III
Curso de Verão em
FARMACOLOGIA
14 a 19 de Fevereiro de 2011
SUMÁRIO
FARMACOCINÉTICA............................................................................................................... 3
FARMACOLOGIA DE PRODUTOS NATURAIS ...................................................................... 23
Produtos com ação sobre o trato gastrointestinal .......................................................... 23
Sistema cardiovascular .................................................................................................... 34
SISTEMA NERVOSO CENTRAL ............................................................................................. 44
Doença de Parkinson ....................................................................................................... 44
Aprendizagem e memória ............................................................................................... 50
Transtornos de humor e de ansiedade ............................................................................ 55
Drogas de abuso .............................................................................................................. 81
INFLAMAÇÃO ...................................................................................................................... 89
RESPOSTA FEBRIL ................................................................................................................ 94
TOXICOLOGIA ...................................................................................................................... 99
Introdução à toxicologia .................................................................................................. 99
Toxicologia reprodutiva ................................................................................................. 107
Toxicologia ambiental .................................................................................................... 116
Toxicologia, toxinologia e metabolismo ........................................................................ 123
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FARMACOCINÉTICA
Aline Stolf
Arturo Dreifuss
Francislaine LíveroVieira
INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA
A farmacologia pode ser definida como o estudo das substâncias que
interagem com sistemas vivos por meio de processos químicos, ligando-se
especificamente a moléculas reguladoras e ativando ou inibindo processos
corporais normais.
FARMACOCINÉTICA
A farmacocinética é o estudo do movimento de uma substância química,
em particular, um medicamento no interior de um organismo vivo, ou seja, estudo
dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção.
Para produzir seus efeitos característicos, uma substância precisa estar
presente em concentrações adequadas em seus locais de ação. Embora as
concentrações obtidas sejam dependentes da dose administrada, elas também
dependem da magnitude e velocidade dos processos supracitados.
Em uma ampla visão, a compreensão da farmacocinética pode aumentar a
segurança e eficácia da terapêutica medicamentosa. Um mesmo medicamento
pode produzir um efeito terapêutico ou tóxico, dependendo da dose. Ao aumentar
a concentração podem verificar-se efeitos tóxicos. Surge assim, o conceito de
índice terapêutico, que é o fator que relaciona a concentração na qual o fármaco
produz efeitos tóxicos (dose tóxica) com a concentração na qual o fármaco é
terapêutico (dose terapêutica).
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Assim, para que um fármaco seja seguro, é preciso que ele tenha um
índice terapêutico elevado. Por outras palavras, um fármaco seguro é aquele que
precisa ser administrado numa alta concentração para ter um efeito tóxico.
Ainda é importante ressaltar que a farmacocinética estabelece estreita
relação com a farmacodinâmica, que determina o efeito ou resposta terapêutica, e
é o resultado dos fenômenos que ocorrem após a administração de um
medicamento. Ambos os fenômenos dependem de características do fármaco,
das características do indivíduo e, o mais importante, da interação entre estes
dois fatores: fármaco e indivíduo.
Outros conceitos importantes na farmacocinética:
Depuração - É a medida da eficácia do organismo na eliminação do fármaco. É
um conceito importante a ser levado em consideração quando se planeja um
esquema racional de administração prolongada de um fármaco.
Em níveis mais simples, a depuração é a taxa de eliminação por todas as
vias normalizadas de acordo com a concentração do fármaco em algum líquido
biológico.
A depuração através de vários órgãos de eliminação é aditiva. A eliminação
do fármaco pode ser decorrente dos processos que ocorrem nos rins, no fígado e
em outros órgãos. Em conjunto, tais depurações serão iguais à depuração
sistêmica total. As outras vias de eliminação podem incluir a saliva e o suor, a
distribuição para o intestino e a metabolização em outros locais
Volume de distribuição - É a medida do espaço aparentemente disponível no
organismo para conter o fármaco. Relaciona a concentração de fármaco no
organismo com a concentração no sangue e no plasma, dependendo do líquido
medido. Este volume não se refere necessariamente a um volume fisiológico
identificável, mas apenas ao volume de líquido que seria necessário para conter
todo o fármaco no organismo na mesma concentração em que se encontra no
sangue ou no plasma. O volume de distribuição varia com o grau de ligação às
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proteínas plasmáticas, o coeficiente de partição do fármaco no tecido adiposo, o
grau de ligação em outros tecidos. O volume de distribuição de determinada
substância pode variar de acordo com a idade, sexo, existência de doença e
composição orgânica.
Meia-Vida – É o tempo que leva para a concentração plasmática ou a
concentração da substância no corpo ser reduzida a 50%.
Biodisponibilidade – mede a fração do fármaco que ao ser administrado a um
organismo vivo atinge de forma inalterada a circulação sanguínea. Um conceito
mais abrangente considera ainda a biodisponibilidade como a quantidade do
medicamento que atinge não só a circulação sanguínea, mas também o seu local
de ação (biofase).
As fases farmacocinéticas, esquematizadas na figura 1, são explicadas
com mais detalhes a seguir.
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Figura 1. Fases farmacocinéticas pelas quais as drogas passam ao serem administradas a um
organismo.
1. ABSORÇÃO, BIODISPONIBILIDADE E VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DOS
FÁRMACOS
A absorção é definida como a passagem de uma droga de seu local de
administração para o plasma sanguíneo.
As moléculas dos fármacos se movimentam pelo organismo através da
corrente sanguínea e através do processo de difusão (molécula a molécula por
curtas distâncias).
Nestes fenômenos, são de vital importância a constituição das membranas
celulares, o pH do meio, o pK do medicamento e o transporte transmembrana.
Os medicamentos, em sua maioria, são compostos orgânicos com
propriedades de ácidos fracos ou bases fracas, portanto, em solução aquosa
apresentam-se parcialmente ionizados. A proporção entre a parte ionizada e a
não ionizada de um medicamento será determinada pelo pH do meio onde ele se
encontra dissolvido e da constante de dissociação do medicamento.
Quando o pH de uma solução aquosa de um ácido ou uma base estiver
ajustado de modo que metade de um determinado medicamento exista nesta
solução na forma não ionizada e metade na forma ionizada, este pH representa a
constante de dissociação ou o pK do composto.
A parte não ionizada das moléculas de um medicamento tem característica
menos polar e mais lipossolúvel que a parte ionizada. Como as membranas
celulares são predominantemente lipídicas, a parte não ionizada, isto é,
lipossolúvel, é mais facilmente absorvida.
Conclui-se, portanto que as cargas de elétrons existentes na molécula de
um medicamento têm primordial importância na determinação da velocidade de
sua absorção através das membranas celulares e das barreiras tissulares.
Substâncias químicas sem carga (apolares) não sofrem influência do pH do
meio em que estão dissolvidas, mantendo-se sempre apolares. Essas
substâncias atravessam qualquer membrana biológica.
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Para o grupo dos ácidos orgânicos, o pH do meio é o fator que determina a
velocidade de absorção. Em pH ácido, a concentração hidrogeniônica da solução
é alta e os ácidos orgânicos dissolvidos neste meio estão na sua forma molecular,
sem carga e portanto lipossolúveis. Desse modo são mais bem absorvidos no
estômago.
Medicamentos que contém em sua estrutura um grupamento do tipo amina
terciária, ou seja, uma base fraca, ficam sem carga em meio contendo poucos
prótons, como o fluido encontrado no duodeno. Essa forma é suficientemente
apolar para ser absorvida neste local.
As barreiras celulares precisam ser ultrapassadas para que o fármaco
chegue ao seu local de ação. Essa passagem de moléculas, ou seja, a absorção
propriamente dita, pode ocorrer pelos seguintes processos: difusão simples;
difusão aquosa; difusão mediada por carreador; e endocitose. Tais processos, no
entanto, também são importantes para a distribuição de drogas (segunda fase
farmacocinética), conforme descrito a seguir.
a) Difusão simples: a membrana biológica funciona como uma estrutura inerte e
porosa, que as moléculas transpõem por simples difusão. Neste caso, a
polaridade da molécula assume grande importância. As moléculas do soluto
distribuem-se da região em que estejam mais concentradas para as regiões
menos concentradas. Para que esse processo ocorra é necessário que as
moléculas sejam apolares e apresentem peso molecular compatível com a
camada dupla lipídica a ser atravessada.
b) Difusão aquosa (poros): moléculas pequenas e hidrossolúveis podem se
mover através das membranas celulares por canais aquosos que ficam inseridos
na bicamada lipídica. O diâmetro dos canais é variável. Nos capilares os canais
são grandes (4 a 8 nm), ao passo que no endotélio intestinal e na maioria das
membranas celulares o diâmetro é de apenas 0,4 nm. A permeabilidade às
substâncias químicas através dos canais é importante na excreção renal, na
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remoção de substâncias químicas do líquido cerebroespinal e na passagem de
substâncias químicas através da membrana sinusoidal hepática.
c) Difusão mediada por carreador: além dos transportes mencionados, as
membranas celulares possuem outros mecanismos de transporte de substâncias
que são fundamentais para a passagem de moléculas, como aminoácidos,
neurotransmissores, açúcares, íons de metais e algumas drogas. Em geral,
drogas pouco lipossolúveis podem atravessar a membrana através de
carreadores protéicos, ou seja, proteínas transmembranas que se ligam a uma ou
mais moléculas da droga ou íons, sofrem uma modificação na sua conformação e
os liberam do outro lado da membrana. Esse sistema pode operar de modo
passivo ou ativo.
c1) Passivo ou Difusão facilitada: ocorre sem gasto de energia e é mediado por
um carreador. O substrato se move a favor do gradiente de concentração. A
velocidade de difusão é consideravelmente maior que a da difusão simples. Ex:
entrada de glicose nas células.
c2) Trasporte ativo: a substância é movida através de carreadores contra o
gradiente de concentração, necessitando de energia derivada da hidrólise de ATP
ou de outras ligações ricas em energia. Na maior parte dos casos este processo
exibe alto grau de especificidade estrutural e estereoquímica. Assim, durante o
transporte, se duas substâncias correlatas se oferecerem ao mesmo tempo uma
poderá inibir o transporte da outra.
d) Endocitose: envolve a invaginação de uma parte da membrana celular,
formando uma pequena vesícula contendo componentes extracelulares. Na
seqüência, o conteúdo da vesícula pode ser liberado no interior da célula. Exigem
energia celular e não utilizam transportadores.
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1.1 PRINCIPAIS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS
A escolha da via de administração é determinada principalmente pelas
propriedades do fármaco (como por exemplo, grau de ionização, solubilidade) e
pelos objetivos terapêuticos (início de ação rápido ou lento, ação sistêmica ou
local). As principais vias de administração de drogas são: enteral (oral, retal,
sublingual)
e
parenteral
(subcutânea,
intramuscular,
endovenosa
ou
intravascular). Há outras vias também importantes: intratecal, intranasal,
inalatória, tópica, transdérmica e intraperitonial.
ENTERAL
a) Administração oral: É a via de administração mais utilizada devido
principalmente à adesão do paciente ao tratamento e a fatores econômicos. É
utilizada como uma forma de acesso à circulação sistêmica através do trato
gastrointestinal.
Entretanto, alguns fatores importantes como a motilidade
gastrintestinal, a presença de alimentos, o fluxo sanguíneo esplâncnico, o
tamanho das partículas, a formulação e fatores físico-químicos devem ser
considerados. Além disso, boa parte dos fármacos administrada via oral entra na
circulação porta e passa pelo fígado, onde pode sofrer algum tipo de modificação
(metabolismo de primeira passagem), o que pode comprometer a quantidade de
fármaco biodisponível no local de ação. Outra desvantagem da via em questão é
a
irritação
gástrica
de
algumas
formulações.
Devido
às
necessidades
terapêuticas, as preparações farmacêuticas são formuladas de modo a produzir
as características de absorção desejadas. Assim, as cápsulas podem ser
elaboradas de modo a permanecer intactas por algumas horas, após a ingestão,
para retardar a absorção. Da mesma forma, os comprimidos podem ter um
revestimento resistente com a mesma finalidade.
b) Administração sublingual: É usada quando é necessária uma resposta
rápida, uma vez que a região sublingual é extremamente irrigada e conectada aos
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vasos de bom calibre. Utilizada principalmente se o fármaco for instável ao pH
gástrico ou sofrer metabolização hepática. De modo geral, os fármacos
administrados via sublingual são apresentados na forma de comprimidos
pequenos que se dissolvem rapidamente. Um bom exemplo é a nitroglicerina
(trinitrato de glicerila), um fármaco utilizado no tratamento da angina, é eficaz via
sublingual devido a sua lipossolubilidade e característica não-iônica, assim sua
absorção é rápida.
c) Administração retal: A administração retal é utilizada para fármacos cujo
efeito pode ser local (ex: hemorróidas) ou sistêmico. A absorção por via retal
muitas vezes é irregular e incompleta, mesmo assim essa via pode ser útil em
pacientes incapazes de receber fármaco pela via oral (por exemplo, se a droga
induzir vômito, ou se o paciente já estiver em crise emética ou em coma). Outra
vantagem é que o fármaco não sofre ação das enzimas digestivas e do pH
gástrico, nem efeito de primeira passagem (embora possa sofrer em parte).
PARENTERAL
Essas vias podem ser usadas para administração de fármacos que são
degradados pelo suco gástrico ou que não são absorvidas pelo TGI. Pode ser a
via de escolha para administração de fármacos em pacientes inconscientes ou
quando se deseja um efeito rápido.
a) Administração intravascular ou endovenosa: A administração endovenosa é
a via mais rápida e mais precisa para administração de um fármaco. Possibilita a
administração de grandes volumes em infusão lenta e de substâncias irritantes
devidamente diluídas. É imprópria para substâncias oleosas ou insolúveis.
b) Administração subcutânea: É usada para fármacos cujo objetivo seja uma
absorção lenta e constante. Os medicamentos são absorvidos por difusão,
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atravessando os poros e fenestrações existentes nos capilares e vasos linfáticos.
Pode ocorrer dor e necrose quando utilizadas substâncias irritantes.
c) Administração intramuscular: Fármacos administrados por essa via
geralmente apresentam um efeito mais rápido que a administração oral, mas a
taxa de absorção depende muito do local de injeção e de fatores fisiológicos,
especialmente do fluxo sanguíneo local. As drogas comumente utilizadas podem
ser preparadas na forma de soluções aquosas (absorção rápida) ou preparações
de depósito especiais (absorção lenta). É adequada para volumes moderados.
OUTRAS VIAS
a) Administração tópica: Pode ser utilizada para administrar fármacos sobre as
membranas mucosas como, por exemplo, conjuntiva, orofaringe, nasofaringe,
vagina, cólon e uretra. Além disso, alguns fármacos podem ser aplicados sobre a
pele íntegra, dependendo da preparação (cremes e pomadas). De modo geral, a
absorção é proporcional à área da aplicação, mas os efeitos podem ser locais ou
sistêmicos.
b) Administração transdérmica: Tem-se aumentado o uso de formas de
administração transdérmica, em que o fármaco é incorporado a uma embalagem
presa com fita adesiva a uma área de pele fina. Essas embalagens adesivas
produzem um estado de equilíbrio estável e têm diversas vantagens,
especialmente a facilidade de retirada no caso de efeitos indesejáveis. A
velocidade de absorção pode variar de acordo com as características físicas da
pele e físico-químicas do fármaco. Geralmente, o método é mais recomendado
para certos fármacos relativamente lipossolúveis. Alguns exemplos são:
nitroglicerina (para angina), escopolamina (contra enjôo de viagem), nicotina (para
a cessação do hábito de fumar) e clonidina (contra hipertensão).
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c) Administração inalatória: É a via usada para anestésicos voláteis e gasosos
(efeito sistêmico) ou em medicamentos utilizados para o tratamento de distúrbios
respiratórios (ação mais localizada no trato respiratório). O início da ação é
rápido, pois o fármaco tem contato com toda a mucosa do trato respiratório e
rapidamente é absorvido.
d) Administração intranasal: Essa via pode ser usada tanto para se obter um
efeito local (como, por exemplo, o tratamento da rinite alérgica) quanto para a
obtenção de efeito sistêmico (algumas preparações terapêuticas usadas para
tratamento de enxaqueca).
e) Administração intratecal: Usada quando o objetivo é um efeito rápido e local
de fármacos nas meninges e no eixo cérebro-espinhal. Pode ser utilizada no
tratamento de infecções agudas e no tratamento da leucemia linfocítica aguda.
f) Administração intraperitoneal: Essa via é muito utilizada na experimentação
animal, em laboratórios de pesquisa.
A absorção é rápida devido à grande
superfície de absorção da cavidade abdominal. Há, porém, um grande risco de
infecção e, por isso, não é utilizada para a administração de drogas em seres
humanos.
1.2 FATORES QUE ALTERAM A ABSORÇÃO DE FÁRMACOS
a) Metabolismo hepático de primeira passagem: Um fármaco absorvido pelo
trato gastrintestinal, antes de chegar à circulação sistêmica, passa pelo sistema
porta-hepático. Se o fármaco for metabolizado pelo fígado, a quantidade de
moléculas na circulação sistêmica pode ser alterada, comprometendo a
biodisponibilidade da droga no local de ação.
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b) Solubilidade do fármaco: Fármacos muito hidrofílicos são incapazes de
atravessar a membrana celular e fármacos muito hidrofóbicos são insolúveis nos
líquidos orgânicos (ambiente aquoso). Para que ocorra a absorção de um fármaco
é preciso que ele seja hidrofóbico, entretanto deve ter certa solubilidade em
soluções aquosas.
c) Instabilidade química: Alguns fármacos podem ser destruídos quando
expostos às enzimas digestivas do trato gastrintestinal. Outras drogas podem ser
instáveis em pH ácido, isso compromete a sua administração pela via oral, devido
à acidez do ambiente gástrico.
d) Vias de administração: A escolha da via é fundamental para o efeito
desejado, pois a velocidade e a eficiência de absorção estão diretamente
relacionadas à via de administração.
e) Fluxo sanguíneo no local de absorção: Quanto maior o fluxo sanguíneo no
local de absorção, mais rápido o fármaco chega à circulação sistêmica.
f) Natureza da formulação do fármaco: Alguns fatores como tamanho das
partículas, forma do sal, polimorfismo do cristal e presença de excipientes
(aglutinantes e dispersantes) podem influenciar na facilidade de dissolução e,
conseqüentemente, alterar a velocidade da absorção.
g) Área de superfície de absorção: Quanto maior a área de superfície de
absorção, maior será a velocidade da absorção.
i) Concentração: Quanto mais concentrado o fármaco, maior a velocidade de
absorção.
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2. DISTRIBUIÇÃO
A distribuição
é
o
processo
pelo
qual
um
fármaco
abandona
reversivelmente a corrente circulatória, passando para o interstício e/ou interior
das células. Depende do fluxo sanguíneo, da permeabilidade capilar, das
características químicas (polaridade/hidrofobicidade) do composto e do grau de
ligação do fármaco às proteínas plasmáticas.
Os principais compartimentos de distribuição dos fármacos são: o plasma,
o líquido intersticial, o líquido intracelular, o líquido transcelular e a gordura. O
líquido extracelular compreende o plasma sanguíneo (cerca de 4,5% do peso
corporal), o líquido intersticial (16%) e a linfa (1,2%). O líquido intracelular (3040%) é a soma do conteúdo de líquido de todas as células do corpo. O líquido
transcelular (2,5%) compreende os líquidos cefalorraquidiano, intra-ocular,
peritoneal, pleural e sinovial, bem como as secreções digestivas. O feto também
pode ser considerado como um tipo especial de compartimento transcelular. Para
penetrar
nos
compartimentos
transcelulares
a
partir
do
compartimento
extracelular, um fármaco deve atravessar uma barreira celular, sendo a barreira
hematoencefálica um exemplo particularmente importante no contexto da
farmacocinética. A barreira hematoencefálica consiste numa camada contínua de
células endoteliais unidas por zônulas de oclusão. Conseqüentemente, o cérebro
é inacessível a muitos fármacos de ação sistêmica, incluindo muitos agentes
antineoplásicos e alguns antibióticos. A ocorrência de inflamação, como a
meningite, pode comprometer a integridade da barreira, possibilitando a entrada
de substâncias normalmente impermeantes no cérebro.
As moléculas de fármacos podem ser encontradas na forma livre ou
ligadas em cada compartimento de líquido corporal, porém apenas o fármaco livre
é capaz de mover-se entre os compartimentos e exercer seus efeitos
farmacológicos, ser metabolizada e excretada.
Assim,
o
padrão
de
equilíbrio
da
distribuição
entre
os
vários
compartimentos depende da:
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•
Permeabilidade através das barreiras teciduais;
•
Ligação no interior dos compartimentos;
•
Partição de pH;
•
CPOA (coeficiente de partição óleo-água).
O Volume de distribuição (Vd) é definido como volume de líquido
necessário para conter a quantidade total (Q) do fármaco no corpo, na mesma
concentração presente no plasma (Cp). Assim, Vd = Q/Cp.
Fármacos que são moléculas muito grandes ficam confinados ao
compartimento plasmático, uma vez que não conseguem atravessar com
facilidade a parede capilar. A retenção de um fármaco no plasma após a
administração de uma dose única reflete sua forte ligação às proteínas
plasmáticas e, geralmente, um baixo Vd. Os fármacos insolúveis em lipídios estão
confinados principalmente ao plasma e ao líquido intersticial; a maioria não
penetra no cérebro após a administração aguda. Já os fármacos lipossolúveis
alcançam todos os compartimentos e podem acumular-se no tecido adiposo,
apresentando alto Vd.
Os compartimentos orgânicos nos quais o fármaco se acumula são seus
reservatórios potenciais. Quando um fármaco armazenado está em equilíbrio com
sua concentração plasmática ele é liberado à medida que a concentração
plasmática cai, assim, a concentração plasmática do agente no seu local de ação
é mantida e os seus efeitos farmacológicos são prolongados. Dentre os
reservatórios dos fármacos citam-se as proteínas plasmáticas (albumina,
β-
globulina e glicoproteína), os reservatórios celulares (musculatura e outras
células), o tecido adiposo, os ossos e os componentes transcelulares (líquor,
humor aquoso, líquidos articulares).
Como a ligação dos fármacos às proteínas plasmáticas é um processo não
muito seletivo, muitos agentes com características físicas semelhantes podem
competir uns com os outros e com substâncias endógenas por outros locais de
ligação.
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Os fármacos ácidos se ligam principalmente à albumina, e os fármacos
básicos, com freqüência, à β-globulina e a uma glicoproteína ácida. Uma grande
taxa de ligação às proteínas faz com que o sangue atue como reservatório
circulante do fármaco. À medida que o fármaco livre é eliminado do organismo,
uma quantidade de fármaco é deslocada para os tecidos, onde será distribuído
para substituir o fármaco livre eliminado. A fração do fármaco total no plasma que
está ligada às proteínas plasmáticas é determinada pela concentração do
fármaco, por sua afinidade pelos locais de ligação e pelo número de locais de
ligação. A ligação de um fármaco às proteínas plasmáticas limita-se à
concentração nos tecidos e nos seus locais de ação, porque apenas a forma livre
está em equilíbrio através das membranas. Além disso, a ligação limita a filtração
glomerular porque este processo não modifica de imediato a concentração
plasmática do fármaco livre (a água também é filtrada). Não obstante, a ligação
com as proteínas plasmáticas geralmente não limita a biotransformação ou a
secreção tubular renal, porque tais processos reduzem a concentração de
fármaco livre e isto é seguido rapidamente de dissociação do complexo fármacoproteína.
A distribuição dos fármacos para o sistema nervoso central (SNC) a partir
da corrente sanguínea é especial, principalmente porque sua entrada no líquido
cefalorraquidiano e no espaço extracelular é pequena. No cérebro, a estrutura do
capilar é contínua, não havendo fendas. Portanto, para ultrapassar a barreira
hematoencefálica, os fármacos precisam transpor as células endoteliais dos
capilares do SNC. A taxa de difusão dos fármacos para o SNC é proporcional à
lipossolubilidade da forma não-ionizada do fármaco, podendo, portanto, ser
afetada pelo pH sanguíneo.
A transferência potencial dos fármacos através da placenta é importante
porque eles podem provocar anomalias congênitas. Os fármacos que atravessam
a placenta fazem-no basicamente por difusão simples. Os agentes lipossolúveis
não-ionizados penetram facilmente no sangue fetal a partir da circulação materna.
A penetração é menor no caso dos agentes com dissociação elevada e baixa
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lipossolubilidade. Desse modo, a noção de que a placenta é uma barreira contra
os fármacos é inexata.
A distribuição dos fármacos no leite materno também é importante, não
somente pela quantidade eliminada, mas porque os fármacos excretados são
possíveis causas de efeitos farmacológicos indesejados no lactente. Muitos
fármacos presentes no sangue da lactante são detectáveis em seu leite. A
concentração final dos compostos específicos no leite depende de muitos fatores,
incluindo a quantidade de fármaco no sangue materno, sua lipossolubilidade, seu
grau de ionização e a extensão de sua secreção ativa. Como exemplos dos
efeitos da transferência placentária de drogas, pode-se citar o uso de
anticonvulsivantes, cuja incidência de malformações em recém-nascidos expostos
é de 4 a 6%, comparado com 2 a 4% na população geral. Ainda, o fentanil,
anestésico opióide utilizado por via epidural em cesariana, na dose de 0,10 mg,
apresenta taxa de transferência placentária na ordem de 90%, o que indica
cautela no uso de doses repetidas em analgesia durante o trabalho de parto.
3. BIOTRANSFORMAÇÃO DE FÁRMACOS NO ORGANISMO
A biotransformação (metabolização) enzimática de
fármacos
em
metabólitos mais polares e menos lipossolúveis aumenta sua excreção e reduz
seu volume de distribuição. Tal biotransformação ‘alivia’ a carga de substâncias
químicas estranhas e é essencial à sobrevida do organismo.
Em geral, as reações de biotransformação geram metabólitos mais polares
que são mais facilmente eliminados do organismo. Contudo, em alguns casos,
são produzidos metabólitos com atividade biológica potente ou com propriedades
tóxicas.
Os sistemas enzimáticos participantes da biotransformação dos fármacos
concentram-se principalmente no retículo endoplasmático liso do fígado, embora
todos os tecidos tenham alguma atividade metabólica. Outros órgãos com
capacidade metabólica significativa são: os rins, o epitélio gastrointestinal e os
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pulmões. Maiores detalhes dos mecanismos metabólicos de biotransformação
estão contemplados no capítulo “Toxicologia, Toxinologia e Metabolismo”.
