REVISTA DO ITAÚ PERSONNALITÉ N O 23 | ANO 6 ZICO Dez histórias do camisa 10 que emocionou o mundo MARIA RIBEIRO PAULA DIB ALICE RUIZ EXEMPLAR DISTRIBUÍDO NAS AGÊNCIAS PERSONNALITÉ EDITORIAL V ´ sobre foto de Bongarts/Getty Images ilustração de zoran lucic encer a (quase) imbatível Espanha na final da Copa das Confederações por 3 a 0 deu à seleção do Brasil a confiança que faltava para chegar à Copa do Mundo de 2014 como uma das favoritas. A menos de um ano do início do campeonato mais aguardado do planeta, a Revista Personnalité traz na capa um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos. Mesmo não tendo ganhado um mundial com a camisa canarinho, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, viveu e transpirou o futebol nacional como poucos. E, como bem disse o comentarista Fernando Calazans, “se Zico não ganhou a Copa, azar da Copa do Mundo”. Em entrevista exclusiva, o jogador lembra que, quando ainda não era o craque da família, matou aula para assistir aos irmãos jogando bola. Dá para imaginar essa cena? – a primeira de muitas vividas por Zico e contadas na reportagem “10 histórias do camisa 10”. Nosso quarteto da edição apresenta ainda a atriz Maria Ribeiro, a poeta Alice Ruiz e a designer Paula Dib, que trabalha criando uma conexão entre design, artesanato e mercado. Além dos quatro personagens principais, trazemos outras reportagens, como a que expõe o efeito transformador do trabalho de dois arquitetos noruegueses, que mudaram o jeito de viver em algumas cidades da Escandinávia apenas ouvindo os desejos dos habitantes. Prepare-se também para uma viagem até o Japão: selecionamos os jardins mais lindos e emblemáticos do país. Vale destacar a turma que reunimos em nossa seção Cá entre Nós, que abre a revista: Fernando Meligeni, Sarah Chofakian, Marcos Caruso e Mônica Waldvogel. Enfim, você tem em mãos uma edição que é uma seleção de craques, com histórias de vida que convergem em uma forma muito especial de ver o mundo e encarar os desafios que nos são colocados diariamente. Um abraço e boa leitura, André Sapoznik Itaú Personnalité ´ ilustração feita por zoran lucic sobre foto de zico de 1986, servindo a seleção brasileira na copa do méxico Colaboradores expediente Editor Paulo Lima Diretor Superintendente Carlos Sarli Diretor Editorial Fernando Luna Diretora de Criação Ciça Pinheiro Diretor de Núcleo Tato Coutinho Diretor Financeiro Agenor S. Santos Diretora de Publicidade e Circulação Isabel Borba Diretora de Eventos e Projetos Especiais Proprietários Ana Paula Wehba Nesta edição o jornalista e roteirista carioca Pedro Só, 45 anos, entrevistou Zico. “É impossível ficar imune ao fascínio de um ídolo carismático, inteligente e com muita história para contar. Um brasileiro admirável não só pelo talento esportivo, mas pela trajetória e postura.” Pedro, que trabalhou nas revistas Bizz e Vip e foi editor executivo do Globoesporte.com, é editor-chefe da revista Billboard. O fotógrafo Gil Inoue nasceu em São Paulo, mora em Nova York há quase dez anos e diz ainda querer achar o melhor café espresso do planeta. Atualmente, aos 36 anos, pretende, um dia, terminar de ler Em busca do tempo perdido. Nesta edição, fotografou a escritora Alice Ruiz. “Ela foi muito acolhedora. Saí de lá achando que precisamos de mais poetisas no nosso mundo.” fotos: arquivo pessoal / arquivo pessoal / arquivo pessoal / arquivo pessoal Trazer a natureza para dentro da casa das pessoas é uma das buscas da fotógrafa Marina Klink, 48. Colaboradora da Folha de S.Paulo e Vogue, hoje viaja com sua exposição Antártica - A última fronteira, seleção de 22 fotos do livro homônimo. Na página 58, ela abre seu diário e álbum de viagem durante uma jornada literária pelo rio Negro. “Além do convívio interessante com autores consagrados, encarei uma imersão na floresta, programa imperdível e gratificante.” fotos: arquivo pessoal / Adriana Vichi / Ottmar Parachin / arquivo pessoal O jornalista paulistano Celso Unzelte, 45, é um dos apresentadores do programa Loucos por futebol da ESPN, além de fazer parte do time de comentaristas do Cartão verde, da TV Cultura. Com 15 livros publicados, a maioria sobre o universo do futebol, ele é o responsável pela reportagem sobre os mascotes da Copa. “Foi uma oportunidade única de escoar muita informação que eu não tinha onde publicar.” Diretor de Redação Décio Galina Editora Lia Bock Direção de Arte Vanina Batista Editora de Arte Cyntia Fonseca Produtora Executiva Kika Pereira de Sousa Assistente de Produção Juliana Carletti Departamento Comercial Supervisora de Projetos Especiais e Planejamento Comercial Ana Carolina Costa Oliveira Assistente Comercial da Diretoria Gabriela Trentin Assistente de Arte Marketing Publicitário Fabiana Cordeiro Gerentes de Contas Paulo Paiva e Roberta Rodrigues Executivo de Contas Marcelo Milani Gerente de Contas On-line Marco Guidi Executiva de Contas On-line Fernanda Siqueira Assistente de Tráfego Comercial Aline Trida Para anunciar [email protected] Representantes Internacionais Sales Multimedia, Inc. (USA) [email protected] Argentina Roberto Rajmilevich [email protected]; BA Romário Júnior DF Alaor Machado MG Rodrigo Freitas PE Wladmir Andrade PR Raphael Muller RJ Juliana Rocha RJ (Trip e Tpm) X² Representação RS/SC Ado Henrichs SE Pedro Amarante SP Interior Daniel Paladino Pesquisa de Imagens (coordenação) Aldrin Ferraz Bibliotecário Daniel de Andrade Estagiárias Nataly Rodrigues e Gabriela Lie Produção Gráfica Walmir S. Graciano Produtor Gráfico Cleber Trida Tratamento de Imagens Roberto Longatto e Roberto Oliveira Revisão Ecila Cianni (coordenação), Adriana Rinaldi, Janaína Mello e Marcos Visnadi Projetos Especiais e Eventos Coordenação Regina Trama Editora de Arte Ana Luiza Gomes Assistente Mariana Beulke Trade e Circulação Diretora Daniela Basile Analista de Trade Renata Vilar Gerente de Circulação Adriano Birello Analista de Circulação Vanessa Marchetti Projetos Digitais Diretor de Mídias Eletônicas de Custom Publishing Beto Macedo Editores de Arte Débora Andreucci e Diego Maldonado Assistente de Arte Julia Vargas Gerente de Negócios Izabella Zuanazzi Núcleo de Vídeo Coordenação Ana Rosa Sardenberg Videomaker Marco Paoliello e Lucas Kiler Assistentes de Produção e Finalização Viviane Gualhanone e Danielle Belo Editor de Vídeo Pitzan Oliveira Produção Bruno Oliveira TV Trip Direção Joana Cooper Diretora Assistente Anice Aun Editora Daniela Guimarães Produção Ricardo Rezende Relações Públicas Taís Neri Assistentes de RP Rafael dos Santos e Monalisa de Oliveira Estagiária Verônica Centeno Colaboraram nesta edição Edmundo Clairefont (edição), Kiki Tohmé (arte), Ana K. Rodrigues, Barbara Gancia, Carol Sganzerla, Celso Unzelte, Fernanda D’Angelo, Kelly Cristina Spinelli, Leticia de Castro, Letícia González, Lívia Aguiar, Luciana Lancellotti, Pedro Só, Rogério de Moraes, Rosane Queiroz (texto) Carol Quintanilha, Fernando Young, Gil Inoue, Marcelo Correa, Marcos Vilas Boas, Marina Klink, Nelson Mello, Paula Giolito e Renata Ursaia (fotos) Zoran Lucic (ilustração) Isabela Queiroz (styling) Ana Hora (produção) Comitê Itaú responsável por esta edição Fernando Chacon, André Sapoznik, Cristiane Portella, Danielle Sardenberg, Ligia Benavente e Mariana Couto de Arruda Colaboradores DPZ Propaganda Marcello Barcelos e Maria Pestana Capa Sebastião Marinho/Agência O Globo Quarta capa Colorsport/Corbis Revista Personnalité é uma publicação trimestral da Trip Editora e Propaganda em parceria com o Itaú Personnalité. Endereço para correspondência: rua Cônego Eugênio Leite, 767, 05414-012, São Paulo, SP. E-mail: [email protected] www.tripeditora.com.br A Trip Editora, consciente das questões ambientais e sociais, utiliza papéis Suzano com certificado FSC (Forest Stewardship Council) para impressão deste material. A Certificação FSC garante que uma matéria-prima florestal provenha de um manejo considerado social, ambiental e economicamente adequado. Impresso na Pancrom – Certificada na Cadeia de Custódia – FSC Colaboradores Colaborador de publicações como Bravo e Vogue, o carioca Fernando Young começou a trabalhar com fotografia aos 15 anos. Hoje, aos 29 anos, guarda no currículo cliques de gigantes como Gilberto Gil e Fernanda Montenegro. Nesta edição, cuidou dos retratos da atriz Maria Ribeiro. “Foi maravilhoso! Sua casa é encantadora e sua família nos recebeu superbem. A Maria tem um olhar sereno e uma presença encantadora.” Interessado em poesia e filosofia, Marcelo Correa, 40, mergulhou, a pedido da Revista Personnalité, em uma outra paixão: o futebol. Fotógrafo há 16 anos, o carioca fez as fotos do craque Zico para a reportagem de capa desta edição. “Ele faz parte da minha memória de infância. Apesar de eu ser vascaíno, era impossível não parar para ver o Zico jogar. Foi nesta condição de carinho que fui fotografá-lo.” Por nove anos, a jornalista Carol Sganzerla, 32, trabalhou na revista Tpm, onde foi de estagiária a diretora de redação. Em 2012, recebeu o Esso, principal prêmio do jornalismo nacional. Hoje, escreve perfis, como o que fez nesta edição, com a atriz Maria Ribeiro. “Foi como rever uma amiga. Conversamos regularmente desde que ela começou a assinar uma coluna na Tpm, quatro anos atrás. Foi uma delícia. A Maria é uma pessoa extremamente agradável, muito gentil.” ´ 31, nasceu em O ilustrador Zoran Lucic, Sabac, na Sérvia, e mora em Bijeljina, na Bósnia. Interessado nas diferenças, formou-se em design gráfico, mas começou ilustrando pôsteres de bandas punks. A partir da página 76, ele ilustra os clássicos mascotes dos mundiais da Fifa. “Foi nostálgico ver alguns deles, me lembrei da Itália, sede da primeira Copa do Mundo de que recordo mais claramente.” sumário 10 Cá entre Nós Música, gastronomia, cinema, moda e futebol – dicas de quem sabe viver bem 15 Prestígio O mestre e o aprendiz 16 48 64 Não faltam momentos marcantes na carreira de Antônio Fagundes. Mas foi em 2012, quando subiu pela primeira vez em um palco ao lado do filho, que se sentiu mais prestigiado 16 filme da vida A viagem de Maria Ribeiro não é relacionada à fama, mas sim ao tempo. A morte do pai, o filme que está fazendo sobre os 24 Receitas de família Os antigos cadernos de receitas da poeta Cora Coralina e da família Wessel trazem nas entrelinhas ensinamentos de vida 32 “A beleza salvará o mundo” A designer Paula Dib trabalha criando uma conexão entre o design, o artesanato e o mercado. Ela pesquisa as comunidades onde trabalha e busca uma real transformação através da arte 40 A fantástica fábrica de ideias Conheça os dois noruegueses que compraram um trailer e viajaram 900 dias ouvindo pessoas para reinventar a arquitetura: “Um projeto lindo, mas que torna a vida desconfortável, é um fracasso” 32 fernando young/ marcos vilas boas/ gil inoue / marcelo correa Los Hermanos e suas buscas revelam sua ânsia por olhar para trás 48 Mulher de palavras 74 A cara da Copa Poeta e esposa de Paulo Leminski por 20 anos, Alice Ruiz Do leão Willie ao tatu-bola Fuleco, passando por mascotes criados é também letrista. Foi parceira de Itamar Assumpção na Ásia e na África, saiba como nasceram os 13 personagens que e já trabalhou com Zélia Duncan e Arnaldo Antunes marcaram a história dos mundiais 56 viagem literária 82 Ilusão de ótica Diário de bordo da fotógrafa Marina Klink dá detalhes Na tradição zen-budista, a perfeição dos jardins japoneses da rotina sem internet do encontro de escritores realizado é uma homenagem aos espíritos da natureza. Conheça durante um cruzeiro pelo rio Negro, na Amazônia quatro dos mais lindos jardins do Japão 64 AS DEZ histórias do camisa 10 Mergulhamos na trajetória de Zico. Um dos maiores 90 Primeira Pessoa A BASE craques do futebol brasileiro abriu o jogo sobre as A empresária Glória Kalil escolheu um tapete para representá-la. razões de seguir no mundo da bola “Ele faz parte da história da família, sempre foi nossa base”, diz cá entre nós cá entre nós gastronomia, moda, cinema, esporte e música – convidados especiais abrem suas preferências _objetos de desejo sarah chofakian, estilista _água na boca Javier Peña, chef Os sapatos de Sarah Chofakian nascem em seu escritório, em São Paulo. Antes de chegarem às clientes, todos passam por seus pés O espanhol Javier Peña, do restaurante Porto, em São Paulo, ensina uma receita de tapa com tempero tropical: petiscos de palmito e presunto ibérico por Kelly Cristina Spinelli por Kelly Cristina Spinelli Tapa hispano-brasileira Ingredientes 1 pedaço de 30 cm de palmito pupunha (ou em conserva) 80 g de chorizo espanhol picante 80 g de presunto ibérico pata negra 1 cebola picada 2 dentes de alho picados Toucinho a gosto Azeite A ideia que Javier Peña tinha do Brasil foi posta em xeque logo em sua primeira semana no país. O espanhol de 32 anos desembarcara em São Paulo, em março, com a missão de comandar e renovar o cardápio do restaurante Porto. “Achei que ia encontrar samba e festa”, diz, entre risadas. “Mas me assustei. Choveu a semana inteira. E não tive pique para festa nenhuma, de tanto trabalho.” Nascido em Valladolid, Javier passou por México, Coreia do Sul e Filipinas, sempre em restaurantes espanhóis, até ser convidado a assumir a casa paulistana. O chef dividiu com a Revista Personnalité os sabores que fazem sua cabeça. 1. UM SABOR INDISPENSÁVEL. Feito à mão “Não criamos nada no computador. Desenhamos tudo a lápis. O laptop é onde respondo cerca de 300 e-mails por dia, e é também o que garante a trilha sonora do escritório.” 10 Família “Meu filho, Luiz Benine Netto, se tornou o diretor financeiro da marca. Divido minha sala com ele, estamos juntos nesta foto do porta-retratos.” Miudezas “Herdei este gaveteiro do meu avô armênio, Krikor. Ele tinha uma dessas lojas que vendem de tudo. Aqui, guardo pecinhas para os sapatos e tudo que é pequenino.” Azeite. Desde criança como todos os dias torradas com azeite e tomate no café da manhã. É o segredo desta minha carinha jovem [risos]. 4. QUAIS OS MELHORES INGREDIENTES BRASILEIROS? A carne é muito boa. As frutas também. Fiquei impressionado com a manga, é uma maravilha! E o mamão, o melão... 2. O QUE NÃO PODE FALTAR NA COZINHA? Mariscos. Na Espanha comemos muitos peixes e frutos do mar. 3. DE ONDE VEM SUA INSPIRAÇÃO? nelson mello test drive “Os sapatos da futura coleção têm marcas que indicam o salto, a palmilha, o couro que será usado. Quando ficam prontos, passo um dia com eles no pé para aprovar.” Estampas “Não compro muito livro de sapato. Quando viajo, trago livros de texturas, estampas tradicionais. É nesses detalhes que me inspiro.” carol quintanilha Cartilha “Faço uma cartilha de cores a cada coleção, corto em forma de coração, de trevo... E depois uso muito para consulta.” Modo de preparo Leve o palmito ao forno por 2 horas a 145-150 graus (o palmito em conserva não passa por essa etapa). Retire do forno e corte em pedaços de cerca de 8 a 10 cm, que serão usados como barquinhos recheados. Grelhe cada barquinho por alguns minutos, até que estejam macios. Reserve. Refogue a cebola e o alho em uma panela com um pouco de azeite. Quando a cebola estiver transparente, acrescente o chorizo espanhol picado, o presunto ibérico e o toucinho. Mexa por 3 minutos. Recheie os palmitos e sirva. Rende 4 porções. Dos pratos da minha mãe. Aprendi a cozinhar com ela e minha avó. Temos um “arroz Heloísa” no nosso cardápio em homenagem a ela. 5. POR QUE UM PEIXE TATUADO NO BRAÇO? Fiz no Brasil! Em homenagem ao novo restaurante. Tenho muitas tatuagens, uma para cada país por onde passei. 