
dimensão, dependendo se é abordada do ponto de vista da escassez ou da
abundância: para o ator que não é possuidor de recursos, a necessidade estratégica
é garantir seu acesso aos mesmos. Por outro lado, quando um recurso é escasso para
um determinado ator –especialmente se for um de projeção internacional–, esse
recurso torna-se também estratégico para o possuidor, mesmo que este não tenha
os meios para sua exploração e utilização.
A dinâmica desta equação abundância-escassez se constitui na variável central
dos conflitos pelos recursos e, neste sentido, a história mostra repetidamente que,
quando a escassez ou apetite pelos recursos é a fonte do conflito, o cenário para a
disputa é sempre no território de abundância.
Atualmente, esta ausência de política regional nesta área está sendo alterada com os
recentes avanços no projeto de integração regional, caracterizada pelo atual
denominador comum de conceber a integração sob a ótica da política por sobre a
economia, que é precisamente o que representa a União de Nações Sul-Americanas.
Num momento em que o cenário global tende a ser articulado em grandes regiões e
blocos continentais, pela primeira vez desde nossas lutas pela independência do
século XIX, a atual situação política regional se apresenta para a América do Sul
como uma das maiores oportunidades de integrar doze países em uma unidade
tanto em termos geopolíticos como geoeconômicos.
O grande desafio apresentado por esta oportunidade é a de converter, através de
medidas concretas e irreversíveis, a real configuração de um projeto unificador para
a Região, sintetizando os projetos de Nação de cada um dos seus membros, o que é
absolutamente possível e viável. No entanto, a possibilidade de realizar esta
construção não depende somente da vontade dos líderes políticos dos nossos
Estados, mas também da capacidade de incorporar plenamente neste processo os
povos, as sociedades e as economias dos nossos doze países. A integração sulamericana não será sustentável ao longo do tempo na medida em que seja somente
um projeto conjuntural de governos. A sustentabilidade e a eventual irreversibilidade
deste projeto será viável quando tenha o caráter de objetivo permanente e política
10
“Os Recursos Naturais como Eixo dinâmico na Estratégia de Integração e Unidade de nossos países", 30
de novembro de 2012.
8
de Estado de cada uma das doze nações. A resposta a esta pergunta é, no momento,
muito mais dependente das vontades e decisões internas que externas à nossa
região.
II. A UNASUL COMO ESQUEMA INTEGRADOR
Depois de várias tentativas integracionistas do século XX, com foco quase
exclusivamente nos campos econômico e comercial, nos últimos 10 anos, nós
construímos um projeto integrador que pela primeira vez é guiado pela política e
orientado à construção de uma identidade sul-americana com pensamento
estratégico próprio, não como América Latina, mas como região sul-americana. Este
projeto é a União de Nações Sul-Americanas, criada em 2008, há apenas seis anos, a
partir de uma situação sem precedentes de confluência de visões e vontade política
entre os líderes de nossos países. O próprio preâmbulo do Tratado Constitutivo da
UNASUL determina o escopo deste consenso quando os Presidentes:
“(…) AFIRMANDO sua determinação de construir uma identidade e
cidadania sul-americanas e desenvolver um espaço regional integrado
no âmbito político, econômico, social, cultural, ambiental, energético e
de infra-estrutura, para contribuir ao fortalecimento da unidade da
América Latina e Caribe 11;”
Entre os objetivos específicos da União, e pelo seu significado vale a pena mencionar
os seguintes:
d) a integração energética para o aproveitamento integral, sustentável
e solidário dos recursos da região;
e) o desenvolvimento de uma infra-estrutura para a interconexão da
região e de nossos povos de acordo com critérios de desenvolvimento
social e econômico sustentáveis;
f) a integração financeira mediante a adoção de mecanismos
compatíveis com as políticas econômicas e fiscais dos Estados
Membros;
m) a integração industrial e produtiva, com especial atenção às
pequenas e médias empresas, cooperativas, redes e outras formas de
organização produtiva;
i) a consolidação de uma identidade sul-americana através do
reconhecimento progressivo de direitos a nacionais de um Estado
Membro residentes em qualquer outro Estado Membro, com o objetivo
de alcançar uma cidadania sul-americana;
11
“Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas”, Preâmbulo, 23 de mayo de 2008, Brasilia,
Brasil.
9
A própria estrutura da UNASUL reflete a natureza eminentemente política como
modelo de integração, sendo composto pelos doze conselhos ministeriais, que
praticamente reproduzem o gabinete de qualquer um de nossos governos
(conselhos setoriais que vão desde economia, educação, saúde, cultura, energia, até
segurança pública e infra-estrutura). Para a referida estrutura vai adicionar-se um
parlamento sul-americano, atualmente em formação.
