III Curso de Verão em FARMACOLOGIA 14 a 19 de Fevereiro de 2011 SUMÁRIO FARMACOCINÉTICA............................................................................................................... 3 FARMACOLOGIA DE PRODUTOS NATURAIS ...................................................................... 23 Produtos com ação sobre o trato gastrointestinal .......................................................... 23 Sistema cardiovascular .................................................................................................... 34 SISTEMA NERVOSO CENTRAL ............................................................................................. 44 Doença de Parkinson ....................................................................................................... 44 Aprendizagem e memória ............................................................................................... 50 Transtornos de humor e de ansiedade ............................................................................ 55 Drogas de abuso .............................................................................................................. 81 INFLAMAÇÃO ...................................................................................................................... 89 RESPOSTA FEBRIL ................................................................................................................ 94 TOXICOLOGIA ...................................................................................................................... 99 Introdução à toxicologia .................................................................................................. 99 Toxicologia reprodutiva ................................................................................................. 107 Toxicologia ambiental .................................................................................................... 116 Toxicologia, toxinologia e metabolismo ........................................................................ 123 2 FARMACOCINÉTICA Aline Stolf Arturo Dreifuss Francislaine LíveroVieira INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA A farmacologia pode ser definida como o estudo das substâncias que interagem com sistemas vivos por meio de processos químicos, ligando-se especificamente a moléculas reguladoras e ativando ou inibindo processos corporais normais. FARMACOCINÉTICA A farmacocinética é o estudo do movimento de uma substância química, em particular, um medicamento no interior de um organismo vivo, ou seja, estudo dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção. Para produzir seus efeitos característicos, uma substância precisa estar presente em concentrações adequadas em seus locais de ação. Embora as concentrações obtidas sejam dependentes da dose administrada, elas também dependem da magnitude e velocidade dos processos supracitados. Em uma ampla visão, a compreensão da farmacocinética pode aumentar a segurança e eficácia da terapêutica medicamentosa. Um mesmo medicamento pode produzir um efeito terapêutico ou tóxico, dependendo da dose. Ao aumentar a concentração podem verificar-se efeitos tóxicos. Surge assim, o conceito de índice terapêutico, que é o fator que relaciona a concentração na qual o fármaco produz efeitos tóxicos (dose tóxica) com a concentração na qual o fármaco é terapêutico (dose terapêutica). 3 Assim, para que um fármaco seja seguro, é preciso que ele tenha um índice terapêutico elevado. Por outras palavras, um fármaco seguro é aquele que precisa ser administrado numa alta concentração para ter um efeito tóxico. Ainda é importante ressaltar que a farmacocinética estabelece estreita relação com a farmacodinâmica, que determina o efeito ou resposta terapêutica, e é o resultado dos fenômenos que ocorrem após a administração de um medicamento. Ambos os fenômenos dependem de características do fármaco, das características do indivíduo e, o mais importante, da interação entre estes dois fatores: fármaco e indivíduo. Outros conceitos importantes na farmacocinética: Depuração - É a medida da eficácia do organismo na eliminação do fármaco. É um conceito importante a ser levado em consideração quando se planeja um esquema racional de administração prolongada de um fármaco. Em níveis mais simples, a depuração é a taxa de eliminação por todas as vias normalizadas de acordo com a concentração do fármaco em algum líquido biológico. A depuração através de vários órgãos de eliminação é aditiva. A eliminação do fármaco pode ser decorrente dos processos que ocorrem nos rins, no fígado e em outros órgãos. Em conjunto, tais depurações serão iguais à depuração sistêmica total. As outras vias de eliminação podem incluir a saliva e o suor, a distribuição para o intestino e a metabolização em outros locais Volume de distribuição - É a medida do espaço aparentemente disponível no organismo para conter o fármaco. Relaciona a concentração de fármaco no organismo com a concentração no sangue e no plasma, dependendo do líquido medido. Este volume não se refere necessariamente a um volume fisiológico identificável, mas apenas ao volume de líquido que seria necessário para conter todo o fármaco no organismo na mesma concentração em que se encontra no sangue ou no plasma. O volume de distribuição varia com o grau de ligação às 4 proteínas plasmáticas, o coeficiente de partição do fármaco no tecido adiposo, o grau de ligação em outros tecidos. O volume de distribuição de determinada substância pode variar de acordo com a idade, sexo, existência de doença e composição orgânica. Meia-Vida – É o tempo que leva para a concentração plasmática ou a concentração da substância no corpo ser reduzida a 50%. Biodisponibilidade – mede a fração do fármaco que ao ser administrado a um organismo vivo atinge de forma inalterada a circulação sanguínea. Um conceito mais abrangente considera ainda a biodisponibilidade como a quantidade do medicamento que atinge não só a circulação sanguínea, mas também o seu local de ação (biofase). As fases farmacocinéticas, esquematizadas na figura 1, são explicadas com mais detalhes a seguir. 5 Figura 1. Fases farmacocinéticas pelas quais as drogas passam ao serem administradas a um organismo. 1. ABSORÇÃO, BIODISPONIBILIDADE E VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DOS FÁRMACOS A absorção é definida como a passagem de uma droga de seu local de administração para o plasma sanguíneo. As moléculas dos fármacos se movimentam pelo organismo através da corrente sanguínea e através do processo de difusão (molécula a molécula por curtas distâncias). Nestes fenômenos, são de vital importância a constituição das membranas celulares, o pH do meio, o pK do medicamento e o transporte transmembrana. Os medicamentos, em sua maioria, são compostos orgânicos com propriedades de ácidos fracos ou bases fracas, portanto, em solução aquosa apresentam-se parcialmente ionizados. A proporção entre a parte ionizada e a não ionizada de um medicamento será determinada pelo pH do meio onde ele se encontra dissolvido e da constante de dissociação do medicamento. Quando o pH de uma solução aquosa de um ácido ou uma base estiver ajustado de modo que metade de um determinado medicamento exista nesta solução na forma não ionizada e metade na forma ionizada, este pH representa a constante de dissociação ou o pK do composto. A parte não ionizada das moléculas de um medicamento tem característica menos polar e mais lipossolúvel que a parte ionizada. Como as membranas celulares são predominantemente lipídicas, a parte não ionizada, isto é, lipossolúvel, é mais facilmente absorvida. Conclui-se, portanto que as cargas de elétrons existentes na molécula de um medicamento têm primordial importância na determinação da velocidade de sua absorção através das membranas celulares e das barreiras tissulares. Substâncias químicas sem carga (apolares) não sofrem influência do pH do meio em que estão dissolvidas, mantendo-se sempre apolares. Essas substâncias atravessam qualquer membrana biológica. 6 Para o grupo dos ácidos orgânicos, o pH do meio é o fator que determina a velocidade de absorção. Em pH ácido, a concentração hidrogeniônica da solução é alta e os ácidos orgânicos dissolvidos neste meio estão na sua forma molecular, sem carga e portanto lipossolúveis. Desse modo são mais bem absorvidos no estômago. Medicamentos que contém em sua estrutura um grupamento do tipo amina terciária, ou seja, uma base fraca, ficam sem carga em meio contendo poucos prótons, como o fluido encontrado no duodeno. Essa forma é suficientemente apolar para ser absorvida neste local. As barreiras celulares precisam ser ultrapassadas para que o fármaco chegue ao seu local de ação. Essa passagem de moléculas, ou seja, a absorção propriamente dita, pode ocorrer pelos seguintes processos: difusão simples; difusão aquosa; difusão mediada por carreador; e endocitose. Tais processos, no entanto, também são importantes para a distribuição de drogas (segunda fase farmacocinética), conforme descrito a seguir. a) Difusão simples: a membrana biológica funciona como uma estrutura inerte e porosa, que as moléculas transpõem por simples difusão. Neste caso, a polaridade da molécula assume grande importância. As moléculas do soluto distribuem-se da região em que estejam mais concentradas para as regiões menos concentradas. Para que esse processo ocorra é necessário que as moléculas sejam apolares e apresentem peso molecular compatível com a camada dupla lipídica a ser atravessada. b) Difusão aquosa (poros): moléculas pequenas e hidrossolúveis podem se mover através das membranas celulares por canais aquosos que ficam inseridos na bicamada lipídica. O diâmetro dos canais é variável. Nos capilares os canais são grandes (4 a 8 nm), ao passo que no endotélio intestinal e na maioria das membranas celulares o diâmetro é de apenas 0,4 nm. A permeabilidade às substâncias químicas através dos canais é importante na excreção renal, na 7 remoção de substâncias químicas do líquido cerebroespinal e na passagem de substâncias químicas através da membrana sinusoidal hepática. c) Difusão mediada por carreador: além dos transportes mencionados, as membranas celulares possuem outros mecanismos de transporte de substâncias que são fundamentais para a passagem de moléculas, como aminoácidos, neurotransmissores, açúcares, íons de metais e algumas drogas. Em geral, drogas pouco lipossolúveis podem atravessar a membrana através de carreadores protéicos, ou seja, proteínas transmembranas que se ligam a uma ou mais moléculas da droga ou íons, sofrem uma modificação na sua conformação e os liberam do outro lado da membrana. Esse sistema pode operar de modo passivo ou ativo. c1) Passivo ou Difusão facilitada: ocorre sem gasto de energia e é mediado por um carreador. O substrato se move a favor do gradiente de concentração. A velocidade de difusão é consideravelmente maior que a da difusão simples. Ex: entrada de glicose nas células. c2) Trasporte ativo: a substância é movida através de carreadores contra o gradiente de concentração, necessitando de energia derivada da hidrólise de ATP ou de outras ligações ricas em energia. Na maior parte dos casos este processo exibe alto grau de especificidade estrutural e estereoquímica. Assim, durante o transporte, se duas substâncias correlatas se oferecerem ao mesmo tempo uma poderá inibir o transporte da outra. d) Endocitose: envolve a invaginação de uma parte da membrana celular, formando uma pequena vesícula contendo componentes extracelulares. Na seqüência, o conteúdo da vesícula pode ser liberado no interior da célula. Exigem energia celular e não utilizam transportadores. 8 1.1 PRINCIPAIS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS A escolha da via de administração é determinada principalmente pelas propriedades do fármaco (como por exemplo, grau de ionização, solubilidade) e pelos objetivos terapêuticos (início de ação rápido ou lento, ação sistêmica ou local). As principais vias de administração de drogas são: enteral (oral, retal, sublingual) e parenteral (subcutânea, intramuscular, endovenosa ou intravascular). Há outras vias também importantes: intratecal, intranasal, inalatória, tópica, transdérmica e intraperitonial. ENTERAL a) Administração oral: É a via de administração mais utilizada devido principalmente à adesão do paciente ao tratamento e a fatores econômicos. É utilizada como uma forma de acesso à circulação sistêmica através do trato gastrointestinal. Entretanto, alguns fatores importantes como a motilidade gastrintestinal, a presença de alimentos, o fluxo sanguíneo esplâncnico, o tamanho das partículas, a formulação e fatores físico-químicos devem ser considerados. Além disso, boa parte dos fármacos administrada via oral entra na circulação porta e passa pelo fígado, onde pode sofrer algum tipo de modificação (metabolismo de primeira passagem), o que pode comprometer a quantidade de fármaco biodisponível no local de ação. Outra desvantagem da via em questão é a irritação gástrica de algumas formulações. Devido às necessidades terapêuticas, as preparações farmacêuticas são formuladas de modo a produzir as características de absorção desejadas. Assim, as cápsulas podem ser elaboradas de modo a permanecer intactas por algumas horas, após a ingestão, para retardar a absorção. Da mesma forma, os comprimidos podem ter um revestimento resistente com a mesma finalidade. b) Administração sublingual: É usada quando é necessária uma resposta rápida, uma vez que a região sublingual é extremamente irrigada e conectada aos 9 vasos de bom calibre. Utilizada principalmente se o fármaco for instável ao pH gástrico ou sofrer metabolização hepática. De modo geral, os fármacos administrados via sublingual são apresentados na forma de comprimidos pequenos que se dissolvem rapidamente. Um bom exemplo é a nitroglicerina (trinitrato de glicerila), um fármaco utilizado no tratamento da angina, é eficaz via sublingual devido a sua lipossolubilidade e característica não-iônica, assim sua absorção é rápida. c) Administração retal: A administração retal é utilizada para fármacos cujo efeito pode ser local (ex: hemorróidas) ou sistêmico. A absorção por via retal muitas vezes é irregular e incompleta, mesmo assim essa via pode ser útil em pacientes incapazes de receber fármaco pela via oral (por exemplo, se a droga induzir vômito, ou se o paciente já estiver em crise emética ou em coma). Outra vantagem é que o fármaco não sofre ação das enzimas digestivas e do pH gástrico, nem efeito de primeira passagem (embora possa sofrer em parte). PARENTERAL Essas vias podem ser usadas para administração de fármacos que são degradados pelo suco gástrico ou que não são absorvidas pelo TGI. Pode ser a via de escolha para administração de fármacos em pacientes inconscientes ou quando se deseja um efeito rápido. a) Administração intravascular ou endovenosa: A administração endovenosa é a via mais rápida e mais precisa para administração de um fármaco. Possibilita a administração de grandes volumes em infusão lenta e de substâncias irritantes devidamente diluídas. É imprópria para substâncias oleosas ou insolúveis. b) Administração subcutânea: É usada para fármacos cujo objetivo seja uma absorção lenta e constante. Os medicamentos são absorvidos por difusão, 10 atravessando os poros e fenestrações existentes nos capilares e vasos linfáticos. Pode ocorrer dor e necrose quando utilizadas substâncias irritantes. c) Administração intramuscular: Fármacos administrados por essa via geralmente apresentam um efeito mais rápido que a administração oral, mas a taxa de absorção depende muito do local de injeção e de fatores fisiológicos, especialmente do fluxo sanguíneo local. As drogas comumente utilizadas podem ser preparadas na forma de soluções aquosas (absorção rápida) ou preparações de depósito especiais (absorção lenta). É adequada para volumes moderados. OUTRAS VIAS a) Administração tópica: Pode ser utilizada para administrar fármacos sobre as membranas mucosas como, por exemplo, conjuntiva, orofaringe, nasofaringe, vagina, cólon e uretra. Além disso, alguns fármacos podem ser aplicados sobre a pele íntegra, dependendo da preparação (cremes e pomadas). De modo geral, a absorção é proporcional à área da aplicação, mas os efeitos podem ser locais ou sistêmicos. b) Administração transdérmica: Tem-se aumentado o uso de formas de administração transdérmica, em que o fármaco é incorporado a uma embalagem presa com fita adesiva a uma área de pele fina. Essas embalagens adesivas produzem um estado de equilíbrio estável e têm diversas vantagens, especialmente a facilidade de retirada no caso de efeitos indesejáveis. A velocidade de absorção pode variar de acordo com as características físicas da pele e físico-químicas do fármaco. Geralmente, o método é mais recomendado para certos fármacos relativamente lipossolúveis. Alguns exemplos são: nitroglicerina (para angina), escopolamina (contra enjôo de viagem), nicotina (para a cessação do hábito de fumar) e clonidina (contra hipertensão). 11 c) Administração inalatória: É a via usada para anestésicos voláteis e gasosos (efeito sistêmico) ou em medicamentos utilizados para o tratamento de distúrbios respiratórios (ação mais localizada no trato respiratório). O início da ação é rápido, pois o fármaco tem contato com toda a mucosa do trato respiratório e rapidamente é absorvido. d) Administração intranasal: Essa via pode ser usada tanto para se obter um efeito local (como, por exemplo, o tratamento da rinite alérgica) quanto para a obtenção de efeito sistêmico (algumas preparações terapêuticas usadas para tratamento de enxaqueca). e) Administração intratecal: Usada quando o objetivo é um efeito rápido e local de fármacos nas meninges e no eixo cérebro-espinhal. Pode ser utilizada no tratamento de infecções agudas e no tratamento da leucemia linfocítica aguda. f) Administração intraperitoneal: Essa via é muito utilizada na experimentação animal, em laboratórios de pesquisa. A absorção é rápida devido à grande superfície de absorção da cavidade abdominal. Há, porém, um grande risco de infecção e, por isso, não é utilizada para a administração de drogas em seres humanos. 1.2 FATORES QUE ALTERAM A ABSORÇÃO DE FÁRMACOS a) Metabolismo hepático de primeira passagem: Um fármaco absorvido pelo trato gastrintestinal, antes de chegar à circulação sistêmica, passa pelo sistema porta-hepático. Se o fármaco for metabolizado pelo fígado, a quantidade de moléculas na circulação sistêmica pode ser alterada, comprometendo a biodisponibilidade da droga no local de ação. 12 b) Solubilidade do fármaco: Fármacos muito hidrofílicos são incapazes de atravessar a membrana celular e fármacos muito hidrofóbicos são insolúveis nos líquidos orgânicos (ambiente aquoso). Para que ocorra a absorção de um fármaco é preciso que ele seja hidrofóbico, entretanto deve ter certa solubilidade em soluções aquosas. c) Instabilidade química: Alguns fármacos podem ser destruídos quando expostos às enzimas digestivas do trato gastrintestinal. Outras drogas podem ser instáveis em pH ácido, isso compromete a sua administração pela via oral, devido à acidez do ambiente gástrico. d) Vias de administração: A escolha da via é fundamental para o efeito desejado, pois a velocidade e a eficiência de absorção estão diretamente relacionadas à via de administração. e) Fluxo sanguíneo no local de absorção: Quanto maior o fluxo sanguíneo no local de absorção, mais rápido o fármaco chega à circulação sistêmica. f) Natureza da formulação do fármaco: Alguns fatores como tamanho das partículas, forma do sal, polimorfismo do cristal e presença de excipientes (aglutinantes e dispersantes) podem influenciar na facilidade de dissolução e, conseqüentemente, alterar a velocidade da absorção. g) Área de superfície de absorção: Quanto maior a área de superfície de absorção, maior será a velocidade da absorção. i) Concentração: Quanto mais concentrado o fármaco, maior a velocidade de absorção. 13 2. DISTRIBUIÇÃO A distribuição é o processo pelo qual um fármaco abandona reversivelmente a corrente circulatória, passando para o interstício e/ou interior das células. Depende do fluxo sanguíneo, da permeabilidade capilar, das características químicas (polaridade/hidrofobicidade) do composto e do grau de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas. Os principais compartimentos de distribuição dos fármacos são: o plasma, o líquido intersticial, o líquido intracelular, o líquido transcelular e a gordura. O líquido extracelular compreende o plasma sanguíneo (cerca de 4,5% do peso corporal), o líquido intersticial (16%) e a linfa (1,2%). O líquido intracelular (3040%) é a soma do conteúdo de líquido de todas as células do corpo. O líquido transcelular (2,5%) compreende os líquidos cefalorraquidiano, intra-ocular, peritoneal, pleural e sinovial, bem como as secreções digestivas. O feto também pode ser considerado como um tipo especial de compartimento transcelular. Para penetrar nos compartimentos transcelulares a partir do compartimento extracelular, um fármaco deve atravessar uma barreira celular, sendo a barreira hematoencefálica um exemplo particularmente importante no contexto da farmacocinética. A barreira hematoencefálica consiste numa camada contínua de células endoteliais unidas por zônulas de oclusão. Conseqüentemente, o cérebro é inacessível a muitos fármacos de ação sistêmica, incluindo muitos agentes antineoplásicos e alguns antibióticos. A ocorrência de inflamação, como a meningite, pode comprometer a integridade da barreira, possibilitando a entrada de substâncias normalmente impermeantes no cérebro. As moléculas de fármacos podem ser encontradas na forma livre ou ligadas em cada compartimento de líquido corporal, porém apenas o fármaco livre é capaz de mover-se entre os compartimentos e exercer seus efeitos farmacológicos, ser metabolizada e excretada. Assim, o padrão de equilíbrio da distribuição entre os vários compartimentos depende da: 14 • Permeabilidade através das barreiras teciduais; • Ligação no interior dos compartimentos; • Partição de pH; • CPOA (coeficiente de partição óleo-água). O Volume de distribuição (Vd) é definido como volume de líquido necessário para conter a quantidade total (Q) do fármaco no corpo, na mesma concentração presente no plasma (Cp). Assim, Vd = Q/Cp. Fármacos que são moléculas muito grandes ficam confinados ao compartimento plasmático, uma vez que não conseguem atravessar com facilidade a parede capilar. A retenção de um fármaco no plasma após a administração de uma dose única reflete sua forte ligação às proteínas plasmáticas e, geralmente, um baixo Vd. Os fármacos insolúveis em lipídios estão confinados principalmente ao plasma e ao líquido intersticial; a maioria não penetra no cérebro após a administração aguda. Já os fármacos lipossolúveis alcançam todos os compartimentos e podem acumular-se no tecido adiposo, apresentando alto Vd. Os compartimentos orgânicos nos quais o fármaco se acumula são seus reservatórios potenciais. Quando um fármaco armazenado está em equilíbrio com sua concentração plasmática ele é liberado à medida que a concentração plasmática cai, assim, a concentração plasmática do agente no seu local de ação é mantida e os seus efeitos farmacológicos são prolongados. Dentre os reservatórios dos fármacos citam-se as proteínas plasmáticas (albumina, β- globulina e glicoproteína), os reservatórios celulares (musculatura e outras células), o tecido adiposo, os ossos e os componentes transcelulares (líquor, humor aquoso, líquidos articulares). Como a ligação dos fármacos às proteínas plasmáticas é um processo não muito seletivo, muitos agentes com características físicas semelhantes podem competir uns com os outros e com substâncias endógenas por outros locais de ligação. 15 Os fármacos ácidos se ligam principalmente à albumina, e os fármacos básicos, com freqüência, à β-globulina e a uma glicoproteína ácida. Uma grande taxa de ligação às proteínas faz com que o sangue atue como reservatório circulante do fármaco. À medida que o fármaco livre é eliminado do organismo, uma quantidade de fármaco é deslocada para os tecidos, onde será distribuído para substituir o fármaco livre eliminado. A fração do fármaco total no plasma que está ligada às proteínas plasmáticas é determinada pela concentração do fármaco, por sua afinidade pelos locais de ligação e pelo número de locais de ligação. A ligação de um fármaco às proteínas plasmáticas limita-se à concentração nos tecidos e nos seus locais de ação, porque apenas a forma livre está em equilíbrio através das membranas. Além disso, a ligação limita a filtração glomerular porque este processo não modifica de imediato a concentração plasmática do fármaco livre (a água também é filtrada). Não obstante, a ligação com as proteínas plasmáticas geralmente não limita a biotransformação ou a secreção tubular renal, porque tais processos reduzem a concentração de fármaco livre e isto é seguido rapidamente de dissociação do complexo fármacoproteína. A distribuição dos fármacos para o sistema nervoso central (SNC) a partir da corrente sanguínea é especial, principalmente porque sua entrada no líquido cefalorraquidiano e no espaço extracelular é pequena. No cérebro, a estrutura do capilar é contínua, não havendo fendas. Portanto, para ultrapassar a barreira hematoencefálica, os fármacos precisam transpor as células endoteliais dos capilares do SNC. A taxa de difusão dos fármacos para o SNC é proporcional à lipossolubilidade da forma não-ionizada do fármaco, podendo, portanto, ser afetada pelo pH sanguíneo. A transferência potencial dos fármacos através da placenta é importante porque eles podem provocar anomalias congênitas. Os fármacos que atravessam a placenta fazem-no basicamente por difusão simples. Os agentes lipossolúveis não-ionizados penetram facilmente no sangue fetal a partir da circulação materna. A penetração é menor no caso dos agentes com dissociação elevada e baixa 16 lipossolubilidade. Desse modo, a noção de que a placenta é uma barreira contra os fármacos é inexata. A distribuição dos fármacos no leite materno também é importante, não somente pela quantidade eliminada, mas porque os fármacos excretados são possíveis causas de efeitos farmacológicos indesejados no lactente. Muitos fármacos presentes no sangue da lactante são detectáveis em seu leite. A concentração final dos compostos específicos no leite depende de muitos fatores, incluindo a quantidade de fármaco no sangue materno, sua lipossolubilidade, seu grau de ionização e a extensão de sua secreção ativa. Como exemplos dos efeitos da transferência placentária de drogas, pode-se citar o uso de anticonvulsivantes, cuja incidência de malformações em recém-nascidos expostos é de 4 a 6%, comparado com 2 a 4% na população geral. Ainda, o fentanil, anestésico opióide utilizado por via epidural em cesariana, na dose de 0,10 mg, apresenta taxa de transferência placentária na ordem de 90%, o que indica cautela no uso de doses repetidas em analgesia durante o trabalho de parto. 