Os fármacos absorvidos pelo intestino estão sujeitos ao metabolismo de
primeira passagem ou pré-sistêmico, anteriormente mencionado. O fígado (ou
algumas vezes a parede intestinal) extrai e metaboliza alguns fármacos com tanta
eficiência que a quantidade do fármaco que chega à circulação sistêmica é
consideravelmente menor do que a quantidade absorvida. Esse processo é
significativo para muitos fármacos clinicamente importantes e é inconveniente na
prática porque é necessária uma dose muito maior do fármaco quando este é
administrado por via oral do que quando é administrado por outras vias e também
porque ocorrem variações individuais acentuadas na extensão do metabolismo de
primeira passagem de determinado fármaco, resultando numa situação
imprevisível quando esses fármacos são administrados por via oral.
O metabolismo dos fármacos envolve dois tipos de reações bioquímicas,
conhecidos como reação de fase I e reações de fase II, que de forma variada
podem ocorrer seqüencialmente:
a) Reações de fase I (catabólicas): ocorrem no retículo endoplasmático e
introduzem ou expõem um grupo funcional (grupo reativo) no composto original,
convertendo-o em um metabólito mais polar. As reações que ocorrem nessa fase
são: reações de oxidação, hidrólise e redução. As reações oxidativas são
catalisadas por um complexo enzimático denominado citocromo P450. Essas
enzimas são freqüentemente denominadas enzimas “microssomais” e para atingir
essas enzimas o fármaco deve atravessar a membrana plasmática do hepatócito.
As moléculas polares fazem isso mais lentamente do que as moléculas não
polares, exceto quando existem mecanismos específicos de transporte, de modo
que o metabolismo hepático é, em geral, menos importante para fármacos polares
do que para os fármacos lipossolúveis, com excreção de maior proporção do
fármaco na forma inalterada na urina. As reações hidrolíticas não envolvem
enzimas microssômicas hepáticas, mas ocorrem no plasma e em muitos tecidos,
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inclusive no citoplasma dos hepatócitos. As reações de redução envolvem
enzimas microssômicas. Os produtos dessa reação são, com freqüência, mais
reativos quimicamente, e, portanto, paradoxalmente, algumas vezes mais tóxicos
ou carcinogênicos do que o fármaco original. A produção de um metabólito ativo
influencia diretamente na posologia da administração. Isso porque, apesar de o
fármaco original já ter sido metabolizado, seu efeito farmacológico permanece
devido ao metabólito. Como estratégica terapêutica, pode-se administrar a
chamada pró-droga, que consiste de uma substância sem atividade que, após o
metabolismo da fase I, adquire atividade terapêutica.
b) Reações de conjugação da fase II (anabólicas): As reações dessa fase
envolvem a conjugação, que normalmente resulta em compostos inativos.
Ocorrem no citoplasma e determinam a formação de uma ligação covalente entre
um grupo funcional do composto original e um composto endógeno, em geral,
muito polar. Entre os compostos endógenos estão: o ácido glicurônico, o sulfato, o
glutation, aminoácidos, o acetato, e outros. Esses conjugados altamente polares
são excretados com rapidez na urina e nas fezes. Entre todas as reações de
conjugação a mais importante é a glicuronidação, catalisada pela enzima UDP–
glucoronil-transferase.
Entre os principais fatores que afetam a biotransformação de fármacos
podemos citar: indução enzimática (como exemplo o etanol que aumenta a
atividade dos sistemas microssomais de oxidação e conjugação, podendo
aumentar a toxicidade de um fármaco), inibição enzimática, polimorfismo
genético, idade, estado nutricional, doenças agudas ou crônicas. Ainda, a inibição
das enzimas responsáveis pela biotransformação pode potencializar o efeito do
fármaco. Um exemplo de biotransformação de drogas pode ser visto na figura 2.
19
Figura 2. Reações de fase I e fase II na biotransformação da Aspirina.
4. EXCREÇÃO DE FÁRMACOS NO ORGANISMO
A excreção dos fármacos é o processo que envolve a saída destes por
meio da urina, do ar exalado, da bile e fezes, do leite materno, do suor e da
saliva. Como já dito anteriormente, os rins são os principais órgãos envolvidos
neste processo, pois são responsáveis pela eliminação dos compostos
lipossolúveis (após os processos de biotransformação previamente descritos) e
dos compostos não voláteis. A excreção de fármacos e metabólitos na urina
envolve três processos:
•
Filtração
Glomerular:
Consiste
na
filtração do plasma, através
das
paredes
capilares
do
glomérulo em cada néfron, até
o túbulo contorneado proximal.
Apenas
são
filtrados
os
compostos de peso molecular
20
baixo a moderado. Outros fatores também são importantes, como o tamanho,
carga e estrutura das moléculas, bem como o débito cardíaco do paciente.
Também importa o fato do composto estar ou não ligado a proteínas plasmáticas,
pois apenas poderão ser filtradas as moléculas livres no plasma.
•
Secreção Tubular Ativa: Acontece no túbulo proximal logo depois da
filtração glomerular. Consiste na adição ao túbulo proximal de vários compostos
polares como ácidos e glicuronatos (ou glicuronídeos), por via da secreção tubular
ativa mediada por um carreador e com gasto energético. Existem também
carreadores específicos para as bases orgânicas, no entanto os sistemas
carreadores são relativamente não-seletivos. Isto confere um caráter de
competitividade dos íons orgânicos de carga semelhante pelo transporte.
•
Reabsorção Tubular Passiva: O último passo na excreção renal dos
fármacos é a reabsorção tubular passiva, que é responsável pelo retorno ao
sangue de vários fármacos bem como de grandes quantidades da água
previamente filtrada. O fator mais importante que determina este retorno à
circulação é a lipossolubilidade das moléculas, o que explica que os fármacos
lipossolúveis devam passar pelos processos de biotransformação antes de serem
excretados. Também é importante a reabsorção tubular passiva dos fármacos
ionizados, sendo de grande importância para eles o pH urinário em comparação
ao pH sanguíneo. Os ácidos fracos são excretados com maior rapidez quando a
urina tubular fica alcalina, principalmente porque se tornam mais ionizadas e a
reabsorção passiva diminui. A alcalinização e acidificação da urina têm efeitos
opostos na excreção das bases fracas.
Outros órgãos de importância nos processos de excreção dos fármacos
são os pulmões e o sistema gastrintestinal. O primeiro é particularmente
importante para substâncias voláteis, usualmente em forma dos seus compostos
originais intactos. Também pode acontecer de alguns metabólitos dos fármacos
(geralmente glicuronídeos) serem secretados para a bile após os processos de
biotransformação hepáticos, chegando ao trato gastrintestinal e sendo excretados
junto com as fezes. Ocasionalmente, no interior do trato gastrintestinal podem
21
acontecer reações de hidrólise que liberem novamente o fármaco ativo para a luz
intestinal para ser novamente reabsorvido para o sangue, conformando a
denominada circulação entero-hepática.
Por último deve-se enfatizar a importância da excreção de fármacos pelo
leite materno, pois eles podem ser transmitidos ao lactante, com possíveis efeitos
tóxicos ou prejudiciais. A excreção das drogas pelo suor e pela saliva tem
importância menor do que as outras formas de eliminação, pois a proporção do
fármaco excretado é mínima.
Deste modo, o ciclo farmacocinético se completa. Ou seja, a droga é
administrada por determinada via, absorvida para chegar na circulação, pela qual
é distribuída a diversos órgãos (inclusive local-alvo), biotransformada e finalmente
eliminada do organismo.
Referências
BRUNTON L.L., LAZO J.S., PARKER K.L. GOODMAN & GILMAN. As bases
farmacológicas da terapêutica. 11ª edição. Editora Mc Graw Hill, Rio de Janeiro,
2006.
FUCHS, F. D. WANNMACHER, L. Farmacologia Clínica: Fundamentos da
Terapêutica Racional. 3ª edição, Editora: Guanabara Koogan, Rio de Janeiro,
RJ, 2004.
KATZUNG, B.G. Farmacologia básica e clínica. 9.ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2006.
RANG, H.P.; DALE, M.M.; TITTER, J. M. Farmacologia. 5 ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2007.
SPINOSA, H.S.; GORNIAK, S.L.; BERNARDI, M.M. Farmacologia aplicada à
Medicina Veterinária. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
CAVALLI, R.C., BARALDI, C.O., CUNHA, S.P. Transferência placentária de
drogas. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006; 28(9): 557-64.
22
FARMACOLOGIA DE PRODUTOS NATURAIS
PRODUTOS COM AÇÃO SOBRE O TRATO GASTROINTESTINAL
Lígia Moura Burci
Luísa Mota da Silva
Por definição, úlceras são lesões da mucosa gastrointestinal que consistem
na perda circunscrita de tecido, penetrando na camada muscular da mucosa.
Quando formadas no estômago são chamadas úlceras estomacais ou gástricas e
quando formadas no duodeno são chamadas de úlceras duodenais. Contudo,
tanto as úlceras gástricas como as úlceras duodenais são comumente chamadas
de úlceras pépticas. A úlcera péptica é uma doença heterogênea, com múltiplos
fatores envolvidos em sua gênese. As hipóteses mais prováveis da causa das
doenças ulcerosas agrupam fatores genéticos, estilo de vida (fatores emocionais,
estresse, dieta alimentar, ingestão de álcool), tabagismo, consumo de
antiinflamatórios não esteroidais (AINEs), infecção por Helicobacter pylori, entre
outros (CARVALHO, 2000).
Nos últimos anos, distúrbios gastrointestinais como úlceras pépticas,
refluxo gastroesofágico, síndrome de Zollinger-Ellison e gastrite têm assumido
decididamente altas proporções nas populações, tornando-se um importante foco
de investigação experimental e clínica. Nesse sentido, o estudo de produtos
naturais que apresentem ação sobre o TGI assume interesse social, terapêutico,
botânico, empresarial e acadêmico na tentativa de obtenção de protótipos para o
desenvolvimento de novos fármacos bem como na validação da segurança,
eficácia e mecanismos de ação de plantas medicinais.
1. Fisiologia Gástrica
23
Anatomicamente o estômago pode ser dividido em fundo, corpo e antro
pilórico, sendo limitado por dois sistemas de esfíncteres: o esfíncter esofagiano,
localizado na parte superior do estômago e o esfíncter pilórico ou piloro, na parte
inferior ou distal do estômago (Fig. 1) (HOGBEN et al, 1974).
Figura 1. Divisão anatômica do estômago humano.
(www.commonswikimedia.org/wiki/File:Estomago.svg)
Funcionalmente, a mucosa gástrica pode ser dividida em duas regiões
glandulares, denominadas de mucosa oxíntica e mucosa antral. A mucosa
oxíntica é mais extensa, ocupando o corpo e o fundo, e é o sítio da secreção de
ácido clorídrico (HCl). É formada por glândulas oxínticas, cujo principal tipo celular
é a célula parietal ou oxíntica, responsável pela secreção de HCl e fator intrínseco
(associado a absorção de vitamina B12). Outras células que se encontram nesta
glândula são células principais produtoras de pepsinogênio (o pró-zimógeno da
pepsina), células D produtoras de somatostatina e células do tipo enterocromafins
(ECL), as quais liberam histamina (para revisão ver JAIN et al 2006). As glândulas
da mucosa antral apresentam os mesmos tipos celulares que as glândulas
oxínticas, exceto pela ausência de células parietais e presença de células G
produtoras de gastrina (LLOYD e DEBAS, 1994). No colo glandular, predominam
as células produtoras de muco, que protegem a mucosa gástrica da ação
corrosiva das secreções originadas pelas glândulas produtoras de ácido (para
revisão ver JAIN et al 2006).
24
A inervação do estômago pode ser extrínseca ou intrínseca. A inervação
extrínseca é mediada por fibras parassimpáticas do nervo vago que terminam no
plexo mioentérico da parede do estômago; e a inervação intrínseca compreende o
sistema nervoso entérico (SNE). O SNE é formado pelo plexo mioentérico ou de
Auerbach, que inerva as camadas musculares e é responsável pela regulação
motora (peristaltismo), e pelo plexo submucoso ou de Meissner, que inerva a
mucosa e regula a absorção e as secreções gastrintestinais (GUYTON & HALL,
2006; LACERDA et al, 2004; CHRISTENSEN et AL, 2005). Embora o sistema
nervoso entérico não dependa de inervação extrínseca para funcionar, a
estimulação dos sistemas parassimpático e simpático pode ativar, ou inibir, ainda
mais as funções gastrointestinais (GUYTON & HALL, 2002).
2. Secreção ácida
O suco ácido gástrico é uma mistura das secreções das células epiteliais e
glândulas gástricas e compreende o HCl, pepsina, fator intrínseco, muco,
bicarbonato, água e sais (BERNE ET AL., 2004). A regulação da secreção ácida
gástrica é um processo complexo mediado por mecanismos:
•
neurais - o neurotransmissor é liberado dos terminais
nervosos - acetilcolina,
•
hormonais ou endócrinos: o neurotransmissor alcança a
célula através do fluxo sanguíneo – gastrina
•
parácrinos :a liberação do transmissor ocorre dentro da
circulação local ou no fluido intersticial - histamina.
Resumidamente, a secreção ácida gástrica pode ser regulada da seguinte
maneira:
1) A acetilcolina, liberada de neurônios pós-ganglionares do nervo vago interage
com receptores muscarínicos M3 das células parietais, estimulando diretamente a
secreção do ácido. Em adição, a acetilcolina também interage com receptores
25
muscarínicos M1 das células parácrinas, mastócitos e ECL promovendo a
liberação de histamina, que por sua vez estimula diretamente a célula parietal.
2) A gastrina, sintetizada e estocada nas células G, tem sua secreção para a
corrente sanguínea estimulada pelos aminoácidos dos alimentos. A gastrina
interage com receptores CCK2 nas células parietais e estimula diretamente a
produção de ácido. Além disso, pode atuar indiretamente por interagir com
receptores CCK2 presentes nas células ECL, resultando na liberação de
histamina.
3) A histamina, originária de neurônios histaminérgicos, mastócitos ou células
ECL, quando liberada estimula diretamente a secreção ácida através da interação
com receptores H2 das células parietais. Por outro lado, a histamina pode inibir
indiretamente a secreção ácida ao interagir com receptores H3 presentes nas
células D secretoras de somatostatina, o principal inibidor da secreção ácida
gástrica (POMMIER et al, 2003, SCHUBERT, 2005).
A H+/K+/ATPase é a enzima responsável pela secreção ácida gástrica. Os
prótons para a formação do ácido são gerados nos canalículos intracelulares pela
ação da anidrase carbônica. O Cl- é transportado ativamente para dentro dos
canalículos que se comunicam com a luz das glândulas gástricas e
consequentemente com a luz do estômago. O K+ acompanha o Cl-, sendo trocado
pelo H+ intracelular, com gasto energético fornecido pela catalisação do ATP. O
bicarbonato formado a partir de CO2 e H2O pela anidrase carbônica dissocia-se
para formar H+ e HCO3-, o qual é trocado por CL- na membrana apical. Nas
células parietais em repouso, a bomba de H+/K+/ATPase é armazenada em
tubulovesículas citoplasmáticas. Quando os receptores das células parietais são
estimulados por seus agonistas, são gerados segundos mensageiros, que através
de cascatas de fosforilação farão com que as tubulovesículas contendo as
enzimas se fundam com a membrana apical, permitindo que a enzima
26
transmembrânica se torne ativa. Na ausência do estímulo as bombas são
recicladas de volta para o compartimento citoplasmático (SCHUBERT, 2005).
3. Úlcera gástrica
A úlcera gástrica é um dos distúrbios mais comuns que afetam o sistema
gastrintestinal. Pode ser definida como uma lesão na mucosa do trato digestivo,
que se estende através da camada muscular da mucosa até a submucosa, ou
ainda mais profundamente (CONTRAN et al., 1996). Nessa lesão profunda tanto
os componentes do tecido epitelial e conectivo, incluindo miofibroblastos
subepiteliais, células do músculo liso, vasos e nervos, podem ser destruídos
(MILANI E CALABRÒ, 2001).
As úlceras provavelmente resultam de diferentes mecanismos patogênicos
e, independente de sua etiologia, são formadas quando ocorre um desequilíbrio
entre fatores agressores da mucosa, sejam eles endógenos (HCl e pepsina) ou
exógenos (etanol, AINEs, fumo), e os fatores protetores da mucosa gástrica
(muco, bicarbonato, prostaglandinas, fluxo sanguíneo, óxido nítrico) (Revisado por
GLAVIN E SZABO, 1992). Teoricamente, este desequilíbrio ocorre em 3
condições: (i) com a redução dos mecanismos de defesa, (ii) com o aumento dos
fatores agressores ou (iii) com a associação de ambos (CHAPADEIRO et al.,
1987).
Os mecanismos de defesa que atuam na porta de entrada dos xenobióticos
no organismo são diversos, e entre eles encontram-se:
•
Os mastócitos e macrófagos residentes na lamina própria que atuam
como células sinalizadoras da presença de substâncias estranhas. Essas células
são capazes de liberar uma grande quantidade de mediadores inflamatórios e
citocinas que podem alterar o fluxo sanguineo da mucosa e aumentar o
recrutamento de granulócitos para a região afetada (HAGABOAM et al, 1993).
•
O epitélio que é especializado de forma a manter sempre as suas
funções como barreira ao ácido gástrico e a outros agressores. A grande
capacidade de proliferação do epitélio lhe confere habilidade de reparação ao
27
dano epitelial e contribui para a resistência da mucosa gástrica às lesões
(WALLACE, 2001).
•
O muco também tem importante papel na prevenção da agressão
mecânica ao epitélio, e fornece um microambiente sobre a área lesionada, que é
rapidamente restituída (WALLACE et al, 2001), atua principalmente como barreira
física.
•
O fluxo sanguineo contribui para a proteção gástrica por fornecer à
mucosa: oxigênio, bicarbonato, substâncias nutritivas e por remover o dióxido de
carbono, íons hidrogênio e difundir agentes tóxicos do lúmen gástrico (SORBYE &
SVANES, 1994).
•
As prostaglandinas apresentam efeito na motilidade, secreção e
citoproteção do trato gastrintestinal. A secreção do muco e bicarbonato, a
vasodilatação e a rápida regeneração epitelial são alguns dos componentes de
defesa da mucosa que são regulados pelas prostaglandinas (WALLACE &
GRANGER, 1996).
•
O óxido nítrico apresenta papel chave na perfusão e regulação
vascular por promover a vasodilatação pela sinalização da célula muscular lisa via
cGMP (SHAH et al, 2004). A produção constitutiva de NO é importante para
manter a barreira protetora da mucosa gastrintestinal, e esse mecanismo protetor
é devido à sua capacidade de aumentar o fluxo sanguíneo da mucosa e
estabilizar a influência dos mastócitos (ALICAN et al, 1996).
O sintoma mais comum da úlcera gástrica é uma sensação de dor tipo
queimação. A dor geralmente ocorre entre as refeições e algumas vezes durante
a noite, podendo durar minutos ou horas e geralmente é aliviada quando o
paciente se alimenta ou faz uso de anti-ácidos. Outros sintomas menos comuns
incluem náusea, vômitos, perda do apetite e peso.
4. Farmacoterapêutica da úlcera péptica
As drogas utilizadas no tratamento das úlceras ou distúrbios ácido-pépticos
promovem a cicatrização da lesão. Podem ser utilizados vários tipos de fármacos
28
isolados, ou em associações. As terapias estão diretamente ligadas à diminuição
da secreção ácida.
Antagonistas de receptores H2 – cimetidina, ranitidina, famotidina,
nizatidina - Os antagonistas H2 agem competindo com a histamina pela ligação
com o receptor H2, o que também contribui para a diminuição da secreção ácida
gástrica. Recentemente, essa classe de fármacos vem sendo substituída pelos
inibidores da bomba de prótons, contudo devido ao seu custo mais acessível
ainda é utilizada.
Inibidores da bomba de prótons (H+ /K+ APTase) – Omeprazol,
lansoprazol, rabeprazol, esomerazol, pantoprazol. Atualmente estes são os
fármacos de primeira escolha. Após a sua absorção se difundem até as células
parietais onde se acumulam nos canalículos secretores de ácido. (BRUNTON, L.,
et al, 2007). Devido ao seu mecanismo de ação diminuem a secreção de HCl pela
mucosa gástrica. Em casos de secreção ácida aumentada a mesma retorna ao
nível normal com a administração desses inibidores irreversíveis da bomba de
prótons (SCHUBERT, 2005), que podem ser associados ou não a antimicrobianos
(depende da presença de H. pylori).
Antiácidos – são fármacos utilizados de forma a aumentar as
defesas da mucosa. São usados para aliviar a pirose e o desconforto abdominal.
Neutralizam o ácido secretado, e são rapidamente absorvidos devido à sua alta
solubilidade em água. Podem ser utilizados de forma isolada (hidróxido de
alumínio, hidróxido de magnésio, magaldrato - hidróxido de alumínio e magnésio),
em forma de misturas de antiácidos ou associados a outros fármacos.
Análogos de Prostaglandinas – Misoprostol, análogo sintético da
PGE1. Atua protegendo a mucosa gástrica através de efeitos que incluem:
estimulação de secreção de muco e bicarbonato e aumento do fluxo sanguíneo
no estômago (BRUNTON, L., et al , 2007). O misoprostol aumenta a produção de
muco no estômago, contudo provoca também um aumento acentuado na
contração de músculos lisos, principalmente no útero, o que culminou com vários
29
abortos provocados pela sua utilização, e por isso a sua retirada de mercado e
restrição de uso.
Outros – Sucralfato, trata-se de um polímero que adere às células
epiteliais e à área lesada formando uma barreira física de proteção, além de
estimular a produção local de prostaglandinas e fator de crescimento epidérmico
(BRUNTON, L., et al, 2007).
Tratamento da infecção por Helicobacter Pylori- os principais
tratamentos indicados para a erradiação da bactéria e para a recuperação da
mucosa gástrica podem ser divididos em:
•
Terapia tripla – com a utilização de um inibidor da bomba de próton,
um antibiótico e um antiprotozoário.
•
Terapia quádrupla – com a utilização de um inibidor da bomba de
prótons, um antiprotozoário, um antibiótico e um antiácido;
•
Terapia quádrupla – com a utilização de um antagonista de receptor
H2, um antiácido, um antiprotozoários, e um antibiótico (BRUNTON,
L., et al, 2007).
AULA PRÁTICA
Determinação da atividade anti-úlcera no modelo de lesões gástricas
induzidas por etanol em ratos
1. Introdução
Alguns estudos recentes têm relatado uma hipergastrenemia causada por
inibidores irreversíveis da bomba de próton e que pacientes H. pylori em
tratamento com esses inibidores apresentam mudanças no padrão da gastrite,
com ativação de neutrófilos no corpo gástrico, contribuindo “in vivo” para a
inflamação causada por essa bactéria. Devido a esses problemas com o uso
crônico de inibidores da bomba é importante o estudo de novas drogas para o
tratamento de desordens ácido-pépticas.
30
A atividade anti-úlcera de uma substância desconhecida pode ser avaliada
em animais de experimentação frente a diferentes modelos de indução de lesão
gástrica, os quais podem envolver medicamentos (ácido acetilsalicílico, AINEs),
estresse ou agentes necrotizantes da mucosa (etanol). Devido ao fato de esses
agentes provocarem a lesão gástrica por diferentes mecanismos para a validação
de uma planta medicinal é necessário o estudo da ação anti-ulcera do extrato nos
diferentes modelos, contudo, por não ser possível o estudo de todos, para a aula
o modelo selecionado foi o modelo animal de úlcera induzida por etanol, o qual se
confirma como um método simples de produção experimental de úlcera aguda
gástrica em ratos.
2. Animais
Ratos: Rattus norvegicus, variedade Wistar, adultos, fêmeas, pesando de
150 a 300g. Os animais são provenientes do Biotério Central da Universidade
Federal do Paraná (UFPR). E antes do procedimento deverão ser mantidos em
uma sala com umidade e temperatura controladas (22 ± 2°C), em um ciclo de
claro-escuro de 12h (7:00-19:00 h). Água será fornecida à vontade aos animais
durante todos os experimentos. Os procedimentos utilizados devem estar de
acordo com as normas do CEEA (Comitê de Ética em Experimentação Animal) da
UFPR.
3. Material e Drogas
Seringas;
Máquina fotográfica;
Cânulas para gavagem;
Programa
Material cirúrgico
computador para a avaliação da
Placas de isopor;
área de lesão gástrica.
Alfinetes;
Água;
Vochysia
Etanol;
100mg/kg
Omeprazol (40 mg/kg);
Extrato
Image
Tool
hidroalcoolico
bifalcata
dose
em
de
de
31
4. Procedimentos
Separar os animais em quatro grupos: Controle Negativo, Controle
Positivo, Grupo Teste, e Grupo Naive. Em cada grupo deve haver 5 animais que
deverão ser mantidos em jejum de alimentos sólidos por 24 horas, com água
disponível ad libitum;
Os animais de cada grupo deverão ser tratados com:
Grupo Controle Negativo: água
Grupo Controle Positivo: omeprazol
Grupo Teste: extrato da planta
Grupo Naive: água
1 hora após o tratamento se fará a indução das lesões gástricas
através da administração de 0,5ml de Etanol P.A. por via oral com o auxílio de
uma sonda de gavagem;
1 hora após a administração do etanol, os animais devem ser
sacrificados, tendo seus estômagos removidos para a inspeção das lesões
gástricas.
Referências
ALICAN, I.; KUBES, P. A critical role for nitric oxide in intestinal barrier
function and dysfunction. The American Journal of Physiology. V. 270, p. 225237, 1996.
BRUNTON, L., et al. Goodman & Gilman’s – Manual of Pharmacology and
Therapeutics. 11.ed. 2007
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PATOLOGIA. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987.
CHRISTENSEN, J.; COELHO, J. C. U.; GONÇALVES, C. G.; GROTH, A. K.
Distúrbios da Motilidade do Intestino Grosso e Síndrome do Intestino
Irritável. In: Aparelho Digestivo Clínica e Cirúrgica. p. 886-901, 2005.
CONTRAN, R.S.; KUMAR, V.; ROBBINS, S.L. Patologia Estrutural e Funcional.
5 ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1996.
