1 POLÍTICA DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO Gislaine dos Santos Silva 1 Edvânia Ângela de Souza Lourenço 2 Resumo A partir da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, a saúde passou a ser um direito de todos e um dever do Estado. Na década de 1990, com a adoção do receituário neoliberal e a inserção da economia na ordem da globalização começa a ocorrer a desresponsabilização do Estado em relação aos fatos sociais, atribuindo tal função ao mercado. Em 1998, é promulgada a lei sobre as Organizações Sociais (OS) estabelecendo um marco legal e regulador das ações entre o Estado e as organizações da sociedade civil prestadora de serviços sociais. As OS se constituem como pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, e podem ser consideradas como parte integrante da reforma do Estado que começou no governo Fernando Henrique Cardoso. Atualmente, no município de São Paulo, existe forte predominância das parcerias com OS, principalmente na gestão das unidades de saúde da Atenção Básica. Assim, o presente resumo relata o desenvolvimento de uma pesquisa que tem como objetivo analisar o trabalho profissional do Serviço Social inserido nas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), no município de São Paulo, no intuito de compreender como os profissionais, contratados por OS, materializam o Projeto Ético Político Profissional no seu cotidiano e na defesa do direito social à saúde, tendo como norte a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) contrapondo-se as políticas de mercado no atual mundo globalizado. A pesquisa apóia-se na teoria social critica compreendendo a saúde para além do biológico e na totalidade das relações sociais, na busca conhecer o processo de trabalho dos assistentes sociais neste setor, a materialização do seu Projeto Ético Político Profissional na defesa do direito à saúde, sobretudo, em tempos neoliberais. Para tanto utilizará a abordagem qualitativa, com estudo bibliográfico, pesquisa documental e pesquisa de campo, que privilegia entrevistas semi-estruturadas com Assistentes Sociais inseridas no NASF. A pesquisa encontra-se em andamento. Espera-se com este estudo, elucidar o processo de privatização da saúde por meio das parcerias público privadas, com enfoque especial para o trabalho do assistente social no cotidiano dos NASF. Palavras-chave: SUS; organizações sociais; NASF. 1 Aluna do programa de pós graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP – Campus Franca. [email protected] 2 Professora do Departamento e Pós Graduação em Serviço Social da UNESP/Franca. 2 Introdução A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, tornou-se conhecida como Constituição Cidadã por introduzir o conceito de Seguridade Social, englobando Saúde, Previdência e Assistência Social (BRAVO, 2007). A Previdência Social manteve o seu caráter contributivo e de filiação obrigatória, conforme estabelecido nos artigos 201e 202; a Assistência Social prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição, prevista nos artigos 203 e 204, já a saúde passou a ser um direito de todos e um dever do Estado, estabelecido nos artigos 196 a 205 (CRESS, 2006). Segundo VIDAL (2008), o acesso ao serviço trouxe a questão da universalidade, ou seja, todos passaram a ter direito independentemente da contribuição, além disso, a concepção de acesso diz respeito à capacidade da pessoa obter, quando precisar, disponibilidade dos recursos existentes. O acesso universal esbarra-se no projeto neoliberal, iniciado no país na década de 1990, com a abertura financeira para o mercado estrangeiro, com isso houve o aumento da atuação de bancos estrangeiros e a privatizações de vários bancos públicos e empresas nacionais e a implantação de políticas ficais e monetárias restritivas. “[...] a ideia de direitos sociais como pressuposto e garantia dos direitos civis e políticos tende a desaparecer, porque o que era um direito converte-se num serviço privado regulado pelo mercado e, portanto, torna-se uma mercadoria a que têm acesso apenas os que têm poder aquisitivo para adquiri-lá” (CHAUÍ apud LÜCHMANN: SOUZA, 2005, p.99). Esta abertura de mercado ocorreu com o intuito de diminuir a crise