O meio ambiente no ensino: um compromisso educacional 1 Ismael Dagostin-Gomes , Pablo César Lehmann Albornoz 1 2 2 Escola Educacional Técnica - SATC/Criciúma; Programa de Pós-Graduação em Biologia da UNISINOS/São Leopoldo RESUMO: A questão ambiental apresenta-se como uma das temáticas mais relevantes da atualidade, já que no eixo de sua composição encontram-se aspectos ecológicos, sociais, econômicos, políticos e culturais. Desta forma, necessitamos de ferramentas eficientes para a interpretação e superação das problemáticas relacionadas ao meio ambiente. Assim, esta pesquisa tem como objetivo destacar a importância da articulação entre o meio ambiente e o ensino, baseando-se na revisão de produções bibliográficas. O ato pedagógico que contempla em sua mediação as abordagens que envolvem o meio ambiente caracteriza-se pela promoção da sustentabilidade, e pode ser denominado de educação ambiental. Trata-se de uma educação comprometida com a formação integral do cidadão, que, por configurar-se pela interação dos saberes, representa-se como interdisciplinar. Neste sentido, a educação ambiental é um processo individual e coletivo que visa a construção de conhecimentos e principalmente ações em benefício do meio ambiente. Além disso, a educação ambiental deve estar presente em todas as esferas de ensino, podendo ser desenvolvida, transversalmente e permanentemente, por todas as integrantes do currículo escolar e na esfera comunitária. Contudo, apresentando-se como instrumento de cidadania, o meio ambiente incorporado ao ensino – educação ambiental – pode constituir-se como variável imprescindível na busca da qualidade de vida, oportunizando a transformação dos sujeitos para uma sociedade sustentável. Palavras-chave: Meio ambiente, educação ambiental, interdisciplinaridade. INTRODUÇÃO Oriunda da apropriação irregular dos recursos naturais – associada à explosão demográfica, consumismo, industrialização, entre outros – a questão ambiental consolidou-se, nas últimas décadas, como um dos paradigmas da vida moderna. Esta constatação manifesta-se porque os problemas relacionados ao meio ambiente são, em grande parte, desencadeados pela ação antrópica, que também recebe os impactos como re-ação. Deste modo, faz-se indispensável o desenvolvimento de estratégias que intensifiquem, nos cidadãos, a reflexão de suas condutas, o que pode proporcionar a readequação de seus hábitos e a resolução dos entraves que permeiam a questão ambiental. ______________________________ Rua Pascoal Meller, 73. Bairro Universitário. Criciúma – SC, Brasil. 34 Assim, sem a pretensão de estagnar discussões, na primeira parte desta pesquisa abordar-se-á o conceito totalizante de meio ambiente, enfocando a visão complexa da realidade como requisito para a correta compreensão da questão ambiental. Em seguida, se explanará a respeito da educação ambiental (EA), articulando seus fundamentos com a sustentabilidade. Finalmente, far-se-á a incorporação do meio ambiente às estruturas de ensino, dando subsídio para o trabalho docente. QUESTÃO AMBIENTAL: DAS PARTES À TOTALIDADE Um dos pressupostos para a correta significação da questão ambiental é a conceituação do elemento que a congrega: o meio ambiente. Nesta perspectiva, divergindo de definições estritamente relacionadas à biologia, ou naturalistas, o meio ambiente define-se como uma intersecção de aspectos: ecológicos, econômicos, sociais, políticos e culturais. Desta forma, Fornari Neto (2001, p. 159) define meio ambiente como: A totalidade dos fatores fisiográficos (solo, água, florestas, relevo, geologia, paisagem, e fatores meteoroclimáticos) mais os fatores psicossociais inerentes à natureza humana (comportamento, bem-estar, estado de espírito, trabalho, saúde, alimentação, etc.) somados aos fatores sociológicos, como cultura, civilidade, convivência, respeito, paz, etc. Deste modo, percebe-se que a definição de meio ambiente é formada pelo entrelaçamento dos saberes, ou seja, constitui-se como interdisciplinar. Sendo um conceito polissêmico, a interdisciplinaridade, em geral, pode ser entendida como “uma proposta epistemológica que tende a superar a excessiva especialização disciplinar surgida da racionalidade científica moderna.” (GONZÁLEZ-GAUDIANO in SATO e CARVALHO, 2005, p. 121). A interdisciplinaridade, portanto, não sugere a unificação das áreas do conhecimento, mas permite o diálogo entre as mesmas, tornando imparcial a análise e a tomada de decisões referentes à questão ambiental. A ideia de imparcialidade induz a inter-relação entre as partes, originando uma