A resolução de problemas ambientais locais deve ser um tema-gerador ou a atividade-fim da educação ambiental? 1 Philippe Pomier Layrargues∗ Resolução de problemas, uma metodologia privilegiada A Conferência de Tbilisi, realizada pela Unesco em 1977 na ex-URSS e considerada o marco conceitual da educação ambiental (Dias, 1993), apresenta uma visão da realidade bastante crítica, demonstrando que as origens da atual crise ambiental estão no sistema cultural da sociedade industrial, cujo paradigma norteador da estratégia desenvolvimentista, pautada pelo mercado competitivo como a instância reguladora da sociedade, fornece uma visão de mundo unidimensional, utilitarista, economicista e a curto prazo da realidade, onde o ser humano ocidental percebe-se numa relação de exterioridade e domínio da natureza. Essa interpretação rompe frontalmente com a percepção ainda cristalizada por muitos educadores que acreditam que as causas dos impactos ambientais são, entre outros fatores, a explosão demográfica, a agricultura moderna, e a crescente urbanização e industrialização, como se tais fenômenos estivessem dissociados da visão de mundo instrumental da sociedade na qual foram originados. Aguilar (1992) acrescenta que a grande relevância de Tbilisi reside na ruptura com as práticas ainda reduzidas ao sistema ecológico, por estarem demasiadamente implicadas com uma educação meramente conservacionista. Então, fortemente atrelado aos aspectos políticos-econômicos e socioculturais, não mais permanecendo restrito ao aspecto biológico da questão ambiental, o documento de Tbilisi ultrapassa a concepção das práticas educativas que são 1 In: REIGOTA, M. (Org.). Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP&A Editora. 1999. p. 131-148. Doutorado na Universidade Estadual de Campinas em Ciências Sociais, na linha de pesquisa sobre Ambiente, Tecnologia e Desenvolvimento. É biólogo (USU), especialista em Planejamento e Educação Ambiental (UFF), e realizou seu mestrado no Programa de Estudos Interdisciplinares em Ecologia Social e Comunidade, no Instituto de Psicologia da UFRJ. É autor de A Cortina de Fumaça: o discurso empresarial verde e a ideologia da racionalidade econômica (Annablume. 1998). 2 descontextualizadas, ingênuas e simplistas, por buscarem apenas a incorporação do ensino sobre a estrutura e funcionamento dos sistemas ecológicos ameaçados pelo ser humano. Nesse cenário de mudança perceptiva, a Conferência de Tbilisi lançou uma importante recomendação que diz respeito a estratégia metodológica da ação educativa: a resolução de problemas ambientais locais, que deve se configurar como o elemento aglutinador da construção de uma sociedade sustentável: “La caracteristica más importante de la educación ambiental consiste probablemente en que apunta a la resolución de problemas concretos. Se trata de que los indivíduos, cualquiera que sea el grupo de la población al que pertenezcan y el nivel en que se sitúen, percibam claramente los problemas que coartan el bienestar individual o colectivo, diluciden sus causas y determinen los medios que pueden resolverlos. De este modo, los individuos estarán en condiciones de participar en la definición colectiva de estrategias y actividades encaminadas a zanjar los problemas que repercuten en la calidad del medio ambiente.” (Unesco, 1980). Surge então a estratégia da resolução de problemas ambientais locais, na busca de uma aproximação do vínculo entre os processos educativos e a realidade cotidiana dos educandos, onde a ação local representa a melhor oportunidade tanto do enfrentamento dos problemas ambientais, como da compreensão da complexa interação dos aspectos ecológicos com os políticoeconômicos e socioculturais da questão ambiental. A partir desta ótica, para além de se trabalhar pontualmente questões globais e distantes da realidade, como a redução da camada de ozônio, as queimadas nas florestas tropicais, o comércio do lixo tóxico, a desertificação ou a extinção de espécies, o educador deve priorizar em sua prática a pauta dos problemas locais que afetam as suas comunidades. Alguns anos mais tarde, a própria Unesco (1985) lançou um programa que consistiu na promoção da educação ambiental através da resolução de problemas locais, assumindo-a como uma estratégia metodológica privilegiada para a prática educativa. Com isso, essa metodologia adquiriu crescente destaque como um relevante instrumento para