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LITERATURA BRASILEIRA
E LITERATURA AFRO-BRASILEIRA
Segundo a Lei n. 10.639/03, todas as escolas brasileiras da educação básica,
privadas ou públicas, precisam incorporar em suas práticas a diversidade étnica de
seu país. Porém, muito antes da implementação da lei, encontrávamos registros de
ações individuais ou coletivas, realizadas pelos movimentos sociais. Cientes que
nossas práticas precisam superar o âmbito da denúncia, a intenção deste Módulo de
literatura afro-brasileira é efetivar ações que modifiquem o cenário de exclusão e
inferiorização da comunidade negra. Nossas ações precisam envolver todos os
atores da escola (secretarias de educação, diretores(as), professores(as),
alunos(as), funcionários(as) e a comunidade) e requerem também uma pesquisa de
qualidade e sua inclusão no projeto pedagógico da escola.
Nesta unidade, discutiremos sobre o papel da literatura na construção da nação
brasileira e refletiremos sobre as representações dos afro-brasileiros e africanos na
literatura.
Tópico 1 - Literatura Brasileira e Literatura Afro-brasileira
São objetivos desta unidade:
•
Analisar como a Literatura Brasileira representa os africanos e seus
descendentes;
•
Refletir sobre as representações estereotipadas no tocante à população
negra.
Vamos começar a refletir sobre literatura negra?
9
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Tópico 1 – Literatura brasileira e literatura afro-brasileira
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A literatura possui papel preponderante na constituição de um
discurso de homogeneização nacional, constituindo-se como um
dos imaginários de um território nacional, desenhando perfis,
transmitindo idéias e valores que irão compor discursos oficiais e
extra-oficiais de uma nação específica.
No intuito de delimitar o patrimônio artístico-cultural de cada país,
pelo menos desde fins do século XV, nações européias elegem
obras literárias consideradas clássicas dos seus idiomas oficiais.
Posteriormente, as novas nações americanas, nascidas sob o
jugo da colonização européia, seguiram o mesmo caminho,
canonizando obras literárias, que acabaram por se transformar
em representantes dos traços característicos de cada nação. Na
verdade, traços específicos, imaginados como verdadeiros e
autênticos dentro de cada projeto de nação. Essa imaginação
nacional, no caso da produção literária brasileira, implica
sobretudo representações de diferentes grupos étnico-raciais.
Em relação a países da América Latina, que ingressaram no
cenário da modernidade ocidental a partir do projeto europeu de
colonização, o jugo de determinados grupos étnico-raciais tornase um processo intimamente ligado a uma subalternidade que se
estende desde o período de dominação européia direta. Dessa
forma, grupos tomados como a degenerescência do projeto
europeu de civilização, sejam descendentes de africanos
escravizados ou indígenas e índio-descendentes, são rebaixados
à condição de subalternos, tanto em termos físicos quanto nos
níveis social, cultural, intelectual ou político.
10
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Tal
processo
de
subalternização
perpassa
por
diversas
instituições sociais que constituem um Estado-nação, dentre elas
uma que nos interessa mais de perto: a escola. No artigo The
Nation Form: History and Ideology [A forma nação: história e
ideologia], Étienne Balibar1 contextualiza a estreita correlação
histórica entre formação nacional e desenvolvimento da escola
enquanto instituição popular, ou seja, não restrita à educação e
cultura das elites. Nesse processo, a escola se torna a instituição
principal na produção de etnicidade baseada em uma comunidade
lingüística comum, sendo decisiva não só na oficialização da
língua nacional, como também na transformação do idioma
materno2 em realidade afetiva e identitária para cada indivíduo.
Dessa forma, a ambígua realidade idiomática, a um só tempo
individual e coletiva, será um dos meios pelos quais a identidade
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nacional se constituirá, utilizando um código comum, por sob as
diferenças lingüísticas de classe, geração, grupos profissionais,
grupos étnicos, entre outras.
Embora uma comunidade de língua não seja suficiente para,
sozinha, produzir etnicidade, o encaminhamento teórico de
Balibar coloca em questão algo que interessa de perto às
reflexões deste módulo, levando-nos a olhar criticamente um
ensino de literatura que tem excluído as textualidades negras,
sejam elas afro-brasileiras ou africanas, além de questionar o
nosso papel como professor de língua materna, no caso
brasileiro, do professor de língua portuguesa ou de qualquer outra
disciplina,
como
agente
do
processo
de
legitimação
de
determinadas narrativas nacionais.
Estudos sobre historiografia literária têm demonstrado que o
processo de eleição dos clássicos literários se relaciona ao ensino
formal da literatura, é importante questionar em que medida os
professores de língua materna no Brasil têm reproduzido uma
perspectiva
limitadora
de
nossa
nação
ao
ensinarem
acriticamente uma excludente história da literatura brasileira, em
11
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circulação tanto nos manuais didáticos mais usados quanto nas
salas de aula.
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No Brasil do século XIX, o indianismo romântico pode ser visto
como a primeira tentativa intelectual sistematizada de, no plano
metafórico da literatura, representar o que se entendia por nossa
especificidade nacional, construída pelo apagamento do papel de
grupos étnico-raciais não ocidentais. Dessa maneira, excluindo a
mão-de-obra
africana
escravizada
dessa
representação
e
construindo literariamente o indígena de maneira europeizada, o
indianismo deu forma, ainda na primeira metade do século XIX, a
uma concepção de Brasil caracterizada por um harmonioso
relacionamento étnico, pois subtraía da tessitura textual-literária
as violências sofridas pelos grupamentos africanos e indígenas no
processo histórico da colonização brasileira. O amparo que a
literatura indianista recebeu do público letrado da época traduz
plenamente a função ideológica dessa interpretação das relações
étnico-raciais no Brasil.
A
importância
supervalorização
estratégica
do
indígena
da
na
literatura brasileira do século XIX
revela o viés excludente da tradição
literária brasileira, cujo movimento
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canonizado
como
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se
comprometeu a criar uma idéia de nação que ignorava os nossos
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problemas sociais e acabava por velar nossas desigualdades
12
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sociais e étnicas, através do tom exótico ao representar o nativo4,
concebido como o antepassado mítico dos brasileiros.
A face conservadora do indianismo romântico pode ser
apreendida quando se percebe que a visão européia restringiu a
representação do índio, definindo-a segundo parâmetros da
imaginação do ocidente.
Assim, de modo semelhante ao mecanismo da (re)invenção dos
selvagens pelos cronistas europeus do século XVI, reafirma-se,
com o indianismo, a visão exógena, comprometida com a
perspectiva européia de mundo. Além disso, ignora a presença de
africanos nessa imaginação de nação brasileira. Perpetua-se,
portanto, o racismo, já que, no plano da imaginação literária,
naturalizam-se relações sociais desiguais, injustas e baseadas,
inclusive, no extermínio físico, cultural e imaginário de grupos
étnico-raciais subalternizados. A partir do que foi demonstrado,
pode-se perceber que a passagem da literatura colonial para a
pós-colonial, no Brasil, não significou mudança radical de
enfoque, pois a medida e o olhar continuaram ainda a ser
europeus.
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Acreditando na existência de diferenças ontológicas entre as
etnias, capazes de determinarem as características físicas e
psicológicas dos seres humanos — cuja divisão hierárquica
tomava como parâmetro a etnia branco-européia — estudiosos
brasileiros responsabilizavam, por um lado, a união de diferentes
13
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grupos étnico-raciais pelo atraso do país − caso, por exemplo, do
médico legista baiano Nina Rodrigues, cujas idéias concebiam a
mestiçagem
como
degradação;
todavia,
por
outro
lado,
representavam-na como a marca essencial da nossa brasilidade −
caso da singular interpretação do Brasil feita pelo historiador
literário Sílvio Romero5, que acreditou na possibilidade de a
mistura étnica ser positiva para o Brasil.
O antropólogo Kabengele Munanga, no livro Rediscutindo a
mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade
negra, argumenta que a mistura étnico-racial só era considerada
positiva,
para
Silvio
Romero,
porque
resultaria
na
a
do
homogeneização
da
sociedade
brasileira
desaparecimento
dos
segmentos
étnico-raciais
partir
negros
e
indígenas, que se diluiriam na predominância biológica e cultural
branca.
Na visão do intelectual de fins do século XIX, a seleção natural
faria prevalecer na mestiçagem, após algumas gerações, o tipo
racial mais numeroso, no caso do Brasil, segundo ele, a raça
branca. O arcabouço do pensamento de Romero leva então a
uma visão otimista, segundo os parâmetros das elites letradas da
época, pois interpreta a cultura brasileira mestiça como em vias
de embranquecimento. O fundamento de tal ideologia parece,
portanto, óbvio: a inferioridade e o conseqüente apagamento dos
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grupos étnico-raciais não-brancos.
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Nesse sentido, a quase total ausência, nas salas de aula, da
produção literária em que vozes negras articulem sentidos sobre
sua própria condição social pode ser vista como a perpetuação
dessa representação de Brasil. O que se observa na produção
editorial dirigida à escola é a obliteração da problemática racial
nos poucos escritores negros que têm suas literaturas analisadas,
além
da
minimização
dos
papéis
das
representações
estereotipadas ou animalizadas dos negros em obras literárias
que
fazem referência
a
teorias raciais ou discutem as
especificidades das relações entre os diferentes grupos étnicoraciais no Brasil, caso de parte da produção literária de Machado
de Assis, Cruz e Souza, Lima Barreto, Euclides da Cunha, Mário
de Andrade, Jorge Amado, entre tantos outros.
Trabalhar a historicidade do texto literário tem significado,
portanto, na Escola Básica brasileira, tratá-lo em uma linha de
tempo linear-cronológica, desde o século XVI até o século XX,
reproduzindo a organização tradicional dos estudos em estilos de
época, seus autores e obras mais representativos. Organizado
dessa forma, nosso ensino reduz tanto o multiperspectivismo
próprio do texto literário quanto a concepção de história literária,
ao compreender a literatura como uma naturalizada sucessão de
estilos, períodos ou movimentos literários.
O reducionismo desse tipo de concepção se torna ainda mais
complexo, porque, sob tal quadro cronológico, surgindo como um
fundamento da escolha da maioria dos autores e obras
canonizados, encontra-se um projeto de nação limitador, marcado
pela amenização de tensões sociais que possam levar a lembrar
a violência sofrida por grupos étnico-raciais sujeitados, dizimados
ou silenciados no decorrer de nossa história.
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Dentro do contexto aqui apresentado, a literatura brasileira em
seu termo abrangente – todas as formas literárias produzidas no
Brasil – não tem representado, em equidade, todos os grupos
étnicos que compõem o país, nem os conflitos nem a
complexidade cultural de cada um deles. E, principalmente, não
dá conta dos escritores negros e de suas produções, mantendoos fora dos cânones e das salas de aulas.
Levando em consideração as questões até aqui apresentadas, os
estudos literários voltados para textualidades negras ou afrobrasileiras suprimidas de nossa tradição literária lidam com, pelo
menos, duas perspectivas metodológicas: por um lado, uma
análise das representações negativas ou estereotipadas do negro
na literatura brasileira; por outro, uma preocupação por inserir a
produção literária afro-brasileira, que contempla a opressão
cotidiana das populações negras no Brasil, implicando, além de
matrizes culturais africanas, contradições sociais por elas
vivenciadas, em decorrência sobretudo do racismo.
Uma observação do romance de Mário de Andrade Macunaíma
um herói sem nenhum caráter, por exemplo, pode demonstrar o
quanto uma obra canonizada como uma das mais importantes do
Modernismo
brasileiro,
tradicionalmente
conhecida
como
representante de um nacionalismo crítico em oposição ao
nacionalismo ufanista dos escritores românticos, é construída,
todavia, a partir da representação negativa do negro e do
indígena.
O herói civilizador sem nenhum caráter nasce preto retinto em
tribo indígena; adulto, toma banho em uma cova de água
encantada, embranquecendo. Entretanto, os irmãos Jiguê e
Maanape, ao se lavarem na cova encantada, não tiveram o
mesmo destino, ficando o primeiro cor de bronze e o último preto,
somente com as palmas dos pés e das mãos vermelhas, devido à
16
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sujeira e à quantidade ínfima de água na cova. O fragmento que
narra a transformação física dos irmãos é bem significativo de
como as relações étnico-raciais são tratadas na narrativa:
Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na marca do
pezão do Sumé. Porém a água já estava suja da negrura do
herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando
água para todos os lados só conseguiu ficar da cor do bronze
novo. Macunaíma teve dó e consolou:
_ Olhe, mano Jiguê, branco você ficou não, porém pretume foise e antes fanhoso do que sem nariz.
Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê esborrifara a água
encantada pra fora da cova. Tinha só um bocado lá no fundo e
Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos.
Por isso ficou negro bem filho da tribo Tapanhumas. Só que as
palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se
limpado na água santa. Macunaíma teve dó e consolou:
_ Não se avexe, mano Maanape, não se avexe não, mais sofreu
nosso tio Judas! (Macunaíma, p. 37)
Trabalhada como um milagre, a
metamorfose física do herói e de
seus dois irmãos é uma construção
ficcional de um dos traços que tem
tradicionalmente
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caracterizado
o
brasileiro, mestiço por excelência.
Dessa forma, mesmo com tonalidades de pele diferentes são —
tanto os personagens do romance quanto os próprios brasileiros
— representados como irmãos. A valorização de uma mestiçagem
harmoniosa, caracterizada pela ausência aparente de tensão
entre os diferentes grupos étnicos, está explícita nesse episódio.
Todavia, as falas do herói demonstram o desejo latente de
embranquecimento, na medida em que concebe o “pretume”
como um defeito ou um intenso sofrimento, respectivamente,
construindo de forma explícita uma representação pejorativa do
brasileiro negro.
17
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Além do discurso nacionalista baseado na união harmoniosa de
distintos grupos étnico-raciais, a construção dos personagens
baseada em estereótipos também é uma das marcas do romance
de Mário de Andrade. O capítulo “Macumba” pode ser lido,
inclusive, como um fragmento que congrega, ao máximo,
representações estereotipadas e negativas de culturas de
matrizes africanas. De acordo com o enredo do romance, o herói,
na busca do amuleto que se perdeu e de destruir o seu principal
inimigo, usa uma série de estratégias para recuperá-lo, dentre
elas a ida a um ritual de candomblé.
Talvez com o intuito de trabalhar o sincretismo religioso brasileiro,
intimamente relacionado à ideologia da mestiçagem, a qual
concebe a cultura como una, todavia composta por diversidades
étnicas que se somam harmonicamente, Mário cria ficcionalmente
um terreiro de candomblé que representa um verdadeiro inferno
na terra, mundo da animalidade e dos baixos instintos. Situada no
Rio de Janeiro, a casa da Tia Ciata é o lugar onde acontece a
orgia ritualística dedicada a Exu-Diabo6.
De acordo com o estudioso de cultos africanos Pierre Verger7,
Exu, intermediário entre os homens e os deuses, é um orixá de
múltiplos e contraditórios aspectos, revelando-se o mais humano
entre eles, nem completamente mau, nem completamente bom.
Como dono da encruzilhada, Exu revela um lado favorável e um
lado caótico, incorporando em si a ambigüidade, as múltiplas
identidades. Entretanto, devido ao viés astucioso e sensual com
que é caracterizado na cosmogonia africana, missionários
católicos europeus fizeram dele símbolo de tudo o que é maldade,
comparando-o ao Diabo.
O capítulo “Macumba” deixa de lado a ambivalência da divindade,
construindo-a apenas como Diabo; por isso, Exu, no episódio, só
concede os pedidos pernósticos de seus fiéis e se porta como um
pai espiritual do “herói sem nenhum caráter”, que se vinga de
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Venceslau Pietro Pietra, através dos poderes demoníacos desse
orixá. A reza final dedicada a Exu, construída como paródia à
prece “Padre Nosso”, reduz o culto afro-brasileiro a uma
caricatura infernal do ritual católico:
- Padre Exu achado nosso que vós estais no trezeno inferno da
esquerda de baixo, nóis te quereremo muito, nóis tudo!
- Quereremos! quereremos!
- ... O pai nosso Exu de cada dia nos dai hoje, seja feita vossa
vontade assim também no terreiro da sanzala que pertence pro
nosso padre Exu, por todo o sempre que assim seja, amém!...