6. UMA RECEITA ESPANHOLA. Sopa de grão-de-bico com bacalhau. É uma receita da Sexta-Feira Santa. Adoro todo prato que se come com colher. 11 Experimente Porto R. Amauri, 225. Tel.: (11) 3077-1111 O restaurante Porto faz parte do Menu Personnalité. Conheça os pratos em: itaupersonnalite.com.br/experiencia cá entre nós cá entre nós _Passe a passe FErnando meligeni, comentarista esportivo _trilha sonora marcos caruso, ator, diretor e escritor O tenista relembra o gol de Ronaldo que abriu o caminho para a vitória sobre a Alemanha e o pentacampeonato mundial ao Brasil em 2002 por Edmundo Clairefont Aos 60 anos, o artista e autor de teatro entra em cena com a trilha sonora de sua vida, construída por clássicos da música brasileira por fernanda d’angelo 2 3 1 4 5 5. “SAMBA DO AVIÃO”, TOM JOBIM Ainda hoje, todas as vezes que aterrisso no Rio, cantarolo na memória. é um clássico. 6. AS MÚSICAS DE PAOLO CONTE Compositor e cantor italiano. Adoro a desconstrução e certa anarquia de suas letras e melodias. 12 7 7. “O BÊBADO E A EQUILIBRISTA”, JOÃO BOSCO E ALDIR BLANC Não consigo desatrelá-la da voz de Elis Regina e, sempre que ouço, me emociono. divulgação / ricardo correa 2. “RANCHO DA GOIABADA”, CHICO BUARQUE, JOÃO BOSCO E ALDIR BLANC Me apaixonei pela letra dessa música e a escolhi para cantar num show de calouros quando estava no colegial. 4. “CONSTRUÇÃO”, CHICO BUARQUE Me lembro de ir ao Mackenzie – onde eu estudava em São Paulo – e subir a rua Dr. Vila Nova cantando “Construção”. Essa música me leva aos tempos negros da ditadura. 6 divulgação / reprodução 1. “BARRACÃO”, ELIZETH CARDOSO Cantava com minha tia Ruth, quando morei com ela na adolescência. Nós tínhamos o disco de Elizeth e pelo menos uma vez por semana colocávamos para tocar. 3. “TORÓ DE LÁGRIMAS”, ANTÔNIO CARLOS & JOCAFI Quando estava namorando a Jussara Freire [atriz], minha primeira esposa, resolvemos ligar o rádio do meu fusca e combinamos que a música que estivesse tocando seria a nossa canção. Era “Toró de lágrimas”. “Fui ver esse jogo na rua, num bar, ao lado de um monte de amigos. Eu me vesti de verde e amarelo e fiquei lá, diante do telão, aquela tensão. Brasil e Alemanha, clássico na final, sempre jogo difícil. Quer dizer, era para ser difícil. Mas o Ronaldo deixou fácil. Aquele primeiro gol dele... Nossa, esse foi o gol! O chute do Rivaldo, um rebote errado do Oliver Kahn, lembra? O cara era o grande goleiro do momento. E o Ronaldo ainda faria mais um. Sensacional! Era um baita time, esse do Brasil. Uma turma fortíssima. Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Roberto Carlos... Lembro que, quando o juiz encerrou a partida, a seleção virou penta e a rua virou uma bagunça. Do nada, apareceu até um trio elétrico. E do nada mesmo. Eu estava numa esquina da Faria Lima, aqui em São Paulo. Ela se transformou naquela confusão que só quem ganhou uma Copa do Mundo conhece.” FICHA TéCNICA BRASIL 2 X 0 ALEMANHA Domingo, 30/6/2002, Yokohama, Japão Brasil Marcos, Lúcio, Edmílson e Roque Júnior; Cafu, Gilberto Silva, Kléberson, Ronaldinho Gaúcho (Juninho Paulista) e Roberto Carlos; Rivaldo e Ronaldo (Denílson). Técnico: Luiz Felipe Scolari. Alemanha Kahn, Linke, Ramelow, Metzelder, Frings, Hamann, Jeremies (Asamoah), Schneider, Bode (Ziege), Neuville e Klose (Bierhoff). Técnico: Rudi Voller. Gols Ronaldo aos 21 e aos 33 minutos do segundo tempo. O primeiro gol de ronaldo: oliver kahn no limite 13 Prestígio | antônio fagundes cá entre nós Por Rogério de Moraes _ O mestre e o aprendiz _o filme da minha vida Mônica Waldvogel, jornalista Antônio Fagundes escolhe o encontro com o filho Bruno, no palco da montagem de Vermelho, como um dos momentos mais marcantes de seus 47 anos de carreira A apresentadora de TV aponta o drama romântico Casablanca como uma das histórias do cinema que “tatuaram” sua alma por Rosane Queiroz 14 Química em cena Ganhador de três Oscars (melhor filme, diretor e roteiro adaptado), Casablanca é apontado pelo American Film Institute como o número um entre os cem melhores filmes de amor da história do cinema. “A melhor cena é a da despedida entre Ilsa e Rick”, diz Mônica. “Ele despacha o amor de sua vida em prol de uma causa.” Ivan Abujamra/Divulgação “As time goes by” “You must remember this, a kiss is just a kiss...” A música tema de Rick e Ilsa é destaque da trilha sonora. A canção, escrita em 1931 por Herman Hupfeld, foi regravada por artistas como John Lennon, Frank Sinatra, Nat King Cole e Rod Stewart. divulgação Triângulo amoroso Mônica Waldvogel se diz “toda tatuada de histórias, cenas e personagens”. O clássico Casablanca (1942) é uma dessas marcas. Dirigido por Michael Curtiz, a história se passa na Segunda Guerra Mundial, quando o exilado americano Rick Blaine (Humphrey Bogart) ajuda outros refugiados a escapar dos nazistas por Casablanca, no Marrocos. Quando um casal pede seu apoio para deixar o país, ele reencontra Ilsa (Ingrid Bergman), grande paixão do passado, agora casada com Victor Laszlo (Paul Henreid), líder da resistência tcheca. Com 47 anos de carreira artística, Antônio Fagundes coleciona momentos marcantes em suas diversas passagens por TV, cinema e teatro. Mas poucas, segundo o ator, se comparam com a que viveu em março de 2012, quando subiu ao palco pela primeira vez ao lado de seu filho, o também ator, Bruno Fagundes. A experiência se deu com a montagem de Vermelho, peça do norte-americano John Logan que, a partir de um fato real na carreira do pintor russo Mark Rothko (1903-1970), constrói uma ficção. Como de fato aconteceu em 1958, o artista precisava pintar uma série de telas que lhe foram encomendadas. Para o trabalho, e aqui entra a ficção, decide contratar um ajudante, com o qual desenvolve uma Antônio fagundes e o filho bruno dividindo o palco pela primeira vez na peça vermelho relação conflituosa. “Foi uma experiência maravilhosa, especialmente porque era um texto com personagens que tinham o nosso perfil”, conta Fagundes. O ator explica que havia tempos ele e Bruno planejavam contracenar no palco, mas não encontravam o texto certo. Sem saber, pai e filho receberam, de pessoas diferentes, a indicação para o texto de Logan. Quando se falaram para dizer que haviam encontrado a peça ideal, perceberam que se tratava do mesmo texto. “Não fomos nós que encontramos o texto. Foi ele que nos encontrou”, brinca. Da experiência de dividir o palco com o filho, o veterano ator revela o prazer de poder compartilhar com Bruno seu encanto pelo teatro. “Foi emocionante ver que ele tem a mesma paixão que tenho pelo palco.” Mas completa dizendo que, apesar de todo o aspecto emocional, quando o espetáculo começa a coisa muda. “Logo você esquece que é seu filho e enxerga só o profissional.” Bruno é fruto do casamento de Antônio Fagundes com a atriz e dramaturga Mara Carvalho. O interesse artístico surgiu cedo, como recorda o pai: “O Bruno atua desde os 13 anos. Ele é muito dedicado, faz aula de canto, cursos de interpretação, se prepara de verdade para a carreira”. A experiência semeou em Fagundes o desejo de repetir a dose: “Foi algo muito especial para nós dois, vamos procurar novas oportunidades de trabalhar juntos outra vez no teatro”. Por Carol Sganzerla Fotos Fernando Young filme da vida Maria Ribeiro, 37 anos, é vidrada na passagem do tempo. A morte do pai, o filme que está dirigindo sobre a banda Los Hermanos e suas buscas revelam, como ela mesma diz, uma ânsia por voltar lá atrás, remexer e observar. Bem-vindos à ampulheta de Maria, atriz, escritora, apresentadora, diretora e mãe de dois garotos 16 À s sete da manhã de uma segunda-feira, Maria inicia uma rotina que vem cumprindo há seis meses. De sua casa em Itanhangá, zona oeste do Rio de Janeiro, corre para o aeroporto Santos Dumont. Leva junto uma sacola com alguns jornais e algumas peças de roupas. Quarenta minutos e algum atraso depois, desembarca em Congonhas. Chega acompanhada da amiga e atriz Monica Martelli, sua parceira de ponte aérea desde que passaram a dividir o sofá do Saia justa – que tem ainda as jornalistas Astrid Fontenelle e Barbara Gancia. Enquanto cruza a cidade em direção ao estúdio põe o papo em dia, checa os e-mails no celular e repassa os temas que serão discutidos no programa do GNT. Almoça, escolhe o figurino, faz o cabelo, a maquiagem. Segue para o cenário, ganha uma xícara de chá, encaixa o ponto no ouvido, o microfone na camisa, cruza as pernas e assim permanece nas 2 horas de gravação. Minutos antes, um dos produtores conta que Maria é a mais CDF das quatro. Ela reforça o comentário dizendo que tem passado os fins de semana estudando. E muito. “É infinitamente mais interessante do que fazer novela. Sou paga para ler livro, ficar mais informada”, solta a atriz, com os olhos acompanhando o trabalho dos técnicos. “Agora, é uma exposição punk para mim. Tô mostrando o que tenho de mais íntimo. Não sou fofinha, demoro a ser compreendida. Tem gente que me acha antipática, radical.” Por “antipática e radical” leia-se assumir algumas posições, digamos, politicamente incorretas, como quando contou que é paranoica e às vezes se acha gorda; que pega estrada pelo acostamento e que fuça o Instagram do marido, o ator Caio Blat, 33 anos. Mas Maria acha que vale a pena, diz ser terapêutico ser franca na televisão, terreno onde o adjetivo é raro. Não gosta de se dividir em duas personalidades, como muitos atores fazem. “Não quero que as pessoas me idealizem.” Até porque passa longe de seus interesses ser mais famosa do que é. Se acontecer, prefere que o motivo seja um trabalho. Por ora, está prestes a voltar ao ar com a série Copa Hotel, no GNT, no papel de uma médica (a segunda temporada tem início previsto para 30 de setembro), e cogita fazer novela. Mas não tem, como diz, “a viagem da pop star”. A viagem de Maria é outra. Tem mais a ver com sua 18 maria ribeiro fotos: arquivo pessoal Personnalité “Estou onde imaginava estar nos meus melhores sonhos” relação com o tempo. Gosta de voltar lá atrás, remexer, observar. A primeira vez que sentiu a passagem dos anos tinha 25. Juntou, então, as aflições que batiam à porta e as comprimiu no curta-metragem Vinte e cinco. Escreveu, dirigiu, atuou. Era o ano de 2001 e a atriz tinha recém-saído da novela A padroeira, na Globo, pois o diretor Walter Avancini havia morrido e o que assumiu a trama demitiu metade do elenco. Passou um mês digerindo aquela dor. Até que ouviu do amigo e dramaturgo Domingos Oliveira: “Eu não sou o Domingos porque alguém disse que eu era. Eu disse que eu era”. Pegou o dinheiro que ganhou com a tal novela e foi montar seu curta. Com o filme em andamento, topou, no jornal, com a lista dos melhores discos do ano e nela figurava o Bloco do eu sozinho, do Los Hermanos. Já tinha visto a banda se apresentar na PUCRJ, onde cursava jornalismo, mas foi esse álbum que a tocou. “Era justo o momento em que eu estava sentindo a passagem do tempo, emocionada. Um dia encontrei o Rodrigo Amarante no Baixo Gávea e falei: ‘Rodrigo, prazer, eu sou a Maria, estou fazendo um filme e queria muito usar o disco na trilha. Pode?’. Mandei um VHS e eles toparam.” Acima, no casamento com caio Blat em 2007; e com os filhos, joão e bento. Na página ao lado, na infância, com o pai, Leonídio, e com a mãe, Marina 19 Personnalité maria ribeiro _ “O repertório é sempre generoso e borbulhante” Como todos e seus vizinhos, deixei-me enlevar por seu papel em Tropa de elite. Mas, quando fui comunicada de que Maria faria parte da formação do Saia justa 2013, deu branco: “É aquela que fez Cidade de Deus, né?”. Sempre ouvi que, depois de um tempo no ar, ocorria certo desgaste de material entre as apresentadoras do programa. Por isso, não dei sequer um Google no nome delas antes de conhecê-las pessoalmente. Queria me ela encontra em casa, nos jantares que promove. “O Caio cozinha e ela organiza tudo de um jeito sofisticado. Ela é muito generosa na hora de receber, sempre tem muita comida, eles são exagerados”, entrega a amiga e roteirista Antonia Pellegrino. Antes da mudança para essa casa que o marido planejou e construiu em Itanhangá, três anos atrás, Maria tinha um maior convívio social na rua. “Ela acordava e saía. É ativa, tem necessidade de se movimentar. Então, foi um trauma quando mudamos. Lá é isolado, o acesso é difícil, só tem mato; e antes ela tinha conta na padaria, na banca, na farmácia. Colocamos a casa à venda, mas ela foi se acostumando, mudou os hábitos, hoje fica dois, três dias inteiros sem sair. A mudança só fortaleceu a relação”, conta Caio, que é pai de Bento, 3 anos. (Maria tem ainda João, 10, fruto de seu relacionamento com o ator Paulo Betti.) Sempre que possível, o casal trabalha junto. Em outubro está previsto o lançamento do longa-metragem Pele de cordeiro, de Paulo Morelli, em que vivem a história de sete amigos que querem ser poetas, se encontram para escrever cartas para si mesmos e as leem dez anos depois. No cinema, já contracenaram em Histórias de amor duram Onze anos depois eles aceitaram uma segunda proposta de Maria: gravar um documentário sobre o grupo. Mas dessa vez ela custou a receber um “sim”. Tentou registrar os shows que marcaram o término da banda, em 2007, e a apresentação que abriu para o Radiohead, em 2009; mas só em 2012, na turnê comemorativa dos 15 anos, a banda concordou com a ideia. Hoje, depois de percorrer 14 cidades e acompanhar inúmeros shows, tem nas mãos um primeiro corte e um título provisório, bem ao estilo Maria: Los Hermanos – Esse é só o começo do fim da nossa vida. “Tem momentos íntimos de camarim, de quarto de hotel, mas não forcei uma relação. O meu Los Hermanos não é sensacionalista, o foco não é na separação.” concentrar apenas na minha própria performance. Mas é claro que Maria não deixou. Logo de cara, foi tratando de se apresentar: “Sei tudo a seu respeito, conheço seu trabalho, meu ex-marido é seu amigo...”