A resolução de problemas
ambientais locais deve ser um
tema-gerador ou a atividade-fim
da educação ambiental? 1
Philippe Pomier Layrargues∗
Resolução de problemas,
uma metodologia privilegiada
A Conferência de Tbilisi, realizada pela Unesco em 1977 na ex-URSS e
considerada o marco conceitual da educação ambiental (Dias, 1993), apresenta
uma visão da realidade bastante crítica, demonstrando que as origens da atual
crise ambiental estão no sistema cultural da sociedade industrial, cujo paradigma
norteador da estratégia desenvolvimentista, pautada pelo mercado competitivo
como a instância reguladora da sociedade, fornece uma visão de mundo
unidimensional, utilitarista, economicista e a curto prazo da realidade, onde o ser
humano ocidental percebe-se numa relação de exterioridade e domínio da
natureza.
Essa interpretação rompe frontalmente com a percepção ainda cristalizada
por muitos educadores que acreditam que as causas dos impactos ambientais
são, entre outros fatores, a explosão demográfica, a agricultura moderna, e a
crescente urbanização e industrialização, como se tais fenômenos estivessem
dissociados da visão de mundo instrumental da sociedade na qual foram
originados. Aguilar (1992) acrescenta que a grande relevância de Tbilisi reside na
ruptura com as práticas ainda reduzidas ao sistema ecológico, por estarem
demasiadamente implicadas com uma educação meramente conservacionista.
Então, fortemente atrelado aos aspectos políticos-econômicos e socioculturais,
não mais permanecendo restrito ao aspecto biológico da questão ambiental, o
documento de Tbilisi ultrapassa a concepção das práticas educativas que são
1
In: REIGOTA, M. (Org.). Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP&A Editora.
1999. p. 131-148.
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Doutorado na Universidade Estadual de Campinas em Ciências Sociais, na linha de pesquisa
sobre Ambiente, Tecnologia e Desenvolvimento. É biólogo (USU), especialista em Planejamento e
Educação Ambiental (UFF), e realizou seu mestrado no Programa de Estudos Interdisciplinares em
Ecologia Social e Comunidade, no Instituto de Psicologia da UFRJ. É autor de A Cortina de
Fumaça: o discurso empresarial verde e a ideologia da racionalidade econômica (Annablume.
1998).
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descontextualizadas, ingênuas e simplistas, por buscarem apenas a incorporação
do ensino sobre a estrutura e funcionamento dos sistemas ecológicos ameaçados
pelo ser humano.
Nesse cenário de mudança perceptiva, a Conferência de Tbilisi lançou uma
importante recomendação que diz respeito a estratégia metodológica da ação
educativa: a resolução de problemas ambientais locais, que deve se configurar
como o elemento aglutinador da construção de uma sociedade sustentável:
“La caracteristica más importante de la educación ambiental consiste
probablemente en que apunta a la resolución de problemas concretos. Se trata de
que los indivíduos, cualquiera que sea el grupo de la población al que pertenezcan
y el nivel en que se sitúen, percibam claramente los problemas que coartan el
bienestar individual o colectivo, diluciden sus causas y determinen los medios que
pueden resolverlos. De este modo, los individuos estarán en condiciones de
participar en la definición colectiva de estrategias y actividades encaminadas a
zanjar los problemas que repercuten en la calidad del medio ambiente.” (Unesco,
1980).
Surge então a estratégia da resolução de problemas ambientais locais, na
busca de uma aproximação do vínculo entre os processos educativos e a
realidade cotidiana dos educandos, onde a ação local representa a melhor
oportunidade tanto do enfrentamento dos problemas ambientais, como da
compreensão da complexa interação dos aspectos ecológicos com os políticoeconômicos e socioculturais da questão ambiental. A partir desta ótica, para além
de se trabalhar pontualmente questões globais e distantes da realidade, como a
redução da camada de ozônio, as queimadas nas florestas tropicais, o comércio
do lixo tóxico, a desertificação ou a extinção de espécies, o educador deve
priorizar em sua prática a pauta dos problemas locais que afetam as suas
comunidades.
Alguns anos mais tarde, a própria Unesco (1985) lançou um programa que
consistiu na promoção da educação ambiental através da resolução de problemas
locais, assumindo-a como uma estratégia metodológica privilegiada para a prática
educativa. Com isso, essa metodologia adquiriu crescente destaque como um
relevante instrumento para a prática da educação ambiental.