3. BIOTRANSFORMAÇÃO DE FÁRMACOS NO ORGANISMO A biotransformação (metabolização) enzimática de fármacos em metabólitos mais polares e menos lipossolúveis aumenta sua excreção e reduz seu volume de distribuição. Tal biotransformação ‘alivia’ a carga de substâncias químicas estranhas e é essencial à sobrevida do organismo. Em geral, as reações de biotransformação geram metabólitos mais polares que são mais facilmente eliminados do organismo. Contudo, em alguns casos, são produzidos metabólitos com atividade biológica potente ou com propriedades tóxicas. Os sistemas enzimáticos participantes da biotransformação dos fármacos concentram-se principalmente no retículo endoplasmático liso do fígado, embora todos os tecidos tenham alguma atividade metabólica. Outros órgãos com capacidade metabólica significativa são: os rins, o epitélio gastrointestinal e os 17 pulmões. Maiores detalhes dos mecanismos metabólicos de biotransformação estão contemplados no capítulo “Toxicologia, Toxinologia e Metabolismo”. Os fármacos absorvidos pelo intestino estão sujeitos ao metabolismo de primeira passagem ou pré-sistêmico, anteriormente mencionado. O fígado (ou algumas vezes a parede intestinal) extrai e metaboliza alguns fármacos com tanta eficiência que a quantidade do fármaco que chega à circulação sistêmica é consideravelmente menor do que a quantidade absorvida. Esse processo é significativo para muitos fármacos clinicamente importantes e é inconveniente na prática porque é necessária uma dose muito maior do fármaco quando este é administrado por via oral do que quando é administrado por outras vias e também porque ocorrem variações individuais acentuadas na extensão do metabolismo de primeira passagem de determinado fármaco, resultando numa situação imprevisível quando esses fármacos são administrados por via oral. O metabolismo dos fármacos envolve dois tipos de reações bioquímicas, conhecidos como reação de fase I e reações de fase II, que de forma variada podem ocorrer seqüencialmente: a) Reações de fase I (catabólicas): ocorrem no retículo endoplasmático e introduzem ou expõem um grupo funcional (grupo reativo) no composto original, convertendo-o em um metabólito mais polar. As reações que ocorrem nessa fase são: reações de oxidação, hidrólise e redução. As reações oxidativas são catalisadas por um complexo enzimático denominado citocromo P450. Essas enzimas são freqüentemente denominadas enzimas “microssomais” e para atingir essas enzimas o fármaco deve atravessar a membrana plasmática do hepatócito. As moléculas polares fazem isso mais lentamente do que as moléculas não polares, exceto quando existem mecanismos específicos de transporte, de modo que o metabolismo hepático é, em geral, menos importante para fármacos polares do que para os fármacos lipossolúveis, com excreção de maior proporção do fármaco na forma inalterada na urina. As reações hidrolíticas não envolvem enzimas microssômicas hepáticas, mas ocorrem no plasma e em muitos tecidos, 18 inclusive no citoplasma dos hepatócitos. As reações de redução envolvem enzimas microssômicas. Os produtos dessa reação são, com freqüência, mais reativos quimicamente, e, portanto, paradoxalmente, algumas vezes mais tóxicos ou carcinogênicos do que o fármaco original. A produção de um metabólito ativo influencia diretamente na posologia da administração. Isso porque, apesar de o fármaco original já ter sido metabolizado, seu efeito farmacológico permanece devido ao metabólito. Como estratégica terapêutica, pode-se administrar a chamada pró-droga, que consiste de uma substância sem atividade que, após o metabolismo da fase I, adquire atividade terapêutica. b) Reações de conjugação da fase II (anabólicas): As reações dessa fase envolvem a conjugação, que normalmente resulta em compostos inativos. Ocorrem no citoplasma e determinam a formação de uma ligação covalente entre um grupo funcional do composto original e um composto endógeno, em geral, muito polar. Entre os compostos endógenos estão: o ácido glicurônico, o sulfato, o glutation, aminoácidos, o acetato, e outros. Esses conjugados altamente polares são excretados com rapidez na urina e nas fezes. Entre todas as reações de conjugação a mais importante é a glicuronidação, catalisada pela enzima UDP– glucoronil-transferase. Entre os principais fatores que afetam a biotransformação de fármacos podemos citar: indução enzimática (como exemplo o etanol que aumenta a atividade dos sistemas microssomais de oxidação e conjugação, podendo aumentar a toxicidade de um fármaco), inibição enzimática, polimorfismo genético, idade, estado nutricional, doenças agudas ou crônicas. Ainda, a inibição das enzimas responsáveis pela biotransformação pode potencializar o efeito do fármaco. Um exemplo de biotransformação de drogas pode ser visto na figura 2. 19 Figura 2. Reações de fase I e fase II na biotransformação da Aspirina. 4. EXCREÇÃO DE FÁRMACOS NO ORGANISMO A excreção dos fármacos é o processo que envolve a saída destes por meio da urina, do ar exalado, da bile e fezes, do leite materno, do suor e da saliva. Como já dito anteriormente, os rins são os principais órgãos envolvidos neste processo, pois são responsáveis pela eliminação dos compostos lipossolúveis (após os processos de biotransformação previamente descritos) e dos compostos não voláteis. A excreção de fármacos e metabólitos na urina envolve três processos: • Filtração Glomerular: Consiste na filtração do plasma, através das paredes capilares do glomérulo em cada néfron, até o túbulo contorneado proximal. Apenas são filtrados os compostos de peso molecular 20 baixo a moderado. Outros fatores também são importantes, como o tamanho, carga e estrutura das moléculas, bem como o débito cardíaco do paciente. Também importa o fato do composto estar ou não ligado a proteínas plasmáticas, pois apenas poderão ser filtradas as moléculas livres no plasma. • Secreção Tubular Ativa: Acontece no túbulo proximal logo depois da filtração glomerular. Consiste na adição ao túbulo proximal de vários compostos polares como ácidos e glicuronatos (ou glicuronídeos), por via da secreção tubular ativa mediada por um carreador e com gasto energético. Existem também carreadores específicos para as bases orgânicas, no entanto os sistemas carreadores são relativamente não-seletivos. Isto confere um caráter de competitividade dos íons orgânicos de carga semelhante pelo transporte. • Reabsorção Tubular Passiva: O último passo na excreção renal dos fármacos é a reabsorção tubular passiva, que é responsável pelo retorno ao sangue de vários fármacos bem como de grandes quantidades da água previamente filtrada. O fator mais importante que determina este retorno à circulação é a lipossolubilidade das moléculas, o que explica que os fármacos lipossolúveis devam passar pelos processos de biotransformação antes de serem excretados. Também é importante a reabsorção tubular passiva dos fármacos ionizados, sendo de grande importância para eles o pH urinário em comparação ao pH sanguíneo. Os ácidos fracos são excretados com maior rapidez quando a urina tubular fica alcalina, principalmente porque se tornam mais ionizadas e a reabsorção passiva diminui. A alcalinização e acidificação da urina têm efeitos opostos na excreção das bases fracas. Outros órgãos de importância nos processos de excreção dos fármacos são os pulmões e o sistema gastrintestinal. O primeiro é particularmente importante para substâncias voláteis, usualmente em forma dos seus compostos originais intactos. Também pode acontecer de alguns metabólitos dos fármacos (geralmente glicuronídeos) serem secretados para a bile após os processos de biotransformação hepáticos, chegando ao trato gastrintestinal e sendo excretados junto com as fezes. Ocasionalmente, no interior do trato gastrintestinal podem 21 acontecer reações de hidrólise que liberem novamente o fármaco ativo para a luz intestinal para ser novamente reabsorvido para o sangue, conformando a denominada circulação entero-hepática. Por último deve-se enfatizar a importância da excreção de fármacos pelo leite materno, pois eles podem ser transmitidos ao lactante, com possíveis efeitos tóxicos ou prejudiciais. A excreção das drogas pelo suor e pela saliva tem importância menor do que as outras formas de eliminação, pois a proporção do fármaco excretado é mínima. Deste modo, o ciclo farmacocinético se completa. Ou seja, a droga é administrada por determinada via, absorvida para chegar na circulação, pela qual é distribuída a diversos órgãos (inclusive local-alvo), biotransformada e finalmente eliminada do organismo. Referências BRUNTON L.L., LAZO J.S., PARKER K.L. GOODMAN & GILMAN. As bases farmacológicas da terapêutica. 11ª edição. Editora Mc Graw Hill, Rio de Janeiro, 2006. FUCHS, F. D. WANNMACHER, L. Farmacologia Clínica: Fundamentos da Terapêutica Racional. 3ª edição, Editora: Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, RJ, 2004. KATZUNG, B.G. Farmacologia básica e clínica. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. RANG, H.P.; DALE, M.M.; TITTER, J. M. Farmacologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. SPINOSA, H.S.; GORNIAK, S.L.; BERNARDI, M.M. Farmacologia aplicada à Medicina Veterinária. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. CAVALLI, R.C., BARALDI, C.O., CUNHA, S.P. Transferência placentária de drogas. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006; 28(9): 557-64. 22 FARMACOLOGIA DE PRODUTOS NATURAIS PRODUTOS COM AÇÃO SOBRE O TRATO GASTROINTESTINAL Lígia Moura Burci Luísa Mota da Silva Por definição, úlceras são lesões da mucosa gastrointestinal que consistem na perda circunscrita de tecido, penetrando na camada muscular da mucosa. Quando formadas no estômago são chamadas úlceras estomacais ou gástricas e quando formadas no duodeno são chamadas de úlceras duodenais. Contudo, tanto as úlceras gástricas como as úlceras duodenais são comumente chamadas de úlceras pépticas. A úlcera péptica é uma doença heterogênea, com múltiplos fatores envolvidos em sua gênese. As hipóteses mais prováveis da causa das doenças ulcerosas agrupam fatores genéticos, estilo de vida (fatores emocionais, estresse, dieta alimentar, ingestão de álcool), tabagismo, consumo de antiinflamatórios não esteroidais (AINEs), infecção por Helicobacter pylori, entre outros (CARVALHO, 2000). Nos últimos anos, distúrbios gastrointestinais como úlceras pépticas, refluxo gastroesofágico, síndrome de Zollinger-Ellison e gastrite têm assumido decididamente altas proporções nas populações, tornando-se um importante foco de investigação experimental e clínica. Nesse sentido, o estudo de produtos naturais que apresentem ação sobre o TGI assume interesse social, terapêutico, botânico, empresarial e acadêmico na tentativa de obtenção de protótipos para o desenvolvimento de novos fármacos bem como na validação da segurança, eficácia e mecanismos de ação de plantas medicinais. 1. Fisiologia Gástrica 23 Anatomicamente o estômago pode ser dividido em fundo, corpo e antro pilórico, sendo limitado por dois sistemas de esfíncteres: o esfíncter esofagiano, localizado na parte superior do estômago e o esfíncter pilórico ou piloro, na parte inferior ou distal do estômago (Fig. 1) (HOGBEN et al, 1974). Figura 1. Divisão anatômica do estômago humano. (www.commonswikimedia.org/wiki/File:Estomago.svg) Funcionalmente, a mucosa gástrica pode ser dividida em duas regiões glandulares, denominadas de mucosa oxíntica e mucosa antral. A mucosa oxíntica é mais extensa, ocupando o corpo e o fundo, e é o sítio da secreção de ácido clorídrico (HCl). É formada por glândulas oxínticas, cujo principal tipo celular é a célula parietal ou oxíntica, responsável pela secreção de HCl e fator intrínseco (associado a absorção de vitamina B12). Outras células que se encontram nesta glândula são células principais produtoras de pepsinogênio (o pró-zimógeno da pepsina), células D produtoras de somatostatina e células do tipo enterocromafins (ECL), as quais liberam histamina (para revisão ver JAIN et al 2006). As glândulas da mucosa antral apresentam os mesmos tipos celulares que as glândulas oxínticas, exceto pela ausência de células parietais e presença de células G produtoras de gastrina (LLOYD e DEBAS, 1994). No colo glandular, predominam as células produtoras de muco, que protegem a mucosa gástrica da ação corrosiva das secreções originadas pelas glândulas produtoras de ácido (para revisão ver JAIN et al 2006). 24 A inervação do estômago pode ser extrínseca ou intrínseca. A inervação extrínseca é mediada por fibras parassimpáticas do nervo vago que terminam no plexo mioentérico da parede do estômago; e a inervação intrínseca compreende o sistema nervoso entérico (SNE). O SNE é formado pelo plexo mioentérico ou de Auerbach, que inerva as camadas musculares e é responsável pela regulação motora (peristaltismo), e pelo plexo submucoso ou de Meissner, que inerva a mucosa e regula a absorção e as secreções gastrintestinais (GUYTON & HALL, 2006; LACERDA et al, 2004; CHRISTENSEN et AL, 2005). Embora o sistema nervoso entérico não dependa de inervação extrínseca para funcionar, a estimulação dos sistemas parassimpático e simpático pode ativar, ou inibir, ainda mais as funções gastrointestinais (GUYTON & HALL, 2002). 2. Secreção ácida O suco ácido gástrico é uma mistura das secreções das células epiteliais e glândulas gástricas e compreende o HCl, pepsina, fator intrínseco, muco, bicarbonato, água e sais (BERNE ET AL., 2004). A regulação da secreção ácida gástrica é um processo complexo mediado por mecanismos: • neurais - o neurotransmissor é liberado dos terminais nervosos - acetilcolina, • hormonais ou endócrinos: o neurotransmissor alcança a célula através do fluxo sanguíneo – gastrina • parácrinos :a liberação do transmissor ocorre dentro da circulação local ou no fluido intersticial - histamina. Resumidamente, a secreção ácida gástrica pode ser regulada da seguinte maneira: 1) A acetilcolina, liberada de neurônios pós-ganglionares do nervo vago interage com receptores muscarínicos M3 das células parietais, estimulando diretamente a secreção do ácido. Em adição, a acetilcolina também interage com receptores 25 muscarínicos M1 das células parácrinas, mastócitos e ECL promovendo a liberação de histamina, que por sua vez estimula diretamente a célula parietal. 2) A gastrina, sintetizada e estocada nas células G, tem sua secreção para a corrente sanguínea estimulada pelos aminoácidos dos alimentos. A gastrina interage com receptores CCK2 nas células parietais e estimula diretamente a produção de ácido. Além disso, pode atuar indiretamente por interagir com receptores CCK2 presentes nas células ECL, resultando na liberação de histamina. 3) A histamina, originária de neurônios histaminérgicos, mastócitos ou células ECL, quando liberada estimula diretamente a secreção ácida através da interação com receptores H2 das células parietais. Por outro lado, a histamina pode inibir indiretamente a secreção ácida ao interagir com receptores H3 presentes nas células D secretoras de somatostatina, o principal inibidor da secreção ácida gástrica (POMMIER et al, 2003, SCHUBERT, 2005). A H+/K+/ATPase é a enzima responsável pela secreção ácida gástrica. Os prótons para a formação do ácido são gerados nos canalículos intracelulares pela ação da anidrase carbônica. O Cl- é transportado ativamente para dentro dos canalículos que se comunicam com a luz das glândulas gástricas e consequentemente com a luz do estômago. O K+ acompanha o Cl-, sendo trocado pelo H+ intracelular, com gasto energético fornecido pela catalisação do ATP. O bicarbonato formado a partir de CO2 e H2O pela anidrase carbônica dissocia-se para formar H+ e HCO3-, o qual é trocado por CL- na membrana apical. Nas células parietais em repouso, a bomba de H+/K+/ATPase é armazenada em tubulovesículas citoplasmáticas. Quando os receptores das células parietais são estimulados por seus agonistas, são gerados segundos mensageiros, que através de cascatas de fosforilação farão com que as tubulovesículas contendo as enzimas se fundam com a membrana apical, permitindo que a enzima 26 transmembrânica se torne ativa. Na ausência do estímulo as bombas são recicladas de volta para o compartimento citoplasmático (SCHUBERT, 2005). 3. Úlcera gástrica A úlcera gástrica é um dos distúrbios mais comuns que afetam o sistema gastrintestinal. Pode ser definida como uma lesão na mucosa do trato digestivo, que se estende através da camada muscular da mucosa até a submucosa, ou ainda mais profundamente (CONTRAN et al., 1996). Nessa lesão profunda tanto os componentes do tecido epitelial e conectivo, incluindo miofibroblastos subepiteliais, células do músculo liso, vasos e nervos, podem ser destruídos (MILANI E CALABRÒ, 2001). As úlceras provavelmente resultam de diferentes mecanismos patogênicos e, independente de sua etiologia, são formadas quando ocorre um desequilíbrio entre fatores agressores da mucosa, sejam eles endógenos (HCl e pepsina) ou exógenos (etanol, AINEs, fumo), e os fatores protetores da mucosa gástrica (muco, bicarbonato, prostaglandinas, fluxo sanguíneo, óxido nítrico) (Revisado por GLAVIN E SZABO, 1992). Teoricamente, este desequilíbrio ocorre em 3 condições: (i) com a redução dos mecanismos de defesa, (ii) com o aumento dos fatores agressores ou (iii) com a associação de ambos (CHAPADEIRO et al., 1987). Os mecanismos de defesa que atuam na porta de entrada dos xenobióticos no organismo são diversos, e entre eles encontram-se: • Os mastócitos e macrófagos residentes na lamina própria que atuam como células sinalizadoras da presença de substâncias estranhas. Essas células são capazes de liberar uma grande quantidade de mediadores inflamatórios e citocinas que podem alterar o fluxo sanguineo da mucosa e aumentar o recrutamento de granulócitos para a região afetada (HAGABOAM et al, 1993). • O epitélio que é especializado de forma a manter sempre as suas funções como barreira ao ácido gástrico e a outros agressores. A grande capacidade de proliferação do epitélio lhe confere habilidade de reparação ao 27 dano epitelial e contribui para a resistência da mucosa gástrica às lesões (WALLACE, 2001). • O muco também tem importante papel na prevenção da agressão mecânica ao epitélio, e fornece um microambiente sobre a área lesionada, que é rapidamente restituída (WALLACE et al, 2001), atua principalmente como barreira física. • O fluxo sanguineo contribui para a proteção gástrica por fornecer à mucosa: oxigênio, bicarbonato, substâncias nutritivas e por remover o dióxido de carbono, íons hidrogênio e difundir agentes tóxicos do lúmen gástrico (SORBYE & SVANES, 1994). • As prostaglandinas apresentam efeito na motilidade, secreção e citoproteção do trato gastrintestinal. A secreção do muco e bicarbonato, a vasodilatação e a rápida regeneração epitelial são alguns dos componentes de defesa da mucosa que são regulados pelas prostaglandinas (WALLACE & GRANGER, 1996). • O óxido nítrico apresenta papel chave na perfusão e regulação vascular por promover a vasodilatação pela sinalização da célula muscular lisa via cGMP (SHAH et al, 2004). A produção constitutiva de NO é importante para manter a barreira protetora da mucosa gastrintestinal, e esse mecanismo protetor é devido à sua capacidade de aumentar o fluxo sanguíneo da mucosa e estabilizar a influência dos mastócitos (ALICAN et al, 1996). O sintoma mais comum da úlcera gástrica é uma sensação de dor tipo queimação. A dor geralmente ocorre entre as refeições e algumas vezes durante a noite, podendo durar minutos ou horas e geralmente é aliviada quando o paciente se alimenta ou faz uso de anti-ácidos. Outros sintomas menos comuns incluem náusea, vômitos, perda do apetite e peso. 4. Farmacoterapêutica da úlcera péptica As drogas utilizadas no tratamento das úlceras ou distúrbios ácido-pépticos promovem a cicatrização da lesão. Podem ser utilizados vários tipos de fármacos 28 isolados, ou em associações. As terapias estão diretamente ligadas à diminuição da secreção ácida. Antagonistas de receptores H2 – cimetidina, ranitidina, famotidina, nizatidina - Os antagonistas H2 agem competindo com a histamina pela ligação com o receptor H2, o que também contribui para a diminuição da secreção ácida gástrica. Recentemente, essa classe de fármacos vem sendo substituída pelos inibidores da bomba de prótons, contudo devido ao seu custo mais acessível ainda é utilizada. Inibidores da bomba de prótons (H+ /K+ APTase) – Omeprazol, lansoprazol, rabeprazol, esomerazol, pantoprazol. Atualmente estes são os fármacos de primeira escolha. Após a sua absorção se difundem até as células parietais onde se acumulam nos canalículos secretores de ácido. (BRUNTON, L., et al, 2007). Devido ao seu mecanismo de ação diminuem a secreção de HCl pela mucosa gástrica. Em casos de secreção ácida aumentada a mesma retorna ao nível normal com a administração desses inibidores irreversíveis da bomba de prótons (SCHUBERT, 2005), que podem ser associados ou não a antimicrobianos (depende da presença de H. pylori). Antiácidos – são fármacos utilizados de forma a aumentar as defesas da mucosa. São usados para aliviar a pirose e o desconforto abdominal. Neutralizam o ácido secretado, e são rapidamente absorvidos devido à sua alta solubilidade em água. Podem ser utilizados de forma isolada (hidróxido de alumínio, hidróxido de magnésio, magaldrato - hidróxido de alumínio e magnésio), em forma de misturas de antiácidos ou associados a outros fármacos. Análogos de Prostaglandinas – Misoprostol, análogo sintético da PGE1. Atua protegendo a mucosa gástrica através de efeitos que incluem: estimulação de secreção de muco e bicarbonato e aumento do fluxo sanguíneo no estômago (BRUNTON, L., et al , 2007). O misoprostol aumenta a produção de muco no estômago, contudo provoca também um aumento acentuado na contração de músculos lisos, principalmente no útero, o que culminou com vários 29 abortos provocados pela sua utilização, e por isso a sua retirada de mercado e restrição de uso. Outros – Sucralfato, trata-se de um polímero que adere às células epiteliais e à área lesada formando uma barreira física de proteção, além de estimular a produção local de prostaglandinas e fator de crescimento epidérmico (BRUNTON, L., et al, 2007). Tratamento da infecção por Helicobacter Pylori- os principais tratamentos indicados para a erradiação da bactéria e para a recuperação da mucosa gástrica podem ser divididos em: • Terapia tripla – com a utilização de um inibidor da bomba de próton, um antibiótico e um antiprotozoário. • Terapia quádrupla – com a utilização de um inibidor da bomba de prótons, um antiprotozoário, um antibiótico e um antiácido; • Terapia quádrupla – com a utilização de um antagonista de receptor H2, um antiácido, um antiprotozoários, e um antibiótico (BRUNTON, L., et al, 2007). AULA PRÁTICA Determinação da atividade anti-úlcera no modelo de lesões gástricas induzidas por etanol em ratos 1. Introdução Alguns estudos recentes têm relatado uma hipergastrenemia causada por inibidores irreversíveis da bomba de próton e que pacientes H. pylori em tratamento com esses inibidores apresentam mudanças no padrão da gastrite, com ativação de neutrófilos no corpo gástrico, contribuindo “in vivo” para a inflamação causada por essa bactéria. Devido a esses problemas com o uso crônico de inibidores da bomba é importante o estudo de novas drogas para o tratamento de desordens ácido-pépticas. 30 A atividade anti-úlcera de uma substância desconhecida pode ser avaliada em animais de experimentação frente a diferentes modelos de indução de lesão gástrica, os quais podem envolver medicamentos (ácido acetilsalicílico, AINEs), estresse ou agentes necrotizantes da mucosa (etanol). Devido ao fato de esses agentes provocarem a lesão gástrica por diferentes mecanismos para a validação de uma planta medicinal é necessário o estudo da ação anti-ulcera do extrato nos diferentes modelos, contudo, por não ser possível o estudo de todos, para a aula o modelo selecionado foi o modelo animal de úlcera induzida por etanol, o qual se confirma como um método simples de produção experimental de úlcera aguda gástrica em ratos. 2. Animais Ratos: Rattus norvegicus, variedade Wistar, adultos, fêmeas, pesando de 150 a 300g. Os animais são provenientes do Biotério Central da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E antes do procedimento deverão ser mantidos em uma sala com umidade e temperatura controladas (22 ± 2°C), em um ciclo de claro-escuro de 12h (7:00-19:00 h). Água será fornecida à vontade aos animais durante todos os experimentos. Os procedimentos utilizados devem estar de acordo com as normas do CEEA (Comitê de Ética em Experimentação Animal) da UFPR. 3. Material e Drogas Seringas; Máquina fotográfica; Cânulas para gavagem; Programa Material cirúrgico computador para a avaliação da Placas de isopor; área de lesão gástrica. Alfinetes; Água; Vochysia Etanol; 100mg/kg Omeprazol (40 mg/kg); Extrato Image Tool hidroalcoolico bifalcata dose em de de 31 4. Procedimentos Separar os animais em quatro grupos: Controle Negativo, Controle Positivo, Grupo Teste, e Grupo Naive. Em cada grupo deve haver 5 animais que deverão ser mantidos em jejum de alimentos sólidos por 24 horas, com água disponível ad libitum; Os animais de cada grupo deverão ser tratados com: Grupo Controle Negativo: água Grupo Controle Positivo: omeprazol Grupo Teste: extrato da planta Grupo Naive: água 1 hora após o tratamento se fará a indução das lesões gástricas através da administração de 0,5ml de Etanol P.A. por via oral com o auxílio de uma sonda de gavagem; 1 hora após a administração do etanol, os animais devem ser sacrificados, tendo seus estômagos removidos para a inspeção das lesões gástricas. Referências ALICAN, I.; KUBES, P. A critical role for nitric oxide in intestinal barrier function and dysfunction. The American Journal of Physiology. V. 270, p. 225237, 1996. BRUNTON, L., et al. Goodman & Gilman’s – Manual of Pharmacology and Therapeutics. 11.ed. 2007 CHAPADEIRO, E.; LOPES, E. R.; RASO, P.; TAFURI, W. L. Bogliolo PATOLOGIA. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987. CHRISTENSEN, J.; COELHO, J. C. U.; GONÇALVES, C. G.; GROTH, A. K. Distúrbios da Motilidade do Intestino Grosso e Síndrome do Intestino Irritável. In: Aparelho Digestivo Clínica e Cirúrgica. p. 886-901, 2005. CONTRAN, R.S.; KUMAR, V.; ROBBINS, S.L. Patologia Estrutural e Funcional. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1996. 