Título: A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO FINAL DO SÉCULO XIX Área Temática: História da Educação Autora: GESILAINE MUCIO FERREIRA (*) Instituição: Universidade Estadual de Maringá - Pós-Graduação em Educação Mestrado em Fundamentos da Educação Abordaremos algumas questões levantadas nos estudos preliminares referentes à nossa dissertação de mestrado, cujo objetivo é compreender as razões que conduziram os autores que abordavam a educação brasileira a partir da segunda metade do século XIX, a abraçarem a bandeira da educação para todos, ou seja, a educação pública, gratuita e obrigatória, como uma das formas de se resolver os problemas brasileiros. Este tema foi motivado por uma comparação entre os resultados do nosso segundo projeto de Iniciação Científica, “De Smith a Stuart Mill. As Origens da Educação Universal”, e as discussões sobre a educação brasileira do século XIX, realizadas na disciplina História da Educação III, do curso de Pedagogia. No projeto de Iniciação Científica referido, desenvolvemos a idéia de que pensadores liberais do século XIX como Stuart Mill (1806-1873) e Tocqueville (1805-1859), defendiam a educação universal como uma forma de amenizar os problemas sociais, decorrentes das contradições da sociedade burguesa que se tornavam visíveis no momento e, por conseguinte, restabelecer a ordem e o equilíbrio social. Todavia, as leituras de partes de obras de autores que estavam discutindo a educação brasileira, principalmente alguns da segunda metade do século XIX, como Agassiz (1807-1873) e Tavares Bastos (1839-1875), fizeramnos ver que estes autores também defendiam a bandeira da educação para todos como uma das formas de se resolver os problemas de desenvolvimento capitalista que o Brasil enfrentava na época. Esta comparação, que nos fez detectar semelhanças e diferenças entre a proposta educacional européia e a brasileira, levou-nos a formular a questão deste projeto. Na segunda metade do século XIX, predominava na Europa o trabalho livre e a produção industrial, enquanto no Brasil, o trabalho escravo e a produção agrícola. Lá a pequena e média propriedade, aqui os grandes latifúndios. Na Europa consolidavam-se os regimes republicano-democráticos, no Brasil, tinha-se ainda a monarquia. No continente europeu a educação para todos era, entre outras coisas, uma resposta às crises de superprodução e aos conflitos de classe entre burguesia e proletariado, aqui havia poucos trabalhadores livres. Assim, se havia tantas diferenças entre o contexto europeu e o brasileiro no século XIX, como se explica a semelhança, ou seja, que a proposta de educação para todos também tenha se enraizado no Brasil? Partindo do pressuposto de que a educação não se explica por ela mesma, mas pelas transformações materiais que ocorrem na sociedade, e comparando pensadores liberais europeus com autores do mesmo período que discutiam as condições sociais, econômicas, políticas e, sobretudo, educacionais do Brasil, formulamos nossa hipótese. A bandeira da educação para todos também se enraíza no Brasil, apesar das diferenças de contexto histórico em relação à Europa, porque, a medida que o capitalismo se internacionaliza no século XIX devido ao processo de industrialização, as necessidades humanas também vão se tornando internacionais, ou universais. Realizamos até o momento novas leituras e reflexões sobre as obras Princípios de Economia Política e Ensaio sobre a Liberdade, de Stuart Mill, A Democracia na América, de Tocqueville, e sobre alguns capítulos de Viagem ao Brasil, de Luis Agassiz, e de A Província, de Tavares Bastos. Estamos realizando também leituras sobre autores do período e contemporâneos que abordavam a Europa (Hobsbawm, Laski) e o Brasil (Millet, Couty, Almeida, Carone) no século XIX em seus diversos aspectos (educacionais, políticos, sociais, econômicos etc.) e de relatórios de congressos da época como o Congresso Agrícola do Recife (1878). Estas primeiras investigações nos fizeram perceber que a semelhança entre a proposta educacional européia e a brasileira não se dava apenas na defesa da educação para todos, mas também aparecia em algumas medidas pensadas para promover o desenvolvimento desta proposta. Por exemplo, a proposta da liberdade de ensino era defendida pelo inglês Stuart Mill, pelo brasileiro Tavares Bastos e pelos congressistas do Recife. Todos eles afirmavam que o Estado deveria apenas tornar a educação obrigatória, deixando-a ser ministrada livremente. Este, deveria