III.
A UNASUL E OS ESFORÇOS PARA UMA ESTRATÉGIA NO ÂMBITO
DOS RECURSOS NATURAIS
O Secretário-Geral da UNASUL está tendo um importante papel na promoção do
debate sobre os recursos naturais a partir de um pensamento e estratégia de caráter
regional. Para isso, a Secretaria Geral apresentou o documento "Os Recursos
Naturais como eixo dinâmico da estratégia de integração e unidade dos países sulamericanos" 12.
Aprovando esta iniciativa, o Conselho de Chefas e Chefes de Estado encarregou à
Secretaria para preparar uma "Estratégia Continental e um Plano Geral para a
utilização dos recursos naturais da UNASUL", bem como:
“Iniciar, com a devida prioridade, e em coordenação com os conselhos
setoriais pertinentes, um estudo sobre a disponibilidade e
potencialidades dos recursos naturais da região sul-americana, visando
o desenho de uma estratégia da UNASUL para seu aproveitamento” 13.
Neste sentido, as Chefas e Chefes de Estado decidiram:
“Ponto 3. Que é necessário conduzir esses esforços em direção a um
processo de planificação e integração regional com base em uma visão
estratégica compartilhada, que considere o enorme potencial que tem
a região sul-americana, que é depositária de enormes recursos naturais
das mais diversas índoles, diversidade biológica e de uma inavaliável
riqueza cultural e humana. Isto complementa os esforços nacionais
para alcançar o desenvolvimento e bem-estar de seus povos e
fortalecer a presença e o papel da UNASUL no cenário internacional” 14.
Aprofundando esta visão estratégica da UNASUL, no ano seguinte, o Conselho de
Chefas e Chefes de Estado concordaram:
“c) a importância de avaliar como a coordenação e cooperação na
gestão e proteção dos recursos naturais podem contribuir para o
desenvolvimento científico, tecnológico, produtivo e social da América
do Sul, considerando-se a diversidade dos biomas sul-americanos, as
diversas particularidades e prioridades de cada país e os direitos
12
VI Reunião de Chefas e Chefes de Estado e de Governo da UNASUL, 30 de Novembro de 2012, Lima,
Perú.
13
Ibídem.
14
Ibídem.
10
soberanos dos Estados em relação à exploração dos seus recursos
naturais;” 15.
Na execução desse mandato, foram realizadas várias conferências organizadas pelo
Secretário-Geral da UNASUL, que culminou neste encontro dedicado à questão dos
recursos naturais sob a perspectiva da defesa.
A este respeito, em 2011, durante a inauguração do Centro de Estudos Estratégicos
de Defesa (CEED), a Presidenta Cristina Fernández de Kirchner, afirmou:
“Este momento da criação do Centro de Estudos Estratégicos do
Conselho de Defesa da UNASUL deve ser o pontapé inicial para criar
um sistema de defesa que tenha como principal objetivo estratégico a
caracterização do que será necessário durante o século XXI. E é muito
evidente (...) que a questão dos recursos naturais vai se tornar uma
questão –e já é– estratégica em toda a nossa região. Isto já temos
falado infinitas vezes com os meus colegas, além da necessidade de
articular esse sistema de defesa com um grande desenvolvimento” 16.
Da mesma forma, mais recentemente, o Presidente da República da Colômbia, Dr.
Juan Manuel Santos, afirmou:
“(…) temos todas as condições de ser o primeiro lugar, a primeira
região para atrair investimentos; nós temos os recursos, a água, em um
mundo onde todos os especialistas dizem que as próximas guerras
ocorrerão em torno da falta de água, e nós a temos em abundância;
uma região que tem uma grande capacidade para aumentar a
produção de alimentos, num mundo cada vez mais necessitado de
comida; uma região cheia de energia de todos os tipos, num mundo
também cada vez mais exigente de energia…” 17.
Em atendimento a essas orientações e instruções do Conselho de Chefas e Chefes de
Estado da UNASUL, o Conselho de Defesa Sul-Americano instruiu ao CEED a
desenvolver um estudo prospectivo relativo à defesa e os recursos estratégicos,
sendo considerado pelos próprios Presidentes quando expressaram:
“Seu reconhecimento à tarefa do Centro de Estudos Estratégicos de
Defesa (CEED) e suas contribuições à geração de um genuíno
pensamento sul-americano valorizando, particularmente, o Projeto de
“Estudo Prospectivo América do Sul 2025”, relativo à defesa, ao
conceito de interesse regional e à proteção dos recursos estratégicos
sul-americanos. Elogiamos os resultados exitosos do I Curso Avançado
de Defesa Sul-americano e o Curso Sul-americano de Formação de
Civis em Defesa” 18.