32 GLAVIN, G. B.; SZABO, S. Experimental gastric mucosal injury: laboratory models reveal mechanisms of pathogenesis and new therapeutic strategies. Faseb. Journal, v. 6, p. 825-831, 1992. HAGABOAM, C.M.; BISSONNETTE, E.V.; CHIN, B.C.; BEFUS, A.D.; WALLACE, J.L. Prostaglandins inhibit inflammatory mediator release from rat mast cells. Gastroenterology, v. 104, p. 122-129, 1993. JAIN, K.S.; SHAH, A.K. et al. Recent advances in proton pump inhibitors and management of acid-peptic disorders. Bioorganic & Medicinal Chemistry. V. 15, p. 1181-1205, 2007. LACERDA, A. F.; LIMA, M. J. R.; MIRANDA, M. E. Anatomia, fisiologia e anomalias congênitas do intestino grosso. In: CASTRO, L. de P.; Gastroenterologia. v. 2. Ed. Medsi. Rio de Janeiro, 2004. MILANI, S.; CALABRÒ, A. Role of growth factors and their receptors in gastric ulcer healing. Microscopy Research and Technique, v. 53, p. 360-71, 2001. POMMIER, B.; MARIE CLAIRE, C.; DA NASCIMENTO, S. et al. Further evidence that the CCk2 receptor is coupled to two transduction pathways using site directed mutagenesis. Journal of Neurochemistry, v.85, p.454-461, 2003. SCHUBERT, M.L. Gastric secretion. Current Opinion in Gastroenterology. V.20, p. 519-525, 2004. SORBYE, H.; SVANES, K. The role of blood flow in gastric mucosal defence, damage and healing. Digestive diseases. V.5, p. 305-317, 1994. Wallace, J. L.; Granger, D. N. The cellular and molecular basis of gastric mucosal defense. Faseb. Journal, v. 10, p. 731 - 740, 1996. Wallace, J. L. Mechanisms of protection and healing: current knowledge and future research. American Journal of Medicine, v. 110, n. 1A, p. 19S-23S, 2001 Wikimedia Commons, Disponível em: www.commonswikimedia.org/wiki/File:Estomago.svg 33 FARMACOLOGIA DE PRODUTOS NATURAIS SISTEMA CARDIOVASCULAR Sandra Crestani Priscila de Souza Rita de Cássia M.V.A.F. da Silva Aspectos Fisiológicos da Pressão Sanguínea e Hipertensão Arterial O sistema cardiovascular consiste no sangue, coração e vasos sanguíneos. Para que o sangue possa atingir as células corporais e trocar materiais com elas, ele deve ser constantemente propelido ao longo dos vasos sanguíneos. A função básica deste sistema é a de levar material nutritivo e oxigênio às células, além de transportar produtos finais do metabolismo e hormônios de uma parte do corpo a outra. Assim, o sistema cardiovascular compõe-se das seguintes estruturas: a) coração; b) vasos arteriais; c) microcirculação; d) vasos venosos; e) vasos linfáticos. A oferta e manutenção do fluxo sanguíneo aos tecidos do organismo, que constituem os objetivos funcionais fundamentais do aparelho cardiovascular, estão na dependência básica de um determinado volume de sangue e de certo gradiente de pressão existente no interior do órgão. O sangue é ejetado a cada batimento cardíaco do ventrículo esquerdo para a aorta, de onde flui rapidamente para os órgãos através de grandes artérias de condução. Sucessivas ramificações levam, através de artérias musculares, a arteríolas e capilares, onde ocorrem trocas gasosas e de nutrientes. Os capilares coalescem para formar vênulas pós-capilares, vênulas e veias cada vez maiores, levando o sangue, através da veia cava, ao coração direito. O sangue desoxigenado ejetado do ventrículo direito percorre a artéria pulmonar, os capilares pulmonares e as veias pulmonares de volta ao átrio esquerdo. Pequenas artérias musculares e arteríolas 34 são os principais vasos de resistência, enquanto as veias são vasos de capacitância que contêm uma grande fração do volume sanguíneo total. Em termos de função cardíaca, portanto, as artérias e as arteríolas regulam a póscarga, enquanto as veias e os vasos pulmonares regulam a pré-carga dos ventrículos. Ver representação ilustrativa (figura 1). Figura 1. Esquema simplificado do sistema cardiovascular. O aparelho circulatório é formado por um sistema fechado de vasos sanguíneos, cujo centro funcional é o coração. Fonte: http://pasuzana.pbworks.com/ . 35 Diversos são os mecanismos reguladores cardiovasculares, que atuam isoladamente ou combinadamente, com o propósito final de garantir adequado volume de sangue circulante e pressões arterial e venosa as mais estáveis possíveis dentro dos limites fisiológicos, visando a manutenção do fluxo sangüíneo tissular. Assim, o volume sangüíneo e a pressão circulatória são as duas variáveis hemodinâmicas que se constituem nos alvos finais da regulação cardiovascular. Em seres humanos, a pressão sanguínea varia constantemente, porém, raramente desvia dos valores referenciais (120 mm Hg para a pressão sistólica e 80 mm Hg para a diastólica) mais do que 10 a 15% durante o dia. Isto é possível porque o organismo possui mecanismos de controle que conseguem promover uma resposta adequada frente às ocasiões que a alteram. Os mecanismos de regulação da pressão arterial podem ser responsivos em curto, médio e longo prazo. Em curto prazo (resposta em segundos), esse controle é desempenhado pelos barorreceptores, quimiorreceptores e sistema nervoso central (SNC). Os rins exercem o controle da pressão arterial em longo prazo (horas ou dias). E em médio prazo (minutos), a regulação ou modulação ocorrem principalmente por ação dos sistemas hormonais (sistema reninaangiotensina, sistema calicreína-cinina, vasopressina e mediadores endoteliais). Ver esquema representativo (figura 2). 36 Figura 2. Os principais sistemas de regulação da pressão arterial incluem a divisão simpática do sistema nervoso, o sistema renina-angiotensina-aldosterona e autacóides derivados do endotélio tonicamente ativos. Fonte: Sociedade Brasileira de Hipertensão, 2010 Alterações em um ou ambos os mecanismos de controle da pressão arterial (neural e/ou humoral), poderão resultar em elevação dos níveis pressóricos, instalando-se assim um quadro de hipertensão arterial. Para adultos, quando ultrapassa a máxima de 130 mm Hg e a mínima de 85 mm Hg. A hipertensão arterial é uma doença altamente prevalente em nosso meio, atingindo cerca de 20% da população adulta com mais de 18 anos, chegando a alcançar índices de 50% nos idosos, estando entre as principais causas de morbidade e mortalidade em muitos países do mundo. Associa-se frequentemente a alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alterações metabólicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não-fatais. 37 É importante salientar que existem causas orgânicas para a hipertensão arterial, que são responsáveis por 10 a 15% na população em geral. Em indivíduos jovens ou crianças, esse número sobe para mais de 80%. As causas orgânicas, e potencialmente curáveis, de hipertensão arterial são: causas renais, particularmente uma obstrução da artéria renal, provocando baixa perfusão renal, estímulo da renina, etc. A obstrução pode ser derivada de um hipodesenvolvimento ou adquirida por uma trombose ou arteriosclerose; os indivíduos podem ser curados por cirurgia, sendo a artéria substituída por uma prótese. O feocromocitoma, um tumor de células cromafins secretoras de catecolaminas que existem no córtex das supra-renais, provoca crescimento desordenado dessas células e grande secreção de catecolaminas na circulação, fazendo com que haja aumento da pressão arterial e vermelhidão em vários momentos do dia; são picos de hipertensão, com vermelhidão e sensação de angústia. Não é o que acontece em um indivíduo hipertenso, que apresenta os sintomas continuamente. Os outros 85% dos casos de hipertensão arterial são idiopáticos, ou seja, não se sabe a causa, mas apenas os fatores de risco. Pressão arterial persistentemente elevada leva à hipertrofia do ventrículo esquerdo e remodelação das artérias de resistência, com estreitamento da luz. A resistência vascular periférica elevada põe em ação várias respostas fisiológicas envolvendo o sistema cardiovascular, o sistema nervoso e o rim. Tais círculos viciosos constituem potenciais alvos para ataque farmacológico. A remodelação das artérias de resistência em resposta à elevação da pressão reduz a proporção entre o diâmetro da luz e a espessura da parede e aumenta a resistência vascular periférica. O papel dos fatores de crescimento celulares (inclusive a angiotensina II) e inibidores do crescimento (p.ex., óxido nítrico) na evolução destas alterações estruturais é de grande importância para o uso terapêutico de fármacos como os inibidores da enzima conversora de angiotensina. 38 O tratamento envolve medidas não-farmacológicas, como redução da ingestão de sal e gorduras da dieta, redução do peso e do consumo do álcool, prática de exercícios, seguidas pela introdução gradual de fármacos, iniciando com aqueles que tenham benefício comprovado e que tenham a menor probabilidade de produzir efeitos colaterais. Anti-hipertensivos Figura 3. Diagrama mostrando os principais mecanismos envolvidos na regulação da pressão arterial. Fonte: Adaptado de RANG & DALE, 2007 Dentre os anti-hipertensivos que são utilizados na clínica para o tratamento da hipertensão e suas complicações, destacam-se os diuréticos, os betabloqueadores, os bloqueadores de canais de cálcio, os inibidores da enzima conversora de angiotensina, os bloqueadores de receptor da angiotensina II, os antagonistas da aldosterona e os inibidores de renina. Ver ilustração (figura 3). Do ponto de vista fisiopatológico, a hipertensão é uma doença que envolve mudanças persistentes em pelo menos uma das variáveis hemodinâmicas (débito cardíaco, rigidez arterial, ou resistência periférica) que determinam a mensuração da pressão arterial. Cada uma dessas variáveis tem um potencial alvo terapêutico, e é provável que alterações nestas variáveis também contribuam 39 para a heterogeneidade da resposta farmacológica dos pacientes com hipertensão. Além disso, o tratamento atual adota estratégias que visam não só focar na redução da pressão arterial, mas também em normalizar a estrutura e função vascular. A redução da pressão arterial tem sido associada com uma redução em cerca de 40% do risco de ataques súbitos e em cerca de 20% de redução do risco de infarto do miocárdio. Além disso, as diretrizes de práticas clínicas atuais identificam a redução da pressão arterial como prioridade no tratamento de pessoas com hipertensão. Porém, uma das maiores dificuldades encontradas nas terapias farmacológicas refere-se ao fato de que alguns pacientes mostram-se refratários aos tratamentos convencionais, além de outros apresentarem grande número de efeitos adversos, tornando cada vez mais necessário o avanço das pesquisas em foco de novas alternativas terapêuticas, assim, uma opção tradicionalmente bem aceita provém dos produtos naturais, especialmente aqueles habitualmente utilizados devido ao grande apelo popular. Estes produtos podem representar, potencialmente, uma fonte alternativa no fornecimento de novas estruturas químicas, assim como um recurso ativo na forma de fitoterápico padronizado e eficaz. Como exemplos relevantes de medicamentos obtidos de plantas, podemos mencionar a digoxina (Digitalis sp.), o quinino (casca da Chinchona sp), a pilocarpina (Pilocarpus jaborandi), a vincristina e a vinblastina (Catharanthus roseus), dentre outros. É muito restrito o número de produtos naturais com atividade comprovada sobre o sistema cardiovascular. Um dos poucos exemplos são o pó e o extrato das raízes da Rauwolfia serpentina Benth. ex Kurz usados principalmente em países asiáticos por sua ação hipotensora, devido a presença do alcalóide reserpina, um simpaticolítico, outrora comercializado, e muito usado como anti-hipertensivo. Atualmente encontra-se em desuso devido a elevada prevalência de efeitos colaterais, sendo mais utilizado como ferramenta experimental. 40 No departamento de Farmacologia da UFPR, o grupo de pesquisa “Farmacologia e Toxicologia Pré-Clínica de Produtos Naturais”, desenvolve trabalhos com o objetivo de estudar plantas medicinais utilizadas popularmente com base em informações etnofarmacológicas e etnobotânicas, buscando contribuir com a verificação da sua eficácia, em conjunto com a determinação da toxicidade e do estudo dos mecanismos de ação destes produtos. AULA PRÁTICA Modelos experimentais em farmacologia cardiovascular: Efeito do composto XY (produto natural) sobre a pressão arterial de ratos anestesiados Material: pinças, tesouras, sistema de registro de pressão arterial, cateteres, cânulas, seringas, agulhas, pipetas de precisão e bomba de infusão. Sais e drogas: heparina, solução salina isotônica, acetilcolina, composto XY, Nω-Nitro-L-Arginina Metil Ester (L-NAME). Animais: 02 ratos Wistar, machos, peso entre 250-300 gramas. Procedimento para o registro direto da pressão arterial em ratos anestesiados. Os animais deverão ser anestesiados e permanecer sob anestesia profunda durante todo o período de experimentação. Para isso, será utilizada a mistura de cetamina (100 mg/kg) e xilazina (20 mg/kg), administrada pela via intramuscular e suplementada a intervalos de 45–60 minutos, se necessário pela via intramuscular, intraperitoneal ou intravenosa. Uma vez anestesiados os animais devem ser fixados em decúbito dorsal. Em todos os protocolos, a veia femoral esquerda será localizada e dissecada para inserção de uma agulha 41 conectada a um cateter de polietileno (PE20). Imediatamente após a canulação da veia femoral, 0,1 mL de heparina sódica diluída em 100 mL de solução salina isotônica, será injetada pela via intravenosa (300 uL) para prevenir a formação de coágulos e a obstrução das cânulas. A canulação da veia femoral também se destina à administração das drogas a serem empregadas neste estudo. Todos os animais serão submetidos à traqueostomia e mantidos sob respiração espontânea. A artéria carótida esquerda de cada animal será localizada e cuidadosamente isolada do nervo vago e tecidos adjacentes. Com auxílio de linha de sutura, o fluxo sangüíneo da artéria carótida será interrompido na altura de sua extremidade distal, enquanto o fluxo em sua extremidade proximal será temporariamente suprimido pela compressão com uma pinça curva. Utilizando-se uma tesoura oftalmológica, um pequeno corte será realizado na região medial da porção da artéria carótida clampeada, servindo como via para inserção de um catéter de polietileno (PE 20), devidamente heparinizado, que será firmemente conectado à artéria e conectado ao transdutor de pressão interligado ao polígrafo computadorizado da ADI instruments para a mensuração continua da pressão arterial. Após a preparação dos animais, conforme descrito anteriormente, e a primeira parte do protocolo experimental finalizada (item a), a veia femoral contralateral àquela utilizada para a administração em bolus será igualmente canulada e conectada a uma bomba de infusão contínua. Os animais receberão infusão contínua com L-NAME; 7 mg/kg/min (correspondente a 10 µl/min) até elevação e estabilização da pressão (item b). Após esse período serão administradas, as substâncias em teste (item c). Os registros serão obtidos por meio de transdutores de pressão acoplados a um amplificador de sinais (Modelo ML 130, MacLab ADI19 Instruments, EUA) conectados a um computador Macintosh contendo um software específico de integração (Chart v4.0, PowerLab/MacLab, ADI Instruments,EUA). 42 Observação: Após a canulação, os animais devem ter a pressão arterial registrada por pelo menos 15 minutos antes da administração de qualquer substância. Ao final dos experimentos, todos os animais serão sacrificados através de uma overdose de tiopental (superior a 40 mg/Kg, i.v.). Animal 1: a. Administrar acetilcolina (10 nmol/kg, i.v.) b. Administrar L-NAME (infusão 7 mg/kg/min, i.v.) c. Administrar acetilcolina (10 nmol/kg, i.v.) Animal 2: a. Administrar composto XY (30 mg/kg, i.v.) b. Administrar L-NAME (infusão 7 mg/kg/min, i.v.) c. Administrar composto XY (30 mg/kg, i.v.) Bibliografia: BRUNTON L. L., LAZO J.S., PARKER K.L. Goodman & Gilman. As bases farmacológicas da terapêutica. 11ª edição. Editora Mc Graw Hill, Rio de Janeiro, 2006. GUYTON, A.C., HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. Elsevier, 11ª edição. 2006. RANG, H.P.; DALE, M.M.; TITTER, J. M. Farmacologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão - Sociedade Brasileira de Hipertensão, 2010. 43 SISTEMA NERVOSO CENTRAL DOENÇA DE PARKINSON Janaína Barbiero Ronise Martins Santiago A doença de Parkinson (DP) é o segundo distúrbio neurodegenerativo mais comum depois da doença de Alzheimer com elevada prevalência nas últimas décadas de vida. Em 1817, o médico inglês James Parkinson descreveu a DP em um ensaio que ele denominou de “Ensaio da paralisia agitante” que mais tarde recebeu seu nome. O início da doença manifesta-se em média aos 55 anos de idade e a sua incidência aumenta marcadamente com o envelhecimento e ainda, é aproximadamente 1.5 vezes maior no homem que nas mulheres em todas as idades. Há quatro classificações de parkinsonismo: 1) parkinsonismo primário (DP idiopática), que é a forma mais comum de parkinsonismo; 2) parkinsonismo secundário, causado por drogas indutoras de parkinsonismo, como por exemplo, antagonistas dopaminérgicos, e pós-encefalite; 3) parkinsonismo associado a outros distúrbios neurológicos como, por exemplo, paralisia supraventricular progressiva e atrofia de múltiplos sistemas; 4) distúrbios neurodegenerativos que apresentam o parkinsonismo como uma de suas características, por exemplo, doença de Huntington e doença de Wilson. A causa da DP idiopática ainda é desconhecida, mas sabe-se que diversos fatores estão envolvidos, tais como o estresse oxidativo, erros no enovelamento de proteínas como a parkina, ubiquitina e a-sinucleína, neuroinflamação, envelhecimento, fatores genéticos, dentre outros. 1. Sinais e Sintomas da Doença de Parkinson 44 São observados na DP sinais característicos conhecidos como “sinais cardinais” da doença. Estes sinais resumem-se principalmente em tremores em repouso, instabilidade postural, bradicinesia e rigidez, todos confluindo para uma severa alteração na marcha do paciente. O tremor parkinsoniano é o sintoma inicial em cerca de 60-70% dos pacientes, sendo a característica mais evidente da DP, embora não seja necessariamente a mais incapacitante, uma vez que pode ser suprimido pela execução de movimentos voluntários e reduzido com o uso de anticolinérgicos. Pacientes com DP também apresentam dificuldades na programação e execução de movimentos, e em estágio mais avançado exibem dificuldade em iniciar movimentos. Da mesma forma, o desempenho desses pacientes em tarefas que requerem a realização de movimentos seqüenciais e simultâneos é prejudicado. A rigidez muscular pode ser definida como um aumento da resistência da articulação durante um movimento passivo e frequentemente é relatada pelos pacientes como “sensação de dureza” e capacidade reduzida de relaxar os músculos dos membros. A instabilidade postural é um sintoma comum da DP e compromete a capacidade do paciente de manter o equilíbrio durante as tarefas diárias, tais como levantar, andar e curvar-se, aumentando o risco de quedas do paciente (MORRIS, 2000). Além dos prejuízos motores, pacientes com DP apresentam outros sintomas como ansiedade, depressão, distúrbios do sono, fadiga, constipação, distúrbio olfatório e declínio cognitivo (FAHN e SULZER, 2004; YANAGISAWA, 2006; ZIEMSSEN e REICHMANN, 2007). É importante salientar que atualmente a literatura mostra que grande parte desses sinais e sintomas não-motores possuem um peso quase igual aos sinais e sintomas motores no que diz respeito à qualidade de vida do paciente. Diante disso, inúmeros estudos têm voltado suas atenções no intuito de entender as relações entre os aspectos motores e nãomotores assim como os sistemas de neurotransmissão responsáveis pela regulação dessas funções, então comprometidas pela doença. 45 2. Fisiopatologia da Doença de Parkinson A DP consiste em uma degeneração progressiva de neurônios dopaminérgicos que apresentam seus corpos celulares na substância negra pars compacta (SNpc) e projetam seus axônios em direção ao estriado dorsal. Acredita-se que a redução nos níveis de dopamina estriatais seja a principal responsável pelas alterações motoras oriundas da neurodegeneração da SNpc. Embora essa teoria explique a ocorrência das alterações motoras, ela vem sendo questionada por inúmeros pesquisadores que tem demonstrado que há morte de neurônios em outras regiões não-dopaminérgicas que antecedem os acontecimentos nigrais. Em resumo, neurônios noradrenérgicos do lócus coeruleus, colinérgicos do tronco encefálico, serotoninérgicos dos núcleos da rafe, glutamatérgicos do córtex entorrinal e da formação hipocampal, morrem antes dos neurônios dopaminérgicos da SNpc. A partir dessas descobertas recentes têm-se postulado a ocorrência de diferentes estágios (seis no total) para a DP, sendo que durante os três primeiros observam-se apenas alterações não-motoras, e apenas nos três últimos estágios (a neurodegeneração da SNpc apenas no quarto estágio) detectam-se os sinais e sintomas motores clássicos (BRAAK ET AL., 2003). 3. Modelos Animais da Doença de Parkinson Existem diversos modelos animais para o estudo da DP, dentre eles estão o modelo da 6-OHDA, MPTP, rotenona, paraquat, LPS e reserpina. Além desses modelos farmacológicos, há também modelos que utilizam animais transgênicos, como por exemplo, animais nocaute para o transportador de dopamina. Tais modelos são bastante importantes para o desenvolvimento de novos agentes antiparkinsonianos, mas também como ferramenta na elucidação da patogênese da DP. AULA PRÁTICA CIRURGIA ESTEREOTÁXICA: infusão de toxinas na SNpc de ratos 46 A cirurgia estereotáxica é um procedimento eficaz para atingir, precisamente, áreas individualizadas do encéfalo com menor lesão possível de estruturas adjacentes. Esta manobra também é utilizada para a introdução de cânulas guia para que posteriormente, ocorra a aplicação rápida e/ou repetidamente de microquantidades de drogas diretamente na estrutura desejada. O aparelho estereotáxico é composto basicamente por barras ajustáveis as quais irão formar um conjunto que irá fixar a cabeça do rato. A barra esquerda ou direita inicialmente é mantida fixa, sendo posicionada no conduto auditivo externo com cautela. Em seguida, a barra que ficou móvel é posicionada na mesma região da orelha direita/esquerda, fixando completamente a cabeça do animal. Para a fixação da barra dos incisivos, é necessário abrir a boca do animal, inserindo a barra e fixando o focinho. A assepsia pode ser feita após a cabeça estar devidamente presa. O aparelho estereotáxico possui também uma torre capaz de locomover-se sobre um sistema de coordenadas tridimensionais e alcançar qualquer ponto do encéfalo, alvo da cirurgia, com a precisão de décimos de milímetros. Nesta torre é acoplada a cânula que será introduzida. Animais: ratos Wistar machos, peso entre 280 - 320 g Material: luvas cirúrgicas; seringas; agulhas; papel-toalha; pinça anatômica; pinça hemostática; tesoura cirúrgica; agulha e linha de sutura; bisturi; cotonetes; equipamento com broca de baixa rotação; bomba de infusão; microsseringa (Hamilton); tubo de polietileno + agulha 30 gauge (agulha gengival); aparelho estereotáxico (Kopf). Drogas e Soluções: solução salina estéril; água destilada; equitesin (45,7 ml água destilada; 4,25g hidrato de cloral; 2,13g de sulfato de magnésio; 11,5 ml de 47 álcool; 0,972 g tiopental e 42,8 ml propilenoglicol); toxina: MPTP (Sigma) dissolvido em solução salina na concentração de 100 mg/ml. Procedimento Os animais, antes da cirurgia, deverão ser mantidos em uma sala com umidade e temperatura controladas (22 ± 2°C), em um ciclo de claro-escuro de 12h (7:00-19:00 h). Água e comida são fornecidas à vontade aos animais durante todos os experimentos. Os procedimentos utilizados devem estar de acordo com as normas do CEEA (Comitê de Ética em Experimentação Animal) da UFPR. Todos os cuidados são tomados no intuito de minimizar o número de animais utilizados ao longo dos experimentos sem, no entanto, comprometer a análise estatística dos resultados. Além disso, esforços máximos são tomados no intuito de reduzir eventuais desconfortos causados aos animais durante os experimentos. Tais preocupações se adequam às modernas práticas bioéticas de experimentação animal que visam o bem-estar animal levando em conta três metas principais: redução, remanejamento e refinamento. Previamente à cirurgia, os animais são anestesiados. Os animais do grupo que recebem a toxina e grupo sham são colocados em um aparelho estereotáxico (David Kopf, modelo 957L). A desinfecção do local da incisão pode ser feita com solução de álcool iodado. Em seguida aplica-se anestésico local (lidocaína 0,2 mL com 2% de vasoconstritor) via s.c. na derme que recobre o crânio dos ratos. Com auxílio de um bisturi, os músculos do crânio são afastados para a exposição dos ossos da caixa craniana. As coordenadas são determinadas a partir do bregma: 5,0 mm do bregma; latero-lateral (LL) ± 2,1 mm da linha média; dorsoventral (DV), - 8,0 mm do crânio (Paxinos e Watson, 2005), e em seguida são feitas perfurações no crânio dos animais com uma broca de baixa rotação, permitindo a microinfusão bilateral da toxina (MPTP), na dose de 0,33 µL/min por 3 minutos (totalizando 1µL), diretamente na SN. A microinfusão das toxinas é realizada com o auxílio de uma agulha (30 gauge) conectada a um tubo de polietileno adaptado 48 a uma micro-seringa de 10 ml (Hamilton, EUA) que, por sua vez, é encaixada na bomba de infusão (Insight, EUA). Seguida à infusão das toxinas (3 minutos), a agulha deve permanecer no local por mais 2 minutos para evitar o refluxo da substância. A seguir, o escalpo é suturado e os animais são retirados do estereotáxico e colocados em caixas individuais com ambiente aquecido para recuperação da anestesia e posteriormente são encaminhados à sala de manutenção dos animais. Outro grupo, denominado de grupo sham, é submetido ao mesmo procedimento cirúrgico, entretanto, não recebe a infusão de nenhuma toxina, sendo infundida somente salina nas mesmas coordenadas estereotáxicas. Referências BRAAK H, DEL TREDICI K, RUB U, DE VOS R A, JANSEN STEUR E N and BRAAK E. Staging of brain pathology related to sporadic Parkinson´s disease. Neurobiol Aging 24: 197-211. DAUER, W.; PRZEDBORSKI, S. Parkinson’s disease: Mechanisms and models. Neuron 39: 889-909, 2003. DUNNET, S.B.; BJÖRKLUND, A. Prospects for new restorative and neuroprotective treatments in Parkinson’s disease. Nature 399:A32-A39, 1999. EMERIT, J.; EDEAS, M.; BRICAIRE, F. Neurodegenerative diseases and oxidative stress. Biomedicine & Pharmacotherapy 58(1): 39-46, 2004. FAHN, S.; SULZER, D. Neurodegeneration and neuroprotection in Parkinson disease. NeuroRX: The journal of the American Socity for Experimental NeuroTherapeutics 1: 139-154, 2004 PRZEDBORSKI, S. Pathogenesis of nigral cell death in Parkinson’s disease. Parkinsonism and Related Disorders 11: S3-S7, 2005. 