A resolução de problemas ambientais locais carrega um valor altamente
positivo, pois foge da tendência desmobilizadora da percepção dos problemas
globais, distantes da realidade local, e parte do princípio de que é indispensável
que o cidadão participe da organização e gestão do seu ambiente de vida
cotidiano. Aqui, a participação transcende a clássica fórmula de mera consulta à
população, pois molda uma nova configuração da relação Estado e sociedade, já
que envolve também o processo decisório. Participação, engajamento,
mobilização, emancipação e democratização são as palavras-chave. É neste
contexto que o Centre for Educational Research and Innovation (1995) julga que
valer-se do contexto local como uma ferramenta para a educação ambiental
permite o desenvolvimento da qualidade dinâmica nos educandos, despertando o
sentimento da visão crítica e da responsabilidade social, vitais para a formação da
cidadania.
Porém, a estratégia da resolução de problemas ambientais locais como
metodologia da educação ambiental permite que dois tipos de abordagens
possam ser realizadas: ela pode ser considerada tanto como um tema-gerador de
onde se irradia uma concepção pedagógica comprometida com a compreensão e
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transformação da realidade; ou como uma atividade-fim, que visa unicamente a
resolução pontual daquele problema ambiental abordado. Portanto, este ensaio
objetiva discutir as implicações ideológicas das duas orientações metodológicas
do enfoque da resolução de problemas ambientais locais. A partir da abordagem
teórica para análise do ambientalismo, a categoria tema-gerador/atividade-fim
configura-se no eixo analítico, distinguindo as iniciativas pedagógicas
comprometidas com a transformação da realidade daquelas que visam apenas
sua adequação às novas realidades.
Abordagens teóricas da análise do
ambientalismo
Viola (1992) esquematizou as três abordagens teóricas usualmente
utilizadas para a análise do ambientalismo: o Grupo de Interesse, o Novo
Movimento Social, e o Movimento Histórico. Segundo o primeiro enfoque, o
ambientalismo seria apenas mais um movimento social, que emerge sob um
contexto acentuadamente pragmático, uma vez que possui a função específica de
promover a proteção ambiental, frente aos abusos de determinados atores
sociais. Este movimento caracteriza-se por não apresentar qualquer desafio ao
sistema político e econômico, pois visa uma ação pontual para resolver um
problema local específico. Assim destituído de qualquer teor crítico, o combate
dirige-se apenas aos indivíduos e instituições considerados poluidores ou
depredadores na sociedade.
Para o segundo enfoque, o ambientalismo seria um movimento social que
identifica no sistema econômico capitalista a origem do problema ambiental, por
visualizar contradições inerentes entre os princípios do ambientalismo com
relação à doutrina capitalista. Assim apresentado, o ambientalismo seria um
movimento portador de algum teor crítico, diferentemente do primeiro enfoque. O
combate é aqui dirigido ao sistema econômico, o que evidentemente, apresentase como um elemento perturbador ao sistema político vigente. Já o terceiro
enfoque entende o ambientalismo como um movimento de alto teor crítico.
Ultrapassa o questionamento do sistema econômico, pois verifica que tanto o
capitalismo como o socialismo são oriundos de uma mesma matriz paradigmática.
Assim, tal perspectiva considera que a civilização ocidental estaria impregnada de
valores culturais anti-ecológicos, e portanto, a manutenção do rumo atual
representa a própria insustentabilidade. Dessa forma, o combate é dirigido ao
corpo ideológico hegemônico como um todo, o que representa uma ameaça ainda
mais forte ao sistema político.
Estas abordagens, mais do que sistematizar atores sociais dentro de
categorias específicas, denotam uma determinada visão mundo que se tem do
problema ambiental. A primeira percebe o mundo sob uma ótica reducionista,
abordando apenas um elemento, ou na melhor das hipóteses, um pequeno
conjunto de elementos presente no sistema. A segunda já visualiza um subsistema, abordando a complexidade relacional dos elementos internos, e
finalmente, a terceira categoria, visualiza o sistema como um todo.