15
VII Reunião Ordinária, 30 de agosto de 2013 Paramaribo, Suriname.
Ato de recepção dos Ministros da Defesa dos países da UNASUL, na inauguração do Centro de Estudos
Estratégicos de Defesa do Conselho de Defesa Sul-Americano, 26 de maio de 2011, Galería de los Patriotas
Latinoamericanos, Casa Rosada, Buenos Aires, Argentina.
17
Dr. Juan Manuel Santos, II Reunión Cumbre de la CELAC, enero 2014, Cuba.
18
Declaração da VI Reunião Ordinária do Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo da União
de Nações Sul-Americanas - UNASUL, Lima, Peru 30 de novembro de 2012.
16
11
IV.
O CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO
É importante salientar que desde as guerras pela independência, a defesa e seu
componente militar, nunca fizeram parte ou foram componente de qualquer projeto
de integração da América Latina. Um dos principais motivos foi que desde a
fragmentação geopolítica e divisão que prevaleceu na nossa região, a partir de
meados do século XIX até o final do século XX, a política e o planejamento da defesa
de nossos países foi marcado pelo eixo orientador das “hipótese de conflito” com
nossos vizinhos. Os longos períodos de governos oligárquicos e militares que
viveram nossas nações, juntamente com as disputas territoriais e fronteiriças não
resolvidas, bem como os projetos políticos de atores estrangeiros contrários à União
Sul-Americana, consolidou um esquema que tornou irreconciliáveis os conceitos de
soberania nacional e integração regional. Em todas as experiências e projetos
regionais integracionistas do século XX, sempre prevaleceram os interesses e
objetivos da economia, do comércio e do mercado sobre a política. Em todas essas
experiências, a defesa esteve ausente.
No próprio texto do Tratado Constitutivo da UNASUL, a única referência à defesa se
limita a uma intenção tímida de promover “a troca de informações e experiências em
defesa” 19. No entanto, durante a própria assinatura do referido Tratado Constitutivo
em Brasília, em 23 de maio de 2008, por iniciativa do Brasil, os Presidentes e
Presidentas concordaram e decidiram algo sem precedentes: criar um Grupo de
Trabalho para desenvolver o Estatuto de um “Conselho de Defesa”. Isso foi
alcançado em pouco mais de seis meses e em dezembro do mesmo ano foi aprovado
o Estatuto do Conselho de Defesa Sul-Americano “como um órgão de consulta,
cooperação e coordenação em matéria de Defesa” 20.
Neste contexto, o CDS se tornou um componente modular da estrutura
organizacional da UNASUL e, assim, pela primeira vez, a Defesa foi incorporada
como uma dimensão constitutiva de abrangência no projeto de união regional.
Vale a pena neste momento fazer referência aos objetivos gerais do Conselho de
Defesa Sul-Americano 21:
•
Consolidar América do Sul como uma zona de paz, base para a
estabilidade democrática e o desenvolvimento integral de nossos
povos, e como contribuição para a paz mundial.
•
Construir uma identidade sul-americana em matéria de defesa, que
leve em conta as características sub-regionais e nacionais e que
contribua para o fortalecimento da unidade da América Latina e o
Caribe.
Entre os objetivos específicos do CDS, possuem semelhante relevância 22:
19
Tratado Constitutivo da UNASUR, Art. 3 Objetivos Específicos, inciso s).
Estatuto do Conselho de Defesa Sul-Americano, seção considerandos.
Ibídem, Título III.- Objetivos, Artígo 4.
22
Ibídem, Título III.- Objetivos, Artigo 5.
20
21
12
•
Avançar gradualmente no análise e discussão dos elementos comuns
de uma visão conjunta em matéria de defesa.
•
Contribuir para a articulação de posições conjuntas da região em foros
multilaterais sobre defesa, no marco do artigo 14 do Tratado
Constitutivo da UNASUL.
•
Avançar na construção de uma visão compartilhada a respeito das
tarefas da defesa e promover o diálogo e a cooperação preferencial
com outros países da América Latina e o Caribe.