econômica que o Brasil enfrentava desde os anos 80, era um momento de estagnação financeira, assim foi adotado o receituário neoliberal e a inserção da economia na ordem da globalização (ALENCAR, 2009). Sob vários ângulos, a problemática da globalização permite esclarecer aspectos significativos da questão social como questão urbana, e vice-versa. Algo que não é novo, já que ambos manifestavam-se e continuam a manifestar-se em âmbito nacional. Ocorre que agora essas questões adquirem alcance mundial. No bojo da mesma globalização do capital, em que se desenvolve a urbanização do mundo e a emergência da cidade global, ocorre também a globalização da questão social (IANNI, 2002, p. 62). 3 Percebe-se a desresponsabilização do Estado em relação aos fatos sociais, atribuindo tal função ao mercado, surgem novas manifestações da questão social, que passou a ser abordada de forma a prevalecer os ditames econômicos. Este deslocamento engendra o retorto de práticas tradicionais no que se refere ao trato das contradições sociais no verdadeiro processo de refilantropização da questão social, sob os pressupostos de ajuda moral próprias das práticas voluntaristas, sem contar e tendência da fragmentação dos direitos sociais (ALENCAR, 2009, p.455). A valorização do capital financeiro, com a vigência dos princípios neoliberais de desenvolvimento social e em condições de baixo crescimento econômico, resultou em efeitos negativos no mercado de trabalho e, por consequência, agravou a crise social. Nesta perspectiva, a transferência dos serviços sociais para a sociedade civil, sob o discurso de “ideologia”, “solidariedade”, “parceria” e “democracia”, trouxe a discussão do “terceiro setor”, espaço entre o Estado (público) e mercado (privado), no qual são incluídas ONGs, fundações empresariais, instituições filantrópicas e atividades do voluntariado. De acordo com o Montaño (2007), o termo terceiro setor [...] é construído a partir de um recorte do social em esferas: o Estado (“primeiro setor”), o mercado (“segundo setor”) e a sociedade civil (“terceiro setor”). Recorte este, como mencionamos, claramente neopositivista, estruturalista, funcionalista ou liberal, que isola e automiza a dinâmica de cada um deles, que portanto, desistoriza a realidade social. Como se o “político” pertencesse à esfera estatal, o “econômico” ao âmbito do mercado e o “social” remetesse apenas à sociedade civil, num conceito reducionista (p.53). Portanto, o terceiro setor é produto das transformações do capital, ocorrendo um retrocesso, ao invés do Estado garantir direitos sociais e construir uma rede de proteção social presencia-se a concepção de que estas questões pertencem ao setor privado. Na área da saúde percebe-se a atuação das políticas de caráter neoliberal quando houve a implantação da terceirização, sob diferentes modalidades, através de contratos de gestão, com a inserção das Organizações Sociais (OSs), Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, e em 1999 das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), estabelecendo um marco legal e regulador das ações entre o Estado e as organizações da sociedade civil prestadora de serviços sociais (SILVA, 2010). As OS se constituem como pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, podem ser associadas ao Estado para prestação de serviços sociais e culturais, qualificadas por ato do Poder Executivo. Distingue-se das empresas públicas, autarquias, fundações públicas ou sociedades de economia mista (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 1997). 4 Elas são firmadas por contrato de gestão, onde o poder público repassa para a iniciativa privada determinado recursos. É exigida uma prévia habilitação legal das entidades para, junto com o poder executivo, instituir o contrato de gestão, documento que definem objetivos e metas a serem alcançadas no campo de atuação, de acordo com a natureza da política pública (SILVA, 2010). As OSs podem ser consideradas como parte integrante da reforma do Estado que começou no governo Fernando Henrique Cardoso. Através do Plano de Reforma Administrativa do Estado foram estabelecidas “novas formas jurídicas para o setor público e determinou novos formatos às instituições com as quais o Estado pode se associar para cumprir seus objetivos de promoção de bem-estar” (NOGUEIRA, 2006, P.148-149). No município de São Paulo existe forte predominância das parcerias com OS, principalmente na gestão das unidades de saúde da Atenção Básica. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), que atua como apoio às equipes de Saúde da Família e não constitui porta de entrada do sistema de saúde, teve o seu processo de implantação realizado em parceria com Instituições Conveniadas e em contratos de gestão com o SUS, dessa forma, as equipes do NASF são contratadas por OSs conveniadas com o município. De acordo com as diretrizes do NASF, as ações de saúde desse núcleo devem ser sustentadas pelo apoio matricial, ou seja, baseia-se na interdisciplinaridade, na troca de saberes entre os profissionais com intuito de aumentar a capacidade de ver o sujeito como um todo, contribuindo para uma melhor efetividade no trabalho e espera-se que a ESF organize a sua atuação para o acompanhamento do individuo/família (SMS, 2009). A implantação do NASF no município de São Paulo iniciou em julho de 2008, com proposta de 86 equipes, sendo que as Coordenadorias Regionais de Saúde ficaram responsáveis em escolher as categorias profissionais para compor a equipe, de acordo com o perfil de cada região (SMS, 2009). O modelo de gestão por OSs é contrário ao SUS constitucional, já que ocorre a atuação do mercado no setor, ficando reduzido a uma relação de compra e venda. O dever do Estado em garantir o acesso a política de saúde fica sob a responsabilidade da iniciativa privada, que contrata profissionais sem concurso público e ficam isentos de cumprir leis de licitações. Dessa forma, o presente resumo relata o desenvolvimento de uma pesquisa que tem como objetivo analisar o trabalho profissional do Serviço Social inserido nas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), no município de São Paulo, no intuito de compreender como os profissionais, contratados por OSs, materializam o Projeto Ético 5 Político Profissional no seu cotidiano e na defesa do direito social à saúde, tendo como norte a defesa do Sistema Único de Saúde contrapondo-se as políticas de mercado no atual mundo globalizado. O projeto ético político profissional dos assistentes sociais possui como parâmetro a totalidade social e considera como base de sua fundamentação a questão social. Ao fazer uma aproximação com os princípios e diretrizes contidos no Sistema Único de Saúde (SUS), tais como: integralidade, intersetorialidade, participação social, interdisciplinaridade e a ampliação do conceito de saúde 3, percebe-se que seus ideais não são equidistantes. Objetivos . Geral - Analisar o trabalho profissional do Serviço Social inserido nas equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), no município de São Paulo, no intuito de compreender como os profissionais, contratados por OS, materializam o Projeto Ético Político Profissional no seu cotidiano e na defesa do direito social à saúde. . Específicos - Conhecer e analisar as atividades realizadas pelos profissionais no espaço ocupacional aos quais eles pertencem; - Conhecer e Analisar a articulação dos assistentes sociais com a equipe do NASF, no intuito de orientar e apoiar as ações da equipe de Saúde da Família. Metodologia A proposta de um estudo sobre a atuação do profissional de Serviço Social atuando em equipes do NASF, na atenção básica de saúde no município de São Paulo, apóia-se na teoria social critica compreendendo a saúde para além do biológico e na totalidade das relações sociais, na busca conhecer o processo de trabalho dos assistentes sociais neste setor, a materialização do seu Projeto Ético Político Profissional na defesa direito à saúde, sobretudo, em tempos neoliberais. 3 A saúde é um conceito previsto na Constituição Federal de 1988 como direito universal e a estabelece como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CRESS,2006, art. 196). Além disso, a legislação brasileira amplia esse conceito considerando-a com um resultado de vários determinantes, tais como: a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. (BRASIL, 2009). 