. Nem mesmo Margaret Thatcher teria se mantido impassível diante de tamanho poder de envolvimento. Com a Maria, nem que tentasse, não conseguiria exercitar uma característica minha fundamental, a de ser nojentamente esnobe quando me convém. Ela vai revelando de si no que parecem ser baldes, mas na verdade são doses medicinais de verdade. Ora deixa jorrar litros de ironia a seu respeito, ora pinga uma confidência (devo admitir que o fato de desgostarmos dos casa de vidro isolada no mato momentos, joga acolá uma ideia genial para o programa. É fácil entender a adoração de Maria pelo grupo. Sua adolescência, regada a Tom Jobim, João Donato, Baden Powell, não tinha espaço para um grupo teen. “O Los Hermanos me libertou. Eu me sentia muito representada por eles. Nos 45 do segundo tempo consegui uma banda para ser groupie”, conta. “Tudo o que me reprimia passei a me permitir. Eu não sou fácil de rir, de dançar, fico me vendo de fora...” Cair na noite nunca foi programa para Maria. Os amigos, arquivo pessoal / divulgação/gnt mesmos conhecidos tem nos unido à beça). E, noutros O repertório é sempre generoso e borbulhante. Se ao menos eu a deixasse falar um pouco mais, não é mesmo, quem sabe os assinantes do GNT não pudessem usufruir melhor deste patrimônio da humanidade? Barbara Gancia, 55 anos, é apresentadora do Saia justa, colunista da Folha de S.Paulo e da Bandnews FM 20 de cima para baixo: lançando tropa de elite em berlim com o primo e diretor josé padilha e wagner moura; ao lado, com o primo em 1995; com os colegas do filme Pele de Cordeiro; e no sofá do Saia Justa no alto, na sala de casa, em itanhangá (rio de janeiro) 21 maria ribeiro Essa franqueza que você encontrou no mundo do Domingos não tinha em casa? Não. Mentir era uma coisa normal. Meu pai, por exemplo, tinha um irmão que passei anos achando que era meu primo. Um monte de histórias. Então passei anos mentindo. Mentia besteiras, quase que como um medo de falar a verdade. apenas 90 minutos (Paulo Halm, 2010), trama em que se apaixonam pela mesma mulher. Agora, se preparam para iniciar os ensaios da montagem de Os irmãos Karamázov. As referências culturais de Maria começaram cedo, devido à proximidade que tinha com o primo e diretor José Padilha (de Tropa de elite 1 e 2, filmes em que ela atuou como Rosane, mulher do Capitão Nascimento) e com seu irmão Otávio Leonídio, dez anos mais velho. Quando chegou à família, a caçula encontrou também os irmãos Isabel e Leo (hoje com 46 e 50 anos). “Maria magnetizou a atenção da casa, era uma criança sorridente e disponível”, descreve Otávio. “Desde cedo fomos muito próximos, tínhamos uma identificação via música e literatura. Eu ouvia João Gilberto e Tom Jobim, lia Machado de Assis e Rubem Braga. Isso a influenciou. Acho até que a escrita dela tem a ver com Rubem, crônicas com tom confessional. A essência da Maria tem a ver com a palavra.” É com esse tom confessional que Maria assina sua coluna na revista Tpm há quatro anos – eventualmente também escreve perfis para o jornal O Globo. Quem acompanha sabe que ela nasceu numa família tradicional do Rio de Janeiro, que cresceu em um casarão com empregados, que estudou em colégios de elite (São Patrício e Gimk), que seu pai foi um alto executivo e sua mãe, dona de casa; que se separaram quando ela tinha 9 anos, que passavam as férias na casa de Angra dos Reis (RJ). E que seu primo e seu irmão se tornaram seus parceiros. “Tinha um afeto muito forte ali. Eram as pessoas que me davam carinho. Meus pais foram muito negligentes na minha adolescência”, deixa escapar. Ela quer falar mais. _ “Maria não é só isso” “Maria Ribeiro é indevassável. Bonita como ela só, é reservada, educada, danada. Refinada, eu poderia ter dito. Mas não se trata disso porque a Maria não tem frescuras. Verdade que pessoalmente tenho bons motivos para gostar dela. Além de provocante companheira de trabalho, fez um filme terno e inteligente sobre mim no qual ela afirma que se sentiu em casa quando chegou na minha casa! Não é preciso dizer mais. É evidente que Maria deseja fazer de nossos destinos um só. Não trabalhamos juntos ainda o suficiente. Maria vive muito trancada no mundo dela, privacidade essa que piora muito quando ela casa. Talvez Maria não confesse isso, mas sua noção de amor é radical. Exagerada ela é também, segundo sua justiça interior inflexível. Recentemente, sofreu uma grande perda e resistiu estoicamente. ‘O homem tem Aos 37 anos, casada, com dois filhos, com seus projetos, é onde imaginava chegar? Total. Estou talvez no ano mais intenso da minha vida... Perdi meu pai [em março, por complicações de saúde]. Foi avassalador. Mas sou muito feliz com a minha vida e muito feliz de saber que fui eu mesma que botei cada pedra. Estou onde imaginava estar nos meus melhores sonhos. Porque, aos 20 anos, quando pensava em uma pessoa bem-sucedida, pensava no lado profissional. Acho importantíssimo, mas o que me dá alegria é que desenvolvi um olhar para a vida. O que a perda do seu pai mudou em você? Foi uma revolução, porque a gente brigava muito, mas éramos parecidos. Ele vibrava com as minhas coisas. Era um cara muito passional, controlador, forte, agressivo muitas vezes. Ele não era fácil, só que era louco por mim. Era um ótimo pai de criança. Me levava para pescar, me ensinou a dirigir lancha em Angra, a dirigir carro. Dizia que eu tinha que dirigir como homem. A sensação que tenho é que não foi a maternidade e sim ter perdido o meu pai o que me tornou adulta. Que outra lembrança forte tem da infância? O closet da minha mãe. Era enorme, ela tinha roupas incríveis, meus pais tinham muitos jantares. Lembro de botar o pé no sapato dela. Era uma forma de estar perto, de trazer esse lado feminino. Minha mãe tem uma coisa delicada, é aquela pessoa que manda flores no dia seguinte de um jantar. Tenho isso e, apesar de ser mais desconfiada, presto muita atenção no outro. Já meu pai era totalmente autocentrado. que ser maior que o seu sofrimento’, ela poderia para isso. Belos filhos, casa, marido, reconhecida na profissão. Ela apenas faz parte da turma que quando finaliza um filme ou peça pergunta: ‘E daí, é só isso?’, ‘Que trabalho vamos fazer agora?’. Quem aí conhece The heiress (A herdeira) de William Wyler? Sucesso de Olivia de Havilland na beira dos anos 50. E também da jovem Bibi Ferreira. Alguém aí quer produzir essa peça? Melhor modo de aproveitar uma entrevista é marcar encontros e armar negócios. Precisamos conversar só nós dois, Maria. Trocar informações secretas. Três já é passeata. Obrigado por eu ter te conhecido.” Domingos Oliveira, 76 anos, é ator, diretor e dramaturgo no alto, reunião da equipe de cozinheiros e atendentes do tickets, um grupo que albert gosta de chamar de “tropa de elite” 22 Divulgação/guga melgar / Assistente: Felipe Ovelha / Make: Nat Rosa / Produção: Ana Hora / Styling: Isabela Queiroz ter dito. Mas não que seja triste. Não tem motivos Como foi sua adolescência? No colégio, eu era a garota que fazia teatro e no teatro era a garota patricinha. Com 19 anos, participei da leitura da peça Amores, na casa do Domingos Oliveira. “Comecei a chorar no meio. Falei: ‘É isso! Achei. Essa é a minha gente’.” Tinha uma coisa franca, despudorada, de falar de sentimento. Você vai fazer um filme sobre seu pai? Filmei meu pai quando vendemos a casa de Angra, um lugar idílico onde passei minha infância e adolescência. Sempre achei ele um personagem carismático. Um cara por quem as minhas amigas se apaixonavam. Em janeiro, dei para um amigo montador assistir. E ele falou: “Maria, seu pai é um filme”. Ainda não sabia que meu pai ia morrer. Talvez o que eu tenha de mais importante para contar seja exatamente essa história. Mas é um filme que eu preciso ter coragem de fazer. Você foi escolhida para fazer a peça? Não. Mas não importava, eu tinha descoberto que existia um lugar no mundo para mim. Comecei a ver Woody Allen, Todas as mulheres do mundo [ filme de Domingos Oliveira, de 1966], Truffaut. Gosto dessa coisa do cotidiano, da vida privada, que tem um riso amargo no fim. Depois, o Domingos me chamou para fazer a peça Confissões de adolescente e ficamos dez anos grudados. Ele é certamente a pessoa mais importante da minha vida profissional. Na página ao lado, maria em sua casa; e com domingos oliveira em registro do filme domingos, dirigido por ela 23 Por Luciana Lancellotti Cora coralina em seu fogão a lenha na cidade de goiás velho Vicência Brêtas Tahan, filha de Cora Coralina Fotos do acervo da família cedidas por O TEMPO COMO INGREDIENTE Sabores, aromas e texturas impressos em páginas amareladas pelo tempo trazem de volta recordações que atravessam gerações. Mais do que o beabá do preparo de pratos e comidinhas, os antigos cadernos de receitas da poeta Cora Coralina e da família Wessel trazem nas entrelinhas ensinamentos de vida 25 Arroz e poesia avermelhada dos grãos, uma espécie de apelo lúdico involuntário, guardado na memória em tons vivazes. “A saudade é tanta que há pouco tempo perguntei para a minha mãe o que a vovó colocava na receita e a resposta foi simples: colorau, acredita?” Igualmente precisas são as recordações que ela tem de Cora preparando doces no fogão a lenha, em tachos de cobre, contando histórias deliciosamente intermináveis para a família, durante manhãs e tardes inteiras. O favorito da neta era o de buriti, fruto típico da região do Cerrado, originário das palmeiras mais altas do Brasil. O sabor, adocicado, levemente ácido, lem- _ Puxa (para meus netos) de Cora Coralina Ingredientes 1 kg de rapadura ½ kg de amendoim torrado e triturado sem casca 1 xícara (chá) de água modo de preparo Corte a rapadura em pequenos pedaços e leve a uma panela ou tacho com Paula Giolito / arquivo pessoal / Fotos do acervo da família a água. Deixe ferver até ficar uniforme, 26 cedidas por Vicência Brêtas Tahan, filha de Cora Coralina “Ah, que sabor tinha o arroz da vovó...” A vovó, no caso, era a poeta Cora Coralina (1889-1985), que teve seu primeiro livro publicado aos 76 anos de idade e exerceu, durante a maior parte da vida, a profissão de doceira. Cora, aliás, nasceu Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas. Uma das netas, Ana Tahan, herdou não só seu nome, como também uma verdadeira coleção de histórias cheias de sabor. “Quando morávamos em Anápolis, no interior goiano, cada vez que eu sabia que viajaria para a casa da vovó, em Goiás Velho, ficava feliz da vida por causa do arroz.” A receita devia ser mesmo especial, já que crianças costumam ter predileção pelos doces. Mas o que fascinava Ana era a cor bra um pouco o damasco. “Tinha a textura da banana-passa, ela mandava para a gente, despachava pelo correio, uma verdadeira festa.” As famosas receitas eram anotadas por Cora em um caderno espiral que a mãe de Ana, Vicência Brêtas Tahan, guardou e publicou em um livro, Cora Coralina, doceira e poeta (editora Global), consultado até hoje pela família e por milhares de leitores. Já as poesias, Cora narrava para o pai de Ana – as palavras eram datilografadas diante de uma janela em frente ao rio. A poeta ficava sentada em uma poltrona grande, no canto da sala. Era possível avistá-la pela porta, que ficava sempre aberta. Muita gente des- conhecida entrava para conversar – a escritora recebia todos e proseava por um bom tempo, até a hora em que decidia se recolher. Como jornalista, Ana identifica a riqueza desse legado. Mais do que a herança de um rico receituário, Cora deixou um exemplo de vida. Foi militante de causas nobres, voluntária da Revolução Constitucionalista de 32 e brigou pelo direito feminino ao voto. Em seus versos estavam o presidiário, a mulher da vida, os menores abandonados, entre tantas outras classes discriminadas. Palavras carregadas de grande contribuição social, pinceladas em múltiplos sabores. no topo, ana tahan, neta de cora coralina. na página ao lado, cora coralina prepara doces, sua especialidade 27 em ponto de calda firme (faça o teste: coloque um pouco de água fria em um recipiente e pingue a calda para ver se junta, não se dissolvendo). Coloque o amendoim e deixe apurar em ponto de bala. Retire do fogo e coloque em uma assadeira untada com manteiga para esfriar (só até conseguir trabalhar com as mãos). Quando conseguir pegar com as mãos untadas, puxe como se fosse fazer bala de coco e forme cordões, que serão estendidos em uma tábua. Depois de frio, corte em pedaços de mais ou menos 15 centímetros e enrole em palhas de milho secas, que já devem estar cortadas e preparadas. Amarre as pontas. nhar. Durante a Segunda Guerra, porém, na passagem pelo campo de concentração, logo informou que era cozinheiro. “Foi um reflexo rápido: se ele trabalhasse na cozinha, não morreria de fome”, conta. “Acabou aprendendo a cozinhar na prática e salvou a vida assim.” Já no Brasil, László construiu um defumador no sítio da família, onde preparava embutidos, sabores que a memória de István também traz de volta até hoje. “Por conta de toda essa relação com a comida, adquiri o hábito de utilizar a entrada de serviço quando chego em casa.” A explicação é elementar: “É ali que está a cozinha, o centro de tudo”. Wessel conta que os húngaros e seus descendentes são muito tradicionais com relação à comida. “Tenho amigos que podem ser servidos com verdadeiros banquetes, mas, se não houver um goulash ou alguma especialidade da Hungria à mesa, a refeição não está completa.” E conclui: “Falando nisso, faz tempo que minha mãe não prepara aquelas coxinhas de ameixa, preciso cobrá-la”. _ Sopa de frutas vermelhas da família Wessel Ingredientes ½ garrafa de vinho tinto 150 g de açúcar 1 pedaço de canela ½ fava de baunilha ou ½ colher (chá) de essência 400 g de morango 300 g de amora 300 g de framboesa 1 pitada de sal 6 folhas de hortelã para decorar Suco de 1 limão Suco de 1 laranja modo de preparo Leve ao fogo o vinho, o açúcar, a canela, a baunilha e os sucos de limão e de laranja. Ferva por 10 minutos para o álcool evaporar. Deixe esfriar. Passe na peneira e bata no liquidificador com Cozinha e sobrevivência morango restante cortado em gombóc, de aparência parecida com a de uma coxinha. O sabor, no entanto, é doce. A massa, à base de batatas, é recheada com ameixas ou uvas, depois cozida e empanada, para ser servida morna e polvilhada com açúcar. “Para o paladar brasileiro é uma receita praticamente virada ao avesso, mas eu adoro.” A relação da família com a cozinha vem de longa data, com histórias relatadas em vários livros, como Os Wessel (editora Francis). São cinco gerações dedicadas ao ramo das carnes e um aprendizado que garantiu a sobrevivência de László, pai de István. Embora tivesse sido o mais jovem mestre açougueiro a se diplomar em Budapeste, ele não sabia cozi- István com sua cadela joly; no topo, sua mãe, eva, que passou para a família o gosto pela cozinha; e, na página ao lado, a família wessel na tradicional atividade de encher linguiça 28 fatias, acrescente a amora e a framboesa. Leve à geladeira por 2 horas. Sirva em pratos fundos com uma bola de sorvete e decore com folhas de hortelã fritas por cima. renata ursaia / arquivo pessoal “Passei minha infância na Hungria, em plena época de comunismo stalinista”, conta István Wessel. “Nessa situação, não havia muita oportunidade de fazermos grandes comemorações, com pratos especiais.” Mas o sabor da comida do dia a dia, preparada pela avó, é trazido pela memória ainda hoje. “Quando nossa família chegou ao Brasil, em 1957, minha avó tinha 72 anos, e cozinhou até uns 80 e poucos.” Um dos pratos daquela época, ele reproduz com frequência: a clássica sopa de frutas vermelhas, servida no país natal como entrada, mas preparada por ele como sobremesa. As receitas, em húngaro, foram preservadas pela mãe de István. Outro quitute da infância é o szilvás metade do morango. Misture o Baixe a Revista Personnalité no iPad e assista ao vídeo com István Wessel Maria Ribeiro pergunta: como nossa natureza influencia o que somos e o que fazemos? Paula Dib responde: Acho que o fenômeno não está nas coisas, mas na relação que a gente alimenta com elas. É de onde você olha, é a sua perspectiva. Por isso acredito que a nossa natureza é que determina como pisamos e caminhamos no mundo. A questão é o quanto a gente está conectado com essa essência, o quanto olhamos e respeitamos a nossa natureza. 