Como parte das decisões que foram aceitas para avançar na construção de uma
identidade sul-americana em defesa e em resposta à dívida histórica que a região
tinha para com o desenvolvimento de seu próprio pensamento estratégico, em seu
primeiro Plano de Ação em 2009, o CDS concordou em criar um Centro de Estudos
Estratégicos de Defesa. Depois de ser acordado e aprovado o seu Estatuto, em 2010,
o CEED finalmente foi inaugurado em 2011.
O Centro tem como principais objetivos 23:
•
Promover a construção de uma visão compartilhada que possibilite a
abordagem comum em matéria de defesa e segurança regional, dos
desafios, fatores de risco e ameaça, oportunidades e cenários; e
•
Contribuir na identificação de enfoques conceituais e lineamentos
básicos comuns que permitam a articulação de políticas em termo de
defesa e segurança regional.
Cumprindo seu mandato e missão, a pedido do CDS, o CEED prepara relatórios,
estudos e análises estratégicos destinados a gerar decisões políticas acordadas de
impacto regional.
V. PRINCÍPIOS, CONCEITOS E PRECEITOS QUE CONSTITUEM O PLEXO
DO CDS / CEED
A vida institucional do CDS, destinado a articular um pensamento geoestratégico
claramente sul-americano, vem gerando um conjunto de princípios e conceitos, tais
como:
23
•
A condução e governo político da defesa, materializado na
subordinação das instâncias militares às respectivas linhas ministeriais.
•
A consolidação da América do Sul como "Zona de Paz", materializada,
entre outras medidas, por meio do estabelecimento em 2010 dos
“Procedimentos de aplicação das Medidas de Fomento da Confiança e
Segurança”. Este desenvolvimento histórico faz parte do progressivo
Estatuto do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa, Título III. Objetivos, Artigo 3.
13
abandono das "hipóteses de conflito" e sua substituição pelas
“hipóteses de confiança, consenso, cooperação e integração”, como
eixos articuladores do planejamento das políticas de defesa nacionais
entre os países da região.
VI.
•
A procura da "interoperabilidade" entre os nossos instrumentos
militares, com o objetivo comum de fazer possível as ações
combinadas entre nossas Forças Armadas.
•
A busca por uma doutrina comum regional com atenção aos desastres
naturais, às operações de paz e de ajuda humanitária, operações que
de acordo com nossos marcos regulatórios comuns, são subsidiárias
das nossas missões das Forças Armadas.
•
A crença comum de gerar maiores margens de autonomia estratégica
em matéria de pesquisa, desenvolvimento e produção relacionados
com a defesa. Essa é uma realidade observável nas várias iniciativas,
inclusive em empreendimentos específicos que nesta área têm sido
desenvolvidos nos últimos anos 24.
•
A criação de um organismo regional de formação em defesa para civis
e militares, que contribui ao processo atual de construção de uma
visão estratégica comum na defesa, como é a recente criação do
Colégio de Defesa Sul-Americano.
O INTERESSE REGIONAL
Provavelmente, um dos conceitos mais inovadores e importantes, surgido nestes
anos de vida institucional do CDS foi o de “interesse regional”, categoria política e
analítica emergente incorporada ao próprio Estatuto do Centro de Estudos
Estratégicos de Defesa. Este conceito é definido como “o conjunto de fatores
comuns, compatíveis e/ou complementares do interesse nacional de cada um
dos países membros da UNASUL”.
Entre os fatores comuns que podemos identificar como de “interesse regional” –
alguns dos quais podem exceder as competências próprias do setor defesa– estão os
objetivos permanentes relacionados com a consolidação da América do Sul como
uma zona de paz; a defesa da soberania; a integridade territorial; e a democracia em
nossos países. Este último fator, por exemplo, já possui um mecanismo aprovado de
resposta coletiva para situações nas quais a ordem democrática se encontre
ameaçada, o que já aconteceu em situações específicas 25.
24
Por exemplo, o programa de desenho, desenvolvimento e produção conjunta de um Avião PrimárioBásico de Treinamento – UNASUL I.
Este mecanismo é o Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da UNASUL sobre Compromisso com a
Democracia.
25
14
O INTERESSE REGIONAL
INTERESSE
NACIONAL
INTERESSE
REGIONAL
INTERESSE
NACIONAL
INTERESSE
NACIONAL
Con
Conjunto
nj nt
njunt
nj
nto de fa
fator
fatores
orres com
comuns,
om
muns compatíveis,
muns
mu
com
omp
om
mppatíveeis e/
e/ou
/oou
u complementares
com
omp
om
mplleme
mp
ment
me
n ares no
interesse nacional de cada um dos países membros da UNASUL.
