20 de Novembro – Dia da Consciência Negra Mais um dia que a Psicologia se mobiliza no tocante ao enfrentamento de toda forma de preconceito e discriminação. Vamos à luta, todos e todas, junto com Zumbi! Segundo Antonio Olímpio de Sant’Anna in Munanga (2001), preconceito é uma opinião preestabelecida, um julgamento prévio, negativo, que regula as relações de uma pessoa com a sociedade. Ao regular, o preconceito permeia toda a sociedade, tornando a pessoa preconceituosa uma espécie de mediador de todas as relações humanas. Com base em estereótipos, as pessoas julgam as outras. Por isso o preconceito é um fenômeno psicológico. Conhecemos uma lista de alguns preconceitos clássicos que estão bem enraizados em nosso cotidiano: toda sogra é chata; todos os homens são fortes; toda mulher é frágil; todo negro é suspeito; todos os políticos são corruptos, etc. Esses preconceitos, aos poucos, vão se transformando em posições diante da vida, nas relações interpessoais, e aparecem na forma de discriminação. Ainda segundo Sant’Anna, discriminação é o nome que se dá para a conduta (ação ou omissão) que viola direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça, o sexo, a idade, a opção religiosa e outros. Ou seja, é a exteriorização, a manifestação, a materialização do preconceito. A discriminação racial “significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferências baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha como objeto ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou exercício, em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, social ou cultural, ou em qualquer outro domínio da vida pública.”, de acordo com a Convenção da ONU/1966, Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, citado por Sant’Anna in Munanga (2001). É necessário conceituar tais fenômenos, de modo a compreendermos como tais posturas e atitudes contribuem para o fortalecimento do racismo em nossa sociedade. Tendo o dia 20 de Novembro como uma das datas representativas no enfrentamento ao racismo e às praticas preconceituosas e discriminatórias, cujos efeitos têm contribuído fortemente para o crescimento de mortes da população negra, é nosso dever enquanto Conselho de uma categoria que lida com aspectos da ordem do subjetivo e do social, apontarmos dados referentes à temática racial nesta data. O Quilombo dos Palmares, localizado na Capitania de Pernambuco, atual região de União dos Palmares, Alagoas, era uma comunidade formada por escravos negros que haviam escapado das fazendas, prisões e senzalas brasileiras. Zumbi nasceu na Serra da Barriga, Capitania de Pernambuco, atual União dos Palmares, Alagoas, livre, no ano de 1655, mas foi capturado e entregue a um missionário português quando tinha aproximadamente seis anos, até 12 anos de idade havia aprendido português e latim. Casado com Dandara, e após o reconhecimento de sua luta na comunidade quilombola, ficou conhecido como Zumbi dos Palmares, e foi um dos principais líderes negros, um herói antiescravagista cuja resistência contra a opressão portuguesa levou à sua morte, no estado de Alagoas, no ano de 1695. "Zumbi" significa: a força do espírito presente . O Dia da Consciência Negra tem como referência a data de morte desse líder. Apresentar dados atualizados sobre pesquisas referentes à população negra atribuindo a isso o sofrimento psíquico decorrente da condição de pertencimento racial atrelado à violência, também faz parte da nossa posição política enquanto categoria e torna-se um dos nossos desafios dialogar com a sociedade a partir de tais referenciais, para o enfrentamento ao racismo. Segundo prévia do Mapa da Violência, em 2014, no decênio 2002 – 2011 houve um crescimento de 63% para 76,9% de mortes de jovens negros, do sexo masculino (15 e 29 anos), por homicídios no Brasil. Em números, isso corresponde a um aumento de 29.656 para 41.127 mortes de nossos jovens negros. Enquanto que a participação de jovens brancos decresce de 36,7% para 22,8%. Esse fenômeno é o que atualmente tem sido conceituado como genocídio da juventude negra. 79,4% de pessoas analfabetas são negras; e 73% da população mais pobre é negra. Tais dados nos mostram uma possível relação entre o analfabetismo e a pobreza da população negra. 62% das crianças que estão fora da escola são negras, o que contribui para o alto índice de crianças negras em situação de vulnerabilidade, na qual a situação de rua é a mais evidente, na forma de trabalho infantil, estando estas mais vulneráveisa exploração sexual. Em média, a renda de negros é 40% menor que a de brancos; e segundo as Nações Unidas, quase 90% das mortes maternas no Brasil ocorrem como consequência da violação de direitos humanos e negligências da saúde pública. Sabemos que a maior parte da população que recorre aos serviços públicos de saúde é a população negra, sendo a mulher negra a maior vítima dessa forma de violência. Será que enquanto sociedade estamos realmente atentos aos altos números e a fatia específica da população que está sendo acometida pela violência racial? Será que estamos naturalizando a violência direcionada à população negra a ponto de não nos sensibilizarmos com as mortes que têm somado números? Será que perdemos a sensibilidade em perceber que essa violência trás sofrimento mental à mãe de um jovem negro,da periferia ou não, todas as vezes que este filho vai sair?, pois ela se preocupa porque ele pode não voltar, visto que pesquisas apontam que há 7 vezes mais chances de um jovem negro morrer que um jovem branco em nossa sociedade. Será que não somos mesmo uma sociedade racista, que reproduz indiscriminadamente a violência racial? É evidente que a história carrega consigo fatos, equívocos e ideologias que são mantidas e/ou reparadas, a depender do que enquanto sociedade desejamos manter, ou seja, quem será mais favorecido e quem será mais prejudicado? A democracia racial proposta por Gylberto Freire constituiu-se um mito, visto que segundo Moura (2009), o mito da democracia racial instituiu e institui que o Brasil é um país composto por uma