32
GLAVIN, G. B.; SZABO, S. Experimental gastric mucosal injury: laboratory
models reveal mechanisms of pathogenesis and new therapeutic strategies.
Faseb. Journal, v. 6, p. 825-831, 1992.
HAGABOAM, C.M.; BISSONNETTE, E.V.; CHIN, B.C.; BEFUS, A.D.; WALLACE,
J.L. Prostaglandins inhibit inflammatory mediator release from rat mast
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JAIN, K.S.; SHAH, A.K. et al. Recent advances in proton pump inhibitors and
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p. 1181-1205, 2007.
LACERDA, A. F.; LIMA, M. J. R.; MIRANDA, M. E. Anatomia, fisiologia e
anomalias congênitas do intestino grosso. In: CASTRO, L. de P.;
Gastroenterologia. v. 2. Ed. Medsi. Rio de Janeiro, 2004.
MILANI, S.; CALABRÒ, A. Role of growth factors and their receptors in gastric
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POMMIER, B.; MARIE CLAIRE, C.; DA NASCIMENTO, S. et al. Further
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SCHUBERT, M.L. Gastric secretion. Current Opinion in Gastroenterology. V.20,
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SORBYE, H.; SVANES, K. The role of blood flow in gastric mucosal defence,
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Wallace, J. L.; Granger, D. N. The cellular and molecular basis of gastric mucosal
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Wallace, J. L. Mechanisms of protection and healing: current knowledge and
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Wikimedia Commons, Disponível em:
www.commonswikimedia.org/wiki/File:Estomago.svg
33
FARMACOLOGIA DE PRODUTOS NATURAIS
SISTEMA CARDIOVASCULAR
Sandra Crestani
Priscila de Souza
Rita de Cássia M.V.A.F. da Silva
Aspectos Fisiológicos da Pressão Sanguínea e Hipertensão Arterial
O sistema cardiovascular consiste no sangue, coração e vasos
sanguíneos. Para que o sangue possa atingir as células corporais e trocar
materiais com elas, ele deve ser constantemente propelido ao longo dos vasos
sanguíneos. A função básica deste sistema é a de levar material nutritivo e
oxigênio às células, além de transportar produtos finais do metabolismo e
hormônios de uma parte do corpo a outra. Assim, o sistema cardiovascular
compõe-se das seguintes estruturas: a) coração; b) vasos arteriais; c)
microcirculação; d) vasos venosos; e) vasos linfáticos.
A oferta e manutenção do fluxo sanguíneo aos tecidos do organismo, que
constituem os objetivos funcionais fundamentais do aparelho cardiovascular,
estão na dependência básica de um determinado volume de sangue e de certo
gradiente de pressão existente no interior do órgão. O sangue é ejetado a cada
batimento cardíaco do ventrículo esquerdo para a aorta, de onde flui rapidamente
para os órgãos através de grandes artérias de condução. Sucessivas
ramificações levam, através de artérias musculares, a arteríolas e capilares, onde
ocorrem trocas gasosas e de nutrientes. Os capilares coalescem para formar
vênulas pós-capilares, vênulas e veias cada vez maiores, levando o sangue,
através da veia cava, ao coração direito. O sangue desoxigenado ejetado do
ventrículo direito percorre a artéria pulmonar, os capilares pulmonares e as veias
pulmonares de volta ao átrio esquerdo. Pequenas artérias musculares e arteríolas
34
são os principais vasos de resistência, enquanto as veias são vasos de
capacitância que contêm uma grande fração do volume sanguíneo total. Em
termos de função cardíaca, portanto, as artérias e as arteríolas regulam a póscarga, enquanto as veias e os vasos pulmonares regulam a pré-carga dos
ventrículos. Ver representação ilustrativa (figura 1).
Figura 1. Esquema simplificado do sistema cardiovascular. O aparelho circulatório é formado por
um sistema fechado de vasos sanguíneos, cujo centro funcional é o coração.
Fonte: http://pasuzana.pbworks.com/
.
35
Diversos são os mecanismos reguladores cardiovasculares, que atuam
isoladamente ou combinadamente, com o propósito final de garantir adequado
volume de sangue circulante e pressões arterial e venosa as mais estáveis
possíveis dentro dos limites fisiológicos, visando a manutenção do fluxo
sangüíneo tissular. Assim, o volume sangüíneo e a pressão circulatória são as
duas variáveis hemodinâmicas que se constituem nos alvos finais da regulação
cardiovascular.
Em seres humanos, a pressão sanguínea varia constantemente, porém,
raramente desvia dos valores referenciais (120 mm Hg para a pressão sistólica e
80 mm Hg para a diastólica) mais do que 10 a 15% durante o dia. Isto é possível
porque o organismo possui mecanismos de controle que conseguem promover
uma resposta adequada frente às ocasiões que a alteram.
Os mecanismos de regulação da pressão arterial podem ser responsivos
em curto, médio e longo prazo. Em curto prazo (resposta em segundos), esse
controle é desempenhado pelos barorreceptores, quimiorreceptores e sistema
nervoso central (SNC). Os rins exercem o controle da pressão arterial em longo
prazo (horas ou dias). E em médio prazo (minutos), a regulação ou modulação
ocorrem principalmente por ação dos sistemas hormonais (sistema reninaangiotensina, sistema calicreína-cinina, vasopressina e mediadores endoteliais).
Ver esquema representativo (figura 2).
36
Figura 2. Os principais sistemas de regulação da pressão arterial incluem a divisão simpática do
sistema nervoso, o sistema renina-angiotensina-aldosterona e autacóides derivados do endotélio
tonicamente ativos. Fonte: Sociedade Brasileira de Hipertensão, 2010
Alterações em um ou ambos os mecanismos de controle da pressão
arterial (neural e/ou humoral), poderão resultar em elevação dos níveis
pressóricos, instalando-se assim um quadro de hipertensão arterial. Para adultos,
quando ultrapassa a máxima de 130 mm Hg e a mínima de 85 mm Hg.
A hipertensão arterial é uma doença altamente prevalente em nosso meio,
atingindo cerca de 20% da população adulta com mais de 18 anos, chegando a
alcançar índices de 50% nos idosos, estando entre as principais causas de
morbidade
e
mortalidade
em
muitos
países
do
mundo.
Associa-se
frequentemente a alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração,
encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alterações metabólicas, com consequente
aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não-fatais.
37
É importante salientar que existem causas orgânicas para a hipertensão
arterial, que são responsáveis por 10 a 15% na população em geral. Em
indivíduos jovens ou crianças, esse número sobe para mais de 80%.
As causas orgânicas, e potencialmente curáveis, de hipertensão arterial
são: causas renais, particularmente uma obstrução da artéria renal, provocando
baixa perfusão renal, estímulo da renina, etc. A obstrução pode ser derivada de
um hipodesenvolvimento ou adquirida por uma trombose ou arteriosclerose; os
indivíduos podem ser curados por cirurgia, sendo a artéria substituída por uma
prótese.
O feocromocitoma, um tumor de células cromafins secretoras de
catecolaminas que existem no córtex das supra-renais, provoca crescimento
desordenado dessas células e grande secreção de catecolaminas na circulação,
fazendo com que haja aumento da pressão arterial e vermelhidão em vários
momentos do dia; são picos de hipertensão, com vermelhidão e sensação de
angústia. Não é o que acontece em um indivíduo hipertenso, que apresenta os
sintomas continuamente.
Os outros 85% dos casos de hipertensão arterial são idiopáticos, ou seja,
não se sabe a causa, mas apenas os fatores de risco.
Pressão arterial persistentemente elevada leva à hipertrofia do ventrículo
esquerdo e remodelação das artérias de resistência, com estreitamento da luz. A
resistência vascular periférica elevada põe em ação várias respostas fisiológicas
envolvendo o sistema cardiovascular, o sistema nervoso e o rim. Tais círculos
viciosos constituem potenciais alvos para ataque farmacológico.
A remodelação das artérias de resistência em resposta à elevação da
pressão reduz a proporção entre o diâmetro da luz e a espessura da parede e
aumenta a resistência vascular periférica. O papel dos fatores de crescimento
celulares (inclusive a angiotensina II) e inibidores do crescimento (p.ex., óxido
nítrico) na evolução destas alterações estruturais é de grande importância para o
uso terapêutico de fármacos como os inibidores da enzima conversora de
angiotensina.
38
O tratamento envolve medidas não-farmacológicas, como redução da
ingestão de sal e gorduras da dieta, redução do peso e do consumo do álcool,
prática de exercícios, seguidas pela introdução gradual de fármacos, iniciando
com aqueles que tenham benefício comprovado e que tenham a menor
probabilidade de produzir efeitos colaterais.
Anti-hipertensivos
Figura 3. Diagrama mostrando os principais mecanismos envolvidos na regulação da pressão
arterial. Fonte: Adaptado de RANG & DALE, 2007
Dentre os anti-hipertensivos que são utilizados na clínica para o tratamento
da hipertensão e suas complicações, destacam-se os diuréticos, os betabloqueadores, os bloqueadores de canais de cálcio, os inibidores da enzima
conversora de angiotensina, os bloqueadores de receptor da angiotensina II, os
antagonistas da aldosterona e os inibidores de renina. Ver ilustração (figura 3).
Do ponto de vista fisiopatológico, a hipertensão é uma doença que envolve
mudanças persistentes em pelo menos uma das variáveis hemodinâmicas (débito
cardíaco, rigidez arterial, ou resistência periférica) que determinam a mensuração
da pressão arterial. Cada uma dessas variáveis tem um potencial alvo
terapêutico, e é provável que alterações nestas variáveis também contribuam
39
para a heterogeneidade da resposta farmacológica dos pacientes com
hipertensão. Além disso, o tratamento atual adota estratégias que visam não só
focar na redução da pressão arterial, mas também em normalizar a estrutura e
função vascular.
A redução da pressão arterial tem sido associada com uma redução em
cerca de 40% do risco de ataques súbitos e em cerca de 20% de redução do risco
de infarto do miocárdio. Além disso, as diretrizes de práticas clínicas atuais
identificam a redução da pressão arterial como prioridade no tratamento de
pessoas com hipertensão. Porém, uma das maiores dificuldades encontradas nas
terapias farmacológicas refere-se ao fato de que alguns pacientes mostram-se
refratários aos tratamentos convencionais, além de outros apresentarem grande
número de efeitos adversos, tornando cada vez mais necessário o avanço das
pesquisas em foco de novas alternativas terapêuticas, assim, uma opção
tradicionalmente bem aceita provém dos produtos naturais, especialmente
aqueles habitualmente utilizados devido ao grande apelo popular. Estes produtos
podem representar, potencialmente, uma fonte alternativa no fornecimento de
novas estruturas químicas, assim como um recurso ativo na forma de fitoterápico
padronizado e eficaz.
Como exemplos relevantes de medicamentos obtidos de plantas, podemos
mencionar a digoxina (Digitalis sp.), o quinino (casca da Chinchona sp), a
pilocarpina (Pilocarpus jaborandi), a vincristina e a vinblastina (Catharanthus
roseus), dentre outros. É muito restrito o número de produtos naturais com
atividade comprovada sobre o sistema cardiovascular. Um dos poucos exemplos
são o pó e o extrato das raízes da Rauwolfia serpentina Benth. ex Kurz usados
principalmente em países asiáticos por sua ação hipotensora, devido a presença
do alcalóide reserpina, um simpaticolítico, outrora comercializado, e muito usado
como anti-hipertensivo. Atualmente encontra-se em desuso devido a elevada
prevalência de efeitos colaterais, sendo mais utilizado como ferramenta
experimental.
40
No departamento de Farmacologia da UFPR, o grupo de pesquisa
“Farmacologia e Toxicologia Pré-Clínica de Produtos Naturais”, desenvolve
trabalhos com o objetivo de estudar plantas medicinais utilizadas popularmente
com base em informações etnofarmacológicas e etnobotânicas, buscando
contribuir com a verificação da sua eficácia, em conjunto com a determinação da
toxicidade e do estudo dos mecanismos de ação destes produtos.
AULA PRÁTICA
Modelos experimentais em farmacologia cardiovascular: Efeito do
composto XY (produto natural) sobre a pressão arterial de ratos
anestesiados
Material: pinças, tesouras, sistema de registro de pressão arterial, cateteres,
cânulas, seringas, agulhas, pipetas de precisão e bomba de infusão.
Sais e drogas: heparina, solução salina isotônica, acetilcolina, composto XY, Nω-Nitro-L-Arginina Metil Ester (L-NAME).
Animais: 02 ratos Wistar, machos, peso entre 250-300 gramas.
Procedimento para o registro direto da pressão arterial em ratos
anestesiados.
Os animais deverão ser anestesiados e permanecer sob anestesia
profunda durante todo o período de experimentação. Para isso, será utilizada a
mistura de cetamina (100 mg/kg) e xilazina (20 mg/kg), administrada pela via
intramuscular e suplementada a intervalos de 45–60 minutos, se necessário pela
via intramuscular, intraperitoneal ou intravenosa. Uma vez anestesiados os
animais devem ser fixados em decúbito dorsal. Em todos os protocolos, a veia
femoral esquerda será localizada e dissecada para inserção de uma agulha
41
conectada a um cateter de polietileno (PE20). Imediatamente após a canulação
da veia femoral, 0,1 mL de heparina sódica diluída em 100 mL de solução salina
isotônica, será injetada pela via intravenosa (300 uL) para prevenir a formação de
coágulos e a obstrução das cânulas. A canulação da veia femoral também se
destina à administração das drogas a serem empregadas neste estudo. Todos os
animais serão submetidos à traqueostomia e mantidos sob respiração
espontânea. A artéria carótida esquerda de cada animal será localizada e
cuidadosamente isolada do nervo vago e tecidos adjacentes. Com auxílio de linha
de sutura, o fluxo sangüíneo da artéria carótida será interrompido na altura de sua
extremidade distal, enquanto o fluxo em sua extremidade proximal será
temporariamente suprimido pela compressão com uma pinça curva. Utilizando-se
uma tesoura oftalmológica, um pequeno corte será realizado na região medial da
porção da artéria carótida clampeada, servindo como via para inserção de um
catéter de polietileno (PE 20), devidamente heparinizado, que será firmemente
conectado à artéria e conectado ao transdutor de pressão interligado ao polígrafo
computadorizado da ADI instruments para a mensuração continua da pressão
arterial.
Após a preparação dos animais, conforme descrito anteriormente, e a
primeira parte do protocolo experimental finalizada (item a), a veia femoral contralateral àquela utilizada para a administração em bolus será igualmente canulada e
conectada a uma bomba de infusão contínua. Os animais receberão infusão
contínua com L-NAME; 7 mg/kg/min (correspondente a 10 µl/min) até elevação e
estabilização da pressão (item b). Após esse período serão administradas, as
substâncias em teste (item c).
Os registros serão obtidos por meio de transdutores de pressão acoplados
a um amplificador de sinais (Modelo ML 130, MacLab ADI19 Instruments, EUA)
conectados a um computador Macintosh contendo um software específico de
integração (Chart v4.0, PowerLab/MacLab, ADI Instruments,EUA).
42
Observação: Após a canulação, os animais devem ter a pressão arterial
registrada por pelo menos 15 minutos antes da administração de qualquer
substância. Ao final dos experimentos, todos os animais serão sacrificados
através de uma overdose de tiopental (superior a 40 mg/Kg, i.v.).
Animal 1:
a. Administrar acetilcolina (10 nmol/kg, i.v.)
b. Administrar L-NAME (infusão 7 mg/kg/min, i.v.)
c. Administrar acetilcolina (10 nmol/kg, i.v.)
Animal 2:
a. Administrar composto XY (30 mg/kg, i.v.)
b. Administrar L-NAME (infusão 7 mg/kg/min, i.v.)
c. Administrar composto XY (30 mg/kg, i.v.)
Bibliografia:
BRUNTON L. L., LAZO J.S., PARKER K.L. Goodman & Gilman. As bases
farmacológicas da terapêutica. 11ª edição. Editora Mc Graw Hill, Rio de Janeiro,
2006.
GUYTON, A.C., HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. Elsevier, 11ª edição.
2006.
RANG, H.P.; DALE, M.M.; TITTER, J. M. Farmacologia. 5 ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2007.
VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão - Sociedade Brasileira de Hipertensão,
2010.
43
SISTEMA NERVOSO CENTRAL
DOENÇA DE PARKINSON
Janaína Barbiero
Ronise Martins Santiago
A doença de Parkinson (DP) é o segundo distúrbio neurodegenerativo mais
comum depois da doença de Alzheimer com elevada prevalência nas últimas
décadas de vida. Em 1817, o médico inglês James Parkinson descreveu a DP em
um ensaio que ele denominou de “Ensaio da paralisia agitante” que mais tarde
recebeu seu nome. O início da doença manifesta-se em média aos 55 anos de
idade e a sua incidência aumenta marcadamente com o envelhecimento e ainda,
é aproximadamente 1.5 vezes maior no homem que nas mulheres em todas as
idades. Há quatro classificações de parkinsonismo: 1) parkinsonismo primário (DP
idiopática), que é a forma mais comum de parkinsonismo; 2) parkinsonismo
secundário, causado por drogas indutoras de parkinsonismo, como por exemplo,
antagonistas dopaminérgicos, e pós-encefalite; 3) parkinsonismo associado a
outros distúrbios neurológicos como, por exemplo, paralisia supraventricular
progressiva e atrofia de múltiplos sistemas; 4) distúrbios neurodegenerativos que
apresentam o parkinsonismo como uma de suas características, por exemplo,
doença de Huntington e doença de Wilson. A causa da DP idiopática ainda é
desconhecida, mas sabe-se que diversos fatores estão envolvidos, tais como o
estresse oxidativo, erros no enovelamento de proteínas como a parkina, ubiquitina
e a-sinucleína, neuroinflamação, envelhecimento, fatores genéticos, dentre
outros.
1. Sinais e Sintomas da Doença de Parkinson
44
São observados na DP sinais característicos conhecidos como “sinais
cardinais” da doença. Estes sinais resumem-se principalmente em tremores em
repouso, instabilidade postural, bradicinesia e rigidez, todos confluindo para uma
severa alteração na marcha do paciente. O tremor parkinsoniano é o sintoma
inicial em cerca de 60-70% dos pacientes, sendo a característica mais evidente
da DP, embora não seja necessariamente a mais incapacitante, uma vez que
pode ser suprimido pela execução de movimentos voluntários e reduzido com o
uso de anticolinérgicos. Pacientes com DP também apresentam dificuldades na
programação e execução de movimentos, e em estágio mais avançado exibem
dificuldade em iniciar movimentos. Da mesma forma, o desempenho desses
pacientes em tarefas que requerem a realização de movimentos seqüenciais e
simultâneos é prejudicado.
A rigidez muscular pode ser definida como um aumento da resistência da
articulação durante um movimento passivo e frequentemente é relatada pelos
pacientes como “sensação de dureza” e capacidade reduzida de relaxar os
músculos dos membros. A instabilidade postural é um sintoma comum da DP e
compromete a capacidade do paciente de manter o equilíbrio durante as tarefas
diárias, tais como levantar, andar e curvar-se, aumentando o risco de quedas do
paciente (MORRIS, 2000).
Além dos prejuízos motores, pacientes com DP apresentam outros
sintomas como ansiedade, depressão, distúrbios do sono, fadiga, constipação,
distúrbio olfatório e declínio cognitivo (FAHN e SULZER, 2004; YANAGISAWA,
2006; ZIEMSSEN e REICHMANN, 2007). É importante salientar que atualmente a
literatura mostra que grande parte desses sinais e sintomas não-motores
possuem um peso quase igual aos sinais e sintomas motores no que diz respeito
à qualidade de vida do paciente. Diante disso, inúmeros estudos têm voltado suas
atenções no intuito de entender as relações entre os aspectos motores e nãomotores assim como os sistemas de neurotransmissão responsáveis pela
regulação dessas funções, então comprometidas pela doença.
45
2. Fisiopatologia da Doença de Parkinson
A DP consiste em uma degeneração
progressiva
de
neurônios
dopaminérgicos que apresentam seus corpos celulares na substância negra pars
compacta (SNpc) e projetam seus axônios em direção ao estriado dorsal.
Acredita-se que a redução nos níveis de dopamina estriatais seja a principal
responsável pelas alterações motoras oriundas da neurodegeneração da SNpc.
Embora essa teoria explique a ocorrência das alterações motoras, ela vem
sendo questionada por inúmeros pesquisadores que tem demonstrado que há
morte de neurônios em outras regiões não-dopaminérgicas que antecedem os
acontecimentos nigrais. Em resumo, neurônios noradrenérgicos do lócus
coeruleus, colinérgicos do tronco encefálico, serotoninérgicos dos núcleos da rafe,
glutamatérgicos do córtex entorrinal e da formação hipocampal, morrem antes dos
neurônios dopaminérgicos da SNpc. A partir dessas descobertas recentes têm-se
postulado a ocorrência de diferentes estágios (seis no total) para a DP, sendo que
durante os três primeiros observam-se apenas alterações não-motoras, e apenas
nos três últimos estágios (a neurodegeneração da SNpc apenas no quarto
estágio) detectam-se os sinais e sintomas motores clássicos (BRAAK ET AL.,
2003).
3. Modelos Animais da Doença de Parkinson
Existem diversos modelos animais para o estudo da DP, dentre eles estão
o modelo da 6-OHDA, MPTP, rotenona, paraquat, LPS e reserpina. Além desses
modelos farmacológicos, há também modelos que utilizam animais transgênicos,
como por exemplo, animais nocaute para o transportador de dopamina. Tais
modelos são bastante importantes para o desenvolvimento de novos agentes
antiparkinsonianos, mas também como ferramenta na elucidação da patogênese
da DP.
AULA PRÁTICA
CIRURGIA ESTEREOTÁXICA: infusão de toxinas na SNpc de ratos
46
A
cirurgia
estereotáxica
é
um
procedimento
eficaz
para
atingir,
precisamente, áreas individualizadas do encéfalo com menor lesão possível de
estruturas adjacentes. Esta manobra também é utilizada para a introdução de
cânulas guia para que posteriormente, ocorra a aplicação rápida e/ou
repetidamente de microquantidades de drogas diretamente na estrutura desejada.
O aparelho estereotáxico é composto basicamente por barras ajustáveis as
quais irão formar um conjunto que irá fixar a cabeça do rato. A barra esquerda ou
direita inicialmente é mantida fixa, sendo posicionada no conduto auditivo externo
com cautela. Em seguida, a barra que ficou móvel é posicionada na mesma
região da orelha direita/esquerda, fixando completamente a cabeça do animal.
Para a fixação da barra dos incisivos, é necessário abrir a boca do animal,
inserindo a barra e fixando o focinho. A assepsia pode ser feita após a cabeça
estar devidamente presa.
O aparelho estereotáxico possui também uma torre capaz de locomover-se
sobre um sistema de coordenadas tridimensionais e alcançar qualquer ponto do
encéfalo, alvo da cirurgia, com a precisão de décimos de milímetros. Nesta torre é
acoplada a cânula que será introduzida.
Animais: ratos Wistar machos, peso entre 280 - 320 g
Material: luvas cirúrgicas; seringas; agulhas; papel-toalha; pinça anatômica; pinça
hemostática; tesoura cirúrgica; agulha e linha de sutura; bisturi; cotonetes;
equipamento com broca de baixa rotação; bomba de infusão; microsseringa
(Hamilton); tubo de polietileno + agulha 30 gauge (agulha gengival); aparelho
estereotáxico (Kopf).
Drogas e Soluções: solução salina estéril; água destilada; equitesin (45,7 ml
água destilada; 4,25g hidrato de cloral; 2,13g de sulfato de magnésio; 11,5 ml de
47
álcool; 0,972 g tiopental e 42,8 ml propilenoglicol); toxina: MPTP (Sigma)
dissolvido em solução salina na concentração de 100 mg/ml.
Procedimento
Os animais, antes da cirurgia, deverão ser mantidos em uma sala com
umidade e temperatura controladas (22 ± 2°C), em um ciclo de claro-escuro de
12h (7:00-19:00 h). Água e comida são fornecidas à vontade aos animais durante
todos os experimentos. Os procedimentos utilizados devem estar de acordo com
as normas do CEEA (Comitê de Ética em Experimentação Animal) da UFPR.
Todos os cuidados são tomados no intuito de minimizar o número de animais
utilizados ao longo dos experimentos sem, no entanto, comprometer a análise
estatística dos resultados. Além disso, esforços máximos são tomados no intuito
de
reduzir
eventuais
desconfortos
causados
aos
animais
durante
os
experimentos. Tais preocupações se adequam às modernas práticas bioéticas de
experimentação animal que visam o bem-estar animal levando em conta três
metas principais: redução, remanejamento e refinamento.
Previamente à cirurgia, os animais são anestesiados. Os animais do grupo
que recebem a toxina e grupo sham são colocados em um aparelho estereotáxico
(David Kopf, modelo 957L). A desinfecção do local da incisão pode ser feita com
solução de álcool iodado. Em seguida aplica-se anestésico local (lidocaína 0,2 mL
com 2% de vasoconstritor) via s.c. na derme que recobre o crânio dos ratos. Com
auxílio de um bisturi, os músculos do crânio são afastados para a exposição dos
ossos da caixa craniana. As coordenadas são determinadas a partir do bregma: 5,0 mm do bregma; latero-lateral (LL) ± 2,1 mm da linha média; dorsoventral (DV),
- 8,0 mm do crânio (Paxinos e Watson, 2005), e em seguida são feitas
perfurações no crânio dos animais com uma broca de baixa rotação, permitindo a
microinfusão bilateral da toxina (MPTP), na dose de 0,33 µL/min por 3 minutos
(totalizando 1µL), diretamente na SN. A microinfusão das toxinas é realizada com
o auxílio de uma agulha (30 gauge) conectada a um tubo de polietileno adaptado
48
a uma micro-seringa de 10 ml (Hamilton, EUA) que, por sua vez, é encaixada na
bomba de infusão (Insight, EUA). Seguida à infusão das toxinas (3 minutos), a
agulha deve permanecer no local por mais 2 minutos para evitar o refluxo da
substância. A seguir, o escalpo é suturado e os animais são retirados do
estereotáxico e colocados em caixas individuais com ambiente aquecido para
recuperação da anestesia e posteriormente são encaminhados à sala de
manutenção dos animais.
Outro grupo, denominado de grupo sham, é submetido ao mesmo
procedimento cirúrgico, entretanto, não recebe a infusão de nenhuma toxina,
sendo infundida somente salina nas mesmas coordenadas estereotáxicas.