Em uma análise do acima exposto, observo que não há maior exemplo
paradigmático que ilustra esse conceito de "interesse regional", como os
substanciais recursos naturais estratégicos que abundam a América do Sul e que
pela sua disseminação, que não respeita fronteiras, são ativos comuns aos doze
países da UNASUL.
A abundância de recursos em nossa região, como já mencionamos anteriormente,
tem um viés de necessidade e, em alguns casos, o apetite de outros atores extra
regionais. Para Estados como os nossos, que têm abundância de recursos naturais
estratégicos, é uma necessidade crucial conseguir seu controle e uso sustentável,
enquanto para os Estados dependentes desses recursos, a necessidade e objetivo
estratégico é o de assegurar o acesso a eles.
É muito importante notar aqui que pela sua característica distintiva de estar
dispersos por todo o subcontinente, nenhum de nossos Estados por si só pode
fornecer e garantir a efetiva proteção e defesa dos fabulosos recursos e reservas de
ativos estratégicos que tem nossa região, ou seja, isso só poderá ser alcançado e
mantido a partir da coordenação e esforço cooperativo multilateral ou, que dá no
15
mesmo, uma estratégia e uma política comum a nível regional. Neste sentido,
notamos, por exemplo, como recursos críticos para as próximas décadas como a
água; a biodiversidade; o lítio; as riquezas pesqueiras e minerais de nossa plataforma
continental sul-americana; ou, finalmente, os "espaços vazios ou parcialmente vazios"
de terras potencialmente produtivas e adequadas para a vida e à atividade
econômica.
Do ponto de vista da defesa, a adoção do conceito de interesse regional nos leva
a considerar um nível estratégico mais elevado que o nacional –o nível
Estratégico Regional– para articular nesse nível, o que o CDS tem pleiteado como
uma identidade sul-americana em defesa.
VII.
OS CONCEITOS DE REGIONALIDADE E INTEGRALIDADE
É necessário notar aqui, como refletimos acima, que um "interesse regional", como o
que representam os recursos naturais do nosso subcontinente, não pode ser
efetivamente preservado, senão de uma forma conjunta e cooperativa, ou seja, a
partir do esforço multilateral sul-americano. Mas esta categoria de “regionalidade”
da estratégia de proteção de nossos ativos, para ser verdadeiramente efetiva, deve
ser combinada com a dimensão de “integralidade” , à que a mesma também deve
responder.
No conceito de “integralidade”, a defesa é uma mais, inclusive a última, das
dimensões que deve incluir a nossa estratégia regional para proteger os recursos
naturais. Esta dimensão de “integralidade” relativa à proteção dos nossos ativos
compreende várias políticas setoriais, desde as diplomáticas, legais e comercias até
industriais e ambientais. Este conjunto de políticas públicas é uma sorte do "anéis
concêntricos" em torno de um "objeto" que são os recursos naturais
estratégicos. Neste esquema, pela precedência e responsabilidade estratégica, a
defesa é o último "anel" de proteção sobre o objeto do interesse nacional/regional,
porque a utilização da defesa e o instrumento militar é o último recurso de todos os
Estados à proteção e preservação da sua integridade e soberania.
16
CÍRCULOS CONCÊNTRICOS DE PROTEÇÃO A OS RECURSOS NATURAIS ESTRATÉGICOS
DIPLOMACIA
LEGISLAÇÃO
POLÍTICA
ECONÓMICA
PESQUISA E
DESENVOLVIMENTO
MEIO AMBIENTE
DEFESA
Nesta abordagem, o papel e a responsabilidade de intervenção das capacidades sob
jurisdição da defesa e do instrumento militar de nossos Estados na estratégia
regional de proteção de ativos, só “entrariam em jogo” quando fora violada a
integridade territorial dos nossos países –integridade territorial que contêm os
recursos naturais– ou se achasse em jogo a plena autonomia para dispormos
concreta e livremente dos mesmos.
Consequentemente, o que queremos enfatizar é que essa lógica de integridade que
deve satisfazer nossa estratégia regional de desenvolvimento e preservação dos
próprios recursos naturais deve responder às eventuais tentativas de “alienação” de
riquezas, de acordo com a natureza específica de cada um dos riscos e ameaças
concretas. Na dimensão da Defesa, a utilização dos militares em relação aos recursos
naturais não significa "militarização" dos recursos naturais, colocando um soldado
com um fuzil na porta de cada mina.
17
VIII. O PAPEL DA
ESTRATÉGICOS
DEFESA
NA
PROTECÇÃO
DOS
RECURSOS
Do acima exposto, surge uma interrogação central: se a estratégia regional para a
proteção dos recursos naturais deve incluir a defesa como uma de suas dimensões.