a prática da educação ambiental. A resolução de problemas ambientais locais carrega um valor altamente positivo, pois foge da tendência desmobilizadora da percepção dos problemas globais, distantes da realidade local, e parte do princípio de que é indispensável que o cidadão participe da organização e gestão do seu ambiente de vida cotidiano. Aqui, a participação transcende a clássica fórmula de mera consulta à população, pois molda uma nova configuração da relação Estado e sociedade, já que envolve também o processo decisório. Participação, engajamento, mobilização, emancipação e democratização são as palavras-chave. É neste contexto que o Centre for Educational Research and Innovation (1995) julga que valer-se do contexto local como uma ferramenta para a educação ambiental permite o desenvolvimento da qualidade dinâmica nos educandos, despertando o sentimento da visão crítica e da responsabilidade social, vitais para a formação da cidadania. Porém, a estratégia da resolução de problemas ambientais locais como metodologia da educação ambiental permite que dois tipos de abordagens possam ser realizadas: ela pode ser considerada tanto como um tema-gerador de onde se irradia uma concepção pedagógica comprometida com a compreensão e 3 transformação da realidade; ou como uma atividade-fim, que visa unicamente a resolução pontual daquele problema ambiental abordado. Portanto, este ensaio objetiva discutir as implicações ideológicas das duas orientações metodológicas do enfoque da resolução de problemas ambientais locais. A partir da abordagem teórica para análise do ambientalismo, a categoria tema-gerador/atividade-fim configura-se no eixo analítico, distinguindo as iniciativas pedagógicas comprometidas com a transformação da realidade daquelas que visam apenas sua adequação às novas realidades. Abordagens teóricas da análise do ambientalismo Viola (1992) esquematizou as três abordagens teóricas usualmente utilizadas para a análise do ambientalismo: o Grupo de Interesse, o Novo Movimento Social, e o Movimento Histórico. Segundo o primeiro enfoque, o ambientalismo seria apenas mais um movimento social, que emerge sob um contexto acentuadamente pragmático, uma vez que possui a função específica de promover a proteção ambiental, frente aos abusos de determinados atores sociais. Este movimento caracteriza-se por não apresentar qualquer desafio ao sistema político e econômico, pois visa uma ação pontual para resolver um problema local específico. Assim destituído de qualquer teor crítico, o combate dirige-se apenas aos indivíduos e instituições considerados poluidores ou depredadores na sociedade. Para o segundo enfoque, o ambientalismo seria um movimento social que identifica no sistema econômico capitalista a origem do problema ambiental, por visualizar contradições inerentes entre os princípios do ambientalismo com relação à doutrina capitalista. Assim apresentado, o ambientalismo seria um movimento portador de algum teor crítico, diferentemente do primeiro enfoque. O combate é aqui dirigido ao sistema econômico, o que evidentemente, apresentase como um elemento perturbador ao sistema político vigente. Já o terceiro enfoque entende o ambientalismo como um movimento de alto teor crítico. Ultrapassa o questionamento do sistema econômico, pois verifica que tanto o capitalismo como o socialismo são oriundos de uma mesma matriz paradigmática. Assim, tal perspectiva considera que a civilização ocidental estaria impregnada de valores culturais anti-ecológicos, e portanto, a manutenção do rumo atual representa a própria insustentabilidade. Dessa forma, o combate é dirigido ao corpo ideológico hegemônico como um todo, o que representa uma ameaça ainda mais forte ao sistema político. Estas abordagens, mais do que sistematizar atores sociais dentro de categorias específicas, denotam uma determinada visão mundo que se tem do problema ambiental. A primeira percebe o mundo sob uma ótica reducionista, abordando apenas um elemento, ou na melhor das hipóteses, um pequeno conjunto de elementos presente no sistema. A segunda já visualiza um subsistema, abordando a complexidade relacional dos elementos internos, e finalmente, a terceira categoria, visualiza o sistema como um todo. 4 A inserção da educação ambiental no ambientalismo Se considerarmos a educação ambiental como a porta-voz do ambientalismo, evidentemente podemos traçar paralelos entre ela e o