2015/03/25
Chipre, Turquia, Reino Unido e Rússia: um polígono
complexo1
Jorge Paulo Prazeres
Não obstante a pressão política ocidental e as
sanções acordadas e aplicadas, bem como a
conjuntura económica desfavorável que atravessa,
por via da quebra do preço do petróleo e do valor
do rublo, a Rússia afirma-se como um actor
estratégico regional de peso. Apesar, de um
discurso político muitas vezes convergente, o
Ocidente ainda não conseguiu agir de forma
verdadeiramente coordenada a fim de criar
sinergias através da conjugação dos poderes
nacionais. Também não conseguiu construir um pacote de acções estratégicas que
possam representar uma dissuasão significativa para a adopção do modelo de
política externa de Putin. A geo-estratégica do Mediterrâneo Oriental inscreve-se
num espaço geográfico onde esta situação se comprova.
A Rússia e o Chipre prolongaram no tempo o acordo de cooperação militar
anteriormente firmado. Este acordo foi assinado entre Vladimir Putin e Nicos
Anastasiades em 25 de Fevereiro do corrente ano, tendo-se estendido não só à
área militar, mas também a outros projectos (Sharkov, 2015) nos domínios
económicos e financeiros (Saunders, 2015). Alegadamente, o acordo entre a Rússia
e Chipre também contemplará uma reestruturação da dívida cipriota perante
Moscovo, no valor de cerca de 2,5 milhões.
O Reino Unido é um dos Estados membros da União Europeia a dar o alerta para
este facto, dando mostras de algum desconforto por considerar a presença de
navios de guerra russos próximos das suas áreas soberanas em Chipre,
nomeadamente em Dhekelia e Akrotiri, onde têm instaladas infra-estruturas que
dão apoio militar às forças inglesas no Afeganistão, bem como às suas acções
aéreas contra as forças do auto- proclamado Estado Islâmico no Iraque e na Síria.
Um artigo da RT News (2015), «Russia Secures Military Deal to Use Cyprus’ Ports
despite EU Concerns», dava a entender que a União Europeia teria mostrado sinais
de preocupação pela reiteração do acordo militar entre Chipre e a Rússia, ao darlhe livre acesso aos portos cipriotas. Porém, se por um lado, Putin teria afirmado
que este acordo não visava colocar a Rússia contra ninguém, também não há
conhecimento de nenhuma reação substancial por parte da União Europeia, a não
ser a do Reino Unido, que pudesse demonstrar qualquer desconforto quanto às
possíveis consequências decorrentes deste acordo recém firmado.
Em conferência de imprensa, Putin terá declarado que o novo acordo visava facilitar
a tarefa de reabastecimento de navios russos em Chipre, os quais teriam por
missão "salvar vidas e evacuar cidadãos russos de Estados vizinhos".
Dadas as notícias, convém fazer uma breve análise sobre a situação envolvente e
procurar perceber alguns aspectos que estão em causa neste jogo de interesses
local, mas que facilmente poderá alcançar contornos regionais.
1
O autor não segue o acordo ortográfico.
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Chipre é uma ilha situada no Mediterrâneo
Oriental, a Sul da Turquia. Tem menos de
1 milhão de habitantes pouco mais de
9000 km2 de área territorial terrestre. A
ilha de Chipre ocupa uma posição
geográfica central em relação à Europa,
Ásia, Médio Oriente e África, inscrevendose no cruzamento das rotas culturais e
comerciais da região. Tendo sido uma
colónia inglesa, tornou-se independente
em 1960. Foi invadida pela Turquia em 20
de Julho de 1974 que ocupou uma larga
faixa a Norte da Ilha, numa percentagem de cerca de 35,2% do território (Republic
of Cyprus, 2014).
A narrativa central deste artigo centra-se na presença naval russa em Chipre e no
Mediterrâneo e a forma como afecta a percepção de segurança do Reino Unido, da
Europa e do espaço transatlântico, em geral. Porém, esta situação não deve ser
descontextualizada da presença de outros actores importantes, bem como da
existência de recursos energéticos que condicionam as tomadas de posição
estratégicas na região.
Uma das razões de disputa entre os cipriotas gregos e os cipriotas turcos terá a ver
com a presença de hidrocarbonetos na região (Danoglu, 2014). Já em 2012 se
estudavam as potencialidades energéticas de Chipre e na região envolvente
(Samaras, 2012). Actualmente sabe-se que existe uma reserva de gás natural que
abrange áreas sob administração soberana de Israel, Chipre e Grécia. Esta questão
energética não deverá ser descurada, pois é de relevante interesse para o
abastecimento energético da União Europeia.