Qual deve ser a estrutura concreta de um esquema de defesa regional ou, mais
precisamente, as situações onde deve ser desdobrado? Em outras palavras, Como
deve ser estruturado um esquema de defesa regional nesta matéria?
Se tomarmos como parâmetros iniciais os princípios, valores e conceitos que se
configuram a nível regional do CDS, como o interesse regional, a interoperabilidade,
as medidas de confiança mútua, a padronização de doutrina, juntamente com a
crescente prática de exercícios militares "à la carte" de manutenção da paz e de
assistência conjunta em desastres naturais, bem como a procura por estabelecer
uma base industrial comum de produção para a defesa, o curso natural deste
processo, inevitavelmente, leva à formação de um sistema de defesa cooperativo
sub-regional sustentado em um modelo de integração baseado na
interoperabilidade e capacidades complementares, e como resultado, a ação
conjunta-combinada no nível estratégico-militar da defesa regional.
Também poderíamos postular que na atual concepção de defesa regional que emana
dos consensos do CDS, os países da UNASUL mantêm uma postura estratégica e
disposição estratégica de natureza "defensiva", que exclui políticas de poder para
terceiros.
IX.
COOPERAÇÃO E DISSUASÃO
Neste contexto, o processo iniciado aponta para a configuração de um esquema
regional cooperativo fundado em uma dupla categoria: “cooperação para dentro”
e “dissuasão para fora”.
Na verdade, a cooperação “para dentro” –base do atual processo de integração
regional– é a categoria na dimensão em que o Conselho de Defesa Sul-Americano
justamente vem avançando a passo firme por meio de várias iniciativas e realizações
antes mencionados.
Por seu lado, a categoria que se refere à dissuasão “para fora”, implica que as
nossas capacidades regionais em matéria de defesa e militar devem se concentrar e
fundir-se em um só quando se trata de proteger os interesses regionais que
representam os recursos naturais da América do Sul, contra as eventuais ações de
terceiros Estados. Nesta questão, podemos citar ao Ministro da Defesa do Brasil,
Celso Amorim, quando expressa claramente:
“(…) no mundo em que vivemos –um mundo de Estados-Nação,
marcado ainda por fortes assimetrias de poder– sermos pacíficos não
pode significar que sejamos indefesos (...) Os países sul-americanos
têm o direito e o dever de proverem sua própria defesa através de
18
adequada capacidade dissuasória. Mas não é óbvio que possam fazê-lo
de forma isolada. A estratégia global dissuasória conjuga-se com uma
estratégia regional cooperativa” 26.
Nessa lógica, a dissuasão como categoria de defesa regional, na proteção de nossos
recursos naturais é, por definição dirigida "para fora", contra fatores de risco e
ameaça extra regionais, para aqueles que, como atores concretos, devemos deixá-los
saber que uma ação que implique danificar a integridade territorial de um Estado
particular do subcontinente –neste caso, os ativos naturais que possuem– é uma
ação voltada contra a América do Sul como um todo. Na mesma lógica, o Ministro
Amorim define o conceito de dissuasão “pressupõe a capacidade de imposição de
custos proibitivamente altos para eventuais forças adversas, de modo a desincentivar
ações hostis, provenham de onde provierem”.
ESQUEMA REGIONAL COOPERATIVO
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26
“Por uma Identidade Sul-Americana em Matéria de Defesa”, Aula Magna do Ministro de Estado da Defesa,
Celso Amorim, no Curso Avançado de Defesa Sul-Americano, 29 de agosto de 2012, Rio de Janeiro, Brasil.
19
X. UMA PROPOSTA PARA A ARTICULAÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA
REGIONAL DE DEFESA
Neste momento de nossas reflexões, e dependendo da análise, fica claro que a
configuração da defesa regional sul-americana, para lidar com a salvaguarda e
proteção do "interesse regional", passa por um esquema regional cooperativo, com
base nas categorias de cooperação "para dentro" e dissuasão "para fora".
A consulta, coordenação e cooperação em defesa para a proteção dos recursos sob
o enfoque da regionalidade e integralidade –deixando a defesa como último recurso
contra a alienação indevida de recursos– é um mecanismo legítimo para proteger os
Interesses Vitais dos países da UNASUL, especialmente a integridade e a soberania.
No entanto, e apesar desta claridade conceitual, estamos hoje num ponto de
inflexão, em um momento chave, que implica e demanda e ir além dos progressos
que atualmente temos conseguido, de tudo o que temos feito em cooperação "para
dentro".
