ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DO DIÁRIO ECONÓMICO N.º 5663 DE 30 DE ABRIL DE 2013 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE LEADERS AGENDA Participantes no “Leaders Agenda” (da esquerda para a direita): Geral), Francisco Febrero (CEO da ROFF), Rui Dias Ferreira (presidente da Vortal), Cristina de Sousa (presidente da Raporal), Miguel Gomes da Costa (presidente da COSEC) e Paulo Gil André (managing partner da Baker Tilly). Liderança para superar a crise Mesa-redonda debateu liderança, principais causas da recessão e possíveis caminhos para a ultrapassar. TEXTOS DE CARLOS MORAIS [email protected] M enos intervenção do Estado; uma banca mais atenta ao tecido empresarial e com melhor critério na atribuição de financiamento; lideranças mais fortes e sem medo de tomar decisões; mais e melhores parcerias entre as empresas; e uma aposta na promoção de Portugal no estrangeiro como país de residência ou turismo. Estas foram as cinco ideias-chave para sair da crise que emergiram do debate entre seis gestores de diferentes áreas, numa mesa-redonda promovida pela Baker Tilly no passado dia 23 de Abril e à qual o ‘Diário Económico’ teve acesso exclusivo. Para estes gestores, as soluções são compatíveis entre si, mas não conseguem, como os próprios reconheceram, responder à maior dúvida que a actual crise levanta: estaremos na presença de um novo paradigma, caracterizado pelo recuo do nível de vida e diminuição dos padrões de consumo? O mote para o debate foi o mais recente estudo da Baker Tilly (“Leaders Agenda: Desafios 2013”), em que são analisadas as respostas de um leque alargado de líderes sobre as suas prioridades para diversas áreas. Para o discutir, e daí abrir horizontes para um debate generalizado, a consultora convidou quem investe, quem finan- cia o investimento e quem cobre o risco do mesmo, tendo para tal juntado à mesma mesa cinco gestores/administradores: Francisco Febrero (ROFF), Cristina de Sousa (Raporal), Rui Dias Ferreira (Vortal), Álvaro Dâmaso (Montepio) e Miguel Gomes da Costa (COSEC). O ‘managing partner’ da Baker Tilly, Paulo Gil André, participou também na conversa. No diagnóstico ao que impede Portugal de ter um mercado empresarial mais competitivo, as causas referidas são variadas e a falta de consenso animou o debate: papel da banca; influência do Estado na economia; mentalidade dos empresários e gestores; regime fiscal; tamanho do mercado nacional e até o sistema ideológico consubstanciado pelos três partidos que nas últimas quatro décadas governaram o país. A escala dos negócios das empresas portuguesas constituiu outro dos assuntos em cima da mesa. Alargar mercados é a melhor solução? Se sim, pela via da exportação ou da internacionalização? E para que destinos? A abertura a novos destinos de venda acabou por trazer uma questão fora da agenda, que poucas vezes é colocada a propósito deste tema, mas que a experiência da empresa de um dos participantes na conversa suscitou: estará já o mercado nacional suficientemente explorado para que seja secundarizado em função da prioridade concedida a outras latitudes? ■ ÁLVARO DÂMASO RUI DIAS FERREIRA Vogal do conselho de Presidente da Vortal administração do Montepio Geral “ O Estado está a intervir na Economia de uma forma brutal. O que devia era reprogramar as suas funções: preocupar-se com a regulação e repensar a política fiscal. “ Há duas ou três coisas que nos caracterizam como povo, a principal é o individualismo. Isso impede-nos de trabalhar em equipa. E um país que não trabalha em equipa é um país que não tem escala. Bernardo S. Lobo Álvaro Dâmaso (vogal do conselho de administração do Montepio II Diário Económico Terça-feira 30 Abril 2013 LEADERS AGENDA Menos Estado e mais parcerias A solução para as empresas está… nas empresas. O Estado deve ter um papel diminuto na economia. Criação de soluções interpares pode fortalecer as PME. A “ Nos períodos de maior folga nós não investimos. As empresas que estão mal foi porque não investiram: na formação ou na marca. PAULO GIL ANDRÉ ‘Managing partner’ da Baker Tilly “ Teremos mesmo de olhar para outros mercados. ... por exemplo, para todos os países que falam português… estamos a falar de 250 milhões de pessoas. FRANCISCO FEBRERO CEO da ROFF Lideranças fracas Rui Dias Ferreira, à direita, afirma que é necessário convencer os estrangeiros que “Portugal é o melhor país para viver e não só para passar férias”. Baker Tilly A Baker Tilly International é uma das maiores organizações mundiais de prestação de serviços de auditoria, consultoria fiscal, consultoria de gestão e financeira. Com actividade em 131 países (672 escritórios), incluindo Portugal, emprega cerca de 26 mil profissionais. Em 2012, o volume de facturação ascendeu a 3,3 mil milhões de dólares. A Baker Tilly e as suas firmas investem, em média, cerca de 5% da sua receita em formação. Presta apoio aos clientes na optimização dos seus investimentos, através de equipas multidisciplinares, capazes de prestar aconselhamento em diversas áreas. » A qualidade das lideranças foi um dos temas discutidos neste debate. O diagnóstico não se revelou positivo: há ‘deficit’ de boas lideranças empresariais e políticas. Paulo Gil André tipificou uma das falhas mais comuns de gestão: “O reforço da remuneração da estrutura accionista em vez do reinvestimento dos lucros”. A visão excessivamente abstracta, macro, com planos megalómanos ao invés de uma análise concreta, micro e com medidas bem direccionadas e mensuráveis foi outro dos exemplos dados pelo principal consultor da Baker Tilly. “Porque é que estamos a discutir se a saúde deve ser pública ou privada e não discutimos como é que se gere bem um hospital, seja público ou privado?” A avaliação dos resultados, a ausência de incentivos em função dos resultados/produção e a incapacidade de ouvir os próprios trabalhadores são outras das lacunas de muitos dos nossos empresários e gestores, segundo Paulo Gil André. que esta “anda muito atrás do Estado”, tendência de que a construção de auto-estradas nas últimas décadas é um ilustrativo exemplo. A crítica do CEO da ROFF aos bancos – “a banca, no caso da ROFF, olha para tudo menos para o essencial, que é o negócio que a empresa tem, porque se tivesse um bocado de atenção, apoiava-nos” – foi corroborada por Cristina de Sousa, que relatou uma situação concreta relativamente a garantias reais pedidas à Raporal no contexto de uma linha de financiamento já garantida pelo Estado. O financiamento fácil constituiu outro dos erros apontado à banca (“dinheiro barato demais”, segundo Paulo Gil André), erro esse reconhecido pelo administrador do Montepio. No campo das soluções, há três que são comummente indicadas: maior flexibilidade de Estado e banca; abertura ao mercado de capitais; e menor individualismo – as duas últimas especialmente dirigidas às PME. Álvaro Dâmaso lançou o tema das formas alternativas de financiamento, nomeadamente através de fusões/aquisições e dos mercados de capitais: “Temos de dirigir os fundos de investimento para o capital social. Mas para isso vai ser necessário repartir o capital; não podemos manter as empresas com o capital divido apenas por uma família, isso é mau”. Isso permitiria, como referiu Miguel Gomes da Costa, “dar escala aos investimentos das nossas empresas”, um problema com o qual se deparara com frequência na COSEC. Mas esta perspectiva de parcerias/associações, pontuais ou orgânicas, é encarada com grande relutância pelos empresários portugueses, como reconheceu a maioria dos gestores presentes. “Não há espírito de equipa no meu sector”, afirmou Cristina de Sousa. Do debate promovido pela Baker Tilly emergiu uma ideia clara, uma área de potencial negócio para os empresários portugueses desenvolverem no estrangeiro e até um desígnio nacional: Portugal como local de primeira habitação. Rui Dias Ferreira explicitou o conceito “Portugal, o melhor país do mundo para viver” – e referiu como operacionalizá-lo: “Devíamos convencer os estrangeiros que nos visitam de que Portugal é o melhor país para viver e não só para passar férias”. ■ » s empresas devem procurar ser mais autónomas do Estado, não ficando na sua dependência (mesmo que indirecta) para desenvolver os respectivos negócios. Este foi o traço-forte do debate promovido pela Baker Tilly, na passada semana, em Lisboa. Estado, banca e lideranças estiveram debaixo de fogo. No plano dos problemas que enfrentam as empresas em Portugal, estas três “entidades” surgiram mesmo no topo das referências dos seis intervenientes. Ao Estado é atribuído o pecado de intervir demais e de forma errada na economia. Álvaro Dâmaso começou por criticar o seu papel nesta crise: “Desde logo, a intervenção na banca foi violenta, não sei se seria necessária. Quase nacionalizou todo o sector.” Para o administrador do Montepio Geral, o Estado deve reprogramar as suas funções e restringir-se a duas acções: “regular a economia” e “definir a política fiscal”. O antigo presidente da Bolsa de Valores considera que a “política fiscal deve ser repensada de cima a baixo”, pois “está toda errada e é profundamente desigualitária”. Rui Dias Ferreira apenas espera do Estado “duas coisas, que este ainda não faz”: “Cobrar menos impostos e pagar a horas”. Para o presidente executivo