Referências
BRAAK H, DEL TREDICI K, RUB U, DE VOS R A, JANSEN STEUR E N and
BRAAK E. Staging of brain pathology related to sporadic Parkinson´s
disease. Neurobiol Aging 24: 197-211.
DAUER, W.; PRZEDBORSKI, S. Parkinson’s disease: Mechanisms and
models. Neuron 39: 889-909, 2003.
DUNNET, S.B.; BJÖRKLUND, A. Prospects for new restorative and
neuroprotective treatments in Parkinson’s disease. Nature 399:A32-A39, 1999.
EMERIT, J.; EDEAS, M.; BRICAIRE, F. Neurodegenerative diseases and
oxidative stress. Biomedicine & Pharmacotherapy 58(1): 39-46, 2004.
FAHN, S.; SULZER, D. Neurodegeneration and neuroprotection in Parkinson
disease. NeuroRX: The journal of the American Socity for Experimental
NeuroTherapeutics 1: 139-154, 2004
PRZEDBORSKI, S. Pathogenesis of nigral cell death in Parkinson’s disease.
Parkinsonism and Related Disorders 11: S3-S7, 2005.
49
APRENDIZAGEM E MEMÓRIA
Léa Chioca
Lucélia Mendes dos Santos
Patrícia Andréia Dombrowski
O que é Memória?
Por que você se lembra de um determinado episódio que ocorreu na sua
infância? Você é capaz de citar cinco nomes de estados do Brasil? Imagine a
seguinte situação: você deveria ter preparado um seminário para apresentar
numa aula de Fisiologia. O professor iria sortear o nome de um dos alunos para
apresentar e você, acreditando que a chance de ser chamado era mínima, não se
preparou, sequer estudou. No entanto, você foi o sorteado. Qual seria a sua
reação? Por outro lado, se você tivesse estudado, sua reação seria outra? Por
quê?
Nossa reação frente a determinadas situações depende daquilo que
aprendemos no decorrer da vida. Adquirir informações codificá-las, conservá-las e
poder evocá-las são processos que fazem parte do que chamamos de memória.
Por isso, os mecanismos mais importantes através dos quais o ambiente altera o
comportamento são a aprendizagem e a memória.
Tipos de memória
Se alguém lhe pedir para fazer uma ligação telefônica, você consegue
discar o número logo após de tê-lo lido num papel. Algum tempo depois, você
poderá não se lembrar mais do número. Isso é normal porque existe a memória
de trabalho, pois ela dura o tempo suficiente para o seu cérebro “trabalhar” a
informação (o número discado). Dificilmente essa memória de trabalho dura mais
que dois minutos ou arquiva mais que sete dígitos. O cérebro forma também
memórias de curta duração de maior capacidade e que podem durar de horas a
um par de dias. Sua função é nos dar acesso a essa infomação até que uma
memória de longa duração possa ser consolidada. Esse processo de
50
consolidação pode durar de dias a meses e essas memórias de longa duração
podem durar para o resto da vida. Os mecanismos que envolvem a formação de
ambos os tipos de memória são diferentes, mas podem envolver as mesmas
estruturas cerebrais.
Quando você citou cinco estados do Brasil, foi preciso que você
recordasse algo que aprendeu. E você poderia se lembrar do momento em que
aprendeu isso? Onde você estava? Em que época foi? Lembrar-se de algum
conhecimento geral (semântico) ou de algum episódio implica um tipo de memória
a qual chamamos de declarativa (ou explícita). A memória declarativa é aquela
que podemos declarar que sabemos e ela pode ser classificada como semântica,
como no primeiro exemplo, ou episódica, como a lembrança do momento em que
se deu o aprendizado. É o saber que algo é assim ou aconteceu assim. Ao
conhecimento de saber como fazer alguma coisa chamamos de memória nãodeclarativa (ou implícita). Via de regra, precisamos executar um procedimento
para mostrar que o sabemos, por isso esse tipo de memória é também chamada
de memória de procedimentos. Existem várias categorias de memórias nãodeclarativas, dentre elas as habilidades e os hábitos, como exemplo dirigir um
automóvel,dançar, andar de bicicleta, falar inglês).
Consolidação da Memória
A consolidação de uma memória envolve vários processos neuroquímicos
em determinadas estruturas encefálicas. Durante esses processos, pode haver a
interferência de agentes (drogas) ou um traumatismo craniano, qualquer dano que
atinja uma estrutura envolvida na consolidação, de forma a prejudicar a
consolidação da memória. A memória vai se formando à medida que se excitam
neurônios que são despolarizados ao mesmo tempo. Nessas circunstâncias, a
facilidade com que um desses neurônios pode despolarizar os outros aumenta.
Os mecanismos conhecidos que podem produzir este tipo de plasticidade
sináptica são chamados de potenciação de longa duração, ou LTP, do inglês, long
term potentiation. Na maioria dos casos de LTP estudados, os neureceptores para
51
o neurotransmissor glutamato estão envolvidos. Com a repetida estimulação, a
membrana dos neurônios permanece despolarizada. Em resposta a essa
despolarização, entra sódio na célula via receptor AMPA. O receptor
glutamatérgico do tipo NMDA abre-se (é desbloqueado pela remoção do íon
magnésio) e permite a entrada dos íons cálcio. A partir daí, uma série de eventos
ocorre, levando à fosforilação e produção de proteínas nessas sinapses. Essas
proteínas irão alterar as propriedades das membranas pré- e pós-sinápticas
causando, assim, a potenciação da neurotransmissão glutamatérgica. Por esse
fenômeno, muitas vezes, há um aumento no número de sinapses quando
aprendemos algo. Em outras palavras, a LTP é uma forma de modificação
sináptica persistente e dependente de atividade, que pode ser induzida por
estimulação breve e de alta freqüência dos neurônios. Em determinadas
circunstâncias, pode ocorrer uma diminuição da eficácia sináptica. Esse é um
processo chamado de depressão de longa duração, ou LTD, do inglês long term
depretion.
Estruturas envolvidas na formação e armazenamento da memória
Conforme o tipo de memória, alguma(s) estrutura(s) está(ão) envolvida(s).
Assim, com a memória de trabalho, o córtex pré-frontal estará envolvido. As
memórias declarativas são formadas em áreas do lobo temporal tais como o
hipocampo e o córtex entorrinal. Já nas não-declarativas o estriado e o cerebelo
estão envolvidos. Como os neurônios comunicam-se entre as várias áreas
cerebrais, há a influência de estruturas que acabam modulando a formação e o
armazenamento de um ou outro tipo de memória. Os estados de ânimo, as
emoções o nível de alerta, a ansiedade e o estresse são fatores que afetam as
memórias.
Qualquer falha que ocorra na transmissão de informações irá afetar a
formação da memória. Há casos de doenças neurodegenerativas, como a doença
de Alzheimer, a DP e outras patologias, bem como lesões, que podem levar a
prejuízos cognitivos.
52
AULA PRÁTICA
Esquiva Ativa de Duas Vias
Princípio
A esquiva ativa de duas vias consiste em um aparato com grade
eletrificada e uma divisão entre dois lados da caixa. Nesta tarefa, o animal deve
associar um estímulo sonoro ou luminoso (estímulo condicionado) com um
choque (estímulo incondicionado). Ao ouvir o som o animal pode escapar do
choque ao atravessar para o outro compartimento, sendo este comportamento
denominado de esquiva. O comportamento de fuga é a passagem para o outro
compartimento enquanto o animal recebe o choque nas patas. A não resposta
caracteriza-se pelo animal permanecer no mesmo compartimento enquanto
recebe o choque.
Esquema do treinamento
Cada sessão de treinamento consiste em 10 minutos de habituação
seguidos de 50 pistas sonoras (1,5 KHz, 60db, duração máxima de 10 segundos)
pareadas com um choque nas patas 5 segundos após o início do estímulo sonoro
(0,5 mA, duração máxima de 5 segundos). Caso o animal atravesse para o
compartimento em menos de 5 segundos, ele evita o choque e o som cessa, caso
atravesse entre 5 e 10 segundos após o início do som, o choque cessa.
Verificação do aprendizado
Um rato Wistar será previamente treinado um dia antes da aula prática e
durante a mesma. Ou rato será treinado apenas durante a aula prática. Os
resultados de ambos serão comparados e discutidos com base na linha de
pesquisa do laboratório.
53
Referências
IZQUIERDO, I. Memória. Artmed. Porto Alegre, 2002.
SQUIRE, L.R. & KANDEL, E.R. Memória: da mente às moléculas. Artmed.
Porto Alegre, 2003.
WHITE, N.M. Some highlights of research on the effects of caudate nucleus
lesions over the past 200 years. Behavioural Brain Research, 199: 3-23, 2009.
54
TRANSTORNOS DE HUMOR E DE ANSIEDADE
Léa Chioca
Marcela Pereira
Bruno Jacson Martynhak
Rodrigo Batista de Almeida
Ansiedade e depressão são transtornos mentais diagnosticados pelo DSMIV em categorias distintas. A comorbidade entre ambas as condições é elevada e
existem similaridades com relação ao tratamento. Dessa forma, pode-se pensar
que uma alteração neurobiológica poderia provocar, em diferentes circuitos
neuroniais, diferentes características patológicas.
A seguir, serão apresentados de forma separada e mais didática a
depressão unipolar, o transtorno bipolar e os transtornos de ansiedade.
1. TRANSTORNOS DE HUMOR
Os transtornos de humor podem ser basicamente divididos em depressão
unipolar e transtorno bipolar. No transtorno bipolar ocorre a alternância entre
estados depressivos com estados de mania.
1.1 Depressão Maior
A depressão é uma síndrome caracterizada basicamente pelo déficit de
humor. Entretanto, um diagnóstico preciso necessita preencher outros sintomas
que perdurem por pelo menos duas semanas de modo ininterrupto, sendo
necessário para o diagnóstico o humor deprimido ou também a perda do
prazer/motivação. Os sintomas que geralmente acompanham o déficit de humor
são ganho ou perda de peso, alterações no sono e na atividade motora, sensação
55
de perda de energia, alterações cognitivas, sentimentos de culpa, desvalia e até
ideação suicida.
A prevalência da depressão é de 21% na população geral (WONG &
LICINIO, 2001) e dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que a
depressão será a doença incapacitante mais comum em 2020.
1.1.2. Neurobiologia da Depressão
A primeira teoria sobre a etiologia biológica da depressão entende a causa
como uma deficiência de neurotransmissores monoaminérgicos, principalmente
noradrenalina (NA) e serotonina (5-HT) (SHAFFERY et al., 2003; KALIA, 2005).
As evidências para tal hipótese foram o fato de que fármacos que depletavam
esses
neurotransmissores
poderiam
induzir
depressão,
além
de
os
antidepressivos conhecidos na época (ADTs e IMAO) terem ações farmacológicas
que potencializavam tais neurotransmissores (NESTLER, 2002).
Entretanto,
há
várias
evidências
contra
a
hipótese
de
déficit
monoaminérgico e, talvez, a evidência crucial seja o fato de que o tempo para os
antidepressivos regularizarem os níveis das monoaminas cerebrais é muito
diferente do tempo para os efeitos antidepressivos sobre o humor. Em outras
palavras, um antidepressivo normaliza as concentrações dos neurotransmissores
diminuídos na depressão em questão de horas, mas a melhora clínica (melhora
do humor) só ocorre após três a quatro semanas do início do tratamento
(DUMAN, 1997).
Com tantas fragilidades, a hipótese monoaminérgica deu lugar a uma série
de outras teorias para o entendimento da etiologia da depressão. Em modelos
animais de depressão o fator neurotrófico BDNF e o fator de transcrição CREB
encontram-se diminuídos no hipocampo e os níveis retornam ao normal ao se
tratar cronicamente os animais com antidepressivos (KRISHNAN & NESTLER,
2008).
Similarmente, o volume e a neurogênese hipocampal encontram-se
reduzidos em modelos animais de depressão e são restaurados com o
56
tratamento. Essas observações auxiliam a explicar o retardo do início da melhora
dos sintomas com o tratamento farmacológico convencional. O aumento dos
níveis de monoaminas provocado pelos antidepressivos levaria a alterações
plásticas, que estas sim, seriam responsáveis pela melhora dos sintomas
depressivos (KRISHNAN & NESTLER, 2008).
Dentre outras teorias para a neurobiologia da depressão encontra-se a que
relaciona a patologia com alterações do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA).
Uma evidência para a teoria é o efeito anedônico provocado em ratos quando
tratados com corticóides. Visto que eventos estressantes podem desencadear o
quadro depressivo e são acompanhados de aumento dos níveis de corticóides, a
indução do quadro depressivo em animais sendo provocado diretamente pela
administração de corticóides reforça esta teoria.
Como visto anteriormente, alterações do sono constituem um dos sintomas
da depressão. Além do sono, vários outros parâmetros fisiológicos que
apresentam ritimicidade circadiana (próximo de 24h) estão alterados. Os ritmos
biológicos nos pacientes deprimidos podem estar deslocados para horários mais
tardios ou mais adiantados, levando a horários de sono muito tarde, à noite, ou
despertares muito cedos, pela manhã. A temperatura corporal pouco diminui à
noite, contribuindo para a insônia. Apesar de heterogêneas entre os deprimidos,
as alterções dos ritmos biológicos compõem uma importante gama de sintomas
do
quadro
e
podem
estar
envolvidos
diretamente
com
o
transtorno
(MONTELEONE, 2008). Fármacos antidepressivos têm a capacidade de adiantar
os ritmos circadianos (e.g. iniciar a secreção de melatonina noturna mais cedo). O
adiantamento dos ritmos também já demonstrou efeito antidepressivo com o uso
da exposição à luz intensa no início da manhã, tanto para a depressão sazonal do
inverno como para a depressão maior.
1.1.3 Tratamento Farmacológico
57
Atualmente, a maioria das drogas antidepressivas atua de forma a
aumentar a neurotransmissão monoaminérgica de noradrenalina/dopamina e/ou
serotonina, porém apresentam alguns inconvenientes, como:
- levar de quatro a seis semanas para produzir melhora clínica (latência
farmacológica), independentemente de sua estrutura química, propriedades
farmacocinéticas e alvo celulares no encéfalo (ADDEL et. al., 2005);
- apresentar efeitos colaterais diversos como: sedação, retenção urinária,
arritmias
cardíacas,
hipotensão
postural,
boca
seca
(principalmente
os
antidepressivos de estrutura tricíclica), náuseas, enjôos e disfunção sexual
(principalmente entre os inibidores seletivos da recaptação de serotonina).
Em decorrência desses efeitos indesejados, pesquisas têm sido realizadas
com o objetivo de descobrir novos antidepressivos, com uma ação mais rápida e
com baixa incidência de efeitos colaterais.
1.1.3.1 Inibidores da Monoaminoxidase (IMAOs)
Os inibidores da monoaminoxidase foram os primeiros antidepressivoss
clinicamente efetivos descobertos (ao acaso).
Há
duas
isoformas
da
MAO,
a
MAO-A,
que
metaboliza
os
neurotransmissores monoaminérgicos mais ligados à depressão, e a MAO-B, que
se acredita que converta alguns substratos das aminas (pró-toxinas) em toxinas
que podem danificar os neurônios. A inibição da MAO-A está associada tanto à
ação antidepressiva quanto aos incômodos efeitos colaterais hipertensivos dos
IMAOs, ao passo que a inibição da MAO-B está associada à prevenção dos
processos neurodegenerativos, como o mal de Parkinson. Entre os fármacos
temos a moclobemida, um inibidor reversível da MAO-A.
1.1.3.2 Antidepressivos Tricíclicos (ADT)
O grupo dos ADTs teve sua síntese na época dos primeiros neurolépticos,
como a clorpromazina, quando alguns compostos mostraram-se inúteis no
58
tratamento da esquizofrenia, mas apresentaram efeitos antidepressivos (STAHL,
2002).
Muito tempo depois, descobriu-se que os ADTs bloqueavam as bombas de
recaptação de serotonina (5-HT) e da noradrenalina (NA) e, em menor extensão,
da dopamina (DA).
A nomenclatura é derivada da estrutura química contendo três eianeis, mas
se constitui um termo arcaico, pois entre os ADs que bloqueiam a recaptação das
aminas biogênicas nem todos são tricíclicos (os novos agentes têm um, dois, três
ou quatro eianeis), bem como os ADTs não são apenas antidepressivos, já que
alguns são antiobsessivo-compulsivos ou antipânicos.
Alguns têm seletividade/ mais potência para inibir a bomba de recaptação
de 5-HT (clomipramina), outros são mais seletivos para a NA (desipramina,
maprotilina, nortriptilina e protriptilina).
Além da ação antidepressiva, possuem outros efeitos (responsáveis pelos
efeitos colaterais).
1. bloqueio de receptores colinérgicos muscarínicos → boca seca, visão
turva, retenção urinária e constipação intestinal, distúrbios de memória;
2. bloqueio de receptores de histamina H1 → sedação e ganho de peso;
3. bloqueio de receptores adrenérgicos α1 → hipotensão ortostática e
tontura;
4. alguns também bloqueiam receptores serotoninérgicos 2A (podem
contribuir com o efeito);
5. bloqueio dos canais de sódio no coração e no cérebro → pode causar
arritmias e parada cardíaca em superdosagem, assim como convulsão.
1.1.3.3
Inibidores
Seletivos
da
Recaptação
de
Serotonina
(ISRS),
Noradrenalina(ISRN)
59
São os fármacos mais seletivos e mais potentes na inibição da recaptação
de 5-HT, além de serem mais seguros (alto índice terapêutico) e sem os efeitos
colaterais indesejáveis dos ADTs.
O efeito AD é devido à estimulação de 5-HT1A, ao passo que a estimulação
de 5-HT2A, 5-HT2C, 5-HT3 e 5-HT4 causa os efeitos indesejáveis agudos, tendo
início com a primeira dose e diminuindo com o passar do tempo (STAHL, 2002).
Os
fármacos
representantes
são
fluoxetina,
sertralina,
paroxetina,
citalopram.
A reboxetina foi o primeiro verdadeiramente ISRN (STAHL, 2002). Alguns
tricíclicos (desipramina, maprotilina, p. ex.) bloqueiam a recaptação de NA de
forma mais potente que a recaptação de 5-HT, mas também bloqueiam
adrenérgicos
1,
receptor histaminérgico H1 e receptor muscarínico.
A venlafaxina inibe a recaptação tanto de noradrenalina como de
serotonina.
1.1.3.4 Agomelatina
A agomelatina é o antidepressivo mais recente com um novo mecanismo
de ação. Possui ação agonista nos receptores de melatonina MT1 e MT2, bem
como ação antagonista no receptor 5-HT2C (SOUMIER et al., 2009).
Estudos clínicos comprovaram a eficácia do tratamento e apontaram para
uma menor taxa de recaída em pacientes tratados com agomelatina em
comparação com a venlafaxina (GOODWIN et al., 2009).
1.1.3.5 Os Antidepressivos funcionam?
A eficácia do tratamento com inibidores da recaptação de
monoaminas foi posta em cheque ao menos para os casos leves e moderados de
depressão. Dados indicam que só existe diferença entre os grupos placebo e
tratado nos estudos quando os sujeitos apresentam inicialmente um quadro mais
severo de depressão, como mostrado na figura abaixo: (Kirsch et al., 2008)
60
Figura1 - O Gráfico mostra o grau de melhora do quadro depressivo nos grupos placebo e tratado
em relação à severidade inicial do quadro. Apenas quando a severidade inicial é elevada as
diferenças entre os grupos aparecem (região pintada entre as duas curvas).
Ainda mais impactante, é uma análise recente, na qual sugere-se que
quando o placebo utilizado no estudo é dito “turbinado” (com efeitos colaterais,
mas sem o princípio ativo), as diferenças entre placebo e tratado, mesmo nos
casos graves, desaparece.
Podemos ver assim que embora não seja ainda certo afirmar que
“antidepressivos não funcionam”, as controvérsias do tratamento farmacológico
nos incitam as buscar por drogas com mecanismos de ação distintos e utilizar
modelos animais que simulem melhor o quadro depressivo.
1.1.4 Modelos Animais de Depressão
A descoberta de novas drogas para o tratamento da depressão tem sido
limitada pela falta de um modelo animal universalmente aceito na triagem dos
efeitos antidepressivos. Isso decorre da dificuldade em “modelar” nos animais
alguns componentes comportamentais da depressão nos humanos como humor
deprimido, pensamentos negativos e de suicídio, dentre outros.
Os modelos animais de depressão, basicamente, reproduzem alguns
traços da depressão num contexto de estresse ou separação (WONG & LICINIO,
2004). Algumas das metodologias mais utilizadas são os testes da suspensão
61
pela cauda, teste da natação forçada e teste da preferência por solução de
sacarose.
No teste da suspensão pela cauda, camundongos ficam suspensos a 50
cm do chão por uma fita fixada a 1 cm a partir da ponta da cauda e o tempo de
imobilidade durante uma sessão de 5 min será registrado (STERU et al., 1985;
BAI et al., 2001; CUNHA et al., 2008; GEHLERT et al., 2009; MASON et al.,
2009). Os animais serão testados individualmente 30 min após a administração
de tratamento ou veículo, sendo considerado imóvel apenas quando permanecer
passivamente suspenso.
Na técnica da natação forçada, os animais são colocados no centro de um
cilindro de vidro preenchido com água a, aproximadamente, 24 ± 2 ºC, após a
administração da droga ou veículo. O tempo de imobilidade nos últimos 4 min, de
um total 6 min de teste, será registrado (PORSOLT et al. 1977; BORSINI & MELI,
1988; SKALISZ et al., 2004). O animal é julgado imóvel quando parar de nadar e
executar movimentos mínimos apenas para permanecer flutuando com a cabeça
acima do nível da água. A água é mudada após o teste de cada animal, sendo o
mesmo seco e colocado em ambiente aquecido. É considerado efeito
antidepressivo uma redução do tempo de imobilidade em dose que não aumente
a atividade locomotora (PORSOLT et al. 1977; BORSINI & MELI, 1988). O teste
da natação forçada possui grande validade preditiva, pois consegue detectar
drogas com potencial ação antidepressiva, ainda que acabe por detectar
fármacos com mecanismos de ação possivelmente já conhecidos, como os
inibidores da recaptação de monoaminas (também chamados de drogas “me
too”).
O teste da preferência de consumo por solução de sacarose explora o
componente da anedonia relacionado com a depressão (MONLEON, 1995). Entre
os pacientes depressivos é muito comum esse sentimento de anedonia, em que
os indivíduos se mostram desinteressados por atividades anteriormente
prazerosas. A metodologia do teste é variável, mas consiste basicamente em
colocar os animais em caixas individuais com água e solução de sacarose à
62
disposição e medir a preferência por solução doce em relação ao total da ingestão
de líquido. Animais anedônicos não apresentam preferência por nenhuma das
garrafas, sendo a preferência resgatada por tratamento crônico, mas não agudo,
com antidepressivos. A similaridade da latência para o efeito do tratamento e o
componente anedônico a ser comparável ao ser humano tornam o modelo de
preferência por sacarose bastente válido, tanto com relação à face e predição,
quanto com relação ao constructo, que se refere às bases neurobiológicas do
transtorno.
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1.2 Transtorno Bipolar
Assim como a depressão, a mania também se caracterizada por alterações
no humor, na cognição, na psicomotricidade e nas funções vegetativas, porém
com características opostas àquelas alterações observadas na depressão, ou
seja, o paciente apresenta elevação do humor (com características expansivas,
geral e facilmente irritável e desinibido), aceleração da psicomotricidade, aumento
de energia e da sexualidade e ideias de grandeza (grande entusiasmo tanto
profissional quanto social), as quais podem ser até delirantes. As formas clínicas
da mania variam de acordo com a intensidade e o predomínio dos sintomas
afetivos, das alterações psicomotoras e da presença de sintomas psicóticos. Em
sua forma clássica, a mania se caracteriza por humor exageradamente expansivo
(chamado de elação), aceleração no ritmo do pensamento, agitação psicomotora
e pensamentos delirantes de grandiosidade, sendo que, dependendo da
“gravidade” do episódio maníaco, esse pode ser confundido com um surto
psicótico, por causa do comportamento delirante do paciente.
No que concerne à cognição, o pensamento durante um quadro maníaco
costuma ser repleto de ideias de grandeza, autoconfiança incomodamente
elevada, otimismo exagerado, falta de juízo crítico e da inibição social normal.
Porém é importante ressaltar que esta impulsividade pode levar a consequências
desastrosas. Podem existir ideias delirantes de grandeza, de poder, de riqueza e
de irreal inteligência. No tipo grave com sintomas psicóticos, a euforia é
acompanhada de alucinações, sentimentos de influência e de inspiração profética,
caracterizando assim o verdadeiro estado de elação. A aceleração do
pensamento produz um dos sintomas mais clássicos da mania que e a “fuga de
eiideias”, em que o paciente começa um assunto novo sem terminar o anterior.
Há também uma hipermnésia, com lembrança fácil de eventos passados, porém,
prejudicado por excesso da distrabilidade.
65
Quanto ao quesito psicomotricidade, o paciente em quadro de mania
apresenta-se sempre muito bem-disposto e capaz de alcançar qualquer objetivo,
cheio de energia e sem necessidade de repouso ou sono (outra característica
típica do quadro de mania, que é a perda do sono (Moreno e Moreno, 1994).
Durante a fase de euforia do Transtorno Bipolar de Humor, a autoestima, o
vigor e a energia física aumentam e a pessoa passa a agir em ritmo acelerado,
fica inquieta e agitada, a necessidade de sono diminui. Começa a ter sentimentos
de grandeza, considera-se especial e se sente como se não tivesse limites. Os
planos grandiosos e mirabolantes se multiplicam, as ideias fluem rapidamente e
não se consegue concluir as ideias, pulando rapidamente para outros assuntos.
Por causa da impulsividade, da desinibição, do aumento de energia e da ausência
de crítica, a pessoa em mania acaba se envolvendo em atividades perigosas e
insensatas, tais como dirigir em alta velocidade, praticar sexo inseguro, gastar
além das possibilidades. Desse jeito é difícil convencer o paciente de sua doença
já que o bem estar (patológico) é muito contundente.