30 31 Por Leticia de Castro Fotos Marcos Vilas Boas “a beleza salvará o mundo” A designer e articuladora social Paula Dib entende a comunidade antes de transformá-la com ações criativas e artísticas. E quando fala em beleza se refere à “beleza do esmero, do tempo e do cuidado” Personnalité E scola Villier’s High School, periferia de Londres. A maioria dos alunos é estrangeira. Episódios de violência são frequentes. Paula Dib chega à instituição com a missão de promover uma convivência mais pacífica. Ela ouve os alunos e percebe um traço em comum: todos expressam claramente o desejo de “deixar uma marca” no mundo. Depois fala com professores e funcionários. Pronto. Isso é suficiente para Paula estimular os alunos a desenhar suas interpretações sobre o que havia sido conversado. As criações viram uma grande mandala, instalada no pátio da escola, em uma área descrita por muitos como um espaço sem muito significado. Com isso, o ambiente na escola se transforma e os problemas diminuem. “A ação permitiu que os estudantes fortalecessem os vínculos de convivência e trabalhassem melhor as diferenças”, conclui. A fala otimista, os olhos verdes e o sorriso largo anunciam uma moça de pretensões simples, entregue ao trabalho artesanal. Mas não se engane: Paula Dib – designer, consultora e articuladora social – é, antes de tudo, uma transformadora. Aos 36 anos, ela conseguiu o que ONGs e, às vezes, comunidades inteiras passam anos buscando: reunir artesanato e design criando produtos úteis, bonitos, competitivos e, claro, rentáveis. E Paula fez isso com as mãos. Com arte. Habilidosa e criativa, foi aprendendo a ler as demandas das mais diversas comunidades por onde passou para ajudar a transformar arte e matériaprima locais em produtos úteis. Quando dizemos “com as mãos” é de forma intencional, já que o fato de a designer só possuir uma delas não altera nem as habilidades nem a disposição da moça. Paula nasceu sem parte do braço esquerdo e lida com isso com enorme discrição e naturalidade. “Não sei como seria ser diferente do que eu sou. Uso as ferramentas que tenho da melhor forma possível. Meus pais nunca fizeram disso uma diferença muito grande, sempre me incentivaram a descobrir o meu jeito de fazer as coisas”, comenta a designer. A grande transformação de Paula se deu aos 18 anos, quando ganhou dos pais uma viagem para a Austrália. Tinha acabado de concluir o ensino médio em uma escola Waldorf e passado no vestibular para o curso de artes plásticas. Mas Churrasco de caranguejo com o missionário que a acolheu Paula Dib “Adoro a parte criativa, mas tornar essas criações viáveis economicamente é fundamental” _ É arte. É fonte de renda O escoamento dos produtos é uma etapa importante dos projetos em que 34 Paula se envolve, já que gerar renda é uma de suas principais metas. Por isso, cada ação tem uma forma específica de comercialização. A empresa Caboclo, por exemplo, responsável pelo trabalho com os sapateiros do Ceará, vende prioritariamente para fora do país, mas aceita encomendas nacionais por e-mail. Geralmente, as ONGs com que ela trabalha articulam vendas em grandes feiras de artesanato, como a Craft Design e a Paralela, que têm foco em produções autorais e manuais. Lá, as peças são vendidas principalmente para lojistas. Para o consumidor final, é possível encontrar peças em lojas como Conceito Firma arquivo pessoal Casa, Histórias na Garagem e Tok & Stok. arquivo pessoal achou que um giro pelo mundo faria bem antes de iniciar a nova etapa da vida. Partiu para Queensland para passar sete meses estudando inglês. Chegando lá, não se encantou com as praias. Queria conhecer um outro lado do país, aquele da natureza selvagem, dos costumes tradicionais. Com a ajuda de um professor, conseguiu autorização do governo para conhecer uma tribo aborígene em Darwin, no norte do país, e participar de um projeto que ensinava os moradores a lidar com o lixo de forma responsável. “Acabei ficando dois meses com a tribo. O que eu mais gostava era observar como aquelas pessoas trabalhavam, como se relacionavam”, recorda Paula. Mesmo sem perceber, ela estava começando a trilhar os primeiros passos do caminho profissional que adotaria muitos anos depois. Hoje, à frente da Trans.Forma Design, ela desenvolve projetos de geração de trabalho e renda junto a comunidades de artesãos urbanas e rurais, resgatando técnicas de produção tradicionais e ajudando no desenvolvimento e escoamento de produtos – a comercialização dessa produção é parte fundamental do seu trabalho. “Adoro a parte criativa, mas a articulação para tornar essas criações viáveis economicamente é fundamental.” O início dessa trajetória se deu uns cinco anos depois da viagem à Austrália, quando ela concluiu o curso de desenho industrial na Faap. Após uma nova temporada fora do país, voltou para São Paulo e assistiu a algumas palestras sobre 35 De cima para baixo, três projetos de paula: mandala feita em escola de londres; brinquedos confeccionados em vilarejo de moçambique; e sapateiro do ceará, cujo produto passou de R$ 8 para R$ 60 Personnalité _ Relíquias e memórias a produção artesanal brasileira no museu A Casa e se apaixonou por aquele universo. “Achei fascinante. Fazia todo sentido para mim”, conta a designer, que logo se engajou em um trabalho voluntário com marceneiros da favela paulistana Monte Azul. Desde então, nesses últimos dez anos, ela se associou a ONGs, fundações e inúmeras prefeituras, pondo em prática mais de 40 projetos no Brasil e em países como Moçambique e Inglaterra. 1 2 Objetos adquiridos nas andanças pelo mundo preenchem a casa de Paula 21 19 Forma e conteúdo O que Paula mais busca nas ações que comanda é uma coerência entre forma e conteúdo, não apenas nos produtos que ajuda a desenvolver, mas também nos processos que levam à criação desses produtos. “Em todos os casos, projetar um caminho para melhoria pede um olhar atento às nuances e particularidades de cada lugar. Um passo depois do outro que vão conduzir a um modelo de desenvolvimento adequado.” Tudo começa com uma observação atenta e minuciosa da comunidade em que o projeto será encampado. Logo que chega, a designer gosta de sair com os artesãos para um passeio pela cidade, de ouvir as histórias das pessoas, do lugar e de observar como se relacionam. “A Paula é extremamente sensível, capaz de captar as coisas rapidamente e de conquistar a confiança das pessoas. Isso é fundamental para o tipo de trabalho que desenvolvemos”, diz a também designer Renata Mendes, parceira de Paula em vários projetos. A partir dessa observação, das conversas informais, Paula faz um diagnóstico das necessidades e características daquela comunidade, levando em conta que tipo de matériaprima está disponível e que tipo de produtos pode ser criado de forma sustentável. Com essas informações, parte para a definição dos produtos, que podem ser utensílios domésticos, peças de decoração, brinquedos, calçados. Dessa forma ela conseguiu recuperar, junto a um grupo de sapateiros na região do Cariri, Ceará, produtos e técnicas muito antigas que estavam se perdendo. “Com a instalação de indústrias de calçados na região, os sapateiros artesãos começaram a perder espaço e, para fazer frente à concorrência, aumentaram brutalmente a produção, reduziram custos, tudo para poder vender produtos mais baratos para a população local”, conta a designer. O primeiro passo do projeto foi resgatar o tempo e o cuidado com a produção de cada peça. Assim, os artesãos puderam se ater aos detalhes e se esmerar mais na fabricação, o que mudou o produto final. 1. Escultura xavante de Barra do 12. Depois de dar workshop Garça, Mato Grosso, comprada na Venezuela, Paula visitou o durante trabalho com indígenas artesão que faz estes bonecos 2. Tecido africano de Pemba, Mo- 13. Durante trabalho com çambique, que Paula coleciona e rendeiras no Maranhão, Paula com que faz almofadas e roupas comprou filós (lamparinas de 3 20 querosene) para sua coleção 3. Azulejos do Recife que ganhou de grupo que visitou 14. Bonecos da cidade de Esperança, na Paraíba, que fi- 4. Ex-votos de Juazeiro usados caram famosos ao virarem uma para fazer promessas relaciona- cadeira dos irmãos Campana das a problemas de saúde 15. Marionetes da cidade de 5. Integrante da tribo Massai, Bodocó, Pernambuco, compra- no Quênia, tirou o colar do pes- das quando visitou um curtume 4 17 18 coço para dar à designer 16. Durante pesquisa com 6. Paula coleciona filós, um tipo mestres de brinquedos em de lamparina. Esta é feita de cera Recife, Paula ganhou ratinhos e foi comprada no Ceará e borboletas 7. Escultura do centro Mestre 17. Calangos do Centro Mestre Noza, em Juazeiro do Norte, Ceará Noza, de Juazeiro do Norte, 6 16 que faz esculturas em madeira 14 8. Castiçais esculpidos em ébano na comunidade 18. Minimáquina de costura Mtwara, Tanzânia feita por artesão do Ceará com 5 15 latas de óleo 13 9. Azulejos Guludos feitos por Paula junto com grupo 19. Peneiras para lavar arroz de mulheres de Moçambique de Pemba, Moçambique. São 12 feitas com furos de pregos 10. Sinos de bode de Exu, Pernambuco. Paula os coleciona 20. Maraca xavante de Barra 11 10 do Garça, Mato Grosso 11. Escultura de madeira oca 36 usada por meninas da comunida- 21. Colheres esculpidas de Masasi em rito de passagem em ébano pela comunidade para a vida adulta Mtwara, na Tanzânia 9 8 7 Personnalité Paula Dib ao artesanato da ONG Comunidade Solidária, fundada por Ruth Cardoso), destaca a força criativa da designer. “Ela tem uma capacidade de inovação absurda. Consegue olhar para o artesanato e para a tecnologia e aliar essas duas linguagens no seu trabalho.” maquiagem: Omar Bergea / Agradecimentos: Secretário Ricardo Teixeira - SVMA/Parque do Ibirapuera “Paula tem uma capacidade de inovação absurda e Consegue aliar artesanato e tecnologia” 38 Pé na estrada Com uma rotina de trabalho intensa, nos municípios mais remotos do país (e do mundo), Paula passa pouco tempo em casa, vira e mexe está em algum vilarejo nos grotões do país. Seu principal companheiro nessas jornadas é o poeta Manoel de Barros. Ao fim de cada dia, depois da imersão no trabalho dos artesãos, ela se refugia nas palavras do poeta cuiabano. É lá que encontra inspiração para suas criações e para encarar a realidade muitas vezes árida que se apresenta no caminho: a pobreza e a falta de perspectiva que a maioria dessas comunidades enfrenta no dia a dia. “Eu acredito que a beleza salvará o mundo. A beleza do esmero, do tempo, do cuidado”, crava a designer. Seu trabalho é baseado nessa premissa. Tanto que, além dos tradicionais relatórios, necessários para as empresas que a contratam, todo seu trabalho é documentado em forma de “gotas”, pequenas narrativas livres e poéticas que ela escreve e divide, quase diariamente, com o marido, o escritor Antonio Lino, sempre que está fora de casa. É uma espécie de diário de bordo que o casal compartilha. Quando esteve em Moçambique, na África, no trabalho que considera até hoje o mais marcante de sua carreira, ela escreveu: “Tenho certeza que é possível encontrar visões que contrariam a minha, mas esta é a que meus olhos otimistas insistem em me mostrar. Não estou cega às injustiças, não. Guardo em mim referências de muitos mundos e sei bem reconhecer a penúria desta gente. Talvez por isso, nestas horas, saltem aos meus olhos os sorrisos, e seja verdadeiramente impossível não reconhecer o valor deles”. Além da poesia de Manoel de Barros, Paula carrega sempre consigo uma câmera fotográfica. Gosta de registrar detalhes dos lugares por onde passa, das pessoas com quem produz, do clima. “Funciona como um exercício para o olhar, para nunca cair na mesmice, para estar sempre atenta e curiosa.” “Eles precisavam produzir uma quantidade enorme, pois o preço era baixo. Nós devolvemos a eles o tempo e o esmero na produção. Os sapatos ganharam qualidade e valor agregado”, afirma Paula. Depois disso, os calçados de couro que antes eram vendidos para a população local a cerca de R$ 8 passaram a ser exportados por aproximadamente R$ 60. Hoje, são vendidos em países como Japão, Espanha e Finlândia. O projeto, feito em parceria com a empresa Caboclo, à qual Paula se associou, conseguiu também organizar em uma rede vários artesãos que trabalhavam de forma isolada, aumentando a capacidade produtiva de todos. Com essa abordagem, Paula se tornou uma referência no design nacional. “O design e o artesanato eram muito distantes, havia um desprezo pelo artesanal. Há uns 20 anos vemos uma aproximação, e a Paula se tornou um dos grandes nomes nessa área”, diz a jornalista e crítica de design Adélia Borges, que dá o curso de história do design na graduação de desenho industrial da Faap. “Como aluna, Paula também sempre se destacou. Era extremamente interessada e já demonstrava esse olhar social”, completa. Para o coordenador do curso e professor da disciplina ecodesign, Milton Francisco, Paula está na vanguarda de um movimento que começou há três décadas no design brasileiro. “Desde os anos 1980, as questões ambientais estão na pauta. Paula amplia essa discussão e propõe uma ação social em seus projetos. E isso não é usado como marketing, ela tem uma atuação muito bem fundamentada e séria”, afirma. Também parceira de Paula em alguns projetos, Jô Masson, coordenadora executiva da Artesol (braço dedicado Baixe a Revista Personnalité no iPad e assista ao vídeo com Paula Dib 39 Por Edmundo Clairefont Conheça os dois noruegueses que entraram num trailer, viveram por quase três anos sob o frio ártico, transformaram uma ilha marcada pela tragédia, levaram luz a uma cidade deprimida e criaram um novo tipo de arquitetura: “Escutamos as histórias das pessoas. Cada lugar e cada cliente são fantásticos de algum jeito. É só ouvir” 40 B DIVULGAÇão A FANTÁSTICA FÁBRICA DE IDEIAS odø é uma cidade gelada onde vivem 49 mil pessoas. Se você esticar o dedo e apontar a localização no mapa da Noruega, o dedo vai roçar o Círculo Ártico. Bodø fica um pouco acima dele. Em 2005, dois jovens estudantes de arquitetura estacionaram um trailer vermelho numa praça da cidade. Nos últimos dois anos e meio, eles vinham rodando a Europa em busca do que mais tarde resumiriam como “a nossa grande escola”. Buscavam um tipo de iluminação. Era dia em Bodø, mas parecia noite. Por conta da posição geográfica, quando o verão se vai, o sol vai junto. Em temporadas críticas, a região conta com luz natural por três horas diárias. A cor do céu ao meio-dia é a cor de uma tardinha acima, Håkon e Erlend instalam o projeto de iluminação em bodø, que no inverno recebe apenas 3 horas de luz solar 41 – o mais sutil, o mais crepuscular, o mais morno almoço que se pode imaginar. Por três meses, a dupla de arquitetos viveu ali, enquanto o inverno se aproximava. Postavam-se diante do trailer a cada manhã. Sobre suas cabeças, na lataria do carro, os dizeres em preto e branco: “Fantastic Norway: Architects”. “As pessoas vinham conversar”, conta Erlend Haffner, 33 anos. “Elas diziam o quanto estavam sentindo falta de bons espaços públicos, de poder aproveitar a rua. Foi aí que tivemos uma ideia...” Seis anos depois, no dia 22 de julho de 2011, Erlend e seu sócio Håkon Aasarød, 34, trabalhavam em Oslo. Às 15h20, cada um em uma parte da cidade, ouviram um baque. O chão tremeu. Um complexo de O Fantastic Norway nasceu em 2004 como um projeto de dois estudantes que dividiam um incômodo. “Nós víamos essa era do arquiteto estrela”, explica Haffner. “E era algo que me parecia em declínio. Celebridades que rodam o mundo para construir prédios que são iguais; que estão ali apenas para serem visíveis. Projetos desenvolvidos sem o entendimento do contexto, das pessoas, do lugar...” Não é muito difícil rabiscar a noção do que ele quer dizer. Uma boa parte da arquitetura contemporânea mais famosa é fundeada numa imposição de valores. “Às vezes, alguns projetos são mais esculturas do que prédios funcionais”, diz Erlend. De certa forma, sugerem autohomenagens ao arquiteto. Considere franquias como a dos museus Guggenheim. Ainda que a unidade Las Vegas, desenhada pelo holandês Rem Koolhaas, seja tão impressionante e abilolada quanto é a cidade-cassino dos EUA, quem já foi a Bilbao – e viu a violência do Guggenheim espanhol (concebido por Frank ao lado, o futuro da ilha de utøya: uma pequena vila está sendo