quadro tipológico da análise do ambientalismo. Nesse sentido, há uma forte similaridade para com a questão da estratégia metodológica da resolução de problemas ambientais locais, orientada seja pelo enfoque da atividade-fim, ou do temagerador da educação ambiental: assim, enquanto a abordagem do Grupo de Interesse está relacionada ao enfoque da resolução de problemas como atividade-fim, a abordagem do Novo Movimento Social e do Movimento Histórico convergem para o enfoque da resolução de problemas ambientais como um temagerador. Considerando o problema ambiental sob a perspectiva do Movimento Histórico, verifica-se que a atual desordem da biosfera é a consequência de uma longa e complexa cadeia de relações entre o mundo humano e o mundo natural. Assim, pode-se dizer que a questão ambiental não é nada mais do que uma das expressões oriundas dos conflitos gerados no interior desta relação. É a materialização do desgaste da relação de uma determinada sociedade – a industrializada de consumo – com a biosfera, relação essa que se desenrola em bases assimétricas, por declinar-se um diálogo em favor de um monólogo com a natureza. Assim sendo, ao invés de debruçarmos as práticas educativas sobre os aspectos ecológicos, enquanto uma mera disciplina das ciências naturais, devemos considerar prioritariamente a articulação em cadeia dos aspectos políticos, econômicos, culturais, sociais e éticos presentes no problema ambiental abordado. Desconsiderando a questão filosófica do distanciamento da relação sujeito/ser humano versus objeto/natureza, desejamos aqui atentar unicamente ao reducionismo, que decompõe a realidade em fragmentos que reduzem a complexidade dos sistemas, uma vez que desta constatação resulta a interpretação do significado da postura da resolução de problemas ambientais locais ou como atividade-fim ou como tema-gerador. A imagem que deve balisar o nosso raciocínio, daqui em diante, é a do “Efeito Dominó”. Quando colocamos as peças do jogo em pé e enfileiradas formando uma longa sequência, para em seguida derrubar a peça inicial somente para ver a reação em cadeia das peças sendo velozmente derrubadas umas após as outras até que a última peça em pé por fim caia, o que nos chama a atenção é o processo em si, a dinâmica da queda das peças empurrando a subsequente. É essa imagem que talvez seja a mais apropriada para entendermos o fenômeno da complexidade ambiental. Não foi por acaso que Dorst (1979), analisando o declínio de florescentes civilizações antigas, como a Indu, a Khmeriana, e a Maia por exemplo, rompe com a clássica conclusão de que motivos políticos é que geraram a queda de tais impérios, e demonstra a imbricação de fenômenos naturais potencializados pela interferência antropogênica acima de certos limites ecossistêmicos, numa longa e complexa reação em cadeia, como evidencia a imagem do “Efeito Dominó”. O caso Maia é exemplar: o plantio de milho em terras agricultáveis cada vez mais inclinadas, acarretou no desmatamento, que por um lado provocou processos 5 erosivos, e por outro lado, diminuiu a quantidade e qualidade das águas. A erosão do solo, por sua vez, provocou o assoreamento dos rios, mas também a perda de nutrientes nas lavouras. O assoreamento dos rios, prosseguindo a sequência da reação em cadeia, resultou em inundação nas cidades nas planícies, e na perda da capacidade de transporte fluvial, a melhor alternativa de locomoção dos Maias. O quadro de instabilidade no sistema causou tantos desequilíbrios ecológicos, como sociais, e a resultante foi a instabilidade política, a desestabilização econômica e a desarticulação da organização social, incapaz de responder à altura do desafio, fragilizando todo o império. A educação ambiental entre duas águas Brügger (1994) esclarece que se há necessidade de se colocar o adjetivo ambiental na educação tradicional, é por que esta não é ambiental, ou seja, é potencializadora de ações de degradação ambiental em suas variadas formas. Todavia, a autora reforça que o problema ambiental não possui sua origem simplesmente na falta de educação dos indivíduos, mas sim na visão de mundo que impregna o paradigma hegemônico de valores contrários aos princípios ecológicos. Portanto, entende-se que a pura transmissão de informações a respeito dos processos ecológicos, na perspectiva do “conhecer para preservar”, é absolutamente insuficiente para a promoção de uma educação que se