A Turquia encontra-se numa posição potencialmente privilegiada para se constituir
como um distribuidor de gás para a Europa, porém não deixa de desempenhar um
papel inibidor na região, quer pelo seu papel político e estratégico em Chipre, que
pelos seus interesses na relação com a União Europeia (Samaras, 2012). Uma das
possibilidades que certamente gostaria de ver explorada seria assumir-se como
centro de distribuição de energia para a Europa, tentando operacionalizar diferentes
vias alternativas.
Uma das vias possíveis seria receber um gasoduto proveniente da Rússia, num
traçado supletivo em relação à Ucrânia. Contudo, as sanções ocidentais aplicadas à
Rússia e relação criada entre Moscovo e Bruxelas não estão a favorecer esta
modalidade de acção. Outra possibilidade seria considerar a passagem de
gasodutos originários da Ásia Central e orientar esse gás para os mercados
Europeus. Aqui, também a presença da GAZPROM russa e o clima de tensão entre a
Europa e a Rússia não têm criado condições favoráveis à agilização de tal processo
de intenção. Outra alternativa, com vantagem para a Turquia, seria receber o gás
do Médio Oriente, via Síria, e distribuí-lo para a Europa. Contudo, o conflito na
região Síria - Iraque, bem como as relações tensas com o Irão e com Israel,
também não têm contribuído para a concretização de tal possibilidade.
Neste contexto, poder-se-ia considerar uma terceira opção, abrindo uma
perspectiva para a Europa no domínio da diversificação do acesso aos recursos
energéticos, considerando a reserva de gás existente no Mediterrâneo Oriental,
estando Chipre praticamente no centro de tal bolsa, e uma parceria envolvendo
também Israel, o Egipto, o Líbano, a Grécia e Itália (Samaras). Um projecto desta
natureza poderia ser amplamente potenciado através de um envolvimento positivo
da Rússia, da China, da Turquia, do Reino Unido, do União Europeia e da NATO.
Porém, a realidade deixa-nos ainda distantes de tal cenário. Em contrapartida,
todos estes actores apresentam comportamentos e prioridades distintas.
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A Turquia mostra-se demasiado forte para ser contestada dentro da NATO, mas não
tanto que lhe permita ser um actor determinante na resolução conflitual na região.
Por outro lado, a posição de Chipre que não vê condições para que um diferendo de
longa data travado com a Turquia possa vir a ter uma resolução consensual. A
NATO já expressou a ideia de que o conflito entre estes dois países é bilateral e que
não é passível de sofrer influência formal por parte da Aliança Atlântica
(Dagdeverenis, 2014).
Por outro lado, também não existe uma plataforma sólida de confiança entre Chipre
e a Turquia conducente a uma unificação política da ilha e uma normalização das
relações entre os dois países. Existem argumentos de queixa de ambas as partes.
Para Chipre, o desequilíbrio demográfico fomentado pelo lado turco, o pendor
religioso sunita da Turquia e a condescendência apresentada pelo governo de
Erdogan perante as acções do auto-proclamado Estado Islâmico constituem
algumas das fontes de ameaças preocupantes e dificilmente admissíveis (Chrysafis,
2015). Por sua vez, a Turquia considera que os cipriotas gregos, e o respectivo
governo, se estão a apropriar de recursos importantes para a economia do país
sem os partilharem com os seus concidadãos de origem turca (Daloglu, 2014).
Chipre potencia, certamente, uma das facetas de vulnerabilidade e de falta de
coesão na NATO, face ao jogo ambíguo com a Grécia e com a Turquia (The New
York Times, 2015). Putin está a explorar esse ponto frágil, que sob o ponto de visto
geo-estratégico, quer sob uma perspectiva meramente política de incremento das
divergência no seio da Aliança Atlântica. Esta situação está a tornar-se
extremamente desconfortável para o Reino Unido que também possui presença
militar no território.
