Jorge Amado, um dos autores mais lidos da literatura brasileira, é dono de uma volumosa produção, que inclui cerca de quarenta livros, entre crônicas, romances, peças de teatro e novelas, bem como uma extensa colaboração com diversos veículos de imprensa. O escritor foi traduzido em dezenas de idiomas e sua obra contribuiu para que os cenários pitorescos da Bahia forjassem no imaginário de milhões de leitores mundo afora a visão de um Brasil ao mesmo tempo sensual e violento, primitivo e acolhedor, injusto e paradisíaco. Nascido em 1912 em Itabuna, Bahia, Jorge Amado desde cedo demonstra inclinação para as letras. Aos catorze anos, inicia-se na imprensa de Salvador como repórter policial. Publica seu primeiro livro, O país do Carnaval, em 1931. O sucesso de público e crítica chega em 1935, com o romance Jubiabá. Filiado ao Partido Comunista, é preso em 1936, após o fracasso do levante liderado por Luís Carlos Prestes, de quem posteriormente escreve uma biografia (O cavaleiro da esperança). No início identificado com a geração de 1930, que inclui outros expoentes nordestinos como Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos, Jorge Amado progressivamente se aproxima do ideário estético socialista. Em 1945, é eleito deputado federal pelo PCB, mas, cassado com a extinção do partido, exila-se voluntariamente na Europa. Volta ao Brasil em 1952. Tendo rompido com o Partido Comunista após a revelação dos crimes do regime stalinista, o escritor baiano passa a se dedicar à investigação da mestiçagem como fator determinante da identidade brasileira, sem, entretanto, abandonar a denúncia das iniquidades do capitalismo e a defesa da justiça social. As décadas seguintes, com a publicação de títulos como Gabriela, cravo e canela, Tenda dos milagres e Dona Flor e seus dois maridos, são marcadas pelo enorme sucesso no Brasil e no exterior, com sucessivas homenagens, prêmios - incluindo o Camões, em 1994 -, e adaptações para a televisão e o cinema. Jorge Amado morre em 2001, em Salvador. 1 Os momentos mais significativos dessa extensa carreira, selecionados por Alberto da Costa e Silva, compõem uma amostra caleidoscópica do universo ficcional habitado pelos personagens amadianos. Enredados em tramas de amor, morte e misticismo, tipos inesquecíveis integram uma numerosa galeria de homens e mulheres marcados pelo sofrimento: Gabriela, Pedro Bala, Antônio Balduíno e Teresa Batista, para citar apenas protagonistas. Em obras como A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, a incorporação ficcional do mito potencializa a representação da religiosidade e dos costumes baianos, carregando-a de uma simbologia universal que ecoa a de Finnegans Wake, de James Joyce. Criador de uma mitologia própria, Jorge Amado é um dos mais importantes formadores da identidade literária do Brasil. 1. Em Jubiabá (1935), a trajetória do protagonista, o negro Antônio Balduíno, é marcada por sucessivas mudanças de profissão. De morador de rua e lutador de boxe, Balduíno passa a estivador e camponês, terminando como líder de uma greve. Em dois dos momentos selecionados, ele se vê às voltas com homens brancos estrangeiros. Quem são eles? No episódio “Boxe”, Balduíno luta na rua com o “alemão” Ergin, “campeão da Europa Central”. No início ameaçado pelo oponente louro, o negro consegue afinal nocauteá-lo, e ganha os cem mil-réis a que tinha direito pela vitória. Em “Circo”, Balduíno reencontra seu antigo empresário no boxe, o italiano Luigi. Este o convida a trabalhar no Grande Circo Internacional, que codirige com outro italiano, o sempre bêbado Giuseppe. O trapezista Robert também afeta ser europeu, aparentemente francês. Desde seus primeiros romances, Jorge Amado tematiza o encontro de culturas 2 promovido na Bahia incluindo estrangeiros de diferentes nacionalidades nas tramas. O sírio Nacib Saad, de Gabriela, cravo e canela, é talvez o exemplo mais conhecido dessa vertente da ficção amadiana. 2. Em “Família”, o moleque Pedro Bala, líder dos Capitães da Areia, no romance de mesmo nome (1937), planeja um assalto à casa de um rico casal. Qual é a tática que o bando emprega? O moleque Sem-Pernas, aleijado, primeiro é infiltrado na condição de pedinte. Afirmando ser órfão, ganha a confiança de Raul e Ester, donos da casa, que o hospedam, vestem, alimentam e dão presentes, adotando-o como filho. Oito dias após sua chegada, tendo colhido todas as informações necessárias ao assalto principalmente o local em que estão escondidas as joias de dona Ester -, Sem-Pernas abandona sem aviso sua nova família, embora a contragosto. É a primeira vez que ele sente remorso, após tantas repetições do mesmo plano. Na mesma noite, o bando invade a residência e furta diversos objetos de ouro e prata. Sem-Pernas recusa sua parte do butim. 