da Vortal esta baixa expectativa tem raízes políticas e deve-se ao país socialista (não liberal) que somos: “Temos de perder o tique de pensar que o Estado vai resolver alguma coisa. Podia resolver, mas não quer resolver. E não quer resolver porque as pessoas que elegem os governos não querem”. Rui Dias Ferreira faz mesmo um apelo: “As empresas não precisam de ajuda nenhuma do Estado, só queremos é que não atrapalhe!” A presidente da Raporal, Cristina de Sousa, critica justamente na actuação do Estado o facto de atrapalhar ou de “criar constrangimentos” ao crescimento da fileira da carne de porco, designadamente pela imposição de algumas normas (nos licenciamentos) que impedem o desenvolvimento das empresas que actuam neste sector. Já para Francisco Febrero, o papel negativo do Estado arrasta também consigo o da banca, já Francisco Febrero, ao centro, condena os excessos, como o da construção de auto-estradas nos últimos anos. Terça-feira 30 Abril 2013 Diário Económico III QUEM É QUEM? ÁLVARO DÂMASO Licenciado em Direito, Álvaro Dâmaso possui um extenso curriculum na área económico-financeira e de gestão: presidente da Bolsa de Valores de Lisboa e Porto, CMVM, ANACOM, Banco Comercial dos Açores, BNU-CAPITAL, LUSOFACTOR, entre muitos outros cargos executivos. Desde Dezembro de 2009, é vogal do conselho de administração do Montepio Geral. Desempenha igualmente as funções de presidente da Assembleia Geral da Benfica SAD. PAULO GIL ANDRÉ Com vasta experiência em auditoria e consultoria financeira a clientes dos sectores de grande consumo, mídia, publicidade e construção civil, Paulo Gil André está na Baker Tilly desde 2009, onde é o responsável pela área de Assurance. Entre 1998 e 2004 coordenou a divisão de Enterprise Risk Management na Andersen/Deloitte. MIGUEL GOMES DA COSTA Álvaro Dâmaso entende que é necessário repensar a política fiscal de alto a baixo. » » Licenciado em Engenharia Químico-Industrial pelo Instituto Superior Técnico, Miguel Gomes da Costa tem uma carreira assinalável no sector financeiro. Já foi presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Leasing, da Sulpedip, da BPI Leasing e da BPI Factor. Na COSEC – Companhia de Seguro de Créditos, foi presidente da comissão executiva antes de assumir a presidência do conselho de administração, cargo que exerce há vários anos. Paulo Gil André recomenda menor individualismo e maior abertura das PME ao mercado de capitais. Miguel Gomes da Costa salienta a importância de continuar a diversificar o comércio externo português para fora da OCDE. CRISTINA DE SOUSA Filha de um dos fundadores da Raporal (empresa dedicada à fileira da carne de porco), Cristina de Sousa prosseguiu os estudos na área da Engenharia Agrícola, acabando por tomar as rédeas do negócio da família. Desenvolveu actividade na área docente, na consultoria e assumiu responsabilidades em várias associações ligadas ao sector agro-industrial: presidente da Associação das Mulheres Agricultoras Portuguesas e da Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais. FRANCISCO FEBRERO RUI DIAS FERREIRA Fotos: Bernardo S. Lobo “Leaders Agenda: Desafios 2013” serviu de base ao debate com os empresários e gestores. » O ESTUDO A especialização no ‘software’ de gestão SAP determinou a vida profissional de Francisco Febrero. Após exercer funções na Coopers & Lybrand e na Sigil, fundou (com mais quatro consultores) a ROFF, empresa na qual é CEO desde 2000 e que é uma referência na consultoria em soluções SAP. A ROFF é hoje um grupo de empresas com mais de meio milhar de operacionais e com escritórios em sete países e quatro continentes. Após uma dúzia de anos na Accenture – onde liderou o sector de Engineering & Contruction –, Rui Dias Ferreira fundou, em 2000, a Vortal, que se dedica à criação de plataformas electrónicas de contratação, através das quais compradores e fornecedores podem adquirir e vender bens e serviços. Em 2012, a Vortal transaccionou, em contratos que passaram pelas suas plataformas, 2,9 mil milhões de euros. IV Diário Económico Terça-feira 30 Abril 2013 LEADERS AGENDA Cristina de Sousa, à esquerda, garante que Portugal tem ainda muito espaço para crescer no sector agro-alimentar. O ESTUDO Leaders Agenda: Desafios 2013 >> Mil líderes de empresas portuguesas aceitaram revelar os seus principais desafios e prioridades para 2013 aos auditores da Baker Tilly. O “Leaders Agenda: Desafios 2013” serviu de base ao debate da passada semana e, mais do que isso, constitui um valioso documento de trabalho, já que, pelo considerável volume de informação recolhida, permite ser o ponto de partida para uma reflexão mais profunda acerca