preocupar-se apenas com a educação daqueles indivíduos cujos pais ou responsáveis não pudessem oferecê-la por falta de recursos. Defendendo a educação universal, Stuart Mill, em Ensaio sobre a Liberdade, atribuía ao Estado o dever de obrigar todas as crianças a serem educadas e não de interferir diretamente na educação, apontando o conteúdo a ser ensinado e o modo de ensiná-lo. Impondo a obrigatoriedade escolar, o Estado responsabilizaria os pais de prover a educação de seus filhos, dandolhes liberdade para escolher a instituição escolar e o tipo de ensino. Propunha que o governo somente interferisse na educação das crianças que não pudessem pagá-la. “Uma vez que fosse admitido o dever de obrigar à educação universal, acabariam as dificuldades a respeito do que o Estado deva ensinar, e de como deva ser esse ensino, o que hoje converte a questão num mero campo de batalha para as seitas e partidos, fazendo que o tempo que deveria ter-se gasto em educar se desperdice em questionar sobre educação. Se o governo se resolvesse a exigir uma educação para todas as crianças, livrar-se-ia do incômodo de a ela prover. Aos pais podia facultar o fazerem educar seus filhos onde e como quisessem, e contentar-se ele com ajudar as crianças pobres a pagar a escola, e ocorrer a todas as despesas escolares daquelas que não têm ninguém que por elas pague. As objecções que com razão se alegam contra a educação pelo Estado não se aplicam à obrigação da educação por ele imposta, mas sim no facto de tomar sobre si a direcção da educação, o que é uma coisa totalmente diversa”. (Mill, 1964, p.203-204) Para Tavares Bastos, no primeiro capítulo de A Província, intitulado “Instrução Pública”, uma das formas de melhorar o ensino brasileiro seria o governo conceder a liberdade de ensino, considerando arbitrária a atitude de fechar escolas, restringir a criação delas, e impor limites ao exercício da profissão de professor, negando, por exemplo, títulos aos professores. No entanto, deixava claro que caberia ao governo, onde o povo não pudesse criar boas instituições educacionais, tomar providências. Ressaltava que o Estado também não poderia se responsabilizar pela educação dos indivíduos se estes não colaborassem, ou seja, se os pais não obrigassem os filhos a freqüentar escolas que se situassem próximas às suas casas. Nesse sentido, defendia a obrigatoriedade do ensino, afirmando que “Tão legítimo, como é o pátrio poder, o qual não envolve certamente o direito desumano de roubar ao filho o alimento do espírito, - o ensino obrigatório é às vezes o único meio de mover pais e tutores remissos ao cumprimento de um dever sagrado” (1). Este discurso de Tavares Bastos é de 1870. Em 1878 ainda encontramos a defesa da liberdade de ensino, feita por representantes do governo, como o Ministro do Império Leôncio de Carvalho. Segundo ele, a liberdade de ensino era “a base sólida sobre a qual devemos assentar o edifício da educação nacional”. Para ele, se os indivíduos se julgassem capazes de ensinar, de criar escolas, deveriam ter liberdade para isto, pois a concorrência faria com que os estabelecimentos de ensino e os professores se qualificassem. Ela também faria os professores públicos, “para não verem suas escolas desertas e sua reputação comprometida”, em meio à competição dos professores particulares, estudarem mais e preocuparem-se em realizar bem o seu papel (2). Interessante ressaltar que a questão da obrigatoriedade do ensino já estava presente no discurso dos Ministros do Império desde 1840. No relatório de 1840, o Ministro Francisco Ramiro de Assis Coelho afirmava que a causa que mais retardava o progresso da instrução elementar era o fato do governo conceder liberdade aos pais de mandarem os filhos às escolas quando bem entendessem, o que resultava em perdas para a criança, pois, por não freqüentar regularmente as aulas, ela não conseguia acompanhar o conteúdo. A escola também se prejudicava pois ficava sujeita a uma desorganização interna de sua economia. Se o serviço militar obrigatório era visto com um benefício à sociedade, perguntava: porque a obrigatoriedade do ensino não o seria, se impediria que os indivíduos crescessem na ignorância e se tornassem flagelos da sociedade? (3). Outra questão presente tanto no discurso educacional europeu como no brasileiro era que não bastava apenas um aperfeiçoamento intelectual. Era necessário que a educação também promovesse o desenvolvimento das capacidades morais, para que os