3. O jagunço Damião, no episódio “Tocaia” de Terras do sem-fim (1943), está escondido no mato à beira da estrada, à espera de sua vítima. De quem se trata e por que o patrão quer sua morte? O negro Damião aguarda a passagem de Firmo, um proprietário vizinho que se recusa a vender terras ao patrão, o coronel Badaró. Com a morte de Firmo, Sinhô Badaró pretende se apossar de sua propriedade e expandir as plantações de cacau. A região em que se passa o romance, o sul da Bahia, é marcada pelos violentos conflitos de terras e pela lei inquestionável dos coronéis, que exercem o governo de fato. Firmo é casado com a filha de um italiano, dona Teresa, de 3 quem Damião admira a beleza e a brancura da pele. Por imaginar sua tristeza com a morte do marido, ele começa a titubear em sua missão assassina. 4. Como o tema do circo, presente na obra de Jorge Amado desde Jubiabá, reaparece em Gabriela, cravo e canela (1958)? No capítulo “Gabriela com flor”, o moleque Tuísca fala a Gabriela de seus planos para a chegada próxima do Grande Circo Balcânico. Conta que certa vez quase fugiu com uma trupe circense, tendo sido convidado a ser dançarino e tratador de macacos, mas que a necessidade de cuidar da mãe o impediu. Tuísca começa a dançar para demonstrar suas habilidades e anima Gabriela, que o acompanha. 5. Desde a abertura do mesmo capítulo, a beleza da mulata Gabriela é comparada pelo narrador à de diversas flores. Que flor ela usa presa à orelha? Quem lhe ensinou a usá-la como adorno? Gabriela leva uma rosa vermelha presa junto à face. Ela recorda ter aprendido esse uso com outro dos estrangeiros presentes na obra de Jorge Amado, o sapateiro espanhol Felipe: “Todas as muchachas em Sevilha usam uma flor roja nos cabelos...”. 6. O capítulo “Suspiros de Gabriela” apresenta uma importante mudança formal em relação ao capítulo abordado na pergunta anterior. Qual? O foco narrativo passa da terceira pessoa para um discurso indireto livre bastante íntimo de Gabriela, chegando quase à primeira pessoa. Ela suspira e se dilacera com dúvidas acerca do casamento com Nacib, que lhe tolhe a liberdade de viver como gosta: andando descalça, correndo pela praia, fazendo o que lhe vem à 4 cabeça. Embora goste muito do marido, desdobrandose para fazer todas as suas vontades, Gabriela lamenta sua atual condição de sra. Saad, que a impede de sair de pastora, cantando e dançando pelas ruas no terno de reis da amiga Dora, no fim do ano. 7. No fim do ano, Gabriela e Nacib vão ao luxuoso Clube Progresso para o baile de réveillon. O que acontece antes da meia-noite? Os instrumentos do terno de reis de Dora - cavaquinhos, violões, flautas e pandeiros - começam a ser ouvidos no interior do salão. Já na calçada, incapaz de resistir às convenções sociais, Gabriela descalça os sapatos e arrebata o estandarte da mão de uma das pastoras, saindo a requebrar no festejo. O baile inteiro, entusiasmado, acaba acompanhando a dança, inclusive a irmã e o cunhado de Nacib, que fica parado, transtornado de vergonha. 8. O conto “De como o mulato porciúncula descarregou seu defunto” (1959) traz o personagem Gringo, um estrangeiro de olhos azuis. Que lembrança de Gringo deflagra a narrativa de Porciúncula? Quem é o defunto a que se refere o título? O Gringo, provavelmente do norte da Europa, lembrase quase sem razão do Natal de sua terra. Porciúncula então começa a contar a história de um antigo amor, a prostituta Maria do Véu, cuja obsessão era assistir a casamentos. O maior desejo de Maria, vestir-se de noiva, acaba se realizando apenas depois de sua morte, numa macabra cerimônia improvisada pelas colegas de profissão, tendo Porciúncula como noivo. A narrativa do mulato é o “descarrego” dessa história fúnebre. Sua associação entre o Natal e a história de Maria, que deflagra o conto, se dá pela brancura da neve natalina descrita pelo Gringo. 5 9. Em A morte e a morte de Quincas Berro Dágua (1961), qual é o nome completo do defunto protagonista? Qual era sua ocupação antes de tornarse bêbado profissional? Quincas já fora o respeitável Joaquim Soares da Cunha, “de boa família”, funcionário da fazenda estadual, “aposentado após vinte e cinco anos de bons e leais serviços”. Aos cinquenta anos, abandona a família para beber e vagabundear pelas ruas e bordéis de Salvador. 10. Por que Leonardo hesita em fazer o velório do sogro Quincas em sua casa? Onde ele é velado, afinal? Leonardo se envergonha das histórias do sogro, que certamente seriam recontadas durante o velório, entre risos, pelos visitantes. Além disso, quer poupar os filhos do dissabor de saber que o avô morreu como um vagabundo alcoólatra. Então, a família inteira decide ocultar da sociedade as condições de sua morte, e Quincas acaba sendo velado na própria “pocilga miserável” em que residia, na ladeira do Tabuão. 