Quando os sintomas são relativamente mais brandos, diz-se que o
paciente se encontra em quadro de hipomania, este quadro normalmente precede
o quadro de mania, ou nos casos e bipolar do tipo I ou dos pacientes ciclotímicos,
que são a típica fase eufórica do paciente. Há, também, na hipomania,
hiperatividade, tagarelice, diminuição da necessidade de sono, aumento da
sociabilidade, atividade física, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo, e
impaciência. A hipomania não se apresenta com sintomas psicóticos, não precisa
de internação e o prejuízo ao paciente não é tão intenso quanto no episódio de
mania.
O Transtorno Bipolar pode ser classificado em:
- Transtorno Bipolar Tipo I: – Períodos de mania. Comumente, o estado
maníaco pode durar vários dias ou pelo menos uma semana, e os períodos de
depressão duram de algumas semanas a vários meses.
66
Transtorno Bipolar Tipo II: Com períodos de hipomania, mas menos
prejuízos familiares, sociais e no trabalho.
Para o DSM-V, será acrescentado o Transtorno Bipolar Tipo III, que seriam
aquelas pessoas inicialmente diagnosticadas como com depressão maior e que
apresentariam uma virada maníaca desencadeada pelo uso de antidepressivos.
Como dissemos, em uma sociedade que valoriza demais a extroversão e
eloquência, pacientes e familiares podem considerar a hipomania como se fosse
uma atitude normal e até desejável. Assim, a hipomania pode ser confundida com
estados de alegria desencadeada por eventos positivos, não percebidos pelos
outros como exagerados, comparados com o padrão habitual de humor da
pessoa. Já a irritabilidade da hipomania pode ser confundida, também, com
reações normais aos eventos negativos, como por exemplo, uma má notícia. Mas
a hipomania pode ou não ter fatores desencadeantes, sejam positivos ou
negativos. Se esses pacientes não forem tratados, podem apresentar ausência do
juízo crítico e proporcionar para si ou para seus familiares, severos prejuízos
morais e materiais.
1.2.1 Incidência
Mais recentemente, pesquisas epidemiológicas procuraram determinar a
magnitude do TB avaliando sua ocorrência na população geral. O conceito de TB
tem sofrido modificações ao longo dos últimos anos, refletidas nas classificações
diagnósticas como DSM e CID. O conceito de espectro, que amplia
significativamente a prevalência desses transtornos, é ainda polêmico e sua
validação na população geral é essencial para que ações específicas em saúde
pública possam ser conduzidas, visando à adequada prevenção e ao tratamento
do TB.
O Transtorno Bipolar é relativamente comum e tratável, atinge de igual
maneira homens e mulheres em torno de 1% a 4,9% da população, se
considerarmos também a hipomania. Caso esta não seja considerada, a
67
incidência do Transtorno Bipolar cai para 1 a 2% da população e, geralmente, se
inicia entre os 20 e 30 anos de idade. Homens e mulheres são afetados pelo
Transtorno Bipolar quase da mesma maneira. Há poucos casos do transtorno
afetando crianças e pessoas mais idosas.
1.2.2 Tratamento
O objetivo do tratamento da mania aguda é controlar sinais e sintomas de
forma rápida e segura, e restabelecer o funcionamento psicossocial a níveis
normais. A escolha do tratamento inicial leva em conta fatores clínicos, como
gravidade, presença de psicose, ciclagem rápida ou episódio misto e preferência
do paciente, quando possível, levando em conta os efeitos colaterais. Critérios
clínicos como uso de antipsicótico intramuscular em casos de agitação e maior
número de evidências da literatura sobre eficácia também devem ser utilizados
para nortear a seleção do medicamento.
Ao selecionar um medicamento antimaníaco, deve-se dar preferência às
medicações com maiores evidências de ação: lítio, valproato (ácido valproico,
divalproato) e carbamazepina (CBZ), além dos antipsicóticos típicos, como
clorpromazina e haloperidol, e dos atípicos olanzapina e risperidona; por serem
mais novos, há menos estudos com ziprasidona, quetiapina e aripiprazole. A
combinação de um antipsicótico com lítio ou valproato pode ser mais efetiva do
que cada um deles isoladamente. Em casos de mania grave, recomenda-se como
primeira opção a combinação de lítio e um antipsicótico atípico ou valproato com
antipsicótico atípico. Para pacientes menos graves, a monoterapia com lítio,
valproato ou um antipsicótico atípico, como a olanzapina, pode ser suficiente.
Existem menos evidências sustentando a indicação de aripiprazole, ziprasidona e
quetiapina em lugar de outro antipsicótico atípico e de CBZ ou oxcarbazepina
(OXC) em vez de lítio ou valproato. Embora os dados sobre a eficácia da OXC
permaneçam limitados, este medicamento pode ter eficácia equivalente e melhor
tolerabilidade que a CBZ. O uso concomitante de benzodiazepínicos (BDZ) pode
ser útil se comparado com o de antidepressivos (AD), que podem precipitar ou
68
exacerbar mania/hipomania ou estados mistos e, de modo geral, deveriam ser
descontinuados e evitados quando possível.
1.2.3 Neurobiologia
Acredita-se que o desenvolvimento do quadro de mania esteja relacionado
à alteração na concentração de PKC (proteína quinase C intracelular). Denominase proteína quinase C (PKC) um grupo de enzimas dependentes de cálcio e
fosfolipídeos que desempenha papel importante nos mecanismos intracelulares
de receptores monoaminérgicos (a1, 5-HT2A e 5-HT2C ), colinérgicos (M1, M3 e M5),
para vasopressina e substância P. Estudos clínicos e pré-clínicos têm associado
alterações da PKC (ou de suas subespécies) com o transtorno bipolar. Por
exemplo, pacientes com quadro maníaco apresentam aumento da translação
induzida da PKC nas plaquetas, alteração revertida pela administração de
estabilizadores de humor como lítio e ácido valpróico (Hahn et al. 2005). Além
disso, em cérebros de pacientes bipolares, foi observado um aumento da PKC
ligada à membrana e da translação da PKC do citosol para a membrana. Os
estabilizadores de humor apresentam, entre outras ações, atividade inibitória
sobre a PKC em sítios diferentes. Esses dados suportam a proposição de
aumento da atividade da PKC no transtorno bipolar e que as drogas
estabilizadoras de humor exercem, ao menos em parte, suas ações clínicas pela
diminuição da atividade da PKC (Hahn e Friedman, 1999; Manji e Lenox, 1999;
Manji e Chen, 2002).
1.2.4 Modelos Animais
Normalmente, os testes empregados são os padronizados para ação de
antipsicóticos, uma vez que se carece de testes específicos para a mania em si.
Porém tais testes apresentam boa validade, uma vez que o quadro de mania é
caracterizado por agitação e diminuição cognitiva e de aprendizagem, em
decorrência da dificuldade de manter o foco de um determinado tema, quadros
69
esses bem similares aos observados em esquizofrênicos. As alterações em
padrão de sono e irritabilidade exacerbada também são comuns a ambos.
Alguns testes utilizados para o estudo de possíveis drogas antimaníacas
são: hiperlocomoção induzida pela anfetamina, estereotipia e climbing induzidos
por apomorfina, teste da pata, catatonia e teste de pré-pulso.
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transtorno bipolar. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 56-62, 2005.
70
2. TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Os transtornos de ansiedade, assim como a maioria das patologias
neuropsiquiátricas, são de caráter multifatorial, crônicos, de prevalência
elevada e de alta morbidade, resultando em custos individuais e sociais
elevados (Andreatini et. al. 2001).
Epidemiologicamente, o transtorno da
ansiedade tem sido apontado entre os transtornos psiquiátricos mais comuns,
sendo na maioria dos casos acompanhado por comorbidades médicas e
psicológicas. Logo, têm crescido a necessidade de se pesquisar novos
tratamentos efetivos que promovam alívio dos sintomas (Ravindran e Stein
2010).
De acordo com as características sintomatológicas, a quarta edição do
Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM-IV) da Associação Psiquiátrica
Americana, classifica os transtornos de ansiedade em:
- Transtorno de Ansiedade Generalizada
- Transtorno de Pânico
- Transtorno Obsessivo-Compulsivo
- Transtornos de Estresse Pós-Traumático
- Transtorno de Ansiedade Social
- Fobia Simples
De uma forma resumida, tem sido sugerido que os transtornos de
ansiedade são causados por uma detecção falha e por consequência a
expressão inadequada de comportamentos defensivos, de forma a gerar
respostas fisiológicas (taquicardia, sudorese, midríase, etc) e psicológicas
(medo, por exemplo) intensas. Comportamentos defensivos são as reações do
organismo a perigos presentes ou potenciais, são modelados pela seleção
natural e podem ser modificados para que atuem somente quando forem úteis
(Carobrez, 2003).
Tratamento Farmacológico da Ansiedade
71
Desde
a
descoberta
da
primeira
droga
benzodiazepínica,
o
clordiazepóxido em 1961, esforços têm sido conduzidos com o intuito de
desenvolver ansiolíticos mais efetivos e com efeitos colaterais reduzidos. Os
benzodiazepínicos se ligam a um sítio regulatório do receptor GABAA, que é
um sitio distinto do sítio de ligação do neurotransmissor GABA. Sendo assim,
os benzodiazepínicos atuam alostericamente aumentando a afinidade do
GABA pelo receptor GABAA. Como o receptor GABAA é um canal de cloreto,
essa ligação intensifica a transmissão sináptica inibitória (Rang et. al. 2007).
Atualmente os benzodiazepínicos continuam a ser amplamente prescritos,
principalmente para o transtorno de ansiedade generalizada e pânico (neste
caso, os benzodiazepínicos de alta potência como o clonazepan). Os
benzodiazepínicos são ansiolíticos eficazes, porém apresentam efeitos
colaterais graves como sedação, dependência e ainda o desenvolvimento de
tolerância. (Rang et. al. 2007)
Nos últimos anos, tem ocorrido um grande avanço no tratamento
farmacológico dos transtornos de ansiedade, com a introdução de novas
drogas como os antidepressivos e a buspirona (Andreatini et. al. 2001,
Ravindran e Stein 2010).
A buspirona é agonista parcial dos receptores serotoninérgicos 5HT1A,
apresentando eficácia para o tratamento do transtorno de ansiedade
generalizada. (Rang et. al. 2007)
Os antidepressivos têm sido empregados em diversos transtornos de
ansiedade. Sendo a classe dos inibidores seletivos da recaptação de
serotonina (ISRS), como por exemplo a fluoxetina, sertralina, escitalopram e
clomipramina, os mais amplamente utilizados, apresentando eficácia para o
tratamento de praticamente todos os transtornos de ansiedade, além de
possuírem efeitos colaterais menos severos do que os dos benzodiazepínicos.
(Ravindran e Stein 2010).
Novos alvos potenciais para o tratamento da ansiedade têm surgido
como agonistas glutamatérgicos metabotrópicos do gupo I e antagonistas
glutamatérgicos metabotrópicos do grupo II e III, antagonistas do receptor
glutamatérgico NMDA, antagonistas do fator de liberação de corticotrofina
(CRF), dentre outros.
72
Mas grande parte dessa evolução, assim como nos transtornos de
humor, esbarra na ausência de modelos de ansiedade análogos nos animais.
Uma vez que a ansiedade descreve um estado subjetivo, ela é considerada
uma característica humana, portanto, ela só pode ser modelada e não
reproduzida em animais (Andreatini et. al. 2001).
Uma variedade de modelos animais de ansiedade tem sido validada
farmacologicamente, usando os ansiolíticos clássicos benzodiazepínicos. Uma
crítica é que a maioria dos modelos avalia fenômenos que são modificados
pelos benzodiazepínicos e não características da ansiedade propriamente dita,
de modo que serão necessários desenvolver modelos específicos para cada
transtorno ou reavaliar os modelos já existentes, correlacionando-os a
determinado transtorno.
Neurobiologia da Ansiedade
A ansiedade pode ser vista como um conflito entre informações, que
gera a inibição do comportamento. Através de estudos de lesão e estimulação,
uma estrutura próxima ao hipocampo denominada subículo foi arrolada como
importante para a comparação de informações, que seriam levadas ao sistema
septo-hipocampal, fazendo parte de um sistema de inibição comportamental.
(Hetem e Graeff, 2004)
A amígdala também estaria envolvida com a ansiedade visto ser
tradicionalmente uma estrutura ligada à emoções como o medo. A amígdala
receberia estímulos sensoriais e comunicaria a outras áreas, como por
exemplo, à matéria cinzenta periaquedutal (Millan, 2003).
Alterações na estrutura ou na função cerebral ou na sinalização através
de neurotransmissores pode resultar de experiências vivenciadas, da influencia
do meio-ambiente ou ainda uma predisposição genética, tais alterações
poderiam aumentar o risco para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos
(Martin et. al. 2009).
Os transtornos de ansiedade apresentam o envolvimento de alterações
neuroendócrinas, neuroanatomicas e de neurotransmissores. Dentre as
alterações relacionadas com neurotransmissores é estudada a possibilidade do
envolvimento de uma diminuição na sinalização gabaérgica, ou um aumento da
73
sinalização glutamatérgica, o envolvimento das monoaminas 5-HT, NA, DA, e
também dos neuropeptideos nos transtornos de ansiedade (Martin et. al. 2009).
Estudos tem mostrado um papel dual da serotonina na ansiedade. Os
corpos celulares dos neurônios serotoninérgicos se localizam nos núcleos da
rafe, e enviam projeções para outras estruturas cerebrais. Quando essas
projeções liberam serotonina na amígdala é observado um aumento da
ansiedade, porém quando projeções liberam serotonina na matéria cinzenta
periaquidutal ocorre inibição do pânico. Dessa forma, um desequilíbrio nesse
sistema de transmissão, como o uma ativação aumentada da amígdala poderia
levar ao desenvolvimento de transtorno de ansiedade generalizada, ou um
redução na ativação na matéria cinzenta periaquedutal poderia levar ao
transtorno de pânico, por exemplo. (Hetem e Graeff, 2004).
Referências
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farmacológico do transtorno de ansiedade generalizada: perspectivas futuras.
Rev. Bras.Psiquiatr. v.23, p.233-242, 2001.
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ansiedade. Rev. Bras.Psiquiatr. v.25, p.52-58, 2003.
HETEM, L.A.; GRAEFF, F.G. Transtornos de ansiedade. São Paulo: Ed.
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locomotor activity test in mice: A practical screening test with sensitivity to
different classes of anxiolytics and antidepressants. European Journal of
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Psychiatr Clin North Am. 2009 Sep;32(3):549-75.
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RAVINDRAN LN, STEIN MB. The pharmacologic treatment of anxiety
disorders: a review of progress. J Clin Psychiatry. 2010 Jul;71(7):839-54.
74
AULA PRÁTICA
1. AVALIAÇÃO DE DROGAS COM AÇÃO ANTIDEPRESSIVA
Alguns modelos animais se prestam para observação de efeitos
produzidos pelas drogas antidepressivas, após uso agudo. Metodologias como
a natação forçada e o de suspensão pela cauda são testes de triagem para a
detecção de efeitos antidepressivos de diferentes drogas. O princípio do teste
baseia-se no fato de que animais submetidos a um estresse intenso
desenvolvem um comportamento de imobilidade, que seria compatível com um
quadro de desamparo ou desesperança. Os antidepressivos reduzem o tempo
de imobilidade apresentado pelos animais, aumentando, por consequência, os
movimentos dirigidos ao escape.
Objetivo: observar o efeito antidepressivo da imipramina no modelo de
suspensão pela cauda.
Material: seringas centesimais de 1,0 mL; agulhas 10x5; cronômetros
Soluções: solução de imipramina (4 mg/mL) e solução de NaCl (0,9%)
Animais: camundongos machos, peso entre 25 - 30g
Procedimento
Injetar, via intraperitoneal, 40 mg/kg de imipramina em um camundongo;
um segundo animal receberá volume correspondente de salina (veículo =
controle negativo). Aguardar 30 min e prender os animais com fita adesiva na
beirada da bancada. A duração total da imobilidade será registrada durante os
últimos 4 min, de um período total de 6 min. Cada animal será julgado imóvel
quando não apresentar movimentos dirigidos ao escape. A diminuição da
duração (tempo) da imobilidade é indicativa de um efeito antidepressivo.
75
Resultados
Nº
Tratamento
Tempo de Imobilidade
2. Modelos para Avaliação de Drogas com Ação Antipsicótica
Objetivo: Observar o efeito antipsicótico da olanzapina nos modelos de
estereotipia e climbing induzidos por apomorfina.
Material: Seringas centesimais de 1,0 ml; agulhas 10x5; cronômetros; aparatos
de teste (gaiolas)
Soluções: Solução de olanzapia a 10mg/kg; solução de apomorfina a 1mg/kg;
solução de NaCl a 0,9%.
Animais: camundongos, peso entre 25 - 30g
Procedimento
1. Injetar, via i.p., 10 mg/kg de olanzapina em quatro camundongos; quatro
animais seguintes receberão volume correspondente de salina (veículo). O
volume a ser injetado em camundongos será relativo a seu peso corpóreo.
76
2. Aguardar 30 (trinta) minutos e colocar os animais individualmente em
gaiolas.
3. Injetar, via sc, 1mg/kg de apomorfina ou salina nos oito camundongos. A
aplicação será seriada, assim, um animal receberá apomorfina e o
outro/seguinte, receberá salina, sempre.
4. Após dez minutos, o comportamento do animal deverá ser analisado, a
análise será baseada nas tabelas abaixo para climbing e estereotipia. A análise
deverá ser feita a cada dez minutos, por dez segundos e, após esses, um
escore deverá ser dado baseado no comportamento do animal. O teste em si
tem duração de nove análises, ou seja, 1h30min, porém, para esta aula prática,
faremos uma versão apenas ilustrativa de 30 minutos.
ESTEROTIPIA
Nível
0
1
2
3
4
Comportamento
Animal parado
Animal normal e em movimento, não apresentando
comportamento estereotipado
Animal levemente estereotipado, com comportamento de lamber
grades e cheirar estereotipado
Animal estereotipado, mas ainda se movimentado.
Comportamento de lamber e morder grades
Animal completamente estereotipado e parado. Comportamento
de lamber e morder grades
CLIMBING
Nível
Comportamento
0
Animal com quatro patas no piso da gaiola.
1
Animal com duas patas dianteiras com patas na grade (na
parede da gaiola).
2
Animal com as quatro patas na grade (na parede da gaiola,
escalando).
77
Resultados
Tabela de estereotipia e climbing
Animal
Tratamento 10’
1-
Olan + Apo
2-
Olan + Sal
3-
Olan + Apo
4-
Olan + Sal
5-
Sal + Apo
6-
Sal + Sal
7-
Sal + Apo
8-
Sal + Sal
20’
30’
Total
Modelo para Avaliação de Drogas com Ação Ansiolítica
Objetivo: Avaliar a ação ansiolítica do benzodiazepínico diazepam e do óleo
essencial de lavanda, utilizando o modelo animal de esconder esferas.
O teste de esconder esferas avalia o número de esferas com no mínimo
2/3 de sua superfície coberta por cepilho após 20 minutos. Em uma caixa
plástica (gaiola padrão de manutenção dos animais 30 x 20 cm) é colocado
sobre o cepilho 24 esferas de vidro, as quais são distribuídas uniformemente
na periferia da caixa. Esse teste avalia o comportamento de cavar o cepilho,
que é um comportamento normal apresentado pelos camundongos que
também é observado quando o animal se depara com algum objeto aversivo
(comportamento de cavar defensivo que se relaciona com o estado de
ansiedade do animal). Quando o camundongo recebe uma droga ansiolítica
esse comportamento de cavar é reduzido, logo o número de esferas
escondidas também é reduzido. É colocado um animal por caixa e as esferas
são lavas com álcool 10% após serem usadas (Nicolas et.al. 2006)
78
Material: seringas centesimais de 1,0 ml; agulhas 10x5; cronômetro; caixas
plásticas com cepilho e 24 esferas de vidro por caixa.
Soluções: solução de diazepam 1 mg/kg; solução de NaCl a 0,9%, solução de
óleo essencial de lavanda 5%
Animais: camundongos, peso entre 25 - 30g
Procedimento
Injetar 1 mg/kg, via ip, de diazepam ou salina nos camundongo.
Administração por via inalatória do óleo essencial de lavanda 5% -
duração de 15 minutos.
Trinta minutos após a administração do diazepam, ou 15 minutos após a
administração do óleo essencial de lavanda, os animais serão colocados
individualmente nas caixas com as esferas. As esferas com no mínimo de 2/3
de sua superfície coberta com cepilho serão registradas ao final de 20 minutos.
Resultados
Nº
Tratamento
1 azul
Salina
2 azul
Salina
3 azul
Salina
4 azul
Diazepam 1mg/kg
5 azul
Diazepam 1mg/kg
1 vermelho
Diazepam 1mg/kg
2 vermelho
OE lavanda 5%
3 vermelho
OE lavanda 5%
4 vermelho
OE lavanda 5%
Número de Esferas Escondidas
79
80
DROGAS DE ABUSO
Diego Correia
O uso de drogas psicoativas (com ação sobre o sistema nervoso central)
remonta aos ancestrais dos homens. Seja pelo seu uso em rituais religiosos,
como medicamento, ou simplesmente pelo prazer que podem propiciar ao
usuário. Durante a história, esse uso passou por períodos de aceitação e de
total proibição, sendo por isso que algumas drogas são aceitas em
determinadas culturas e em outras são utilizadas somente na clandestinidade
(SILVEIRA; MOREIRA, 2006). doença de Parkinson (DP) é o segundo distúrbio
neurodegenerativo mais
Classificação de Chalout (1971) dos Psicoativos
•
Depressores ou Psicolépticos
•
Álcool, benzodiazepínicos ansiolíticos, hipnóticos, inalantes,
oiopioides, antipsicóticos.
•
•
Estimulantes ou Psicoanalépticos
•
Cocaína, anfetaminas, nicotina, xantinas, outros.
•
Inibidores da MAO, tricíclicos, ISRmonoaminas.
Perturbadores ou Psicodislépticos (Alucinógenos)
•
Naturais: maconha, mescalina, psilocibina, outros.
•
Sintéticos:
LSD,
MDMA
(ecstasy),
fenciclidina,
algumas
possuem
quetamina,
anticolinérgicos, outros.
Entre
as
drogas
psicoativas,
propriedades
reforçadoras. Reforço ou estímulo reforçador é a capacidade que a droga tem
de criar e manter hábitos e comportamentos. Essa característica é considerada
fundamental para que a droga seja capaz de induzir dependência. O reforço
pode ser positivo ou negativo. Reforço positivo é a capacidade da droga de
produzir efeitos agradáveis e sensações prazerosas. Reforço negativo é a
81
capacidade da droga de diminuir sensações desagradáveis. Em muitos casos é
difícil separar qual o tipo de reforço predomina em determinada situação
(ALMEIDA, 2006). Por exemplo, o etanol apresenta reforço positivo pela sua
capacidade de produzir euforia e reforço negativo pelo seu efeito ansiolítico e
por evitar a síndrome de abstinência.
Essas
drogas
com
propriedade
reforçadora,
por
induzirem
a
autoadministração, podem levar a estados de uso abusivo, dependência e
adição. O termo adição é usado no DSM-IV (APA, 1994) preferencialmente ao
termo dependência, para evitar confusão com o termo dependência física.
Dependência física se refere às adaptações que levam a sintomas de
abstinência na interrupção abrupta do uso de uma droga, que recebe a
denominação de Síndrome de Abstinência. Essas adaptações são diferentes
das adaptações que ocorrem na adição, na qual a principal característica é a
perda de controle sobre o uso da droga, mesmo sob consequências adversas
intensas (VOLKOW; LI, 2005). No padrão de comportamento abusivo, existem,
de forma recorrente e significativa, consequências negativas do uso da droga,
mas ainda não existe a presença de tolerância, síndrome de abstinência e
perda do controle sobre o uso da droga (KAPLAN; SADOCK, 1995).
A progressão do uso inicial à adição é influenciada por muitos fatores.
Entre eles, a droga em si, a personalidade do usuário, e influências de outras
pessoas e ambientais. A interação entre esses fatores é complexa e determina
por que alguns indivíduos apresentam comportamentos aditivos e outros não.
O uso inicial da droga pode ser voluntário, na busca de prazer, das suas
propriedades reforçadoras, mas, para a pessoa que apresenta adição, a
escolha pelo uso da droga não é mais voluntária. Ocorre uma neuroadaptação
semelhante ao que ocorre no aprendizado de uma tarefa e o indivíduo procura
a droga mesmo na evidência de consequências pessoais negativas e graves
(CHOU; NARASIMNHAN, 2005). No entanto, os mecanismos neurobiológicos
que determinam essa transição do uso controlado para o descontrolado ainda
não estão totalmente esclarecidos. As recaídas no uso das drogas é o fator
clínico mais difícil de ser controlado no tratamento da adição. Após longo
período de abstinência, o craving (desejo compulsivo) pela droga ou a recaída
82
pode ser iniciado pela presença da droga em si, por pistas ambientais que
estejam associadas à droga ou pelo estresse (SHAHAN; HOPE, 2005).
As drogas de abuso são substâncias com diversas estruturas químicas e
mecanismos de ação. Na administração aguda, cada droga se liga a um sítio
de ação próprio e desencadeia uma série de comportamentos, sensações e
efeitos
fisiológicos.
Entretanto,
no
uso
crônico,
alguns
efeitos
são
compartilhados pelas diferentes drogas de abuso. Essas drogas são todas
agudamente recompensadoras (o que leva à repetição do seu uso), produzem
sintomas emocionais negativos na sua abstinência, produzem um longo
período de sensibilização e ocorre um aprendizado associativo entre a droga e
as pistas ambientais relacionadas a ela. Acredita-se que essas adaptações
contribuam para o craving pela droga e pelas recaídas, mesmo após longos
períodos de abstinência.
Existem várias evidências que todas as drogas de abuso convergem a
um circuito comum no sistema límbico cerebral. A principal via que tem sido
investigada é a via dopaminérgica que se inicia na área tegmentar ventral
(ATV) e vai em direção ao núcleo accumbens (NAcc). Esse circuito é o mais
importante para os efeitos recompensadores agudos de todas as drogas de
abuso, e várias pesquisas têm mostrado como, apesar de seus diferentes
mecanismos de ação, todas as drogas convergem a essa via, tendo assim
efeitos agudos reforçadores comuns (NESTLER, 2005).