Glória pra pátria jeje de Exu!
- Glória pro fio de Exu!
Macunaíma agradeceu. A tia acabou:
- Chico-t era um príncipe jeje que virou nosso padre Exu dos
século seculoro pra sempre que assim seja, amém.
- Pra sempre que assim seja, amém! (Macunaíma, p. 63-64)
O humor zombeteiro presente no capítulo “Macumba” é, portanto,
a
forma
extremada
estereotipadas
que
de
uma
série
de
representações
perpassam
pelo
romance.
Perceber
representações negativas do negro na literatura é condição
indispensável para compreender que há representações literárias
positivas tanto dos afro-descendentes quanto das culturas e
conhecimentos por eles produzidos. A literatura contemporânea
que se auto-nomeia afro-brasileira produz uma perspectiva
radicalmente oposta às visões correntes dos afro-descendentes
na literatura que mais comumente tem circulado nas salas de aula
do país.
Acadêmicos brasileiros cuja produção tem se voltado para
textualidades negras demonstram a ampliação identitária que o
texto afro-brasileiro proporciona à sociedade, na medida em que
joga com a possibilidade de deslizar produtivamente entre a
tradição
ocidental
européia
e
tradições
africanas
aqui
retrabalhadas.
Dentro de tal processo de deslizamento identitário, a mudança de
referenciais do texto afro-brasileiro desnaturaliza um leitor
fabulado como único no Brasil: branco e, quase sempre,
19
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masculino8. O escritor negro precisa lidar, portanto, com no
mínimo duas contradições: não só ser exceção em seu meio
social como escrever para leitores formados segundo parâmetros
da tradição literária ocidental. O escritor e crítico literário Cuti
esmiúça o drama vivido pelo autor negro que reivindica essa
condição social, ao escrever para leitores negros, mestiços e
brancos:
A relação leitor/texto/autor, na literatura brasileira, implica quase
sempre a invisibilidade do leitor negro. É, como no contexto social
o foi por muito
tempo, desconsiderado enquanto cidadão. A experiência do leitor
negro ante o grande espectro da literatura nacional é a mesma de
quem tivesse ouvindo uma conversa entre brancos, atrás da porta,
do lado de fora. E só encontra uma saída: abstrair-se de sua
concrecute e admitir, em si, o branco, enquanto autor, personagem
principal e destinatário do discurso. Não se constitui como “leitor
ideal” para os escritores brancos nem mesmo para os mestiços ou
negros, inclusive a maioria dos modernos. Até que o escritor,
sendo negro que escreve sem renegar sua experiência subjetivoracial, eleja-o em seu ato de criação. Nasce o interlocutor negro
do texto emitido pelo “eu” negro, num diálogo que põe na
estranheza, na condição de ausente, o leitor “branco”. [grifos do
autor]9
Essa liberação da criação literária, sob a perspectiva étnico-racial
do negro no Brasil, abre espaço não só para o intercâmbio com
outras tradições culturais não legitimadas no ambiente escolar
como também para uma discussão mais aprofundada dos lugares
de privilégio reservados aos brancos brasileiros enquanto
categoria social. Um ensino de literatura que promova o
desbloqueio de vozes literárias tradicionalmente silenciadas
possibilita ao educando estar no lugar, literalmente na pele do
outro, apreendendo-lhe a dimensão humana.
Dando continuidade às questões até aqui abordadas, na próxima
Unidade, discutiremos a produção literária afro-brasileira, do
século XIX até a contemporaneidade.
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Concluímos a Unidade 1. Na próxima Unidade,
discutiremos em pormenores a literatura denominada
afro-brasileira e suas diferenças em relação à literatura
canônica.
Leituras sugeridas
FONSECA, Maria Nazareth. “Poesia Afro-brasileira:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/frame.htm (artigos).
vertentes
e
feições”.
In:
SILVA, Luiz. “O leitor e o texto afro-brasileiro”. In: http://www.cuti.com.br/ensaios3.htm
Para saber mais
CAMARGO, Oswaldo. O negro escrito: apontamentos sobre a presença do negro na
Literatura Brasileira. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1987.
FONSECA, Maria Nazareth. “Poesia Afro-brasileira:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/frame.htm (artigos).
vertentes
e
feições”.
SOUZA,
Florentina.
“Literatura
Afro-brasileira:
algumas
reflexões”.
http://www.palmares.gov.br/_temp/sites/000/2/download/revista2/revista2-i64.pdf
In:
In:
OLIVEIRA, Sílvio. “Séculos de Arte e Literatura Negra”. In: LIMA, Maria Nazaré e SOUZA,
Florentina (Org.). Literatura Afro-brasileira. Salvador: CEAO / Brasília: Fundação Cultural
Palmares, 2006. (p. 39 – 76).
BARRETO, Lima. Os melhores contos. São Paulo: Martin Claret, 2003.
BERND, Zilá. Introdução à Literatura Negra. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988.
______. Literatura e identidade nacional. 2ª. Ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. p.
103-123.
DUARTE,
Eduardo
de
A.
“Literatura
e
http://www.letras.ufmg.br/literafro/frame.htm (tópico artigos).
Afro-descendência”.
In:
FREITAS, Celi. “Lima Barreto: um intelectual
http://www2.uerj.br/~intellectus/textos/Celi.pdf.
na
In:
negro
avenida
central”.
JESUS, Carolina de. Quarto de Despejo: diário de uma favelada. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves, 1960.
21
ͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺ
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LIMA, Maria Nazaré e SOUZA, Florentina (Org.). Literatura Afro-brasileira. Salvador: CEAO,
Brasília: Fundação Palmares, 2006.
MARGARIDO, Alfredo. Estudo sobre literatura das nações africanas de língua portuguesa.
Lisboa: a regra do jogo, 1980.
SANTOS, Jean Carlos Ferreira. “Saber, beleza e arte em Carolina Maria de Jesus”. In:
http://www.palmares.gov.br/sites/000/2/download/revista2/revista2-i96.pdf
Material de apoio
Convite ao livro Clara dos Anjos – Lima Barreto
http://www.youtube.com/watch?v=hBQyvJaMbOI
Canção para Solano Trindade
http://www.youtube.com/watch?v=L8YmtGkX5LE&feature=related
Filmes
“Cruz e Sousa – poeta do desterro” de Sylvio Back
Documentário “Carolina” de Jeferson De, 2003.
“Macunaíma” de Joaquim Pedro de Andrade, 1969.
“Alma no olho” de Zózimo Bulbul, 1973.
Enquanto isso, na sala de aula...
A necessidade de uma revisão da
historiografia literária se faz urgente
e
sistemática,
representações
no
tocante
simbólicas
às
da
população negra, especialmente, no
contexto da sala de aula. Pensamos
algumas
([SRVLomRGH,VDEHO0XxR]QR&&(7
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estratégias
de
práticas
pedagógicas
e
convidamos
os
professores
e
professoras
a
experimentarem
professores(as)
outras;
que
já
aos
realizam
ações na perspectiva da lei 10.639/03, que socializem suas experiências, pesquisas e/ou
produzam materiais didáticos que contemplem a dimensão étnicorracial na escola.
Uma das estratégias sugeridas é contrapor as representações da literatura brasileira
canônica com outros modos de representação - a exemplo a produção literária afrobrasileira, evidenciando as versões que contemplem a diversidade étnicorracial e cultural
brasileira. Os professores de língua portuguesa, por vezes, enfrentam o desafio de
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trabalhar obras específicas (cumprindo o projeto pedagógico da escola) no qual os negros
não aparecem, ou, quando são inseridos nas narrativas, é em posição de subalternidade. O
importante, nesse caso, é ter professores atentos e capacitados para desconstruir essas
representações para que, no processo, possam aproveitar para problematizar junto a
seus(suas) alunos(as) as mais diversas situações encontradas.
Na perspectiva das discussões desta Unidade, propomos um trabalho com o livro “Vítimas
Algozes” (1869), de Joaquim Manoel de Macedo, no qual o escravo Simeão é assim
descrito:
Simeão, o crioulo mimoso, perdido, malcriado pelas afetuosas condescendências e
fraquezas dos senhores em casa, pervertido pelos deboches da venda e pelo
veneno do crápula, ingrato pela condição de escravo, sem educação e sem habito
de trabalho, contando com a liberdade e não conseguindo era um perverso
armando loucamente contra os seus senhores pelas mãos de seus senhores
(MACEDO, 2005, p.49)
Apesar da existência de personagens negros, estes não eram vistos
como brasileiros pela maioria das narrativas do século XIX. Alguns
autores da época ignoraram completamente a presença da
população de origem africana de suas narrativas. Ou representavam
de forma estereotipada, como no trecho do romance “Vítimas
Algozes”, no qual pudemos ver a descrição do escravo perverso,
traidor e pervertido. Infelizmente, muitos estigmas foram construídos
e são reiterados em obras literárias até os dias atuais.
Para um debate em classe, destacamos a escritora maranhense, Maria Firmina Reis, com
romance “Úrsula” (1859),
Senhor Deus! Quando calará no peito do homem a tua sublime máxima – ama a
teu próximo como a ti mesmo – e deixará de oprimir com tão repreensível injustiça
ao seu semelhante!... aquele que também era livre no seu país... aquele que é seu
irmão?!
E o mísero sofria; porque era escravo, e a escravidão não lhe embrutecera a alma;
porque os sentimentos generosos, que Deus lhe implantou no coração,
permaneciam intactos, e puros como sua alma. Era infeliz; mas era virtuoso; e por
isso seu coração enterneceu-se em presença da dolorosa cena, que se lhe
ofereceu à vista.
A leitura proposta por Firmina sobre a escravidão e os escravos é completamente diferente
do olhar de Macedo. Sob a perspectiva feminina, os escravos eram virtuosos, possuindo
sentimentos de generosidade mesmo em meio à violência e aos maus tratos.
Os trechos de Macedo e Firmina aqui expostos evidenciam os diferentes modos de
interpretação para o mesmo evento: escravidão. A importância de Firmina não está só nos
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modos como os escravos são descritos, acrescenta-se o fato de ser a primeira escritora
mulher e mulata.
Com base nos recortes, propor discussões em classe, pesquisa sobre o século XIX, a
escravidão; pensar como as novelas de época, filmes, materiais publicitários representam os
escravos na atualidade. Será que a representação de Macedo ficou lá, no século XIX, ou
ainda é possível encontrarmos sua reprodução atualmente? Outra possibilidade é a
realização de oficina de produção textual, em que o(a) aluno(a) é estimulado(a) a escrever
sobre o período escravocrata. No momento reservado à leitura oral dos textos, observar e
registrar os diferentes tipos de narração, como foram descritos os corpos e as ações da
população negra.
Na educação infanto-juvenil, recontar histórias é sempre bem
aceito e estimula a criatividade. Como sugestão, recriar a história
de Tia Nastácia, personagem de Monteiro Lobato que, quando
não é ofendida e humilhada pela boneca-falante Emília, é
destituída de qualquer ligação com sua origem africana para ser
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evocada e apresentada como princesa. A seguir, o trecho do livro
Reinações de Narizinho:
Tia Nastácia não sei se vem. Está com vergonha,
coitada, por ser preta.
— Que não seja boba e venha — disse Narizinho
— eu dou uma explicação ao respeitável público...
— Respeitável público! tenho a honra de apresentar
(...) a Princesa Anastácia. Não reparem
ser preta. É preta só por fora, e não de nascença.
Foi uma fada que um dia a pretejou,
condenando-a a ficar assim até que encontre
um certo anel na barriga de um certo peixe.
Então, o encanto quebrar-se-á e ela virará
uma linda princesa loura. (LOBATO, 1931, p. 206)
Sugerir que os(as) alunos(as), a partir de uma provocação (“Nastácia a heroína negra”, “As
aventuras de Nastácia em África”, ou outro qualquer), criem uma nova história, que pode ser
uma produção coletiva, sob a condução e orientação do(a) professor(a), atentando para as
falas da narrativa de modo que “Tia” Nastácia saia do contexto de submissão dos textos de
Monteiro Lobato, que não precise negar sua identidade. Enfim, não mais ser tolerada via a
condição de um dia aparecer uma fada madrinha que a transforme numa princesa loura.
Para os menores, selecionar histórias infantis que contemplem a diversidade étnica
brasileira, além dos materiais didáticos como: livros, cartazes, bonecos, entre outros.
A cada Unidade são disponibilizados, no tópico “Textos literários”, alguns poemas e contos
que podem ajudar a viabilizar práticas afirmativas na educação. Os poemas selecionados
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questionam a não participação dos negros nas narrativas nacionais, seus textos também
expõem à participação do negro na construção do país, entre outros, como: o papel da
literatura afro-brasileira, a abordagem da mídia na representação da população negra, a
desconstrução de alguns estereótipos.
O meta-poema “Outras notícias” de Éle Semog, (ver Unidade I, em Textos Literários), além
de falar sobre o seu fazer poético, crítica o não envolvimento de alguns poetas nos
problemas sociais, os escritores que apresentam uma excessiva preocupação formal. Nessa
linha, encontramos o poema “A um poeta”, de Olavo Bilac - preocupação formal e
necessidade de isolamento para chegar à perfeição artística; já no texto “Emparedado”, de
Cruz e Sousa, o isolamento tem outra perspectiva, vamos descobrir? (consta no texto de
Silvio Oliveira – módulo).
Na perspectiva da literatura comparada, o poema “Ser universal” de Oubi Inaê Kibuko e a
música epígrafe do compositor Chico César, possibilitam um trabalho que dialogue literatura
e música. Quanto ao conteúdo, temos: a relação entre África, Brasil e Minas Gerais, a
discussão do que é ser negro no Brasil. Professores de Geografia, alerta! Milton Santos é
uma excelente sugestão para guiar essas discussões.
Para fomentar debates na escola sobre os modos de construção de personagens negros na
mídia, sugerimos o poema “Efeito Colaterais”, de Jamu Minka. O mito da democracia racial,
mídia e racismo e o objetivo da poesia negra são alguns dos temas a serem trabalhados. É
importante que os(as) estudantes possam evidenciar na prática essas versões, perceber o
cerceamento desses espaços, conseguir flagrar a não equivalência quanto aos lugares
sociais em que os personagens se constituem e são representados nas diferentes etnias.
Outro texto sugerido é a crônica “Maio”, de Lima Barreto, publicada em 04 de Maio de 1911.
Nela, percebemos a forma irônica com que o assunto da libertação dos negros escravizados
no Brasil adquire contornos de crítica. Além da leitura crítica da crônica, podemos mencionar
o nome de figuras significativas no processo da abolição no Brasil como José do Patrocínio,
André Rebouças, Luiz Gama, Francisco de Paula Brito e outros. Todos negros na linha de
frente da intelectualidade escravista. Os intelectuais negros no Brasil, a exemplo de Lima
Barreto, sempre esboçaram preocupações que extrapolaram o texto literário. A militância,
sempre fez parte da vida do escritor como homem de cultura e intelectualmente engajado.
Estimule seus(suas) alunos(as) a conhecer nossos intelectuais negros e negras!
O desafio foi lançado, Professoras(es)!
Usem a criatividade e o conhecimento específico de suas áreas e proponham outras
leituras... Bom trabalho !!!!
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LITERATURA AFRO-BRASILEIRA
Os(as) escritores(as) negros(as) apresentam desejos e denominam suas produções
de diferentes modos. Nesta unidade, conheceremos algumas delas a partir da
interpretação dos próprios autores(as). O destaque é para a produção literária das
mulheres negras.
Tópico 1 – Produção literária afro-brasileira
Tópico 2 – Auto-representação da mulher negra
Objetivos:
•
Discutir a leitura dos autores/as da literatura afro-brasileira sobre suas
produções;
•
Estudar a produção literária feita pelas escritoras negras;
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Tópico 1 – Produção literária afro-brasileira
Escrever é dar movimento
à dança-canto
Que meu corpo não executa.
A poesia é a senha que invento
Para poder acessar o Mundo.
(Conceição Evaristo)
Retomando as palavras de Conceição Evaristo, poetisa negra,
essa escrita-corpo - mistura de canto e dança, com poder de
“acessar o Mundo” - é a literatura, que se auto-declara produção
textual afro-brasileira e/ou negra. Para o poeta negro Elio Ferreira,
escrever
É uma maneira de falar para o mundo, contar a história dos meus
antepassados negros e a minha própria história, influindo e
participando na transformação da sociedade através da denúncia
contra as violências racial e social. O que me levou a escrever foi
uma necessidade interior de falar de mim e da condição humana.