Se bem que Putin possa assegurar que não representa qualquer ameaça para o
Ocidente decorrente da presença militar russa em Chipre, parece estar a pagar com
a mesma "moeda que recebeu" quando a NATO lhe assegurou que trazer os Países
Bálticos, a Roménia, a Polónia, a Hungria e a Bulgária para o seu seio não induziria
nenhum problema para a segurança europeia ou russa. Trata-se também da
mesma "moeda" que justifica a captação para a esfera da NATO da Georgia, da
Moldávia e da Ucrânia. Porém, a grande diferença nesta "moedas" é a intenção de
usar força militar para alterar, de forma violenta, agressiva ou até insidiosa, o
status quo geo estratégico vigente e o traçado fronteiras internacionalmente
estabelecidas e reconhecidas. Os factos têm mostrado que Putin tem essa intenção,
dando-lhe também a convicção que o Ocidente não é só fraco, mas é
suficientemente cínico para ser perigoso. Neste campo, lembremo-nos que o
Ocidente, e mais propriamente a NATO, apoiou iniciativas, quer na Geórgia, quer na
Ucrânia, para quais não demonstra força, nem intenção, para se empenhar face a
uma resposta suficientemente agressiva por parte da Rússia.
A NATO está a comprometer-se com a instalação de comandos nos Países Bálticos,
na Polónia, Bulgária e Roménia, como se isso, só por si, fosse uma mensagem de
valor relevante para Putin. Mais relevante é a mensagem de cisão e de estratégia
inconsistente por parte da União Europeia, e até de falta de controlo sobre alguns
Estados membros tais como a Grécia, a Hungria e, neste caso, Chipre. Até o papel
de uma "grande Suíça" a desempenhar pela Alemanha será algo de contornos
pouco confortáveis para uma estratégia de segurança europeia devidamente
consolidada.
Países menos solidários com a posição de segurança europeia comum, defendida de
forma concertada a partir do Conselho Europeu, deveriam tirar consequências
políticas das atitudes tomadas. Não deveria ser de ânimo leve que se poderia
proclamar "uma neutralidade" conveniente em relação à actual estratégia russa
porque, com ou sem iniciativas de resposta Ocidental, a escalada já está em curso.
A Europa tem que ocupar uma posição que lhe permita negociar em pé de
igualdade com Moscovo; por ora, a União Europeia consome o seu tempo em
consultas, em aplicação de sanções de âmbito restrito e parece mais preocupada
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com a construções de acordos de efectividade discutível, e com os efeitos
consequentes do retorno, do que com a força e o alcance da acção.
É necessário entender que o fulcro do conflito patrocinado pela Rússia não é a
Ucrânia, nem apenas a defesa dos direitos dos cidadãos russófonos que se
encontram nos países vizinhos da Rússia. Toda a situação tende à recuperação, por
parte da Federação Russa, do estatuto e do poder geo-político da ex-URSS. A
aproximação a um comportamento russo mais consonante com a democracia, a
defesa do Estado de Direito e o respeito pela Lei Internacional nem sequer faz parte
da equação para o planeamento estratégico russo, não obstante um eventual
discurso nesse sentido.
Aparentemente, é a Rússia, e não o Reino Unido (Demspy, 2015), quem
actualmente melhor se perfila para estabelecer uma aliança com Chipre (Saunders,
2015). A Rússia está liberta de constrangimentos e limitações inerentes às posições
consensuais da NATO e da União Europeia e sente poder e liberdade de acção para
se afirmar como um actor maior na cena regional.
O anúncio da recente visita à Rússia por parte do Presidente Cipriota deixou um
sabor amargo no Ocidente, sobretudo por demonstrar que, em tempos de não
cumprimento dos Acordos de Minsk, Moscovo apresenta um pacote de alternativas,
em detrimento de Bruxelas que não tem capacidade de defender, no seu seio, os
interesses de todos os seus Estados membros.
Também, alegadamente, o acordo entre Chipre e a Rússia foi visto com surpresa
pelo Ocidente. Não porque, como foi referido, o acordo militar tivesse trazido algo
de novo em termos técnicos, mas sim porque a aproximação a Moscovo foi levada a
cabo por um partido de direita. Este facto demonstra que a herança comunista da
Federação Russa já não é argumento para afastamento, sendo tal óbice claramente
ofuscado por outras facetas mais práticas e objectivas com peso negocial efectivo
no campo da economia e das finanças.
A Grécia e também o Chipre, não estão a encontrar soluções para lidar
financeiramente com a Europa. Se algo correr definitivamente mal, será natural que
encontrem um aliado em Moscovo. Restará saber se mais uma vez a União
Europeia volta a perder e Putin alarga a sua esfera de influência.
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