49 APRENDIZAGEM E MEMÓRIA Léa Chioca Lucélia Mendes dos Santos Patrícia Andréia Dombrowski O que é Memória? Por que você se lembra de um determinado episódio que ocorreu na sua infância? Você é capaz de citar cinco nomes de estados do Brasil? Imagine a seguinte situação: você deveria ter preparado um seminário para apresentar numa aula de Fisiologia. O professor iria sortear o nome de um dos alunos para apresentar e você, acreditando que a chance de ser chamado era mínima, não se preparou, sequer estudou. No entanto, você foi o sorteado. Qual seria a sua reação? Por outro lado, se você tivesse estudado, sua reação seria outra? Por quê? Nossa reação frente a determinadas situações depende daquilo que aprendemos no decorrer da vida. Adquirir informações codificá-las, conservá-las e poder evocá-las são processos que fazem parte do que chamamos de memória. Por isso, os mecanismos mais importantes através dos quais o ambiente altera o comportamento são a aprendizagem e a memória. Tipos de memória Se alguém lhe pedir para fazer uma ligação telefônica, você consegue discar o número logo após de tê-lo lido num papel. Algum tempo depois, você poderá não se lembrar mais do número. Isso é normal porque existe a memória de trabalho, pois ela dura o tempo suficiente para o seu cérebro “trabalhar” a informação (o número discado). Dificilmente essa memória de trabalho dura mais que dois minutos ou arquiva mais que sete dígitos. O cérebro forma também memórias de curta duração de maior capacidade e que podem durar de horas a um par de dias. Sua função é nos dar acesso a essa infomação até que uma memória de longa duração possa ser consolidada. Esse processo de 50 consolidação pode durar de dias a meses e essas memórias de longa duração podem durar para o resto da vida. Os mecanismos que envolvem a formação de ambos os tipos de memória são diferentes, mas podem envolver as mesmas estruturas cerebrais. Quando você citou cinco estados do Brasil, foi preciso que você recordasse algo que aprendeu. E você poderia se lembrar do momento em que aprendeu isso? Onde você estava? Em que época foi? Lembrar-se de algum conhecimento geral (semântico) ou de algum episódio implica um tipo de memória a qual chamamos de declarativa (ou explícita). A memória declarativa é aquela que podemos declarar que sabemos e ela pode ser classificada como semântica, como no primeiro exemplo, ou episódica, como a lembrança do momento em que se deu o aprendizado. É o saber que algo é assim ou aconteceu assim. Ao conhecimento de saber como fazer alguma coisa chamamos de memória nãodeclarativa (ou implícita). Via de regra, precisamos executar um procedimento para mostrar que o sabemos, por isso esse tipo de memória é também chamada de memória de procedimentos. Existem várias categorias de memórias nãodeclarativas, dentre elas as habilidades e os hábitos, como exemplo dirigir um automóvel,dançar, andar de bicicleta, falar inglês). Consolidação da Memória A consolidação de uma memória envolve vários processos neuroquímicos em determinadas estruturas encefálicas. Durante esses processos, pode haver a interferência de agentes (drogas) ou um traumatismo craniano, qualquer dano que atinja uma estrutura envolvida na consolidação, de forma a prejudicar a consolidação da memória. A memória vai se formando à medida que se excitam neurônios que são despolarizados ao mesmo tempo. Nessas circunstâncias, a facilidade com que um desses neurônios pode despolarizar os outros aumenta. Os mecanismos conhecidos que podem produzir este tipo de plasticidade sináptica são chamados de potenciação de longa duração, ou LTP, do inglês, long term potentiation. Na maioria dos casos de LTP estudados, os neureceptores para 51 o neurotransmissor glutamato estão envolvidos. Com a repetida estimulação, a membrana dos neurônios permanece despolarizada. Em resposta a essa despolarização, entra sódio na célula via receptor AMPA. O receptor glutamatérgico do tipo NMDA abre-se (é desbloqueado pela remoção do íon magnésio) e permite a entrada dos íons cálcio. A partir daí, uma série de eventos ocorre, levando à fosforilação e produção de proteínas nessas sinapses. Essas proteínas irão alterar as propriedades das membranas pré- e pós-sinápticas causando, assim, a potenciação da neurotransmissão glutamatérgica. Por esse fenômeno, muitas vezes, há um aumento no número de sinapses quando aprendemos algo. Em outras palavras, a LTP é uma forma de modificação sináptica persistente e dependente de atividade, que pode ser induzida por estimulação breve e de alta freqüência dos neurônios. Em determinadas circunstâncias, pode ocorrer uma diminuição da eficácia sináptica. Esse é um processo chamado de depressão de longa duração, ou LTD, do inglês long term depretion. Estruturas envolvidas na formação e armazenamento da memória Conforme o tipo de memória, alguma(s) estrutura(s) está(ão) envolvida(s). Assim, com a memória de trabalho, o córtex pré-frontal estará envolvido. As memórias declarativas são formadas em áreas do lobo temporal tais como o hipocampo e o córtex entorrinal. Já nas não-declarativas o estriado e o cerebelo estão envolvidos. Como os neurônios comunicam-se entre as várias áreas cerebrais, há a influência de estruturas que acabam modulando a formação e o armazenamento de um ou outro tipo de memória. Os estados de ânimo, as emoções o nível de alerta, a ansiedade e o estresse são fatores que afetam as memórias. Qualquer falha que ocorra na transmissão de informações irá afetar a formação da memória. Há casos de doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer, a DP e outras patologias, bem como lesões, que podem levar a prejuízos cognitivos. 52 AULA PRÁTICA Esquiva Ativa de Duas Vias Princípio A esquiva ativa de duas vias consiste em um aparato com grade eletrificada e uma divisão entre dois lados da caixa. Nesta tarefa, o animal deve associar um estímulo sonoro ou luminoso (estímulo condicionado) com um choque (estímulo incondicionado). Ao ouvir o som o animal pode escapar do choque ao atravessar para o outro compartimento, sendo este comportamento denominado de esquiva. O comportamento de fuga é a passagem para o outro compartimento enquanto o animal recebe o choque nas patas. A não resposta caracteriza-se pelo animal permanecer no mesmo compartimento enquanto recebe o choque. Esquema do treinamento Cada sessão de treinamento consiste em 10 minutos de habituação seguidos de 50 pistas sonoras (1,5 KHz, 60db, duração máxima de 10 segundos) pareadas com um choque nas patas 5 segundos após o início do estímulo sonoro (0,5 mA, duração máxima de 5 segundos). Caso o animal atravesse para o compartimento em menos de 5 segundos, ele evita o choque e o som cessa, caso atravesse entre 5 e 10 segundos após o início do som, o choque cessa. Verificação do aprendizado Um rato Wistar será previamente treinado um dia antes da aula prática e durante a mesma. Ou rato será treinado apenas durante a aula prática. Os resultados de ambos serão comparados e discutidos com base na linha de pesquisa do laboratório. 53 Referências IZQUIERDO, I. Memória. Artmed. Porto Alegre, 2002. SQUIRE, L.R. & KANDEL, E.R. Memória: da mente às moléculas. Artmed. Porto Alegre, 2003. WHITE, N.M. Some highlights of research on the effects of caudate nucleus lesions over the past 200 years. Behavioural Brain Research, 199: 3-23, 2009. 54 TRANSTORNOS DE HUMOR E DE ANSIEDADE Léa Chioca Marcela Pereira Bruno Jacson Martynhak Rodrigo Batista de Almeida Ansiedade e depressão são transtornos mentais diagnosticados pelo DSMIV em categorias distintas. A comorbidade entre ambas as condições é elevada e existem similaridades com relação ao tratamento. Dessa forma, pode-se pensar que uma alteração neurobiológica poderia provocar, em diferentes circuitos neuroniais, diferentes características patológicas. A seguir, serão apresentados de forma separada e mais didática a depressão unipolar, o transtorno bipolar e os transtornos de ansiedade. 1. TRANSTORNOS DE HUMOR Os transtornos de humor podem ser basicamente divididos em depressão unipolar e transtorno bipolar. No transtorno bipolar ocorre a alternância entre estados depressivos com estados de mania. 1.1 Depressão Maior A depressão é uma síndrome caracterizada basicamente pelo déficit de humor. Entretanto, um diagnóstico preciso necessita preencher outros sintomas que perdurem por pelo menos duas semanas de modo ininterrupto, sendo necessário para o diagnóstico o humor deprimido ou também a perda do prazer/motivação. Os sintomas que geralmente acompanham o déficit de humor são ganho ou perda de peso, alterações no sono e na atividade motora, sensação 55 de perda de energia, alterações cognitivas, sentimentos de culpa, desvalia e até ideação suicida. A prevalência da depressão é de 21% na população geral (WONG & LICINIO, 2001) e dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que a depressão será a doença incapacitante mais comum em 2020. 1.1.2. Neurobiologia da Depressão A primeira teoria sobre a etiologia biológica da depressão entende a causa como uma deficiência de neurotransmissores monoaminérgicos, principalmente noradrenalina (NA) e serotonina (5-HT) (SHAFFERY et al., 2003; KALIA, 2005). As evidências para tal hipótese foram o fato de que fármacos que depletavam esses neurotransmissores poderiam induzir depressão, além de os antidepressivos conhecidos na época (ADTs e IMAO) terem ações farmacológicas que potencializavam tais neurotransmissores (NESTLER, 2002). Entretanto, há várias evidências contra a hipótese de déficit monoaminérgico e, talvez, a evidência crucial seja o fato de que o tempo para os antidepressivos regularizarem os níveis das monoaminas cerebrais é muito diferente do tempo para os efeitos antidepressivos sobre o humor. Em outras palavras, um antidepressivo normaliza as concentrações dos neurotransmissores diminuídos na depressão em questão de horas, mas a melhora clínica (melhora do humor) só ocorre após três a quatro semanas do início do tratamento (DUMAN, 1997). Com tantas fragilidades, a hipótese monoaminérgica deu lugar a uma série de outras teorias para o entendimento da etiologia da depressão. Em modelos animais de depressão o fator neurotrófico BDNF e o fator de transcrição CREB encontram-se diminuídos no hipocampo e os níveis retornam ao normal ao se tratar cronicamente os animais com antidepressivos (KRISHNAN & NESTLER, 2008). Similarmente, o volume e a neurogênese hipocampal encontram-se reduzidos em modelos animais de depressão e são restaurados com o 56 tratamento. Essas observações auxiliam a explicar o retardo do início da melhora dos sintomas com o tratamento farmacológico convencional. O aumento dos níveis de monoaminas provocado pelos antidepressivos levaria a alterações plásticas, que estas sim, seriam responsáveis pela melhora dos sintomas depressivos (KRISHNAN & NESTLER, 2008). Dentre outras teorias para a neurobiologia da depressão encontra-se a que relaciona a patologia com alterações do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA). Uma evidência para a teoria é o efeito anedônico provocado em ratos quando tratados com corticóides. Visto que eventos estressantes podem desencadear o quadro depressivo e são acompanhados de aumento dos níveis de corticóides, a indução do quadro depressivo em animais sendo provocado diretamente pela administração de corticóides reforça esta teoria. Como visto anteriormente, alterações do sono constituem um dos sintomas da depressão. Além do sono, vários outros parâmetros fisiológicos que apresentam ritimicidade circadiana (próximo de 24h) estão alterados. Os ritmos biológicos nos pacientes deprimidos podem estar deslocados para horários mais tardios ou mais adiantados, levando a horários de sono muito tarde, à noite, ou despertares muito cedos, pela manhã. A temperatura corporal pouco diminui à noite, contribuindo para a insônia. Apesar de heterogêneas entre os deprimidos, as alterções dos ritmos biológicos compõem uma importante gama de sintomas do quadro e podem estar envolvidos diretamente com o transtorno (MONTELEONE, 2008). Fármacos antidepressivos têm a capacidade de adiantar os ritmos circadianos (e.g. iniciar a secreção de melatonina noturna mais cedo). O adiantamento dos ritmos também já demonstrou efeito antidepressivo com o uso da exposição à luz intensa no início da manhã, tanto para a depressão sazonal do inverno como para a depressão maior. 1.1.3 Tratamento Farmacológico 57 Atualmente, a maioria das drogas antidepressivas atua de forma a aumentar a neurotransmissão monoaminérgica de noradrenalina/dopamina e/ou serotonina, porém apresentam alguns inconvenientes, como: - levar de quatro a seis semanas para produzir melhora clínica (latência farmacológica), independentemente de sua estrutura química, propriedades farmacocinéticas e alvo celulares no encéfalo (ADDEL et. al., 2005); - apresentar efeitos colaterais diversos como: sedação, retenção urinária, arritmias cardíacas, hipotensão postural, boca seca (principalmente os antidepressivos de estrutura tricíclica), náuseas, enjôos e disfunção sexual (principalmente entre os inibidores seletivos da recaptação de serotonina). Em decorrência desses efeitos indesejados, pesquisas têm sido realizadas com o objetivo de descobrir novos antidepressivos, com uma ação mais rápida e com baixa incidência de efeitos colaterais. 1.1.3.1 Inibidores da Monoaminoxidase (IMAOs) Os inibidores da monoaminoxidase foram os primeiros antidepressivoss clinicamente efetivos descobertos (ao acaso). Há duas isoformas da MAO, a MAO-A, que metaboliza os neurotransmissores monoaminérgicos mais ligados à depressão, e a MAO-B, que se acredita que converta alguns substratos das aminas (pró-toxinas) em toxinas que podem danificar os neurônios. A inibição da MAO-A está associada tanto à ação antidepressiva quanto aos incômodos efeitos colaterais hipertensivos dos IMAOs, ao passo que a inibição da MAO-B está associada à prevenção dos processos neurodegenerativos, como o mal de Parkinson. Entre os fármacos temos a moclobemida, um inibidor reversível da MAO-A. 1.1.3.2 Antidepressivos Tricíclicos (ADT) O grupo dos ADTs teve sua síntese na época dos primeiros neurolépticos, como a clorpromazina, quando alguns compostos mostraram-se inúteis no 58 tratamento da esquizofrenia, mas apresentaram efeitos antidepressivos (STAHL, 2002). Muito tempo depois, descobriu-se que os ADTs bloqueavam as bombas de recaptação de serotonina (5-HT) e da noradrenalina (NA) e, em menor extensão, da dopamina (DA). A nomenclatura é derivada da estrutura química contendo três eianeis, mas se constitui um termo arcaico, pois entre os ADs que bloqueiam a recaptação das aminas biogênicas nem todos são tricíclicos (os novos agentes têm um, dois, três ou quatro eianeis), bem como os ADTs não são apenas antidepressivos, já que alguns são antiobsessivo-compulsivos ou antipânicos. Alguns têm seletividade/ mais potência para inibir a bomba de recaptação de 5-HT (clomipramina), outros são mais seletivos para a NA (desipramina, maprotilina, nortriptilina e protriptilina). Além da ação antidepressiva, possuem outros efeitos (responsáveis pelos efeitos colaterais). 1. bloqueio de receptores colinérgicos muscarínicos → boca seca, visão turva, retenção urinária e constipação intestinal, distúrbios de memória; 2. bloqueio de receptores de histamina H1 → sedação e ganho de peso; 3. bloqueio de receptores adrenérgicos α1 → hipotensão ortostática e tontura; 4. alguns também bloqueiam receptores serotoninérgicos 2A (podem contribuir com o efeito); 5. bloqueio dos canais de sódio no coração e no cérebro → pode causar arritmias e parada cardíaca em superdosagem, assim como convulsão. 1.1.3.3 Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS), Noradrenalina(ISRN) 59 São os fármacos mais seletivos e mais potentes na inibição da recaptação de 5-HT, além de serem mais seguros (alto índice terapêutico) e sem os efeitos colaterais indesejáveis dos ADTs. O efeito AD é devido à estimulação de 5-HT1A, ao passo que a estimulação de 5-HT2A, 5-HT2C, 5-HT3 e 5-HT4 causa os efeitos indesejáveis agudos, tendo início com a primeira dose e diminuindo com o passar do tempo (STAHL, 2002). Os fármacos representantes são fluoxetina, sertralina, paroxetina, citalopram. A reboxetina foi o primeiro verdadeiramente ISRN (STAHL, 2002). Alguns tricíclicos (desipramina, maprotilina, p. ex.) bloqueiam a recaptação de NA de forma mais potente que a recaptação de 5-HT, mas também bloqueiam adrenérgicos 1, receptor histaminérgico H1 e receptor muscarínico. A venlafaxina inibe a recaptação tanto de noradrenalina como de serotonina. 1.1.3.4 Agomelatina A agomelatina é o antidepressivo mais recente com um novo mecanismo de ação. Possui ação agonista nos receptores de melatonina MT1 e MT2, bem como ação antagonista no receptor 5-HT2C (SOUMIER et al., 2009). Estudos clínicos comprovaram a eficácia do tratamento e apontaram para uma menor taxa de recaída em pacientes tratados com agomelatina em comparação com a venlafaxina (GOODWIN et al., 2009). 1.1.3.5 Os Antidepressivos funcionam? A eficácia do tratamento com inibidores da recaptação de monoaminas foi posta em cheque ao menos para os casos leves e moderados de depressão. Dados indicam que só existe diferença entre os grupos placebo e tratado nos estudos quando os sujeitos apresentam inicialmente um quadro mais severo de depressão, como mostrado na figura abaixo: (Kirsch et al., 2008) 60 Figura1 - O Gráfico mostra o grau de melhora do quadro depressivo nos grupos placebo e tratado em relação à severidade inicial do quadro. Apenas quando a severidade inicial é elevada as diferenças entre os grupos aparecem (região pintada entre as duas curvas). Ainda mais impactante, é uma análise recente, na qual sugere-se que quando o placebo utilizado no estudo é dito “turbinado” (com efeitos colaterais, mas sem o princípio ativo), as diferenças entre placebo e tratado, mesmo nos casos graves, desaparece. Podemos ver assim que embora não seja ainda certo afirmar que “antidepressivos não funcionam”, as controvérsias do tratamento farmacológico nos incitam as buscar por drogas com mecanismos de ação distintos e utilizar modelos animais que simulem melhor o quadro depressivo. 1.1.4 Modelos Animais de Depressão A descoberta de novas drogas para o tratamento da depressão tem sido limitada pela falta de um modelo animal universalmente aceito na triagem dos efeitos antidepressivos. Isso decorre da dificuldade em “modelar” nos animais alguns componentes comportamentais da depressão nos humanos como humor deprimido, pensamentos negativos e de suicídio, dentre outros. Os modelos animais de depressão, basicamente, reproduzem alguns traços da depressão num contexto de estresse ou separação (WONG & LICINIO, 2004). Algumas das metodologias mais utilizadas são os testes da suspensão 61 pela cauda, teste da natação forçada e teste da preferência por solução de sacarose. No teste da suspensão pela cauda, camundongos ficam suspensos a 50 cm do chão por uma fita fixada a 1 cm a partir da ponta da cauda e o tempo de imobilidade durante uma sessão de 5 min será registrado (STERU et al., 1985; BAI et al., 2001; CUNHA et al., 2008; GEHLERT et al., 2009; MASON et al., 2009). Os animais serão testados individualmente 30 min após a administração de tratamento ou veículo, sendo considerado imóvel apenas quando permanecer passivamente suspenso. Na técnica da natação forçada, os animais são colocados no centro de um cilindro de vidro preenchido com água a, aproximadamente, 24 ± 2 ºC, após a administração da droga ou veículo. O tempo de imobilidade nos últimos 4 min, de um total 6 min de teste, será registrado (PORSOLT et al. 1977; BORSINI & MELI, 1988; SKALISZ et al., 2004). O animal é julgado imóvel quando parar de nadar e executar movimentos mínimos apenas para permanecer flutuando com a cabeça acima do nível da água. A água é mudada após o teste de cada animal, sendo o mesmo seco e colocado em ambiente aquecido. É considerado efeito antidepressivo uma redução do tempo de imobilidade em dose que não aumente a atividade locomotora (PORSOLT et al. 1977; BORSINI & MELI, 1988). O teste da natação forçada possui grande validade preditiva, pois consegue detectar drogas com potencial ação antidepressiva, ainda que acabe por detectar fármacos com mecanismos de ação possivelmente já conhecidos, como os inibidores da recaptação de monoaminas (também chamados de drogas “me too”). O teste da preferência de consumo por solução de sacarose explora o componente da anedonia relacionado com a depressão (MONLEON, 1995). Entre os pacientes depressivos é muito comum esse sentimento de anedonia, em que os indivíduos se mostram desinteressados por atividades anteriormente prazerosas. A metodologia do teste é variável, mas consiste basicamente em colocar os animais em caixas individuais com água e solução de sacarose à 62 disposição e medir a preferência por solução doce em relação ao total da ingestão de líquido. Animais anedônicos não apresentam preferência por nenhuma das garrafas, sendo a preferência resgatada por tratamento crônico, mas não agudo, com antidepressivos. A similaridade da latência para o efeito do tratamento e o componente anedônico a ser comparável ao ser humano tornam o modelo de preferência por sacarose bastente válido, tanto com relação à face e predição, quanto com relação ao constructo, que se refere às bases neurobiológicas do transtorno. Referências ADELL, A. et al. Strategies for producing faster acting antidepressants. Drug Discov Today, 10: 8, 578-585, 2005. 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Nat Rev Drug Discov, 3(2): 136-151, 2004. 1.2 Transtorno Bipolar Assim como a depressão, a mania também se caracterizada por alterações no humor, na cognição, na psicomotricidade e nas funções vegetativas, porém com características opostas àquelas alterações observadas na depressão, ou seja, o paciente apresenta elevação do humor (com características expansivas, geral e facilmente irritável e desinibido), aceleração da psicomotricidade, aumento de energia e da sexualidade e ideias de grandeza (grande entusiasmo tanto profissional quanto social), as quais podem ser até delirantes. As formas clínicas da mania variam de acordo com a intensidade e o predomínio dos sintomas afetivos, das alterações psicomotoras e da presença de sintomas psicóticos. Em sua forma clássica, a mania se caracteriza por humor exageradamente expansivo (chamado de elação), aceleração no ritmo do pensamento, agitação psicomotora e pensamentos delirantes de grandiosidade, sendo que, dependendo da “gravidade” do episódio maníaco, esse pode ser confundido com um surto psicótico, por causa do comportamento delirante do paciente. No que concerne à cognição, o pensamento durante um quadro maníaco costuma ser repleto de ideias de grandeza, autoconfiança incomodamente elevada, otimismo exagerado, falta de juízo crítico e da inibição social normal. Porém é importante ressaltar que esta impulsividade pode levar a consequências desastrosas. Podem existir ideias delirantes de grandeza, de poder, de riqueza e de irreal inteligência. No tipo grave com sintomas psicóticos, a euforia é acompanhada de alucinações, sentimentos de influência e de inspiração profética, caracterizando assim o verdadeiro estado de elação. A aceleração do pensamento produz um dos sintomas mais clássicos da mania que e a “fuga de eiideias”, em que o paciente começa um assunto novo sem terminar o anterior. Há também uma hipermnésia, com lembrança fácil de eventos passados, porém, prejudicado por excesso da distrabilidade. 65 Quanto ao quesito psicomotricidade, o paciente em quadro de mania apresenta-se sempre muito bem-disposto e capaz de alcançar qualquer objetivo, cheio de energia e sem necessidade de repouso ou sono (outra característica típica do quadro de mania, que é a perda do sono (Moreno e Moreno, 1994). Durante a fase de euforia do Transtorno Bipolar de Humor, a autoestima, o vigor e a energia física aumentam e a pessoa passa a agir em ritmo acelerado, fica inquieta e agitada, a necessidade de sono diminui. Começa a ter sentimentos de grandeza, considera-se especial e se sente como se não tivesse limites. Os planos grandiosos e mirabolantes se multiplicam, as ideias fluem rapidamente e não se consegue concluir as ideias, pulando rapidamente para outros assuntos. Por causa da impulsividade, da desinibição, do aumento de energia e da ausência de crítica, a pessoa em mania acaba se envolvendo em atividades perigosas e insensatas, tais como dirigir em alta velocidade, praticar sexo inseguro, gastar além das possibilidades. Desse jeito é difícil convencer o paciente de sua doença já que o bem estar (patológico) é muito contundente. Quando os sintomas são relativamente mais brandos, diz-se que o paciente se encontra em quadro de hipomania, este quadro normalmente precede o quadro de mania, ou nos casos e bipolar do tipo I ou dos pacientes ciclotímicos, que são a típica fase eufórica do paciente. Há, também, na hipomania, hiperatividade, tagarelice, diminuição da necessidade de sono, aumento da sociabilidade, atividade física, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo, e impaciência. A hipomania não se apresenta com sintomas psicóticos, não precisa de internação e o prejuízo ao paciente não é tão intenso quanto no episódio de mania. O Transtorno Bipolar pode ser classificado em: - Transtorno Bipolar Tipo I: – Períodos de mania. Comumente, o estado maníaco pode durar vários dias ou pelo menos uma semana, e os períodos de depressão duram de algumas semanas a vários meses. 66 Transtorno Bipolar Tipo II: Com períodos de hipomania, mas menos prejuízos familiares, sociais e no trabalho. Para o DSM-V, será acrescentado o Transtorno Bipolar Tipo III, que seriam aquelas pessoas inicialmente diagnosticadas como com depressão maior e que apresentariam uma virada maníaca desencadeada pelo uso de antidepressivos. Como dissemos, em uma sociedade que valoriza demais a extroversão e eloquência, pacientes e familiares podem considerar a hipomania como se fosse uma atitude normal e até desejável. Assim, a hipomania pode ser confundida com estados de alegria desencadeada por eventos positivos, não percebidos pelos outros como exagerados, comparados com o padrão habitual de humor da pessoa. Já a irritabilidade da hipomania pode ser confundida, também, com reações normais aos eventos negativos, como por exemplo, uma má notícia. Mas a hipomania pode ou não ter fatores desencadeantes, sejam positivos ou negativos. Se esses pacientes não forem tratados, podem apresentar ausência do juízo crítico e proporcionar para si ou para seus familiares, severos prejuízos morais e materiais. 