construída no que antes foi um cenário de horror 42 poucos dias antes do Natal. Fazia um frio brutal. De repente, a gente acordou com um barulho. Era o coral da cidade. Eles haviam cercado o carro e cantavam canções natalinas. Queriam mostrar gratidão, porque a gente ajudou essa comunidade a salvar a praça central, que estava prestes a se tornar um shopping center.” No final desses quase três anos na estrada, o trailer vermelho estacionou em Bodø. “Com a falta de luz natural, as pessoas praticamente não usavam o espaço público”, diz Erlend. “Elas viviam dentro de casa ou dos shoppings. E reclamavam disso.” A dupla passou semanas pensando em como atrair as pessoas para a rua. o trailer vermelho Em 2003, a dupla botou os pés na estrada. Compraram o trailer vermelho por 12 mil coroas (R$ 4.300). Atravessaram o país, rumo ao norte, nos 900 dias e 7 mil quilômetros que se seguiram. Desenvolveram trabalhos em 12 cidades. Mais tarde, iriam até Itália e Alemanha. “O método era estacionar o carro e morar em cada parada por uns tempos”, explica Erlend. “Para chamar atenção, arranjávamos performances e shows em volta do nosso trailer.” Com as semanas, conquistavam a confiança, um pouco como se a cidade confessasse suas dificuldades a dois novos moradores. “Lembro de uma experiência muito bonita”, conta o arquiteto. “Aconteceu em Narvik, no norte. Håkon e eu dormíamos no trailer. Era nossa última noite ali, uns DIVULGAÇão / FolhaPress / Photos12.com/Other Images ARQUITETURA HUMANA Gehry) com o que lhe está à volta – pode entender a importância do contraponto proposto por Haffner e Aasarød. As criações do Fantastic Norway estabelecem uma outra hierarquia de interesses: querem erigir algo que torne a vida mais confortável e o ambiente mais harmonioso. “Esses grandes prédios com grandes assinaturas são como bolos de casamento com a data de validade vencida”, diz Håkon. “A gente acredita que a sociedade também deseja projetos que surjam por meio de um contato direto com quem será afetado. Isso começa pelo diálogo com as pessoas do local.” O conceito da dupla nasceu de uma epifania. No segundo ano de faculdade, em 2002, Erlend e Håkon viajaram a um vilarejo no norte do país. Participavam de uma excursão universitária para conhecer a diversidade da arquitetura regional. Jogando conversa fora com alguns artistas de rua, descobriram que o marco zero da cidade seria vendido a uma empresa. O plano era botar a coisa toda abaixo. Os dois estudantes abandonaram a excursão. Iniciaram no local uma campanha para impedir a destruição do Patrimônio Histórico. Håkon lembra que imprimiram folhetos, escreveram artigos, convidaram entidades, empresários e políticos a um debate. Por fim, desenharam uma série de alternativas para revitalizar o centro. Seis meses depois, convenceram as autoridades. A venda acabou cancelada. No local, um espaço aberto para mercadinhos de rua foi inaugurado. “Aquilo foi um clique”, diz Erlend. “A gente percebeu que manter uma relação próxima com culturas específicas torna os projetos melhores. É muito mais do que construir. É transformar. Para isso acontecer, você precisa ter um entendimento real de como as coisas funcionam. Incluir os mitos locais nos projetos e os materiais que são típicos: só com um diálogo próximo ao cliente – que pode ser um cidadão, um governo ou uma empresa – daria para fazer diferente.” divulgação edifícios do governo havia sido atacado por uma bomba. Oito pessoas morreram. Horas mais tarde, um segundo ataque, na ilha de Utøya, periferia da capital. Ali funcionava um acampamento de verão. Cerca de 500 pessoas no local. Boa parte delas, crianças e adolescentes. O extremista xenófobo Anders Breivik atracou no píer, sacou uma pistola e disparou. Sessenta e oito pessoas morreram. Nos meses que seguiram ao massacre – o maior da história da Noruega –, a administração divulgou um plano para criar um monumento dedicado às vítimas. Foi aí que a Erlend e Håkon tiveram uma ideia. a dupla comprou um trailer e passou 900 dias ouvindo as pessoas acima, cena do filme Copacabana Palace (1962), do diretor steno, com trilha sonora de joão gilberto e tom jobim. na foto, estão Gloria Paul, Walter Chiari, Paolo Ferrari e Sylva Koscina 43 Personnalité Uma lâmpada especial acendeu sobre a cabeça dos arquitetos. Eles lembraram de um tipo de iluminação terapêutica que simulava a luz do sol. Encontraram uma pracinha e instalaram temporariamente 50 desses aparelhos. “Foi um sucesso”, afirma. “As pessoas frequentavam e perceberam que poderiam valorizar os imóveis” . Hoje, oito anos depois, há um plano para que seja algo permanente. caravana mundial Em Utøya, o Fantastic Norway desenvolveu uma proposta que não se contentava em oferecer apenas um recanto reverente às vítimas do massacre de 2011. Projetaram um espaço comunitário. “Nós conversamos com os gerentes da ilha, mas sobretudo com os sobreviventes”, conta Erlend. “Era evidente que as pessoas não queriam perder o local para uma memó- ria triste. Não haveria sentido em torná-lo um lugar deserto, sem nenhum uso. E se pudéssemos unir as duas coisas? Nossa ambição passou a ser a recriação de uma noção de solidariedade e diversidade. Imaginamos uma pequena vila, com ruas pequeninas, um campanário e uma praça central bem no topo da ilha, que antes tinha o horizonte dominado por um edifício branco, símbolo daquele dia terrível. Essa nova vila criaria a noção de comunidade, de novidade, e melhoraria as instalações. Era um estímulo à utilização do destino, que é lindo.” Esse jeito de fazer arquitetura levou o Fantastic Norway a engrossar sua lista de reconhecimentos. Erlend e Håkon foram convidados para a Bienal de Veneza. Receberam homenagens na Rússia. Visitaram Índia e China. Ganharam um bem produzido programa de televisão local o trailer do fantastic norway durante a jornada de quase três anos e 7 mil quilômetros pela noruega 44 divulgação “um projeto lindo que torna a vida mais difícil é um fracasso” em que investigam a arquitetura do dia a dia. A revista britânica Monocle dedicou um artigo ao projeto da ilha. A semanal The New Yorker publicou uma reportagem sobre a atuação da dupla em locais afetados por tragédias. O escritório conta hoje com nove funcionários e equipes na Finlândia, Groenlândia, Austrália, Escócia, Suécia e, em breve, Brasil. praticadas bairro a bairro, mais do que depositar a solução somente na conta de gestores públicos. “Parques com grandes áreas verdes são boas opções, claro. Mas algumas casas têm tanto concreto desnecessário.” Há como planejar jardins nos pátios, tetos verdes com pequenas áreas plantadas, calçadas polvilhadas de árvores, “formas simples de absorver a água e que deixam a cidade bonita”. BRASIL FANTÁSTICO Erlend Haffner, casado com uma designer mineira, pretende morar no Brasil no ano que vem. Quer lançar o Fantastic Brazil nos mesmos moldes da experiência que originou o escritório: o trailer vermelho deve voltar a rodar, numa primeira etapa, em BRs de estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Erlend define as cidades brasileiras como “fascinantes”. Nos últimos cinco anos, tem passado temporadas de até três meses para conhecer os pontos cardeais do país. Primeiras impressões: • Admira a Brasília de Niemeyer, embora concorde: “é uma cidade pouco talhada para o conforto”. Fã de Lina Bo Bardi e Paulo Mendes da Rocha, pensa que as metrópoles, voltadas ao automóvel, poderiam ganhar bolsões dedicados a uma rotina de mais pés nas calçadas. • Gosta do povo e da comida. Pensa em construir, no interior de Minas Gerais, uma “escola do café”. Quer melhorar a produção da bebida (noruegueses entendem do tema: consomem 13 quilos per capta por ano; os brasileiros, 5 quilos). • Acha graça no humor nacional mais comezinho, aquele que, diante da pronúncia heterodoxa de seu nome (lê-se “Arlan”), desistiu e batizou-o de Orlando (ele às vezes se apresenta assim). • Lembra que enchentes poderiam ser reduzidas com métodos simples, 45 “É curioso”, ele continua, “porque de longe a gente escuta e pensa nesse clichê da ‘selva de concreto’ e esquece que nisso aí moram verdades e soluções. Tornar a selva de concreto em uma um pouco mais colorida é o tipo de solução trabalhosa, mas possível e democrática.” O arquiteto anda animado com sua aventura brasileira. “Eu fico pensando em quanta coisa há para fazer aí. O tanto de possibilidades para trabalhar com empresas que desenvolvem responsabilidade social. Jeitos de fazer a vida de trabalhadores, de cidades ou bairros, funcionarem. Acho fantástico como vocês adoram a rua e acho triste como muitas vezes vocês não podem viver nelas. Quero ouvir e ajudar a encontrar o tipo de solução que nasce e se desenvolve nas vizinhanças. Acho que essa é a nossa diferença.” Talvez seja isto: a marca do Fantastic Norway é não ter uma marca, mas um jeito. Ou um mecanismo sutil de fazer transformações radicais. Algo que torna a dupla norueguesa um dos mais interessantes capítulos da arquitetura contemporânea. “Eu penso o seguinte”, diz Erlend, “um espaço ou construção desconfortável, uma sala, um quarto ou uma escada que pareçam bons, mas que tornam a vida do usuário um inferno, que ignoram aquilo que faz a vida mais fácil, isso tudo, pra mim, é fracassar.” paula dib pergunta: Se faltar poesia na vida, onde você vai buscar? alice ruiz responde: Nas pessoas. Gente é minha musa, e assim não tem como a poesia acabar em minha vida. 46 47 Por Ana K. Rodrigues Fotos Gil Inoue mulher de palavras Poeta, letrista, esposa de Paulo Leminski por 20 anos e parceira de Itamar Assumpção, Alice Ruiz sempre esteve à frente do seu tempo: “Eu já era feminista antes de existir essa nomenclatura – me chamavam apenas de rebelde” Alice ruiz escreve sobre vidro na edícula de casa, no bairro de pinheiros (São Paulo) 48 A quela tarde em São Paulo trazia um clima que lembrava o da cidade natal dela, Curitiba. O frio e as nuvens no céu davam pistas da chuva forte que chegaria em questão de minutos. Mas dentro da casa térrea em que a poeta e letrista Alice Ruiz escolheu para viver, no bairro de Pinheiros, era diferente. Diante do jeito tranquilo da anfitriã, em meio a seus objetos de família, algumas plantas e livros, a tempestade que se avizinhava perdia a importância. Aos 67 anos, Alice é um monumento discreto da cultura brasileira. “Quanto mais leio seus poemas, haicais e letras, mais me surpreendo com a grandeza de sua obra”, diz a compositora Ná Ozzetti. Por 20 anos, Alice Ruiz foi casada com o poeta Paulo Leminski (1944-1989). Ao lado dele, escreveu versos e canções, num processo que poliu o talento da dupla. Mesmo assim, a escritora e doutora em literatura brasileira Noemi Jaffe faz questão de reforçar a individualidade da escritora: “Alice nunca esteve a tiracolo de Leminski. Seu trabalho e sua personalidade eram – e continuam sendo – acima, no sentido horário, alice ruiz canta com zélia duncan e alzira espíndola (2005); em retrato de 1983; ao lado das filhas, áurea e estrela (1994); abraçada a Paulo Leminski (1944-1989). Na página ao lado, ela, em casa, na edícula onde costuma escrever de desafio, de indagação e, o que é mais incrível, também de equilíbrio e conciliação”. Autora de 21 livros e um dos nomes a representar o país na Feira do Livro de Frankfurt (em outubro), o olhar de Alice também mirou a condição feminina, um de seus temas constantes. Embora a parceria com o marido tenha sido a mais frequente e longeva, Itamar Assumpção é outro dos artistas que gravitaram em sua produção. Para ele, escreveu mais de 20 letras. Trabalhou ainda com Zélia Duncan, Zé Miguel Wisnik, Alzira Espíndola e Arnaldo Antunes (leia box na página 53). O casamento com Leminski trouxe três filhos. O primogênito, Miguel Ângelo, foi vítima de um linfoma aos 10 anos. Pouco depois nasceu Áurea, hoje uma jornalista de 42 anos. A caçula, Estrela, dez anos mais nova, seguiu os passos familiares na música e na literatura. “Fui aluna de minha mãe em oficinas de haicai [forma poética de origem japonesa marcada pela concisão]”, conta Estrela. “Sempre 50 alice ruiz Dico Kremer / Drika bourquim / Vilma slomp Personnalité a acompanhava quando ela se reunia para compor com o Itamar, o Arnaldo e o Wisnik. Sou amiga dos filhos deles.” Junto com a filha, Alice vem se dedicando na administração do vasto legado deixado por Leminski, que, além de poesia, inclui traduções (que vão de Satyricon, de Petrônio, a Pergunte ao pó, de John Fante), biografias (como a do poeta japonês Matsuo Bashô), peças publicitárias e letras de canções, como “Verdura”, parceria com Caetano Veloso. Em fevereiro, a Companhia das Letras lançou Toda poesia, a reunião da obra poética de Leminski, um dos livros mais vendidos do ano. Alice organizou a coletânea e escreveu na apresentação: “Este livro é antes de tudo uma vida inteira de poesia. Curta, é verdade, mas intensa, profícua e original”. Mas aqui Alice prefere falar de si: “Já falei demais do Paulo, o tempo todo”, explica com jeito quando a conversa envereda para o marido. E, assim, sua vida intensa e dedicada à poesia foi tema de uma tarde de prosa. Entre goles de chá de hibisco e comentários sobre horóscopo – somos, ela e eu, aquarianas. “quanto mais leio seus poemas mais me surpreendo com a grandeza de sua obra”, diz ná ozzetti 51 Personnalité alice ruiz “Curitiba é muito fria. eu ficava lendo boa parte dos recreios” Você se achava alguém fora do esquadro quando jovem? Ah, sim! Por exemplo: eu dizia que nunca iria me casar. Ficava observando a vida de homens e mulheres casados e vendo como a vida deles era interessante, mas a delas, não. Ao mesmo tempo, existia aquele discurso de que o casamento era um horror para o homem e uma maravilha para a mulher. Mas, se você olhasse na vida real, a mulher não tinha descanso nunca, vivendo alienada do mundo. A maioria não trabalhava fora nem tinha terminado os estudos, porque sempre se pensou que, se ela ia casar, não precisava seguir estudando. As opções de profissões eram muito limitadas. Elas acabavam ficando naquele mundinho que antes vinha pelo pai e, quando se casavam, passava a vir por meio do marido. E você entendia isso na época? Já tinha isso muito claro. Mas creio que se deu de verdade ao ler Simone de Beauvoir — acho que foi Os mandarins — aos 18 anos. Depois, Memórias de uma moça bem-comportada. Finalmente, O segundo sexo. Foi uma confirmação do que acreditava. Pensei: “Que rebelde, que nada, eu estou certíssima”! _ “Tem tantos sentimentos Deve ter algum que sirva” Como foi seu início na literatura? Comecei muito menina. Escrevia sem saber que aquilo era poesia. A poesia que me apresentavam na escola era diferente. Em casa, o único livro que tínhamos era a Bíblia. Foi quando entrei no ginásio que deparei com a Biblioteca Estadual do Paraná e pirei. Chegava a matar aulas para ficar entre os livros. Curitiba é muito fria – agora mudou um pouco, mas antigamente a gente tinha só três meses de calor. O resto do ano, um frio danado. Boa parte dos recreios, eu ficava lendo. Como na estrofe acima – parte da música “Socorro”, ícone do álbum Um som (1998) de Arnaldo Antunes – a poesia de Alice Ruiz se consagrou na voz de gente como Itamar Assumpção, Zé Miguel Wisnik e Zeca Baleiro. “Vários de seus poemas são escritos como se fossem música e por isso tantos compositores puseram melodia neles”, diz a escritora Noemi Jaffe. Para Alice “compor canções é fazer poesia de outra forma”. Desde os tempos do movimento lucila wroblewski / arquivo pessoal Vanguarda Paulista — turma que se encontrava no Teatro Lira Pau- 52 Mas quando você pensou: “Quero ser poeta”? Até aquele momento eu experimentava tudo. Já escrevia sobre a natureza, tema básico do haicai, linguagem que gosto muito. Mas também escrevia sobre várias outras coisas, numa forma mais livre, sem métrica rígida. Aí fui ler poetas que também escreviam daquele jeito. Ao mesmo tempo, já traduzia algumas letras de música sem saber que estava preparando a letrista que viria a me tornar. Foi tudo acontecendo ao mesmo tempo. lista, na Benedito Calixto, em São Paulo, entre as décadas de 1970 e 1980 — Alice tinha seus poemas musicados. Isso não mudou com o passar dos anos. Naquela época, verdade, a toada era mais de contestação. Hoje, ouvimos Alice em melodias mais doces, como na música “Sol, lua e estrela” do álbum Pé com pé (2005), do Palavra Cantanda, em que questiona: “Quando a lua chega, de onde mesmo que ela vem?”