11. Como Quincas havia adquirido sua alcunha? Quincas era famoso por beber litros de cachaça sem ficar embriagado. Além disso, jamais bebia água, somente álcool. Certa vez, na venda do espanhol Lopez, Quincas viu uma garrafa de cachaça transparente sobre o balcão. Como era freguês habitual, serviu-se sozinho do líquido e, sorvendo um copo inteiro, gritou como “um animal ferido de morte”: “Águuuuuua!”. Não era cachaça. Seu “berro dágua” rapidamente se espalhou como anedota pelos botequins de toda Salvador. 12. O velório de Quincas se passa num clima surreal – o morto se mexe, pisca e xinga os circunstantes – muito bem explorado por Jorge Amado. A chegada 6 de seus antigos companheiros de botequim leva essa inusitada situação ao clímax. O que eles fazem com o defunto? Após horas de muito tédio e cansaço, a família de Quincas resolve abandonar o morto aos cuidados de Negro Pastinha, Curió, Pé-de-Vento e cabo Martim. O velório rapidamente se transforma em pantomina, e os amigos dão cachaça ao morto, que bebe com gosto. Os quatro decidem então levar Quincas para se divertir na cidade. A turma de bêbados e prostitutas acaba tomando um saveiro, de onde, durante uma tempestade, Quincas se atira ao mar e encontra sua derradeira morte. 13. O tema da morte e seus mistérios reaparece em Dona Flor e seus dois maridos (1966). Vadinho, primeiro marido de Flor, volta como espírito após a morte para reconquistar a mulher, que se casara com o respeitável dr. Teodoro. Como se dá a morte de Vadinho? Vadinho, mulherengo e viciado em jogo, morre em pleno domingo de carnaval, sambando fantasiado de baiana. Rodeado pelos foliões de um bloco no largo Dois de Julho, em Salvador, o ladino marido da professora de culinária tem um mal súbito devido a toda a cachaça que bebera desde o dia anterior, e cai morto “botando uma baba amarela pela boca”. 14. Ecoando os suspiros de Gabriela, o capítulo “Apelo de Dona Flor em aula e em devaneio” mistura em primeira pessoa os pensamentos da protagonista às instruções culinárias que ela transmite aos alunos. Qual é a receita sendo executada? Como ela se relaciona com os devaneios de Flor? Trata-se um autêntico vatapá baiano, com garoupas frescas, amendoim, leite de coco, gengibre e coentro. À medida que vai manipulando os ingredientes, a viúva 7 Flor se recorda do marido morto, e de que como era prazeroso cozinhar para ele. A comida, seus sabores e aromas vão sendo progressivamente comparados às qualidades do corpo da cozinheira-professora, ansiosa por um novo marido, “consumida em fogo em maldição”. 15. Em que ocasião Vadinho retorna? Qual é a reação de Flor? Vadinho reaparece justamente na noite em que Flor e o dr. Teodoro comemoram um ano de casamento. Após a saída dos últimos convidados, Flor se prepara para dormir e encontra Vadinho nu, estendido na cama do casal. Inicialmente ela resiste às investidas do defunto, preocupada com o despudor da situação e a chegada iminente do marido, mas acaba cedendo e beija Vadinho na boca. Após a saída deste, Flor, incendiada de desejo, passa a desejar seu retorno e temer que tenha sido a primeira e última vez em que revê o falecido. 16. O episódio “O pintor de ex-votos”, de Tenda dos Milagres (1969), narra a execução de um “milagre”, peça da religiosidade popular destinada a homenagear o santo de devoção do crente que o encomenda, em memória de uma graça alcançada. Qual é o milagre que mestre Lídio Corró representa? Trata-se da encomenda de Ramiro Assis, rico proprietário de plantações de fumo e cana no interior da Bahia. O cliente de Corró deseja homenagear o Senhor do Bonfim, a quem apelou numa situação de grande perigo: numa viagem com “esposa, irmã solteira, três filhos e mucama”, o grupo dormia numa clareira no meio da floresta quando uma enorme onça rajada atacou sem aviso. Imediatamente, o santo foi invocado aos gritos por todos, e a onça “ficou inerte e mansa e foi embora”. 8 17. Em um de seus últimos romances, Tocaia Grande (1984), Jorge Amado narra a história de um lugarejo habitado por diversos personagens marginais, que acabam massacrados pelos vizinhos poderosos. Estrangeiros também marcam presença na trama. Quem são eles? Os ciganos que chegam ao lugarejo, entre os quais Josef, “idoso, trajes velhos e puídos [...], um vagabundo”, e o mascate libanês Fadul Abdala, que possui um negócio de secos e molhados e negocia montarias. Leituras recomendadas O Brasil best-seller de Jorge Amado: literatura e identidade nacional, de Ilana Goldstein, São Paulo, Editora SENAC, 2003. Tensões do tempo: a saga do cacau na ficção de Jorge Amado, de Antônio Pereira Sousa, Ilhéus, Editus; Editora da UESC, 2001. Jorge Amado: romance em tempo de utopia, de Eduardo de Assis Duarte. Rio de Janeiro, Record, 1996. Obra completa de Jorge Amado em 33 volumes, São Paulo, Companhia das Letras, 2008-10. 9