1.2.1 Incidência Mais recentemente, pesquisas epidemiológicas procuraram determinar a magnitude do TB avaliando sua ocorrência na população geral. O conceito de TB tem sofrido modificações ao longo dos últimos anos, refletidas nas classificações diagnósticas como DSM e CID. O conceito de espectro, que amplia significativamente a prevalência desses transtornos, é ainda polêmico e sua validação na população geral é essencial para que ações específicas em saúde pública possam ser conduzidas, visando à adequada prevenção e ao tratamento do TB. O Transtorno Bipolar é relativamente comum e tratável, atinge de igual maneira homens e mulheres em torno de 1% a 4,9% da população, se considerarmos também a hipomania. Caso esta não seja considerada, a 67 incidência do Transtorno Bipolar cai para 1 a 2% da população e, geralmente, se inicia entre os 20 e 30 anos de idade. Homens e mulheres são afetados pelo Transtorno Bipolar quase da mesma maneira. Há poucos casos do transtorno afetando crianças e pessoas mais idosas. 1.2.2 Tratamento O objetivo do tratamento da mania aguda é controlar sinais e sintomas de forma rápida e segura, e restabelecer o funcionamento psicossocial a níveis normais. A escolha do tratamento inicial leva em conta fatores clínicos, como gravidade, presença de psicose, ciclagem rápida ou episódio misto e preferência do paciente, quando possível, levando em conta os efeitos colaterais. Critérios clínicos como uso de antipsicótico intramuscular em casos de agitação e maior número de evidências da literatura sobre eficácia também devem ser utilizados para nortear a seleção do medicamento. Ao selecionar um medicamento antimaníaco, deve-se dar preferência às medicações com maiores evidências de ação: lítio, valproato (ácido valproico, divalproato) e carbamazepina (CBZ), além dos antipsicóticos típicos, como clorpromazina e haloperidol, e dos atípicos olanzapina e risperidona; por serem mais novos, há menos estudos com ziprasidona, quetiapina e aripiprazole. A combinação de um antipsicótico com lítio ou valproato pode ser mais efetiva do que cada um deles isoladamente. Em casos de mania grave, recomenda-se como primeira opção a combinação de lítio e um antipsicótico atípico ou valproato com antipsicótico atípico. Para pacientes menos graves, a monoterapia com lítio, valproato ou um antipsicótico atípico, como a olanzapina, pode ser suficiente. Existem menos evidências sustentando a indicação de aripiprazole, ziprasidona e quetiapina em lugar de outro antipsicótico atípico e de CBZ ou oxcarbazepina (OXC) em vez de lítio ou valproato. Embora os dados sobre a eficácia da OXC permaneçam limitados, este medicamento pode ter eficácia equivalente e melhor tolerabilidade que a CBZ. O uso concomitante de benzodiazepínicos (BDZ) pode ser útil se comparado com o de antidepressivos (AD), que podem precipitar ou 68 exacerbar mania/hipomania ou estados mistos e, de modo geral, deveriam ser descontinuados e evitados quando possível. 1.2.3 Neurobiologia Acredita-se que o desenvolvimento do quadro de mania esteja relacionado à alteração na concentração de PKC (proteína quinase C intracelular). Denominase proteína quinase C (PKC) um grupo de enzimas dependentes de cálcio e fosfolipídeos que desempenha papel importante nos mecanismos intracelulares de receptores monoaminérgicos (a1, 5-HT2A e 5-HT2C ), colinérgicos (M1, M3 e M5), para vasopressina e substância P. Estudos clínicos e pré-clínicos têm associado alterações da PKC (ou de suas subespécies) com o transtorno bipolar. Por exemplo, pacientes com quadro maníaco apresentam aumento da translação induzida da PKC nas plaquetas, alteração revertida pela administração de estabilizadores de humor como lítio e ácido valpróico (Hahn et al. 2005). Além disso, em cérebros de pacientes bipolares, foi observado um aumento da PKC ligada à membrana e da translação da PKC do citosol para a membrana. Os estabilizadores de humor apresentam, entre outras ações, atividade inibitória sobre a PKC em sítios diferentes. Esses dados suportam a proposição de aumento da atividade da PKC no transtorno bipolar e que as drogas estabilizadoras de humor exercem, ao menos em parte, suas ações clínicas pela diminuição da atividade da PKC (Hahn e Friedman, 1999; Manji e Lenox, 1999; Manji e Chen, 2002). 1.2.4 Modelos Animais Normalmente, os testes empregados são os padronizados para ação de antipsicóticos, uma vez que se carece de testes específicos para a mania em si. Porém tais testes apresentam boa validade, uma vez que o quadro de mania é caracterizado por agitação e diminuição cognitiva e de aprendizagem, em decorrência da dificuldade de manter o foco de um determinado tema, quadros 69 esses bem similares aos observados em esquizofrênicos. As alterações em padrão de sono e irritabilidade exacerbada também são comuns a ambos. Alguns testes utilizados para o estudo de possíveis drogas antimaníacas são: hiperlocomoção induzida pela anfetamina, estereotipia e climbing induzidos por apomorfina, teste da pata, catatonia e teste de pré-pulso. Referências Lima, M.S. de; Tassi, J.; Novo, I.P.; Mari, J.J. Epidemiologia do transtorno bipolar. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 15-20, 2005. Dias, R.S.; Kerr-Corrêa, F.; Torresan, R.C.; Santos, C.H.R. Transtorno bipolar do humor e gênero. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 80-91, 2006. Hahn C-G, Friedman E. Abnormalities in protein kinase C signaling and the pathophysiology of bipolar disorder. 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TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Os transtornos de ansiedade, assim como a maioria das patologias neuropsiquiátricas, são de caráter multifatorial, crônicos, de prevalência elevada e de alta morbidade, resultando em custos individuais e sociais elevados (Andreatini et. al. 2001). Epidemiologicamente, o transtorno da ansiedade tem sido apontado entre os transtornos psiquiátricos mais comuns, sendo na maioria dos casos acompanhado por comorbidades médicas e psicológicas. Logo, têm crescido a necessidade de se pesquisar novos tratamentos efetivos que promovam alívio dos sintomas (Ravindran e Stein 2010). De acordo com as características sintomatológicas, a quarta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM-IV) da Associação Psiquiátrica Americana, classifica os transtornos de ansiedade em: - Transtorno de Ansiedade Generalizada - Transtorno de Pânico - Transtorno Obsessivo-Compulsivo - Transtornos de Estresse Pós-Traumático - Transtorno de Ansiedade Social - Fobia Simples De uma forma resumida, tem sido sugerido que os transtornos de ansiedade são causados por uma detecção falha e por consequência a expressão inadequada de comportamentos defensivos, de forma a gerar respostas fisiológicas (taquicardia, sudorese, midríase, etc) e psicológicas (medo, por exemplo) intensas. Comportamentos defensivos são as reações do organismo a perigos presentes ou potenciais, são modelados pela seleção natural e podem ser modificados para que atuem somente quando forem úteis (Carobrez, 2003). Tratamento Farmacológico da Ansiedade 71 Desde a descoberta da primeira droga benzodiazepínica, o clordiazepóxido em 1961, esforços têm sido conduzidos com o intuito de desenvolver ansiolíticos mais efetivos e com efeitos colaterais reduzidos. Os benzodiazepínicos se ligam a um sítio regulatório do receptor GABAA, que é um sitio distinto do sítio de ligação do neurotransmissor GABA. Sendo assim, os benzodiazepínicos atuam alostericamente aumentando a afinidade do GABA pelo receptor GABAA. Como o receptor GABAA é um canal de cloreto, essa ligação intensifica a transmissão sináptica inibitória (Rang et. al. 2007). Atualmente os benzodiazepínicos continuam a ser amplamente prescritos, principalmente para o transtorno de ansiedade generalizada e pânico (neste caso, os benzodiazepínicos de alta potência como o clonazepan). Os benzodiazepínicos são ansiolíticos eficazes, porém apresentam efeitos colaterais graves como sedação, dependência e ainda o desenvolvimento de tolerância. (Rang et. al. 2007) Nos últimos anos, tem ocorrido um grande avanço no tratamento farmacológico dos transtornos de ansiedade, com a introdução de novas drogas como os antidepressivos e a buspirona (Andreatini et. al. 2001, Ravindran e Stein 2010). A buspirona é agonista parcial dos receptores serotoninérgicos 5HT1A, apresentando eficácia para o tratamento do transtorno de ansiedade generalizada. (Rang et. al. 2007) Os antidepressivos têm sido empregados em diversos transtornos de ansiedade. Sendo a classe dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), como por exemplo a fluoxetina, sertralina, escitalopram e clomipramina, os mais amplamente utilizados, apresentando eficácia para o tratamento de praticamente todos os transtornos de ansiedade, além de possuírem efeitos colaterais menos severos do que os dos benzodiazepínicos. (Ravindran e Stein 2010). Novos alvos potenciais para o tratamento da ansiedade têm surgido como agonistas glutamatérgicos metabotrópicos do gupo I e antagonistas glutamatérgicos metabotrópicos do grupo II e III, antagonistas do receptor glutamatérgico NMDA, antagonistas do fator de liberação de corticotrofina (CRF), dentre outros. 72 Mas grande parte dessa evolução, assim como nos transtornos de humor, esbarra na ausência de modelos de ansiedade análogos nos animais. Uma vez que a ansiedade descreve um estado subjetivo, ela é considerada uma característica humana, portanto, ela só pode ser modelada e não reproduzida em animais (Andreatini et. al. 2001). Uma variedade de modelos animais de ansiedade tem sido validada farmacologicamente, usando os ansiolíticos clássicos benzodiazepínicos. Uma crítica é que a maioria dos modelos avalia fenômenos que são modificados pelos benzodiazepínicos e não características da ansiedade propriamente dita, de modo que serão necessários desenvolver modelos específicos para cada transtorno ou reavaliar os modelos já existentes, correlacionando-os a determinado transtorno. Neurobiologia da Ansiedade A ansiedade pode ser vista como um conflito entre informações, que gera a inibição do comportamento. Através de estudos de lesão e estimulação, uma estrutura próxima ao hipocampo denominada subículo foi arrolada como importante para a comparação de informações, que seriam levadas ao sistema septo-hipocampal, fazendo parte de um sistema de inibição comportamental. (Hetem e Graeff, 2004) A amígdala também estaria envolvida com a ansiedade visto ser tradicionalmente uma estrutura ligada à emoções como o medo. A amígdala receberia estímulos sensoriais e comunicaria a outras áreas, como por exemplo, à matéria cinzenta periaquedutal (Millan, 2003). Alterações na estrutura ou na função cerebral ou na sinalização através de neurotransmissores pode resultar de experiências vivenciadas, da influencia do meio-ambiente ou ainda uma predisposição genética, tais alterações poderiam aumentar o risco para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos (Martin et. al. 2009). Os transtornos de ansiedade apresentam o envolvimento de alterações neuroendócrinas, neuroanatomicas e de neurotransmissores. Dentre as alterações relacionadas com neurotransmissores é estudada a possibilidade do envolvimento de uma diminuição na sinalização gabaérgica, ou um aumento da 73 sinalização glutamatérgica, o envolvimento das monoaminas 5-HT, NA, DA, e também dos neuropeptideos nos transtornos de ansiedade (Martin et. al. 2009). Estudos tem mostrado um papel dual da serotonina na ansiedade. Os corpos celulares dos neurônios serotoninérgicos se localizam nos núcleos da rafe, e enviam projeções para outras estruturas cerebrais. Quando essas projeções liberam serotonina na amígdala é observado um aumento da ansiedade, porém quando projeções liberam serotonina na matéria cinzenta periaquidutal ocorre inibição do pânico. Dessa forma, um desequilíbrio nesse sistema de transmissão, como o uma ativação aumentada da amígdala poderia levar ao desenvolvimento de transtorno de ansiedade generalizada, ou um redução na ativação na matéria cinzenta periaquedutal poderia levar ao transtorno de pânico, por exemplo. (Hetem e Graeff, 2004). Referências ANDREATINI, R.; BOERNGEN-LACERDA, R.; FILHO, D.Z. Tratamento farmacológico do transtorno de ansiedade generalizada: perspectivas futuras. Rev. Bras.Psiquiatr. v.23, p.233-242, 2001. CAROBREZ, A.P. Transmissão pelo glutamato como alvo molecular na ansiedade. Rev. Bras.Psiquiatr. v.25, p.52-58, 2003. HETEM, L.A.; GRAEFF, F.G. Transtornos de ansiedade. São Paulo: Ed. Atheneu, 2004. NICOLAS LB, KOLB Y, PRINSSEN EPM. A combined marble burying– locomotor activity test in mice: A practical screening test with sensitivity to different classes of anxiolytics and antidepressants. European Journal of Pharmacology 547 (2006) 106–115 MARTIN EI, RESSLER KJ, BINDER E, NEMEROFF CB. The neurobiology of anxiety disorders: brain imaging, genetics, and psychoneuroendocrinology. Psychiatr Clin North Am. 2009 Sep;32(3):549-75. MILLAN, M. The Neurobiology and control of anxious states. Prog. Neurobiol. v.70, p.83-244. Rang HP, Dale MM, Ritter JM, Flower RJ. Farmacologia. 6º ed. Rio de Janeiro: Elsevier editora Ltda; 2007. p. 535-544. RAVINDRAN LN, STEIN MB. The pharmacologic treatment of anxiety disorders: a review of progress. J Clin Psychiatry. 2010 Jul;71(7):839-54. 74 AULA PRÁTICA 1. AVALIAÇÃO DE DROGAS COM AÇÃO ANTIDEPRESSIVA Alguns modelos animais se prestam para observação de efeitos produzidos pelas drogas antidepressivas, após uso agudo. Metodologias como a natação forçada e o de suspensão pela cauda são testes de triagem para a detecção de efeitos antidepressivos de diferentes drogas. O princípio do teste baseia-se no fato de que animais submetidos a um estresse intenso desenvolvem um comportamento de imobilidade, que seria compatível com um quadro de desamparo ou desesperança. Os antidepressivos reduzem o tempo de imobilidade apresentado pelos animais, aumentando, por consequência, os movimentos dirigidos ao escape. Objetivo: observar o efeito antidepressivo da imipramina no modelo de suspensão pela cauda. Material: seringas centesimais de 1,0 mL; agulhas 10x5; cronômetros Soluções: solução de imipramina (4 mg/mL) e solução de NaCl (0,9%) Animais: camundongos machos, peso entre 25 - 30g Procedimento Injetar, via intraperitoneal, 40 mg/kg de imipramina em um camundongo; um segundo animal receberá volume correspondente de salina (veículo = controle negativo). Aguardar 30 min e prender os animais com fita adesiva na beirada da bancada. A duração total da imobilidade será registrada durante os últimos 4 min, de um período total de 6 min. Cada animal será julgado imóvel quando não apresentar movimentos dirigidos ao escape. A diminuição da duração (tempo) da imobilidade é indicativa de um efeito antidepressivo. 75 Resultados Nº Tratamento Tempo de Imobilidade 2. Modelos para Avaliação de Drogas com Ação Antipsicótica Objetivo: Observar o efeito antipsicótico da olanzapina nos modelos de estereotipia e climbing induzidos por apomorfina. Material: Seringas centesimais de 1,0 ml; agulhas 10x5; cronômetros; aparatos de teste (gaiolas) Soluções: Solução de olanzapia a 10mg/kg; solução de apomorfina a 1mg/kg; solução de NaCl a 0,9%. Animais: camundongos, peso entre 25 - 30g Procedimento 1. Injetar, via i.p., 10 mg/kg de olanzapina em quatro camundongos; quatro animais seguintes receberão volume correspondente de salina (veículo). O volume a ser injetado em camundongos será relativo a seu peso corpóreo. 76 2. Aguardar 30 (trinta) minutos e colocar os animais individualmente em gaiolas. 3. Injetar, via sc, 1mg/kg de apomorfina ou salina nos oito camundongos. A aplicação será seriada, assim, um animal receberá apomorfina e o outro/seguinte, receberá salina, sempre. 4. Após dez minutos, o comportamento do animal deverá ser analisado, a análise será baseada nas tabelas abaixo para climbing e estereotipia. A análise deverá ser feita a cada dez minutos, por dez segundos e, após esses, um escore deverá ser dado baseado no comportamento do animal. O teste em si tem duração de nove análises, ou seja, 1h30min, porém, para esta aula prática, faremos uma versão apenas ilustrativa de 30 minutos. ESTEROTIPIA Nível 0 1 2 3 4 Comportamento Animal parado Animal normal e em movimento, não apresentando comportamento estereotipado Animal levemente estereotipado, com comportamento de lamber grades e cheirar estereotipado Animal estereotipado, mas ainda se movimentado. Comportamento de lamber e morder grades Animal completamente estereotipado e parado. Comportamento de lamber e morder grades CLIMBING Nível Comportamento 0 Animal com quatro patas no piso da gaiola. 1 Animal com duas patas dianteiras com patas na grade (na parede da gaiola). 2 Animal com as quatro patas na grade (na parede da gaiola, escalando). 77 Resultados Tabela de estereotipia e climbing Animal Tratamento 10’ 1- Olan + Apo 2- Olan + Sal 3- Olan + Apo 4- Olan + Sal 5- Sal + Apo 6- Sal + Sal 7- Sal + Apo 8- Sal + Sal 20’ 30’ Total Modelo para Avaliação de Drogas com Ação Ansiolítica Objetivo: Avaliar a ação ansiolítica do benzodiazepínico diazepam e do óleo essencial de lavanda, utilizando o modelo animal de esconder esferas. O teste de esconder esferas avalia o número de esferas com no mínimo 2/3 de sua superfície coberta por cepilho após 20 minutos. Em uma caixa plástica (gaiola padrão de manutenção dos animais 30 x 20 cm) é colocado sobre o cepilho 24 esferas de vidro, as quais são distribuídas uniformemente na periferia da caixa. Esse teste avalia o comportamento de cavar o cepilho, que é um comportamento normal apresentado pelos camundongos que também é observado quando o animal se depara com algum objeto aversivo (comportamento de cavar defensivo que se relaciona com o estado de ansiedade do animal). Quando o camundongo recebe uma droga ansiolítica esse comportamento de cavar é reduzido, logo o número de esferas escondidas também é reduzido. É colocado um animal por caixa e as esferas são lavas com álcool 10% após serem usadas (Nicolas et.al. 2006) 78 Material: seringas centesimais de 1,0 ml; agulhas 10x5; cronômetro; caixas plásticas com cepilho e 24 esferas de vidro por caixa. Soluções: solução de diazepam 1 mg/kg; solução de NaCl a 0,9%, solução de óleo essencial de lavanda 5% Animais: camundongos, peso entre 25 - 30g Procedimento Injetar 1 mg/kg, via ip, de diazepam ou salina nos camundongo. Administração por via inalatória do óleo essencial de lavanda 5% - duração de 15 minutos. Trinta minutos após a administração do diazepam, ou 15 minutos após a administração do óleo essencial de lavanda, os animais serão colocados individualmente nas caixas com as esferas. As esferas com no mínimo de 2/3 de sua superfície coberta com cepilho serão registradas ao final de 20 minutos. Resultados Nº Tratamento 1 azul Salina 2 azul Salina 3 azul Salina 4 azul Diazepam 1mg/kg 5 azul Diazepam 1mg/kg 1 vermelho Diazepam 1mg/kg 2 vermelho OE lavanda 5% 3 vermelho OE lavanda 5% 4 vermelho OE lavanda 5% Número de Esferas Escondidas 79 80 DROGAS DE ABUSO Diego Correia O uso de drogas psicoativas (com ação sobre o sistema nervoso central) remonta aos ancestrais dos homens. Seja pelo seu uso em rituais religiosos, como medicamento, ou simplesmente pelo prazer que podem propiciar ao usuário. Durante a história, esse uso passou por períodos de aceitação e de total proibição, sendo por isso que algumas drogas são aceitas em determinadas culturas e em outras são utilizadas somente na clandestinidade (SILVEIRA; MOREIRA, 2006). doença de Parkinson (DP) é o segundo distúrbio neurodegenerativo mais Classificação de Chalout (1971) dos Psicoativos • Depressores ou Psicolépticos • Álcool, benzodiazepínicos ansiolíticos, hipnóticos, inalantes, oiopioides, antipsicóticos. • • Estimulantes ou Psicoanalépticos • Cocaína, anfetaminas, nicotina, xantinas, outros. • Inibidores da MAO, tricíclicos, ISRmonoaminas. Perturbadores ou Psicodislépticos (Alucinógenos) • Naturais: maconha, mescalina, psilocibina, outros. • Sintéticos: LSD, MDMA (ecstasy), fenciclidina, algumas possuem quetamina, anticolinérgicos, outros. Entre as drogas psicoativas, propriedades reforçadoras. Reforço ou estímulo reforçador é a capacidade que a droga tem de criar e manter hábitos e comportamentos. Essa característica é considerada fundamental para que a droga seja capaz de induzir dependência. O reforço pode ser positivo ou negativo. Reforço positivo é a capacidade da droga de produzir efeitos agradáveis e sensações prazerosas. Reforço negativo é a 81 capacidade da droga de diminuir sensações desagradáveis. Em muitos casos é difícil separar qual o tipo de reforço predomina em determinada situação (ALMEIDA, 2006). Por exemplo, o etanol apresenta reforço positivo pela sua capacidade de produzir euforia e reforço negativo pelo seu efeito ansiolítico e por evitar a síndrome de abstinência. Essas drogas com propriedade reforçadora, por induzirem a autoadministração, podem levar a estados de uso abusivo, dependência e adição. O termo adição é usado no DSM-IV (APA, 1994) preferencialmente ao termo dependência, para evitar confusão com o termo dependência física. Dependência física se refere às adaptações que levam a sintomas de abstinência na interrupção abrupta do uso de uma droga, que recebe a denominação de Síndrome de Abstinência. Essas adaptações são diferentes das adaptações que ocorrem na adição, na qual a principal característica é a perda de controle sobre o uso da droga, mesmo sob consequências adversas intensas (VOLKOW; LI, 2005). No padrão de comportamento abusivo, existem, de forma recorrente e significativa, consequências negativas do uso da droga, mas ainda não existe a presença de tolerância, síndrome de abstinência e perda do controle sobre o uso da droga (KAPLAN; SADOCK, 1995). A progressão do uso inicial à adição é influenciada por muitos fatores. Entre eles, a droga em si, a personalidade do usuário, e influências de outras pessoas e ambientais. A interação entre esses fatores é complexa e determina por que alguns indivíduos apresentam comportamentos aditivos e outros não. O uso inicial da droga pode ser voluntário, na busca de prazer, das suas propriedades reforçadoras, mas, para a pessoa que apresenta adição, a escolha pelo uso da droga não é mais voluntária. Ocorre uma neuroadaptação semelhante ao que ocorre no aprendizado de uma tarefa e o indivíduo procura a droga mesmo na evidência de consequências pessoais negativas e graves (CHOU; NARASIMNHAN, 2005). No entanto, os mecanismos neurobiológicos que determinam essa transição do uso controlado para o descontrolado ainda não estão totalmente esclarecidos. As recaídas no uso das drogas é o fator clínico mais difícil de ser controlado no tratamento da adição. Após longo período de abstinência, o craving (desejo compulsivo) pela droga ou a recaída 82 pode ser iniciado pela presença da droga em si, por pistas ambientais que estejam associadas à droga ou pelo estresse (SHAHAN; HOPE, 2005). As drogas de abuso são substâncias com diversas estruturas químicas e mecanismos de ação. Na administração aguda, cada droga se liga a um sítio de ação próprio e desencadeia uma série de comportamentos, sensações e efeitos fisiológicos. Entretanto, no uso crônico, alguns efeitos são compartilhados pelas diferentes drogas de abuso. Essas drogas são todas agudamente recompensadoras (o que leva à repetição do seu uso), produzem sintomas emocionais negativos na sua abstinência, produzem um longo período de sensibilização e ocorre um aprendizado associativo entre a droga e as pistas ambientais relacionadas a ela. Acredita-se que essas adaptações contribuam para o craving pela droga e pelas recaídas, mesmo após longos períodos de abstinência. Existem várias evidências que todas as drogas de abuso convergem a um circuito comum no sistema límbico cerebral. A principal via que tem sido investigada é a via dopaminérgica que se inicia na área tegmentar ventral (ATV) e vai em direção ao núcleo accumbens (NAcc). Esse circuito é o mais importante para os efeitos recompensadores agudos de todas as drogas de abuso, e várias pesquisas têm mostrado como, apesar de seus diferentes mecanismos de ação, todas as drogas convergem a essa via, tendo assim efeitos agudos reforçadores comuns (NESTLER, 2005). No Brasil e no mundo, o uso de drogas psicoativas é muito alto. A prevalência de uso na vida de qualquer droga, exceto tabaco e álcool, foi maior na região Nordeste do Brasil, onde alcançou 27,6%. A região com menos uso na vida foi a Norte com 14,4%. Considerando-se o país como um todo, a taxa foi de 22,8% da população. O menor uso na vida de álcool ocorreu na Região Norte (53,9%) e o maior na Sudeste (80,4%). Ainda, são observados mais dependentes de álcool para o sexo masculino (CARLINI et al, 2007). O abuso no consumo de álcool e a sua dependência são problemas que afetam mais de 25 milhões de brasileiros e representam um dos maiores problemas de saúde pública, tanto no Brasil como no resto do mundo (CARLINI et al., 2007). Além disso, os problemas decorrentes direta e indiretamente do 83 consumo de álcool como acidentes, violência e perda de produtividade, geram grandes prejuízos econômicos (WHO, 2002). Etanol O álcool é a substância psicoativa de maior uso no Brasil. Vários fatores influenciam para isso, principalmente: o fato de ser uma droga lícita, socialmente aceita e muitas vezes ter seu uso incentivado pela sociedade, o que se pode chamar de “ritos de passagem” como, por exemplo, a primeira intoxicação do adolescente. Além disso, há o fácil acesso, baixo preço e deficiência na fiscalização (venda para menores de idade, por exemplo), entre outros. O etanol é rápida e quase totalmente absorvido pelo estômago e intestino. Aproximadamente, 90% são metabolizados e 5-10% são excretados inalterados no ar expirado e na urina. A metabolização do etanol é principalmente hepática e envolve sucessivas oxidações, primeiro a acetaldeído, depois a acetato. A álcool desidrogenase é uma enzima citoplasmática que oxida o álcool ao mesmo tempo em que reduz o NAD+ à NADH. Normalmente, apenas uma pequena parcela do etanol é metabolizada pela citocromo P450 (CYP2E1), mas em usuários pesados esse sistema pode ser induzido. Praticamente todo o acetaldeído produzido é convertido a acetato, pela aldeído desidrogenase. Essa enzima é inibida pela droga dissulfiram. O consumo agudo e crônico de etanol interfere diferentemente com os processos de transmissão no sistema nervoso central, afetando muitos, se não todos, sistemas de neurotransmissão conhecidos (NEVO; HAMON, 1995) Agudamente, o álcool produz aumento da atividade dos receptores GABAA e esse aumento varia de acordo com a combinação de subunidades que constituem o receptor. Agudamente, o álcool também aumenta a liberação de GABA em muitas sinapses. A potencialização da transmissão gabaérgica parece contribuir para vários dos aspectos da intoxicação aguda por etanol, incluindo incoordenação motora, efeitos ansiolíticos e sedação. O sistema gabaérgico tem também modificações decorrentes da exposição crônica ao etanol. Algumas dessas adaptações parecem ocorrer no sentido de diminuir 84 aquela potencialização do sistema observada na exposição aguda ao etanol. A mudança crônica mais bem caracterizada é a alteração nas