indivíduos conhecessem seus direitos e deveres na sociedade civil. Stuart Mill, preocupado com o desemprego, com os conflitos de classes, não defendia apenas a instrução, mas uma educação moral, que possibilitasse ao indivíduo ter bom senso, discernir as atitudes benéficas à sociedade ou não. Por exemplo, acreditava que o estado de miséria em que se encontrava a classe trabalhadora era resultado da superpopulação. Este estado só se reverteria com um controle populacional, o que não era feito pela camada mais pobre da sociedade devido ao seu despreparo intelectual e a sua própria condição de miséria, que não lhe impunha o medo de piores condições e nem esperanças de um futuro melhor. Assim, para alterar os hábitos da população seria necessário que ela fosse educada com base na disseminação do bom senso, de valores morais, que possibilitassem aos indivíduos formar um juízo prático sobre as circunstâncias que os rodeiam. A difusão do bom senso faria com que as pessoas entendessem as conseqüências negativas do excesso de filhos e realizassem o autocontrole, o que, em seu ponto de vista, reduziria a concorrência por emprego, haveria possibilidade de aumentar os salários e melhoraria as condições de vida dos trabalhadores. Além disto, Stuart Mill ressaltava que oferecer apenas uma educação intelectual à classe trabalhadora seria estimular os conflitos de classes, pois isto a colocaria mais à par de seus direitos e a levaria a lutar mais ainda pelos mesmos. Uma educação intelectual juntamente com a formação moral evitaria este problema. “Desse aperfeiçoamento intelectual pode-se esperar confiantemente colher vários efeitos. O primeiro é o seguinte: os trabalhadores aceitarão ainda menos do que hoje ser guiados e governados - e dirigidos para o caminho que devem trilhar - pela simples autoridade e prestígio dos superiores. (...) Parece-me impossível esperar outra coisa a não ser que esse aprimoramento da inteligência, da educação, e do amor à independência, entre as classes trabalhadoras, virá acompanhado do correspondente crescimento do bom senso que se manifesta em hábitos de conduta previdente, e que, portanto, a taxa de aumento populacional descrecerá gradualmente em relação ao capital e ao emprego”.(Mill, 1996, v. II, p.336-337) Tocqueville, em A Democracia na América, também defendia a idéia de que juntamente com a formação intelectual os indivíduos deveriam receber uma formação moral. Isto porque, segundo ele, a sociedade estava se organizando sobre os parâmetros da democracia e, embora esta representasse um estado de menor desigualdade, trazia problemas, como o individualismo, caracterizado por ele como um sentimento que: “de início, só faz secar a fonte das virtudes públicas; mas, depois, de algum tempo, ataca e destrói todas as outras e vai, afinal, absorver-se no egoísmo” (4). Para ele, esse individualismo era produto da independência que os homens conquistaram no estado democrático. Esta independência fazia com que os homens pensassem só em si, acreditando na auto-suficiência e tornando impensável a possibilidade de necessitar do auxílio alheio. Este sentimento de independência promovia o isolamento entre os indivíduos, abrindo espaço, segundo este autor, para o alojamento do egoísmo, tornando os homens fortes, e, ao mesmo tempo, frágeis, sem defesa contra o despotismo, elemento prejudicial à ordem social. Assim, dizia que os indivíduos deveriam receber, juntamente com a “instrução que esclarecesse o espírito”, uma “educação que regulasse os costumes”, para que eles aprendessem a respeitar os direitos e a liberdade alheia, e soubessem viver democraticamente. Quando se falava na Europa em difundir uma educação que não priorizasse apenas o desenvolvimento intelectual, mas que promovesse também o aperfeiçoamento moral e social do indivíduo, visava-se o controle do conflito de classe, amenizar o problema do desemprego. No Brasil não se tinha ainda conflitos entre o capital e o trabalho, o problema do desemprego não era questão na época, mas também encontramos a defesa de uma educação que fosse além do aperfeiçoamento intelectual. Manoel Balthazar Pereira Diegues Junior ressaltava no Congresso Agrícola do Recife que a educação poderia resolver a metade dos problemas do país, porém, era necessário mudar o curso do ensino brasileiro, isto é, paralelamente à educação intelectual, a escola deveria promover uma educação social, proporcionando o desenvolvimento intelectual e a formação moral dos indivíduos. O