pretenda crítica e transformadora da realidade. O objeto da educação ambiental não é propriamente a ausência de conhecimentos ecossistêmicos, a desinformação a respeito dos aspectos ecológicos. Antes disso, é a própria visão de mundo instrumental que favorece uma atitude utilitarista, face aos valores culturais da nossa sociedade. Assim como meio ambiente não é sinônimo de natureza, e a problemática sócioambiental não é sinônimo de desequilíbrio ecológico, a educação ambiental não é sinônimo de ensino de ecologia. Se esta equação estiver correta, é sensato julgar que as orientações pedagógicas devem voltar-se majoritariamente à busca de um alcançe maior da educação ambiental, onde a proposta central reside na transformação da realidade. Caso contrário, a prática educativa que privilegia a perspectiva dos aspectos naturais e ecológicos traduz-se num projeto político reformista, e equivale mais a um adestramento ambiental do que à educação ambiental, como prefere dizer a autora acima citada. Fazem coro a esta concepção de educação ambiental, uma série de educadores brasileiros (Dias, 1993; Reigota, 1994; Viezzer & Ovalles, 1995), conscientes da complexidade da questão ambiental, que transcende os aspectos ecológicos, para orbitar na esfera político-ideológica. Até mesmo porque a crise que ora a sociedade industrializada de consumo vivencia não é ecológica, e sim civilizacional. Não é a natureza que se encontra em desarmonia, é a nossa sociedade, e tal consideração simplesmente nos serve como um reforço à necessidade de se priorizar nos conteúdos educativos as relações políticoeconômicas e socioculturais nas práticas pedagógicas, transcendendo a lógica simplista dos conteúdos ecológicos. A educação ambiental não é neutra, é ideológica. Traduz-se em atos políticos, que visam ou a manutenção da correlação de forças sociais na atual 6 configuração, ou a sua transformação. É interessante lembrar que o governo federal brasileiro já havia afirmado que a educação ambiental deve capacitar o educando ao pleno exercício da cidadania, e que a tendência natural seja de que a educação ambiental se transforme em educação política, entendendo que o fundamento da degradação ambiental não está na ignorância dos processos ecológicos da natureza, mas sim no estilo predatório da apropriação dos recursos naturais (CIMA, 1991) que encontra paralelo na apropriação da mão-de-obra da classe trabalhadora. Com efeito, Reigota (1994) reforça esta afirmação, esclarecendo que a educação ambiental deve ser definitivamente compreendida como uma educação política, preparando cidadãos capacitados a entender o por que fazer algo, não se detendo apenas no como fazer; ou seja, enfatizando o componente reflexivo, tão importante quanto o ativo. Desse modo, presencia-se duas vertentes que compõem os projetos políticos ambientalistas: a hegemônica, que no movimento conservador deseja impor um projeto reformista, adequando-se em alguns aspectos às novas realidades, mas mantendo intacta a ideologia da racionalidade econômica; e a subversiva, que busca a tentativa de implantar um projeto transformador, traduzido pela inserção da racionalidade ecológica no núcleo ideológico de nossa sociedade. A primeira vertente se resume apenas na possibilidade de mudança de comportamentos, mas nunca de valores, conforme Brügger (1994) salientou e que em outra ocasião tivemos a oportunidade de discutir, para o caso da educação ambiental praticada ou comprometida com o ambientalismo empresarial (Layrargues, 1996); enquanto que para a segunda vertente, a premissa básica é a própria mudança de valores. Então, se tomamos a prática da resolução de problemas ambientais locais como atividade-fim – assim como o Grupo de Interesse –, perde-se a possibilidade de compreensão da complexa inter-relação dos componentes político-econômicos e socioculturais da questão ambiental, o que já não acontece quando se entende a resolução de problemas ambientais como tema-gerador. Leonardi (1997), em pesquisa realizada no interior de São Paulo, verificou entre outras coisas, que a proposta educativa de resolução de um problema local na prática, como a recuperação de uma área degradada com o plantio de espécies nativas por exemplo, tem se esgotado nela mesma. Ou seja, a atividade educativa não vingou discussões maiores do que a própria técnica de plantio. A autora suspeita ainda que o mesmo esteja ocorrendo com o caso da