subunidades que compõem o receptor GABAA. Ocorre, também, aumento ou diminuição da quantidade de GABA liberado, dependendo da região cerebral. O efeito predominante dessas adaptações à presença crônica do etanol é fazer o encéfalo se tornar hiperexcitável na ausência do etanol, o que pode levar à ansiedade elevada e até mesmo convulsões durante a abstinência. Por isso, benzodiazepínicos podem ser usados durante a abstinência do etanol (LOVINGER, 2008) O etanol agudamente inibe a transmissão sináptica glutamatérgica, principalmente a mediada por receptores NMDA. Essa inibição do NMDA provavelmente contribui para os efeitos deletérios do etanol sobre a memória, que é dependente da atividade desses receptores. A exposição crônica ao etanol aumenta o número e a atividade do receptor NMDA, o que também contribui para o estado de hiperexcitabilidade durante a abstinência, assim como para o dano neural causado pelo etanol (excitotoxicidade). (LOVINGER, 2008). Agudamente, o etanol tem efeitos mistos sobre a transmissão serotoninérgica. É observada uma maior demora para que ocorra a recaptação da serotonina da fenda sináptica, e a potencialização da função do receptor 5HT3. Cronicamente, o etanol interage de váriasvárias formas com esse sistema, o que pode alterar a ansiedade e o estado afetivo. (LOVINGER, 2008) O etanol tem, ainda, ação sobre outros sistemas como o opioidérgico, o endocanabinoide (aumento de araquinodoil etanolamina e 2-araquinodoil etanolamina; downregulation de receptores CB1). O etanol agudamente diminui a sinalização mediada pelo BDNF (brain derived neurotrophic factor) e cronicamente leva ao aumento de BDNF em várias regiões cerebrais. A exposição aguda e crônica ao etanol podem, também, aumentar os níveis de cortisol, progesterona e alopregnolona. Além disso, leva à liberação de dopamina na via dopaminérgica mesocorticolímbica. (LOVINGER, 2008) O álcool leva a diversas complicações clínicas decorrentes do seu uso. Tendo efeitos deletérios sobre o trato gastrointestinal (gastrites, úlceras, cânceres de boca, de esôfago, de laringe e de faringe, esteatose hepática, 85 hepatite, cirrose hepática, pancreatite aguda), sistema nervoso (distúrbios neurológicos graves, alterações de memória e lesões no sistema nervoso central), sistema cardiovascular (arritmias cardíacas agudas, aumento da pressão arterial), sistema hematológico (diminui a produção de todos os elementos figurados do sangue), sistema reprodutor (impotência e infertilidade). Pode, também, levar a complicações psiquiátricas (quadros psicóticos, depressão, síndrome de abstinência, síndromes demenciais, distúrbios de ansiedade, entre outras) e à Síndrome Fetal Alcoólica, quando consumido em grandes quantidades por gestantes (SILVEIRA; MOREIRA, 2006). O termo Síndrome Fetal Alcoólica foi introduzido por Jones e Smith em 1973. Essa síndrome é caracterizada por anomalias craniofaciais características (Ex.: fissura palpebral curta, lábio superior achatado, nariz curto, pequena circunferência da cabeça, pequena abertura dos olhos), retardo de crescimento pré- e pós-natal e desenvolvimento anormal do sistema nervoso central (ex.: tamanho da cabeça pequeno ao nascer, prejuízo em funções motoras finas, anormalidades estruturais do cérebro como microcefalia). Existe também a Síndrome dos Efeitos do Álcool, em que apenas alguns dos critérios para a síndrome alcoólica fetal são preenchidos. Sendo assim, não existe quantidade segura que possa ser ingerida por gestantes (WARREN; FOUDIN, 2001). Maconha A Cannabis (Cannabis sativa) é uma planta oidioica, com sexos separados. A planta feminina contém mais princípios ativos. As flores e folhas secretam uma resina que contém mais de 400 compostos químicos, sendo que aproximadamente 60 deles são princípios ativos chamados oicanabinoides, entre eles o tetraidrocanabinol (THC), que possui propriedades psicoativas. Existem referências ao uso da maconha, há mais de 12000 anos. As suas propriedades euforizantes foram descobertas na Índia (2000-1400 a.C.), onde era usada para estimular o apetite, curar doenças venéreas e induzir o sono. No Brasil, as sementes foram trazidas pelos escravos, introduzidas inicialmente para fins têxteis. Logo, o seu uso como euforizante passou a predominar. 86 Os oicanabinoides são agonistas de receptores oicanabinoides endógenos CB1 (SNC) e CB2 (periferia). Sendo assim, mimetizam a ação de oicanabinoides endógenos (anandamida). A presença desses receptores nas diversas regiões cerebrais se relaciona com os efeitos do uso da droga: hipocampo (memória), cerebelo e substância negra (controle motor), vias dopaminérgicas mesolímbicas (reforço), córtex (percepção, cognição). O THC é altamente lipossolúvel, por isso, é armazenado no tecido adiposo e é liberado gradualmente, podendose encontrar traços na urina, permitindo a detecção do uso por semanas ou até meses após o uso. O THC é metabolizado em 11-hidroxi THC, que é mais potente que o THC. Pode ser administrado por via oral (efeitos em 30 a 40 minutos) ou fumado (efeitos em 5 a 10 minutos). Os principais efeitos são: boca seca, taquicardia, olhos vermelhos, paranoia, hilariedade e o uso continuado interfere na capacidade de aprendizagem e concentração e pode levar à síndrome amotivacional. O uso regular de maconha por períodos prolongados de tempo está associado com (Boerngen-Lacerda 2008): • Ansiedade, paranoia, pânico, depressão e psicose entre as pessoas com histórico familiar de esquizofrenia • Prejuízo de memória/ concentração: compromete desempenho de tarefas complexas e rendimento intelectual • Prejuízo de motivação, síndrome amotivacional • Redução da testosterona (redução transitória da fertilidade masculina) • Pressão arterial alta • Asma, bronquite, doença pulmonar obstrutiva crônica • Cânceres Referências ALMEIDA, R. N. Psicofarmacologia Fundamentos práticos. Guanabara Koogan, 2006. 87 APA - American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4th edition. Washington: The American Psychiatry Association; 1994. BOERNGEN-LACERDA, R. (coordenação do modulo). Efeito de substancias psicoativas no organismo: modulo 2 / – Brasília: Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas, 2008. (SUPERA: Sistema para detecção do uso abusivo e dependência de substancias psicoativas: Encaminhamento, intervenção breve, reinserção social e acompanhamento / coordenação geral Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte e Maria Lucia Oliveira de Souza Formigoni) CARLINI, E.A.; GALDUROZ, J.C.F.; NOTO, A.R.; FONSECA, A.M.; CARLINI, C.M.; OLIVEIRA, L.G.; NAPPO, S.A.; MOURA, Y.G.; SANCHEZ, Z.V.D.M. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país – 2005. Supervisão E.A.Carlini; Coordenação J.C.F. Galduróz; Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas, 2007. LOVINGER, D.M. Communication networks in the brain. Alcohol research and health, v.31, n.3, p. 196-214, 2008. NESTLER, E. J.; Is there a common molecular pathway for addiction? Nature neuroscience, v.8, n.11, p. 1445 – 1449, 2005. NEVO, I.; HAMON, M. Neurotrasmitter and neuromodulatory mechanisms involved in alcohol abuse and alcoholism (Review). 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Geneva, 2002. 88 INFLAMAÇÃO Camila Guimarães Moreira Arthur da Silveira Prudente Cíntia Delai da Silva Horinouchi Daniel Augusto Gasparin Bueno Mendes “Inflamação, por si própria, não pode ser considerada como uma doença, mas sim como um processo saudável consequente a alguma lesão ou alguma doença” John Hunter, 1974 A inflamação pode ser definida como uma reação do organismo, mais especificamente do tecido vivo vascularizado, a uma determinada injúria local, que pode ser de natureza química, física ou biológica. O processo nada mais é do que uma resposta de proteção do organismo, muito complexa e caracterizase, basicamente, pela reação de vasos sanguíneos, levando ao acúmulo de fluidos e células sanguíneas no local. Deve-se ressaltar, entretanto, que o processo inflamatório envolve o organismo como um todo. O processo inflamatório, sob determinado ponto de vista, pode ser encarado como um mecanismo de defesa do organismo e, como tal, atua destruindo (fagocitose e anticorpos), diluindo (plasma extravasado) e isolando ou sequestrando (malha de fibrina) o agente agressor, além de abrir caminho para os processos reparativos (cicatrização e regeneração) do tecido afetado. A inflamação é caracterizada por cinco sinais clássicos: dor, calor, rubor, tumor (edema) e, dependendo da progressão da resposta inflamatória, perda da função. De um modo geral, em resposta a um estímulo lesivo, o organismo animal reage com a liberação, ativação ou síntese de substâncias conhecidas como mediadores químicos ou farmacológicos da inflamação, que determinam uma série de alterações locais, manifestando-se, inicialmente, por dilatação de vasos da microcirculação, aumento do fluxo sangüíneo e da permeabilidade vascular, com extravasamento de líquido plasmático e formação de edema, 89 diapedese de células para o meio extravascular, fagocitose, aumento da viscosidade do sangue e diminuição do fluxo sangüíneo, podendo ocorrer até uma estase. Assim, o processo inicial, agudo, se manifesta localmente de forma uniforme, padronizada ou estereotipada, qualquer que seja a natureza do estímulo lesivo. A baixa permeabilidade das paredes das microvênulas às proteínas é um fator importante para o equilíbrio dos fluidos teciduais. Em resposta a um estímulo inflamatório, essa permeabilidade aumenta drasticamente e o fluido rico em proteínas desloca-se do sangue para o espaço extravascular. O fluido extravasado sobrecarrega os vasos linfáticos, resultando em inchaço (edema) do tecido. O edema inflamatório é uma conseqüência da lesão do endotélio. Existem mediadores que atuam em receptores nas células endoteliais das vênulas, induzindo um aumento da permeabilidade às proteínas plasmáticas, tais como histamina, bradicinina, leucotrieno D4 (LTD4), leucotrieno C4 (LTC4), fator ativador de plaquetas (PAF), fatores do complemento e substância P. Em resposta ao estímulo inflamatório, mediadores, tais como PAF, leucotrieno B4 (LTB4), prostaglandinas (PGs) e citocinas são produzidos por células residentes próximas ao foco inflamatório, induzindo migração de leucócitos. Estes mediadores ativam as células endoteliais e induzem a expressão de moléculas de adesão, as quais promovem interações adesivas, facilitando a passagem dos leucócitos através das paredes dos vasos sanguíneos. A adesão dos leucócitos circulantes ao endotélio vascular é um passo crucial para a efetiva defesa do organismo contra infecções. As interações adesivas entre os leucócitos e as células endoteliais são mediadas por receptores de adesão (moléculas de adesão) localizados na superfície de ambas as células. A interação leucócito-endotélio é regulada por eventos moleculares que induzem mudanças morfológicas, resultando na adesão. Esses eventos podem ser divididos em fixação, ativação, adesão e passagem através da parede vascular. A fixação é mediada por moléculas de adesão, tais como as selectinas, integrinas, as quais são expressas principalmente por leucócitos ativados e causam a adesão leucocitária aos receptores no endotélio. 90 Após forte adesão ao endotélio, os leucócitos migram para o tecido sob a influência de fatores quimiotáticos. Os leucócitos polimorfonucleares, que incluem os neutrófilos (presentes na fase aguda do processo), macrófagos (presentes na fase tardia ou de cronificação), eosinófilos (os quais participam de processos alérgicos ou infecções parasitárias) e linfócitos (importantes em respostas imunológicas), presentes no sítio da inflamação, são responsáveis pela eliminação do estímulo nocivo e restos celulares, mas, por outro lado, podem provocar lesão tecidual local devido à liberação de enzimas e outras substâncias citoplasmáticas. Deve-se, no entanto, ter em mente, que se trata de um processo único e que estes fatores estão intimamente relacionados, e é a natureza do estímulo que originou a inflamação que irá determinar o curso de sua evolução, agudo ou crônico, bem como o tipo de exsudato inflamatório agudo, se purulento, hemorrágico, fibrinoso, mucoso, seroso, ou misto. E, muito embora a reação inflamatória se manifeste localmente, ela envolve o organismo como um todo, com a participação dos sistemas nervoso e endócrino na regulação do processo e o aparecimento de manifestações gerais, dentre outras a febre, leucocitose, taquicardia, fibrinólise, alterações na bioquímica do sangue. As classes de fármacos utilizados para o controle da resposta inflamatória podem ser divididas em duas: anti-inflamatórios esteroidais (ex: dexametasona) e anti-inflamatórios não-esteroidais (ex: indometacina). Estas classes de fármacos apresentam propriedades similares, porém com distintos mecanismos de ação. Os efeitos dos anti-inflamatórios esteroidais (glicocorticóides) envolvem interações entre os esteróides e os receptores intracelulares que pertencem à superfamília dos receptores que controlam a transcrição gênica. As agentes anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) estão entre os agentes terapêuticos mais utilizados no mundo inteiro. Abrangem uma variedade de agentes que pertencem a diferentes classes químicas e, normalmente, apresentam três tipos de efeitos principais: efeitos antiinflamatórios (modificação da reação inflamatória), efeito analgésico (redução de certos tipos de dor) e efeito antipirético (redução da temperatura corporal elevada). Em geral, todos estes efeitos estão relacionados à ação primária dos 91 fármacos – inibição da ciclooxigenase (COX) e, portanto, inibição das prostaglandinas e tromboxanos. Praticamente todos os AINEs disponíveis, sobretudo os “clássicos”, podem apresentar efeitos indesejáveis significativos. Inibidores não-seletivos da COX: ibuprofeno, paracetamol, ácido acetilsalicílico, meloxicam. Inibidores da COX-2: celecoxibe, rofecoxibe. Considerando-se que o edema tecidual é um dos sinais clássicos da resposta inflamatória, o objetivo da aula prática proposta neste módulo é investigar o efeito da indometacina e dexametasona em um modelo de orelha induzido por óleo de cróton. Ao final desta aula, serão discutidos os mecanismos envolvidos na indução do edema pelo óleo de cróton, bem como os mecanismos de ação dos medicamentos anti-inflamatórios esteroidais e não-esteroidais. AULA PRÁTICA Efeito dos anti-inflamatórios dexametasona e indometacina quando aplicados por via tópica no edema de orelha induzido por óleo de cróton Drogas: - óleo de cróton (0,4 mg/orelha) - dexametasona (0,05 mg/orelha) - indometacina (2 mg/orelha) * Todas as drogas serão aplicadas no volume de 20 µl. Animais: Camundongos Swiss (fêmeas pesando entre 25 a 30 gramas). Procedimento: Para a avaliação da resposta edematogênica na orelha de camundongos, será avaliada a variação da espessura da orelha por meio de micrômetro. A avaliação do edema será feita antes e 6 horas após a indução do edema, e a variação da espessura das orellhas será calculada subtraindo- 92 se o valor obtido na primeira medida do valor obtido na segunda medida (6 horas após a indução). Tabela: Basal 6ª hora EDEMA FINAL C C C ontrole exa ndo ontrole exa ndo ontrole exa ndo Referências RANG, H. P.; DALE, M.M; RITTER, J.M.; FLOWER, R.J. Farmacologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 6 ed., 2007. SHERWOOD, E. R., TOLIVER-KINSKY, T. Mechanisms of the inflammatory response. Best Practice & Research Clinical Anaesthesiology, 18 (3): 385– 405, 2004. SIMMONS, D.L. What makes a good anti-inflammatory drug target? Drug Discovery Today, v.11(5/6), p. 210-219, 2006. Tincani, A., Andreoli, L., Bazzani, C., Bosiso, D., Sozzani, S. Inflammatory molecules: A target for treatment of systemic autoimmune diseases Autoimmunity Reviews 7: 1–7, 2007. 93 RESPOSTA FEBRIL Amanda Leite Bastos Pereira A febre, comum a várias doenças, é uma resposta sistêmica iniciada quando um organismo sofre dano tecidual inflamatório e/ou infeccioso. Diante desse desafio, o cérebro lança mão dessa poderosa resposta de defesa. (Ivanov & Romanovsky, 2004). Pode ser também definida como um aumento controlado da temperatura corporal, ocasionado por uma elevação do ponto de regulagem desta temperatura, que se localiza no hipotálamo. Esta mudança, por sua vez, é induzida por mediadores produzidos durante uma inflamação ou processo infeccioso (Kluger, 1991; Roth & De Souza, 2001). A atuação do hipotálamo na resposta febril é de fundamental importância e uma das características primárias que a difere de hipertermia. Nesta última, caracterizada pela incapacidade do organismo de dissipar calor na mesma intensidade que este foi produzido, não há alteração hipotalâmica. Ainda, na hipertermia, uma das principais alterações fisiológicas é a vasodilatação periférica, com o objetivo de dissipar o calor. Na resposta febril, o que se busca é conservar a temperatura, decorrente da alteração do termostato orgânico, caracterizando-se, portanto, em vasoconstrição periférica. A administração de lipopolissacarídeo (LPS), proveniente de parede celular de bactérias Gram-negativas, a animais de laboratório representa um dos modelos clássicos de indução da resposta febril, mimetizando o que ocorre naturalmente em processos infecciosos por este tipo de bactéria. O LPS estimula receptores do tipo Toll-4 em células fagocíticas (particularmente em macrófagos) (Aderem & Ulevitch, 2000) induzindo a liberação de citocinas (no caso da resposta febril chamadas de pirógenos endógenos), que por sua vez atuam levando a mensagem ao hipotálamo para indução de febre (Kluger, 1991). Outros agentes também podem ser utilizados para a indução de febre, incluindo materiais provenientes de parede celular de bactérias Gram-positivas e fragmentos virais. No entanto, as vias de indução melhor estabelecidas até o momento presente utilizam o LPS como modelo. 94 Dentre os pirogênios endógenos hoje reconhecidos, encontram-se as citocinas como interleucina (IL)-1β, IL-1α, fator de necrose tumoral-α (TNF-α), IL-6, IL-8, proteína inflamatória de macrófago (MIP) -1 α e β, interferon βe γ, CINC-1 (Zampronio et al., 1994; Minano et al., 1996; Soares et al., 2009). Existem várias hipóteses que tentam explicar como estas citocinas, geradas perifericamente, modificam a atividade neuronal dentro do hipotálamo (mais precisamente e principalmente a área pré-optica do hipotálamo anterior PO/HA), como, por exemplo, a entrada por áreas desprovidas de barreira hematoencefálica, a participação de transportadores e neurônios aferentes. Qualquer que seja a via de comunicação com a área PO/HA, os eventos levariam a síntese e liberação de mediadores centrais, entre eles: prostaglandinas E2 e F2α e D2 (PGE2, PGF2α e PGD2) (Milton, 1989; Coelho et al., 1993; Gao et al., 2009), hormônio liberador de corticotrofina (CRH) (Rothwell, 1989), opióides endógenos (Fraga et al.,2008), substância P (Reis, 2007) e endotelina-1 (ET-1) (Fabricio et al.,1998) resultando em um reajuste do termostato hipotalâmico, que passaria a controlar a temperatura corporal a níveis acima de 36,5-37°C. A figura 1 representa um esquema simplificado da resposta febril, desde o pirogênio exógeno, que quando administrado ou proveniente de material infeccioso ou inflamatório, leva à produção de citocinas (pirogênios endógenos) que, por sua vez, aumentam os níveis de mediadores centrais, responsáveis pela alteração hipotalâmica. 95 Figura 1 – Representação esquemática da resposta febril. Todas as vias de indução de febre são bastante complexas. A compreensão dos detalhes de sua indução, interação com diversos sistemas, novas moléculas pirogênicas e de como estas moléculas interagem dentro do sistema, bem como novas maneiras de bloquear o sistema, são úteis não somente para se entender a febre per se (e consequentemente como controlála mais adequadamente durante processos inflamatórios e infecciosos), mas também para se entender como se processa a comunicação entre o sistema imune e o sistema nervoso central. Referências Aderem A, Ulevitch RJ (2000) Toll-like receptors in the induction of the innate immune response. Nature 406:782-787. Coelho MM, Pela IR, Rothwell NJ (1993) Dexamethasone inhibits the pyrogenic activity of prostaglandin F2 alpha, but not prostaglandin E2. Eur J Pharmacol 238:391-394. Fabricio AS, Silva CA, Rae GA, D'Orleans-Juste P, Souza GE (1998) Essential role for endothelin ET(B) receptors in fever induced by LPS (E. coli) in rats. Br J Pharmacol 125:542-548. Fraga D, Machado RR, Fernandes LC, Souza GE, Zampronio AR (2008) Endogenous opioids: role in prostaglandin-dependent and -independent fever. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol 294:R411-420 Gao W, Schmidtko A, Wobst I, Lu R, Angioni C, Geisslinger G (2009) Prostaglandin D2 produced by hematopoietic prostaglandin D synthase contributes to LPS-induced fever. J Physiol Pharmacol 60:145-150 Kluger MJ (1991) Fever: role of pyrogens and cryogens. Physiol Rev 71:93-127. Milton AS (1989) Thermoregulatory actions of eicosanoids in the central nervous system with particular regard to the pathogenesis of fever. Ann N Y Acad Sci 559:392-410. Minano FJ, Fernandez-Alonso A, Myers RD, Sancibrian M (1996) Hypothalamic interaction between macrophage inflammatory protein-1 alpha (MIP-1 alpha) and MIP-1 beta in rats: a new level for fever control? J Physiol 491 ( Pt 1):209217. Reis RCd (2007) Participação de receptores NK1 na resposta febril induzida por endotoxina bacteriana. In: Departamento de Farmacologia, p 90. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 96 Roth J, De Souza GE (2001) Fever induction pathways: evidence from responses to systemic or local cytokine formation. Braz J Med Biol Res 34:301314. Rothwell NJ (1989) CRF is involved in the pyrogenic and thermogenic effects of interleukin 1 beta in the rat. Am J Physiol 256:E111-115. Soares DM, Figueiredo MJ, Martins JM, Machado RR, Kanashiro A, Malvar Ddo C, Pessini AC, Roth J, Souza GE (2009) CCL3/MIP-1 alpha is not involved in the LPS-induced fever and its pyrogenic activity depends on CRF. Brain Res 1269:54-60. Zampronio AR, Souza GE, Silva CA, Cunha FQ, Ferreira SH (1994) Interleukin8 induces fever by a prostaglandin-independent mechanism. Am J Physiol 266:R1670-1674. AULA PRÁTICA Efeito da resposta febril induzida por lps Objetivo: Verificar o efeito do lipopolissacarídeo (LPS) na resposta febril em ratos. Animais: ratos (Rattus novergicus) – machos, peso entre 170 - 250 g Drogas: solução salina e LPS na dose de 50 µg/kg, ip Procedimento: Para a avaliação da resposta febril, utilizaremos um termômetro retal para medição da temperatura corporal dos animais. Esse termômetro será inserido a 4 cm do reto do animal, sem retirá-lo de suas gaiolas, por 1 minuto, em intervalos de 30 minutos, durante um período de 6 horas. Os animais devem ser manuseados gentilmente e segurados manualmente durante as medidas de temperatura. Esse procedimento é feito no dia anterior ao experimento, no mínimo, duas vezes ao dia, para habituar os animais e evitar medidas discrepantes de temperatura. Geralmente, essas medições são realizadas antes do tratamento (temperatura basal) e até 6 horas após o tratamento. Após as medições, os dados serão analisados e os resultados serão discutidos. Resultados: Grupos/Medidas 1ª Medida 2ª Medida 3ª Medida Salina 97 LPS 50µg/kg 98 TOXICOLOGIA Aline Stolf Fabíola Nihi Stéfani Rossi Ana Carolina Lourenço João Luiz Coelho Ribas Izonete Cristina Guiloski Samanta Luiza de Araújo Francislaine Lívero Vieira INTRODUÇÃO À TOXICOLOGIA Samanta L. Araújo Definição A toxicologia pode definida como o ramo da ciência que se ocupa com venenos. O veneno pode ser definido como qualquer substância que causa efeitos deletérios quando administrada tanto acidental como intencional, para um organismo vivo (HODGSON, 2003). A toxicidade raramente pode ser definida como um evento molecular único; ao invés disso, é uma cascata de eventos que começa durante a exposição, prosseguindo para a distribuição, o metabolismo, e termina com a interação com macromoléculas da célula (geralmente DNA ou/e proteína) e a expressão de uma variável tóxica. A toxicidade pode ser reduzida pela excreção e o sistema de reparo celular (HODGSON, 2003). O estudo da toxicologia serve a sociedade de diferentes maneiras, para proteger os humanos e a natureza dos efeitos deletérios dos toxicantes, estabelecer limites seguros para os agentes químicos, para facilitar o desenvolvimento de pesticidas e fármacos mais seletivos e para prevenir, diagnosticar e tratar as intoxicações de maneira mais eficiente (GALLO, 2001; HODGSON, 2003). 99 Terminologia: Agente tóxico: Agente causador de efeitos deletérios em organismos vivos. Bioindicador: animal modelo empregado na pesquisa. Biomarcador: variável anotada no bioindicador (variável). CL50: Concentração letal para 50% de uma amostra de animais experimentais expostos ao ar ou a água contaminada. DL50: Dose letal para 50% de uma amostra de animais experimentais expostos pela via parenteral e/ou enteral. Exposições crônicas: São as que duram 10% a 100% da expectativa de vida do ser. Para os seres humanos entre 7 e 70 anos. Exposições subcrônicas: São aquelas de curta duração, menores do que 10% do período vital. Exposições agudas: São exposições de um dia ou menos e que ocorrem em um único evento ou divididas em 24 horas. Homeostase: palavra grega (homeo – similar; stasis – estático) para denotar uma condição de estabilidade orgânica. Envolve o equilíbrio dinâmico entre os mecanismos de regulação interrelacionados. Toxina: Substância natural com efeitos tóxicos. Possui origem biológica. Toxicante: substância sintética (síntese em laboratório). Toxicidade: Acumulação de danos em períodos curtos ou longos que torna um organismo incapaz de funcionar dentro dos limites da adaptação ou de outras formas de recuperação. Toxidade Aguda: é avaliada pela Dose Letal (DL50) ou pela Concentração Letal (CL50), após a exposição aguda a um agente. Toxidade Crônica e Sub-Crônica: é avaliada pela maior dose empregada na exposição, que não desencadeie efeitos adversos; e pela menor dose que desencadeie efeitos adversos no bioindicador empregado. Variável: medida ou qualidade avaliada em um sujeito. Veneno: Agente tóxico causador e efeitos graves, por vezes mortais. Xenobionte: Substância estranha ao organismo. 