. A poesia de Alice é tão forte que, muitas vezes, se torna o alicerce dos álbuns. Quase nada (2010), de Zeca Baleiro, por exemplo, leva o nome da canção da poeta. Não é coincidência sua filha Estrela seguir esse caminho... Ah, não. Um pouco é pelo DNA, outro tanto pela convivência, pela atmosfera na qual ela cresceu. Mas não dá para tirar os méritos, porque sem trabalho a coisa não acontece. Só o talento não garante tudo. Escolher o lado artístico é escolher Na página ao lado, alice ruiz em foto produzida em 1990; à direita, a escritora com itamar assumpção, para quem escreveu 20 músicas Ali ela diz: “Nem mesmo sei qual é a parte da tua estrada no meu caminho”. Poesia. Como na canção “Sem receita”, que está no álbum Pérola aos poucos (2003), de Zé Miguel Wisnik, em que questiona: “Quem pode saber como se tempera o coração?”. Não esconda, Alice, por certo, você sabe. 53 Personnalité a insegurança. É flertar com o risco, e isso exige muita coragem. É simplesmente não escolher o lado material da vida. Dentro dessa tendência, gosto muito da Luci Collin e da Noemi Jaffe, mulheres que possuem prosa recheada de poesia. Quando lançou seu primeiro livro, Navalhanaliga (1980), você já pensava sobre questões feministas? Eu era completamente ligada a isso desde muito antes, no final dos anos 60 e início dos 70. Inclusive, escrevi vários ensaios sobre a condição da mulher e os tenho bem guardados. Um dia farei alguma coisa com eles. Mas é engraçado que eu já era naturalmente feminista, mas ainda não existia essa nomenclatura – me chamavam apenas de rebelde, principalmente em casa, onde era a ovelha negra. Qual a diferença entre fazer canção e fazer poesia? Há uma grande discussão sobre isso. A letra boa de verdade tem várias características da poesia, como a ideia e trama na linguagem, que são fundamentais tanto para uma quanto para a outra. O que muda entre poesia e letra é o timing, é o tempo de absorção. No papel, o tempo de assimilação da poesia é outro: você tem o livro, pode ir e voltar quando quiser. Pode ler de manhã, depois volta à tarde, quando está feliz ou triste. Até que de repente aquilo faz sentido. Agora, a letra da música tem de cativar na primeira frase. Tem também outra diferença importante: a poesia em papel a gente sempre faz sozinho, e a letra para canção não. na página ao lado, alice no quintal de casa, onde adora cuidar das plantas. Sobre os vidros da edícula, ela disse que sempre os deixa sujos para os passarinhos evitarem colisões fatais 54 Mas vocês brigavam? Ah, sim. Uma troca tão intensa como a nossa era também sujeita a brigas, mas não picuinhas. Eram coisas fundamentais, sobre conceitos, discussões sobre ideias. Itamar era muito brigão, mas também um doce de pessoa. Como você vê a cena musical atual? Ainda não senti o mesmo que na época da Vanguarda Paulistana, de que participei e sabia ser uma coisa realmente nova, um real movimento. Um grupo de pessoas voltado para uma linguagem nova, porque depois do Tropicalismo não tinha acontecido mais nada realmente significativo. Mas agora, 30 anos depois, não consigo identificar nada parecido com aquilo. Então, estava mais do que na hora de haver um florescimento. De qualquer forma, acho que vale esperar um pouco o filtro do tempo fazer a sua ação. Uma coisa que vale a pena notar é que nunca teve tanta mulher compondo quanto agora – sem entrar no mérito da qualidade –, o que é um grande avanço. fotos divulgação O que agrada você na atual literatura brasileira? Tem um monte de gente boa fazendo coisas incríveis. E não apenas pessoas muito novas. Demorei um tempo para me sentir e me entender com a minha obra e me ver como escritora madura. Há pessoas que não são tão jovens e que estão publicando seus primeiros livros. Quando você é novo e se expõe, tem duas coisas que podem atrapalhar a sua trajetória ou seu processo criativo, que são opostas. Uma é a crítica destrutiva, que pontua o que falta em você e, de repente, isso te bota para baixo. A outra é o elogio, que pode passar a sensação de que você está pronto. Quando se é mais maduro, mais seguro, quando já se trabalha com a sua produção há bastante tempo e já expôs seu trabalho ao crivo de pessoas cuja sensibilidade você admira, as críticas e os elogios não fazem tanta diferença no seu processo. Acho que o ideal é publicar um pouco mais tarde. Tem muita gente apresentando uma linguagem própria, inovadora. É interessante este híbrido que está pintando no ar, uma prosa permeada de poesia. Isso é quase um movimento. Você fez parceria com Itamar Assumpção (1949-2003) em mais de 20 letras. Foi com ele que você tinha mais afinidade? Sim. Não cheguei a viver isso com outra pessoa com quem compus, e sinceramente não sei se vou chegar a ter esse tipo de relacionamento de novo. A gente costumava brincar que parceria era igual a casamento: uma troca completa de consciência – só que sem o sexo, sem o romance e as coisas desagradáveis. maquiagem: omar bergea Esse livro foi um resultado desse tipo de conflito? Mergulhei fundo nos estudos sobre a condição da mulher. O Navalhanaliga tem muito a ver com isso, sim. Até então eu ficava vendo as mulheres com aqueles nomes de livros As nuvens ao cair da tarde, A menina e a borboleta... Então, pensei: “tenho de achar um nome radical, como ‘navalha na liga’”. O nome do livro, num primeiro momento, era uma homenagem às prostitutas, porque no passado elas eram as únicas que usavam armas para se defender. As mulheres eram todas frágeis, mas, como aquelas viviam na rua, tinham de cuidar de si mesmas e, por isso, levavam sempre uma navalha sob a roupa. Achei o nome bom. Num segundo momento, me dei conta de que a navalha corta e a liga une. Estava pronto. alice ruiz 55 Personnalité fotos e texto Marina Klink, em depoimento a Lívia Aguiar 29 de abril – Férias de tudo VIAGEM É claro que faz muito calor em Manaus. Minha filha Tamara e eu chegamos na hora do almoço. Viemos para participar de um cruzeiro literário, a terceira edição do Navegar é Preciso. Conosco, embarcaram mais 78 passageiros. São aficionados por literatura, seis integrantes do grupo de jazz Projeto Coisa Fina e os escritores Frei Betto, Xico Sá, Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant’Anna. A proposta do projeto é promover um encontro entre escritores e leitores durante um cruzeiro pelo rio Negro. A Amazônia como pano de fundo. Neste ano, o jovem e premiado chileno Ale- LITERÁRIA jandro Zambra, autor do romance A vida privada das árvores, não pôde vir. Em seu lugar, ganhamos uma mesa com Cadão Volpato. Partimos no fim da tarde. A embarcação Iberostar Grand Amazon, com 75 camarotes e três deques, desliza sobre as águas escuras. O rio Negro é um colosso. Como se seus 720 quilômetros de superfície navegável surgissem qual um asfalto maleável. Em sua bacia há mais água doce do que em toda a Europa. Nesta época do ano, o afluente do Amazonas sobe até 10 metros, ampliando os igarapés, que são pequenos braços de rio. Eles cortam a floresta e inundam a mata de igapós. Os canais abertos nos igapós (a floresta inundada) em geral são fechados no alto pela copa das árvores, deixando a impressão de claustros aquáticos. Invadindo esse refúgio Diário de bordo da fotógrafa Marina Klink dá detalhes da rotina sem internet do encontro de escritores realizado durante um cruzeiro pelo rio Negro, na Amazônia natural, a conexão com a minha vida, com a minha rotina – e com o sinal do celular – vai se distanciando. Olho para a Floresta Amazônica, tão rica, tão viva. É preciso reaprender a viver sem internet. A bordo, noto um pouco de timidez dos escritores, meio separados dos demais. Vou rabiscando essas impressões no papel quando Frei Betto surge e se oferece para ministrar aulas de meditação, bem cedinho. Programo meu despertador. Durmo ao som da floresta. ponte rio negro, em manaus. o cruzeiro literário Viajar é preciso leva escritores e fãs a conviver na selva durante cinco dias 1o de maio – Clarice me faz chorar Hoje sim, meditação com Frei Betto. Mais tarde vamos em lanchas visitar os locais em que 16 botos-cor-de-rosa são alimentados diariamente. São umas graças, rosa mesmo, e quase cegos. Os botos parecem sorrir o tempo todo. Clique. Voltamos para admirar o encontro com Affonso. Ele fala de como se inspirou para publicar mais de 40 livros: “Ao escrever, a primeira perplexidade tem que ser a do escritor. Todo autor que se preze está lidando com o inconsciente. A literatura é isso, uma experiência mágica”. Ao fim do almoço, seguimos a Novo Airão (a 180 quilômetros de Manaus), onde fica a Fundação Almerinda Malaquias. A missão é capacitar jovens. Há venda de artesanato. Tudo é muito simples. Ao lado do porto, alguns índios se divertem no rio. Clique. No fim da tarde, a conversa que eu mais esperava: Xico Sá e Cadão Volpato. Big Jato, o primeiro romance de Xico, ocupa boa parte do papo. Mas o jornalista cearense faz uma 30 de abril – Frei Betto samba pausa para contar como encontrou P. C. Farias, o tesoureiro de Collor que estava foragido em 1993. Com muito humor, revela que foi num boteco de praia, tomando uma ca- Acordo cedo, antes de o sol raiar, mas per- didas no meio da paisagem. Clique. Depois mulher que esperava seu amado todos os chacinha, que ouviu de uma fonte o paradei- co a meditação por minutos. Subo para o dessa breve experiência de selva, a primeira dias no alto de um rochedo. Ela o sabe de cor ro: Londres. Na sequência, engrenado, Xico deque do navio. Café da manhã com frutas parte literária do encontro: uma conversa com e recita com uma emoção hipnotizante. ainda fala da importância da leitura como acompanha a alvorada. A paisagem é incrí- Frei Betto. Ele tem 56 livros publicados! O que No fim da tarde, entramos de lancha vel. A distância entre as margens do rio mais gosto são os relatos de seu tempo como pelos igapós. Um macaco bugio dorme em lia que lê para sair do lugar, fisicamente ou e a ausência de vento nos dá a impressão preso político. Quando a ditadura o enclau- um galho, mas acorda com o grito de algu- metaforicamente. À noite, saímos de lancha de navegarmos no mar. surou, em 1969, os homens usavam cabelos mas pessoas no barco. Me irrito com elas. novamente para tentar ver jacarés – em vão. Pegamos uma lancha e entramos na curtos. Quando saiu, quatro anos depois, a Faço uma foto do bicho acordado. Clique. À A lancha parece flutuar. As águas escuras se floresta pela primeira vez. O guia nos mostra moda era cabelo comprido. Após o almoço, noite, apresentação do Projeto Coisa Fina. misturam com o breu da noite e vemos as ervas medicinais, animais escondidos e como uma conversa com Marina Colasanti, filha de O grupo de jazz homenageia Moacir Santos, árvores refletidas como um espelho. Para fe- se tira água potável de um cipó. Ao meu lado, italianos, nascida na África e que se mudou compositor que fez pouco sucesso no Brasil, char a jornada, a atriz carioca Clarice Niskier Xico Sá – “Olha que perfume! Olha que lou- para o Brasil com 11 anos. Ela é casada com o foi para Hollywood compor trilhas sonoras e nos oferece a leitura de um texto ainda em cura o cheiro desta árvore!” – encosta o nariz poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna morreu na Califórnia. Ao final do show, eles teste: “A lista”. Várias pessoas choram e va- no tronco e funga ruidosamente. Fico para e tem dezenas de livros e traduções. Marina puxam um sambinha. Chamam o Frei Betto. mos dormir pensando em amizades, tempos trás fotografando flores e sementes escon- nos brinda com um conto de fadas sobre uma E não é que ele tem samba no pé? perdidos, prioridades da vida. NO ALTO, UM BOTO COR-DE-ROSA DOMESTICADO “sorri” para a foto. na página ao lado, os escritores affonso romano sant’anna e marina colasanti; macaco flagrado em passeio de lancha em igapó; índia nada perto da fundação almerinda malaquias 58 hábito, a diferença que pode fazer uma famí- 59 2 de maio – Praia e futebol “ande sempre com um livro. ao fim da semana, ficará surpreso com quanto leu” Consigo ir à meditação mais uma vez – a últi- todos os escritores. Hora de ouvir conselhos. ma. Amanhã já estaremos de volta a Manaus, “Ande sempre com um livro”, diz Frei Bet- ao sinal do celular e à realidade. Saímos pela to. “Mesmo que você saiba que não vai ter manhã para ver a floresta. Trombamos com a nenhum minuto para ler. Ao final da semana feliz presença de diversos macaquinhos, que ficará surpreso com quanto leu.” Xico Sá faz entram no barco e comem da nossa mão. Na troça: “Ande sempre com um livro. Ele pelo volta, Xico Sá entrevista Cadão Volpato, que menos dá uma dignidade, um ar intelectual, lançava seu primeiro romance, Pessoas que mesmo que você não leia nem uma pági- passam pelos sonhos. Ele fala das suas refe- na”. Chamam minha filha Tamara para falar. rências literárias, especialmente autores latino- Apesar de tímida (ela tem apenas 16 anos), americanos como Jorge Luis Borges e Juan compartilha a experiência de publicar um li- Rulfo. Em seguida, ainda que meio nublado, vro (Férias na Antártica) com as duas irmãs, muita gente se anima de ir à Praia do Tupé. sobre as viagens que fazemos anualmente O lugar é lindo: de um lado, uma prainha rasa para o Polo Sul. e uma vista de Manaus ao longe. O outro lado No fim do dia, a despedida do navio é da pequena ilha se parece com uma margem com champanhe no deque e mais uma apre- de rio, com águas mais profundas e vista para sentação do Projeto Coisa Fina. Muita gente a mata. Surge uma bola e os homens se jun- dança, inclusive – e de novo – o Frei Betto, tam para uma pelada. Outros nadam. Clique. com ainda menos pudores. É difícil acreditar Para fechar o encontro, uma mesa com que amanhã estaremos em São Paulo. 3 de maio – Vovô Affonso Acordo cedo para ver o encontro do Negro com o barrento Solimões. Infelizmente está nublado. Não é tão bonito quanto outros que já vi. Ainda assim, parece mágica. Outra mágica é a volta do 3G. Impossível escapar à realidade. Fazemos o check-out do navio, visitamos o Teatro Amazonas em Manaus e nos preparamos para ir embora. Já na despedida, a Tamara diz ao Affonso e à Marina: “Eu queria adotar vocês como meus avós!”