4
A inserção da educação ambiental
no ambientalismo
Se considerarmos a educação ambiental como a porta-voz do
ambientalismo, evidentemente podemos traçar paralelos entre ela e o quadro
tipológico da análise do ambientalismo. Nesse sentido, há uma forte similaridade
para com a questão da estratégia metodológica da resolução de problemas
ambientais locais, orientada seja pelo enfoque da atividade-fim, ou do temagerador da educação ambiental: assim, enquanto a abordagem do Grupo de
Interesse está relacionada ao enfoque da resolução de problemas como
atividade-fim, a abordagem do Novo Movimento Social e do Movimento Histórico
convergem para o enfoque da resolução de problemas ambientais como um temagerador.
Considerando o problema ambiental sob a perspectiva do Movimento
Histórico, verifica-se que a atual desordem da biosfera é a consequência de uma
longa e complexa cadeia de relações entre o mundo humano e o mundo natural.
Assim, pode-se dizer que a questão ambiental não é nada mais do que uma das
expressões oriundas dos conflitos gerados no interior desta relação. É a
materialização do desgaste da relação de uma determinada sociedade – a
industrializada de consumo – com a biosfera, relação essa que se desenrola em
bases assimétricas, por declinar-se um diálogo em favor de um monólogo com a
natureza. Assim sendo, ao invés de debruçarmos as práticas educativas sobre os
aspectos ecológicos, enquanto uma mera disciplina das ciências naturais,
devemos considerar prioritariamente a articulação em cadeia dos aspectos
políticos, econômicos, culturais, sociais e éticos presentes no problema ambiental
abordado.
Desconsiderando a questão filosófica do distanciamento da relação
sujeito/ser humano versus objeto/natureza, desejamos aqui atentar unicamente ao
reducionismo, que decompõe a realidade em fragmentos que reduzem a
complexidade dos sistemas, uma vez que desta constatação resulta a
interpretação do significado da postura da resolução de problemas ambientais
locais ou como atividade-fim ou como tema-gerador.
A imagem que deve balisar o nosso raciocínio, daqui em diante, é a do
“Efeito Dominó”. Quando colocamos as peças do jogo em pé e enfileiradas
formando uma longa sequência, para em seguida derrubar a peça inicial somente
para ver a reação em cadeia das peças sendo velozmente derrubadas umas após
as outras até que a última peça em pé por fim caia, o que nos chama a atenção é
o processo em si, a dinâmica da queda das peças empurrando a subsequente. É
essa imagem que talvez seja a mais apropriada para entendermos o fenômeno da
complexidade ambiental.
Não foi por acaso que Dorst (1979), analisando o declínio de florescentes
civilizações antigas, como a Indu, a Khmeriana, e a Maia por exemplo, rompe com
a clássica conclusão de que motivos políticos é que geraram a queda de tais
impérios, e demonstra a imbricação de fenômenos naturais potencializados pela
interferência antropogênica acima de certos limites ecossistêmicos, numa longa e
complexa reação em cadeia, como evidencia a imagem do “Efeito Dominó”. O
caso Maia é exemplar: o plantio de milho em terras agricultáveis cada vez mais
inclinadas, acarretou no desmatamento, que por um lado provocou processos
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erosivos, e por outro lado, diminuiu a quantidade e qualidade das águas. A erosão
do solo, por sua vez, provocou o assoreamento dos rios, mas também a perda de
nutrientes nas lavouras. O assoreamento dos rios, prosseguindo a sequência da
reação em cadeia, resultou em inundação nas cidades nas planícies, e na perda
da capacidade de transporte fluvial, a melhor alternativa de locomoção dos Maias.
O quadro de instabilidade no sistema causou tantos desequilíbrios ecológicos,
como sociais, e a resultante foi a instabilidade política, a desestabilização
econômica e a desarticulação da organização social, incapaz de responder à
altura do desafio, fragilizando todo o império.
A educação ambiental entre duas águas
Brügger (1994) esclarece que se há necessidade de se colocar o adjetivo
ambiental na educação tradicional, é por que esta não é ambiental, ou seja, é
potencializadora de ações de degradação ambiental em suas variadas formas.
