A imprensa brasileira e a ditadura militar: as vozes em defesa das liberdades violadas. Layse Pereira Soares do Nascimento, e-mail: [email protected] Universidade Estadual do Centro-Oeste/Departamento de Comunicação Social/Guarapuava, PR. Ciências Sociais, Comunicação Palavras-chave: imprensa, ditadura militar, jornalistas, vozes. Resumo: O caminho trilhado pelas empresas jornalísticas no período da ditadura oscilou entre ousadia e tolerância, avanços e recuos, poucos enfrentamentos e muitos adesismos. João Batista de Abreu (2000, p.38) aponta que os jornais alteraram momentos de “coragem empresarial e fases de subserviência, beneficiados pela isenção fiscal na importação de papel-jornal”. A colaboração dos empresários da comunicação se revertia em grandes espaços ocupados por anúncios. As estatais eram as maiores anunciantes na época. Entretanto, esse acordo de conveniência entre o poder e empresas jornalísticas, muitas vezes, passava longe das redações, onde jornalistas, mesmo que solitariamente, levantavam suas vozes contra a violação das liberdades dos indivíduos. Alguns representantes destas vozes são apontados neste estudo1. Introdução “Acredito que é chegada a hora de os intelectuais tomarem posição em face do regime opressor que se instalou no país. Digo isso como um alerta e um estímulo aos que têm sobre os ombros a responsabilidade de ser a consciência da sociedade. E se, diante de tantos crimes contra a pessoa humana e a cultura, os intelectuais brasileiros não promoverem um dedo, estarão simplesmente abdicando de sua responsabilidade, estarão traindo o seu papel social e estarão dando uma demonstração internacional de mediocridade moral. (...) No campo estritamente cultural, implantou-se o terror. Reitores são substituídos por ordem de militares. Professores são destituídos de suas cátedras e presos. O pânico generalizou-se por todas as classes e por todas as cidades. (...) Em São Paulo, em Minas, Pernambuco, Rio Grande do Sul, centenas de escritores, professores, advogados e jornalistas estão na cadeia. Jornais, estações de rádio e televisão, pelo País afora, trabalham sob censura disfarçada ou ostensiva. (...) Os intelectuais brasileiros precisam, urgente e inadiavelmente, mostrar um pouco mais de coragem e vergonha. Se os intelectuais não se dispuserem a lutar agora – talvez muito em 1 Este estudo sintetiza um subtítulo de um capítulo da tese de doutorado “Imprensa paranaense e a ditadura militar: 1964-1974.” Anais da XIX Semana de Iniciação Científica 25 e 26 de setembro de 2014, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – ISSN: 2238-7358 breve não tenham mais o que defender” (Correio da Manhã, 23 de maio de 1964, Carlos Heitor Cony2). Carlos Heitor Cony, jovem jornalista do Correio da Manhã, por meio de sua crônica protestou contra a “Revolução, sim, mas de caranguejos. Revolução que anda para trás”; a cassação de mandatos “sem que os réus tenham a oportunidade de abrir a boca”, a suspensão de direitos políticos “e nem os punidos sabem o crime”, e todo tipo de absurdo cometido pelos militares e que chegavam ao seu conhecimento. Para Sodré (1986, p.60), essa crônica de 23 de maio significou o “brado de alerta” aos intelectuais. O regime militar que instaurou o terror no país em 1º de abril de 1964, contou com a adesão de vários setores da sociedade: igreja, empresários, imprensa, associações de classe, etc. Os mais importantes jornais do país tais como: os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, a Folha de S. Paulo, do grupo de Octavio Frias, O Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde, do grupo Mesquita, o Jornal do Brasil, de Nascimento Brito, e, O Globo, das Organizações Globo do grupo Roberto Marinho apoiaram o projeto de derrubada do então presidente João Goulart e a chegada dos militares ao poder. Já nos primeiros dias, verificou-se que a maioria das forças que o apoiaram não estava de acordo com os rumos tomados pelo comando militar. Entre a imprensa, a resistência do Correio da Manhã é conhecida e reconhecida, mas, nem só a direção do jornal se colocava firmemente, “em defesa das liberdades violadas: em suas colunas surgiram articulistas e comentaristas que iniciaram a análise dos acontecimentos do dia-a-dia, alinhando