coleta seletiva de lixo, que ao invés de ser um tema-gerador do questionamento do consumismo e da lógica produtiva do mercado que impinge a obsolescência crescente dos produtos, torna-se um mero momento do processo de reciclagem que trará algum recurso financeiro para a escola; ao que Vasconcellos (1998) concorda, acrescentando que a educação ambiental no país, na prática está constantemente em função de atividades pontuais e específicas, como por exemplo a organização de hortas e a comemoração de dias especiais como o Dia da Árvore ou o Dia do Meio Ambiente. Não basta promover campanhas educativas para controlar a poluição atmosférica provocada por veiculação motora, se a indústria automobilística não ceder espaço ao transporte coletivo, e o reinado do automóvel particular não for destronado. Não basta controlar as “pragas” na agricultura, se o padrão 7 prevalecente ainda é a monocultura intensiva, minando a biodiversidade. Não basta pensar nas gerações futuras, incluindo a perspectiva do longo prazo, se o mercado continua atuando como a instância máxima da regulação social. Não basta enfim, tornar a economia ecológica, se a racionalidade permanece econômica. A educação ambiental desenvolvida a partir da resolução de problemas ambientais orientada como uma atividade-fim, por maior que seja o aprendizado da experiência prática e o desenvolvimento de qualidades dinâmicas e ativas, fomenta a percepção equivocada de que o problema ambiental não está inserido numa cadeia sistêmica de causa-efeito, e que sua solução encontra-se na órbita da esfera técnica. Toma-se a parte pelo todo, e reduz-se a causa pela consequência. Acaba por promover a realização de projetos reformistas, cuja mudança será de ordem puramente comportamental, reduzindo a zero o risco da ameaça de desestabilização da ordem ideológica vigente. O enfoque da resolução de problemas ambientais orientado como atividade-fim não é suficiente como finalidade, partindo-se do pressuposto de que a mudança de valores nos educandos poderá ocorrer por conta própria. Não há garantias de que resolvido o problema alvo da ação pedagógica, o elemento causador da degradação ambiental não venha a se repetir, pois nessa perspectiva não se instala o potencial de crítica ao status quo. Valores não podem ser transmitidos, eles devem ser construídos, e de acordo com o CERI (1995), afirmar que o conhecimento por si só já é capaz de produzir sensibilidade e consciência ambiental, e por conseguinte, novos comportamentos para a formação de uma sociedade sustentável é uma afirmação simplista e arriscada. O CERI sustenta ainda, a existência de uma distinção relevante a apontar, entre educação para o meio ambiente, de uma educação sobre o meio ambiente, e uma educação através do meio ambiente. Apenas a primeira teria reunidas as condições para engajar os educandos na ativa resolução de problemas ambientais locais, envolvendo uma vasta gama de conhecimentos, capacidades, valores e objetivos, que não são atingidos unicamente pelo ensino de conceitos e fatos ambientais (para o caso da educação sobre o meio ambiente) ou pela leitura experimental da natureza (para o caso da educação através do meio ambiente). Como ressalta Aguilar (1992), a finalidade maior da educação ambiental reside na promoção de uma consciência ecológica que envolva o questionamento das verdadeiras causas da degradação ambiental, não se contentando apenas com a preocupação reducionista da proteção ambiental. Nesse sentido, a metodologia da pesquisa-ação (Thiollent, 1992), desponta como uma metodologia de pesquisa social que se configura como uma importante contribuição metodológica capaz de orientar a elaboração de projetos em educação ambiental. Definindo com precisão os objetivos a serem atingidos, a metodologia da pesquisa-ação classifica-os em três esferas: a resolução do problema concreto que demandou a concentração de esforços dos atores sociais envolvidos na questão, a produção de conhecimento teórico propriamente dito, e finalmente, a transformação/conscientização dos participantes como público-alvo. Assim posto, tem-se a garantia de que a resolução de problemas não se tornará a instância prioritária das ações educativas. Dessa forma, a resolução dos problemas configura-se como uma das etapas do processo educativo, e não a 8 finalidade maior. A possibilidade de articular a metodologia da pesquisa-ação com a resolução de problemas