Todavia, a autora reforça que o problema ambiental não possui sua origem
simplesmente na falta de educação dos indivíduos, mas sim na visão de mundo
que impregna o paradigma hegemônico de valores contrários aos princípios
ecológicos. Portanto, entende-se que a pura transmissão de informações a
respeito dos processos ecológicos, na perspectiva do “conhecer para preservar”, é
absolutamente insuficiente para a promoção de uma educação que se pretenda
crítica e transformadora da realidade. O objeto da educação ambiental não é
propriamente a ausência de conhecimentos ecossistêmicos, a desinformação a
respeito dos aspectos ecológicos. Antes disso, é a própria visão de mundo
instrumental que favorece uma atitude utilitarista, face aos valores culturais da
nossa sociedade. Assim como meio ambiente não é sinônimo de natureza, e a
problemática sócioambiental não é sinônimo de desequilíbrio ecológico, a
educação ambiental não é sinônimo de ensino de ecologia.
Se esta equação estiver correta, é sensato julgar que as orientações
pedagógicas devem voltar-se majoritariamente à busca de um alcançe maior da
educação ambiental, onde a proposta central reside na transformação da
realidade. Caso contrário, a prática educativa que privilegia a perspectiva dos
aspectos naturais e ecológicos traduz-se num projeto político reformista, e
equivale mais a um adestramento ambiental do que à educação ambiental, como
prefere dizer a autora acima citada.
Fazem coro a esta concepção de educação ambiental, uma série de
educadores brasileiros (Dias, 1993; Reigota, 1994; Viezzer & Ovalles, 1995),
conscientes da complexidade da questão ambiental, que transcende os aspectos
ecológicos, para orbitar na esfera político-ideológica. Até mesmo porque a crise
que ora a sociedade industrializada de consumo vivencia não é ecológica, e sim
civilizacional. Não é a natureza que se encontra em desarmonia, é a nossa
sociedade, e tal consideração simplesmente nos serve como um reforço à
necessidade de se priorizar nos conteúdos educativos as relações políticoeconômicas e socioculturais nas práticas pedagógicas, transcendendo a lógica
simplista dos conteúdos ecológicos.
A educação ambiental não é neutra, é ideológica. Traduz-se em atos
políticos, que visam ou a manutenção da correlação de forças sociais na atual
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configuração, ou a sua transformação. É interessante lembrar que o governo
federal brasileiro já havia afirmado que a educação ambiental deve capacitar o
educando ao pleno exercício da cidadania, e que a tendência natural seja de que
a educação ambiental se transforme em educação política, entendendo que o
fundamento da degradação ambiental não está na ignorância dos processos
ecológicos da natureza, mas sim no estilo predatório da apropriação dos recursos
naturais (CIMA, 1991) que encontra paralelo na apropriação da mão-de-obra da
classe trabalhadora. Com efeito, Reigota (1994) reforça esta afirmação,
esclarecendo que a educação ambiental deve ser definitivamente compreendida
como uma educação política, preparando cidadãos capacitados a entender o por
que fazer algo, não se detendo apenas no como fazer; ou seja, enfatizando o
componente reflexivo, tão importante quanto o ativo.
Desse modo, presencia-se duas vertentes que compõem os projetos
políticos ambientalistas: a hegemônica, que no movimento conservador deseja
impor um projeto reformista, adequando-se em alguns aspectos às novas
realidades, mas mantendo intacta a ideologia da racionalidade econômica; e a
subversiva, que busca a tentativa de implantar um projeto transformador,
traduzido pela inserção da racionalidade ecológica no núcleo ideológico de nossa
sociedade.
A primeira vertente se resume apenas na possibilidade de mudança de
comportamentos, mas nunca de valores, conforme Brügger (1994) salientou e que
em outra ocasião tivemos a oportunidade de discutir, para o caso da educação
ambiental praticada ou comprometida com o ambientalismo empresarial
(Layrargues, 1996); enquanto que para a segunda vertente, a premissa básica é a
própria mudança de valores. Então, se tomamos a prática da resolução de
problemas ambientais locais como atividade-fim – assim como o Grupo de
Interesse –, perde-se a possibilidade de compreensão da complexa inter-relação
dos componentes político-econômicos e socioculturais da questão ambiental, o
que já não acontece quando se entende a resolução de problemas ambientais
como tema-gerador.