os protestos contra as iniqüidades que se sucediam” (SODRÉ, 1986,p.56). Revisão de literatura Os resultados aqui apresentados são consequência de pesquisa teóricometodológica embasada, sobretudo, nos autores Nelson Werneck Sodré, Paolo Marconi e Maria Aparecida Aquino. Estes autores demonstram que, se parte da imprensa brasileira, a exemplo dos jornais Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil, apoiou o regime militar, tal posicionamento não contava com a simpatia e adesão de todos os profissionais que atuavam nas redações. Entre vários jornalistas, Sodré considera que “duas personagens se destacaram: Alceu Amoroso Lima e Carlos Heitor Cony”. Sobre este último, exalta a coragem com que combateu as injustiças que chegaram ao seu conhecimento. “Os seus artigos, de uma coragem exemplar e de uma tranquila lucidez, dizendo o nome das coisas, despertaram por todo o país, enorme interesse e a maior admiração” (idem, p.57) O articulista Anysio Teixeira é outro personagem que merece destaque. No dia 14 de novembro, a Folha de S. Paulo em seu editorial_ Horas Difíceis: lamenta que o “processo de normalização da vida nacional foi interrompido”; que “o chefe da nação deve ter fortíssimos motivos para a opção que tomou”. Continua o texto: É inútil procurar culpados ou responsáveis pela situação. Se culpa e responsabilidade há, é do radicalismo que desde há alguns meses começou a aprofundar-se entre nós, gerando tensões e intranquilidades. As medidas de exceção ora adotadas, amargas como são, devem ser usadas antes de tudo para extirpar radicalismos_nunca para torná-los ainda mais atuantes e perigosos (Folha de S. Paulo, 14/11/68, editorial Horas Difíceis). 2 De 2 de abril a 9 de junho de 1964, foram escritas 37 crônicas. Eram críticas, de enfrentamento, denúncias e resistência ao regime militar. Nesse mesmo ano, foram reunidas e publicadas no livro O ato e o fato. Anais da XIX Semana de Iniciação Científica 25 e 26 de setembro de 2014, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – ISSN: 2238-7358 A coluna de Anísio Teixeira que traduz em palavras, manifestações contrárias ao regime é publicada logo abaixo do editorial da Folha. Em Sombras e Ameaças, o articulista discorre sobre os últimos episódios, relativos “à prisão de padres, depois da perseguição e prisão de estudantes, e de toda essa caça às feiticeiras”, se diz assustado e que vai fazer um comentário. Afirma Teixeira que o país sempre adotou um quadro de duas faces, uma da realidade e outra de aparências (“doçura brasileira, amor à liberdade, capacidade de convivência, brandura de temperamento, sentimento de conciliação e, até, gosto pelo progresso”). E todos os nossos historiadores ficaram nessas aparências (...)”. Segue o texto de Teixeira: No mundo das realidades, o que houve foi a truculenta ignorancia (esta no sentido de retardamento histórico) da classe realmente dominante e a submissão e paciência do povo, longamente habituado a um regime autoritário-paternalista, entremeado de estertores de violência. Daí, não me surpreender, mas sobremodo me alarmar, a volta do uso da violência pela autoridade no Brasil. A violência está sempre implícita na ação do governo brasileiro. A liberdade sempre foi uma permissão entre nós, que a cada momento podia ser suspensa” (Folha de S. Paulo, 14/11/1964, artigo Sombras e Ameaças). Resultados e Discussão Carlos Heitor Cony, Alceu Amoroso Lima, e Anysio Teixeira, são exemplos de jornalistas que, ao ocuparem espaços de articulistas dentro de jornais representantes da grande imprensa nacional, não se curvaram diante do regime militar, ou mesmo da orientação editorial das empresas jornalísticas. Daniel Aarão Reis Filho aponta que o jornalista Carlos Heitor Cony “tornou-se a voz do protesto, da indignação, a indicar que havia qualquer coisa de podre naquela engrenagem aparentemente comprometida com altos princípios e nobre valores” (2002, p.439). Reis Filho observa que o jornalista, “figura emblemática”, teve sua atuação durante a ditadura marcada por “ambiguidades”, o que não descaracteriza a coragem assumida e devidamente repercutida. Alceu Amoroso Lima adotava também o pseudônimo de Tristão de Ataíde desde sua passagem pelo O Jornal, como crítico literário. Apoiava as reformas