De fato, ainda precisa ser definido o "como" operacionalizar e implementar
concretamente essa categoria de "dissuasão para fora" de nossa defesa regional.
"Dissuasão para fora" que é fundamental para efetivar e dar credibilidade a um
esquema regional cooperativo de defesa.
Como resposta a isso, como instrumento tangível para operacionalizar a "dissuasão
para fora" acreditamos que chegou a hora de propor a criação de uma "Força Militar
Sul-Americana - FMS", sob a supervisão direta das autoridades políticas de nossos
países.
1. MISSÃO E FUNÇÕES DA FMS
A missão e as funções da "Força Militar Sul-Americana" se concentrariam em
salvaguardar e proteger o que nossas autoridades nacionais definam como
os "fatores comuns" do interesse regional sul-americano: sua hipótese de
emprego primária seria limitada a evitar e repelir qualquer ameaça extra regional
ao Estado, que comprometa a integridade territorial da nossa região e de seus
ativos comuns. Também, entre suas principais funções seriam o monitoramento
e controle dos espaços territoriais comuns e periféricos à região, entendido isso
sob o conceito de uso e negação dos mesmos. Para ser soberano não é
suficiente usar o próprio, é também essencial negar o uso a quem não
autorizamos.
Consequentemente, nossa futura "Força Militar Sul-Americana" não seria de
forma alguma destinada a substituir nossas forças armadas nacionais em suas
responsabilidades de defesa nacional. Mas sim, sob a lógica e no espírito de um
esquema de defesa regional sul-americano "cooperativo", essa "Força Militar SulAmericana" poderia complementar e reforçar as capacidades nacionais,
assegurando o que nenhuma das nossas forças armadas e nossas capacidades
de defesa nacionais poderia alcançar individualmente: defender, como uma
região, os ativos e recursos comuns de nosso interesse geral.
20
As competências, responsabilidades assim como as áreas jurisdicionais
específicas e áreas jurisdicionais específicas para atribuir a essa Força SulAmericana se concentraria somente naqueles fatores comuns do interesse
regional, conforme fosse determinado pela liderança política superior, sem
considerar outras hipóteses de emprego, principalmente, nenhuma que envolva
a intervenção nos assuntos internos de qualquer um de nossos países.
2. ESTRUTURA DA FMS
A estrutura desta possível "Força Militar Sul-Americana" consistiria de um
Estado-Maior Regional Conjunto Combinado (EMRCC), composto por
representantes dos Estados-Maiores Conjuntos nacionais. Este EMRCC seria
dotado de uma instância de Planejamento Estratégico Regional e de um (ou
mais) Comando Estratégico Operacional Unificado (CEOU), responsável pelo
emprego dos meios militares combinados, para salvaguardar e proteger os
nossos interesses regionais comuns, conforme determinado e decidido por
nossas autoridades políticas nacionais.
Neste sentido, e de forma a incorporar o princípio de "liderança política da
defesa" a esta Força Militar Sul-Americana, será necessária a estruturação de um
mecanismo de decisão política formado por uma instância que reúna os atuais
Conselhos de Defesa Sul-Americano e dos Ministros de Relações Exteriores.
ESQUEMA ORGANIZACIONAL DA FORÇA MILITAR SUL-AMERICANA
NÍVEL
ESTRATÉGICO
REGIONAL
NIVEL
ESTRATÉGICO
MILITAR
CONSELHO DE MINISTROS
DAS RELAÇÕES
EXTERIORES
CONSELHO DE DEFESA
SUL-AMERICANO
ESTADO-MAIOR REGIONAL CONJUNTO
COMBINADO
PLANEJJAMEN
PLANE
AMENT
TO
ESTRATÉGI
A
ATÉGI
CO REGIONAL
NIVEL
ESTRATÉGICO
OPERACIONAL
COMANDO ESTRATÉGICO OPERACIONAL
UNIFICADO
COMPONENTES
EXÉRCITO
MARINHA
FORÇA AÉREA
21
3. ÁREAS DE EMPREGO E DESDOBRAMENTO DA FMS
As áreas de emprego e desdobramento da nossa futura "Força Militar SulAmericana" poderia incluir áreas geográficas comuns, nossos limites e nossas
bacias marítimas e oceânicas –otimizando muitos dos trabalhos cooperativos
que hoje já cumprem bilateralmente e com esforços convergentes nossos
instrumentos militares nacionais– e os componentes críticos de infraestrutura
associada aos recursos naturais, tais como hidrelétricas binacionais, oleodutos e
gasodutos internacionais e sistemas integrados de transmissão de energia.