A sensação e a crença de escrever é uma forma de perpetuar a
nós mesmos e as pessoas que estimamos; as pessoas simples,
1
sobretudo negras, da nossa convivência.
Com o intuito de reverter imagens negativas e estereótipos que os
termos “afro” e “negro” assumiram ao longo de nossa história, a
escrita negra e/ou afro-brasileira visa apresentar uma leitura
crítica dos preconceitos disseminados na sociedade, além de
apontar possibilidades de o escritor/ escritora negro/a consciente
de seu papel lutar contra um modelo de identidade nacional
baseado na idéia de democracia racial.
A
literatura
afro-brasileira
está,
portanto,
mergulhada
na
experiência de vida da população negra, não só como estratégia
artística de denúncia da exclusão do afro-descendente, mas
também como meio de liberação de tradições africanas
silenciadas em nossa cultura. Conforme Cuti,
O texto escrito começa a trazer a marca de uma
experiência de vida distinta do estabelecido. A emoção
– inimiga dos pretensos intelectuais negros – entra em
campo, arrastando dores antigas e desatando silêncios
enferrujados. É a poesia feita pelo negro brasileiro
consciente.2
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Para o afro-descendente, escrever reivindicando direitos de
cidadão e ocupando novos lugares sociais, não limitados aos
espaços destinados aos escravizados, passa a ter visibilidade
durante o século XIX, com uma imprensa negra de viés
abolicionista, cujo nome principal foi José do Patrocínio, escritor
e jornalista que atuou intensamente na campanha pela abolição
da escravatura. Todavia, em diferentes partes do país, escritores
atuaram como defensores da abolição do trabalho escravo
também através da imprensa escrita, caso de Maria Firmina dos
Reis (Maranhão), Antonio Rebouças (Rio de Janeiro), Luiz
Gama (São Paulo), entre outros.
Desde então, escritores e intelectuais afro-brasileiros dão
continuidade à tradição de fundar grupos, jornais, revistas e
coletâneas de textos literários, como, por exemplo, durante o
século XX, o Jornal Quilombo, os Cadernos de Cultura da
Associação Cultural do Negro, a Revista Tição, o Jornal do
Movimento Negro Unificado, o grupo Gens, os Cadernos
Negros, a antologia Quilombo de Palavras, para citar alguns dos
mais significativos.
No decorrer do século XX, podemos fazer referência a autores
que produzem literatura com a intenção óbvia de trabalhar com
vozes rasuradas de nossa tradição cultural hegemônica, tais
como
Solano
Trindade,
Abdias
do
Nascimento,
Ruth
Guimarães, Joel Rufino dos Santos, Geni Guimarães,
Conceição Evaristo, Jônatas Conceição da Silva, Cuti, Adão
Ventura, entre outros e outras que produzem textos sobre
tradições histórico-culturais de origem africana no Brasil ou sobre
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o cotidiano do afro-brasileiro. É nesse falar de si e das próprias
tradições culturais que escritores afro-brasileiros rasuram a
pretensa universalidade e ocidentalidade da arte literária.
Embora o uso dos termos literatura negra, literatura afro-brasileira
ou literatura afro-descendente não seja consenso entre críticos
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literários e escritores, importa perceber o quanto textualidades
negras no Brasil têm representado positivamente populações
negras, tirando do silêncio, através da escrita, tradições africanas
suprimidas e experiências sociais relacionadas ao cotidiano dos
afro-descendentes.
Antecedentes da literatura negra
O escritor Oswaldo de Camargo, no livro O negro escrito, levanta
o primeiro registro de um negro letrado no Brasil. Fato importante,
tendo em vista as condições adversas dos africanos e afrodescendentes na época. Tratava-se de Henrique Dias, que
escreveu uma carta ao rei de Portugal, reclamando maus tratos,
em 1650. Há também registros em nossa história colonial de
textos que informavam sobre atos de resistência ao sistema
escravista e de textos de irmandades religiosas e de sociedades
negras, demonstrando a existência de negros alfabetizados e o
uso da escrita como resistência a um meio opressor.
Todavia, o primeiro a fazer esparsas referências à condição do
negro em sua produção poética foi Domingos Caldas Barbosa, no
século XVIII. Fortemente aclamado pelo público, levou seus
lundus (música de origem africana) e modinhas para Portugal. Em
“Retratos de Lucinda”, o eu lírico canta a beleza suprema de uma
mulher trigueira, de pele escura, construindo uma inversão de
valores dentro dos padrões europeus do Arcadismo no Brasil:
Não tens nas faces
Jasmins de rosa,
Cor mais graciosa
Nas faces tens.
Todas t’a invejam,
E há quem ser queira,
Assim trigueira
Como tu és.
(Viola de Lereno, p. 10, v. 2)
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Luiz Gonzaga Pinto da Gama, no século
XIX, foi um abolicionista que utilizou a
intelectualidade
negros
para
escravizados,
a
libertação
como
de
rábula
(advogado sem diploma), jornalista em
escritor. Em 1959, publicou Primeiras
Luiz Gama
Trovas Burlescas de Getulino, através das
quais satirizou a aristocracia da época. No
período em que se construía literariamente uma brasilidade
representada sobretudo pelo indianismo de caráter ufanista, Luiz
Gama, com lirismo e sátira, escreveu, a partir da perspectiva de
um negro, impressões de um Brasil autoritário, como se pode ver
no fragmento do poema abaixo:
No álbum do meu amigo J.A. da Silva Sobral
Se tu queres, meu amigo,
No teu álb’um pensamento
Ornado de frases finas,
Ditadas pelo talento;
Não contes comigo,
Que sou pobretão:
Em coisas mimosas
Sou mesmo um ratão
(...)
Ouvindo o conselho
Da minha razão,
Calei o impulso
Do meu coração.
Se o muito que sinto
Não posso dizer,
Do pouco que sei
Não quero escrever.
Não quero que digam
Que fui atrevido;
E que na ciência
Sou intrometido.
Desculpa, meu amigo,
Eu nada te posso dar;
Na terra que rege o branco
Nos privam té de pensar!...
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No mesmo ano das Trovas de Gama, foi
editado o romance de compromisso
abolicionista
Úrsula,
escrito
pela
maranhense Maria Firmina dos Reis.
Dois anos após a edição de O Guarani de
José de Alencar, obra emblemática do
Maria Firmina dos Reis
indianismo romântico, a escrita literária
de uma mulher negra e nordestina põe no centro as dores dos
negros escravizados, além disso posiciona-se a favor de um
Brasil sem preconceitos, cujas diferenças de classe, raça e
gênero não signifiquem desigualdade no plano social.
Apesar de protagonizado pelos jovens brancos Úrsula e
Tancredo, o enredo se desenrola de tal forma que os
personagens
submetidos
à
escravidão
são
dignificados,
sobretudo Túlio, que ajuda o jovem advogado Tancredo, e a preta
Susana, através da qual a maior parte dos discursos contrários à
escravização de africanos são enunciados. No fragmento a
seguir, Susana, aconselhando Túlio, faz um discurso dolorido
sobre a realidade dela:
A africana limpou o rosto com as mãos, e um momento
depois exclamou:
— Sim, para que estas lágrimas?!... Dizes bem! Elas são
inúteis, meu Deus; mas é um tributo de saudade, que não
posso deixar de render a tudo que me foi caro! Liberdade!
Liberdade... ah! Eu gozei na minha mocidade! — continuou
Susana com amargura — (...) Mais tarde deram-me em
matrimônio a um homem, que amei com a luz dos meus
olhos, e como penhor dessa união veio uma filha querida,
em que me revia, em que tinha depositado todo o amor da
minha lama: — um filha que era a minha vida, as minhas
ambições, a minha suprema ventura, veio selar a nossa
santa união. E esse país de minhas afeições, e esse esposo
querido, essa filha tão extremamente amada! Oh! Túlio!
Tudo me obrigaram os bárbaros a deixar! Oh! Tudo! Até a
própria liberdade!
Dois outros importantes escritores, em termos de produção
literária que lida com representações positivas do negro no Brasil,
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são conhecidos por um público mais amplo, pois constam na
maioria dos livros didáticos em circulação no país: Cruz e Sousa
e Lima Barreto. Todavia, eles são, geralmente, apresentados de
forma superficial ou inadequada ao estudante.
A obra de Cruz e Sousa, nesse sentido, é a
que mais tem sido deturpada em manuais
de ensino de literatura, fazendo com que a
visão corrente sobre o escritor seja a de
quem
Cruz e Sousa
(1861-1898)
representou
poética
um
em
latente
sua
produção
desejo
de
embranquecer, devido a uma pretensa
preocupação obsessiva pela cor branca no vocabulário por ele
usado. Entretanto, tem sido sistematicamente ignorada a
produção literária em que um eu negro se coloca bravamente
contra a violência que o racismo cravava na sociedade brasileira
da época em que Sousa viveu e produziu. Nascido em
Florianópolis, foi poeta, escritor e advogado preocupado com a
situação do escravizado e com a discriminação sofrida pelos
descendentes de africanos.
Poemas como Escravocratas, Na senzala, Grito de Guerra, a
prosa poética Emparedado, entre outros textos, demonstram a
participação de Sousa no processo social de seu tempo.
paredes
que
cerram
um
sujeito
poético
aos
As
limites
autoritariamente demarcados por uma sociedade racista são uma
hiperbólica imagem que traduz as contradições e a dor com que
um escritor negro, de fins do século XIX, tinha que lidar:
Não! Não! Não! Não transporás os pórticos milenários da
vasta edificação do mundo, porque atrás de ti e adiante
de ti não sei quantas gerações foram acumulando, pedra
sobre pedra, pedra sobre pedra, que para aí estás agora
o verdadeiro emparedado de uma raça. Se caminhares
para a direita baterás e esbarrarás, ansioso, aflito, numa
parede horrendamente incomensurável de Egoísmos e
Preconceitos! Se caminhares para a esquerda, outra
parede, de Ciências e Críticas, mais alta do que a
primeira, te mergulhará profundamente no espanto! Se
caminhares para a frente, ainda nova parede, feita
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de Despeitos e Impotências, tremenda, de granito,
broncamente se elevará ao alto! Se caminhares,
enfim, para trás, ah! ainda, uma derradeira parede,
fechando tudo, fechando tudo - horrível - parede de
Imbecilidade e Ignorância, te deixará num frio
espasmo de terror absoluto...
E, mais pedras, mais pedras se sobreporão às
pedras já acumuladas, mais pedras, mais pedras...
Pedras destas odiosas, caricatas e fatigantes
Civilizações e Sociedades... Mais pedras, mais
pedras! E as estranhas paredes hão de subir
longas, negras, terríficas! Hão de subir, subir, subir,
mudas, silenciosas, até as Estrelas, deixando-te
para sempre perdidamente alucinado e emparedado
dentro do teu Sonho..." (Cruz e Sousa Obra
Completas, p. 664)
A devastadora ironia da poesia Caveira, do mesmo autor,
publicada em Faróis (1900), é também sublime ao trabalhar com
uma inversão existencial e política dos papéis do branco e do
negro na sociedade brasileira do final do século XIX. Através de
uma imagem hedionda, a morte acaba, neste interessante poema,
por humanizar a todos, sem distinção:
I
Olhos que foram olhos, dois buracos
Agora, fundos, no ondular da poeira...
Nem negros, nem azuis e nem opacos.
Caveira!
II
Nariz de linhas, correções audazes,
De expressão aquilina e feiticeira,
Onde os olfatos virginais, falazes?!
Caveira! Caveira!!
III
Boca de dentes límpidos e finos,
De curva leve, original, ligeira,
Que é feito dos teus risos cristalinos?!
Caveira! Caveira!! Caveira!!!
(Cruz e Sousa Obras Completas, p. 119)
34
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Lima Barreto, por sua vez, é apresentado
aos estudantes da Escola Básica quase
exclusivamente
através
nacionalista
Triste
Quaresma,
deixando
produção
literária
fim
de
em
do
romance
de
Policarpo
lado toda a
que
encenou
condições sociais do afro-descendente do
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início
do
século
XX,
através
de
personagens que denunciam a aspereza do
preconceito racial e social. Nesse sentido, a temática aparece em
romances como Clara dos Anjos, Recordações do escrivão Isaías
Caminha, entre outros contos e crônicas. O protagonista de
Recordações, no trecho a seguir, demonstra como escritores de
origem negra motivaram seus interesses intelectuais e artísticos:
E o monstruoso redator desandou dizendo asneiras. Eu
estava ali de colarinho sujo, esfomeado, mas tive ímpeto
de discutir e de quebrar a cara dos idiotas que o ouviam.
Entre eles, havia alguns a quem cabia bem a carapuça,
mas que se calaram cobardemente. Queria perguntar-lhe
se aqueles seus artigos acacianos, cheirando ainda
muito à brochura francesa de dois mil e quinhentos se
podiam por a par dos trabalhos de Tito Lívio, do Tobias
Barreto; eu queria perguntar-lhe se sua genialidade no
artiguete seria capaz de aparecer se tivesse nascido nas
condições desfavoráveis do Caldas Barbosa, do José
Maurício, do Silva Alvarenga e outros!
A intenção aqui é traçar um panorama da produção literária que,
no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, já fazia
referência à condição social subalterna do escravizado (no
período pré-abolição), ou do afro-descendente (no período pósabolição). No entanto, cabe a você, professor, conhecer a fundo
outros escritores que também produziram literariamente em torno
da mesma questão, tais como Silva Alvarenga, Gonçalves
Crespo, Machado de Assis, etc.. O conhecimento desses nomes
e textos esquecidos é condição central para compreender que a
resistência literária ao racismo, através de tratamento direto ou
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indireto, foi fundamental em nossa história social e literária.
Dentre esses(as) primeiros(as) escritores(as), destaca-se o nome
da escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, que rompeu não
só com a barreira racial, mas também com a barreira de gênero.
Como mulher e negra, conseguiu ter acesso à escrita em pleno
século XIX. Além disso, apresentar-se como intelectual, escritora
de romances e poesias coloca-a num lugar de exceção. Esse
espaço será também ocupado pela escrita de outras mulheres na
contemporaneidade. A próxima seção será destinada a refletir um
pouco sobre a escrita literária de mulheres negras no cenário
brasileiro contemporâneo.
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Tópico 2 – Auto-representação da mulher negra
(...)
A noite não adormecerá
Jamais nos olhos das fêmeas
Pois o nosso sangue-mulher
Do nosso líquido lembradiço
Em cada gota que jorra
Um fio invisível e tônico
Pacientemente cose a rede
De nossa milenar resistência.
(A noite não adormece nos olhos das mulheres,
Conceição Evaristo)
Como diz o poema de Conceição Evaristo, em homenagem à
memória de Beatriz Nascimento1, “a noite não adormece nos
olhos das mulheres”! É pensando nessa rede milenar de
resistência que as representações do sujeito-mulher-negra não
poderiam
ficar
de
fora
das
produções
afro-brasileiras
contemporâneas.
A escrita da mulher negra é de grande importância devido
sobretudo aos séculos de silenciamento a que as mulheres
negras foram submetidas; elas têm se apoderado do espaço
privilegiado da literatura e apresentado outras formas de
representação, dando legitimidade, principalmente, ao papel
histórico delas e de tradições negras na cultura nacional.
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Quantas vezes não ouvimos tais frases em nossas vidas ou até
as repetimos sem pensar? Crescemos vendo os espaços
discriminados e também discriminando os que são ocupados
pelas mulheres e pelos homens. Na literatura não ocorre de
maneira diferente: as representações dos papéis das mulheres na
sociedade brasileira constituem um acervo simbólico que acaba
por reforçar estereótipos e demarcar os possíveis lugares sociais
a serem ocupados por elas. Infelizmente, algumas dessas
representações condicionam as mulheres negras a espaços ainda
menos privilegiados que os reservados às mulheres não-negras –
espaços já tão limitados, diga-se de passagem!