100 Aspectos históricos A história da toxicologia confunde-se com a história das civilizações humanas. Primeiramente o ser humano observava o efeito de determinadas plantas e animais ingeridos por outros animais e seres humanos. Através da observação de efeitos tóxicos causados pela substância no organismo era desaconselhado o uso de determinadas plantas e animais. As civilizações antigas, grega e romana, foram as primeiras a instituir o uso de substâncias químicas para eliminar desafetos e para controlar outros povos (SCHOU E HODEL, 2003). Relatos que datam de 1500 a.C. reportam o uso do ópio, venenos utilizados em pontas de flechas e alguns metais (LANGMAN E KAPUR, 2006). Alguns representantes de grande importância histórica para a ciência foram vítimas de intoxicações, como Sócrates pela cicuta e Cleópatra por uma naja. A partir de 1453, no período renascentista, a toxicologia começa a ser moldada, surge uma definição clássica da toxicologia como a ciência dos envenenamentos. Neste período há a preocupação com as propriedades físicoquímicas dos tóxicos (estudo dos tóxicos), com os efeitos que interferem na fisiologia e no comportamento dos seres vivos (efeito tóxico), métodos para a análise quantitativa e qualitativa de matérias biológicas e não biológicas (diagnóstico da intoxicação) e o desenvolvimento de procedimentos que permitam o tratamento dos intoxicados. Um agente tóxico, também conhecido por toxicante ou poison é definido como qualquer substância que em dose suficiente provoque doenças e a morte (LANGMAN E KAPUR, 2006). Paracelso (1493-1541), um médico do século 16 observou que “todas as substâncias são tóxicas; não existem substâncias que não sejam tóxicas. A dose certa é que diferencia o remédio do tóxico”. Esta observação permitiu que muito tempo depois fosse introduzido o termo índice terapêutico para fármacos. O índice terapêutico é obtido a partir de experimentos simples e de curta duração (LANGMAN E KAPUR, 2006). A afirmação de Paracelso é corroborada pela observação de grande número de alimentos com baixas concentrações de agentes tóxicos (como o arsênio, o chumbo, o diclorodifeniltricloroetano [DDT] e o ácido cianídrico) e não causam sinais de toxicidade aguda, ao passo que grandes quantidades de água 101 causam um desequilíbrio na concentração de íons no organismo e podem até determinar a morte. Contudo, o conceito de que qualquer substância pode ser tóxica dependendo da dose nos permite a falsa idéia de que doses maiores são mais deletérias, quando na verdade temos substância que em exposições prolongadas a baixas doses provocam efeitos considerados extremamente severos como neurotoxicidade, infertilidade, câncer, alterações imunológicas e alterações anatômicas (ARAÚJO, 2005). No século 18 o médico espanhol Matthieu Joseph Bonaventure Orfila obteve as primeiras correlações entre determinada substância química e o efeito observado no organismo exposto através de avaliação dos danos produzidos em determinados órgãos durante a necropsia. Ele foi o primeiro a propor a separação da toxicologia como uma ciência separada e que a análise química deveria ser à base de toda a toxicologia. Este pensamento permanece até hoje com a avaliação da exposição dos organismos aos tóxicos utilizando metodologias de investigação científica sofisticada (LANGMAN E KAPUR, 2006). Matthieu Orfila foi o primeiro pesquisador a publicar um livro específico sobre toxicologia no ano de 1814, intitulado Traité des Regnes Minéral Vegetal et Animal, ou Toxicologie Générale Considérée Sous lês Rapports de la Pathologie et de Médicine Légale (LANGMAN E KAPUR, 2006). O século 20 foi marcado por avanços significativo que permitiram a compreensão da toxicologia. Foram feitas descobertas no ramo da biologia celular e molecular que proporcionaram não só um avanço no conhecimento do funcionamento da célula e dos organismos, mas também como vários grupos celulares convivem e interagem. O século 20 também foi marcado pela utilização da síntese química na formulação de uma vasta gama de substâncias (fármacos, pesticidas e armas). Hoje podemos reconhecer que as substâncias interferem nos processos biológicos da célula para produzir seus efeitos tóxicos. Essa característica faz da toxicologia uma ciência multidisciplinar que requer ciências de base (anatomia, biologia celular, química, bioquímica, patologia e farmacologia), nas quais se apóia para determinar qual a substância responsável pela intoxicação, como ocorre a ação tóxica da uma substância (toxicodinâmica) e qual abordagem terapêutica deve ser utilizada. 102 Alguns casos de intoxicação com repercussão mundial estimularam a realização de congressos internacionais e a formação de sociedades internacionais para discussão de temas em toxicologia e para propor metodologias a serem empregadas na detecção de ações tóxicas de substâncias. O primeiro acontecimento foi a intoxicação de crianças por uma solução a base de sulfanilamina em 1935. As intoxicações foram decorrentes do diluente utilizado, o dietileno glicol, um agente nefrotóxico. Já era sabido que o dietileno glicol apresenta ação tóxica, mas por falta de disseminação da informação o fármaco foi liberado para uso (GEILING E CANNON, 1938). O segundo acontecimento foi a catástrofe provocada pela talidomida em 1961 e 1962, quando uma grande quantidade de crianças nasceu com sérios problemas anatômicos resultantes da ação teratogênica da substância (MCBRIDE, 1961; LENZ E KNAPP, 1962). A primeira sociedade em toxicologia foi fundada em 1961 nos Estados Unidos (Society of Toxicology – SOT) e na seqüência foi fundada a Sociedade Européia para Estudos da Toxicidade de Drogas (European Society for the Study of Drug Toxicity – ESSDT), em 1962 (SCHOU E HODEL, 2003). A toxicologia moderna apresenta como enfoque a prevenção e predição das intoxicações. Com base neste enfoque podemos determinar três grandes áreas de atuação para a toxicologia; a TOXICOLOGIA AMBIENTAL, que estuda os efeitos tóxicos de substâncias encontradas na atmosfera, na cadeia alimentar, no ambiente de trabalho e no ambiente recreativo; a TOXICOLOGIA CLÍNICA, que estuda os efeitos adversos e tóxicos de substâncias (fármacos) utilizadas intencionalmente com fins terapêuticos; e a TOXICOLOGIA FORENSE, que estuda os aspectos médico-legais das intoxicações (LANGMAN E KAPUR, 2006). 1.4 Áreas da toxicologia: As atividades do profissional em toxicologia caem em uma das três maiores categorias, descritiva, mecânica e regulatória. Apesar das diferenças, todas contribuem para a determinação do risco (FAUSTMAN E OMENN, 2001). a. Toxicologia dos Alimentos – determina a Ingestão Diária Aceitável (IDA) para resíduos de pesticidas e aditivos alimentares, com base na Menor 103 Dose que causa efeitos adversos nos animais experimentais e nos fatores de extrapolação intra-espécies e inter-espécie. b. Toxicologia Ambiental – avalia o impacto ambiental das atividades ligadas ao trabalho nos diferentes setores de atividade. c. Toxicologia Ocupacional – possui a atenção voltada para a segurança no trabalho. Faz o reconhecimento de pontos críticos de controle nas empresas. Seu foco é a saúde do trabalhador no ambiente de trabalho. d. Toxicologia dos Medicamentos – com a atenção voltada para segurança dos fármacos distribuídos para a comercialização (farmacovigilância) e para fins experimentais. e. Toxicologia Social – associada ao desvio no emprego de fármacos e outras substâncias consideradas drogas de abuso. f. Toxinologia – ciência que estuda as toxinas dos microorganismos, plantas e animais, suas características, formação, função e metabolismo. Rotas de exposição a. Oral – a principal forma de absorção é a difusão simples de moléculas não ionizadas solúveis em lipídios (BRODEUR E TARDIF, 2005). A ionização das moléculas do tóxico depende do pH do local, do pKa do tóxico e do órgão exposto. O principal local de absorção das substâncias tóxicas, quando a rota de exposição é a oral, é o intestino delgado, com características anatômicas que o favorecem (BRODEUR E TARDIF, 2005). b. Dermal – a pele representa uma barreira efetiva, mas imperfeita contra xenobiontes. A maior barreira para a entrada de substâncias é dada pela queratina (estrato córneo). Ela atrasa a difusão passiva das moléculas. A difusão simples é muito mais rápida no estrato granuloso, no espinhoso e no germinativo (BRODEUR E TARDIF, 2005). Além das características da barreira, a vasodilatação, a grande superfície de contato e a hidratação da pele permitem a absorção ainda mais rápida de xenobiontes. c. Inalatória – O pulmão humano é exposto a 10000 litros de ar, mais ou menos contaminado, a cada dia, ao exercer sua função fisiológica. A via inalatória é importante na absorção de gases, ou vapores e partículas líquidas ou sólidas de massa diminuta. Fragmentos maiores ficam depositados em 104 diferentes regiões do trato respiratório ou são eliminados através da tosse e do espirro. A absorção dos tóxicos inalados ocorre principalmente nos alvéolos. A região alveolar apresenta uma grande superfície de absorção (80 m2 em um ser humano adulto) e uma barreira formada por uma camada fina de células alveolares. Partículas com 0,1 a 1,0 µm de diâmetro alcançam a região alveolar. As partículas com menos de 0,1 µm de diâmetro entram e saem com o ar durante a inspiração e a expiração (BRODEUR E TARDIF, 2005). Principais efeitos deletérios: a. Alterações cardiovasculares e respiratórias; b. Alterações do sistema nervoso; c. Lesões orgânicas: ototoxicidade, hepatotoxicidade e nefrotoxicidade; d. Lesões carcinogênicas/tumorigênicas; e. Lesões teratogênicas (malformações do feto); f. Alterações genéticas: mutagênese g. Infertilidade: masculina, feminina ou mista; h. Alterações da capacidade reprodutora: teratogênese; aborto (precoce ou tardio) Alguns exemplos: Vitamina A – Atraso mental; cérebro e coração. Talidomida - Coração e membros. Fenobarbital - Palato; coração; atraso mental. Álcool - Defeitos faciais; atraso mental. Cloranfenicol - Aplasia medular Classificação dos efeitos toxicológicos: a. Locais x Sistêmicos – a manifestação tóxica será considerada local quando for próxima ao órgão exposto (corrosão, inflamação, neoformação) e sistêmica quando for em um local/órgão distante do local exposto (lesão gástrica que não envolva substâncias cáusticas, lesão hepática, neurotoxicidade). b. Imediatos x Tardios – O efeito imediato é aquele que aparece após a exposição única ou repetida próximo ao período de exposição. O efeito tardio 105 é aquele que aparece após um lapso de tempo. Os efeitos carcinogênicos são considerados tardios, pois só irão surgir 10 a 20 anos após a exposição ter cessado. A mutação neoplásica das células também pode ser associada a exposição crônica. c. Reversíveis x Irreversíveis, de acordo com o tempo necessário para o retorno do paciente a homeostase. Referências Araújo, S.L. Ratos wistar expostos aos inseticidas lambda-cialotrina, carbaril e metamidofós em testes reprodutivos de curta e longa duração. 2005. f. 74. Dissertação (Mestrado em farmacologia – área de concentração em Toxicologia) – curso de pós-graduação em farmacologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. Brodeur, J.; Tardif, R. Absorption. Em: Wexler, P. Encyclopedia of Toxicology. 2a.ed., Elsevier, 2005. Faustman, E.M.; Omenn, G.S. Risk assessment Em: Klassen, C.D. Casarett e Douls’s toxicology: The Basic Science of Poisons. 6ª ed., New York: Mc GrawHill, 2001. Gallo, M.A. History and scope of toxicology. Em: Klassen, C.D. Casarett e Douls’s toxicology: The Basic Science of Poisons. 6ª ed., New York: Mc GrawHill, 2001. Geiling, E.M.K., Cannon, P.R. Pathological effects of elixir of sulfanilamide (diethylene glycol) poisoning. Journal of the American Medical Association, v. 111, p. 919-926. 1938. Hodgson, E. Introduction to toxicology. Em: Hodgson, E. Modern toxicology. 3a ed., John Wiley & Sons. 2004. Langman, L.J., Kapur, B.M. Toxicology: Then and now. Clinical Biochemistry, v. 39, p. 498-510. 2006. Lenz, W., Knapp, K. Die thalidomid-embryopathie. Dtsch. Med. Wschr, v. 87, p. 992. 1962. McBride, W.G. Thalidomide and congenital abnormalities. Lancet, v. 2, p. 1358. 1961. Schou, J.S., Rodel, C.M. The International Union of Toxicology (IUTOX) history and its role in information on toxicology. Toxicology, v. 190, p. 117-124. 2003. 106 TOXICOLOGIA REPRODUTIVA Fabíola Nihi Ana Carolina Lourenço A Toxicologia Reprodutiva é o estudo da ocorrência dos efeitos adversos sobre o sistema reprodutor de machos ou fêmeas, que pode resultar da exposição a agentes químicos ou físicos. Distúrbios reprodutivos tem se tornado um problema de saúde pública. Uma variedade de fatores está associada aos mesmos, como a nutrição do individuo, o meio ambiente, o nível sócio econômico, o estilo de vida e o estresse. Os distúrbios que afetam o sistema reprodutor incluem redução na fertilidade, impotência, distúrbios menstruais, abortos espontâneos, menor peso no nascimento e outros defeitos de desenvolvimento (US EPA, 1996). Dentro da Toxicologia Reprodutiva encontram-se duas outras áreas, a Teratologia e a Toxicologia do Desenvolvimento. A Teratologia estuda as causas, os mecanismos e os padrões do desenvolvimento anormal induzido durante o período compreendido entre a concepção e o nascimento. A Toxicologia do Desenvolvimento se desenvolveu a partir da Teratologia, tratase de uma ciência recente e estuda os efeitos adversos sobre o organismo em desenvolvimento, ocorrendo em qualquer momento do ciclo de vida do organismo, que pode resultar da exposição a agentes químicos ou físicos, antes da concepção (através do comprometimento de gametas dos pais), durante o desenvolvimento pré-natal, ou no período pós-natal até o período de puberdade. Portanto, o objetivo da Toxicologia Reprodutiva é investigar os possíveis efeitos adversos sobre o sistema reprodutor após exposição a diferentes substâncias químicas durante períodos críticos do desenvolvimento. O sistema reprodutor se forma muito cedo durante o período gestacional, mas sua maturação estrutural e funcional só ocorre na puberdade. A exposição a tóxicos durante o desenvolvimento inicial pode levar a alterações que possivelmente afetarão a função ou o desempenho reprodutivo adulto. 107 Exemplos disso são as substancias consideradas estrógenos ou antiandrógenos que interferem na diferenciação sexual masculina. Efeitos adversos como a redução da fertilidade da prole são conseqüências tardias da exposição a tóxicos durante o período gestacional. Alterações em outros parâmetros como comportamento sexual, normalidade em ciclo reprodutivo, ou função gonadal também podem afetar a fertilidade (US EPA, 1996). Os hormônios têm importante papel regulatório na gestação a partir do momento da ovulação e fertilização até a parturição. Eles também participam da diferenciação sexual do sistema nervoso central do feto e no desenvolvimento das características sexuais secundárias formadas durante a gestação até a maturação do sistema reprodutor que se completa na puberdade. Alterações reprodutivas no desenvolvimento e diferenciação podem ser produzidas por desreguladores endócrinos (substâncias químicas naturais ou sintéticas, que são capazes de modular ou desregular o sistema endócrino por mimetizar ou inibir as ações dos hormônios endógenos) e podem resultar em infertilidade, distúrbios na gestação e lactação das progenitoras, alterações morfológicas e funcionais do sistema reprodutor, alterações do início da puberdade ou senescência, comportamento sexual e câncer. Exposições pré ou pós-natal a toxicantes podem produzir mudanças que não podem ser preditas até a observação dos efeitos na fase adulta, e estes efeitos são freqüentemente irreversíveis (US EPA, 1996). Os efeitos dos desreguladores endócrinos sobre a reprodução e o desenvolvimento podem ser induzidos diretamente ou indiretamente. O efeito pode resultar da interação direta da substância com componentes ou reações do sistema reprodutor (efeitos tóxicos sobre órgãos endócrinos ou toxicidade sistêmica) ou por interferência indireta através de alterações na regulação hormonal (Neubert e Chahoud, 1995). Há vários caminhos pelo qual uma substância pode interferir com a regulação hormonal, modificando, por exemplo: o número de receptores, a interação do hormônio com o receptor (reconhecimento do hormônio pelo receptor ou na resposta pós-receptor), interferindo com a síntese, armazenamento, liberação, metabolismo (inativando 108 enzimas que degradam hormônios), eliminação, etc (US EPA, 1996; Baker, 2001). Numerosos agentes são alvos de estudos de toxicologia reprodutiva por serem possíveis tóxicos ao sistema reprodutor, como agentes físicos, toxinas, poluentes (do ar e da água), aditivos alimentares, pesticidas, metais pesados, resíduos industriais e outros. Para a realização de triagem e programas de testes para detectar agentes capazes de desregular o sistema endócrino, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (US EPA – United States - Environmental Protection Agency) instituiu, no ano de 1998, o Comitê Consultivo de Testes e Triagem dos Desreguladores Endócrinos (EDSTAC – Endocrine Disrupters Screening and Testing Advisor Committe) que propõe e valida testes que caracterizem o potencial dos desreguladores endócrinos. De maneira semelhante, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD – Organization for Economic Cooperation and Development) está trabalhando em validação de métodos para detecção de desreguladores endócrinos (EDSTAC, 1998; Gray et al., 2002; Clode, 2006). Além disso, a Anvisa disponibiliza um guia de estudos não clínicos onde estão determinados estudos de toxicidade reprodutiva que devem contemplar avaliações nas seguintes fases: A. Fertilidade e desenvolvimento embrionário inicial (Avaliações: maturação de gametas, comportamento no acasalamento, fertilidade, estágio de préimplantação embrionária, implantação), B. Desenvolvimento pré e pós-natal, incluindo função materna (Avaliações: Aumento da toxicidade relativa a fêmeas não grávidas, mortalidade pré e pós-natal dos filhotes, crescimento e desenvolvimento alterados, alterações funcionais dos filhotes, incluindo comportamento, maturidade (puberdade) e reprodução), C. Desenvolvimento embrio-fetal (Avaliação de anormalidades fetais). Teste uterotrófico Este teste in vivo tem como finalidade avaliar a ligação de compostos estrogênicos ao receptor do estrógeno. Este teste é utilizado para detecção de 109 compostos com propriedades estrogênicas ou antiestrogênicas. Os estrógenos são compostos que induzem hipertrofia uterina em ratas imaturas e fêmeas maduras ovariectomizadas. O teste tem curta duração (três dias consecutivos), servindo com indicador de ação estrogênica de uma substância, pela determinação do crescimento uterino em ratas imaturas (Odum et al., 1997). O bloqueio do efeito uterotrófico do estradiol serve como indicador de antiestrogenicidade (Andrade et al., 2002). Teste de Heshberger O teste de Heshberger (Hershberger, 1953) é um teste in vivo, recomendado pelo EDSTAC (1998), utilizado na triagem de substâncias com propriedades androgêncicas ou antiandrogênicas. Tem por como objetivo avaliar a capacidade dos compostos suspeitos em recuperar o peso da próstata e vesícula seminal de roedores machos castrados. O teste baseia-se no crescimento de tecidos andrógenos dependentes (próstata e vesícula seminal) em ratos machos castrados, e no bloqueio da ação da testosterona sobre os tecidos (antiandrogenicidade). Protocolo de puberdade em fêmeas Este protocolo tem por objetivo avaliar os efeitos dos desreguladores endócrinos sobre a tireóide, eixo hipotálamo-hipófise-gônadas, e níveis hormonais de estrógenos, detectáveis pela administração via oral do composto suspeito, após certo período de dosagem. Os animais serão expostos por via oral á substância suspeita, do 21º ao 42º dia de vida. No decorrer do experimento, vários parâmetros reprodutivos são analisados para investigação do potencial toxicológico da substância sobre este período crítico de desenvolvimento. Protocolo de puberdade em machos Este protocolo tem como finalidade detectar compostos com atividade androgênica ou antiandrogêncica, em um único teste realizado in vivo. Os animais serão expostos por via oral, á susbstância suspeita, do 21º ao 70º dia de vida. No decorrer do experimento, vários parâmetros reprodutivos são 110 avaliados para investigação do potencial toxicológico da susbstância, sobre este período crítico de desenvolvimento. Protocolo de exposição in útero e lactação Neste protocolo, os roedores são expostos durante o desenvolvimento pré e pós natal, a compostos suspeitos de serem desreguladores endócrinos, para detectar efeitos tóxicos mediados por alterações nos níveis de estrógeno, andrógeno e hormônios da tireóide. O protocolo permite avaliar os efeitos do composto sobre a organogênese, diferenciação sexual e puberdade. A utilização de um organismo em desenvolvimento para realização do protocolo permite avaliar os mecanismos de ação mediados por hormônios, envolvidos na indução de toxicidade do composto (Gray et al., 2002). Referências ANVISA (Agência Nacional d Vigilância Sanitária). Guia para a condução de estudos não clínicos de segurança necessários ao desenvolvimento de medicamentos, Brasília, 2010. Baker, V. A. Endocrine disrupters – testing strategies to assess human hazard. Toxicology in Vitro, v. 15, p. 413 – 419, 2001. Clode, S. A. Assessment of in vivo assays for endocrine disruption. Best Pratice & Research Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 20, n. 1, p. 35 – 43, 2006. EDSTAC. Screening and testing. Final Report, Aug. p. 489 – 591, 1998. Gray Jr. L. E. e col. Xenoendocrine disrupters-tiered screening and testing Filling key data gaps. Toxicology, v. 181 - 182, p. 371 – 382, 2002. OECD (Organization for Economic Cooperation and Development). Series on testing and assessment nº. 38. Detailed background review of the uterotrophic bioassay ENV/JM/MONO, 2003. US EPA. Guidelines for reproductive toxicity risk assessment. EPA/630/R96/009, Washington, 1996. AULA PRÁTICA Teste Uterotrófico 111 As funções do sistema reprodutivo das fêmeas estão sob o controle endócrino, estando desta forma, sujeito a desregulação por qualquer alteração que possa ocorrer no eixo hipotálamo-hipófise-gônadas. O estradiol é um hormônio estrogênio sintetizado pelos ovários e secretado pelas células granulosas dos folículos maduros e também pela placenta durante a gestação. Esse hormônio é secretado na circulação sistêmica, onde irá atuar em receptores estrogênicos (ER). Ambas as células, epiteliais e do estroma uterino, expressam ER tanto no início do desenvolvimento quanto em animais adultos, assim, ambos tecidos são sujeitos aos efeitos dos estrogênios durante o desenvolvimento e na vida adulta (BROWN, 1999; CATT, 1999; LINDZEY e KORACH, 1999). O teste uterotrófico é um ensaio in vivo de curta duração recomendado pelo EDSTAC - US EPA na triagem de substâncias estrogênicas e antiestrogênicas (DORFMAN e DORFMAN, 1954; BAKER, 2001; CLODE, 2006). Estrogênios ou compostos estrogenicamente ativos podem induzir hipertrofia do útero de ratas fêmeas imaturas (do 17º ao 26º dia pós-natal o útero está quiescente) (KANG e col., 2000; EARTMANS e col., 2003; OECD, 2003; CLODE, 2006). Este ensaio é utilizado como teste padrão para a triagem de substâncias com efeitos (anti)estrogênicos, porque avalia tanto o potencial como os efeitos diretos dessas substâncias (avaliando ligação e efeito nos receptores estrogênicos). A B Figura 1 - Úteros de ratas imaturas que receberam durante o teste uterotrófico: (A) estradiol; (B) veículo. Protocolo experimental A aula prática será realizada apenas para fins demonstrativos do protocolo experimental do teste uterotrófico. Portanto, será utilizado o menor 112 número de animais possível. No teste, serão utilizadas três ratas Wistar (Rattus novergicus albinus) fêmeas imaturas (21 ± 1 dia pós-natal), que serão tratadas com a substância a ser investigada por três dias consecutivos (do 22º ao 24º dia pós-natal). O tratamento das substâncias estrogênicas e antiestrogênicas será feito pela via oral e subcutânea. Os grupos experimentais compreendem: • Um grupo controle negativo - administração de veículo (água destilada) • Um grupo controle positivo para estrogenicidade – para avaliar atividade estrogênica (ex. 17β-estradiol, 17β-etinilestradiol ou dietilstilbestrol) • Um controle positivo para antiestrogenicidade – para avaliar atividade anti-estrogênica (ex. 17β-estradiol + tamoxifeno). Após 24 horas do último tratamento, os animais serão pesados e eutanasiados, seguida pela imediata remoção e pesagem do útero (EARTMANS e col., 2003; GRAY e col., 2004; CLODE, 2006). Este ensaio geralmente tem boa reprodutibilidade, mas deve ser avaliado com cautela, pois falso-positivos podem ocorrem quando há pequeno aumento do peso uterino (GRAY e col., 2004). Há evidências de que doses relativamente elevadas de substâncias sem atividade estrogênica, por exemplo, progesterona e testosterona podem estimular uma resposta estrogênica (JONES e EDGREN, 1973). Grupos experimentais: Grupo Dose/Veículo Via N Controle veículo 5 mL/kg água destilada v.o. 1 Estradiol 0,4 mg/kg/5 mL óleo de canola v.o. 1 v.o./i.p. 1 Estradiol/Tamoxifeno 0,4 mg/kg/ 5 mL/1 mg/kg/5 mL água destilada 113 No 25º dia pós-natal os animais terão as massas corporais aferidas e em seguida serão eutanasiados por deslocamento cervical. O útero deverá ser imediatamente retirado (seccionado logo abaixo da sua junção com a cérvix e na junção dos cornos uterinos com os ovários) e dissecado cuidadosamente para retirar o tecido conectivo adjacente. Em seguida o útero deve ser perfurado com uma agulha e colocado entre duas folhas de papel filtro para retirada do líquido retido. A massa absoluta do útero aferida em balança analítica Gehaka BG 440 e a massa relativa do útero deverá ser determinada e registrada percentualmente em relação ao peso corporal. Massa Grupos Controle (veículo) Corporal Massa Massa absoluta do relativa do útero útero Rato 1 Rato 2 Rato 3 Rato 1 Estradiol Rato 2 Rato 3 Estradiol + Tamoxifeno Rato 1 Rato 2 Rato 3 Referências BAKER, V. A. Endocrine disrupters – testing strategies to assess human hazard. Toxicology in Vitro, v. 15, p. 413 – 419, 2001. BROWN, T. R. Steroids Hormones, Overvieew. In: KNOBIL, E.; NEILL, J. D. Encyclopedia of Reproduction. San Diego: Academic Press, 1999. v. 4, p. 634 644. CATT, K. J. Receptors for Hormones. In: KNOBIL, E.; NEILL, J. D. Encyclopedia of Reproduction. San Diego: Academic Press, 1999. v. 4, p. 195 205. 114 CLODE, S. A. Assessment of in vivo assays for endocrine disruption. Best Pratice & Research Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 20, n. 1, p. 35 – 43, 2006. DORFMAN, R. I.; DORFMAN, A. S. Estrogen assays using the rat uterus. Endocrinology, v. 55, p. 65 – 69, 1954. EARTMANS, F. e col. 