de base do governo Goulart, e após o golpe adotou posicionamento contrário à ditadura, em sua coluna no Jornal do Brasil. Na edição do dia 14/08/64, publica em sua coluna, com o título de Torturas, um texto versando sobre as “muitas maneiras de se torturar um ser humano”: (...) Contaram-me testemunhas de vista, entre nós, que a um estudante colocaram pilhas de livros em cada mão, os braços presos a duas argolas, encostavam de vez em quando uma corrente elétrica nas zonas mais sensíveis do corpo. Isto no ano da Graça de 1964, em terras de Santa Cruz! Em nome de Deus, da Pátria, da Família, da Liberdade e da Tradição. É de fazer tremer. E o argumento é sempre o mesmo, o mesmo monstruoso sofisma de que se eles triunfassem fariam o mesmo conosco! (ALVIM, 1979, p.26-27) O jornalista Alberto Dines, em entrevista a Paolo Marconi (1980), afirma que a imprensa brasileira nunca esteve preocupada com isenção. Os jornais sempre controlaram o noticiário, e a liberdade de imprensa podia ser considerada superficial. Para ele, o jornal brasileiro vive à sombra do poder e controlando a informação. Anais da XIX Semana de Iniciação Científica 25 e 26 de setembro de 2014, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – ISSN: 2238-7358 “Tanto que você não tem jornais que fossem abertos à informação, à opinião de seus colaboradores”, afirma Dines. Tristão de Athaide foi perseguido dentro do Jornal do Brasil durante anos, porque tinha uma posição contrária à do jornal. O próprio Dines relata que sua saída do jornal se deu após uma sucessão de fatos, chamados pela direção do Jornal do Brasil de “indisciplina”. “Ora, o ‘JB’ era e é ainda o jornal mais organizado deste País, e ele [Nascimento Brito] se referia não à indisciplina num sentido físico e sim à nossa necessidade de querer fazer um pouco de jornalismo independente” (MARCONI, 1980, p.185). Conclusões Aquino (1999, p.17) defende que o regime militar tem parcela de responsabilidade no desaparecimento da imprensa alternativa e do que denomina de “experiências tradicionais” e “inovadoras” na imprensa como o Correio da Manhã e Última Hora, punidos por “serem incômodas vozes dissonantes”. Observa a autora que o autoritarismo é algo que deve ser analisado no “plano da longa duração histórica”, uma vez que traz “novas heranças autoritárias para a sociedade”, tornando cada vez mais complexa a democratização das relações sociais (idem). Como consequência desta “herança autoritária”, desponta a padronização e a oligopolização na imprensa brasileira. Outro fator que surge durante o regime de exceção, que invade as redações e “perpetua-se mesmo no período pós-ditadura, é a autocensura, impedindo ou mutilando o trabalho dos jornalistas, bloqueando sua produção e a função de informar o leitor” (AQUINO, 1999, p.16) Entretanto, a pesquisadora alerta que, assim como há contradições que se revelam no estado autoritário brasileiro, há também a diversidade de papéis vivenciados pela imprensa. E é preciso ter cautela ao analisar a imprensa brasileira, a censura e as relações com o estado durante este período para não reforçar a construção da imagem de uma imprensa vítima versus um estado algoz. Por outro lado, também não se pode afirmar que todo jornalista que estava dentro das redações no período da ditadura era contra o regime, ou uma vítima deste. Referências ABREU, João Batista de. As manobras da informação: análise da cobertura jornalística da luta armada no Brasil (1965-1979). ALVIM, Thereza Cesário. O Golpe de 64: a imprensa disse não. Rio de Janeiro: Editora Civilização, 1979. AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978): o exercício cotidiano da dominação e da resistência. Bauru: EDUSP, 1999. MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira. 1968-1978. São Paulo: Global Editora, 1980. REIS, Daniel Aarão. Vozes silenciadas em tempo de ditadura: Brasil, anos de 1960. In: Minorias Silenciadas: História da Censura no Brasil. P.435-450. Org. Maria Luiza Tucci. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: 2002. SODRÉ, Nelson Werneck. História da Nova História. Petrópolis: Vozes, 1986. Anais da XIX Semana de Iniciação Científica 25 e 26 de setembro de 2014, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – ISSN: 2238-7358