Segundo Sueli
Carneiro,
As denúncias sobre essa dimensão da problemática
da mulher na sociedade brasileira, que é o silêncio
sobre outras formas de opressão que não somente o
sexismo vêm exigindo a re-elaboração do discurso e
práticas políticas do feminismo. E o elemento
determinante nessa alteração de perspectiva é o
emergente movimento de mulheres negras sobre o
ideário e a prática política feminista no Brasil2.
Na literatura, desde o século XIX, podemos citar as escritoras
Maria Firmina dos Reis e Francisca Júlia da Silva que furam o
cerco do patriarcado e, através da palavra, apresentam uma
versão da história em que as mulheres se auto-representam como
sujeitos. É essa presença resistente de escritoras negras – tais
como Rosa Egipcíaca, Teresa Margarida da Silva, Antonieta
de Barros, Maria Carolina de Jesus, Conceição Evaristo,
Miriam Alves, Alzira Rufino, Esmeralda Ribeiro, Geni Mariano
Guimarães, Sônia Fátima, dentre outras – que vem publicando
de forma organizada e representando na sua escrita a perspectiva
“mulher” e “negra” –, o foco desse tópico no módulo de Literatura
Afro-brasileira.
A literatura produzida por mulheres negras, no ambiente da sala
de aula, contribui para a redução da desigualdade de gênero e o
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enfrentamento do preconceito e da discriminação étnico-racial,
visando uma educação equânime. Esses textos literários podem
ajudar a eliminar e/ou problematizar os conteúdos sexistas e
discriminatórios que rondam as representações simbólicas e o
imaginário brasileiro, sejam nos livros didáticos, na mídia, nas
músicas, entre tantos outros.
Algumas temáticas trabalhadas pelas escritoras:
• Tradições de mulheres em rede, através das gerações
VOZES-MULHERES
(Conceição Evaristo)
A voz de minha mãe ecoou
Criança
Nos porões do navio.
Ecoou lamentos
De uma infância perdida.
Na voz de minha filha
Se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
A voz de minha avó
Ecoou obediência
Aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas laheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz da minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz da minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem — o hoje — o agora.
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• Definição do que é ser negra
Integridade
Ser negra
Na integridade
Calma e morna dos dias
Ser negra
De carapinhas,
De dorso brilhante
De pés soltos nos caminhos
Ser negra
De Negras mãos
De negras mamas,
De negra alma.
Ser negra,
Nos traços,
Nos passos,
Na sensibilidade negra.
Ser negra,
Do verso e reverso,
De choro e riso,
De verdades e mentiras,
Como todos os seres que habitam a terra.
Negra
Puro afro sangue negro
Saindo aos jorros,
Por todos os poros.
(Geni Mariano Guimarães)
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• Corpo da mulher negra em ação, como sujeito
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Leituras sugeridas
EVARISTO, Conceição. “Da representação à auto-representação da mulher negra na
literatura brasileira. In: Revista Palmares - Cultura Afro-brasileira. Ano 1, n. 1, ago. 2005.
p. 52-57.
FERREIRA, Luzilá Gonçalves Ferreira. “Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista
brasileira”.
In:http://www.cesargiusti.bluehosting.com.br/Especiais/MFReis/critica.htm#luzila
MAYA-MAYA, Estevão. “Análise e reflexões críticas sobre a produção literária afrobrasileira nos anos 70”. In: Criação Crioula: Nu elefante branco. São Paulo: Secretaria de
Estado da Cultura, 1987. p. 107- 111.
Para saber mais
BRITTO. Carla dos Santos. “Antologia de escritoras afro-brasileiras: afirmação de
identidade
nas
escrituras
de
Miriam
Alves”.
Disponível
em:
<http://www.uel.br/revistas/afroatitudeanas/volume-12006/Carla%20dos%20Santos%20Britto.pdf>
Cadernos Negros: contos afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 1979-2005.
Cadernos Negros: poemas afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 1978-2006.
CAMARGO, Oswaldo de. O negro escrito. São Paulo: Imprensa oficial do Estado S.A
IMESP, 1987.
______. A razão da Chama. São Paulo: GRD, 1986.
______. O estranho. São Paulo: Roswitha Kempt Editores, 1984.
CONCEIÇÃO, Jônatas da Silva. Outras Miragens. São Paulo: Confraria do Livro, 1989.
COSTA, Madu. Meninas negras. (coleção Griot Mirim, vol. 3). Belo Horizonte: Mazza
42
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edições, 2006.
CUNHA JUNIOR, Henrique. Tear africano: contos afrodescendentes. São Paulo: Selo
Negro, 2004.
CUTI. Sanga. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2002.
EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza edições, 2003.
JESUS, Carolina de. Quarto de Despejo: diário de uma favelada. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves, 1960.
LOPES, Nei. Vinte contos e uns trocados. Rio de Janeiro: Record, 2006.
LUCINDA, Elisa. Euteamo e suas estréias. 2ªed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
MAYA-MAYA, Estevão. “Análise e reflexões críticas sobre a produção literária afrobrasileira nos anos 70”. In: Criação Crioula: Nu elefante branco. São Paulo: Secretaria de
estado da cultura, 1987.
ONAWALE, Landê. O vento. Salvador: ed. Do autor, 2003.
PADILHA, Laura Cavalcante. “Nas dobras dos panos – feminino e textualidade em duas
narrativas fundacionais angolanas”. In: Novos pactos, outras ficções. Porto Alegre:
Edipucrs, 2002.
PALMEIRA, Francineide S. “Representações de gênero e afrodescendência
na obra de Conceição Evaristo”. In: http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14440.pdf
RIBEIRO, Esmeralda. Malungos e milongas. São Paulo: Quilombhoje, 2003. (conto).
______. “A Relação Afetiva entre o Homem e a Mulher na Poesia dos Cadernos Negros”.
In: http://www.quilombhoje.com.br/ensaio/esmeralda/relacao_afetiva.htm
SILVA, Jônatas C. da. Miragem de Engenho. Salvador: IRDEB, 1984. (poemas).
SOUZA, Florentina da Silva. “Intelectual negro e mediações culturais: Solano Trindade”.
In: Revista SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 8, n. 15, p. 226-239, 2º. sem. 2004.
http://www.letras.ufmg.br/literafro/frame.htm (índice de autores)
TRINDADE, Solano. Poemas antológicos. São Paulo: Nova Alexandria, 2008.
_______________. Canto Negro. São Paulo: Pallas, 2006.
VENTURA, Adão. Litanias de cão. Belo Horizonte: edição do autor, 2002.
Material de apoio
Filmes:
Documentário “Solano Trindade: 100 anos” de Alessandro Guedes e Helder Vieira, 2008.
“As filhas do vento” de Joel Zito Araújo, 2005.
“A cor púrpura” de Steven Spielberg, 1985.
“Makota Valdina: um jeito negro de ser e viver” de Ana Verena Carvalho, Joiciléia
Rodrigues Ribeiro e Paulo Rogério Nunes, 2005.
“Atabaque Nzinga” de Octavio Bezerra, 2008.
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Enquanto isso, na sala de aula...
O uso de textos literários é de fundamental importância para desenvolver as habilidades
dos(as) alunos(as), por possibilitar múltiplas perspectivas e níveis de apreensão do texto.
O(A) leitor(a) compartilha do jogo da imaginação para captar o sentido das coisas e os
sentimentos ali contidos permitindo, assim, “o desenvolvimento de todas as virtualidades
da linguagem e, portanto, permite-nos analisar os mecanismos empregados pelo autor
para produzir beleza, recriar mecanismos, desentranhar os símbolos que estruturam a
mensagem, brincar com a musicalidade das palavras liberadas de sua função
designativa, etc.” (KAUFMAN & RODRIGUEZ, 1995)
Nesta Unidade, a seleção de “textos literários” baseou-se nos artigos e entrevistas
dos(as) escritores afro-brasileiros(as). Alguns poemas, como “Vento Forte”, de Lepê
Correia, “Ancestral”, de Landê Onawale, “Cumplicidade” e “Quase hai kai”, de Graça
Graúna, “Diário de uma favelada”, de Ademiro Alves, abordam a importância da
ancestralidade, além de contribuir para a constituição de uma historiografia afrobrasileira, trazendo para o bojo das discussões contemporâneas a influência de
autores(as) que há muito tempo escreviam textos literários sobre a história e cultura afrobrasileiras.
Em “Acerto de cotas”, do poeta baiano Landê Onawale, além da riqueza de imagens
poéticas e do ritmo, destaco o polêmico tema a ser abordado: as políticas de cotas.
Muitos são os recursos complementares, artigos de jornais, revistas, e demais debates
realizados sobre o assunto. Interessante propor - após o trabalho com o poema e leitura
de demais fontes, a construção de um júri, no qual os educandos(as) possam argumentar
sobre o tema e defender suas teses. Passeiam pelo poema ainda discussões sobre: a
história do negro no Brasil, o contexto de pobreza e abandono em que vive a maioria da
população negra e os modos como os negros foram e são representados pela mídia.
O conto “Desenganos” de Márcio Barbosa é uma alternativa para incluir as disciplinas de
Matemática e Geografia no trânsito pela literatura. A situação-problema relatada no
conto, independente de todo trabalho de análise textual que pode - e deve - ser realizada,
motiva a realização de uma “pesquisa de campo” nos principais Shoppings Centers da
cidade quanto ao número de funcionários negros e negras contratados; ou a realização
de uma entrevista na própria escola entre alunos(as) e professores/as sobre terem ou
não enfrentado situações de racismo; ou ainda, o número de pessoas negras em cargos
de poder. Enfim, uma série de possibilidades de pesquisa, que, com base em seus
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resultados, podem depois virar fontes estatísticas e fomentar o desenvolvimento de
conteúdos da matemática. Detalhe, se o trabalho acontece em acordo e consonância
com diferentes disciplinas, enriquece ainda mais os resultados.
A literatura produzida por mulheres negras recebeu um espaço especial, por se tratar de
produções tão significativas e ricas de poesia. A apresentação em power-point facilita o
trabalho do(a) professor(a) na exposição e disposição dos poemas e informações básicas
das referidas autoras. Essa literatura surge em oposição à literatura canônica, que
durante muito tempo reservou às mulheres negras perfis bastante questionáveis.
Vejamos alguns exemplos clássicos: Gregório de Matos (1636-1695) é o primeiro escritor
da literatura brasileira a propor uma hierarquização étnica na qual à mulher branca cabe
o papel de mãe e esposa e à mulher negra apenas o papel de amante.
Em “O Cortiço” (1890), de Aloísio de Azevedo, a personagem Rita Baiana é assim
descrita:
E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e
plantas aromáticas. Irriquieta, saracoteando, o atrevido e rijo quadril baiano,
respondia para a direita e para a esquerda, pondo a mostra um fio de dentes
claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce
fascinador.
Acudiu quase todo o cortiço para recebê-la. Choveram abraços e as chufas
do bom acolhimento(...)
Ele tinha “paixão” pela a Rita, e ela, apesar de volúvel como toda a mestiça,
não podia esquecê-lo por uma só vez (...)
(AZEVEDO, 1975, p.45-57)
O apelo ao corpo e a vulgarização da mulher negra, não fica apenas nessa obra, a
personagem principal do livro “Gabriela Cravo e Canela” (1958) do escritor Jorge Amado,
mantém esses estereótipos, acrescentando o apelo a mistura das raças e a democracia
racial do país. A lista é grande de representações negativas sobre o corpo, o caráter e
identidade da mulher negra. Quando menos esperamos, encontramos as marcas desses
imaginários no nosso dia-a-dia e comportamentos sociais, seja nas letras de música
popular, no cinema, na mídia.
O estudo dos textos literários produzidos pelas escritoras negras proporcionam ouvir e
sentir através de seus versos e narrativas a força de seu descontentamento quanto a
essas representações negativas, deixando evidente o desejo por mudança. É preciso
que nossos(as) alunos(as) se apropriem desses debates e possam reconhecer como
construções culturais as características socialmente atribuídas a homens e mulheres, a
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negros e não-negros, tomando um posicionamento contra a discriminação de raça e
gênero.
Quanto ao trabalho em classe, a partir do texto ou obra selecionada, o aluno deve ser
estimulado a levantar questionamentos e verificar os comportamentos dos personagens,
em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais: “Em língua portuguesa, nos
textos literários, podem-se perceber as perspectivas de gênero por meio da análise das
personagens e descrição de suas características”. No ensino da língua portuguesa,
também podemos observar que nas regras do idioma as questões de gênero não estão
muito bem colocadas, como podemos encontrar nas gramáticas e livros didáticos.
Veremos, a seguir, a discussão proposta por José de Nicola, no livro “Língua literatura e
redação” (1990),
É interessante notar como o patriarcalismo de uma sociedade se
manifesta nos mais variados setores da atividade humana. Por exemplo,
na gramática. Francisco da Silva Borba, em seu livro “Introdução aos
estudos lingüísticos, ao analisar o gênero dos substantivos, a certa
altura afirma: ‘Nas línguas românicas a oposição masculino/feminino
oscila entre critério de sexo e contraste superior/inferior (em português o
aumentativo em “-ão” é masculino: carta/cartão; porta/portão) (NICOLA,
1990, p. 29-39)
Na “Nova gramática do Português Contemporâneo” de Celso Cunha e Lindley Cintra,
encontramos a seguinte citação: “Há dois gêneros no português: o masculino e o
feminino. O masculino é o termo não marcado; o feminino é o termo marcado” (CUNHA &
CINTRA, p. 182). Diante desses registros, constatamos que a língua portuguesa entende
que o feminino, como gênero marcado, está relacionado à categoria dos diminutivos, ao
passo que o masculino é apontado como gênero não marcado e ligado ao aumentativo.
Também no contexto lingüístico as mulheres se encontra numa posição desprivilegiada
em relação aos homens.
Outra atividade a ser realizada em classe é uma pesquisa de consulta em dicionários no
tocante às questões étnicas. Como as palavras: “branco” , “negro”, “negrume”, “denegrir”
são apresentadas?
Conforme Leda Martins,
O signo “negro” está intimamente identificado com um valor
depreciativo, nas mais diversas situações da fala brasileira, definindo
uma posição social ou adjetivando um grupo racial e uma cultura. “Um
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dia negro”, a “ovelha negra da família”, por exemplo, são expressões
que explicitam uma analogia entre o que é negro e o que é considerado
ruim ou desagradável. “lugar de negro é na cozinha”, “negro quando não
suja na entrada, suja na saída”, “trabalho de negro” são ditos ou
expressões populares que têm o negro como objeto. Identificando um
sujeito enunciado na própria margem do discurso, essa linguagem
destaca-o como um outro não apenas diferente, mas indesejável, ou
desejável em lugares previamente determinados” (MARTINS, 1995, p.
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O resultado da pesquisa e a constatação de Lêda Martins são desanimadores, porém, o
domínio dessas informações e o bom uso delas podem ser significativos para que os(as)
alunos(as) percebam as armadilhas do racismo e possam se defender dessas
construções sociais. Esse trabalho de pesquisa, aliado aos poemas afro-brasileiros,
passa pela tentativa de criar novas palavras. Mesmo as já existentes, com sentidos
pejorativos, passam a ganhar outros sentidos, além da possibilidade de discutir e
problematizar o perfil de nação traçado pela língua e produção canônica.
Nas turmas de alunos(as) que ainda se encontram na infância e pré-adolescência, a
seleção das obras é um fato que precisa ser enfatizado, não apenas em seus conteúdos,
mas as ilustrações e abordagem precisam ser bem observadas. A ausência desses
sujeitos no imaginário simbólico dos(as) alunos(as) dificulta bastante a construção de
cidadãos atentos e sensíveis às diferentes diferenças ou que se engaje na luta pelo fim
do machismo, discriminação e racismo. Algumas obras serão sugeridas na 3ª Unidade
deste módulo, atendendo o perfil do público infanto-juvenil. Além dos textos literários,
podemos ainda fazer uso de histórias em quadrinhos, filmes e jogos que abordam a
história do negro no Brasil.
Agora, acrescente muita criatividade e crie uma aula bem interessante!!!
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TRADIÇÕES ORAIS NEGRAS E ESCRITA
LITERÁRIA
Sabemos que os mitos, lendas, contos populares africanos constituem a memória
dos afro-brasileiros que, em diáspora, guardaram, re-significaram e reorganizaram esses registros e foram constituindo o acervo simbólico das
tradições culturais da população negra. Nesta Unidade, voltaremos nossas
atenções para o uso e apropriações das riquezas de conteúdos, significados e
valores contidos na tradição oral no âmbito das atividades em sala de aula.