mesmo defendia Almeida, em História da Instrução Pública no Brasil. (1500-1889), quando dizia, nesta obra publicada em 1889, que “a instrução deve ser precedida e acompanhada de uma boa educação. Sem educação prévia e contínua, a instrução é mais perigosa que útil para os indivíduos, família e sociedade” (5). Caracterizava esta boa educação como o aperfeiçoamento pessoal, moral, o cultivo do sentimento de dignidade, do amor à pátria, que formaria homens e mulheres capazes de desempenhar seus papéis na vida particular e pública sem prejudicar a ordem. Considerando o contexto da época e a grande preocupação brasileira com a forma da transição do trabalho escravo para o trabalho livre, levantamos algumas questões que poderiam nortear o desenvolvimento de nossas hipóteses. No Congresso Agrícola do Recife e em algumas obras da época, encontramos uma discussão a respeito de como incorporar o homem livre e o escravo recém liberto à produção. Abordava-se que os homens livres que existiam no país eram ociosos, vadios, preocupados apenas em ganhar a vida através de cargos públicos, enquanto os escravos após obterem a liberdade, em geral, resistiam ao trabalho agrícola, enfrentando, diante disto, dificuldades em obter mão-de-obra. Frente a esta situação, colocava-se a necessidade não só do conhecimento das Ciências Naturais, do aperfeiçoamento intelectual e prático para o aprimoramento da produção. Também se pensava numa educação social, moral, que disciplinasse tanto os homens livres como os escravos, incutindo nos mesmos a importância do trabalho. Importância que, segundo Diegues Junior, se fosse visualizada pelos indivíduos, o país prosperaria. “Mas si, pela educação, virem no trabalho, não um aviltamento, mas um título de nobreza, não cuidarão das cogitações que occupam os ociosos, e teremos, nessa concurrencia do trabalho livre e intelligente, uma fonte perenne de recursos e uma solida garantia de progresso”. (Diegues Júnior in: Congresso Agrícola do Recife, p.263) Notamos, portanto, que eram praticamente os mesmos encaminhamentos educacionais para regiões com características e problemas diferentes, pois, enquanto na Europa buscava-se a manutenção da ordem social afetada pela crise industrial, no Brasil procurava-se encontrar meios para fazer com que o país entrasse na órbita do capitalismo industrial, da modernização. Com este objetivo de fazer com que o Brasil atingisse o nível de desenvolvimento dos países industrializados, autores da época também propunham mudanças de ordem econômico-social, como a substituição do trabalho escravo para o trabalho livre, a divisão dos grandes latifúndios em pequenas propriedades, a divisão do trabalho (separação do agrícola e fabril) e a industrialização do país. Quanto à substituição do trabalho escravo para o trabalho livre, como dissemos anteriormente, tinha-se a preocupação de como fazer esta substituição, e não somente a crítica a escravidão. Encontramos participantes do Congresso Agrícola do Recife, como José Antão de Souza Magalhães e Francisco Maria Duprat, dizendo que, no país, não havia falta de braços, e sim homens livres despreparados para o trabalho, vadiando pelo país, sendo necessário criar leis contra o ócio e educar estes indivíduos para o trabalho. Também encontramos membros do Congresso e autores da época afirmando que havia falta de braços no país. Millet, em Os quebra-quilos e a crise da lavoura cafeeira, não negava a necessidade de se acabar com a escravidão, contudo, ressaltava que abolí-la de imediato seria conduzir o país ao empobrecimento geral, por acreditar que não existia mão-de-obra suficiente para ocupar o lugar do escravo. Segundo ele, de um lado, os homens livres consideravam o ócio como seu privilégio, e, de outro, os “alforriados” criados durante o regime escravo também não tinham os hábitos do cidadão e do trabalho livre, assim, a abolição do trabalho escravo resultaria em perdas para o setor produtivo, pois quem iria produzir? Em A escravidão no Brasil e em O Brasil em 1884, Louis Couty demonstrou partilhar destas idéias. Segundo ele, países como a França, a Inglaterra e até mesmo os Estados Unidos puderam realizar, antes do Brasil, a substituição do trabalho escravo pelo livre, porque o negro não representava a parte produtiva mais importante para estes países, o que não colocaria em risco a produção e a riqueza destas nações. Contudo, essa não era a situação do Brasil, pois do trabalho escravo dependia grande parte da produção do