dos factores críticos de competitividade das empresas. Eis os principais resultados apurados nos quatro temas-chave do questionário (tal qual foi apresentado aos gestores): NEGÓCIO >> 42% dos inquiridos prevê que a sua organização cresça em 2013; >> A expansão para o mercado internacional é a prioridade; >> 53% pretende actuar de forma acentuada e relevante sobre os custos. Bernardo S. Lobo FINANÇAS De olhos no estrangeiro mas com estratégia definida Abordar novos mercados exige opções prévias e conhecimento sobre a capacidade da empresa para entrar naqueles destinos. RECURSOS HUMANOS >> 89% dos inquiridos considera que vai actuar sobre a dimensão de recursos humanos em 2013. PROPOSTA DE PRIORIDADES PARA 2013 rojectar-se para o espaço internacional é uma boa via para o crescimento das empresas, mas deve resultar de uma análise global estratégica e não implica desprezar o mercado doméstico. Foi neste duplo sentido que convergiram as opiniões dos gestores e empresários convidados pela Baker Tilly relativamente ao investimento empresarial português no estrangeiro. “Teremos mesmo de olhar para outros mercados. Nós temos jeito para trabalhar fora de Portugal. Para nós é extremamente fácil, por exemplo, fazê-lo para países que falam português, e estamos a falar de um universo de 250 milhões de pessoas”, observou Francisco Febrero. Para Rui Dias Ferreira, entrar no mercado internacional não é necessariamente sinónimo de exportar, bem pelo contrário: “O nosso desafio é de internacionalização e não de exportação. A maior parte das empresas portuguesas, sendo de serviços, não tem nada para exportar, mas sim para internacionalizar”. Além da opção entre exportar e internacionalizar, outra escolha decisiva é a de investir sozinho ou acompanhado: “A internacionalização das empresas portuguesas sem uma parceria de investidores locais é extremamente difícil”, afirmou Miguel Gomes da Costa, lembrando que os países da América Latina e Angola estão bastante receptivos a estas parcerias. Álvaro Dâmaso corroborou esta visão não individualista e sublinhou que, ainda em ter- “ Tudo está preparado no sentido de sermos permanentemente bombardeados com a necessidade de irmos para fora. CRISTINA DE SOUSA Presidente da Raporal “ A internacionalização das empresas portuguesas sem uma parceria de investidores locais é extremamente difícil. MIGUEL GOMES DA COSTA Presidente da COSEC ritório nacional, há três formas de aumentar a dimensão das nossas empresas, logo, de lhes dar mais força no investimento: aumento do capital social, fusões e aquisições entre si. A definição do local onde realizar o investimento deve também ser concertada ou, pelo menos, precedida de uma análise de mercado: “Valia a pena as empresas portuguesas coordenarem esse mapa de expansão, para não nos andarmos a atropelar em alguns países. Em Angola, por exemplo, o que as empresas portuguesas estão a fazer é a canibalizarem-se umas às outras”, argumentou Rui Dias Ferreira. O presidente da COSEC salientou o grande interesse das empresas na exportação/internacionalização para os chamados países de risco político (fora da OCDE). De entre estes, em 2012, destacaram-se sete destinos, que representaram 76% do total do investimento das empresas portuguesas para esse grupo de países: Venezuela (que lidera a lista, com muitos investimentos nas tecnologias de informação), Angola, Brasil, Marrocos/Tunísia, Moçambique, Cabo Verde e Turquia. Apesar do encorajamento para investir no estrangeiro, alguns dos gestores que participaram no debate deixaram o alerta para o erro de se descurar o mercado nacional. Cristina de Sousa deu mesmo o exemplo da sua área (pecuária): “No sector da fileira da carne de porco, apenas produzimos cerca de 50 e pouco por cento do que consumimos. Acredito que temos de estar muito virados para dentro, porque temos aqui espaço para crescer”. ■ >> 58% considera o desemprego e a instabilidade social os principais riscos de Portugal em 2013; >> 34% entende que a prioridade para as empresas passa pelo crescimento; >> 55% afirma que as oportunidades para o negócio em 2013 focam-se sobretudo na redução de custos, na internacionalização e na exportação. Bernardo S. Lobo P >> 46% dos inquiridos considera a necessidade de financiamento do negócio como fundamental; >> A actuação na gestão do financiamento será feita, sobretudo, através da renegociação da dívida e da renegociação das condições com clientes e fornecedores; >> A actuação na gestão da tesouraria passará pela melhoria na selecção de clientes, pela venda a pronto pagamento ou exigência de pagamentos parcelares, e pela restrição na concessão de crédito.