completude capaz de planejar e executar ações relacionadas ao meio ambiente. Reorganizar os saberes de modo que haja interação entre os mesmos caracteriza-se como um desafio, contrapondo-se à tradicional trajetória compartimentalizada, disciplinar, das áreas do conhecimento. Neste sentido: Quando se evoca a participação ativa de todos os envolvidos no processo, a questão da interdisciplinaridade se destaca. Um dos pressupostos da crise ambiental das sociedades modernas é a fragmentação do saber; ou seja, o conhecimento isolado das especificidades das partes perdendose a noção da totalidade. Essa noção de totalidade é fundamental para a compreensão e para a ação equilibrada no ambiente, que é inteiro e não fragmentado. (GUIMARÃES, 1995, p. 44). Além disso, também envolvido na interpretação total das problemáticas do meio ambiente, o pensamento complexo configura-se como uma âncora para a interdisciplinaridade, pois possibilita, através de um olhar sistêmico, a significação integral da realidade. Desta forma, não visionar a questão ambiental como um sistema, implicando aferições geralmente técnicas, reflete um pensamento unidimensional, que não considera os múltiplos elementos presentes em seu cerne. Pensar em meio ambiente de forma 35 complexa é ter rigor na percepção dos fatos que se entrelaçam, é ter rigor na análise destas percepções e na elaboração totalizante de propostas de mitigação ou resolução de suas indesejáveis consequências. Assim, Morin, Ciurana e Motta (2009, p. 58) corroboram a necessidade da complexidade, sendo que: O pensamento complexo pensa por meio de macroconceitos, ou seja, por meio da associação de conceitos atômicos até então separados, por vezes antagônicos, mas que, em sua inter-relação, geram figuras complexas que, sem essa dinâmica interativa, volatilizam-se e deixam de existir. Percebe-se, pelo exposto, que a questão ambiental extrapola a abordagem ecológica, sendo necessária para a superação de suas desconformidades uma compreensão integral, envolvendo, também, a abordagem socioeconômica e políticocultural. EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PELOS IDEAIS SUSTENTÁVEIS Uma educação que se faz ambiental possui o meio ambiente como norteador de seu processo pedagógico. Portanto, esta educação se vale, de mesma forma, da interdisplinaridade e da visão complexa da realidade. De acordo com o Art. 1º da Política Nacional de Educação Ambiental, Lei 9.795 (BRASIL, 1999): Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. Ainda, de acordo com o Art. 2º da mesma Lei: A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. Além disso, a educação ambiental também é amparada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, conceituando o meio ambiente como um dos temas transversais – que “correspondem a questões importantes, urgentes e presentes sob várias formas na vida cotidiana.” (BRASIL, 1998, p. 17). Neste sentido, as características que compõem a educação ambiental apresentam-se em estrita associação com a sustentabilidade. Todas as recomendações, decisões e tratados internacionais sobre o tema evidenciam a importância atribuída por lideranças de todo o mundo para a Educação Ambiental como meio indispensável para conseguir criar e aplicar formas cada vez mais sustentáveis de interação sociedade/natureza e soluções para os problemas ambientais. Evidentemente, a educação sozinha não é suficiente para mudar os rumos do planeta, mas certamente é condição necessária para isso. (BRASIL, 1998, p. 181). Entretanto, é relevante ressaltar que o modelo sustentável só reflete a real condição de sua essência quando está associado ao desenvolvimento qualitativo. O ato de se sustentar, de se manter estável, é contraditório ao de crescer, quantitativo e que é instável. No seio de uma cultura/sociedade realmente sustentável não haveria lugar para políticas públicas voltadas para o crescimento ilimitado que, além de ser viável apenas por tempo limitado, é socialmente excludente e ecologicamente insustentável, [...]