país, e “suprimir bruscamente a escravidão significaria suprimir ou reduzir todas as produções importantes, e fazer secar todas as fontes da renda nacional e individual” (6), ou seja, seria condenar o país a miséria. Este pensador reconhecia que o mundo era regido por lutas econômicas e que o Brasil precisava realizar mudanças para sobreviver nestas lutas. Mesmo consciente da dificuldade de se abolir a escravidão no momento, apontava-a como um dos fatores responsáveis pelo atraso do país. Considerando a necessidade de se produzir mais para competir no mercado mundial, afirmava que tal necessidade não poderia ser suprida pelo trabalho escravo, porque, segundo ele, o trabalho escravo era mais caro e inferior ao trabalho livre. Caro porque um senhor gastava muito mais para sustentar um escravo do que um empregador para manter um assalariado. Este último recebia o seu salário e se responsabilizava pelo seu sustento, vestimenta, saúde e tudo o que fosse necessário à sua sobrevivência, enquanto o proprietário de escravos arcava com toda a responsabilidade de manutenção do mesmo. Inferior, porque acreditava que o escravo produzia menos, com qualidade abaixo da produção do trabalhador livre. Acrescentava que o trabalhador livre, podendo ser despedido a qualquer momento se não correspondesse as expectativas do patrão, tinha interesse em produzir mais e com melhor qualidade para garantir seu emprego e sua sobrevivência. Já o escravo não tinha esta preocupação, pois, se não cumprisse suas obrigações, sofria castigos físicos, mas o seu sustento ainda estava garantido. Diante disto, Couty salientava que o Brasil não dispunha de braços ativos, isto é, de pessoas que desenvolvessem e aumentassem a produção, pessoas que contribuíssem para o aumento da riqueza do país. conseguir estes braços ativos? E como Não bastava promover a abolição, pois demonstrava que os escravos libertos resistiam ao trabalho agrícola e não se convertiam em forças produtivas úteis ao país, preferindo atividades como as de açougueiros, padeiros, carpinteiros, ambulantes. Afirmava, então, que a solução para o problema da mão-de-obra seria a realização do povoamento do país, através da imigração de braços livres da Europa. No entanto, ressaltava que o país não deveria promover a imigração, isto é, ir buscar trabalhadores estrangeiros, pois isto só geraria gastos. Ele precisaria facilitá-la e estimulá-la através da criação de leis e condições de vida que favorecesse a vinda e a permanência do imigrante no país, de modo que ele prosperasse e acabasse estimulando a vinda de mais estrangeiros. Dizia isto por considerar que as condições de vida em que se encontrava o estrangeiro no Brasil, faziam com que ao término do contrato ele regressasse ao país de origem. Para ele, os imigrantes não tinham os mesmos direitos que os cidadãos brasileiros. Eram destinados à terras virgens, com grandes extensões e precisavam realizar todo o trabalho difícil de desmatamento, limpeza e preparação da terra, para depois cultivá-la. Assim, no momento em que eles iriam começar a produzir nestas terras e dar lucro ao país, acabava o seu contrato e, sem estímulos, eles retornavam ao seu país. De acordo com este autor, se o imigrante, ao chegar ao Brasil, encontrasse leis que o amparasse, concedendo-lhe os mesmos direitos dos cidadãos brasileiros, fosse destinado a terras já cultivadas onde pudesse iniciar o trabalho de melhorar e aumentar a produção, pudesse adquirir propriedades e auferir lucros para si, certamente escreveria aos seus compatriotas incentivando a vinda dos mesmos. Ligada à grande questão da substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre tinha-se a preocupação com a divisão do trabalho. O Barão de Muribeca, em uma de suas falas durante o Congresso Agrícola do Recife, ressaltava que o problema da lavoura não consistia na falta de braços, e sim na ausência da divisão do trabalho. Segundo ele, a divisão do trabalho era essencial para sanar os problemas da lavoura, e a tendência seria que um único proprietário não conseguisse mais plantar, colher, fabricar e transportar os produtos por conta própria. Henrique A. Millet também defendia a divisão do trabalho no decorrer do Congresso, dizendo que, “Desde o momento em que não existir mais escravos, com as dificuldades que há no nosso paiz para a obtenção de braços livres a tempo e a hora, há de se estabelecer fatalmente a divisão do trabalho do plantio e colheita da cana e do fabrico do assucar” (7). E