Outro foco desta Unidade é a literatura infanto-juvenil afro-brasileira e os modos
de participação e representação dos personagens negros dirigidas ao publico
infantil.
Tópico 1 – Tradições orais
Tópico 2 – Literatura afro-brasileira infanto-juvenil
Objetivos:
•
Refletir sobre a importância da tradição oral na constituição do acervo
simbólico das tradições culturais da população negra.
•
Subsidiar professores quanto o ensino da literatura afro-brasileira infantojuvenil.
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Tópico 1 – Tradições orais
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Conforme as questões trabalhadas nas unidades anteriores,
pode-se inferir que um dos traços característicos da produção
literária afro-brasileira é ser porta-voz de uma coletividade. O
escritor se debruça sobre os desejos, dores, projetos e
tradições
de
um
grupo
étnico-racial
que
tem
sido
historicamente silenciado, retrabalhando-os no jogo do texto
literário. Dentro desse processo, a oralidade é elemento
fundamental para o reencontro com tradições históricas
suprimidas.
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Nas culturas orais, o conhecimento adquirido por várias
gerações ao longo dos tempos é guardado na memória. A
importância da tradição oral africana, na transmissão de
valores simbólicos, liga-se ao fortalecimento das relações entre
os integrantes de um grupo ou comunidade e à criação de uma
rede de transmissão de conhecimentos que consolida a cultura
do grupo.
No contexto africano tradicional, é destacável o valor do ancião
na garantia da socialização dessas memórias/palavras. É ele o
50
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responsável pela manutenção do laço social da
comunidade. Segundo A. Hampaté Ba, “A tradição oral é a
grande escola da vida”.
A força da palavra contém a vibração e a circulação do axé
(força da natureza, energia, poder de realização pela força
sobrenatural). Vale lembrar, aqui, a chamada pedagogia negra,
iniciativa das comunidades de terreiro, na qual as crianças são
iniciadas e passam a conhecer as histórias de seus orixás,
através das narrativas orais transmitidas pelos mais velhos.
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ĞŶƚƌĞĂǀŽnjĞĂůĞƚƌĂ͘
A palavra contada, todavia, não é simplesmente fala. Ela
carrega significados, através do gestual, do ritmo, da
entonação, da expressão facial, etc.. O seu valor estético está
na
conjugação
harmoniosa
desses
elementos.
Em
grupamentos humanos onde a palavra falada possui força vital
para os comportamentos, para as atividades diárias e para os
vôos do imaginário, a voz participa da significância do texto,
porque este só se realiza em performance, processo em que a
mensagem é produzida e transmitida simultaneamente em um
contexto onde dialogam intérprete, ouvintes e circunstâncias.
Dessa forma, todos os traços característicos de formas
expressionais orais são decorrentes da aludida situação de
performance, maneira pela qual elas são propagadas corpo a
corpo.
Como essa prática de produção e recepção textual está
estruturada a partir do diálogo em presença entre os
envolvidos, nas culturais orais, conhecer implica passar pela
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ͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺ
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ƵƌƐŽĚĞ&ŽƌŵĂĕĆŽƉĂƌĂŽŶƐŝŶŽĚĞ,ŝƐƚſƌŝĂĞƵůƚƵƌĂĨƌŽͲďƌĂƐŝůĞŝƌĂƐ;Kͬh&Ϳ
vivência, diferentemente do conhecimento solitário mediado pela escrita.
Por isso, em sociedades africanas tradicionais, o texto oral não
somente diz, mas, principalmente, coloca o vivido em
movimento, possuindo a capacidade dinâmica de construir ou
desconstruir mundos. Segundo J. Vansina, intelectual africano,
“...a oralidade é uma atitude diante da realidade e não ausência
de uma habilidade”.
Dentro desse contexto de oralidade, portanto, a voz, gestos,
contos e cantos têm reencenado memórias negras e feito do
processo de recepção um ato coletivo. Como bem enfatiza a
professora Florentina da Silva Souza, a dinâmica da oralidade
tem sido
Um exercício de sabedoria e de memória que se mostrou de
extrema produtividade na transmissão e preservação de
contos, procedimentos rituais, cantos e tradições que só
sobreviveram até a presente data justamente porque os
ancestrais acreditaram na memória e na oralidade como
instrumentos privilegiados na correia de transmissão de
conhecimentos e saberes. No campo das tradições
religiosas do candomblé, da umbanda, das congadas, podese observar uma série de exemplos de releituras de gestos,
movimentos, códigos secretos e rituais que foram/são
memorizados, reinterpretados e transmitidos pela “escola da
oralidade” em exercícios constantes de memória e de
sabedoria.
Busca-se aqui, portanto, destacar as possibilidades de se
trabalhar na escola com as narrativas orais, fazendo dessa
“atitude” um instrumento pedagógico, já que vivemos cercados
por elas no nosso dia-a-dia pelos provérbios, orikis (canto de
louvor, gênero da literatura oral africana que louva divindades
ou pessoas dignas de serem lembradas), pregões (das feiras
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ďƌĂƐŝůĞŝƌĂƐ͘/Ŷ͗
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livres e ambulantes), emboladas, repentes, ladainhas da
capoeira, cantigas de roda, raps (hip hop), contos orais, entre
outras produções artístico-culturais.
52
ͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺ
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Na literatura afro-brasileira, a reencenação da oralidade
na escrita pode acontecer através de vários caminhos. No
plano das tradições religiosas, Abdias do Nascimento, Mestre
Didi, Solano Trindade, entre outros e outras, reanimam mitos,
evocam forças de diferentes orixás, além de representarem
outros elementos de religiões brasileiras de matrizes africanas
em seus textos. Solano, no poema Olorum Ekê constrói um
maravilhoso grito de resistência à discriminação racial:
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu sou poeta do povo
Olorum Ekê
A minha bandeira
É de cor de sangue
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Da cor da revolução
Olorum Ekê
Meu avós foram escravos
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu ainda escravo sou
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Os meus filhos não serão
Olorum Ekê
Olorum Ekê
O contexto de oralidade também está presente em inúmeras
canções de protesto, criadas para blocos afros, com a intenção
direta de combater a opressão vivenciada pelos negros
brasileiros. Suka, em Ilê de Luz, através de enunciados que
circulam oralmente, critica a construção de estereótipos
negativos, discutindo o processo de exclusão a que é
submetido o afrodescendente. A partir de uma inusitada
conjugação de cores, a letra fala em brilho, intensa luz na
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ͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺ
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escuridão da pele dos componentes do Ilê, tornando mais
vigoroso o discurso crítico:
Me diz que sou ridículo,
Nos teus olhos sou mal visto,
Diz até tenho má índole
Mas no fundo tu me achas bonito
Lindo! Ilê Aiyê...!
Negro sempre é vilão!
Até meu bem, provar que não
É racismo meu? Não
Todo mundo é negro de verdade
É tão escuro que percebo a menor claridade
E se eu tiver barreiras?
Pulo, não me iludo não,
"Com essa" de classe do mundo,
Sou um filho do mundo,
Um ser vivo de luz
Ilê de luz
A cultura hip hop (na tradução, balanço de cintura) também
nasceu em contexto de oralidade das ruas de bairros pobres de
Nova York, com grande concentração de negros e, como lá é
chamado, de latinos. Na década de 80, a cultura hip hop
chegou a bairros proletários da cidade de São Paulo,
espalhando-se, desde então, para várias regiões marcadas
pela pobreza e concentração de população negra.
Em 2003, o grupo maranhense
Clã Nordestino lançou o álbum
A peste negra: o vírus da
informação,
trabalhando
em
todas as letras a idéia de
quilombologia. Na letra Coração
feito de África, o termo é explicado poeticamente como misto
de orgulho negro com a atitude política preconizada pelo grupo,
constituindo-se em uma forma discursiva de construção
identitária étnico-racial. Segundo a referida letra, a “ideologia
quilombola ferve da sul até o nordeste”, ou seja, estende-se da
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zona sul de São Paulo, uma das mais fortes regiões da cultura
hip-hop, a todo o Brasil.
A música central do álbum é aberta com referência a Zumbi:
“Zumbi Rei!!!! Vixe! Zumbi dos Palmares, Quilombo dos
Palmares, quebrem as algemas, queimem os emblemas.
Avante! Revolução! O guerreiro de antes!”. Há a exposição do
sofrimento dos negros e pobres ao lado da colocação da
necessidade de uma união a partir de referenciais étnicoraciais africanos: “Guerreiros, avante, a guerra é constante/ No
solo, no berço da África, no coração do guerreiro de antes”.
Essa África é representada como origem, “berço”, mas não se
restringe a ser uma África mítica, una, passada e impalpável,
constituindo-se como todos os espaços da diáspora africana
onde há afro-descendentes em condição social subalterna.
Para tanto, é feita a mixagem do Hino da Liberdade Africana,
segundo palavras da letra: “o mais célebre dos hinos”, pois faz
relembrar a luta de africanos pela libertação colonial.
A relação entre essa África mítica criada como ancestral e a
atualidade de pobreza dos afro-descendentes da ampla
diáspora encontra-se visível no seguinte trecho:
Antigamente quilombos, hoje periferia/ O esquadrão
zumbizando as origens africanias/ Somos filhos de uma
guerra sagrada, qualquer periferia, qualquer quebrada é
um pedaço da África/.../ Quiloas, bantos, monjolos,
cabinda, mina, angola, Brasil, Cuba Ruanda, Haiti,
Jamaica e Etiópia/.../ Tirei do Cartola, leniniei as
poesias, saquei um Garrincha e da mão de Luiz fiz a
melodia, a fusão, a toada de uma raça libertária. Sou
Haile Salassie, sou Múmia Abu-Jamal.../sou James
Brown, Berimbrown, Lino Brown, sou da favela. Sou
Kingston, sou do Capão, sou Marrous, sou Sucupira,.../
Sou um da sul/ Nos antigos mistérios da Quilombologia/
Toda quebrada é quebrada na grande periafricania
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ƵƌƐŽĚĞ&ŽƌŵĂĕĆŽƉĂƌĂŽŶƐŝŶŽĚĞ,ŝƐƚſƌŝĂĞƵůƚƵƌĂĨƌŽͲďƌĂƐŝůĞŝƌĂƐ;Kͬh&Ϳ
A ligação entre todas as quebradas da diáspora se dá não só
através da miséria e de péssimas condições de sobrevivência,
mas também por ícones negros da música e da esfera de luta
política contra a discriminação racial. O enunciado construído
em torno de um poderoso neologismo,“ Toda quebrada é
quebrada na grande periafricania”, grava uma idéia de
diáspora negra, contraditoriamente unida e dispersa desde a
época do périplo europeu em torno do continente africano.
K ĐŽŶƚĞdžƚŽ ĚĂ ŽƌĂůŝĚĂĚĞ ƚĂŵďĠŵ ĞƐƚĄ ƉƌĞƐĞŶƚĞ ŶŽ ŐġŶĞƌŽ
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Caso
do
pioneiro
Teatro
Experimental
do Negro (1944-1957),
companhia
teatral
idealizada, fundada e
dirigida por Abdias do
Nascimento,
como
possuía
principais
objetivos a valorização
7HDWUR([SHULPHQWDOGR1HJUR(OHQFRGH2)LOKR
3UyGLJRGH/~FLR&DUGRVR
do negro no teatro e a
criação de uma nova dramaturgia. O projeto do Teatro
Experimental do Negro - TEN, englobou o trabalho pela
cidadania do ator, por meio da conscientização e também da
alfabetização
do
elenco,
recrutado
entre
operários,
empregadas domésticas, favelados sem profissão definida e
modestos funcionários públicos.
A companhia iniciou suas atividades em 1944, colaborando
com o Teatro do Estudante do Brasil - TEB, na encenação da
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peça
Palmares,
de
Stella
Leonardos.
Quando
decide
empreender um espetáculo próprio constata que não há, na
dramaturgia brasileira, textos que sirvam aos seus objetivos.
Abdias do Nascimento descobre em O Imperador Jones, de
Eugene O'Neill, o retrato mais aproximado da situação do
negro após a abolição da escravatura. O espetáculo, dirigido
por Abdias do Nascimento, estréia em maio de 1945 no
Theatro
Municipal
receptividade,
com
do
Rio
de
Janeiro
e
elogios
ao
protagonista,
obtém
boa
Aguinaldo
Camargo.
Com montagens teatrais até fins da década de 50, o Teatro
Experimental do Negro nunca atingiu o prestígio que pretendia
em seu tempo. Mas, em termos de história do teatro, significou
uma iniciativa pioneira, que mobilizou a produção de novos
textos, propiciou o surgimento de novos atores e grupos e
semeou uma discussão que permaneceria em aberto: a
questão da ausência do negro na dramaturgia e nos palcos e,
posteriormente, nas telenovelas de um país de maioria negra.
Contemporaneamente, grupos de performance teatral negra
buscam ainda furar o cerco da exclusão. Destacam-se o Grupo
de Teatro do Olodum (Salvador – década de 90) e Cia dos
Comuns (Rio de Janeiro - 2001), que, através de textos que
conjugam o cotidiano com memórias africanas ancestrais, têm
produzido belos e críticos espetáculos.
Elenco de Bakulo, encenado em 2005 pela Cia dos Comuns
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Esses são alguns exemplos de como a oralidade e a escrita
podem se encontrar, recriando formas de resistir ao racismo. O
trabalho pedagógico com as culturas orais também permite um
diálogo com muitos escritores africanos de língua portuguesa,
que produzem textos reencenando contextos orais na escrita,
como estratégia de resistência aos valores europeus do
colonialismo. Esse é o caso de Pepetela (Angola), Manuel Rui
(Angola),
Mia
Couto
(Moçambique),
Paulina
Chiziane
(Moçambique), entre tantos outros e outras.
Experimente também ouvir seus alunos(as), permitindo que
eles contem suas histórias na sala de aula. Enfim, o desafio
está lançado, professor(a)! Experimente fazer da oralidade de
origem africana instrumento de promoção da igualdade étnicoracial dentro da sala de aula.
58
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Tópico 2 – Literatura afro-brasileira infanto-juvenil
(...)
Eu era criança
Papai me contava
Histórias de Trancoso
Que entravam,
Por uma perna de pinto
E saíam por uma perna de pato
...
E papai
Viver me fazia,
Com rei e rainha,
E bichos que falavam,
Fadas e monstros,
Princesas encantadas,
“Comadre onça morreu,
Disse a cabra ao macaco”
Eu achava bonito
Eu achava engraçado...
(Abençam papai, que bicho é esse? Solano Trindade)
O poema de Solano Trindade traz à cena lembranças da
infância, as viagens pelo mundo da imaginação, levando-nos a
refletir sobre como a criança, no processo de se constituir
sujeito leitor, introjeta valores, crenças e padrões em relação a
si mesmo e à sociedade onde interage. No universo literário
infanto-juvenil, o pequeno leitor se reconhece ou se estranha
nos
modelos
transmitidos.
de
Por
ambientes,
isso,
emoções
torna-se
e
personagens
fundamental
buscar
compreender como a criança negra e culturas de matrizes
africanas têm sido representadas na literatura infanto-juvenil
brasileira.
Pesquisas recentes têm demonstrado o viés eurocêntrico da
produção infanto-juvenil brasileira, inclusive na década de 80,
período em que houve uma inserção quantitativamente
relevante de protagonistas negros em obras dirigidas a esse
público. Esse segmento literário, no Brasil, constitui-se como
um espaço privilegiado de produção simbólica e de sentidos.
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ƵƌƐŽĚĞ&ŽƌŵĂĕĆŽƉĂƌĂŽŶƐŝŶŽĚĞ,ŝƐƚſƌŝĂĞƵůƚƵƌĂĨƌŽͲďƌĂƐŝůĞŝƌĂƐ;Kͬh&Ϳ
Apenas nos fins do séc. XIX e início do séc. XX, a literatura
infanto–juvenil surge com fins didáticos, moralizantes e/ou de
catequização de crianças e jovens, tendo como referência a
Europa.