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Detailed background review of the uterotrophic bioassay ENV/JM/MONO. 115 TOXICOLOGIA AMBIENTAL Stéfani Rossi João Luiz Coelho Ribas Izonete Cristina Guiloski Toxicologia Ambiental e Ecotoxicologia são termos empregados para descrever o estudo científico dos efeitos adversos causados sobre os organismos vivos pelas substâncias químicas liberadas no ambiente. Em geral, a primeira expressão é usada nos estudos em que se abordam os efeitos de substâncias sobre os seres humanos e o segundo, para os estudos dos efeitos dos mesmos compostos sobre os ecossistemas e seus componentes nãohumanos. À medida que a humanidade aumenta sua capacidade tecnológica de intervir na natureza, para satisfazer suas necessidades e desejos crescentes, surgem os conflitos quanto ao uso do espaço, recursos e da disposição dos resíduos no ambiente. Nos dois últimos séculos, o modelo de civilização que se impôs traz a industrialização como forma de produção e organização de trabalho. Como conseqüência de sua produção, tem-se a disponibilidade de uma quantidade enorme de produtos químicos altamente tóxicos e a geração de resíduos em quantidade significativamente prejudicial ao ambiente. Os sinais de poluição tornam-se mais evidentes com o aumento populacional, dentre eles as doenças de veiculação hídrica, fortemente associadas à falta de saneamento básico. Somente a partir de 1960 a poluição se torna um fato reconhecido internacionalmente, pela constatação dos problemas causados ao homem e ao seu próprio ambiente (CHASIN e AZEVEDO, 2003) O interesse do homem pelas questões ambientais vem aumentando nestas últimas décadas. A explicação para tal interesse se encontra nas ocorrências de acidentes com produtos químicos, com repercussão mundial. Diversos exemplos podem ser citados: o uso indiscriminado de DDT nos anos 40, agrotóxico cujo uso foi proibido em diversos países e que apresenta alta persistência ambiental e é inda encontrado em águas em regiões distantes do 116 planeta; no Japão as contaminações por mercúrio, cádmio, e bifenilas policloradas (PCBs); o isocianato de metila na Índia e as dioxinas na Itália são também exemplos de sérios problemas ambientais, todos responsáveis pela morte de muitos seres humanos e outros organismos. A partir desses acontecimentos, vários países deram início ao monitoramento ambiental e pesquisas para avaliação do nível de contaminação em efluentes de vários ramos industriais de compostos utilizados em lavouras. Com isso, é possível perceber que o ambiente aquático não é um compartimento de diluição infinita da poluição gerada e que a superfície da Terra e seus ambientes são compartimentos frágeis de matéria viva dos quais depende a existência humana. As propriedades inerentes dos agentes químicos, tais como transformação no ambiente, potencialidade de bioacumulação, persistência e concentração ambiental ou dose administrada, assim como os processos metabólicos dos organismos (absorção, distribuição, excreção e mecanismos de detoxificação) determinam o efeito específico em um determinado alvo (órgão, indivíduo, população, comunidade). Os efeitos adversos dos poluentes sobre os organismos vivos podem seres quantificados por uma variedade de critérios, como: número de organismos mortos ou vivos, taxa de reprodução, comprimento e massa corpórea, número de anomalias ou incidência de tumores, alterações fisiológicas e, ainda, a densidade e diversidade de espécies numa determinada comunidade biológica, dentre outros. Praticamente toda atividade humana constitui uma fonte potencial de contaminantes aos ecossistemas. Dentre elas, os esgotos domésticos urbanos e industriais, cujo lançamento nos cursos d´água causa sérios problemas de qualidade da água de mananciais, são importantes representantes. A atmosfera é também meio de dispersão de poluentes, como os antrópicos de origem industrial e compostos gasosos (produtos de combustão e outros volatilizáveis), que igualmente vão alcançar a superfície dos corpos d´água ou depositar-se nos solos e sobre a cobertura vegetal. Há várias definições importantes nos estudos de Ecotoxicologia: resíduos corporais (quantidade total de um contaminante químico no organismo individual), bioconcentração (a razão entre a concentração de um resíduo 117 químico no tecido animal e na água), biomagnificação (aumento da concentração de resíduos químicos de organismos na parte mais alta da cadeia alimentar, como resultado da acumulação em função da dieta dos mesmos) e bioacumulação (razão do resíduo químico no tecido animal pela concentração em uma fase ambiental externa, ou seja, água, sedimentos ou alimentos, e é medido em condições de estado estacionário em que organismos e alimentos são expostos). Outra questão importante e de grande complexidade é a dos efeitos provocados por interações sinérgicas, antagônicas, de potenciação e de adição de contaminantes orgânicos e inorgânicos sobre muitas comunidades da biota. Sabe-se que a exposição da biota a misturas de contaminantes pode levar a interações toxicológicas, o que resulta em uma resposta quanti e qualitativamente diferente da esperada pela ação dos contaminantes sozinhos. (ZAGATTO e BERTOLETTI, 2008). A necessidade da detecção dos efeitos subletais dos tóxicos sobre os organismos levou ao desenvolvimento dos biomarcadores, os quais são alterações biológicas que expressam a exposição e/ou o efeito tóxico de poluentes presentes no ambiente (WALKER; THOMPSON, 1996). Existem assim biomarcadores moleculares, celulares ou sistêmicos, sendo alguns deles específicos para determinados poluentes. Biomarcadores são definidos como alterações a respostas biológicas, que passam de respostas moleculares, celulares, fisiológicas até mudanças comportamentais, e que podem ser relacionadas à exposição ou efeitos tóxicos de agentes químicos ambientais (PEAKALL, 1994). Podem ser usados para avaliar a saúde de organismos e obter sinais com antecedência de riscos ambientais. Como muitos dos biomarcadores são indicadores de curto prazo, porém de efeitos adversos de longa duração, seus dados podem permitir intervenção antes que efeitos maléficos irreversíveis se tornem inevitáveis. (VAN DER OOST, 2003). Existem biomarcadores de exposição e de dano, que indicam exposição a determinados poluentes e em segunda instância se esta exposição causou algum dano. A inibição da acetilcolinesterase (AChE) é um bom exemplo de biomarcador de exposição . Essa enzima hidrolisa a acetilcolina e impede assim sua ação contínua sobre as sinapses. Alguns pesticidas como 118 organofosforados e carbamatos inibem a ação da enzima e causam hiperestimulação dos receptores e impedem a contração muscular normal, dentre outras respostas. (ZAGATTO e BERTOLETTI, 2008). A inibição da atividade da AChE tem sido utilizada em organismos aquáticos para diagnosticar exposição a agentes anticolinesterásicos como pesticidas organofosforados e carbamatos. Estudos recentes demonstram que as acetilcolinesterases são também sensíveis a outros tipos de contaminantes ambientais como metais, detergentes e misturas complexas de poluentes (PENÃ-LLOPIS et al., 2003; FERRARI et al., 2004; MONTEIRO et al., 2004; SHAONAN et al., 2004). Figura 1 – Síntese e degradação da acetilcolina.ACE= Acetilcolinesterase; ACh= Acetilcolina; CAT= Colina acetil-transferase. Fonte: http: //www.medicinainformacion.com/rudimentos_ace.htm AULA PRÁTICA Laboratório de Toxicologia Ambiental Material Biológico Foram utilizados para este experimento peixes da espécie Astyanax sp. Os animais foram expostos à concentração de 1 mg/mL de Paration, por um período de 48 horas. Assim, trabalharemos com dois grupos: Paration 1 mg/mL (n=3) e grupo controle (n=3). De cada animal foram coletados cérebro e músculo, que serão analisados separadamente. 119 Atividade de Acetilcolinesterase: (baseado em ELLMAN et al. (1961) modificado para microplaca por SILVA DE ASSIS (1998). Princípio do método: exposição de um homogeneizado de tecido muscular ou cerebral e do reagente DTNB ao substrato acetiltiocolina. Este substrato é hidrolisado pela AChE em tiocolina e acetato. A tiocolina resultante reage com o DTNB gerando o ânion 5-Tio-2-nitrobenzoato responsável pelo aparecimento de coloração amarela que pode ser monitorado pelo aumento de absorbância a 405 nm. 1. Homogeneizar as amostras de cérebro e músculo com o uso de microhomogeneizador, em tampão fosfato 0,1 M, pH 7,5, na proporção de 1:10 (0,100 g de tecido para 1000 µL de tampão). 2. Centrifugar a 10000 x g, por 20 minutos, a 4ºC. 3. Diluir as amostras em tampão fosfato 0,1M, pH 7,5, na proporção de 1:10. 4. Em microplaca: Adicionar 50 µl da amostra diluída em quadruplicata Acrescentar 200 µl de DTNB 0,75 mM. Acrescentar 50 µl ATC na concentração padronizada(com micropipeta multicanal) 120 Medir absorbância a 405 nm durante 3 min a cada 30 s Referências BRADFORD, M. A rapid and sensitive method for the quantification of microgram quantities of protein utilizing the principle of protein-dye binding. Analytical Biochemistry, v. 72, p. 248-254, 1976. CHASIN, A. A. M. ; AZEVEDO, F.A. . As Bases Toxicológicas da Ecotoxicologia. São Carlos: Rima, 2003. 322 p. ELLMAN, G.L.; COUTNEY, K.O; ANDRES,V.; FEATHERSTONE, R.M. A new and rapid colorimetric determination of acetylcholinesterase activity. Biochemical Pharmacology, v.7, p. 88-95, 1961. FERRARI, A.; VENTURINO, A.; D`ANGELO, A. M. P. Time course of brain cholinesterase inhibition and recovery following acute and subacute azinphosmethyl, parathion and carbaryl exposure in the goldfish (Carassius auratus). Ecotoxicology and Environmental Safety 57:420-425, 2004. MONTEIRO, M.; QUINTANEIRO, C.; MORGADO, F.; SOARES, A. M. V. M.; GUILHERMINO, L. Characterization of the cholinesterases present in the head tissues of the estuarine fish Pomatoschistus microps: Application to biomonitoring. Ecotoxicology and Environmental Safety 1-7, 2004. PEAKALL, D. B. The role of biomarkers in environmental assesment (1) Introduction. Ecotoxicology, 3: 157 – 160. 1994. PEÑA-LLOPIS, S.; FERRANDO, M. D.; PEÑA, J. B. Fish tolerance to organophosphate-induced oxidative stress is dependent on the glutathione metabolism and enhanced by N-acetylcysteine. Aquatic Toxicology 65:337-360, 2003. SHAONAN, L.; XIANCHUAN, X.; GUONIAN, Z.; YAJUN, T. Kinetic characters and resistance to inhibition of crude and purified brain acetylcholinesterase of three freshwater fishes by organophosphates. Aquatic Toxicology 68:293-299, 2004. SILVA DE ASSIS, H.C. Der Einsatz von Biomarkern zur Summarischen Erfassung von Gewässerverschmutzungen. 99 p. Tese de Doutorado. Universidade Técnica de Berlim, Alemanha, 1998. VAN DER OOST, R.; BEYER, J.; VERMEULEN, N. P. E. Fish bioaccumulation and biomarkers in environmental risk assessment. Environmental Toxicology and Pharmacology. v. 13, p. 57-149, 2002. WALKER, C.H.; THOMPSON, H.M., 1991. Phylogenetic distribution of cholinesterases and related esterases. In: Mineau, P. (Ed.), Cholinesterase121 inhibiting Insecticides, Chemicals in Agriculture, vol. 2. Elsevier, Amsterdam, pp. 1-17. ZAGATTO, P.A.; BERTOLETTI, E. (Ed.). Ecotoxicologia Aquática – Princípios e Aplicações. São Carlos, SP RIMA Editora, 2006. 478 p. 122 TOXICOLOGIA, TOXINOLOGIA E METABOLISMO Aline Stolf Francislaine Lívero Vieira Metabolismo de drogas O metabolismo de fármacos compreende o conjunto de reações enzimáticas que biotransformam fármacos e outros compostos estranhos (xenobióticos) em metabólitos de polaridade crescente, para que sejam excretados pela urina. O metabolismo desempenha, assim, um importante papel na eliminação de fármacos, e impede que estes compostos permaneçam por tempo indefinido no nosso organismo. As reações de metabolismo ocorrem principalmente no fígado embora algumas drogas sejam metabolizadas no plasma, no pulmão ou o intestino. Muitas enzimas hepáticas envolvidas no metabolismo de drogas encontram-se no retículo endoplasmático liso e, para atingir essas enzimas metabolizadoras a droga deve atravessar a membrana plasmática do hepatócito. O hepatócito é, provavelmente, a célula mais versátil do organismo, pois possui funções endócrinas e exócrinas, e tem a capacidade de acumular, detoxificar e transportar diversas substâncias. Essas células estão organizadas em placas e em cordões celulares interligados, com espaços preenchidos de sangue chamados sinusóides. São células epiteliais relativamente homogêneas, com aproximadamente 30 µm de maior dimensão. Os hepatócitos vivem um ano ou mais e são renovados lentamente, sendo que os mecanismos homeostáticos funcionam para ajustar a taxa de proliferação celular e ou a taxa de morte celular, de modo a manter o órgão em seu tamanho normal. Frente a um agente tóxico, dependendo da quantidade e toxicidade, pode ocorrer lesão nos hepatócitos e, desta forma, o extravasamento do conteúdo celular, liberando as enzimas armazenadas nos peroxissomos hepáticos. Ainda, o agente tóxico pode apenas promover alterações inespecíficas, como aumento da permeabilidade celular. Por conjugação com taurina, glicina, ácido glucurônico ou glutationa os hepatócitos 123 criam compostos mais hidrossolúveis que podem ser excretados na bile ou na urina. O metabolismo de drogas envolve dois tipos de reações bioquímicas, conhecidas como reações de fase I (oxidação, redução ou hidrólise, geralmente realizadas pelo Citocromo P450) e de fase II (conjugação). Os produtos da degradação (metabólitos) podem ser inativos ou ativos. Em relação ao fármaco de origem, os metabólitos ativos podem agir por mecanismos de ação similares ou diferentes, ou até mesmo por antagonismo. O conhecimento da cinética da formação dos metabólitos ativos é importante não apenas para previsão do resultado terapêutico, mas também para explicar a toxicidade de um dado fármaco. Como o fígado é o principal órgão metabolizador (incluindo a geração de metabólitos ativos ou tóxicos, depuração, interações farmacológicas e variabilidade individual), a depuração hepática é o principal alvo da otimização da farmacocinética de uma série de compostos. O bloqueio, ou mesmo a promoção do metabolismo, podem ser manipulados no sentido de obter fármacos com perfis farmacológicos mais favoráveis. A redução do número de metabólitos ativos, por exemplo, favorece uma cinética mais previsível e reduz a variabilidade individual. As enzimas que metabolizam as drogas podem detoxificar compostos endógenos e exógenos e podem gerar, potencialmente, componentes tóxicos ou carcinogênicos e a inibição ou indução de sua atividade é um mecanismo chave para a interação entre drogas. A modulação da atividade dessas enzimas pode ocorrer por uma vasta quantidade de substâncias (incluindo drogas, alimentos, fatores inflamatórios, dentre outros), o que influencia suas medidas toxicológicas ou farmacológicas da mesma forma que os xenobióticos ou outras drogas fazem. O principal sistema de metabolização hepático é o sistema citocromo P450. Tal sistema é constituído por um conjunto de proteínas contendo um grupo heme que se localiza na parede do sistema reticular endoplasmático, responsável pela fase final da oxidação, transferindo elétrons do oxigênio molecular para os fármacos oxidados. Compreende uma grande família de enzimas relacionadas, porém distintas, que diferem umas das outras na sua seqüência de aminoácidos, na regulação por inibidores e agentes indutores e 124 na especificidade das reações que catalisam. Até o momento foram descritas diversas famílias de genes CYP, das quais as três principais (CYP 1, 2 e 3) estão envolvidas no metabolismo de drogas no fígado humano. Muitas substâncias exógenas ou endógenas podem ser substratos de isoenzimas P450, ou seja, ser metabolizadas por elas. Há também substâncias capazes de inibir a sua síntese ou a sua transformação. Do ponto de vista clínico é de particular importância o estudo das associações medicamentosas que desencadeiam a inibição da metabolização de um dos fármacos, assim resultando em maior quantidade de substância em circulação com eventuais problemas tóxicos. Tal mecanismo de inibição pode surgir por especificidade de fármacos para a região catalítica de uma determinada enzima, por três tipos de situações: a) inibição competitiva em que há atividade de dois fármacos para o mesmo local da enzima (ex: diltiazem/ciclosporina – CYP3A4); b) inibição não competitiva em que um metabólito desmetilado forma um composto com o CYP (ex: eritromicina com midazolan, ciclosporina e carbamazepina por lesão no CYP3A induzida pela eritromicina); e, c) inibição não competitiva por ligação ao heme do CYP de uma substância, assim afetando a metabolização de outros fármacos que continuam a fixar-se normalmente a sua região catalítica (ex: cimetidina e estradiol). Igualmente, a capacidade de induzir a síntese de uma isoforma, aumentando assim a metabolização de um fármaco, pode levar à ineficácia terapêutica. De particular importância nesse aspecto são as condições ligadas à alimentação, como o álcool e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos existentes nas carnes grelhadas muito bem passadas, bem como o tabaco. Todos eles podem induzir a síntese de CYP1A2, que interferem na metabolização de teofilina e muitos beta-bloqueadores. A rifampicina está implicada na indução de CYP3A4 e de CYP2C, reduzindo o tempo de meiavida do fenobarbital, carbamazepina e fenitoína. Estresse oxidativo Nosso organismo possui uma fantástica habilidade de adaptar-se a estresses variados, internos e externos, aos quais é submetido. Quando o organismo é habitualmente exposto a um agente estressor, sofre adaptações 125 para ajudar a recuperar a homeostase. Assim, qualquer estímulo que culmine com produção excessiva de radicais livres e/ou depleção de antioxidantes conduz a uma alteração significativa do balanço entre produção e remoção de radicais livres, ou seja, conduz a um desequilíbrio entre os sistemas oxidante e antioxidante, com predomínio dos oxidantes causando dano, o que define o estresse oxidativo. O efeito deletério do estresse oxidativo varia consideravelmente de um indivíduo para outro de acordo com a idade, o estado fisiológico e a dieta. O que, entretanto, estes indivíduos têm em comum é o fato de o fígado participar intensamente de reações de estresse oxidativo, pois os hepatócitos possuem várias enzimas reguladoras da homeostase entre geração e eliminação de radicais livres. O termo radical livre designa qualquer átomo ou molécula que exista independentemente e que contenha um ou mais elétrons não pareados nos orbitais externos. O elétron não pareado ocupa um orbital atômico ou molecular isoladamente. A presença de um ou mais elétrons não pareados determina atração para um campo magnético e, algumas vezes, torna a substância altamente reativa. A grande maioria dos radicais livres possui tempo de meiavida muito curto, indo de segundos a nanosegundos, sendo capazes de reagir rapidamente com vários compostos ou atingir alvos, como as membranas celulares. Entre os vários tipos de radicais livres estão aqueles derivados do oxigênio e do óxido nítrico. O radical superóxido é o radical mais comum e abundante da célula e tem importância vital para células de defesa, uma vez que é formado no organismo pela ação de fagócitos ou linfócitos durante o processo inflamatório, sendo utilizado para a degradação de bactérias fagocitadas. Além disso, o radical superóxido promove a liberação do íon ferroso, de forma que grande quantidade de ferro está disponível para catalisar a conversão de peróxido de hidrogênio em radicais hidroxila. O radical hidroxila é o mais reativo dos radicais livres do sistema biológico e é provavelmente o responsável pela maioria das lesões celulares observadas. Ele inicia a peroxidação lipídica, causa modificações no DNA, proteínas, lipídios e membranas celulares do núcleo e da mitocôndria. 126 Todos os componentes celulares são suscetíveis à ação das Espécies Reativas do oxigênio (ERO), porém, a membrana celular, que é composta de fosfolipídios e ácidos graxos insaturados, é um dos mais atingidos em decorrência da peroxidação lipídica, que resulta em alterações na estrutura e na permeabilidade das membranas. A peroxidação lipídica é o processo através do qual as ERO agridem as membranas das células, desintegrando-as e permitindo a entrada dessas espécies nas estruturas intracelulares, culminando com a morte celular. Nem sempre os processos de lipoperoxidação são prejudiciais, pois seus produtos são importantes na reação em cascata a partir do ácido aracdônico (formação de prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos) e, portanto, na resposta inflamatória. O estresse oxidativo tem como indutores externos: hábitos de vida inapropriados (tais como ingestão de álcool, consumo de cigarro e dieta), condições ambientais impróprias (como a exposição à radiação não ionizante, raios ultravioletas, poluição, alta umidade relativa e temperatura elevada), estados psicológicos que provocam estresse emocional, o envelhecimento e o exercício realizado de forma extrema. Entre os indutores internos indica-se a cadeia respiratória mitocondrial, oxidases de função mista do citocromo P450, xantina oxidase, macrófagos e neutrófilos, monoaminoxidase, prostaglandina sintase, lipoxigenase, auto-oxidação de hemoglobina, riboflavina, catecolaminas, dentre outros. Para proteger-se dos efeitos deletérios desses radicais livres, os seres vivos possuem diversos mecanismos endógenos. Esses mecanismos são conhecidos como sistemas antioxidantes de defesa, na proteção ou reparação de moléculas agredidas pela oxidação. Dentre os sistemas antioxidantes destaca-se: 1) Superóxido dismutase (SOD): uma metaloenzima endógena que catalisa a reação de dismutação do radical superóxido. Suas principais formas são a CuZnSOD (presente no citosol, núcleo e mitocôndria) e a MnSOD presente na mitocôndria; 2) Catalase (CAT): uma hemeproteína, presente em quase todos os organismos aeróbicos e em algumas células anaeróbicas. Catalisa a reação do 127 peróxido de hidrogênio em água e oxigênio e é responsável pela desintoxicação celular e pela oxidação de ácidos graxos; 3) Glutationa (GSH): principal antioxidante produzido pelas células. Participa diretamente da neutralização das espécies reativas de oxigênio bem como da manutenção de antioxidantes exógenos, como vitaminas C e E na sua forma reduzida. Atua como co-fator de várias enzimas antioxidantes, como a Glutationa-S-transferase (GST) e a Glutationa Peroxidase (GPx); 4) Glutationa Peroxidase e Glutationa Redutase: atuam neutralizando os radicais hidroperóxidos intracelulares em água; 5) Glutationa S-tranferase (GST): presente em elevada concentração no fígado; catalisa reações de conjugação entre GSH e compostos xenobióticos, tornando os produtos da reação menos tóxica e mais solúvel em água, facilitando a excreção. Os produtos reativos de processos como a LPO e os xenobióticos atuam como substrato para a GST. A atividade de tais enzimas, bem como o nível de peroxidação, podem ser mensurados em amostras de fígado diante de enfermidades, fármacos ou agentes tóxicos, a fim de avaliar o comprometimento do órgão, que reflete o estado redox do organismo. Perfusão monovascular de fígado Os experimentos de perfusão monovascular do fígado têm o objetivo de avaliar diversas vias metabólicas, tais como: glicólise, neoglicogênese, glicogenólise, ureagênese, amoniogênese, consumo de oxigênio e biotransformação de drogas, diante de tratamentos farmacológicos ou enfemidades. Nessa técnica, o vaso eferente (veia porta) e o vaso aferente (veia cava) do órgão são canulados, de tal maneira que o experimentador pode controlar a qualidade do líquido arterial e colher, para posteriores análises, o líquido venoso. Os componentes básicos do sistema de perfusão são a bomba peristáltica, o oxigenador de membrana e a câmara do fígado. A este sistema está ainda acoplado um microeletrodo de platina com polarógrafo, um 128 registrador potenciométrico, um banho-maria com bomba de circulação externa do líquido e um cilindro contendo a mistura carbogênica. A câmara do fígado, de acrílico transparente, contém um capta-bolhas (dispositivo que impede a entrada de bolhas de ar no fígado), uma câmara para a coleta de amostras e um dispositivo de inserção e fixação do eletrodo de platina. O líquido de perfusão é impulsionado pela bomba peristáltica em direção ao oxigenador. Neste local ocorrem, simultaneamente, a oxigenação e o aquecimento para 37°C. O líquido segue para a câmara do fígado, entr a no órgão pela veia porta e deixa-o pela veia hepática, sendo colhido, para posterior análises, pela cânula inserida na veia cava. Para manutenção da viabilidade do fígado ex-vivo o método emprega líquido de perfusão livre de hemoglobina, tampão Krebs/Henseleit-bicarbonato, cujo pH é igual a 7,4 quando saturado com uma mistura de oxigênio e dióxido de carbono nas proporções 95:5, através do oxigenador de membrana, sendo o fluxo de perfusão mantido entre 29-30mL/min. Com este líquido oxigenado o fígado fica viável por um longo tempo, sendo que a maioria dos experimentos para avaliar alterações metabólicas tem duração de 60 a 120 minutos. Referências ALBERTS, B.; JONHSON,A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K.; WALTER, P. Biologia Molecular da Célula. 4° ed: Artmed, São Paulo, 2006. ASSI, A.A; NASSER, H. An in vitro and in vivo study of some biological and biochemical effects of Sistrurus Malarius Barbouri venom. Toxicology, v.137, p.81- 94, 1999. AUDI, E.A.; PUSSI, F.D. Isoenzimas do CYP450 e biotransformação de drogas. Acta Scientiarum, v. 22(2), p. 599-604, 2000. BABCOCK, J.L.; SUBER, R.L.; FRITH, C.H.; GEREN, C.R. Systemic effect in mice of venom apparatus extract and toxin from the brown recluse spider (Loxosceles reclusa). Toxicon, v.4, p. 463-471, 1981. BRACHT, A.; ISHII- IWAMOTO, E.L.; KELMER-BRACHT, A.M. O Estudo do metabolismo no fígado em perfusão. In: BRACHT, A.; ISHII-IWAMOTO, E.L. M. Métodos de laboratório em Bioquímica. 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O ensaio baseia-se na ligação do corante Coomassie azul à proteína. A leitura é feita pela mensuração da absorbância em 440nm. A curva-padrão é construída a partir de concentrações conhecidas de albumina sérica bovina. A quantificação de proteína é um ensaio utilizado com diversos propósitos. Em nosso laboratório a quantificação de proteína é necessária para posteriores análises de atividade enzimática, pois os resultados relativos à catalase, SOD (superóxido-dismutase) e glutationa S-transferase (GST) são expressos em unidades por mg de proteína . Material: microplaca, folha para identificação da microplaca, pipetas (100÷1000, 10÷100), ponteiras, pote para descarte, estante, leitor de Placas, becker, papel alumínio. 130 Sais e drogas: reagente de Bradford, tampão fosfato, BSA (almumina sérica bovina) Amostra: Fígado Procedimento: Preparo da Curva-Padrão Na placa colocar: - Curva: 10 µL de cada concentração de BSA + 250 µL de Bradford - Branco: 10 µL de Tampão Fosfato/metanol + 250 µL de Bradford - Amostras: 10 µL + 250 µL de Bradford; Fazer o esboço da placa na folha; Envolver a placa com papel alumínio; No Leitor de Placas - Comprimento de onda para leitura 440 nm. Referências: WALKER, J.M. The protein protocols handbook. 2ª edição. Totowa, New Jersey: Humana press, 2002. 131