ainda, afirmava que a realização de todas as etapas da produção exigia do indivíduo muito esforço e o trabalho se tornava pesado, condição na qual estava submetido o escravo, mas pela qual o trabalhador livre sentia repugnância e apresentava resistência, principalmente o colono estrangeiro (imigrante) que estava adaptado a uma outra forma de trabalho. Quanto a transformação dos grandes latifúndios em pequenas propriedades, alguns autores da época defendiam a idéia de que isto era necessário, sendo possível e útil ao país. Possível porque, segundo José Victor de Sá Barreto, membro do Congresso Agrícola do Recife, poder-se-ia dividir as terras devolutas em pequenos lotes em condições que permitissem o cultivo dos mesmos, enquanto Couty propunha a divisão das grandes propriedades que estavam “sem proprietários efetivos” e quase abandonadas por falta de escravos e devido as hipotecas bancárias. Diante das lutas comerciais e das exigências do século XIX, Couty afirmava que o Brasil não podia negar a necessidade da transformação da propriedade. Além do mais, dizia que a nação necessitava de braços que deviam vir do estrangeiro. A seu ver, a grande propriedade inibia a vinda de imigrantes, tanto pela dificuldade de adquiri-la, como de cultivá-la. A pequena propriedade seria a solução para as dívidas dos grandes proprietários, pois a existência de pequenos lotes facilitaria aquisição dos mesmos pelos colonos estrangeiros, oferecendo-lhes margens de lucros que não poderiam obter com os grandes latifúndios; isto se pudessem obtê-los. Com a divisão da grande propriedade e a venda dos pequenos lotes, os antigos proprietários poderiam conseguir recursos para pagar suas dívidas, promover melhorias em suas terras e em suas instalações e construir casas para receberem novos imigrantes. No que refere se a questão industrial, sabemos que desde a vinda de D. João já havia a preocupação com o desenvolvimento industrial do país. Em 1820 foi fundada a Sociedade Auxiliadora da Indústria. Por volta de 1840, já existiam algumas fábricas de tecidos, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais. Contudo, segundo Edgar Carone, em O Pensamento Industrial no Brasil, o termo indústria no sentido de fabricação em série, só se afirmou no Brasil a partir de 1870. Neste momento ganhou força o discurso pela modernização do país, tendo em vista a luta econômica que se acirrou na segunda metade do século XIX. Isto fica evidente em uma das falas de Henrique A. Millet, durante o Congresso Agrícola do Recife, quando ele ressaltava que antes bastava economia e juízo para conseguir exportar o açúcar brasileiro e obter lucros, mas no momento em que estão vivendo (1878), devido aos progressos industriais alcançado por outros países (Europa e Estados Unidos), apenas os fazendeiros que possuíam propriedades bem equipadas é que lucravam. Além disto, alguns textos do final do século XIX, organizados por Edgar Carone em O Pensamento Industrial no Brasil, retratavam o discurso industrial e a grande preocupação, a partir de 1881, com a indústria nacional. Nestes textos percebemos a crítica ao livre-cambismo e a idéia de que era preciso reorganizar a estrutura político-econômica do país, exigindo do governo proteção à indústria nacional. A crítica ao livre-cambismo baseava-se na afirmação de que a adoção desta política econômica era do interesse das nações industrializadas, pois permitia que os brasileiros se mantivessem como consumidores de seus produtos. “A opinião livre cambista do Brazil não se estriba somente na defectividade do estudo e na miragem seductora da theoria: há outro ponto de apoio e mais perigoso porque mais altamente se acha. É a vaidade, é a captação feita pelos applausos perfidos da opinião dos paizes industriaes interessados em manter-nos na sua dependência como consumidores tributarios de suas officinas. Sem esses mercados consumidores como poderiam elles dar sahida aos productos industriaes que sustentarão sua população operária?” (8). Em alguns destes textos, defendia-se também a idéia de que o livrecambismo não existia na realidade e jamais existiu em sua plenitude, pois a existência de um ministério para a agricultura, a industria e o comércio, o estabelecimento de tarifas e regras que regulavam a produção e as diversas intervenções do governo revelavam elementos do sistema protecionista em meio ao livre-cambismo. Além disto, encontramos a afirmação de que todos os países industrializados da época desenvolveram