. (BRÜGGER, 2004, p. 78). Desenvolvimento sustentável, nesse sentido, deve ser aquele que invoca uma nova ética, uma redefinição do que seja o bem-estar material e 36 espiritual, em função da maioria da população, revertendo o presente estado de degradação da vida. (Id., p. 80). Deste modo, faz-se necessário que os educadores tenham claramente estas concepções, proporcionando uma práxis capaz de gerar reflexo à favor do equilíbrio entre os componentes do meio ambiente. ENSINO E MEIO AMBIENTE: DOS PLANOS DOCENTES Sendo o meio ambiente constituído por distintos campos do conhecimento, sua interação com todas as disciplinas escolares torna-se viável. Apesar de tal característica, que se manifesta como uma vantagem, a educação ambiental é comumente confundida com ensino de ecologia (REIGOTA, 2009). Assim, com efeito reducionista, a educação ambiental teria espaço somente nas disciplinas das ciências naturais. Desta forma, a educação ambiental é interpretada, muitas vezes, como adição de conteúdos aos já existentes planos de ensino. Esta constatação necessita ser reformulada, pois a educação ambiental tem enfoque qualitativo, isto é, configura-se como um contexto de trabalho para as unidades temáticas das disciplinas. Para tanto, Brügger (2004, p. 117) assinala: Muito comenta-se da dificuldade de inserção de uma “dimensão ambiental” nos já tão saturados currículos escolares. Mas esse comentário corresponde à visão de educação ambiental como modalidade educacional e não como a própria educação. Neste último caso o que teríamos é a incorporação e a convivência entre si de novos paradigmas e não necessariamente mais conteúdo. Nesta perspectiva, para apresentar-se realmente como transversal, e assim transformadora – incumbida de uma percepção crítica, a educação que envolve o meio ambiente deve valer-se não apenas de teoria. Extrapolar o campo teórico para a pró-atividade é uma necessidade que faz da educação ambiental representar-se como emancipatória, transformadora. Porém, Carvalho (2006, p. 181) reconhece que gerar comportamentos individuais ordeiros, preocupados com a limpeza de uma área ou com a economia de recursos ambientais como a água ou energia elétrica, pode ser socialmente desejável e útil, mas não significa necessariamente que tais comportamentos sejam integrados na formação de uma atitude ecológica e cidadã. Esta implicaria desenvolver capacidades e desenvolver sensibilidades para identificar e compreender os problemas ambientais, para mobilizar-se, no intuito de fazer-lhes frente, e, sobretudo, para comprometer-se com a tomada de decisões, entendendo o ambiente como uma rede de relações entre a sociedade e natureza. Para o alcance de tal docência, a formação continuada dos educadores é uma condição imprescindível, podendo ser promovida através de encontros de atualização profissional, participação de eventos científicos, grupos de estudo ou socialização de artigos, entre outras – favorecendo a troca de experiências e auxiliando-os nos seus respectivos exerceres pedagógicos. Além disso, um projeto de educação ambiental sempre tem por base a contextualização local ou regional, fazendo com que a soma deste com os demais, alcance resultados globais. CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação é um processo que visa a formação integral dos cidadãos, e, por tal característica, a dimensão ambiental deve ser uma de suas 37 constituintes. O exercer pedagógico que se apresenta comprometido com o meio ambiente é um ato interdisciplinar e baseado na complexidade, pois se representa pela articulação das distintas áreas do conhecimento, permitindo uma interpretação total, não fragmentada e imparcial dos entraves ambientais. Por ter a interdisciplinaridade como um de seus pressupostos, a educação ambiental pode ser desenvolvida por qualquer disciplina escolar, sem a necessidade de adição de conteúdos, mas fazendo a conexão dos mesmos com o meio ambiente. Sendo um elemento transversal da educação, o meio ambiente deve ser integrado à todas as formas educacionais, oportunizando, de maneira permanente, a construção de teoria e a execução de práticas que proporcionem a superação das problemáticas presentes na questão ambiental. Ainda, enfocando aspectos ecológicos, sociais, econômicos, políticos e culturais, a educação ambiental firmase como parceira da sustentabilidade, buscando a qualidade do meio ambiente, indispensável para a vida. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Lei ordinária nº. 9.795/99. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a política nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 28 abr. 1999: 1. col. 1. BRASIL. Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRÜGGER, P. Educação ou adestramento ambiental? 3a ed. Chapecó: Argos; Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004. CARVALHO, I. C. de M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 2a ed. São Paulo: Cortez, 2006. GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. 7a ed. Campinas: Papirus, 1995. MORIN, E; CIURANA, E. R; MOTTA, R. D. 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