Nessas narrativas, somente foram encontrados personagens
negros no final da década de 20. Esses personagens, porém,
apresentam um perfil de subalternidade, como os presentes
nas narrativas de Monteiro Lobato, por exemplo. Esse tópico
do módulo de Literatura Afro-brasileira atenta, basicamente,
para uma pergunta: como o negro tem sido representado na
produção literária brasileira dirigida a crianças? É preciso que
pais e/ou professores estejam sensíveis à importância de se ter
na infância referências e heróis negros para constituição,
inclusive, da própria identidade infantil.
Quais personagens negros aparecem em
nossa memória da infância? Quantos
invadiram o mundo de fantasia e nos
fizeram sonhar que éramos eles?
Infelizmente, ter a presença de personagens negros numa obra
ou livro didático não resolve a questão da educação pela
igualdade étnico-racial. É indispensável atentarmos ao modo
como eles são representados: observar as ilustrações, os
conteúdos, os personagens e os seus comportamentos, e
outros aspectos apresentados nas narrativas. É fundamental
que essas obras re-escrevam a história e re-signifiquem a
memória dos negros, e demais grupos étnico-raciais do Brasil,
construindo, de fato, uma representação literária da diversidade
que nos constitui enquanto nação.
O objetivo principal de se ter um olhar crítico em relação à
produção literária infanto-juvenil é questionar e desconstruir
60
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práticas racistas e discriminatórias em nossas salas de aulas,
denunciando abordagens desfavoráveis à construção da
identidade afro-brasileira, recusando livros didáticos que
comprometam um trabalho
pedagógico
voltado
a
uma
educação pela diversidade. Para tanto, é necessário redobrar
os cuidados na seleção dos materiais didáticos e culturais
dirigidos à educação infanto-juvenil.
ZĞƐƵŵŝŶĚŽ͘͘͘
EĞƐƚĂ ƵŶŝĚĂĚĞ͕ ǀŝŵŽƐ Ă ŝŵƉŽƌƚąŶĐŝĂ ĚĂƐ ŶĂƌƌĂƚŝǀĂƐ ŽƌĂŝƐ ŶĂ
ĨŽƌŵĂĕĆŽ Ğ ƚƌĂŶƐŵŝƐƐĆŽ ĚŽƐ ǀĂůŽƌĞƐ ƐŝŵďſůŝĐŽƐ Ğ ĐƵůƚƵƌĂŝƐ ĚĂ
ĐŽŵƵŶŝĚĂĚĞ ŶĞŐƌĂ ŶŽ ƌĂƐŝů͕ ĂƐƐŝŵ ĐŽŵŽ Ă ůŝƚĞƌĂƚƵƌĂ ĂĨƌŽͲ
ďƌĂƐŝůĞŝƌĂǀŽůƚĂĚĂĂŽƉƷďůŝĐŽŝŶĨĂŶƚŽͲũƵǀĞŶŝů͘
Concluímos a Unidade 3. Na próxima
Unidade conheceremos os Cadernos
Negros e ouitras expressões literárias
negras.
Leituras sugeridas
GOUVÊA, Maria Cristina Soares. “Imagem do negro na literatura infantil brasileira:
análise historiográfica”. In: http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n1/a06v31n1.pdf
OLIVEIRA, Anória. “Literatura afro-brasileira infanto-juvenil: enredando inovação em face
à tessitura dos personagens negros”. In:
http://www.abralic.org.br/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/024/MARIA_OLIVEIRA.pdf
SOUZA, Florentina da Silva. “Memória e performances nas culturas afro-brasileiras”. In:
ALEXANDRE, Marcos Antônio (org.). Representações performáticas brasileiras: teorias,
práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007. p. 30-39.
VASINA,
J.
“A
tradição
oral
e
as
metodologia”
http://afrologia.blogspot.com/2008/03/tradio-oral-e-sua-metodologia.html
In:
Para saber mais
ANDRADE, Inaldete Pinheiro de. “Construindo a Auto-estima da Criança Negra”. In:
MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2ª ed. Brasília: Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2008.
BÁ, A Hampaté. “A tradição viva”. In: KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra I. 3ª.
61
ͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺͺ
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Ed. Portugal: Publicações Europa América, 1999. (Ver: História da África).
CIANNI, Solange. Doce princesa negra. Brasília: LGE, 2006.
COSTA, Madu. Kolumba e o tambor Diamba. (coleção Griot Mirim, vol. 1). Belo
Horizonte: Mazza edições, 2006.
GUIMARÃES, Geni. A cor da Ternura. São Paulo: Editora FTD, 1979.
LUIS, Augusto. Lápis de Cor. Coleção Papo sério. Salvador: Ed. FMP: Governo do
Estado da Bahia, 2004.
LUZ, Marco Aurélio de Oliveira. “Novos espaços de comunicação: tradição dos contos na
literatura escrita, no teatro, no cinema e no rádio.” In: Agdá: dinâmica da civilização afrobrasileira. 2ª. Ed. Salvador: EDUFBA, 2000.
LIMA, Fabiana. “É possível afrobetizar a excludente tradição literária brasileira?”. In:
http://www.abralic.org.br/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/024/FABIANA_LIMA.pdf
_________. O presente de Ossanha. 2ª. Ed. São Paulo: Global, 2006.
LIMA, Heloisa Pires. “Personagens Negros: um breve perfil na literatura infanto-juvenil”.
In: MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2ª ed. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, 2008.
______. Histórias da Preta. São Paulo: Companhia das letrinhas, 1998.
MACHADO, Ana Maria. Menina bonita laço de fita. 7ª. Ed. São Paulo: Ática, 2005.
OLIVEIRA, Maria Anória de Jesus. “Negros personagens nas narrativas literárias infantojuvenis brasileiras: 1979-1989”. Salvador: UNEB, 2003. [Dissertação]
ORTHOF, Sylvia. O rei preto de ouro. São Paulo: Global, 2003.
RODRIGUES, Martha. Que cor é a minha cor? (coleção Griot Mirim, vol. 2). Belo
Horizonte: Mazza edições, 2006.
SOUSA, Andréia Lisboa de. “Nas tramas das imagens: um olhar sobre o imaginário da
personagem negra na literatura infantil e juvenil”. São Paulo: USP, 2003. [Dissertação]
TRINDADE, Solano. Tem gente com fome. São Paulo: Nova Alexandria, 2008.
Material de apoio
Filme:
Kiriku e a feiticeira – Michel Ocelot, 1998. www.kirikou-lefilm.com
Kiriku 2 – os animais selvagens – Michel Ocelot e Bénédicte Galup, 2005.
As aventuras de Azur e Asmar – Michel Ocelot, 2005.
Happy Feet, direção George Miller, 2006.
A princesa e o sapo (em produção) Disney, 2009.
Enquanto isso, na sala de aula...
Costumo iniciar minhas aulas sobre a importância da tradição oral africana, com uma
dinâmica que propõe a socialização da história do nome de cada um dos participantes.
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Estimulados(as) a contar para o grupo “qual história envolve a escolha do seu nome?”
os(as) envolvidos(as) vão buscar em suas memórias o que ouviram ao longo da vida
sobre essa escolha e, então, expõem para o grupo se gostam ou não deles. Além dessa
etapa, os(as) participantes substituem seus nomes por outra palavra qualquer; todas elas
são registradas num papel e colocadas num recipiente para o sorteio. Assim, à medida
que os participantes retiram a palavra, vão complementando a história iniciada e
construindo uma grande narrativa improvisada na oralidade.
Todo esse ritual é para motivar os envolvidos a atentarem para a importância da
oralidade, a força da palavra falada, dos registros da memória, dos Griots, das
contadoras de histórias, dos orikis, dos mitos e contos orais das religiões de matriz
africana.
A dinâmica sugerida pode ser modificada, substituída ou adaptada a realidade da turma e
as expectativas do professor. A música do compositor da MPB, Gilberto Gil, “Baba
Alapalá” pode contribuir para uma pesquisa, nessa mesma linha, sobre a origem dos
antepassados dos(as) alunos(as). Essa música requer um cuidado especial, já que a
utilização de textos que envolvem as religiosidades (nesse caso, a de matriz africana)
precisa ser conduzida de maneira saudável e respeitosa para com diferenças. Um(a)
professor(a) precisa transitar, sem juízo de valor, pelas várias religiões existentes,
independendo da sua opção pessoal.
O estudo da tradição oral compreende um universo muito rico de possibilidades. Além
dos já citados, podemos lembrar ainda: das manifestações culturais brasileiras como:
congada, samba de roda, maracatus de baque solto e rurais, festas de bumba-meu-boi,
festas de Reis, marujada, carnaval, capoeira, provérbios africanos, repentistas e
emboladores, hip hop, entre tantos outros, constituintes do acervo vivo e simbólico da
memória cultural afro-brasileira.
O(A) professor(a) encontrará na seção “Textos literários” alguns materiais que abordam,
ou que tragam a tona, o tema da tradição oral. O poema “A velhinha do Angu”, de Solano
Trindade, apresenta fragmentos de pregões dos vendedores de Recife. Este poema pode
fomentar um concurso, no qual os(as) estudantes precisam escolher um objeto a ser
vendido e, a partir dessa seleção, construir seu próprio pregão. Será escolhido o pregão
mais criativo ou proposta uma pesquisa de campo com respectivo registro dos pregões
de ambulantes nos ônibus, praias e/ou feiras livres, à escolha do(a) professor(a).
Os contos orais africanos, especialmente os contos de mestre Didi - que tenta manter na
escrita os traços da oralidade - compõem um excelente acervo do universo mítico das
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religiões de matriz africana e cultura afro-brasileira. Eles podem, no ambiente de sala de
aula, ser encenados pelos(as) alunos(as) em formato de peças teatrais e ou
performances.
O conto de mestre Didi, “Obaluwaiyê – o dono da peste” (disponível na seção “Textos
literários”), ao contar a história/mito de Obaluaê, convida a comunidade a repensar suas
práticas e seus julgamentos precipitados. O orixá citado na narrativa apresenta-se em
situação de enfermidade e é desprezado por toda comunidade. Depois de ser abençoado
pelo deus Olorum e receber o dom de cura, retorna à comunidade e salva a todos de
uma epidemia. Pode-se também trabalhar a presença das folhas, no ritual de cura,
descrito no conto de mestre Didi, para motivar um trabalho de pesquisa sobre essas
práticas no cotidiano brasileiro e baiano. Afinal, quem nunca tomou um chazinho feito
pela vovó para melhorar um desconforto alimentar ou para relaxar? Ver como a ciência
vem se apropriando desses conhecimentos em seus estudos; destacar a importância das
religiões de matrizes africanas na preservação dessa memória, assim como na tradição
indígena.
O trecho de música “Sou negro d+ para você”, do rapper Thaíde, representa a linguagem
do hip hop, movimento que, atualmente, é um forte aliado da educação brasileira. De
modo geral, escola, professores(as), alunos(as) e comunidade, quando se envolvem em
projetos com o hip hop e seus elementos, conseguem resultados excelentes,
principalmente, por parte da juventude. A escola passa a ser uma galeria de arte, com
seus muros e paredes grafitadas e limpas – professores(as) de arte tomam conta dessa
parte do projeto. Os(As) professores(as) de música, dança e educação física aliam-se
aos b.boys e b. girls na arte do Break e dos DJs. A prática de escrita das letras de música
favorece um melhor domínio da língua e dos recursos estéticos e literários, já que os(as)
envolvidos(as) se dedicam a melhorar suas composições e rimas. O(A) aluno(a) exercita
a escrita com mais prazer, passa a questionar, debater e argumentar sobre os problemas
sociais, entre eles, as questões étnico-raciais, como a discriminação e o racismo.
Para a educação infantil, propomos um trabalho que envolva
muita criatividade, alegria e cor. Conforme leitura dos textos
sugeridos, constatamos que algumas obras deixam brechas,
nas quais os(as) mediadores(as) devem intervir: seja nas
descrição de personagens negras que, por vezes, ganham
traços animalizados, sejam os desenhos e ilustrações nos quais os personagens negros
(embora, na narrativa, tenham sua identidade preservada), são representados como
monstros e aberrações nas imagens, ou, mesmo, uma armadilha bastante discreta e
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recorrente nos conteúdos dos textos que se pretendem afro-brasileiros ou africanos. Um
bom exemplo podemos encontrar no livro Flor Encarnada (1919) de Tales de Andrade,
coleção Biblioteca Infantil, em que descreve uma princesa africana:
(...) tão inteligente e tão instruída que todas
as pessoas vinham lhe pedir conselhos
Ela sabia qual o remédio a dar aos doentes,
conhecia todas as espécies de plantas. (...)
Um dia Flor Encarnada ao passear encontrou
uma linda moça, sentada junto de um
algodoeiro. Era um jovem branca, de estranha
beleza...
— Quem é você? perguntou Flor Encarnada
cheia de admiração. Eu nunca a vi em nossas
cabanas...
— É verdade, respondeu a moça, sorrindo.
Embora você não me visse, era eu quem
segredava aos seus ouvidos tudo o que
você sabe em relação à floresta. Quem julga
você que lhe tenha ensinado as coisas
que você conhece das plantas e dos animais?
Era eu quem lhe ensinava, menina...
(Andrade, 1919, p. 7-8)
A Flor encantada, apesar de todas as qualidades e a visível valorização de sua cultura
descritas na narrativa, vacila ao atribuir ao personagem branco a bondade de ter passado
para o negro seus conhecimentos e saberes. Essa prática é recorrente em diversas
obras, inclusive em narrativas televisionadas, na qual os negros, ao ascenderem
socialmente, são sempre via bondade e desprendimento dos personagens não-negros.
Interessante criar ambientes agradáveis para a prática de leitura de textos infanto-juvenis
afro-brasileiros, decorando a sala e provocando a curiosidade dos alunos sobre o que vai
ser contado. A inclusão de imagens de negros(as) em situações do cotidiano na
decoração da sala, nos brinquedos, fantoches, etc. contemplando a diversidade étnica
brasileira, pois ajuda no desenvolvimento e na promoção de um melhor rendimento das
crianças negras, que passam a se sentir incluídas no processo educacional.
Nas unidades anteriores, vimos outras possibilidades de atividades e discussões a serem
propostas no ensino infanto-juvenil. Reforçamos a solicitação de inclusão de outras
formas narrativas e de representação para dialogar com essa literatura, assim como a
música, as telenovelas, revistas, propagandas e comerciais, o cinema, a pintura, o teatro,
entre outros, precisam e podem ser incluídos às nossas práticas em sala de aula.
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Professores(as), explorem os textos sugeridos, criem outras atividades com
outras referências e, assim, vamos trocando nossas experiências!
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8QLGDGH,9
CADERNOS NEGROS E OUTRAS
POÉTICAS
A última Unidade do Módulo de Literatura Afro-brasileira chegou e ainda há tanto
a ser lido, dito, sugerido... tantos são os acervos e as referências a serem citadas
sobre o assunto. É com o objetivo de criar mais oportunidades de inovação para a
prática pedagógica antirracista que fechamos esse trabalho com o “Cadernos
Negros e outras poéticas”.
Após trinta e um anos de publicação ininterrupta, a importante antologia afrobrasileira de literatura, os Cadernos Negros, também serão nosso tema de
estudo. As outras poéticas são as demais publicações, canções, obras de arte e
diferentes linguagens, que podem ser dialogadas com a literatura para o
cumprimento da Lei nº 10.639/03.
Tópico 1 – Cadernos Negros e outras poéticas
Objetivos:
•
Estudar as produções mais significativas sobre a literatura afro-brasileira;
•
Refletir sobre o papel dos Cadernos Negros no que refere à legitimação da
Literatura Afro-brasileira;
•
Dialogar a literatura afro-brasileira com outras expressões artísticas;
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Tópico 1 – Cadernos Negros e outras poéticas
A nossa fala desvela, delata, relata, invade quem ouvi-la ou lê-la.
Ela é a própria personificação de negro sendo, re-sendo,
mudando, re-mudando, sentindo, re-sentindo
Miriam Alves
$OJXQV LPSRUWDQWHVDXWRUHVGRV&DGHUQRV1HJURV UHXQLGRV
Em São Paulo, um grupo de escritores afro-brasileiros se
organiza e publica textos voltados para a condição social do
negro no Brasil, com a colaboração financeira de cada um dos
integrantes. Surgiam, assim, os Cadernos Negros em 1978. A
idéia de se fazer uma antologia, para publicação de poemas e
contos negros, surge no CECAN – Centro de Cultura e Arte
Negra, espaço onde jovens se reuniam e participavam de
discussões políticas. A estudante de Letras, no artigo “Uma
história que está apenas começando” contextualiza o momento
histórico em que a juventude negra paulista se voltava para a
criação dos próprios meios de comunicação, como estratégia
de luta contra o racismo e propagação de imagens positivas do
negro:
Jovens como Jamu Minka se envolviam cada vez mais
com mídias alternativas: “Eu vinha de uma experiência
alternativa, um tablóide muito famoso na época: Versos.