ambientais locais permite evitar que o risco do reducionismo contamine a prática educativa, não se restringindo a mera resolução do problema abordado. Pedagogicamente, segundo o CERI (1995), a atenção conferida à resolução de problemas força os estudantes a se concentrarem nos resultados, o que redunda obviamente numa perspectiva reducionista. E isso faz com que se acredite que é correto e possível achar soluções efetivas e imediatas para os problemas abordados. Todavia, entender o problema, na instância do aprendizado, é mais importante do que resolvê-lo, e neste sentido, o CERI recomenda a metodologia da pesquisa-ação como o instrumento privilegiado para o desenvolvimento da educação ambiental. De fato, relatando suas experiências, Vasconcellos (1998) afirma ter obtido sucesso ao aplicar a metodologia da pesquisa-ação na educação ambiental em escolas com crianças de classes populares, em sua maioria moradoras de favelas da cidade do Rio de Janeiro. Pensar o futuro com os pés no presente Levy (1995) argumenta que o biólogo Vincent Lebeyrie dizia em 1978 que a função maior do ecologismo estava voltada à restituição da complexidade das causas, colocando em xeque o simplismo do raciocínio reducionista; e que 17 anos após esta constatação, o ecologismo não obteve força suficiente para entender a pertinência de tal postulado. Acrescentamos, reconhecidamente sem muita originalidade, que já se passaram mais de duas décadas, e isso não bastou para surtir algum efeito. Todavia, certamente se configura em tempo suficiente para entendermos que a questão ambiental passa mais pela esfera ideológica do que qualquer outra coisa. Enzenberger (1977), discutindo a implicação ideológica da mundialização da questão ambiental causada por problemas globais como por exemplo a chuva ácida e o efeito-estufa, verificou que este fato contribuiu como um dos elementos para a criação da imagem da “espaçonave-terra”, da expressão “estamos todos no mesmo barco”, e da máxima “pensar global, agir local”. Mas Enzenberger pôde concluir também que os atores sociais diretamente vinculados na desordem global da biosfera ficaram camuflados sob o manto do “homem genérico e abstrato”, uma vez que diante desta nova pauta ambiental a humanidade como um todo estaria comprometida com as causas da interferência na dinâmica da biosfera, e assim diluiu-se a responsabilidade social pelos danos ambientais globais, tendo como resultado, um esvaziamento político daquilo que poderia conter um alto teor crítico. Eleva-se à condição de espécie biológica e não de padrões culturais a causa da crise ambiental. Daí a prevalência da abordagem biologiscista do crescimento populacional do Homo sapiens ser entendida como o maior perigo para a natureza. Aqui, não há uns mais responsáveis do que outros, e tampouco há uns mais atingidos do que outros pela degradação ambiental. Os conflitos sociais que em última análise desgastam a biosfera, tornam-se invisíveis, e todos seriam igualmente responsáveis e atingidos. É preciso que fique claro que assumir o enfoque da resolução de problemas ambientais locais, orientado pragmaticamente a partir da perspectiva de uma atividade-fim, pode produzir, como num passe de mágica, o mesmo efeito 9 do “desaparecimento” dos atores sociais e dos condicionantes que propiciaram o surgimento do problema ambiental tido como objeto didático de enfrentamento. Ver os fins, e não os meios, oculta todo o processo que derivou nos fins, e se o único fim visível é a degradação da natureza, omite-se as verdadeiras causas e seus respectivos responsáveis pelo desequilíbrio da relação da sociedade contemporânea com a natureza. A tônica do discurso educativo favorecendo a esfera da ação, em detrimento da reflexão, concentra esforços no caráter corretivo, em detrimento do preventivo. Decorre que, se o fluxo civilizacional da atualidade não é sustentabilista, a ação humana busca apenas conformá-lo, ao invés de substituí-lo. Essa implicação ideológica presente nesta prática pedagógica é uma armadilha que o educador ambiental deve evitar a todo custo. Referências bibliográficas AGUILAR, L.M. Educación ambiental ¿para qué? Nueva Sociedad, 122:177-185. 1992. BRÜGGER, P. Educação ou adestramento ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas. 1994. CERI. Environmental learning for the 21th Century. Paris: OECD. 1995 CIMA. 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