Também poderia servir para atender as responsabilidades de defesa em novos
âmbitos, como o atual desafio apresentado pela questão da defesa cibernética
na região.
No que diz respeito à "matéria-prima" e os insumos que devem nutrir a nossa
futura "Força Militar Sul-Americana", devemos dizer que muitos deles foram
trabalhados e consolidados no âmbito do Conselho de Defesa Sul-Americano, e
no âmbito da cooperação "para dentro" que ele representa.
Neste sentido, quero salientar que muito temos avançado no Conselho de
Defesa sobre questões chave para dotar e estruturar uma futura Força Militar
Sul-Americana. Exemplos sintéticos que representam tais avanços são o
aprofundamento da compreensão mútua dos nossos respectivos sistemas de
defesa e militar; a identificação e articulação de padrões de interoperabilidade
combinado entre nossas organizações militares; ou os progressos realizados na
elaboração de uma doutrina militar regional combinada regional, ou seja, de uma
doutrina militar comum claramente Sul-Americana desenvolvida por nós
mesmos, de acordo com as próprias necessidades, interesses e objetivos. Notese, sucintamente que, para a conclusão e consolidação desta doutrina militar
comum –que definitivamente nos permita superar a subordinação estratégica
que envolve gerir com doutrinas estrangeiras–, será fundamental a futura Escola
de Defesa Sul-Americana (ESUDE), assim como também, o que atualmente e no
futuro faz neste campo o Centro de Estudos Estratégicos de Defesa do Conselho
de Defesa Sul-Americano.
Além disso, no plano operacional, esta proposta tem em conta as experiências
exitosas que são executadas pelos países da região em busca de combinar seus
esforços na segurança internacional. Exemplos disso são os vários batalhões de
Chile, Argentina, Brasil e Uruguai, que tanto em Chipre, como Haiti e o Congo
começaram a integrar sob sua bandeira contingentes nacionais de países irmãos
como Equador e Paraguai. Outra experiência que vale a pena mencionar e que
excede essas ações é a referida Força Binacional de Paz Argentino-Chilena "Cruz
del Sur". Colocada a disposição da ONU como stand by force em 2011, esta Força
Binacional Conjunta-Combinada tem um Estado-Maior Conjunto Combinado, um
Componente Terrestre, um Componente do Ar e um Componente Naval, que
atualmente já conta com doutrina e treinamento comuns e equipamentos
interoperáveis. Nos últimos tempos, o Brasil e o Peru já manifestaram interesse
em aderir a esta experiência exemplar de uma verdadeira Força Sul-Americana
de Paz.
22
Considerando-se os antecedentes descritos, a construção de uma futura "Força
Militar Sul-Americana" não deveria ser mais que uma consequência coerente da
realização e operacionalização de uma visão estratégica regional de defesa e
militar compartilhada, e seria efetivamente uma instância instrumental de
"dissuasão para fora" da nossa defesa regional.
Neste sentido, é essencial para refletir que, tanto política, como
estrategicamente, o efeito que uma futura "Força Militar Sul-Americana" poderia
alcançar, implicaria num valor agregado muito maior que a mera soma das
capacidades de cada uma de nossas organizações militares nacionais.
***
Em conclusão, a construção de um esquema cooperativo em defensa como o
proposto é uma projeção para o futuro dos atuais consensos, acordos, princípios
e atividades que estão ocorrendo dentro do Conselho de Defesa Sul-americano
e UNASUL, resultado de uma clara vontade política de integração.
Também se deve notar que o emprego do setor defesa na proteção dos recursos
estratégicos de nossa região é o último recurso, ativado quando a soberania
territorial está em jogo. No entanto, muitas vezes a perda da soberania pode-se
dar sem ocupação territorial. É por isso que a verdadeira defesa dos recursos
acima mencionados começa nas medidas políticas e econômicas de nossos
Estados. Neste contexto, ter o anel de defesa cooperativa como último recurso é
um forte elemento dissuasor, pois embora nunca seja utilizado, reflete a vontade
de unidade na defesa dos interesses comuns e dá muita credibilidade.
Finalmente, a realização de um projeto desta natureza não se fez de um dia
para outro. Como outras conquistas da UNASUL, com base no consenso, no
respeito a soberania e a diversidade, esta proposta requer uma estratégia de
implementação da natureza gradual, flexível e escalonada. Neste desafio, o atual
modelo de integração sul-americana nos permite explorar a maneira de
combinar a diversidade de perspectivas com a unidade de ação.
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Defesa e Recursos Naturais na América do