população mestiça, pois são todos descendentes de negros, brancos e índios, portanto, o racismo é algo inexistente já que, supostamente, não há a diferenciação racial entre os indivíduos. Quando considerada as diversas práticas discriminatórias baseadas nas características étnicas raciais destinadas a uma parcela da população, torna-se evidente a existência do racismo e das diferenças étnicas raciais presentes na sociedade brasileira na forma de desigualdade. Diante da negação do racismo e das diferenças étnicas raciais, o racismo tende a ser expresso de forma velada, dificultando sua identificação, tornando-o natural e invisível. Alguns exemplos do cotidiano nos remetem a essa naturalização e invisibilidade da violência racial: Crianças negras, irmãs e filhas do mesmo pai e da mesma mãe, serem tratadas no contexto social e até mesmo na família, de forma diferenciada a partir do tom de pele mais claro; Presentes melhores, mimos, afagos, serem destinados em sua maioria às crianças de pele mais clara; A preocupação que algumas pessoas têm em relação a cor da criança que irá nascer, fruto do casamento entre um negro e uma branca, ou entre uma negra e um branco e isso se tornar alvo de piadas de cunho racista; Currículos que são dispensados antes mesmo de serem analisados, por conter fotos, e o perfil da instituição, diga-se preconceituosa e discriminadora, definir que tal cargo não pode ser ocupado por uma pessoa negra, responsabilizando o sujeito negro pela sua condição socioeconômica; A morte ou situação de vulnerabilidade de pessoas não-negras serem alvo de compadecimento, principalmente se o padrão estético veiculado na mídia corresponder ao que a sociedade prega como modelo, enquanto milhares de jovens negros estão morrendo todo dia. E em nosso discurso reforçarmos o modelo punitivo para lidar com as dificuldades enquanto sociedadede oferecer dignidade a essa população: a negra. Moura (2009), psicóloga, pontua as representações sociais enquanto conceitos e sentidos construídos e compartilhados socialmente, alimentando e sendo retroalimentadas pelas relações humanas, tornando-se evidente a influência da ideologia do racismo enquanto mediadora dessas relações. O sofrimento psíquico advindo do racismo, a partir da imposição de conceitos negativos atrelados a negritude e das vivências de discriminações raciais presentes desde a infância, causam diversos danos à identidade e a saúde mental da população negra, repercutindo em seu autoconceito e consequentemente em sua autoestima. Como a construção da identidade é influenciada pelas relações e representações sociais presentes na cultura em que a população está inserida, o sujeito negro irá se desenvolver em um meio no qual os conceitos negativos sobre si se sobrepõem aos conceitos positivos decorrentes do processo histórico a que fomos submetidos, proporcionando a esses indivíduos a negação da sua negritude enquanto estratégia de aceitação e valorização social. Segundo Silva (2004) essa negação pode ser expressa através da rejeição e insatisfação com o próprio corpo e a busca de métodos com objetivo de anular suas características corporais que evidenciem o seu pertencimento racial, “pois o efeito do racismo vai incidir diretamente na construção de um autoconceito negativo e desvalorizado sobre si mesmo, uma vez que ele ataca o sujeito naquilo que lhe dá consciência de identidade, seu corpo.” (SILVA, 2004, p.132). Logo, fica difícil para qualquer pessoa se identificar com aspectos negativos direcionados a si, tendo como efeito do racismo o sofrimento psíquico. Os efeitos apresentados pelas pessoas negras geralmente são: autorejeição; baixa autoestima; alto grau de ansiedade; sentimento de inferioridade; insegurança; insatisfação com o próprio corpo; depressão. Segundo Silva (2004, p.131): “O conjunto das autopercepções, algumas temporárias outras permanentes, forma o autoconceito e influencia o comportamento dos indivíduos, associa-se à autovalorização positiva ou negativa e é a referência através da qual a pessoa vê o mundo que a rodeia, numa dinâmica complexa que envolve a organização das ideias e a crença em si mesma.” Como então pensar a saúde mental do sujeito negro diante de uma sociedade que (re)produz práticas racistas?Como promover uma autoestima positiva em crianças negras? Munanga (2001:p.9) refere que: “O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessam apenas aos alunos de ascendência negra. Interessam também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas.” Enquanto ciência a psicologia tem se atualizado e preenchido contundentemente espaços institucionais; que produz e forma opiniões acerca dos fenômenos psíquicos, comportamentais, sociais. Temos nos apropriado de um compromisso sólido em nosso dia-a-dia, cujo posicionamento a favor da ética, do cuidado e da não-violação aos direitos humanos será sempre ativo. O Conselho Regional de Psicologia da 2º região, através do Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo, tem intensificado suas ações baseado no Código de Ética do Profissional (2005), no qual prevê a atuação do psicólogo no enfrentamento a todo e qualquer tipo de preconceito e discriminação; temos ainda a Resolução 18/2002 como mais um instrumento que define a atuação dos profissionais dessa categoria reafirmando uma prática psicológica comprometida com o enfrentamento ao racismo. REFERÊNCIAS: Endereço eletrônico: juventudescontraaviolencia.org.br>plataformapolitica canalibase.org.br>ajuventudenegrainterrompida http://www.brasilescola.com/sociologia/dia-consciencia-negra-heroi-chamadozumbi.htm MOURA, Maria de Jesus. A produção de sentidos sobre violência racial no atendimento psicológico a mulheres que denunciam violência de gênero. Recife,2009. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade Federal de Pernambuco. MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. 3a. Edição. [Brasília]:Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental,2001. SILVA, Maria Lúcia. Racismo e os efeitos na saúde mental. I Seminário Saúde da População Negra. 2004.