No Brasil e no mundo, o uso de drogas psicoativas é muito alto. A
prevalência de uso na vida de qualquer droga, exceto tabaco e álcool, foi maior
na região Nordeste do Brasil, onde alcançou 27,6%. A região com menos uso
na vida foi a Norte com 14,4%. Considerando-se o país como um todo, a taxa
foi de 22,8% da população. O menor uso na vida de álcool ocorreu na Região
Norte (53,9%) e o maior na Sudeste (80,4%). Ainda, são observados mais
dependentes de álcool para o sexo masculino (CARLINI et al, 2007).
O abuso no consumo de álcool e a sua dependência são problemas que
afetam mais de 25 milhões de brasileiros e representam um dos maiores
problemas de saúde pública, tanto no Brasil como no resto do mundo (CARLINI
et al., 2007). Além disso, os problemas decorrentes direta e indiretamente do
83
consumo de álcool como acidentes, violência e perda de produtividade, geram
grandes prejuízos econômicos (WHO, 2002).
Etanol
O álcool é a substância psicoativa de maior uso no Brasil. Vários fatores
influenciam para isso, principalmente: o fato de ser uma droga lícita,
socialmente aceita e muitas vezes ter seu uso incentivado pela sociedade, o
que se pode chamar de “ritos de passagem” como, por exemplo, a primeira
intoxicação do adolescente. Além disso, há o fácil acesso, baixo preço e
deficiência na fiscalização (venda para menores de idade, por exemplo), entre
outros.
O etanol é rápida e quase totalmente absorvido pelo estômago e
intestino. Aproximadamente, 90% são metabolizados e 5-10% são excretados
inalterados no ar expirado e na urina. A metabolização do etanol é
principalmente
hepática
e
envolve
sucessivas
oxidações,
primeiro
a
acetaldeído, depois a acetato. A álcool desidrogenase é uma enzima
citoplasmática que oxida o álcool ao mesmo tempo em que reduz o NAD+ à
NADH. Normalmente, apenas uma pequena parcela do etanol é metabolizada
pela citocromo P450 (CYP2E1), mas em usuários pesados esse sistema pode
ser induzido. Praticamente todo o acetaldeído produzido é convertido a acetato,
pela aldeído desidrogenase. Essa enzima é inibida pela droga dissulfiram.
O consumo agudo e crônico de etanol interfere diferentemente com os
processos de transmissão no sistema nervoso central, afetando muitos, se não
todos, sistemas de neurotransmissão conhecidos (NEVO; HAMON, 1995)
Agudamente, o álcool produz aumento da atividade dos receptores
GABAA e esse aumento varia de acordo com a combinação de subunidades
que constituem o receptor. Agudamente, o álcool também aumenta a liberação
de GABA em muitas sinapses. A potencialização da transmissão gabaérgica
parece contribuir para vários dos aspectos da intoxicação aguda por etanol,
incluindo incoordenação motora, efeitos ansiolíticos e sedação. O sistema
gabaérgico tem também modificações decorrentes da exposição crônica ao
etanol. Algumas dessas adaptações parecem ocorrer no sentido de diminuir
84
aquela potencialização do sistema observada na exposição aguda ao etanol. A
mudança crônica mais bem caracterizada é a alteração nas subunidades que
compõem o receptor GABAA. Ocorre, também, aumento ou diminuição da
quantidade de GABA liberado, dependendo da região cerebral. O efeito
predominante dessas adaptações à presença crônica do etanol é fazer o
encéfalo se tornar hiperexcitável na ausência do etanol, o que pode levar à
ansiedade elevada e até mesmo convulsões durante a abstinência. Por isso,
benzodiazepínicos podem ser usados durante a abstinência do etanol
(LOVINGER, 2008)
O etanol agudamente inibe a transmissão sináptica glutamatérgica,
principalmente a mediada por receptores NMDA. Essa inibição do NMDA
provavelmente contribui para os efeitos deletérios do etanol sobre a memória,
que é dependente da atividade desses receptores. A exposição crônica ao
etanol aumenta o número e a atividade do receptor NMDA, o que também
contribui para o estado de hiperexcitabilidade durante a abstinência, assim
como para o dano neural causado pelo etanol (excitotoxicidade). (LOVINGER,
2008).
Agudamente, o etanol tem efeitos mistos sobre a transmissão
serotoninérgica. É observada uma maior demora para que ocorra a recaptação
da serotonina da fenda sináptica, e a potencialização da função do receptor 5HT3. Cronicamente, o etanol interage de váriasvárias formas com esse sistema,
o que pode alterar a ansiedade e o estado afetivo. (LOVINGER, 2008)
O etanol tem, ainda, ação sobre outros sistemas como o opioidérgico, o
endocanabinoide (aumento de araquinodoil etanolamina e 2-araquinodoil
etanolamina; downregulation de receptores CB1). O etanol agudamente diminui
a sinalização mediada pelo BDNF (brain derived neurotrophic factor) e
cronicamente leva ao aumento de BDNF em várias regiões cerebrais. A
exposição aguda e crônica ao etanol podem, também, aumentar os níveis de
cortisol, progesterona e alopregnolona. Além disso, leva
à liberação de
dopamina na via dopaminérgica mesocorticolímbica. (LOVINGER, 2008)
O álcool leva a diversas complicações clínicas decorrentes do seu uso.
Tendo efeitos deletérios sobre o trato gastrointestinal (gastrites, úlceras,
cânceres de boca, de esôfago, de laringe e de faringe, esteatose hepática,
85
hepatite, cirrose hepática, pancreatite aguda), sistema nervoso (distúrbios
neurológicos graves, alterações de memória e lesões no sistema nervoso
central), sistema cardiovascular (arritmias cardíacas agudas, aumento da
pressão arterial), sistema hematológico (diminui a produção de todos os
elementos
figurados
do
sangue),
sistema
reprodutor
(impotência
e
infertilidade). Pode, também, levar a complicações psiquiátricas (quadros
psicóticos, depressão, síndrome de abstinência, síndromes demenciais,
distúrbios de ansiedade, entre outras) e à Síndrome Fetal Alcoólica, quando
consumido em grandes quantidades por gestantes (SILVEIRA; MOREIRA,
2006). O termo Síndrome Fetal Alcoólica foi introduzido por Jones e Smith em
1973.
Essa
síndrome
é
caracterizada
por
anomalias
craniofaciais
características (Ex.: fissura palpebral curta, lábio superior achatado, nariz curto,
pequena circunferência da cabeça, pequena abertura dos olhos), retardo de
crescimento pré- e pós-natal e desenvolvimento anormal do sistema nervoso
central (ex.: tamanho da cabeça pequeno ao nascer, prejuízo em funções
motoras finas, anormalidades estruturais do cérebro como microcefalia). Existe
também a Síndrome dos Efeitos do Álcool, em que apenas alguns dos critérios
para a síndrome alcoólica fetal são preenchidos. Sendo assim, não existe
quantidade segura que possa ser ingerida por gestantes (WARREN; FOUDIN,
2001).
Maconha
A Cannabis (Cannabis sativa) é uma planta oidioica, com sexos
separados. A planta feminina contém mais princípios ativos. As flores e folhas
secretam uma resina que contém mais de 400 compostos químicos, sendo que
aproximadamente 60 deles são princípios ativos chamados oicanabinoides,
entre eles o tetraidrocanabinol (THC), que possui propriedades psicoativas.
Existem referências ao uso da maconha, há mais de 12000 anos. As
suas propriedades euforizantes foram descobertas na Índia (2000-1400 a.C.),
onde era usada para estimular o apetite, curar doenças venéreas e induzir o
sono. No Brasil, as sementes foram trazidas pelos escravos, introduzidas
inicialmente para fins têxteis. Logo, o seu uso como euforizante passou a
predominar.
86
Os
oicanabinoides
são
agonistas
de
receptores
oicanabinoides
endógenos CB1 (SNC) e CB2 (periferia). Sendo assim, mimetizam a ação de
oicanabinoides endógenos (anandamida). A presença desses receptores nas
diversas regiões cerebrais se relaciona com os efeitos do uso da droga:
hipocampo (memória), cerebelo e substância negra (controle motor), vias
dopaminérgicas mesolímbicas (reforço), córtex (percepção, cognição).
O THC é altamente lipossolúvel, por isso, é armazenado no tecido
adiposo e é liberado gradualmente, podendose encontrar traços na urina,
permitindo a detecção do uso por semanas ou até meses após o uso. O THC é
metabolizado em 11-hidroxi THC, que é mais potente que o THC. Pode ser
administrado por via oral (efeitos em 30 a 40 minutos) ou fumado (efeitos em 5
a 10 minutos).
Os principais efeitos são: boca seca, taquicardia, olhos vermelhos,
paranoia, hilariedade e o uso continuado interfere na capacidade de
aprendizagem e concentração e pode levar à síndrome amotivacional.
O uso regular de maconha por períodos prolongados de tempo está
associado com (Boerngen-Lacerda 2008):
•
Ansiedade, paranoia, pânico, depressão e psicose entre as
pessoas com histórico familiar de esquizofrenia
•
Prejuízo de memória/ concentração: compromete desempenho de
tarefas complexas e rendimento intelectual
•
Prejuízo de motivação, síndrome amotivacional
•
Redução da testosterona (redução transitória da fertilidade
masculina)
•
Pressão arterial alta
•
Asma, bronquite, doença pulmonar obstrutiva crônica
•
Cânceres
Referências
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2006.
87
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CARLINI, E.A.; GALDUROZ, J.C.F.; NOTO, A.R.; FONSECA, A.M.; CARLINI,
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88
INFLAMAÇÃO
Camila Guimarães Moreira
Arthur da Silveira Prudente
Cíntia Delai da Silva Horinouchi
Daniel Augusto Gasparin Bueno Mendes
“Inflamação, por si própria, não pode ser considerada como uma
doença, mas sim como um processo saudável consequente a alguma lesão ou
alguma doença”
John Hunter, 1974
A inflamação pode ser definida como uma reação do organismo, mais
especificamente do tecido vivo vascularizado, a uma determinada injúria local,
que pode ser de natureza química, física ou biológica. O processo nada mais é
do que uma resposta de proteção do organismo, muito complexa e caracterizase, basicamente, pela reação de vasos sanguíneos, levando ao acúmulo de
fluidos e células sanguíneas no local. Deve-se ressaltar, entretanto, que o
processo inflamatório envolve o organismo como um todo.
O processo inflamatório, sob determinado ponto de vista, pode ser
encarado como um mecanismo de defesa do organismo e, como tal, atua
destruindo (fagocitose e anticorpos), diluindo (plasma extravasado) e isolando
ou sequestrando (malha de fibrina) o agente agressor, além de abrir caminho
para os processos reparativos (cicatrização e regeneração) do tecido afetado.
A inflamação é caracterizada por cinco sinais clássicos: dor, calor, rubor,
tumor (edema) e, dependendo da progressão da resposta inflamatória, perda
da função. De um modo geral, em resposta a um estímulo lesivo, o organismo
animal reage com a liberação, ativação ou síntese de substâncias conhecidas
como mediadores químicos ou farmacológicos da inflamação, que determinam
uma série de alterações locais, manifestando-se, inicialmente, por dilatação de
vasos da microcirculação, aumento do fluxo sangüíneo e da permeabilidade
vascular, com extravasamento de líquido plasmático e formação de edema,
89
diapedese de células para o meio extravascular, fagocitose, aumento da
viscosidade do sangue e diminuição do fluxo sangüíneo, podendo ocorrer até
uma estase. Assim, o processo inicial, agudo, se manifesta localmente de
forma uniforme, padronizada ou estereotipada, qualquer que seja a natureza do
estímulo lesivo.
A baixa permeabilidade das paredes das microvênulas às proteínas é
um fator importante para o equilíbrio dos fluidos teciduais. Em resposta a um
estímulo inflamatório, essa permeabilidade aumenta drasticamente e o fluido
rico em proteínas desloca-se do sangue para o espaço extravascular. O fluido
extravasado sobrecarrega os vasos linfáticos, resultando em inchaço (edema)
do tecido. O edema inflamatório é uma conseqüência da lesão do endotélio.
Existem mediadores que atuam em receptores nas células endoteliais
das vênulas, induzindo um aumento da permeabilidade às proteínas
plasmáticas,
tais
como
histamina,
bradicinina,
leucotrieno D4 (LTD4),
leucotrieno C4 (LTC4), fator ativador de plaquetas (PAF), fatores do
complemento e substância P.
Em resposta ao estímulo inflamatório, mediadores, tais como PAF,
leucotrieno B4 (LTB4), prostaglandinas (PGs) e citocinas são produzidos por
células residentes próximas ao foco inflamatório, induzindo migração de
leucócitos. Estes mediadores ativam as células endoteliais e induzem a
expressão de moléculas de adesão, as quais promovem interações adesivas,
facilitando a passagem dos leucócitos através das paredes dos vasos
sanguíneos. A adesão dos leucócitos circulantes ao endotélio vascular é um
passo crucial para a efetiva defesa do organismo contra infecções. As
interações adesivas entre os leucócitos e as células endoteliais são mediadas
por receptores de adesão (moléculas de adesão) localizados na superfície de
ambas as células. A interação leucócito-endotélio é regulada por eventos
moleculares que induzem mudanças morfológicas, resultando na adesão.
Esses eventos podem ser divididos em fixação, ativação, adesão e passagem
através da parede vascular.
A fixação é mediada por moléculas de adesão, tais como as selectinas,
integrinas, as quais são expressas principalmente por leucócitos ativados e
causam a adesão leucocitária aos receptores no endotélio.
90
Após forte adesão ao endotélio, os leucócitos migram para o tecido sob
a influência de fatores quimiotáticos. Os leucócitos polimorfonucleares, que
incluem os neutrófilos (presentes na fase aguda do processo), macrófagos
(presentes na fase tardia ou de cronificação), eosinófilos (os quais participam
de processos alérgicos ou infecções parasitárias) e linfócitos (importantes em
respostas imunológicas), presentes no sítio da inflamação, são responsáveis
pela eliminação do estímulo nocivo e restos celulares, mas, por outro lado,
podem provocar lesão tecidual local devido à liberação de enzimas e outras
substâncias citoplasmáticas.
Deve-se, no entanto, ter em mente, que se trata de um processo único e
que estes fatores estão intimamente relacionados, e é a natureza do estímulo
que originou a inflamação que irá determinar o curso de sua evolução, agudo
ou crônico, bem como o tipo de exsudato inflamatório agudo, se purulento,
hemorrágico, fibrinoso, mucoso, seroso, ou misto. E, muito embora a reação
inflamatória se manifeste localmente, ela envolve o organismo como um todo,
com a participação dos sistemas nervoso e endócrino na regulação do
processo e o aparecimento de manifestações gerais, dentre outras a febre,
leucocitose, taquicardia, fibrinólise, alterações na bioquímica do sangue.
As classes de fármacos utilizados para o controle da resposta
inflamatória podem ser divididas em duas: anti-inflamatórios esteroidais (ex:
dexametasona) e anti-inflamatórios não-esteroidais (ex: indometacina). Estas
classes de fármacos apresentam propriedades similares, porém com distintos
mecanismos de ação.
Os efeitos dos anti-inflamatórios esteroidais (glicocorticóides) envolvem
interações entre os esteróides e os receptores intracelulares que pertencem à
superfamília dos receptores que controlam a transcrição gênica.
As agentes anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) estão entre os
agentes terapêuticos mais utilizados no mundo inteiro. Abrangem uma
variedade de agentes que pertencem a diferentes classes químicas e,
normalmente, apresentam três tipos de efeitos principais: efeitos antiinflamatórios (modificação da reação inflamatória), efeito analgésico (redução
de certos tipos de dor) e efeito antipirético (redução da temperatura corporal
elevada). Em geral, todos estes efeitos estão relacionados à ação primária dos
91
fármacos – inibição da ciclooxigenase (COX) e, portanto, inibição das
prostaglandinas e tromboxanos. Praticamente todos os AINEs disponíveis,
sobretudo os “clássicos”, podem apresentar efeitos indesejáveis significativos.
Inibidores não-seletivos da COX: ibuprofeno, paracetamol, ácido acetilsalicílico,
meloxicam. Inibidores da COX-2: celecoxibe, rofecoxibe.
Considerando-se que o edema tecidual é um dos sinais clássicos da
resposta inflamatória, o objetivo da aula prática proposta neste módulo é
investigar o efeito da indometacina e dexametasona em um modelo de orelha
induzido por óleo de cróton. Ao final desta aula, serão discutidos os
mecanismos envolvidos na indução do edema pelo óleo de cróton, bem como
os mecanismos de ação dos medicamentos anti-inflamatórios esteroidais e
não-esteroidais.
AULA PRÁTICA
Efeito dos anti-inflamatórios dexametasona e indometacina quando
aplicados por via tópica no edema de orelha induzido por óleo de cróton
Drogas:
- óleo de cróton (0,4 mg/orelha)
- dexametasona (0,05 mg/orelha)
- indometacina (2 mg/orelha)
* Todas as drogas serão aplicadas no volume de 20 µl.
Animais:
Camundongos Swiss (fêmeas pesando entre 25 a 30 gramas).
Procedimento:
Para
a
avaliação
da
resposta
edematogênica
na
orelha
de
camundongos, será avaliada a variação da espessura da orelha por meio de
micrômetro. A avaliação do edema será feita antes e 6 horas após a indução
do edema, e a variação da espessura das orellhas será calculada subtraindo-
92
se o valor obtido na primeira medida do valor obtido na segunda medida (6
horas após a indução).
Tabela:
Basal
6ª hora
EDEMA FINAL
C
C
C
ontrole
exa
ndo
ontrole
exa
ndo
ontrole
exa
ndo
Referências
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Janeiro: Elsevier, 6 ed., 2007.
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Autoimmunity Reviews 7: 1–7, 2007.
93
RESPOSTA FEBRIL
Amanda Leite Bastos Pereira
A febre, comum a várias doenças, é uma resposta sistêmica iniciada
quando um organismo sofre dano tecidual inflamatório e/ou infeccioso. Diante
desse desafio, o cérebro lança mão dessa poderosa resposta de defesa.
(Ivanov & Romanovsky, 2004). Pode ser também definida como um aumento
controlado da temperatura corporal, ocasionado por uma elevação do ponto de
regulagem desta temperatura, que se localiza no hipotálamo. Esta mudança,
por sua vez, é induzida por mediadores produzidos durante uma inflamação ou
processo infeccioso (Kluger, 1991; Roth & De Souza, 2001).
A atuação do hipotálamo na resposta febril é de fundamental importância
e uma das características primárias que a difere de hipertermia. Nesta última,
caracterizada pela incapacidade do organismo de dissipar calor na mesma
intensidade que este foi produzido, não há alteração hipotalâmica. Ainda, na
hipertermia, uma das principais alterações fisiológicas é a vasodilatação
periférica, com o objetivo de dissipar o calor. Na resposta febril, o que se busca
é conservar a temperatura, decorrente da alteração do termostato orgânico,
caracterizando-se, portanto, em vasoconstrição periférica.
A administração de lipopolissacarídeo (LPS), proveniente de parede
celular de bactérias Gram-negativas, a animais de laboratório representa um
dos modelos clássicos de indução da resposta febril, mimetizando o que ocorre
naturalmente em processos infecciosos por este tipo de bactéria. O LPS
estimula receptores do tipo Toll-4 em células fagocíticas (particularmente em
macrófagos) (Aderem & Ulevitch, 2000) induzindo a liberação de citocinas (no
caso da resposta febril chamadas de pirógenos endógenos), que por sua vez
atuam levando a mensagem ao hipotálamo para indução de febre (Kluger,
1991). Outros agentes também podem ser utilizados para a indução de febre,
incluindo materiais provenientes de parede celular de bactérias Gram-positivas
e fragmentos virais. No entanto, as vias de indução melhor estabelecidas até o
momento presente utilizam o LPS como modelo.
94
Dentre os pirogênios endógenos hoje reconhecidos, encontram-se as
citocinas como interleucina (IL)-1β, IL-1α, fator de necrose tumoral-α (TNF-α),
IL-6, IL-8, proteína inflamatória de macrófago (MIP) -1 α
e β, interferon
βe
γ, CINC-1 (Zampronio et al., 1994; Minano et al., 1996; Soares et al., 2009).
Existem várias hipóteses que tentam explicar como estas citocinas,
geradas perifericamente, modificam a atividade neuronal dentro do hipotálamo
(mais precisamente e principalmente a área pré-optica do hipotálamo anterior PO/HA), como, por exemplo, a entrada por áreas desprovidas de barreira
hematoencefálica, a participação de transportadores e neurônios aferentes.
Qualquer que seja a via de comunicação com a área PO/HA, os eventos
levariam a síntese e liberação de mediadores centrais, entre eles:
prostaglandinas E2 e F2α e D2 (PGE2, PGF2α e PGD2) (Milton, 1989; Coelho et
al., 1993; Gao et al., 2009), hormônio liberador de corticotrofina (CRH)
(Rothwell, 1989), opióides endógenos (Fraga et al.,2008), substância P (Reis,
2007) e endotelina-1 (ET-1) (Fabricio et al.,1998) resultando em um reajuste do
termostato hipotalâmico, que passaria a controlar a temperatura corporal a
níveis acima de 36,5-37°C.
A figura 1 representa um esquema simplificado da resposta febril, desde
o pirogênio exógeno, que quando administrado ou proveniente de material
infeccioso ou inflamatório, leva à produção de citocinas (pirogênios endógenos)
que, por sua vez, aumentam os níveis de mediadores centrais, responsáveis
pela alteração hipotalâmica.
95
Figura 1 – Representação esquemática da resposta febril.
Todas as vias de indução de febre são bastante complexas. A
compreensão dos detalhes de sua indução, interação com diversos sistemas,
novas moléculas pirogênicas e de como estas moléculas interagem dentro do
sistema, bem como novas maneiras de bloquear o sistema, são úteis não
somente para se entender a febre per se (e consequentemente como controlála mais adequadamente durante processos inflamatórios e infecciosos), mas
também para se entender como se processa a comunicação entre o sistema
imune e o sistema nervoso central.
Referências
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AULA PRÁTICA
Efeito da resposta febril induzida por lps
Objetivo: Verificar o efeito do lipopolissacarídeo (LPS) na resposta febril em
ratos.
Animais: ratos (Rattus novergicus) – machos, peso entre 170 - 250 g
Drogas: solução salina e LPS na dose de 50 µg/kg, ip
Procedimento: Para a avaliação da resposta febril, utilizaremos um
termômetro retal para medição da temperatura corporal dos animais. Esse
termômetro será inserido a 4 cm do reto do animal, sem retirá-lo de suas
gaiolas, por 1 minuto, em intervalos de 30 minutos, durante um período de 6
horas. Os animais devem ser manuseados gentilmente e segurados
manualmente durante as medidas de temperatura. Esse procedimento é feito
no dia anterior ao experimento, no mínimo, duas vezes ao dia, para habituar os
animais e evitar medidas discrepantes de temperatura. Geralmente, essas
medições são realizadas antes do tratamento (temperatura basal) e até 6 horas
após o tratamento. Após as medições, os dados serão analisados e os
resultados serão discutidos.
Resultados:
Grupos/Medidas
1ª Medida
2ª Medida
3ª Medida
Salina
97
LPS 50µg/kg
98
TOXICOLOGIA
Aline Stolf
Fabíola Nihi
Stéfani Rossi
Ana Carolina Lourenço
João Luiz Coelho Ribas
Izonete Cristina Guiloski
Samanta Luiza de Araújo
Francislaine Lívero Vieira
INTRODUÇÃO À TOXICOLOGIA
Samanta L. Araújo
Definição
A toxicologia pode definida como o ramo da ciência que se ocupa com
venenos. O veneno pode ser definido como qualquer substância que causa
efeitos deletérios quando administrada tanto acidental como intencional, para
um organismo vivo (HODGSON, 2003).
A toxicidade raramente pode ser definida como um evento molecular
único; ao invés disso, é uma cascata de eventos que começa durante a
exposição, prosseguindo para a distribuição, o metabolismo, e termina com a
interação com macromoléculas da célula (geralmente DNA ou/e proteína) e a
expressão de uma variável tóxica. A toxicidade pode ser reduzida pela
excreção e o sistema de reparo celular (HODGSON, 2003).
O estudo da toxicologia serve a sociedade de diferentes maneiras, para
proteger os humanos e a natureza dos efeitos deletérios dos toxicantes,
estabelecer limites seguros para os agentes químicos, para facilitar o
desenvolvimento de pesticidas e fármacos mais seletivos e para prevenir,
diagnosticar e tratar as intoxicações de maneira mais eficiente (GALLO, 2001;
HODGSON, 2003).
99
Terminologia:
Agente tóxico: Agente causador de efeitos deletérios em organismos vivos.
Bioindicador: animal modelo empregado na pesquisa.
Biomarcador: variável anotada no bioindicador (variável).
CL50: Concentração letal para 50% de uma amostra de animais experimentais
expostos ao ar ou a água contaminada.
DL50: Dose letal para 50% de uma amostra de animais experimentais expostos
pela via parenteral e/ou enteral.
Exposições crônicas: São as que duram 10% a 100% da expectativa de vida
do ser. Para os seres humanos entre 7 e 70 anos.
Exposições subcrônicas: São aquelas de curta duração, menores do que
10% do período vital.
Exposições agudas: São exposições de um dia ou menos e que ocorrem em
um único evento ou divididas em 24 horas.
Homeostase: palavra grega (homeo – similar; stasis – estático) para denotar
uma condição de estabilidade orgânica. Envolve o equilíbrio dinâmico entre os
mecanismos de regulação interrelacionados.
Toxina: Substância natural com efeitos tóxicos. Possui origem biológica.
Toxicante: substância sintética (síntese em laboratório).
Toxicidade: Acumulação de danos em períodos curtos ou longos que torna um
organismo incapaz de funcionar dentro dos limites da adaptação ou de outras
formas de recuperação.
Toxidade Aguda: é avaliada pela Dose Letal (DL50) ou pela Concentração
Letal (CL50), após a exposição aguda a um agente.
Toxidade Crônica e Sub-Crônica: é avaliada pela maior dose empregada na
exposição, que não desencadeie efeitos adversos; e pela menor dose que
desencadeie efeitos adversos no bioindicador empregado.
Variável: medida ou qualidade avaliada em um sujeito.
Veneno: Agente tóxico causador e efeitos graves, por vezes mortais.
Xenobionte: Substância estranha ao organismo.
100
Aspectos históricos
A história da toxicologia confunde-se com a história das civilizações
humanas. Primeiramente o ser humano observava o efeito de determinadas
plantas e animais ingeridos por outros animais e seres humanos. Através da
observação de efeitos tóxicos causados pela substância no organismo era
desaconselhado o uso de determinadas plantas e animais.