suas indústrias sob a proteção do governo e que só após o seu pleno desenvolvimento que adotaram o livre comércio. Mas, logo que se sentiram ameaçados economicamente restabeleceram algumas taxas protecionistas. Através destes argumentos, alguns industriais ou indivíduos com interesses na indústria brasileira tentavam demonstrar que o protecionismo não era algo prejudicial como se transmitia nas academias da época e que a defesa do livre cambismo pelo país constituía-se na proteção à indústria estrangeira. Esta proteção, segundo eles, realizava-se principalmente por meio do sistema tarifário, por ele permitir a entrada de produtos estrangeiros no país com baixos custos, sendo que a introdução de mercadorias brasileiras no exterior só era feita através do pagamento de altas taxas de exportação. Contudo, afirmavam que a proteção à indústria nacional não significava a exclusão da indústria estrangeira, mas o estabelecimento de condições que permitissem a indústria brasileira competir em condições de igualdade com as indústria dos demais países. Considerando que uma das grandes preocupações do Brasil no final do século XIX era atingir o patamar de desenvolvimento das nações européias, podemos observar, no exposto acima, propostas para se conseguir alcançar este objetivo. Verificamos que não se tratavam apenas de propostas de mudanças em nível educacional, como a tentativa de se implantar no país o ensino universal, público, gratuito e obrigatório, mas também transformações de ordem material, ou seja, propunha-se uma nova forma de organizar o trabalho, a produção, a propriedade. Estas propostas tinham como modelo as relações sociais e produtivas concernentes ao capital em seu estágio mais avançado, isto é, o capital europeu. Propunha-se estabelecer no Brasil a mesma forma de organização de vida material e intelectual da Europa. Defendia-se o trabalho livre, a divisão do trabalho, a pequena propriedade, elementos que sustentavam o capital europeu no período, por acreditar que os mesmos conduziriam a nação ao progresso. Mas o que levou o país a se preocupar constantemente com estas questões, como verificamos em quase todos os discursos da época? Segundo Marx e Engels, em A Ideologia Alemã, a partir da introdução da grande indústria a concorrência tornou-se universal, já que as forças produtivas e o aumento excessivo da produção ocasionou a ampliação do mercado. Criaram-se novas necessidades, entre elas a necessidade de produtos estrangeiros, consumo que antes era satisfeito pela produção local. As indústrias nacionais foram pouco a pouco destruídas. No âmbito industrial as nações foram perdendo sua identidade e particularidades, assumindo as relações e interesses universais ditados pelo capital em seu estágio mais avançado, no caso o capital europeu. Mesmos os países, como o Brasil, atrasados industrialmente em relação à Europa e aos Estados Unidos, foram envolvidos por este caráter internacionalizante do capital, pois, por assumirem a forma burguesa de produção, eram arrastados pela concorrência desenfreada (9). Isto nos fez elaborar a hipótese de que o Brasil, ao ser envolvido pela força da concorrência criada pelo mercado mundial, tenderia a construir e a adotar os mesmos ideais e interesses burgueses europeus se quisesse sobreviver à grande concorrência desencadeada no século XIX e manter-se na marcha do capital. Estaríamos nos defrontando, portanto, com o processo de internacionalização do capital e de universalização das necessidades humanas. E quanto à educação? Segundo o pressuposto de que a forma em que os homens organizam a sua vida material determina o seu modo de ser e de pensar, e por conseguinte, a sua vida política, social, educacional, subtendemos que a transformação das relações de produção e de trabalho do Brasil exige uma nova mentalidade. Como fazer o homem habituado aos grandes latifúndios, ao trabalho escravo, adaptar-se a uma forma vida sustentada pela pequena propriedade, pelo trabalho livre? A concorrência mundial exigia melhorias na produção, em termos de maquinaria como de pessoas capacitadas. O Brasil dispunha de trabalhadores qualificados? O trabalho livre e a divisão do trabalho também exigiam disciplina que não era conseguida por meio do chicote, mas pela ameaça de ser cancelado o contrato de trabalho. Como revelavam os autores da época, o cidadão brasileiro, considerado um homem livre, não estava adaptado ao trabalho. Quem trabalhava era o escravo. Não seria, portanto, necessária