. Affonso responde: “Pois vamos procurar um cartório e registrar, porque eu também quero ser seu avô”. Clique. Descobrimos que todos os escritores são projetamos quando lemos. Porque quem lê acessíveis. Descobrimos o criador por trás também, de certa forma, pratica uma espécie para um objeto principal. No Navegar É Pre- das obras. Conhecemos o ser humano que é de ficção: imaginamos as mãos e a figura ciso, o encontro e a vivência com os autores igual a nós, com sentimentos que conflitam desses seres especiais, os literatos. Caem as empacotam uma experiência de descobertas. com os personagens que criam e que nós máscaras. Fica a amizade. Ao cabo, acho que a selva é uma moldura 60 A EMBARCAÇÃO IBEROSTAR (vista de dentro e de fora) LEVA 80 PASSAGEIROS PELA ROTA AMAZÔNICA; na página ao lado, escritores e fãs de literatura aproveitam a praia do Tupé 61 Baixe a Revista Personnalité no iPad e assista ao vídeo com Marina Klink Alice Ruiz pergunta: Qual seu poeta preferido? Zico responde: Vinicius de Moraes. Mais pelas músicas. 62 63 Por Pedro Só, do Rio de Janeiro Fotos Marcelo Correa Ele fez 826 gols e há quem diga que não era o craque da família. Perdeu a Copa do Mundo mais lamentada de todas, mas ganhou todos os títulos possíveis com o Flamengo. É conhecido como “deus do futebol” no Japão. Foi parar no Uzbequistão e encarou os riscos da vida de treinador em Bagdá. Aos 60 anos, Zico abre o jogo sobre a razão de seguir no mundo da bola: “Posso fazer um livro sobre cada uma dessas experiências aí”. A Revista Personnalité seleciona as melhores passagens para você 10 Adalberto Diniz/Editora Abril 10 HISTÓRIAS DO CAMISA MARACANã: ZICO COMEMORA GOL DE RONDINELLI, NA FINAL do carioca de 1978. o flamengo bateu o vasco por 1 a 0 e sagrou-se campeão O maior ídolo da história do Flamengo. O craque da melhor seleção brasileira a perder uma Copa do Mundo. Tema de música de Jorge Ben Jor (“Camisa 10 da Gávea”). Irmão mais novo do fantástico Edu, o atacante do América do Rio de Janeiro que disputou vaga na seleção com Pelé. Ator de um filme horroroso (sinopse: “uma cientista maluca, um clone do jogador, uma tremenda confusão: Uma aventura do Zico”) e que o levou, um dia, a dizer: “Disso eu me arrependo”. Um dia, cinco décadas atrás, uma tia portuguesa do jovem Arthur Antunes Coimbra apodou o menino mirrado de Arthurzinho. Depois, atualizaram-no Arthurzico. Na rua, virou Zico. Na rua, o menino Zico juntava frutas e flores que sua mãe cultivava no quintal da casa em Quintino, subúrbio do Rio. Daí, vendia na feira. Com o dinheiro, comprava figurinhas e pão de mel. Na rua também, jogava bola como quase ninguém – excetuando seus irmãos mais velhos, Antunes, Nando e Edu. Antunes, dizia o pai de Zico, era o craque da família. Para Zico, era Edu. Para a torcida do Flamengo, é Zico. Na seleção brasileira, participou de 72 jogos, fez 52 gols, venceu 52 vezes, empatou 17 e perdeu só três. Disputou três Copas do Mundo e estava em campo na trágica derrota para os italianos (3 a 2 na segunda fase da Copa de 82, na Espanha). “Faltou entrosamento à seleção naquele jogo”, comenta Zico. Pelo Flamengo, tornou-se o maior goleador do antigo Maracanã: 333 gols em 435 jogos. Venceu quatro vezes o Campeonato Brasileiro. Levantou sete vezes a taça do Carioca. Na Udinese, fez o pé de meia. Foi contratado por US$ 4 milhões (maior valor pago por um jogador até então). A federação italiana ameaçou suspender a compra (havia um boato de que times poderosos, como Roma e Juventus, na disputa por seu passe, fizeram 66 pressão para embargar o negócio). O povo de Udine revoltouse. Ameaçou um movimento separatista se o Galinho não fosse. Em 1983, ele foi. Retornou ao time da Gávea em 1985, de onde se despediu em 1989 – do time e do futebol. Dois anos depois, desistiu da aposentadoria. Topou jogar no Japão, que só organizaria sua liga nacional em 1993. Num país que travava seus primeiros contatos com atletas de primeira linha, virou ídolo do Kashima Antlers – e, logo, Deus do Futebol. Ficou até 1994. Então, pendurou as chuteiras de vez. Passaria a técnico. Comandou o próprio Kashima, além de Fenerbahçe, na Turquia, Bunyodkor, no Uzbequistão, Olympiakos, na Grécia, CSKA Moscou, na Rússia, a seleção do Japão e a do Iraque, da qual se desligou em novembro último. No ano que vem, será tema do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense: “Arthur X – o reino do Galinho de Ouro na corte da Imperatriz”. O que leva um nome lendário do futebol a passar dias trancado em um quarto de hotel em Bagdá, com todos os deslocamentos envolvendo medidas de segurança, ameaças de bomba e metralhadoras apontadas por toda parte? Por que esse homem – “Deus” no Japão, amado pela maior torcida do Brasil – segue encarando aventuras como técnico no Uzbequistão? O que há por trás de um ex-atleta que decide lidar com dirigentes envolvidos em corrupção e antiprofissionais que comandam clubes na Grécia? Arthur Antunes Coimbra, 60 anos, o Zico, o Galinho de Quintino, o Camisa 10 da Gávea, responde de primeira: “Eu gosto de futebol”. E com a objetividade que caracterizou seu jogo, completa: “É sempre o desafio, pô! Quero ter história pra contar. Você passa por esta vida e quer deixar alguma coisa. Posso fazer um livro sobre cada uma dessas experiências aí”. acima, o menino zico em um de seus primeiros treinos no campo da gávea. ao lado, o craque no jogo contra a polônia pela copa do MéXICO (16/6/1986). vitória do brasil: 4 a 0 zico arquivo pessoal e Bongarts/Getty Images Personnalité 67 Personnalité zico 4 A PRIMEIRA NAMORADA Casado desde 1975 com a primeira namorada, Sandra Coimbra – estão juntos desde que ela tinha 14 anos, e ele, 17 –, Zico conta com os três filhos para ajudá-lo a tocar os negócios na Zico Participações e no Centro de Futebol Zico (CFZ), inaugurado em 1995 no Recreio dos Bandeirantes, a 15 quilômetros de sua casa. O mais velho, Júnior Coimbra, mora em Nova York e administra os projetos internacionais, que seguem em expansão nos Estados Unidos e na Europa, além de contratos com multinacionais como a Sony. Bruno e Thiago trabalham no CFZ, onde cuidam também da escola Zico 10, projeto iniciado em 2008 e que atende cerca de 45 mil crianças em todo o Brasil. “A ideia é botar para estudar, antes de qualquer coisa. Milhões de garotos abandonam a escola antes de terminar o ensino fundamental.” Quando está em casa, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, Zico é um avô como muitos outros. Curte passar horas montando aviõezinhos com os cinco netos e os mima como bem entende. “Pai, pra que tanta bala pros garotos?”, reclama o filho Bruno. Em junho, realizou o desejo do neto mais velho, Felipe, 5 anos, e o levou ao amistoso do Brasil com a Inglaterra no Maracanã para conhecer o jogador que o menino idolatra nas partidas de videogame, o atacante inglês Wayne Rooney. 3 AS PELADAS COM O IRMÃO 1 MAMÃE, EU QUERO MAMAR Arthur foi o único dos seis filhos de seu Antunes e dona Matilde a não concluir uma universidade. “Eu era bom aluno, só fui reprovado no segundo ano ginasial, quando comecei a matar aula para ver partidas dos meus irmãos que já eram jogadores [Antunes, Nando e Edu].” O científico (como era chamado o ensino médio) do craque foi profissionalizante em contabilidade e ele chegou a cursar até o quarto ano de educação física. Sim, é verdade que o caçulinha da família de classe média de Quintino (subúrbio da zona norte carioca) mamou no peito até bem tarde. Ele tenta minimizar, dizendo que foi “só” até os 5 anos, embora o site oficial ziconarede.com.br informe que foi até os 6 e o jornalista Ricardo Setti, da revista Veja, aposte em 11. Como eram as peladas em Quintino? “A gente fechava a rua dos dois lados”, conta Zico. “Não passava carro mesmo... Eram boas as peladas! Porque tinha o pessoal da Funabem [Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor], que ficava ali do lado, menores infratores, caras que jogavam a sério. O Dario [Dadá Maravilha] era um deles, jogava de beque e virou atacante depois de levar um baile do meu irmão, o Zeca.” José Antunes, morto em 1997, fez carreira como jogador usando o sobrenome da família. Foi uma inspiração para Zico. Com ele, o Galinho aprendeu a importância da velocidade. De Edu, o mais técnico da família, observou os dribles. “Ele era malabarista, infernizava os zagueiros. Lembro de um jogo de preliminar do Flamengo em que ele levou a bola do meio de campo até a área com embaixadinhas e a cabeça. A torcida aplaudiu de pé.” “só se deve entrar no futebol por amor à bola, nunca por outros interesses” O escritor – e flamenguista – Ruy Castro já comparou a arte de Zico em gols a croquis de Leonardo da Vinci. No entanto, se a paixão pelo Flamengo foi passada pelo pai – o alfaiate português José Antunes Coimbra –, no palpite do irmão Edu, o pendor artístico pode ter vindo da mãe, Tidinha. “Ela tinha um caminhar serelepe, ágil”, diz Edu. “Se nascesse hoje jogaria bola e seria mais craque do que ele. Sem falar que era a própria poesia, via tudo com olhos atentos à beleza, sempre no meio das flores e frutas do pomar lá de casa.” Fundada em 1939, um dos estabelecimentos mais tradicionais de Quintino era a Fábrica de Pianos Péricles Delarue (hoje Rei dos Pianos), e Matilde pôs o pequeno Arthur para estudar o instrumento. Ele aprendeu a tocar, mas deixou de lado (interesse só retomado quando foi morar na Itália, nos anos 80, e comprou um órgão): nada era páreo para a obsessão pelo futebol, fosse jogo de botão, totó ou à vera. 68 entre os pais, dona matilde e seu antunes (janeiro de 1982); aos 13 anos, com a faixa de campeão (1966) pelo time de futsal juventude de quintino. na página ao lado, na sala de troféus de sua casa, na barra da tijuca Arquivo pessoal 2 O PIANISTA DE QUINTINO 69 Personnalité zico 7 DESPEJADO NA GRÉCIA Zico diz que os irmãos não o orientaram formalmente e que só quando já estava na escolinha do Flamengo, lá pelos 15 anos, é que ganhou respeito maior entre eles. “O Antunes era fominha e reclamava pra caramba, era muito chato na pelada. Lembro de um contra-ataque em que eu dominei a bola e podia ter passado pra ele, mas percebi que o goleiro estava adiantado e de bicicleta mandei direto pro gol. Em vez de me xingar, ele disse: ‘Pô, esse moleque vê tudo mesmo!’”, Zico conta e ri. O conceito científico de inteligência espacial só foi desenvolvido no começo dos anos 1980, mas o jovem Zico logo percebeu que aquilo era “um dom especial”. “Eu passo em um lugar uma vez e já mapeio mentalmente, sei voltar sozinho. Já corrigi muito motorista no Japão. Eles mostrando o mapinha e eu: ‘Não, é por aqui’. Dirijo em qualquer lugar do mundo sem me perder.” No Flamengo, que o consagrou como campeão mundial de 1981, ele aliou o senso espacial ao entrosamento com rara inteligência. “A gente tossia, era uma jogada. Espirrava, era outra. Nos entendíamos de uma maneira única, jogar ficava fácil”, afirma Adílio, companheiro de meio de campo. “Acho que esse tipo de entrosamento faltou à seleção brasileira no jogo contra a Itália em 1982. A história poderia ter sido diferente”, conta o velho amigo. Zico, porém, encara com serenidade a decepção daquela tarde em Barcelona: “A principal lição daquela derrota é que em Copa do Mundo cada jogo é uma decisão. No dia em que você erra daquela maneira, volta pra casa inapelavelmente”. Como diz o comentarista Fernando Calazans, cronista do jornal O Globo, “se Zico não ganhou a Copa do Mundo, azar da Copa do Mundo”. zico Cobra falta no maracanã vestindo a camisa 10 do flamengo, equipe pela qual se tornou o maior goleador da história do estádio, com 333 gols em 435 jogos 70 Arquivo pessoal e Colorsport/Corbis/Andrew Cowie 6 “Se o ZICO NÃO GANHOU A COPA...” Rodolpho Machado/Editora Abril 5 INTELIGÊNCIA ESPACIAL O título da Copa da Ásia de 2004, à frente do Japão, e os dois anos (2006 a 2008) em Istambul, na Turquia, pelo Fenerbahçe, foram pontos altos como treinador. Por outro lado, viveu pesadelos como o de Atenas, em 2010, quando comandava o Olympiakos. Disposto a não pagar a multa rescisória, o presidente do clube resolveu demiti-lo por intermédio de um oficial de Justiça, com um despejo a reboque. “Eu tinha uma semana para deixar a minha casa. Sozinho na cidade, empacotei tudo sem ajuda de ninguém.” Os dirigentes gregos chegaram a mudar de ideia, falaram que o Zico poderia ficar, mas daí já era tarde e ele foi embora. Mais tarde, recebeu tudo o que era devido e o dirigente foi preso. “É incrível: três dirigentes com quem trabalhei foram parar na cadeia! Esse, o da Turquia e o do Uzbequistão... Mas com esse último, ao menos comigo, tudo foi correto.” “passo em um lugar uma vez e já mapeio mentalmente, sei voltar sozinho” 8 CIDADÃO DO MUNDO Zico conhece a Ásia como poucos diplomatas. Morou por 15 anos no Japão e circulou pela região treinando a seleção local. Entusiasta da fotografia digital, tem arquivos organizados com as imagens que registra nas andanças pelo planeta. É um leitor ávido de obras sobre futebol, que devora durante voos e deslocamentos – seja para Tóquio ou para Petrolina, no Ceará. O maior artilheiro da história do mais famoso estádio do mundo tem viajado muito. E, por isso, vem faltando à pelada que frequenta há três décadas, às quartas-feiras, no Rio. Mas garante que ainda aguenta 80 minutos de partida. “Dor, eu só sinto no joelho [o esquerdo, que passou por seis operações]. Não tenho personal trainer, essas coisas: o que faço é musculação – sempre que dá – e corro, só que dentro da piscina.” no alto, com a mulher, sandra, em atenas (grécia), onde foi técnico do olympiakos (2010); à direita, a camisa rasgada foi a menor das tristezas na derrota para a itália na copa de 1982 71 Personnalité zico _ A carreira do craque 9 “VOCÊ É BOBO, MUITO SANTINHO” COMO JOGADOR Flamengo (1971-1983 e 1985-1989) Títulos: Copa Libertadores da América Zico sempre demonstrou coragem e imensa autoconfiança, mesmo diante de missões espinhosas – topou jogar a Copa de 1986 sem condições físicas (um de seus raros arrependimentos), aceitou ser ministro dos Esportes no governo Collor e trabalhou por quatro meses na gestão da presidente Patricia Amorim no Flamengo, até sair, magoado, em outubro de 2010. A mulher, Sandra, classifica o marido como “muito caxias”. “Eu já disse muito a ele: ‘Você é muito bobo, muito santinho’. Por outro lado, sempre o admirei por nunca fazer algo que fosse contra seus princípios. Engolir sapo, ele não engole.” Segundo consenso familiar, a única pessoa capaz de obrigar Zico a fazer o que não quer é Sandra. “Quando algum dos filhos quer pedir uma coisa mais complicada pra ele, fala comigo antes. Já ouvi de todos: ‘Meu pai te obedece!’