6 Para tanto utilizará a abordagem qualitativa, com estudo bibliográfico, pesquisa documental, para um maior contato com as legislações e publicações do objeto de pesquisa, e após a apropriação dos conceitos teóricos e análise dos documentos realizar-se-á a pesquisa de campo, que privilegia entrevistas semi-estruturadas com Assistentes Sociais que trabalham na equipe do NASF no município de São Paulo. A análise dos dados será feita a partir de categorias construídas a posteriori, pois, a partir daquilo que se destacam na realidade vivenciada pelos sujeitos da pesquisa será possível apreender o seu movimento e significado social. Resultados A pesquisa encontra-se em andamento. Espera-se com este estudo, elucidar o processo de privatização da saúde por meio das parcerias público privadas, com enfoque especial para o trabalho do assistente social no cotidiano dos NASF. Considerações Finais A reforma o Estado orientada pela lógica de marcado iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso, através da desregulamentação da economia, da flexibilização das relações capital e trabalho, desmantelou o sistema de direitos sociais estabelecidos na Constituição de 1988. Com o projeto neoliberal e a defesa do processo de privatização e o cidadão consumidor, percebe-se a mercantilização da saúde com a dicotomia entre o público e o privado. Em São Paulo, isto se torna claro principalmente com a presença das OS na gestão da atenção básica; forma de gestão orientada pelas diretrizes e princípios de mercado, dessa forma, a política pública de saúde tornou-se estratégica para garantir a lucratividade do capital. Portanto, o processo de privatização no municio de São Paulo, onde as unidades de saúde são transferidas para as instituições privadas sem fins lucrativos e que recebem recursos financeiros pela prestação de serviços ao sistema de saúde, é contrário ao SUS Constitucional. 7 REFERÊNCIAS ALENCAR, Mônica. O trabalho do assistente social nas organizações privadas não lucrativas. In: Serviço Social: Direitos Sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÙDE (MS). PORTARIA GM Nº 154, DE 24 DE JANEIRO DE 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Brasília, 2008. BRAVO, Maria Inês Souza. (et.all) (orgs). Saúde e Serviço Social. 3.ed. São Paulo: Cortez, Rio de Janeiro: UERJ, 2007. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Aspectos Jurídicos da proposta das Organizações Sociais Autonômas. Parecer Juridico n.031/97. Brasília, 1997. CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Parâmetros para atuação de Assistentes Sociais na política de saúde. Brasília: CFESS, 2010. (série: trabalho profissional nas políticas sociais) CRESS. CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL.Constituição Federal de 1988. In: Legislação Brasileira para o Serviço Social. Coletâneas de leis, decretos e regulamentos para instrumentação do(a) Assistente Social. 2.ed. São Paulo, 2006. IANNI, Octávio. A era do globalismo. 7.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. LÜCHAMANN, Lígia Helena Hahn; SOUZA< Janice Tirelli Ponte de. Geração democracia e globalização: faces dos movimentos sociais no Brasil contemporâneo. Serviço Social & Sociedade. n.84. Ano 26, nov.2005. p.91-117. MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social. São Paulo, Cortez, 2002. NOGUEIRA, Roberto Passos. Problemas de Gestão e regulação do trabalho no SUS. In: Serviço Social & Sociedade. ano XXVI.n.87, São Paulo. set./2006. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (PMSP). Equipe Estratégia de Saúde da Família. São Paulo, 2010. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/esf/equipes_esf.pdf. Acesso em : 03 out.2011. SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE (SMS). Coordenadoria da Atenção Básica. Estratégia Saúde da Família. Diretrizes e parâmetros norteadores das ações dos Núcleos de Apoio a Saúde da Família – NASF. São Paulo, 2009. 8 SILVA, Ademir Alves da. A gestão da seguridade social brasileira. Entre a política pública e o mercado. 3.ed. São Paulo, Cortez: 2010. VIDAL, Dolores Lima da Costa. Demanda reprimida: acesso aos serviços de saúde e Serviço Social. In: Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n.94. ano XXIX.Cortez: Jun./2008.