As civilizações antigas, grega e romana, foram as primeiras a instituir o
uso de substâncias químicas para eliminar desafetos e para controlar outros
povos (SCHOU E HODEL, 2003). Relatos que datam de 1500 a.C. reportam o uso
do ópio, venenos utilizados em pontas de flechas e alguns metais (LANGMAN
E
KAPUR, 2006). Alguns representantes de grande importância histórica para a
ciência foram vítimas de intoxicações, como Sócrates pela cicuta e Cleópatra
por uma naja. A partir de 1453, no período renascentista, a toxicologia começa
a ser moldada, surge uma definição clássica da toxicologia como a ciência dos
envenenamentos. Neste período há a preocupação com as propriedades físicoquímicas dos tóxicos (estudo dos tóxicos), com os efeitos que interferem na
fisiologia e no comportamento dos seres vivos (efeito tóxico), métodos para a
análise quantitativa e qualitativa de matérias biológicas e não biológicas
(diagnóstico da intoxicação) e o desenvolvimento de procedimentos que
permitam o tratamento dos intoxicados.
Um agente tóxico, também conhecido por toxicante ou poison é definido
como qualquer substância que em dose suficiente provoque doenças e a morte
(LANGMAN
E
KAPUR, 2006). Paracelso (1493-1541), um médico do século 16
observou que “todas as substâncias são tóxicas; não existem substâncias que
não sejam tóxicas. A dose certa é que diferencia o remédio do tóxico”. Esta
observação permitiu que muito tempo depois fosse introduzido o termo índice
terapêutico para fármacos. O índice terapêutico é obtido a partir de
experimentos simples e de curta duração (LANGMAN
E
KAPUR, 2006). A
afirmação de Paracelso é corroborada pela observação de grande número de
alimentos com baixas concentrações de agentes tóxicos (como o arsênio, o
chumbo, o diclorodifeniltricloroetano [DDT] e o ácido cianídrico) e não causam
sinais de toxicidade aguda, ao passo que grandes quantidades de água
101
causam um desequilíbrio na concentração de íons no organismo e podem até
determinar a morte. Contudo, o conceito de que qualquer substância pode ser
tóxica dependendo da dose nos permite a falsa idéia de que doses maiores são
mais deletérias, quando na verdade temos substância que em exposições
prolongadas a baixas doses provocam efeitos considerados extremamente
severos como neurotoxicidade, infertilidade, câncer, alterações imunológicas e
alterações anatômicas (ARAÚJO, 2005).
No século 18 o médico espanhol Matthieu Joseph Bonaventure Orfila
obteve as primeiras correlações entre determinada substância química e o
efeito observado no organismo exposto através de avaliação dos danos
produzidos em determinados órgãos durante a necropsia. Ele foi o primeiro a
propor a separação da toxicologia como uma ciência separada e que a análise
química deveria ser à base de toda a toxicologia. Este pensamento permanece
até hoje com a avaliação da exposição dos organismos aos tóxicos utilizando
metodologias de investigação científica sofisticada (LANGMAN
E
KAPUR, 2006).
Matthieu Orfila foi o primeiro pesquisador a publicar um livro específico sobre
toxicologia no ano de 1814, intitulado Traité des Regnes Minéral Vegetal et
Animal, ou Toxicologie Générale Considérée Sous lês Rapports de la
Pathologie et de Médicine Légale (LANGMAN E KAPUR, 2006).
O século 20 foi marcado por avanços significativo que permitiram a
compreensão da toxicologia. Foram feitas descobertas no ramo da biologia
celular e molecular que proporcionaram não só um avanço no conhecimento do
funcionamento da célula e dos organismos, mas também como vários grupos
celulares convivem e interagem. O século 20 também foi marcado pela
utilização da síntese química na formulação de uma vasta gama de
substâncias (fármacos, pesticidas e armas). Hoje podemos reconhecer que as
substâncias interferem nos processos biológicos da célula para produzir seus
efeitos
tóxicos.
Essa
característica
faz
da
toxicologia
uma
ciência
multidisciplinar que requer ciências de base (anatomia, biologia celular,
química, bioquímica, patologia e farmacologia), nas quais se apóia para
determinar qual a substância responsável pela intoxicação, como ocorre a ação
tóxica da uma substância (toxicodinâmica) e qual abordagem terapêutica deve
ser utilizada.
102
Alguns casos de intoxicação com repercussão mundial estimularam a
realização de congressos internacionais e a formação de sociedades
internacionais para discussão de temas em toxicologia e para propor
metodologias a serem empregadas na detecção de ações tóxicas de
substâncias. O primeiro acontecimento foi a intoxicação de crianças por uma
solução a base de sulfanilamina em 1935. As intoxicações foram decorrentes
do diluente utilizado, o dietileno glicol, um agente nefrotóxico. Já era sabido
que o dietileno glicol apresenta ação tóxica, mas por falta de disseminação da
informação o fármaco foi liberado para uso (GEILING
E
CANNON, 1938). O
segundo acontecimento foi a catástrofe provocada pela talidomida em 1961 e
1962, quando uma grande quantidade de crianças nasceu com sérios
problemas anatômicos resultantes da ação teratogênica da substância
(MCBRIDE, 1961; LENZ E KNAPP, 1962). A primeira sociedade em toxicologia foi
fundada em 1961 nos Estados Unidos (Society of Toxicology – SOT) e na
seqüência foi fundada a Sociedade Européia para Estudos da Toxicidade de
Drogas (European Society for the Study of Drug Toxicity – ESSDT), em 1962
(SCHOU E HODEL, 2003).
A toxicologia moderna apresenta como enfoque a prevenção e predição
das intoxicações. Com base neste enfoque podemos determinar três grandes
áreas de atuação para a toxicologia; a TOXICOLOGIA AMBIENTAL, que
estuda os efeitos tóxicos de substâncias encontradas na atmosfera, na cadeia
alimentar, no ambiente de trabalho e no ambiente recreativo; a TOXICOLOGIA
CLÍNICA, que estuda os efeitos adversos e tóxicos de substâncias (fármacos)
utilizadas intencionalmente com fins terapêuticos; e a TOXICOLOGIA
FORENSE, que estuda os aspectos médico-legais das intoxicações (LANGMAN
E KAPUR, 2006).
1.4 Áreas da toxicologia:
As atividades do profissional em toxicologia caem em uma das três
maiores categorias, descritiva, mecânica e regulatória. Apesar das diferenças,
todas contribuem para a determinação do risco (FAUSTMAN E OMENN, 2001).
a. Toxicologia dos Alimentos – determina a Ingestão Diária Aceitável
(IDA) para resíduos de pesticidas e aditivos alimentares, com base na Menor
103
Dose que causa efeitos adversos nos animais experimentais e nos fatores de
extrapolação intra-espécies e inter-espécie.
b. Toxicologia Ambiental – avalia o impacto ambiental das atividades
ligadas ao trabalho nos diferentes setores de atividade.
c. Toxicologia Ocupacional – possui a atenção voltada para a segurança
no trabalho. Faz o reconhecimento de pontos críticos de controle nas
empresas. Seu foco é a saúde do trabalhador no ambiente de trabalho.
d. Toxicologia dos Medicamentos – com a atenção voltada para
segurança
dos
fármacos
distribuídos
para
a
comercialização
(farmacovigilância) e para fins experimentais.
e. Toxicologia Social – associada ao desvio no emprego de fármacos e
outras substâncias consideradas drogas de abuso.
f. Toxinologia – ciência que estuda as toxinas dos microorganismos,
plantas e animais, suas características, formação, função e metabolismo.
Rotas de exposição
a. Oral – a principal forma de absorção é a difusão simples de moléculas
não ionizadas solúveis em lipídios (BRODEUR
E
TARDIF, 2005). A ionização das
moléculas do tóxico depende do pH do local, do pKa do tóxico e do órgão
exposto. O principal local de absorção das substâncias tóxicas, quando a rota
de exposição é a oral, é o intestino delgado, com características anatômicas
que o favorecem (BRODEUR E TARDIF, 2005).
b. Dermal – a pele representa uma barreira efetiva, mas imperfeita
contra xenobiontes. A maior barreira para a entrada de substâncias é dada pela
queratina (estrato córneo). Ela atrasa a difusão passiva das moléculas. A
difusão simples é muito mais rápida no estrato granuloso, no espinhoso e no
germinativo (BRODEUR
E
TARDIF, 2005). Além das características da barreira, a
vasodilatação, a grande superfície de contato e a hidratação da pele permitem
a absorção ainda mais rápida de xenobiontes.
c. Inalatória – O pulmão humano é exposto a 10000 litros de ar, mais ou
menos contaminado, a cada dia, ao exercer sua função fisiológica. A via
inalatória é importante na absorção de gases, ou vapores e partículas líquidas
ou sólidas de massa diminuta. Fragmentos maiores ficam depositados em
104
diferentes regiões do trato respiratório ou são eliminados através da tosse e do
espirro. A absorção dos tóxicos inalados ocorre principalmente nos alvéolos. A
região alveolar apresenta uma grande superfície de absorção (80 m2 em um
ser humano adulto) e uma barreira formada por uma camada fina de células
alveolares. Partículas com 0,1 a 1,0 µm de diâmetro alcançam a região
alveolar. As partículas com menos de 0,1 µm de diâmetro entram e saem com
o ar durante a inspiração e a expiração (BRODEUR E TARDIF, 2005).
Principais efeitos deletérios:
a. Alterações cardiovasculares e respiratórias;
b. Alterações do sistema nervoso;
c. Lesões orgânicas: ototoxicidade, hepatotoxicidade e nefrotoxicidade;
d. Lesões carcinogênicas/tumorigênicas;
e. Lesões teratogênicas (malformações do feto);
f. Alterações genéticas: mutagênese
g. Infertilidade: masculina, feminina ou mista;
h. Alterações da capacidade reprodutora: teratogênese; aborto (precoce
ou tardio)
Alguns exemplos: Vitamina A – Atraso mental; cérebro e coração.
Talidomida - Coração e membros.
Fenobarbital - Palato; coração; atraso mental.
Álcool - Defeitos faciais; atraso mental.
Cloranfenicol - Aplasia medular
Classificação dos efeitos toxicológicos:
a. Locais x Sistêmicos – a manifestação tóxica será considerada local
quando for próxima ao órgão exposto (corrosão, inflamação, neoformação) e
sistêmica quando for em um local/órgão distante do local exposto (lesão
gástrica
que
não
envolva
substâncias
cáusticas,
lesão
hepática,
neurotoxicidade).
b. Imediatos x Tardios – O efeito imediato é aquele que aparece após a
exposição única ou repetida próximo ao período de exposição. O efeito tardio
105
é aquele que aparece após um lapso de tempo. Os efeitos carcinogênicos são
considerados tardios, pois só irão surgir 10 a 20 anos após a exposição ter
cessado. A mutação neoplásica das células também pode ser associada a
exposição crônica.
c. Reversíveis x Irreversíveis, de acordo com o tempo necessário para o
retorno do paciente a homeostase.
Referências
Araújo, S.L. Ratos wistar expostos aos inseticidas lambda-cialotrina, carbaril e
metamidofós em testes reprodutivos de curta e longa duração. 2005. f. 74.
Dissertação (Mestrado em farmacologia – área de concentração em
Toxicologia) – curso de pós-graduação em farmacologia, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba.
Brodeur, J.; Tardif, R. Absorption. Em: Wexler, P. Encyclopedia of Toxicology.
2a.ed., Elsevier, 2005.
Faustman, E.M.; Omenn, G.S. Risk assessment Em: Klassen, C.D. Casarett e
Douls’s toxicology: The Basic Science of Poisons. 6ª ed., New York: Mc GrawHill, 2001.
Gallo, M.A. History and scope of toxicology. Em: Klassen, C.D. Casarett e
Douls’s toxicology: The Basic Science of Poisons. 6ª ed., New York: Mc GrawHill, 2001.
Geiling, E.M.K., Cannon, P.R. Pathological effects of elixir of sulfanilamide
(diethylene glycol) poisoning. Journal of the American Medical Association, v.
111, p. 919-926. 1938.
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Langman, L.J., Kapur, B.M. Toxicology: Then and now. Clinical Biochemistry, v.
39, p. 498-510. 2006.
Lenz, W., Knapp, K. Die thalidomid-embryopathie. Dtsch. Med. Wschr, v. 87, p.
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McBride, W.G. Thalidomide and congenital abnormalities. Lancet, v. 2, p. 1358.
1961.
Schou, J.S., Rodel, C.M. The International Union of Toxicology (IUTOX) history
and its role in information on toxicology. Toxicology, v. 190, p. 117-124. 2003.
106
TOXICOLOGIA REPRODUTIVA
Fabíola Nihi
Ana Carolina Lourenço
A Toxicologia Reprodutiva é o estudo da ocorrência dos efeitos adversos
sobre o sistema reprodutor de machos ou fêmeas, que pode resultar da
exposição a agentes químicos ou físicos.
Distúrbios reprodutivos tem se tornado um problema de saúde pública.
Uma variedade de fatores está associada aos mesmos, como a nutrição do
individuo, o meio ambiente, o nível sócio econômico, o estilo de vida e o
estresse. Os distúrbios que afetam o sistema reprodutor incluem redução na
fertilidade, impotência, distúrbios menstruais, abortos espontâneos, menor
peso no nascimento e outros defeitos de desenvolvimento (US EPA, 1996).
Dentro da Toxicologia Reprodutiva encontram-se duas outras áreas, a
Teratologia e a Toxicologia do Desenvolvimento. A Teratologia estuda as
causas, os mecanismos e os padrões do desenvolvimento anormal induzido
durante o período compreendido entre a concepção e o nascimento. A
Toxicologia do Desenvolvimento se desenvolveu a partir da Teratologia, tratase de uma ciência recente e estuda os efeitos adversos sobre o organismo em
desenvolvimento, ocorrendo em qualquer momento do ciclo de vida do
organismo, que pode resultar da exposição a agentes químicos ou físicos,
antes da concepção (através do comprometimento de gametas dos pais),
durante o desenvolvimento pré-natal, ou no período pós-natal até o período de
puberdade.
Portanto, o objetivo da Toxicologia Reprodutiva é investigar os possíveis
efeitos adversos sobre o sistema reprodutor após exposição a diferentes
substâncias químicas durante períodos críticos do desenvolvimento.
O sistema reprodutor se forma muito cedo durante o período
gestacional, mas sua maturação estrutural e funcional só ocorre na puberdade.
A exposição a tóxicos durante o desenvolvimento inicial pode levar a alterações
que possivelmente afetarão a função ou o desempenho reprodutivo adulto.
107
Exemplos disso são as substancias consideradas estrógenos ou antiandrógenos que interferem na diferenciação sexual masculina. Efeitos
adversos como a redução da fertilidade da prole são conseqüências tardias da
exposição a tóxicos durante o período gestacional. Alterações em outros
parâmetros como comportamento sexual, normalidade em ciclo reprodutivo, ou
função gonadal também podem afetar a fertilidade (US EPA, 1996).
Os hormônios têm importante papel regulatório na gestação a partir do
momento da ovulação e fertilização até a parturição. Eles também participam
da diferenciação sexual do sistema nervoso central do feto e no
desenvolvimento das características sexuais secundárias formadas durante a
gestação até a maturação do sistema reprodutor que se completa na
puberdade.
Alterações reprodutivas no desenvolvimento e diferenciação
podem ser produzidas por desreguladores endócrinos (substâncias químicas
naturais ou sintéticas, que são capazes de modular ou desregular o sistema
endócrino por mimetizar ou inibir as ações dos hormônios endógenos) e podem
resultar em infertilidade, distúrbios na gestação e lactação das progenitoras,
alterações morfológicas e funcionais do sistema reprodutor, alterações do início
da puberdade ou senescência, comportamento sexual e câncer. Exposições
pré ou pós-natal a toxicantes podem produzir mudanças que não podem ser
preditas até a observação dos efeitos na fase adulta, e estes efeitos são
freqüentemente irreversíveis (US EPA, 1996).
Os efeitos dos desreguladores endócrinos sobre a reprodução e o
desenvolvimento podem ser induzidos diretamente ou indiretamente. O efeito
pode resultar da interação direta da substância com componentes ou reações
do sistema reprodutor (efeitos tóxicos sobre órgãos endócrinos ou toxicidade
sistêmica) ou por interferência indireta através de alterações na regulação
hormonal (Neubert e Chahoud, 1995). Há vários caminhos pelo qual uma
substância pode interferir com a regulação hormonal, modificando, por
exemplo: o número de receptores, a interação do hormônio com o receptor
(reconhecimento do hormônio pelo receptor ou na resposta pós-receptor),
interferindo com a síntese, armazenamento, liberação, metabolismo (inativando
108
enzimas que degradam hormônios), eliminação, etc (US EPA, 1996; Baker,
2001).
Numerosos agentes são alvos de estudos de toxicologia reprodutiva por
serem possíveis tóxicos ao sistema reprodutor, como agentes físicos, toxinas,
poluentes (do ar e da água), aditivos alimentares, pesticidas, metais pesados,
resíduos industriais e outros.
Para a realização de triagem e programas de testes para detectar
agentes capazes de desregular o sistema endócrino, a Agência de Proteção
Ambiental dos Estados Unidos (US EPA – United States - Environmental
Protection Agency) instituiu, no ano de 1998, o Comitê Consultivo de Testes e
Triagem dos Desreguladores Endócrinos (EDSTAC – Endocrine Disrupters
Screening and Testing Advisor Committe) que propõe e valida testes que
caracterizem o potencial dos desreguladores endócrinos. De maneira
semelhante, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico
(OECD
–
Organization
for
Economic
Cooperation
and
Development) está trabalhando em validação de métodos para detecção de
desreguladores endócrinos (EDSTAC, 1998; Gray et al., 2002; Clode, 2006).
Além disso, a Anvisa disponibiliza um guia de estudos não clínicos onde
estão determinados estudos de toxicidade reprodutiva que devem contemplar
avaliações nas seguintes fases:
A. Fertilidade e desenvolvimento embrionário inicial (Avaliações:
maturação de gametas, comportamento no acasalamento, fertilidade, estágio
de préimplantação embrionária, implantação),
B. Desenvolvimento pré e pós-natal, incluindo função materna
(Avaliações: Aumento da toxicidade relativa a fêmeas não grávidas,
mortalidade pré e pós-natal dos filhotes, crescimento e desenvolvimento
alterados, alterações funcionais dos filhotes, incluindo comportamento,
maturidade (puberdade) e reprodução),
C. Desenvolvimento embrio-fetal (Avaliação de anormalidades fetais).
Teste uterotrófico
Este teste in vivo tem como finalidade avaliar a ligação de compostos
estrogênicos ao receptor do estrógeno. Este teste é utilizado para detecção de
109
compostos com propriedades estrogênicas ou antiestrogênicas. Os estrógenos
são compostos que induzem hipertrofia uterina em ratas imaturas e fêmeas
maduras ovariectomizadas. O teste tem curta duração (três dias consecutivos),
servindo com indicador de ação estrogênica de uma substância, pela
determinação do crescimento uterino em ratas imaturas (Odum et al., 1997). O
bloqueio do efeito uterotrófico do estradiol serve como indicador de
antiestrogenicidade (Andrade et al., 2002).
Teste de Heshberger
O teste de Heshberger (Hershberger, 1953) é um teste in vivo,
recomendado pelo EDSTAC (1998), utilizado na triagem de substâncias com
propriedades androgêncicas ou antiandrogênicas. Tem por como objetivo
avaliar a capacidade dos compostos suspeitos em recuperar o peso da
próstata e vesícula seminal de roedores machos castrados. O teste baseia-se
no crescimento de tecidos andrógenos dependentes (próstata e vesícula
seminal) em ratos machos castrados, e no bloqueio da ação da testosterona
sobre os tecidos (antiandrogenicidade).
Protocolo de puberdade em fêmeas
Este protocolo tem por objetivo avaliar os efeitos dos desreguladores
endócrinos sobre a tireóide, eixo hipotálamo-hipófise-gônadas, e níveis
hormonais de estrógenos, detectáveis pela administração via oral do composto
suspeito, após certo período de dosagem. Os animais serão expostos por via
oral á substância suspeita, do 21º ao 42º dia de vida. No decorrer do
experimento, vários parâmetros reprodutivos são analisados para investigação
do potencial toxicológico da substância sobre este período crítico de
desenvolvimento.
Protocolo de puberdade em machos
Este protocolo tem como finalidade detectar compostos com atividade
androgênica ou antiandrogêncica, em um único teste realizado in vivo. Os
animais serão expostos por via oral, á susbstância suspeita, do 21º ao 70º dia
de vida. No decorrer do experimento, vários parâmetros reprodutivos são
110
avaliados para investigação do potencial toxicológico da susbstância, sobre
este período crítico de desenvolvimento.
Protocolo de exposição in útero e lactação
Neste protocolo, os roedores são expostos durante o desenvolvimento
pré e pós natal, a compostos suspeitos de serem desreguladores endócrinos,
para detectar efeitos tóxicos mediados por alterações nos níveis de estrógeno,
andrógeno e hormônios da tireóide. O protocolo permite avaliar os efeitos do
composto sobre a organogênese, diferenciação sexual e puberdade. A
utilização de um organismo em desenvolvimento para realização do protocolo
permite avaliar os mecanismos de ação mediados por hormônios, envolvidos
na indução de toxicidade do composto (Gray et al., 2002).
Referências
ANVISA (Agência Nacional d Vigilância Sanitária). Guia para a condução de
estudos não clínicos de segurança necessários ao desenvolvimento de
medicamentos, Brasília, 2010.
Baker, V. A. Endocrine disrupters – testing strategies to assess human hazard.
Toxicology in Vitro, v. 15, p. 413 – 419, 2001.
Clode, S. A. Assessment of in vivo assays for endocrine disruption. Best Pratice
& Research Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 20, n. 1, p. 35 – 43, 2006.
EDSTAC. Screening and testing. Final Report, Aug. p. 489 – 591, 1998.
Gray Jr. L. E. e col. Xenoendocrine disrupters-tiered screening and testing
Filling key data gaps. Toxicology, v. 181 - 182, p. 371 – 382, 2002.
OECD (Organization for Economic Cooperation and Development). Series on
testing and assessment nº. 38. Detailed background review of the uterotrophic
bioassay ENV/JM/MONO, 2003.
US EPA. Guidelines for reproductive toxicity risk assessment. EPA/630/R96/009, Washington, 1996.
AULA PRÁTICA
Teste Uterotrófico
111
As funções do sistema reprodutivo das fêmeas estão sob o controle
endócrino, estando desta forma, sujeito a desregulação por qualquer alteração
que possa ocorrer no eixo hipotálamo-hipófise-gônadas. O estradiol é um
hormônio estrogênio sintetizado pelos ovários e secretado pelas células
granulosas dos folículos maduros e também pela placenta durante a gestação.
Esse hormônio é secretado na circulação sistêmica, onde irá atuar em
receptores estrogênicos (ER). Ambas as células, epiteliais e do estroma
uterino, expressam ER tanto no início do desenvolvimento quanto em animais
adultos, assim, ambos tecidos são sujeitos aos efeitos dos estrogênios durante
o desenvolvimento e na vida adulta (BROWN, 1999; CATT, 1999; LINDZEY e
KORACH, 1999).
O teste uterotrófico é um ensaio in vivo de curta duração recomendado
pelo EDSTAC - US EPA na triagem de substâncias estrogênicas e
antiestrogênicas (DORFMAN e DORFMAN, 1954; BAKER, 2001; CLODE,
2006). Estrogênios ou compostos estrogenicamente ativos podem induzir
hipertrofia do útero de ratas fêmeas imaturas (do 17º ao 26º dia pós-natal o
útero está quiescente) (KANG e col., 2000; EARTMANS e col., 2003; OECD,
2003; CLODE, 2006). Este ensaio é utilizado como teste padrão para a triagem
de substâncias com efeitos (anti)estrogênicos, porque avalia tanto o potencial
como os efeitos diretos dessas substâncias (avaliando ligação e efeito nos
receptores estrogênicos).
A
B
Figura 1 - Úteros de ratas imaturas que receberam durante o teste uterotrófico: (A) estradiol;
(B) veículo.
Protocolo experimental
A aula prática será realizada apenas para fins demonstrativos do
protocolo experimental do teste uterotrófico. Portanto, será utilizado o menor
112
número de animais possível. No teste, serão utilizadas três ratas Wistar (Rattus
novergicus albinus) fêmeas imaturas (21 ± 1 dia pós-natal), que serão tratadas
com a substância a ser investigada por três dias consecutivos (do 22º ao 24º
dia pós-natal). O tratamento das substâncias estrogênicas e antiestrogênicas
será feito pela via oral e subcutânea.
Os grupos experimentais compreendem:
•
Um grupo controle negativo - administração de veículo
(água destilada)
•
Um grupo controle positivo para estrogenicidade – para
avaliar atividade estrogênica (ex. 17β-estradiol, 17β-etinilestradiol ou
dietilstilbestrol)
•
Um controle positivo para antiestrogenicidade – para
avaliar atividade anti-estrogênica (ex. 17β-estradiol + tamoxifeno).
Após 24 horas do último tratamento, os animais serão pesados e
eutanasiados,
seguida
pela
imediata
remoção
e
pesagem
do
útero
(EARTMANS e col., 2003; GRAY e col., 2004; CLODE, 2006). Este ensaio
geralmente tem boa reprodutibilidade, mas deve ser avaliado com cautela, pois
falso-positivos podem ocorrem quando há pequeno aumento do peso uterino
(GRAY e col., 2004). Há evidências de que doses relativamente elevadas de
substâncias sem atividade estrogênica, por exemplo, progesterona e
testosterona podem estimular uma resposta estrogênica (JONES e EDGREN,
1973).
Grupos experimentais:
Grupo
Dose/Veículo
Via
N
Controle veículo
5 mL/kg água destilada
v.o.
1
Estradiol
0,4 mg/kg/5 mL óleo de canola
v.o.
1
v.o./i.p.