Leonardi (1997), em pesquisa realizada no interior de São Paulo, verificou
entre outras coisas, que a proposta educativa de resolução de um problema local
na prática, como a recuperação de uma área degradada com o plantio de
espécies nativas por exemplo, tem se esgotado nela mesma. Ou seja, a atividade
educativa não vingou discussões maiores do que a própria técnica de plantio. A
autora suspeita ainda que o mesmo esteja ocorrendo com o caso da coleta
seletiva de lixo, que ao invés de ser um tema-gerador do questionamento do
consumismo e da lógica produtiva do mercado que impinge a obsolescência
crescente dos produtos, torna-se um mero momento do processo de reciclagem
que trará algum recurso financeiro para a escola; ao que Vasconcellos (1998)
concorda, acrescentando que a educação ambiental no país, na prática está
constantemente em função de atividades pontuais e específicas, como por
exemplo a organização de hortas e a comemoração de dias especiais como o Dia
da Árvore ou o Dia do Meio Ambiente.
Não basta promover campanhas educativas para controlar a poluição
atmosférica provocada por veiculação motora, se a indústria automobilística não
ceder espaço ao transporte coletivo, e o reinado do automóvel particular não for
destronado. Não basta controlar as “pragas” na agricultura, se o padrão
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prevalecente ainda é a monocultura intensiva, minando a biodiversidade. Não
basta pensar nas gerações futuras, incluindo a perspectiva do longo prazo, se o
mercado continua atuando como a instância máxima da regulação social. Não
basta enfim, tornar a economia ecológica, se a racionalidade permanece
econômica.
A educação ambiental desenvolvida a partir da resolução de problemas
ambientais orientada como uma atividade-fim, por maior que seja o aprendizado
da experiência prática e o desenvolvimento de qualidades dinâmicas e ativas,
fomenta a percepção equivocada de que o problema ambiental não está inserido
numa cadeia sistêmica de causa-efeito, e que sua solução encontra-se na órbita
da esfera técnica. Toma-se a parte pelo todo, e reduz-se a causa pela
consequência. Acaba por promover a realização de projetos reformistas, cuja
mudança será de ordem puramente comportamental, reduzindo a zero o risco da
ameaça de desestabilização da ordem ideológica vigente. O enfoque da resolução
de problemas ambientais orientado como atividade-fim não é suficiente como
finalidade, partindo-se do pressuposto de que a mudança de valores nos
educandos poderá ocorrer por conta própria. Não há garantias de que resolvido o
problema alvo da ação pedagógica, o elemento causador da degradação
ambiental não venha a se repetir, pois nessa perspectiva não se instala o
potencial de crítica ao status quo.
Valores não podem ser transmitidos, eles devem ser construídos, e de
acordo com o CERI (1995), afirmar que o conhecimento por si só já é capaz de
produzir sensibilidade e consciência ambiental, e por conseguinte, novos
comportamentos para a formação de uma sociedade sustentável é uma afirmação
simplista e arriscada. O CERI sustenta ainda, a existência de uma distinção
relevante a apontar, entre educação para o meio ambiente, de uma educação
sobre o meio ambiente, e uma educação através do meio ambiente. Apenas a
primeira teria reunidas as condições para engajar os educandos na ativa
resolução de problemas ambientais locais, envolvendo uma vasta gama de
conhecimentos, capacidades, valores e objetivos, que não são atingidos
unicamente pelo ensino de conceitos e fatos ambientais (para o caso da
educação sobre o meio ambiente) ou pela leitura experimental da natureza (para
o caso da educação através do meio ambiente). Como ressalta Aguilar (1992), a
finalidade maior da educação ambiental reside na promoção de uma consciência
ecológica que envolva o questionamento das verdadeiras causas da degradação
ambiental, não se contentando apenas com a preocupação reducionista da
proteção ambiental.
Nesse sentido, a metodologia da pesquisa-ação (Thiollent, 1992), desponta
como uma metodologia de pesquisa social que se configura como uma importante
contribuição metodológica capaz de orientar a elaboração de projetos em
educação ambiental. Definindo com precisão os objetivos a serem atingidos, a
metodologia da pesquisa-ação classifica-os em três esferas: a resolução do
problema concreto que demandou a concentração de esforços dos atores sociais
envolvidos na questão, a produção de conhecimento teórico propriamente dito, e
finalmente, a transformação/conscientização dos participantes como público-alvo.