Era um tablóide de esquerda que criticava todas as
ditaduras do Cone Sul. Em seguida fui para o CECAN
para fazer o jornal dessa entidade, o Jornegro”.
(...)
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O jovem negro, nesse momento, começava, em
quantidade, a entrar nas universidades, acessando a
produção cultural: cinema, literatura, teatro —
diferentemente de gerações anteriores, que tinham
mais dificuldade de ingressar num curso superior e
acessar os bens culturais pertencentes a esse
universo. Eram jovens negros que estavam se
destacando da realidade já há muito tempo
tradicional: analfabetismo, exclusão, subempregos,
marginalidade.
A série Cadernos Negros tem sido, desde então, publicada
anualmente, alternando poesia e conto, de maneira até hoje
ininterrupta, envolvendo escritores comprometidos com a
escrita literária afro-brasileira de várias partes do país. Em suas
publicações, consagram-se os nomes de Cuti (Luiz Silva),
Oswaldo de Camargo, Miriam Alves, Márcio Barbosa, Jônatas
Conceição, Éle Semog, Landê Onawale, Esmeralda Ribeiro,
Conceição Evaristo, Alzira Rufino e muitos/as outros/as afrobrasileiros/as que fazem de sua escrita uma “arma” contra o
preconceito e a discriminação.
Essa produção propõe a representação do Brasil pelo viés das
negociações entre as múltiplas etnias que o compõem,
questionando um modelo de sociedade na qual aos grupos
excluídos só tem restado uma única alternativa: assumir
valores e padrões da tradição erudita de viés branco-europeu.
Dentro de tal contexto de resistência cultural, o uso da
expressão ‘literatura negra e/ou afro-brasileira’ justifica-se, para
os escritores, por falar da realidade e identidade do negro,
trazendo as marcas de sua história, memória, vida, diferenças
e, obviamente, trabalho estético com a palavra em cena no
texto literário. Segundo Florentina Souza, professora de
Literatura Brasileira da UFBA e pesquisadora dos Cadernos
Negros:
Os textos dos CN podem ser lidos como
depoimentos criativos de uma geração de escritores
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que reivindica um espaço para a voz negra na vida
cultural e literária brasileira. Para tanto, tematizam
vários aspectos da vida cotidiana do afro-brasileiro em
particular, tais como a necessidade de construção de
uma auto-imagem positiva, o resgate das tradições de
origem africana e o combate às manifestações
cotidianas de discriminação e preconceito racial na
escola e trabalho – problemas decorrentes da
sistemática exclusão do negro dos direito de
cidadania...1
A preocupação dos escritores na construção dos seus textos
passa pela tentativa de criar novos paradigmas para a literatura
brasileira, pois, conforme as reflexões de Cuti, um dos
iniciadores da publicação, a língua portuguesa não foi
estruturada visando à libertação do povo negro.
Os textos dos Cadernos Negros estão comprometidos com a
história do povo negro e incomodam por trazerem à tona o
problema das desigualdades sociais, por discutirem o perfil
excludente de nação traçado pela maior parte da produção
literária canônica. A literatura negra/afro-brasileira, devido a
todas as questões discutidas neste módulo ligadas ao ensino
formal de literatura e a uma concepção de nação limitadora,
vive praticamente na marginalização, tentando lutar também
contra outro problema brasileiro: a falta do hábito de leitura,
sobretudo entre a população negra.
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Ao trazer um discurso comprometido com a desidealização do
negro e do branco na sociedade brasileira, os Cadernos
Negros trazem outras imagens de Brasil, como no poema
Menino BR, de Jorge Siqueira:
Dentes de Brasil, orelhas de abril
Olhos d´águas claras, peito juvenil
Cabelo pixaim, dono do amendoim
Menino pro que der, pivete pro que vier
destino que o mundo fez
Nos olhos, ilusão, nos pés, uma canção
nas mãos, uma aflição
(pronta pra uma solução)
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Traído no arranha-céu
Culpado da solidão
Lua de zinco, prato de alcatrão!
(CN melhores poemas, p. 84)
Outras antologias têm se mostrado importantes no cenário
literário da contemporaneidade, como Quilombo de Palavras
(2000), Schwarze poesie – Poesia negra (1988), Poesia Negra
Brasileira: Antologia (1992), entre outras publicações coletivas
e individuais que possuem como foco a escrita afro-brasileira.
Na coletânea Terras de palavras (2004), através de textos
ficcionais, memórias fragmentadas exigem um espaço para
que sejam recompostas, caso, por exemplo, do conto A
Bailarina do escritor baiano Landê Onawalê, em que a linda
moça negra tem seu rosto escondido pela tarja do produto
anunciado
na
TV,
transformando-se
em
símbolo
da
invisibilidade da imagem negra nos meios de comunicação de
massa:
Não via a hora da estréia do comercial. Seria no
horário nobre, e o bairro inteiro, aliás, a cidade inteira
se tornaria um buchicho só no dia seguinte. À tarde,
fora buscar o cachê da sua participação e, junto com
as outras dançarinas, assistiu ao filme já editado.
Faltava apenas a inserção da logomarca do produto.
As evoluções por demais ensaiadas no estúdio e na
escola de balé que freqüentavam ficaram perfeitas. Os
passos finais, em slow motion, culminavam com o salto
de todas em direção à câmera. Uma das colegas, a de
perfil mais próprio, mais nórdico, mostra, na palma da
mão, o copinho do iogurte anunciado — o produto
disputando a tela com os sorrisos sadios das moças
por breves 5 segundos de imagem congelada.
Às 19 horas, a janela da sala — e o próprio cômodo —
estava apinhada de gente. Quem possuía TV em casa
ouvia as reclamações de quem não possuía o
aparelho: todos consideravam mais emocionante
assistir ao comercial na casa da artista.
Plim Plim. Os moleques largaram as bolas de gude na réstia de
barro onde brincavam e se enfiaram por entre as pernas dos
adultos. A irmã da bailarina, na varanda, interrompeu o beijo e
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adentrou a sala arrastando o namorado pela mão. Os
comerciais que se sucediam, mesmo os mais tolos, nunca
tiveram uma platéia tão e silenciosa.
Começou. As moças dançavam como as cabeças dos
expectadores. “Cadê ela?! Cadê ela?!” “Ali ó. Aquela
de roupa azul.” “Mas são várias! Bem que a TV
poderia ser maior, né?”, observou o vizinho. “No final
fico mais visível”, disse a dançarina aflita. “Psssiu!”,
repreendeu a mãe.
Para todos os 30 segundos foram eternos. Quando o
balé iniciou os movimentos finais, a bailarina inclinouse instintivamente para a TV. Na tela, ao canto
superior direito, uma tarja branca com o nome do
produto apareceu e foi
escorregando em diagonal. Foi entrando... entrando...
e parou, escondendo ao fundo seu rosto negro tão
bonito.
Em termos de produção individual, têm se destacado escritores
como Cidinha da Silva, Marcelino Freire, Conceição Evaristo,
Edimilson de Almeida Pereira, entre outros nomes. Em Contos
Negreiros (2005), Marcelino Freire apresenta ao público leitor o
conto Trabalhadores do Brasil, constituído de imagens e vozes
justapostas que acabam por criar um discurso que arrebenta
agressivo, clamando por justiça racial e social:
Enquanto Zumbi trabalha cortando cana na zona da
mata pernambucana Olorô-Quê vende carne de
segunda a segunda ninguém vive aqui com a bunda
preta pra cima tá me ouvindo bem?
Enquanto a gente dança no bico da garrafinha Odé
trabalha de segurança pega ladrão que não respeita
quem ganha o pão que o Tição amassou
honestamente enquanto Obatalá faz serviço pra
muita gente que não levanta um saco de cimento ta
me ouvindo bem?
Enquanto Olorum trabalha como cobrador de ônibus
naquele transe infernal de trânsito Ossonhe sonha
com um novo amor pra ganhar 1 passe ou 2 na
praça turbulenta do Pelô fazendo sexo oral anal seja
lá com quem for ta me ouvindo bem?
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Enquanto Rainha Quelé limpa fossa de banheiro
Sambongo bungo na lama e isso parece que dá grana
porque o povo se junta e aplaude Sambongo na
merda pulando de cima da ponte ta me ouvindo bem?
Hein seu branco safado?
Ninguém aqui é escravo de ninguém.”
Nos centros urbanos brasileiros, grupos de escritores têm
criado alternativas de publicação e de circulação do texto
literário afro-brasileiro, através de editoras em forma de
cooperativa de autores, caso das Edições Toró (São Paulo),
cuja produção e distribuição de livros é feita pelos próprios
escritores e da Cooperifa (São Paulo), que desde 2002
promove saraus literários onde escritores marginalizados do
mercado
editorial
comercialmente
competitivo,
ainda
majoritariamente comprometido com representações literárias
europocêntricas, têm espaço para exibir a própria produção e
trocar com outros escritores.
Este módulo teve, portanto, como principal objetivo sugerir e
fomentar a inserção da produção literária afro-brasileira na
escola básica, seja nas aulas de literatura, em outras
disciplinas ou em atividades pedagógicas interdisciplinares,
como
uma
possibilidade
de
diversificar
os
discursos
relacionados à convivência inter-racial no Brasil. Reflexões
teóricas e literárias contemporâneas favorecem, por outro lado,
a ruptura dos muros e limites disciplinares, proporcionando
cruzamentos entre áreas de conhecimento e produções
artísticas distintas.
Esse processo certamente enriquecerá o contato crítico do
aluno
com o
texto
literário
e
com o
mundo
social,
proporcionando-lhe uma visão ampla da diversidade étnicoracial do Brasil e uma compreensão dos limites individuais e
coletivos que o racismo instaura.
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Leituras sugeridas
PRUDENTE, Celso Luiz. “Cinema Negro: aspecto de uma arte para afirmação ontológica
do negro brasileiro”. In: Revista Palmares: Cultura Afro-brasileira, Ano 1, n.1, agosto,
2005. p. 68-72.
QUILOMBHOJE. “Histórico dos cadernos negros”. In:
http://www.quilombhoje.com.br/cadernosnegros/historicocadernosnegros.htm
SOUZA, Florentina da Silva. “Os Cadernos Negros”. In: Afro-descendência em Cadernos
Negros e jornal do MNU. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.p. 95-111.
Teatro experimental do negro. In: www.abdias.com.br/teatro_experimental.html
Para saber mais
ARAÚJO, Joel Zito. “A TV e a negação do Brasil”. In:
www.tvebrasil.com.br/salto/entrevistas/joel_zito_araujo.htm
BERND, Zilá (Org.). Poesia Negra Brasileira: Antologia. Porto Alegre: Instituto Estadual
do Livro, 1992. Disponível em:
<http://books.google.com.br/books?id=bYasOKFh_kIC&pg=PA7&lpg=PA7&dq=Poesia+N
egra+Brasileira:+Antologia+zila&source=bl&ots=s5IoC0wBr&sig=eT7nDXi_McdKwKnfj9xe_B7S8Nk&hl=ptBR&ei=Uzc_SpfqHaHKtgefy62qBA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1>
Cadernos Negros: os melhores poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1998.
Cadernos Negros: Os melhores contos. São Paulo: Quilombhoje, 1998.
Cadernos Negros, volume 24: contos afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 2001.
Cadernos Negros, volume 28: contos afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 2005.
Cadernos Negros, volume 29: poemas afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 2006.
CONCEIÇÃO, Jônatas e BARBOSA, Lindinalva (Org.). Quilombo de Palavras: a literatura
dos afro-descendentes. 2ª. ed. Salvador: CEAO/UFBA, 2000.
SOUZA, Florentina da Silva. Afro-descendência em Cadernos Negros e jornal do MNU.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
74
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______. “Quilombo de Palavras” In: CONCEIÇÃO, Jônatas e BARBOSA,
Lindinalva (Org.). Quilombo de Palavras: a literatura dos afro-descendentes. Salvador:
CEAO/UFBA, 2000.
Schwarze poesie – poesia negra. Alemanha: Edition diá, 1988.
Enquanto isso, na sala de aula...
Nas atividades em sala, pode-se pensar, inicialmente, numa pesquisa sobre a história
dos 31 anos de existência dos Cadernos Negros (esses dados são encontrados
facilmente no site do Quilombhoje, em livros e trabalhos de pesquisa disponíveis na
internet e nas bibliotecas). O segundo passo, após a pesquisa, é estimular a confecção
de um caderno de poesia (atividade que envolve as habilidades artísticas). Caso não seja
viável a compra de um caderno para cada aluno, além da realização de um trabalho
processual de oficinas de criação literária, adapta-se a atividade com apenas uma oficina.
De posse dos textos de cada aluno, constrói-se um livro de poesia afro-brasileira da
turma. Nem vamos precisar de Hugo Ferreira, os próprios alunos devem ter ideias ótimas
para nomear essa “publicação”.
Falando em publicação, destaco duas das mais importantes sobre os Cadernos Negros:
o livro “Afro-descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNU” de Florentina da Silva
Souza - publicado em 2005, resultado de uma longa e qualificada pesquisa que culminou
em sua tese de Doutorado em Letras, e a publicação-homenagem, “Cadernos Negros:
três décadas: ensaios, poemas, contos”, lançado em 2008, organizado por Esmeralda
Ribeiro e Márcio Barbosa (coordenadores do Quilombohje Literatura). Essa brochura tem
por objetivo mostrar um painel panorâmico sobre a série. Os textos foram selecionados
de diferentes edições contendo um conto e um poema de cada autor. Aqui destaco um
trecho da introdução feita pelos organizadores,
“Desta forma, podemos dizer que a cada lançamento de Cadernos Negros
uma sensação de conquista para toda a sociedade se espalha pelo ar, pois o
todo se enriquece com pequenos passos como esses. Seria interessante que
os educadores, tocados por essa sensação, dessem mais atenção aos
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Cadernos Negros, trabalhando com eles nas salas de aula para que os alunos
também pudessem ser brindados com textos que falam, muitas vezes, de
realidades muito próximas às deles.” (BARBOSA & RIBEIRO, 2008, p.16)
Oportunizar que os(as) alunos(as) acessem, possam discutir e reelaborar as leituras dos
textos contidos nos Cadernos Negros também foi uma preocupação ao elaborarmos esse
Módulo. Assim, durante todo curso foram utilizados contos e poemas publicados no CN.
Os(as) professores(as) podem, assim, preparar atividades adequadas a cada nível de
ensino, disciplina e objetivo, assim como promover atividades culturais e realizar oficinas
dinâmicas e criativas nas unidades escolares tendo em vista a sensibilização para a
leitura dos Cadernos Negros (CN).
No tópico “Textos literários” desta Unidade, poderão ser encontrados poemas e contos
dos CN, alguns em homenagem à própria série, outros abordam assuntos como estética
afro, o continente e as produções literárias africanas, as conseqüências do racismo (autocensura). As discussões em torno dessas temáticas ressignificam valores e crenças
acerca das populações afro-brasileiras, reconstituem o imaginário sobre o negro,
promovem a elevação da auto-estima, além de criarem espaços - dentro e fora da escola,
para discussão das diferenças étnicorraciais.
Quanto às “Outras poéticas”, poderia citar uma série de outras publicações
importantíssimas para a consolidação da Literatura Afro-brasileira, tais como “O negro
escrito” e “A razão da chama: antologia de poetas negros brasileiros”, de Oswaldo de
Camargo, “Axé: antologia da poesia negra contemporânea”, organização de Paulo
Colina, “Criação Crioula: nu elefante branco”, organização de Cuti, Mirian Alves e Arnaldo
Xavier, “Reflexões sobre literatura afro-brasileira”, do Conselho de participação e
desenvolvimento da comunidade negras, “Literatura e identidade Nacional”, de Zilá
Bernd, “Quilombo de palavras: a literatura dos afro-descendentes”, organização de
Jonatas Conceição e Lindinalva Barbosa, citando apenas algumas. Porém, o destaque do
subtítulo fica com as possíveis estratégias contemporâneas de apropriação de diferentes
linguagens e recursos – a notar pelos materiais sugeridos no tópico “Textos literários”, ou
seja, oriki, música, endereços eletrônicos de vídeos de músicas, entidades culturais,
cinema negro, museus afros, teatro negro, dança afro e capoeira, etc. para que, em
diálogo com a literatura afro-brasileira, possam contribuir para a efetiva inclusão da
história e cultura afro-brasileira tanto nas práticas educacionais como nos discursos
nacionais.