1
Estradiol/Tamoxifeno 0,4 mg/kg/ 5 mL/1 mg/kg/5 mL água
destilada
113
No 25º dia pós-natal os animais terão as massas corporais aferidas e em
seguida serão eutanasiados por deslocamento cervical. O útero deverá ser
imediatamente retirado (seccionado logo abaixo da sua junção com a cérvix e
na junção dos cornos uterinos com os ovários) e dissecado cuidadosamente
para retirar o tecido conectivo adjacente. Em seguida o útero deve ser
perfurado com uma agulha e colocado entre duas folhas de papel filtro para
retirada do líquido retido. A massa absoluta do útero aferida em balança
analítica Gehaka BG 440 e a massa relativa do útero deverá ser determinada e
registrada percentualmente em relação ao peso corporal.
Massa
Grupos
Controle
(veículo)
Corporal
Massa
Massa
absoluta do
relativa do
útero
útero
Rato 1
Rato 2
Rato 3
Rato 1
Estradiol
Rato 2
Rato 3
Estradiol +
Tamoxifeno
Rato 1
Rato 2
Rato 3
Referências
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hazard. Toxicology in Vitro, v. 15, p. 413 – 419, 2001.
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Encyclopedia of Reproduction. San Diego: Academic Press, 1999. v. 4, p. 634 644.
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Pratice & Research Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 20, n. 1, p. 35 – 43,
2006.
DORFMAN, R. I.; DORFMAN, A. S. Estrogen assays using the rat uterus.
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EARTMANS, F. e col. Endocrine disruptors: effects on male fertility and
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Screening and Testing. ILAR Journal, v. 45, n. 4, p. 425 – 437, 2004.
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KANG, K. S. e col. Immature uterotrophic assay is more sensitive than
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Tract. In: KNOBIL, E.; NEILL, J. D. Encyclopedia of Reproduction. San Diego:
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OECD (Organization for Economic Cooperation and Development). (2003).
Series on testing and assessment nº. 38. Detailed background review of the
uterotrophic bioassay ENV/JM/MONO.
115
TOXICOLOGIA AMBIENTAL
Stéfani Rossi
João Luiz Coelho Ribas
Izonete Cristina Guiloski
Toxicologia Ambiental e Ecotoxicologia são termos empregados para
descrever o estudo científico dos efeitos adversos causados sobre os
organismos vivos pelas substâncias químicas liberadas no ambiente. Em geral,
a primeira expressão é usada nos estudos em que se abordam os efeitos de
substâncias sobre os seres humanos e o segundo, para os estudos dos efeitos
dos mesmos compostos sobre os ecossistemas e seus componentes nãohumanos.
À medida que a humanidade aumenta sua capacidade tecnológica de
intervir na natureza, para satisfazer suas necessidades e desejos crescentes,
surgem os conflitos quanto ao uso do espaço, recursos e da disposição dos
resíduos no ambiente. Nos dois últimos séculos, o modelo de civilização que se
impôs traz a industrialização como forma de produção e organização de
trabalho. Como conseqüência de sua produção, tem-se a disponibilidade de
uma quantidade enorme de produtos químicos altamente tóxicos e a geração
de resíduos em quantidade significativamente prejudicial ao ambiente.
Os sinais de poluição tornam-se mais evidentes com o aumento
populacional, dentre eles as doenças de veiculação hídrica, fortemente
associadas à falta de saneamento básico. Somente a partir de 1960 a poluição
se torna um fato reconhecido internacionalmente, pela constatação dos
problemas causados ao homem e ao seu próprio ambiente (CHASIN e
AZEVEDO, 2003)
O interesse do homem pelas questões ambientais vem aumentando
nestas últimas décadas. A explicação para tal interesse se encontra nas
ocorrências de acidentes com produtos químicos, com repercussão mundial.
Diversos exemplos podem ser citados: o uso indiscriminado de DDT nos anos
40, agrotóxico cujo uso foi proibido em diversos países e que apresenta alta
persistência ambiental e é inda encontrado em águas em regiões distantes do
116
planeta; no Japão as contaminações por mercúrio, cádmio, e bifenilas policloradas (PCBs); o isocianato de metila na Índia e as dioxinas na Itália são
também exemplos de sérios problemas ambientais, todos responsáveis pela
morte de muitos seres humanos e outros organismos.
A partir desses acontecimentos, vários países deram início ao
monitoramento ambiental e pesquisas para avaliação do nível de contaminação
em efluentes de vários ramos industriais de compostos utilizados em lavouras.
Com isso, é possível perceber que o ambiente aquático não é um
compartimento de diluição infinita da poluição gerada e que a superfície da
Terra e seus ambientes são compartimentos frágeis de matéria viva dos quais
depende a existência humana.
As
propriedades
inerentes
dos
agentes
químicos,
tais
como
transformação no ambiente, potencialidade de bioacumulação, persistência e
concentração ambiental ou dose administrada, assim como os processos
metabólicos dos organismos (absorção, distribuição, excreção e mecanismos
de detoxificação) determinam o efeito específico em um determinado alvo
(órgão, indivíduo, população, comunidade). Os efeitos adversos dos poluentes
sobre os organismos vivos podem seres quantificados por uma variedade de
critérios, como: número de organismos mortos ou vivos, taxa de reprodução,
comprimento e massa corpórea, número de anomalias ou incidência de
tumores, alterações fisiológicas e, ainda, a densidade e diversidade de
espécies numa determinada comunidade biológica, dentre outros.
Praticamente toda atividade humana constitui uma fonte potencial de
contaminantes aos ecossistemas. Dentre elas, os esgotos domésticos urbanos
e industriais, cujo lançamento nos cursos d´água causa sérios problemas de
qualidade da água de mananciais, são importantes representantes. A
atmosfera é também meio de dispersão de poluentes, como os antrópicos de
origem industrial e compostos gasosos (produtos de combustão e outros
volatilizáveis), que igualmente vão alcançar a superfície dos corpos d´água ou
depositar-se nos solos e sobre a cobertura vegetal.
Há várias definições importantes nos estudos de Ecotoxicologia:
resíduos corporais (quantidade total de um contaminante químico no organismo
individual), bioconcentração (a razão entre a concentração de um resíduo
117
químico no tecido animal e na água), biomagnificação (aumento da
concentração de resíduos químicos de organismos na parte mais alta da
cadeia alimentar, como resultado da acumulação em função da dieta dos
mesmos) e bioacumulação (razão do resíduo químico no tecido animal pela
concentração em uma fase ambiental externa, ou seja, água, sedimentos ou
alimentos, e é medido em condições de estado estacionário em que
organismos e alimentos são expostos).
Outra questão importante e de grande complexidade é a dos efeitos
provocados por interações sinérgicas, antagônicas, de potenciação e de adição
de contaminantes orgânicos e inorgânicos sobre muitas comunidades da biota.
Sabe-se que a exposição da biota a misturas de contaminantes pode levar a
interações
toxicológicas,
o
que
resulta
em
uma
resposta
quanti e
qualitativamente diferente da esperada pela ação dos contaminantes sozinhos.
(ZAGATTO e BERTOLETTI, 2008).
A necessidade da detecção dos efeitos subletais dos tóxicos sobre os
organismos levou ao desenvolvimento dos biomarcadores, os quais são
alterações biológicas que expressam a exposição e/ou o efeito tóxico de
poluentes presentes no ambiente (WALKER; THOMPSON, 1996). Existem
assim biomarcadores moleculares, celulares ou sistêmicos, sendo alguns deles
específicos para determinados poluentes. Biomarcadores são definidos como
alterações a respostas biológicas, que passam de respostas moleculares,
celulares, fisiológicas até mudanças comportamentais, e que podem ser
relacionadas à exposição ou efeitos tóxicos de agentes químicos ambientais
(PEAKALL, 1994). Podem ser usados para avaliar a saúde de organismos e
obter sinais com antecedência de riscos ambientais. Como muitos dos
biomarcadores são indicadores de curto prazo, porém de efeitos adversos de
longa duração, seus dados podem permitir intervenção antes que efeitos
maléficos irreversíveis se tornem inevitáveis. (VAN DER OOST, 2003).
Existem biomarcadores de exposição e de dano, que indicam exposição
a determinados poluentes e em segunda instância se esta exposição causou
algum dano. A inibição da acetilcolinesterase (AChE) é um bom exemplo de
biomarcador de exposição . Essa enzima hidrolisa a acetilcolina e impede
assim sua ação contínua sobre as sinapses. Alguns pesticidas como
118
organofosforados e carbamatos inibem a ação da enzima e causam
hiperestimulação dos receptores e impedem a contração muscular normal,
dentre outras respostas. (ZAGATTO e BERTOLETTI, 2008). A inibição da
atividade da AChE tem sido utilizada em organismos aquáticos para
diagnosticar exposição a agentes anticolinesterásicos como pesticidas
organofosforados e carbamatos. Estudos recentes demonstram que as
acetilcolinesterases são também sensíveis a outros tipos de contaminantes
ambientais como metais, detergentes e misturas complexas de poluentes
(PENÃ-LLOPIS et al., 2003; FERRARI et al., 2004; MONTEIRO et al., 2004;
SHAONAN et al., 2004).
Figura 1 – Síntese e degradação da acetilcolina.ACE= Acetilcolinesterase; ACh= Acetilcolina;
CAT= Colina acetil-transferase.
Fonte: http: //www.medicinainformacion.com/rudimentos_ace.htm
AULA PRÁTICA
Laboratório de Toxicologia Ambiental
Material Biológico
Foram utilizados para este experimento peixes da espécie Astyanax sp.
Os animais foram expostos à concentração de 1 mg/mL de Paration, por um
período de 48 horas. Assim, trabalharemos com dois grupos: Paration 1 mg/mL
(n=3) e grupo controle (n=3). De cada animal foram coletados cérebro e
músculo, que serão analisados separadamente.
119
Atividade de Acetilcolinesterase: (baseado em ELLMAN et al. (1961)
modificado para microplaca por SILVA DE ASSIS (1998).
Princípio do método: exposição de um homogeneizado de tecido muscular ou
cerebral e do reagente DTNB ao substrato acetiltiocolina. Este substrato é
hidrolisado pela AChE em tiocolina e acetato. A tiocolina resultante reage com
o DTNB gerando o ânion 5-Tio-2-nitrobenzoato responsável pelo aparecimento
de coloração amarela que pode ser monitorado pelo aumento de absorbância a
405 nm.
1. Homogeneizar as amostras de cérebro e músculo com o uso de
microhomogeneizador, em tampão fosfato 0,1 M, pH 7,5, na proporção de 1:10
(0,100 g de tecido para 1000 µL de tampão).
2. Centrifugar a 10000 x g, por 20 minutos, a 4ºC.
3. Diluir as amostras em tampão fosfato 0,1M, pH 7,5, na proporção de 1:10.
4. Em microplaca:
Adicionar 50 µl da amostra diluída em quadruplicata
Acrescentar 200 µl de DTNB 0,75 mM.
Acrescentar 50 µl ATC na concentração padronizada(com micropipeta
multicanal)
120
Medir absorbância a 405 nm durante 3 min a cada 30 s
Referências
BRADFORD, M. A rapid and sensitive method for the quantification of
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Analytical Biochemistry, v. 72, p. 248-254, 1976.
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122
TOXICOLOGIA, TOXINOLOGIA E METABOLISMO
Aline Stolf
Francislaine Lívero Vieira
Metabolismo de drogas
O metabolismo de fármacos compreende o conjunto de reações
enzimáticas que biotransformam fármacos e outros compostos estranhos
(xenobióticos) em metabólitos de polaridade crescente, para que sejam
excretados pela urina. O metabolismo desempenha, assim, um importante
papel na eliminação de fármacos, e impede que estes compostos permaneçam
por tempo indefinido no nosso organismo.
As reações de metabolismo ocorrem principalmente no fígado embora
algumas drogas sejam metabolizadas no plasma, no pulmão ou o intestino.
Muitas enzimas hepáticas envolvidas no metabolismo de drogas encontram-se
no retículo endoplasmático liso e, para atingir essas enzimas metabolizadoras
a droga deve atravessar a membrana plasmática do hepatócito.
O hepatócito é, provavelmente, a célula mais versátil do organismo, pois
possui funções endócrinas e exócrinas, e tem a capacidade de acumular,
detoxificar e transportar diversas substâncias. Essas células estão organizadas
em placas e em cordões celulares interligados, com espaços preenchidos de
sangue
chamados
sinusóides.
São
células
epiteliais
relativamente
homogêneas, com aproximadamente 30 µm de maior dimensão. Os
hepatócitos vivem um ano ou mais e são renovados lentamente, sendo que os
mecanismos homeostáticos funcionam para ajustar a taxa de proliferação
celular e ou a taxa de morte celular, de modo a manter o órgão em seu
tamanho normal. Frente a um agente tóxico, dependendo da quantidade e
toxicidade,
pode
ocorrer
lesão
nos
hepatócitos
e,
desta
forma,
o
extravasamento do conteúdo celular, liberando as enzimas armazenadas nos
peroxissomos hepáticos. Ainda, o agente tóxico pode apenas promover
alterações inespecíficas, como aumento da permeabilidade celular. Por
conjugação com taurina, glicina, ácido glucurônico ou glutationa os hepatócitos
123
criam compostos mais hidrossolúveis que podem ser excretados na bile ou na
urina.
O metabolismo de drogas envolve dois tipos de reações bioquímicas,
conhecidas como reações de fase I (oxidação, redução ou hidrólise,
geralmente realizadas pelo Citocromo P450) e de fase II (conjugação). Os
produtos da degradação (metabólitos) podem ser inativos ou ativos. Em
relação ao fármaco de origem, os metabólitos ativos podem agir por
mecanismos de ação similares ou diferentes, ou até mesmo por antagonismo.
O conhecimento da cinética da formação dos metabólitos ativos é importante
não apenas para previsão do resultado terapêutico, mas também para explicar
a toxicidade de um dado fármaco. Como o fígado é o principal órgão
metabolizador (incluindo a geração de metabólitos ativos ou tóxicos,
depuração, interações farmacológicas e variabilidade individual), a depuração
hepática é o principal alvo da otimização da farmacocinética de uma série de
compostos. O bloqueio, ou mesmo a promoção do metabolismo, podem ser
manipulados no sentido de obter fármacos com perfis farmacológicos mais
favoráveis. A redução do número de metabólitos ativos, por exemplo, favorece
uma cinética mais previsível e reduz a variabilidade individual.
As enzimas que metabolizam as drogas podem detoxificar compostos
endógenos e exógenos e podem gerar, potencialmente, componentes tóxicos
ou carcinogênicos e a inibição ou indução de sua atividade é um mecanismo
chave para a interação entre drogas. A modulação da atividade dessas
enzimas pode ocorrer por uma vasta quantidade de substâncias (incluindo
drogas, alimentos, fatores inflamatórios, dentre outros), o que influencia suas
medidas toxicológicas ou farmacológicas da mesma forma que os xenobióticos
ou outras drogas fazem.
O principal sistema de metabolização hepático é o sistema citocromo
P450. Tal sistema é constituído por um conjunto de proteínas contendo um
grupo heme que se localiza na parede do sistema reticular endoplasmático,
responsável pela fase final da oxidação, transferindo elétrons do oxigênio
molecular para os fármacos oxidados. Compreende uma grande família de
enzimas relacionadas, porém distintas, que diferem umas das outras na sua
seqüência de aminoácidos, na regulação por inibidores e agentes indutores e
124
na especificidade das reações que catalisam. Até o momento foram descritas
diversas famílias de genes CYP, das quais as três principais (CYP 1, 2 e 3)
estão envolvidas no metabolismo de drogas no fígado humano.
Muitas substâncias exógenas ou endógenas podem ser substratos de
isoenzimas P450, ou seja, ser metabolizadas por elas. Há também substâncias
capazes de inibir a sua síntese ou a sua transformação. Do ponto de vista
clínico é de particular importância o estudo das associações medicamentosas
que desencadeiam a inibição da metabolização de um dos fármacos, assim
resultando em maior quantidade de substância em circulação com eventuais
problemas tóxicos. Tal mecanismo de inibição pode surgir por especificidade
de fármacos para a região catalítica de uma determinada enzima, por três tipos
de situações: a) inibição competitiva em que há atividade de dois fármacos
para o mesmo local da enzima (ex: diltiazem/ciclosporina – CYP3A4); b)
inibição não competitiva em que um metabólito desmetilado forma um
composto com o CYP (ex: eritromicina com midazolan, ciclosporina e
carbamazepina por lesão no CYP3A induzida pela eritromicina); e, c) inibição
não competitiva por ligação ao heme do CYP de uma substância, assim
afetando a metabolização de outros fármacos que continuam a fixar-se
normalmente a sua região catalítica (ex: cimetidina e estradiol).
Igualmente, a capacidade de induzir a síntese de uma isoforma,
aumentando assim a metabolização de um fármaco, pode levar à ineficácia
terapêutica. De particular importância nesse aspecto são as condições ligadas
à alimentação, como o álcool e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos
existentes nas carnes grelhadas muito bem passadas, bem como o tabaco.
Todos eles podem induzir a síntese de CYP1A2, que interferem na
metabolização de teofilina e muitos beta-bloqueadores. A rifampicina está
implicada na indução de CYP3A4 e de CYP2C, reduzindo o tempo de meiavida do fenobarbital, carbamazepina e fenitoína.
Estresse oxidativo
Nosso organismo possui uma fantástica habilidade de adaptar-se a
estresses variados, internos e externos, aos quais é submetido. Quando o
organismo é habitualmente exposto a um agente estressor, sofre adaptações
125
para ajudar a recuperar a homeostase. Assim, qualquer estímulo que culmine
com produção excessiva de radicais livres e/ou depleção de antioxidantes
conduz a uma alteração significativa do balanço entre produção e remoção de
radicais livres, ou seja, conduz a um desequilíbrio entre os sistemas oxidante e
antioxidante, com predomínio dos oxidantes causando dano, o que define o
estresse
oxidativo.
O
efeito
deletério
do
estresse
oxidativo
varia
consideravelmente de um indivíduo para outro de acordo com a idade, o estado
fisiológico e a dieta. O que, entretanto, estes indivíduos têm em comum é o fato
de o fígado participar intensamente de reações de estresse oxidativo, pois os
hepatócitos possuem várias enzimas reguladoras da homeostase entre
geração e eliminação de radicais livres.
O termo radical livre designa qualquer átomo ou molécula que exista
independentemente e que contenha um ou mais elétrons não pareados nos
orbitais externos. O elétron não pareado ocupa um orbital atômico ou molecular
isoladamente. A presença de um ou mais elétrons não pareados determina
atração para um campo magnético e, algumas vezes, torna a substância
altamente reativa. A grande maioria dos radicais livres possui tempo de meiavida muito curto, indo de segundos a nanosegundos, sendo capazes de reagir
rapidamente com vários compostos ou atingir alvos, como as membranas
celulares. Entre os vários tipos de radicais livres estão aqueles derivados do
oxigênio e do óxido nítrico.
O radical superóxido é o radical mais comum e abundante da célula e
tem importância vital para células de defesa, uma vez que é formado no
organismo pela ação de fagócitos ou linfócitos durante o processo inflamatório,
sendo utilizado para a degradação de bactérias fagocitadas. Além disso, o
radical superóxido promove a liberação do íon ferroso, de forma que grande
quantidade de ferro está disponível para catalisar a conversão de peróxido de
hidrogênio em radicais hidroxila.
O radical hidroxila é o mais reativo dos radicais livres do sistema
biológico e é provavelmente o responsável pela maioria das lesões celulares
observadas. Ele inicia a peroxidação lipídica, causa modificações no DNA,
proteínas, lipídios e membranas celulares do núcleo e da mitocôndria.
126
Todos os componentes celulares são suscetíveis à ação das Espécies
Reativas do oxigênio (ERO), porém, a membrana celular, que é composta de
fosfolipídios e ácidos graxos insaturados, é um dos mais atingidos em
decorrência da peroxidação lipídica, que resulta em alterações na estrutura e
na permeabilidade das membranas. A peroxidação lipídica é o processo
através do qual as ERO agridem as membranas das células, desintegrando-as
e permitindo a entrada dessas espécies nas estruturas intracelulares,
culminando com a morte celular. Nem sempre os processos de lipoperoxidação
são prejudiciais, pois seus produtos são importantes na reação em cascata a
partir do ácido aracdônico (formação de prostaglandinas, tromboxanos e
leucotrienos) e, portanto, na resposta inflamatória.
O estresse oxidativo tem como indutores externos: hábitos de vida
inapropriados (tais como ingestão de álcool, consumo de cigarro e dieta),
condições ambientais impróprias (como a exposição à radiação não ionizante,
raios ultravioletas, poluição, alta umidade relativa e temperatura elevada),
estados psicológicos que provocam estresse emocional, o envelhecimento e o
exercício realizado de forma extrema. Entre os indutores internos indica-se a
cadeia respiratória mitocondrial, oxidases de função mista do citocromo P450,
xantina oxidase, macrófagos e neutrófilos, monoaminoxidase, prostaglandina
sintase,
lipoxigenase,
auto-oxidação
de
hemoglobina,
riboflavina,
catecolaminas, dentre outros.
Para proteger-se dos efeitos deletérios desses radicais livres, os seres
vivos possuem diversos mecanismos endógenos. Esses mecanismos são
conhecidos como sistemas antioxidantes de defesa, na proteção ou reparação
de moléculas agredidas pela oxidação. Dentre os sistemas antioxidantes
destaca-se:
1) Superóxido dismutase (SOD): uma metaloenzima endógena que
catalisa a reação de dismutação do radical superóxido. Suas principais formas
são a CuZnSOD (presente no citosol, núcleo e mitocôndria) e a MnSOD
presente na mitocôndria;
2) Catalase (CAT): uma hemeproteína, presente em quase todos os
organismos aeróbicos e em algumas células anaeróbicas. Catalisa a reação do
127
peróxido de hidrogênio em água e oxigênio e é responsável pela
desintoxicação celular e pela oxidação de ácidos graxos;
3) Glutationa (GSH): principal antioxidante produzido pelas células.
Participa diretamente da neutralização das espécies reativas de oxigênio bem
como da manutenção de antioxidantes exógenos, como vitaminas C e E na sua
forma reduzida. Atua como co-fator de várias enzimas antioxidantes, como a
Glutationa-S-transferase (GST) e a Glutationa Peroxidase (GPx);
4) Glutationa Peroxidase e Glutationa Redutase: atuam neutralizando
os radicais hidroperóxidos intracelulares em água;
5) Glutationa S-tranferase (GST): presente em elevada concentração
no fígado; catalisa reações de conjugação entre GSH e compostos
xenobióticos, tornando os produtos da reação menos tóxica e mais solúvel em
água, facilitando a excreção. Os produtos reativos de processos como a LPO e
os xenobióticos atuam como substrato para a GST.
A atividade de tais enzimas, bem como o nível de peroxidação, podem
ser mensurados em amostras de fígado diante de enfermidades, fármacos ou
agentes tóxicos, a fim de avaliar o comprometimento do órgão, que reflete o
estado redox do organismo.
Perfusão monovascular de fígado
Os experimentos de perfusão monovascular do fígado têm o objetivo de
avaliar diversas vias metabólicas, tais como: glicólise, neoglicogênese,
glicogenólise,
ureagênese,
amoniogênese,
consumo
de
oxigênio
e
biotransformação de drogas, diante de tratamentos farmacológicos ou
enfemidades.
Nessa técnica, o vaso eferente (veia porta) e o vaso aferente (veia cava)
do órgão são canulados, de tal maneira que o experimentador pode controlar a
qualidade do líquido arterial e colher, para posteriores análises, o líquido
venoso.
Os componentes básicos do sistema de perfusão são a bomba
peristáltica, o oxigenador de membrana e a câmara do fígado. A este sistema
está ainda acoplado um microeletrodo de platina com polarógrafo, um
128
registrador potenciométrico, um banho-maria com bomba de circulação externa
do líquido e um cilindro contendo a mistura carbogênica. A câmara do fígado,
de acrílico transparente, contém um capta-bolhas (dispositivo que impede a
entrada de bolhas de ar no fígado), uma câmara para a coleta de amostras e
um dispositivo de inserção e fixação do eletrodo de platina. O líquido de
perfusão é impulsionado pela bomba peristáltica em direção ao oxigenador.
Neste local ocorrem, simultaneamente, a oxigenação e o aquecimento para
37°C. O líquido segue para a câmara do fígado, entr a no órgão pela veia porta
e deixa-o pela veia hepática, sendo colhido, para posterior análises, pela
cânula inserida na veia cava.
Para manutenção da viabilidade do fígado ex-vivo o método emprega
líquido de perfusão livre de hemoglobina, tampão Krebs/Henseleit-bicarbonato,
cujo pH é igual a 7,4 quando saturado com uma mistura de oxigênio e dióxido
de carbono nas proporções 95:5, através do oxigenador de membrana, sendo o
fluxo de perfusão mantido entre 29-30mL/min. Com este líquido oxigenado o
fígado fica viável por um longo tempo, sendo que a maioria dos experimentos
para avaliar alterações metabólicas tem duração de 60 a 120 minutos.
Referências
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121-129, 2003.
AULA PRÁTICA
Método de BRADFORD para quantificação de proteínas em amostras
biológicas
O Método de BRADFORD é um método rápido e preciso para estimar a
concentração de proteínas em uma determinada amostra. O ensaio baseia-se
na ligação do corante Coomassie azul à proteína. A leitura é feita pela
mensuração da absorbância em 440nm.
A curva-padrão é construída a partir de concentrações conhecidas de
albumina sérica bovina.
A quantificação de proteína é um ensaio utilizado com diversos
propósitos. Em nosso laboratório a quantificação de proteína é necessária para
posteriores análises de atividade enzimática, pois os resultados relativos à
catalase, SOD (superóxido-dismutase) e glutationa S-transferase (GST) são
expressos em unidades por mg de proteína .
Material:
microplaca, folha
para
identificação
da microplaca,
pipetas
(100÷1000, 10÷100), ponteiras, pote para descarte, estante, leitor de Placas,
becker, papel alumínio.
130
Sais e drogas: reagente de Bradford, tampão fosfato, BSA (almumina sérica
bovina)
Amostra: Fígado
Procedimento:
Preparo da Curva-Padrão
Na placa colocar:
- Curva: 10 µL de cada concentração de BSA + 250 µL de Bradford
- Branco: 10 µL de Tampão Fosfato/metanol + 250 µL de Bradford
- Amostras: 10 µL + 250 µL de Bradford;
Fazer o esboço da placa na folha;
Envolver a placa com papel alumínio;
No Leitor de Placas - Comprimento de onda para leitura 440 nm.
Referências:
WALKER, J.M. The protein protocols handbook. 2ª edição. Totowa, New
Jersey: Humana press, 2002.
131
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