.” (1981); Copa Europeia/Sul-Americana – Mundial Interclubes (1981); Troféu Ramón de Carranza, na Espanha (1979 e 1980); Campeonato Brasileiro (1980, 1982, 1983 e 1987, no Módulo Verde da Copa União); Campeonato Carioca (1972, 1974, 1978, 1979, 1981 e 1986) Udinese (1983-1985) Kashima Antlers (1991-1994) Seleção brasileira (1976-1989) Copas do Mundo de 1978 (3ª colocação), 1982 (5ª colocação) e 1986 (5ª colocação) COMO TREINADOR Kashima Antlers, Japão (1999) Fenerbahçe, Turquia (2006-2008) Títulos: Campeonato Turco (2007); Supercopa da Turquia (2007) Bunyodkor, Uzbequistão (2008-2009) Títulos: Campeonato nacional (2008); Copa do Uzbequistão (2008) CSKA Moscou, Rússia (2009) Títulos: Copa da Rússia (2009); 10 GALINHO X PINTINHO Supercopa da Rússia (2009) Seleções: Japão (2002-2006) Títulos: Copa da Ásia (2004) Iraque (2011-2012) 72 Arquivo pessoal / Agradecimento: São Cristovão Bar e Restaurante/São Paulo Olympiakos, Grécia (2009-2010) tilheiro do “clássico das multidões”, com 19 gols. Da Espanha, onde mora desde 1980, após longo período atuando pelo Sevilla, Pintinho faz duas perguntas para o craque: Apontado por Zico como o jogador que melhor o marcou ao longo de toda a carreira, Carlos Alberto Pintinho foi um dos destaques do time do Fluminense que ficou conhecido como A Máquina, bicampeão carioca em 1975 e 76. Formou um meio de campo memorável com Rivellino e Dirceu. “Ele era muito técnico e não recorria à violência”, diz o craque rubro-negro. “É sempre mais difícil enfrentar quem sabe jogar bola.” O extricolor (que também atuou pela seleção) lembra dos muitos Fla-Flus disputados: “Era todo um calvário, muitas vezes não conseguia dormir pensando em um jeito de parar o cara. Me dei bem muitas vezes graças ao posicionamento, a 1 metro dele, tentando me antecipar. Acabava que o Zico é quem me seguia em certos lances. Mas lembro de um jogo traumatizante [Fla 4 x 1 Flu, em março de 1976, marco da afirmação do Galinho como ídolo no Maracanã], depois quase fui parar no psicólogo. Ele fez quatro gols, um deles numa cobrança de falta por baixo da barreira que me deixou com cara de tonto”. Zico é o maior arna página ao lado, ele bate uma bola no campinho que tem em casa; Acima, com os filhos, Thiago, bruno e júnior, nos anos 1980 Galo, como você vê a seleção brasileira hoje? Em um momento de transição e renovação. Há uma geração que está indo e outra que está chegando. Só que os jovens são as maiores esperanças da seleção. Aos poucos, acho que Felipão deve dar uma cara ao time. E que conselho daria aos garotos que estão começando a praticar futebol agora? Tenho percebido que hoje há muita influência da família, uma pressão sobre a criança que pensa em jogar futebol. Ela passa a ser uma esperança de ascensão social para os pais. O meu conselho é: só se deve entrar para o futebol por amor à bola, nunca por outros interesses. 73 Personnalité Por Celso Unzelte ILUSTRAÇÕEs Zoran Lucic´ A cara da Copa Do leão Willie ao tatu-bola Fuleco, passando por mascotes criados na Ásia e na África, saiba como nasceram os 13 personagens que marcaram a história dos mundiais e descubra os que fizeram mais sucesso O pai de todos A Copa do Mundo da Inglaterra, em 1966, foi a primeira a apresentar um mascote oficial. Às vésperas do torneio, a Football Association, a federação inglesa de futebol, buscava uma forma de ajudar a custear a organização e atrair a atenção do público. Estimulada pelo exemplo dos pequenos clubes locais, que vinham utilizando elefantes (Coventry City), senhores gordinhos (Bradford City), príncipes (Port Vale) e até camarões (Southend United) como mascotes, a FA buscava uma versão que sintetizasse o orgulho britânico de ter inventado o esporte mais popular do globo. Assim, encomendou ao ilustrador Reg Hoye a missão de desenvolver o mascote de todas as Copas. O artista apresentou quatro propostas: um garoto e três tipos de leão (o animal-símbolo dos bretões). World Cup Willie, um leãozinho vestido com a Union Jack (a bandeira britânica), foi o escolhido. Inspirado em Leo Francis Hoye, o filho do desenhista, à época com 12 anos, Willie inaugurou a lucrativa tradição. Campeã: Inglaterra Colocação do Brasil: 11º lugar 74 75 A águia voou Laranja amarga Calcula-se que a adoção do mascote inglês tenha gerado um ganho em publicidade e propaganda de US$ 2 milhões (US$ 14 milhões em valores atuais). Logo, todas as Copas a partir dali passaram a ter seus mascotes. Em 1970, no México, surgiria a primeira figura humana: Juanito Maravilla, um garotinho de sombreiro e camisa da seleção local. Apesar da boa aceitação internacional, Juanito foi considerado “inofensivo demais” pela população local. Afinal, representava o modo passivo como os mexicanos não queriam ser vistos pelo mundo. Por conta disso, três meses antes do início da Copa, foi apresentada a águia Pico, criada por Lance Wyma, publicitário americano. Criou-se ali uma cisão curiosa: Pico agradou a população local e fez sucesso. Mas, basicamente, só ali. A águia acabaria ignorada no resto do mundo, coberta pelo sombreiro e pela irreverência de Juanito. No Brasil, nenhum mascote fez mais sucesso que o símbolo do mundial de 1982. Um dos principais produtos de exportação ibéricos, a laranja ajudou a enfeitar as ruas durante a inesquecível campanha da seleção de Zico, Sócrates e companhia, liderados por Telê Santana – muitas vezes, com a licença poética da troca de seu uniforme original: saía o vermelho e azul, do escrete espanhol; entrava o amarelo e azul do Brasil. Pela criação do Naranjito, os publicitários Jose Maria Martín Pacheco, então com 28 anos, e Dolores “Lola” Salto Zamora, com 21, de Sevilha, embolsaram um prêmio de 1 milhão de pesetas (R$ 30 mil em valores de hoje). No concurso, foram inscritos 586 desenhos e selecionados três finalistas. Na votação final, feita por telefone, o Naranjito recebeu 10 milhões de votos, mais que seus outros dois concorrentes juntos. Campeã: Itália Colocação do Brasil: 5º lugar Campeão: Brasil 76 77 _ Os outros mascotes da Copa do Mundo Tip e Tap (1974) O desenhista Horst Schäfer atualizou os traços de dois personagens do jornal Saarbrücken, dos anos 1950. Gauchito (1978) Seu nome é uma abreviação do termo “gaúcho”, usado para designar o homem do campo. Pique (1986) “Pique”, em espanhol, significa “picante”. O mascote é uma pimenta típica, chamada chili jalapeño. Striker (1994) Criado pela equipe de animação dos estúdios Warner Brothers, seu nome foi escolhido em um concurso nacional. Footix (1998) Criado pelo artista Fabrice Pialot. Nome escolhido em referendo do qual participaram 19 mil franceses. Ato, Kaz e Nik (2002) As criaturas futuristas eram membros de um time de “atmoball”, esporte fictício parecido com o futebol. Zakumi (2010) ZA é a sigla oficial para África do Sul, e kumi, palavra que designa o número dez. Polêmica geométrica Primeiro mascote que não era gente nem bicho nem fruta, mas um amontoado de formas geométricas, o boneco Ciao (saudação italiana utilizada tanto para a chegada quanto para a partida) inovou. Até por isso, desagradou aos mais tradicionalistas. Formado por 23 cubos com as cores da bandeira da Itália, país-sede do mundial de 1990, sua cabeça era uma bola de futebol no modelo mais clássico, de gomos pretos e brancos, que havia sido lançada em 1970. O Ciao foi também o primeiro mascote das Copas do Mundo criado e animado por computação. Seu nome, escolhido em um concurso promovido pelo comitê organizador por meio das extrações da loteria esportiva, foi divulgado em julho de 1989, um ano antes do torneio. A palavra ciao, considerada harmoniosa e de fácil pronúncia, recebeu 761.601 votos dos italianos. Campeã: Alemanha Colocação do Brasil: 9º lugar 78 79 encalhado ameaçado de extinção Algumas Copas do Mundo tiveram mascotes em dose dupla ou tripla. Isso não significa, necessariamente, que os lucros também tenham vindo em dobro. Ao contrário: Goleo, apesar de eleito pelos usuários do site da Fifa como o mascote preferido da história das Copas, mostrou-se um fracasso de vendas. Seu nome é o resultado da junção das palavras “gol” e “leo” (leão, em latim). Foi criada nos Estados Unidos pelos estúdios de Jim Henson, o mesmo da série de TV Muppets. Único mascote das Copas criado diretamente como um boneco de pelúcia, tinha como fabricante exclusivo a Nici, uma indústria de brinquedos da Bavária. O resultado, porém, foi um desastre: Goleo encalhou nas prateleiras e a Nici pediu concordata. Divulgado pela primeira vez em março de 2012, o tatu-bola que simboliza a Copa brasileira causou grande polêmica em torno da escolha de seu nome, afinal, decidido por uma votação em um site que envolveu quase 1,7 milhão de pessoas. O resultado, divulgado pelo Fantástico, rendeu críticas. Ganhou Fuleco ( junção das palavras futebol e ecologia), escolhido entre as opções Amijubi (amizade e júbilo) e Zuzeco (azul e ecologia). As opções foram elaboradas por um comitê que contou com a participação do ex-jogador Bebeto e da escritora Thalita Rebouças. Muita gente fez a associação imediata com substantivos depreciativos em português, como fuleiro. Indiferente, porém, ninguém ficou ao bichinho, também conhecido como tatu-bola da caatinga, espécie ameaçada de extinção. Especialmente crianças entre 5 e 12 anos, que aprovaram o desenho do mascote. Campeã: itália Colocação do Brasil: 5º lugar 80 81 Por Letícia González Ilusão de ótica De tão impecáveis, os jardins japoneses nem parecem reais. Na tradição zen-budista, sua perfeição homenageia os espíritos da natureza O Rikugi-en é um dos quatro jardins mais emblemáticos do Japão. Tem 87 mil metros quadrados, mas jeito de pátio privado. Fica perto do centro da capital, mas não dá vista para arranha-céus ou para a Torre de Tóquio. Dentro dele, o desenho é clássico, e as mudanças sazonais também. Há um lago, lanternas de pedra, uma ponte e muitos caminhos curtos por onde se pode andar devagar, observando a alternância da paisagem. Em abril, o lugar se enche dos últimos modelos de câmeras fotográficas por causa das flores de cerejeira, as sakuras. No outono, volta a receber as câmeras, desta vez atraídas pelo kouyou, o fenômeno que deixa as folhas de bordo vermelhas. Então o horário do parque se estende e as árvores recebem uma iluminação noturna, ritual que é repetido ano após ano. “As quatros estações são muito importantes na estética japonesa e na vida cotidiana das pessoas”, explica o designer japonês Keizo Hayano, dono de um estúdio de jardinagem em Tóquio e de uma editora de e-livros sobre os jardins mais famosos do país. “As plantas crescem e morrem de acordo com a estação, o que ajuda o observador a visualizar as mudanças”, diz ele. Nesse ciclo, algumas plantas já adquiriram história própria no Rikugi-en: um dos pés de azaleia tem 300 anos e segue florescendo. Um dos únicos da era Edo (1603-1868) na cidade, o jardim é exemplo de espaço nobre transformado em público. Foi criado como residência de um senhor feudal em 1702 e, no século seguinte, comprado pela família Iwasaki, fundadora da montadora Mitsubishi, que o doou à cidade em 1938. TPG/Keystone Brasil RIKUGI-EN, Tóquio 83 diomedia/Robert harding/christian kober RYOAN-JI, Kyoto 84 Chegar à varanda deste jardim, em Kyoto, é um pouco como chegar à sala da Mona Lisa, no Louvre. É o momento em que a imagem das fotografias se desdobra pela primeira vez ao visitante e a antecipação é sobreposta pela realidade. Ryoan-ji é o templo zen mais famoso do mundo. Como a Mona Lisa, parece menor ao vivo. Também como a Mona Lisa, enfeitiça o observador no exato momento em que ele se prepara para deixá-lo. São apenas 250 metros quadrados e 15 rochas circundadas por musgo sobre um chão de cascalho branco. Todos os dias, os monges do templo fazem o seu desenho com um rastrelo. “Um arranjo tão abstrato fascina e desorienta as pessoas”, acredita o designer Keizo Hayano. Estudioso com mais de 20 anos de experiência em jardinagem tradicional, ele conta que não há origem certa para o desenho do Ryoan-ji. Alguns enxergam nele uma tigresa carregando seus filhotes sobre a água. “Há muitos palpites. Como não conhecemos o criador ou suas intenções, podemos fazer associações livremente.” O porquê de as 15 pedras não poderem ser vistas ao mesmo tempo de nenhum ângulo também é um mistério. A parte que não deixa dúvidas é o uso da paisagem seca, conhecida como karesansui, que inclui apenas pedras e poucas plantas e tem influência do pensamento zen-budista. “As crenças budistas não têm uma forma e não podem ser vistas com os olhos. É possível que os monges quisessem expressar no jardim seu domínio da mente e o ensinamento ‘conhece a ti mesmo, observa a ti mesmo’”, afirma Hayano. THE ADACHI MUSEUM OF ART, Yagusi cobrir a terra com seixos, um ritual nativo para honrar os espíritos da natureza. Mais tarde, noções mais elaboradas, como o uso de lagos artificiais, chegaram da China, e as escolas locais evoluíram até criar um design japonês para o mix de água, rocha, areia e plantas. No Adachi, há seis jardineiros responsáveis. São eles que decidem até onde os galhos crescerão e, se algo sai do controle, quando uma árvore será substituída por outra reservada, plantada à parte com décadas de antecedência. O preciosismo dá um perfume irreal ao cenário, efeito que a direção cultiva. “Queremos que as pessoas se emocionem e vivam momentos fora da realidade aqui. Não acho que exista outro museu no mundo com árvores extras e uma equipe inteira comprometida em cuidar do jardim”, se orgulha o gerente de relações públicas Wataru Takeda. divulgação Na coleção de pintura japonesa do Museu Adachi, há um quadro misterioso. Ao vêlo de perto, o visitante tem a sensação de que as folhas podem se mexer. Isso acontece porque o fundador, Zenko Adachi, abriu um buraco na parede quando estava montando o museu, em 1970, e aplicou ali uma moldura. Com o gesto, decretou que o jardim externo, visível pelo buraco, fosse exibido como mais uma obra de arte. Hoje, as plantas atraem visitantes tanto quanto a coleção de quadros, e o Adachi é eleito há dez anos o jardim mais bonito do Japão pela revista The Journal of Japanese Gardening. Sua vocação é, de fato, servir de banquete visual, já que andar por entre as árvores está proibido. Nem todos os jardins japoneses têm essa regra. Muitos são ideais para flanar ou meditar. No Japão, a arte da jardinagem evoluiu ao longo de milhares de anos, começando com o gesto simples de 86 87 No século 16, generais japoneses conhecidos como xoguns faziam as primeiras tentativas de unificar os feudos. Para demonstrar que estava de acordo com os novos ventos do país, a família Maeda, que controlava a região de Kanazawa, decidiu gastar sua fortuna em jardins e não reforçar o castelo. Assim surgiu o Kenrokuen. A fonte de água, que usa pressão natural, é a mais antiga do país. Além dela, o jardim tem um grande lago no centro, riachos e cascata. É que a água, assim como em outras culturas, está intimamente ligada à vida e à pureza, nas crenças locais, e os japoneses acreditam que ela limpe a energia ruim no dia a dia. Atravessar a ponte ou lavar as mãos são gestos carregados desse simbolismo. É por isso que no Kenrokuen (e em milhares de jardins do país) a água abunda, e há bacias para lavar as mãos a caminho da casa de chá. Em um dos lagos do local, a ilhota artificial mostra três clássicos dos jardins japoneses: o formato do Monte Horai, a montanha dos imortais na crença do taoísmo, e as rochas que representam a tartaruga e a grua, símbolos de longevidade e fortuna. Alguns ensinamentos de manuais com mais de mil anos também aparecem ali, como truques de perspectiva, miniaturização e assimetria. Para o americano Douglas Roth, editor da revista The Journal of Japanese Gardening, a combinação desses princípios tem fortes efeitos psicológicos. “São técnicas baseadas no tamanho do corpo humano e no nosso senso de percepção. Mais que algo de nobres, é um estilo de vida que sempre esteve presente também na casa das pessoas. Ele integra o indivíduo à natureza e deixa o dia a dia harmonioso, mais calmo. É algo genial.” 88 guiziou franck/hemis/afp KENROKUEN, Kanazawa DPZ PRIMEIRA PESSOA | GLÓRIA KALIL POR Lia Bock FOTO Tuca Reinés _ A BASE Este tapete foi comprado por Horácio e Elvirinha, avós de Glória Kalil, em 1925, em Paris. Chegou a São Paulo de navio e há 30 anos estica seus mais de 5 metros de comprimento na casa da empresária. “Ele faz parte da história da família, sempre foi nossa base”, diz. Baixe essa edição no iPad. O TAPETE JÁ PASSOU PELAS CASAS DA MÃE E DO TIO DE GLÓRIA. HOJE ELA NEGOCIA DOÁ-LO PARA UM MUSEU FRANCÊS 90 A Revista Personnalité também está no iPad, com vídeos exclusivos, galeria de fotos, matérias interativas e muito mais. Acesse a App Store, baixe o aplicativo gratuitamente e experimente.