Assim posto, tem-se a garantia de que a resolução de problemas não se tornará a
instância prioritária das ações educativas. Dessa forma, a resolução dos
problemas configura-se como uma das etapas do processo educativo, e não a
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finalidade maior. A possibilidade de articular a metodologia da pesquisa-ação com
a resolução de problemas ambientais locais permite evitar que o risco do
reducionismo contamine a prática educativa, não se restringindo a mera resolução
do problema abordado. Pedagogicamente, segundo o CERI (1995), a atenção
conferida à resolução de problemas força os estudantes a se concentrarem nos
resultados, o que redunda obviamente numa perspectiva reducionista. E isso faz
com que se acredite que é correto e possível achar soluções efetivas e imediatas
para os problemas abordados. Todavia, entender o problema, na instância do
aprendizado, é mais importante do que resolvê-lo, e neste sentido, o CERI
recomenda a metodologia da pesquisa-ação como o instrumento privilegiado para
o desenvolvimento da educação ambiental. De fato, relatando suas experiências,
Vasconcellos (1998) afirma ter obtido sucesso ao aplicar a metodologia da
pesquisa-ação na educação ambiental em escolas com crianças de classes
populares, em sua maioria moradoras de favelas da cidade do Rio de Janeiro.
Pensar o futuro com os pés no presente
Levy (1995) argumenta que o biólogo Vincent Lebeyrie dizia em 1978 que a
função maior do ecologismo estava voltada à restituição da complexidade das
causas, colocando em xeque o simplismo do raciocínio reducionista; e que 17
anos após esta constatação, o ecologismo não obteve força suficiente para
entender a pertinência de tal postulado. Acrescentamos, reconhecidamente sem
muita originalidade, que já se passaram mais de duas décadas, e isso não bastou
para surtir algum efeito. Todavia, certamente se configura em tempo suficiente
para entendermos que a questão ambiental passa mais pela esfera ideológica do
que qualquer outra coisa.
Enzenberger (1977), discutindo a implicação ideológica da mundialização
da questão ambiental causada por problemas globais como por exemplo a chuva
ácida e o efeito-estufa, verificou que este fato contribuiu como um dos elementos
para a criação da imagem da “espaçonave-terra”, da expressão “estamos todos
no mesmo barco”, e da máxima “pensar global, agir local”. Mas Enzenberger pôde
concluir também que os atores sociais diretamente vinculados na desordem global
da biosfera ficaram camuflados sob o manto do “homem genérico e abstrato”, uma
vez que diante desta nova pauta ambiental a humanidade como um todo estaria
comprometida com as causas da interferência na dinâmica da biosfera, e assim
diluiu-se a responsabilidade social pelos danos ambientais globais, tendo como
resultado, um esvaziamento político daquilo que poderia conter um alto teor
crítico. Eleva-se à condição de espécie biológica e não de padrões culturais a
causa da crise ambiental. Daí a prevalência da abordagem biologiscista do
crescimento populacional do Homo sapiens ser entendida como o maior perigo
para a natureza. Aqui, não há uns mais responsáveis do que outros, e tampouco
há uns mais atingidos do que outros pela degradação ambiental. Os conflitos
sociais que em última análise desgastam a biosfera, tornam-se invisíveis, e todos
seriam igualmente responsáveis e atingidos.
É preciso que fique claro que assumir o enfoque da resolução de
problemas ambientais locais, orientado pragmaticamente a partir da perspectiva
de uma atividade-fim, pode produzir, como num passe de mágica, o mesmo efeito
9
do “desaparecimento” dos atores sociais e dos condicionantes que propiciaram o
surgimento do problema ambiental tido como objeto didático de enfrentamento.
Ver os fins, e não os meios, oculta todo o processo que derivou nos fins, e se o
único fim visível é a degradação da natureza, omite-se as verdadeiras causas e
seus respectivos responsáveis pelo desequilíbrio da relação da sociedade
contemporânea com a natureza. A tônica do discurso educativo favorecendo a
esfera da ação, em detrimento da reflexão, concentra esforços no caráter
corretivo, em detrimento do preventivo. Decorre que, se o fluxo civilizacional da
atualidade não é sustentabilista, a ação humana busca apenas conformá-lo, ao
invés de substituí-lo. Essa implicação ideológica presente nesta prática
pedagógica é uma armadilha que o educador ambiental deve evitar a todo custo.
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atividade-fim da educação ambiental