a educação universal, para educar os indivíduos para esta nova forma de vida? Ao investigarmos a hipótese de que a educação para todos também ganha força no Brasil no final do século XIX, apesar das diferenças em relação à Europa, percebemos que ao mesmo tempo em que se colocava a necessidade da educação para satisfazer às exigências do capital internacional, apontava-se sua importância para atender às características peculiares do Brasil. Por exemplo, a partir do final deste século XIX, começaram a chegar muitos imigrantes no país. Com isso, criou-se a necessidade da educação nacional, de transmitir aos estrangeiros as noções de cidadania, de moral, ou seja, os direitos e deveres dos indivíduos em território brasileiro, o sentimento de patriotismo, para que eles não prejudicassem a ordem nacional. E não só aos estrangeiros, mas também aos escravos libertos, acostumados a uma forma de vida diferente a da sociedade civil. Tais reflexões nos conduzem a continuar nossa pesquisa no sentido de estarmos investigando a educação para todos como uma necessidade universal criada pela internacionalização do capital, sem desconsiderar que esta necessidade universal também veio atender a interesses locais, ou seja, levando em conta as contradições do capital que se acirraram, ou melhor, tornaram-se visíveis, principalmente a partir do século XIX. Notas (*) Profª. Orientadora Dra. Silvina Rosa. (1) Tavares Bastos, 1975, p.150. (2) Carvalho, L. apud. Almeida, 1989, p.182-183. (3) Coelho, F. R. A. apud. Almeida, 1989, p.81. (4) Tocqueville, 1987, p.386. (5) Almeida, 1989, p.304. (6) Couty, 1988, p.51. (7) Millet, H. in: Congresso Agrícola do Recife, p.130. (8) Santos, Antônio F. et al. O Trabalho Nacional e seus Adversários. Rio, Luzinger, 1881, p.15-29 apud Almeida, 1989, p. 22. (9) Marx/ Engels, 1989, p.66-68. Referências bibliográficas AGASSIS, Luís. Impressões Gerais. In: Viagem ao Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1938. ALMEIDA. José R. Pires de. História da Instrução Pública no Brasil. (15001889). História e Legislação. São Paulo, EDUC/ Brasília; INEP/MEC, 1989. BASTOS, Tavares. Instrução Pública. In: A Província. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1975. BOBBIO, Norberto et alli. Dicionário de Política. 4* ed. Brasília, UNB,1992. BOSI, Alfredo. Escravidão entre dois Liberalismo. CARONE, Edgard. O Pensamento Industrial no Brasil. (1880-1945). Rio de Janeiro/ São Paulo, DIFEL, 1977. CARREIRO, Carlos H. P. História do Pensamento Econômico. Rio de Janeiro,Ed.Rio,1975. CONGRESSO AGRÍCOLA DO RECIFE. Recife. 1878. CEPA/ PE, 1978. COMTE, Auguste. Catecismo Positivista. São Paulo, Abril Cultural, 1978. COUTY, Louis. A escravidão no Brasil. R. J., Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988. _____. O Brasil em 1884. Esboços Sociológicos. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa; Brasília, Senado Federal, 1984. DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1977. ENGELS, F. Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico. S. P., Global Editora, 1985. HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989. _____. A Era Do Capital. 1848-1875. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. LASKI, Harold. O Liberalismo Europeu. São Paulo, Ed. Mestre Jou, s/d. MALTHUS, Thomas R. Ensaios sobre a População. São Paulo, Abril Cultural, 1983. _____.Princípios de Economia Política. São Paulo, Abril Cultural, 1983. MARX, K. O Capital. São Paulo, Abril Cultural, !983. MARX, K./ ENGELS,F. Manifesto do Partido Comunista. In: Obras Escolhidas. Ed. Alfa-omega, São Paulo, s/d. _____. A Ideologia Alemã. São Paulo. Martins Fontes, 1989. MILLET, Henrique Augusto. Os Quebra-quilos e a crise da lavoura cafeeira. 2ª ed. São Paulo/ Brasília, Global/ INL, 1987. MILL, Stuart. Ensaio sobre a Liberdade. Lisboa, Ed. Arcádia, 1964. _____. Princípios de Economia Política. São Paulo, Nova cultural, 1996. NAGLE, JORGE. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo, EPU; Rio de Janeiro, Fundação Nacional de Material Escolar, 1976. QUEIROZ, Eça de. A Emigração como Força Civilizadora. Lisboa, Ed. Perspectivas e realidades. 1979. SAY, Jean-Baptiste. Tratado de Economia Política. São Paulo, Nova Cultural, 1986. TOCQUEVILLE, A. A Democracia na América. Belo Horizonte, Editora Itatiaia, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1987. _____. Correspondência. México. Ed. Fundo de Cultura Econômica,1985. _____. O Antigo Regime e a Revolução. Brasília, UNB, 1982.