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Nesse ponto, convido os(as) professores(as) a criar suas atividades, aproveitando as
sugestões das unidades anteriores. No entanto, é preciso atentar ao cumprimento do
nosso objetivo, que é buscar como resultado das atividades das aulas a ampliação das
discussões quanto à presença e importância da população negra na formação e
constituição do Brasil.
As discussões e poéticas precisam sair das páginas dos livros e ganhar o mundo seja
através da música, da TV, da arte, da dança, entre outros caminhos.
Textos literários
VENTO FORTE - POESIA
Lepê Correia
Hoje me falta o verso
Como falta pão e farinha
Na mesa do meu irmão.
Meu estomago poético ronca
Dá nó a tripa da inspiração
Uns com tanto e outros sem saber
[como.
Vou gritar pelo velho Trindade
Quero alguma imaginação pra beber
Algo que aplaque esse misere...
Poético sim... Por que não?
Ele sempre teve
Em cada caracol de sua carapinha
Um verso, uma ilusão espalhada: Pelas barbas, nos cabelos do sovaco...
Até nos arames pubianos
É... até lá tinha versos pendurados
Me acode, Veio!
Agora e na hora de qualquer papel em
[branco
E depois, vai ser poeta assim na casa
[d’Osanlá.
DIÁRIO DE UMA FAVELADA
Ademiro Alves (Sacolinha)
Maria teve uma doença na perna
Curada com o tempo e com as rezas
Passou a adolescência de casa em
[casa
Na labuta de empregada
Carolina já adulta continuava sozinha
Andava aqui e ali
Sempre à procura de emprego
Nunca de migalhas
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De Jesus herdou o nome
E a coragem
Foi jogada na favela
Esperta que era
Tirou proveito dela
Relatando os tropeços
Nasceu então o quarto de despejo
ANCESTRAL
Landê Onawale
Para Lindi e Abdias
Em mim falam vozes ancestrais
Que conversam mais, se calo,
Ou a alma silencia
- ainda que em meio à algaravia.
Carrego por dentro abismos
Onde ecoam os mais leves sussurros,
Canyons mergulhados por pássaros
De guinchos e vôos atemporais...
Assim é que, do meu canto,
Surgem versos de improviso;
No meu grito.
Ecos de quilombos e porões;
Em minhas teses, tramas dos canaviais.
Sei a oração que princípio,
Mas não onde o desejo dos verbos acaba:
São incertos os ventos
Que sopram as velas do meu destino.
CUMPLICIDADE
Graça Graúna
Agora pela hora da minha agonia
louvo Trindade e Jorge de Lima
cantando, catando as duras penas, só.
- De onde vem, Solano, esta agonia?
- Vem de longe, nega, muito longe!
De Afroamérica sonhada.
lá, donde crece la palma
plantada em versos de alma,
del hombre José Martí.
- De onde vem, Solano, esta agonia?
- De muito longe, nega.
Do comecinho das coisas;
de muito longe, minha nega, muito
longe...
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QUASE HAI KAI
Graça Graúna
Para Cruz e Souza
À cruz do poeta
Doura trêmulas quimeras:
Sempre-vivas sobre a mesa
ACERTO DE COTAS
Landê Onawale
Depois de nos espremermos
sob as pontes
dividindo pedaços de vão
depois de esquentarmos nossos medos
nos limites de cada prisão
e de disputarmos com todos os bichos
buracos no parmesão
é hora de outras partilhas...
distribuir agasalhos, e não o frio
repartir comida, e não a fome
depois dos lares loteados
pelas botas da violência
e dos empregos cotizados
para servir às aparências
depois dos elencos rateados
nos cabendo a subserviência
é tempo de outros papéis
e - por que não? - de anéis...
SE ELA FAZ EU DESFAÇO
Éle Semog
A treze de maio fica decretado
Luto oficial na comunidade negra
E serão vistos com maus olhos
Aqueles que comemorarem festivamente
Esse treze inútil
E fica o lembrete:
Liberdade se toma
Não se recebe
Se toma
Dignidade se adquire
Não se concede.
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DOMÍNIO DAS PEDRAS
Jônatas Conceição
As pedras caíam no silêncio
das bocas que mal diziam.
As peças eram trabalhadas
com esmero, precisão,
para a queda final.
Os parceiros não se olhavam
(o jogo não permitia admiração)
Mal miravam as mãos,
os dedos hesitantes.
No domingo,
o domínio das pedras
era absoluto.
Os homens se revestiam
ao redor da tábua
onde a vida não lhes pregava peças.
IDENTIDADE
José Carlos Limeira
Houve um tempo em que
Constava em sua carteira
o dado cor
na minha: pardaescuracabeloscarapinhados.
Diante do espelho, me pergunto
que faço com estes lábios grossos,
este nariz achatado?
Que faço com esta memória
de tantos grilhões,
destas crenças me lambendo as entranhas?
Será que não é demais não ter o direito
de ser negro ?
Causa espanto?
Pardaescura é o aspecto que vocês deram
à nossa historia.
Morra de susto!
Sou, vou sempre ser: NEGRO!
ENE, É,ERRE,Ó.
Aqui, Ó!
DESENGANOS
Márcio Barbosa
Benedito da Silva, ao entrar num shopping para resolver um assunto importante, parou
numa loja de artigos femininos. Escolheu algumas roupas, ia pagar quando o homem do
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outro lado do balcão perguntou:
- O cheque é seu?
"É da minha avó", quis dizer. Sempre perguntavam aquilo.
- É - respondeu.
- E o telefone do seu emprego?
Enquanto o homem pegava o cheque e ia telefonar, Benedito olhou para as roupas em
cima do balcão. Caríssimas. E se simplesmente saísse com elas? Não...Ele podia
pagar... E a Preta merecia. Um ano de namoro. - Ninguém o conhece lá - o homem disse,
quando voltou.
- Como?
- Ninguém jamais ouviu falar do senhor.
- Tá certo, então, amigo. Vou comprar em outra loja.
- O senhor aguarde um pouco.
- Aguardar o quê?
O homem, cínico, olhou para a porta, por onde entravam dois seguranças usando ternos
impecáveis. Um deles, o mais baixo, de bigodes, estendeu um queixo acusador e
ordenou:
- O senhor queira nos acompanhar.
- Isto é um erro muito grande - disse Benedito, espantado.
- Por favor, não complique as coisas.
Levaram-no - perplexo e emudecido - rapidamente para uma sala nos subterrâneos.
Benedito, sentado numa das duas cadeiras, imaginava se não fora um equívoco ter
decidido por aquele shopping. O segurança bigodudo, por detrás de uma mesa, balançou
o cheque.
- Temos um problema aqui - falou. É melhor o senhor dizer de quem é isto.
Benedito achou aquilo uma humilhação, um absurdo.
- Vocês não vêem - disse, sem poder conter a exaltação - que é tudo um engano?
Merda...
- Veja como fala.
- Falo do jeito que eu quiser - Benedito gritou.
O bigodudo cerrou os punhos e inflou o peito. Parecia feito de aço. O outro homem, o
careca, que estivera em pé, quieto, interferiu:
- Calma, bigode, vamos devagar. - Virou-se para Benedito - Pode ser que seja um
engano, mas tem um pessoal lá em cima que não vai pensar assim. Por isso, não seja
arrogante.
- Então, eu vou lhes dizer uma coisa...
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- Diga de quem é o cheque - ordenou o bigodudo.
- Da tua avó.
- Preto filho da mãe.
Aquilo foi mais forte que um soco.
- Porra, bigode! - O careca contraíra os músculos do pescoço e seu nariz quase
encostava na cabeça do outro.
- Então, é isso - Benedito conseguiu murmurar.
O careca acendeu um cigarro e falou numa voz macia:
- O meu companheiro se exaltou. Não é isso o que ele pensa, não é, bigode?
O outro encostara a cadeira na parede e não falou nada.
- Olha bem pra mim - o careca ordenou. - Eu sou negro também...
- Porra nenhuma - era o bigode que cuspia no chão.
- Sou mulato. E nunca tive problemas por aqui. Mas o senhor vai compreender... A
supervisão lá em cima está nos cobrando. Vem um chefe novo aí e eles querem mostrar
serviço...
- Meto um processo em cima dos dois...
O bigodudo cuspiu no chão outra vez.
- Você não tem onde cair morto. Quem sabe a gente não seja promovido se te der uma
lição? É isso aí, neguinho, promovidos...
- Cala a boca. - o careca inflamou-se. Depois colocou a mão no ombro de Benedito. - Só
irão deixá-lo sair se provar sua inocência. Compreenda, o novo chefe...
Benedito levantou-se, sentia na boca o gosto de algo azedo. Encarou o bigodudo. Seu
rosto iluminou-se.
- Eu não sei do que vocês estão me acusando.
Na verdade, sabia. No fundo, acusavam-no por estar ali - um local que supostamente não
era para ele - , por consumir em lojas que não eram para ele, por ser atendido por
pessoas que não eram iguais a ele.
- Parei naquela loja por acaso. Dei o telefone do meu antigo emprego - argumentou. Talvez tenha errado algum número.
- Antigo? Quer dizer que o malandro não trabalha?
- Vim aqui para isso. Assinar a ficha do meu novo emprego.
Os dois homens se olharam, surpresos.
- Aqui, no shopping?
-Era o que eu tentava dizer. Vou trabalhar na segurança. Dizem que está violenta.
Chamaram-me há uma semana... para ocupar a chefia...
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O careca deixou cair o cigarro. O bigodudo pensou que a promoção não viria. E Benedito
lembrou-se da Preta. Sentiu ternura e, pensando que algumas coisas por ali seriam
mudadas, respirou aliviado.
GAROTO DE PLÁSTICO
Cristiane Sobral
Tem gente que vem ao mundo a passeio, outros, a serviço. E ele vivia assim, à paisana.
Era um indivíduo descartável e nunca fizera o menor esforço. Malhar, só na academia,
para garantir o êxito dos amassos noturnos no seu ponto de encontro predileto, as
boates, onde costumava caçar seu objeto preferido: mulher. Mulher loira, claro.
Seu jeito era meio distraído durante o dia porque gastava toda a energia à noite, nos
agitos. Sua expressão era meio aérea e seu sorriso, completamente sintético. Marcava
presença na classe jovem que freqüentava pelo seu nada original nick name: "boy". Aliás,
ele considerava-se um dos melhores frutos da era da informática: o gato virtual. Nada de
contatos verdadeiros. Não tinha mesmo muitos neurônios disponíveis para desenvolver
sua inteligência emocional. Seu melhor trunfo era a memória, medida em gigabytes e
equipada com um eficiente kit multímidia. Um gato de plástico motorizado. Tinha um
carro do ano com um equipamento de som de última geração. Presente do pai.
Fazia cursinho de inglês, presente da madrinha. "How are you? Fine, thanks". "Cool".
Estudava Ciências da Computação numa faculdade privada paga por meio de um rateio
feito entre os irmãos mais velhos sem o menor desajuste financeiro. Um garoto de
plástico com roupas de marca. Presentes de uma gatinha "shopping-maníaca", que
sonhava com o seu amor eterno. "Morena", a menina, até estudiosa. Mas muito pé no
chão. O "boy" não agüentava. Papo cabeça. Politicamente correto. Música gospel. Só
mesmo apertando o "delete". Que alívio. Preferia suas batatinhas loiras fritas e
hambúrgueres de carne, muita carne. Boy. Fazia palavras cruzadas nível moleza e era
adepto do discman. Principalmente nas viagens. Uma viagem inesquecível? o primeiro
passeio com seu novo e moderno tênis da onda. Pisando em terra firme com seus pés de
plástico tamanho 42. Seu maior sonho era um mundo com meias descartáveis. Vida para
as meias de algodão do tipo "one way". Liberdade perfumada para dentro dos dedos. Se
alguém quiser lavar meias que lave. Que cara de plástico!
Outro dia, na sua aula de inglês reclamou com o "teacher" que não tinha tempo para
fazer o dever de casa, o "home-work", porque estava freqüentando a academia
regularmente, já que o importante, em sua opinião, era poder ficar sempre orgulhoso de
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não ter nenhuma dobrinha no abdome sob as suas camisetinhas tipo "mamãe olha como
estou forte"..."Mother", sou um garoto de plástico bem forte!
E assim seguia nosso ilustre personagem, em sua existência perfeitamente descartável,
de shopping em shopping, de boate em boate, até que um dia, ficou totalmente derretido
por uma garota! Isso não fazia parte do seu roteiro de vida, baseado em técnicas yuppies
e neurolinguísticas...não, não fazia. Pois aconteceu. Só o amor constrói. Ou destrói. Sob
a sua cara-máscara de plástico totalmente derretida, havia um complexo de inferioridade
estrutural, que o fez ficar trancado em casa durante quatro longas semanas, período
suficiente para deixar crescer seus cabelos raspados à máquina zero a cada sete dias.
Seus cabelos eram negros, sua pele cor de azeviche, aquela vida de plástico era um
verdadeiro mito, mito de uma democracia racial. Junto com seus cabelos, cresceram
algumas idéias...e em noites de insônia sua mente formulara algumas perguntas: quem
sou eu? para onde vou? Meu nome é Maurício? Por que me chamam de Mauricinho?
O garoto ficou atordoado e decidiu investigar sua certidão de nascimento. Leu: Nome:
Augusto de Oliveira. Cor : Parda. Junto com a certidão de nascimento havia um álbum de
fotografias com uma foto de casamento de seus pais. Um casal negríssimo, sem dúvida.
Filho de peixe... Augusto. Ficou frente ao espelho do banheiro um longo tempo. Seus
olhos refletiam uma expressão bastante dura. Cara de pau. Sem máscara ele até que
não era tão estranho. Parecia gente. Parecia com tanta gente. Com toda a população do
Brasil, esse país que também usa uma máscara de plástico para disfarçar a cara de pau
que lhe permite vez em quando esquecer que está aqui a maior população negra fora da
África.
PRINCESA SAWANA
José Augusto Bertoncini Ribeiro
Há muito e muito tempo atrás, num antigo reino africano havia uma princesa de nome
Shawana. Ela tinha longos cabelos crespos e belos olhos claros.
Seu pai, o rei, acreditava que já estava na hora da princesa se casar. Mas ele sabia que
o futuro príncipe deveria ser corajoso e inteligente, e por isso convocou todos os homens
do reino e lhes propôs um desafio.
- Aquele que desejar se casar com a minha filha deve lhe trazer um presente; A princesa
Shawana irá então escolher a pessoa que trouxer o presente que mais lhe agradou!
Havia no reino um corajoso guerreiro de nome Mosi, que sempre havia observado a
princesa de longe e sempre desejou conhecê-la. Ele havia se apaixonado ternamente por
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ela, e queria aproveitar o desafio proposto pelo rei para conquistá-la.
Muitos moços levaram jóias e outros belos presentes para a princesa. Vendo isso, o
jovem Mosi procurou o sábio feiticeiro da tribo. O sábio feiticeiro disse que as jóias e
todos os outros presentes nada representavam, e que o melhor presente que poderia
entregar à princesa estava no seu coração.
O jovem Mosi muito pensou nas palavras do feiticeiro. Ele foi então ao encontro do rei e
da princesa, e de mãos vazias, agachou, pegou uma pedra e olhando, profundamente,
nos olhos de Shawana, colocou a pedra delicadamente em suas mãos, e disse:
- Coragem é o que não me falta; assim como as pedras, que duram eternamente e
sempre se renovam, assim é o meu amor por você!
Ela se apaixonou, e eles tiveram um belíssimo casamento.
PRETO DE OURO PRETO
Sylvia Orthof
Lembro e esqueço
e assim começo
a história de um rei...
Invento o que não sei?
Era uma vez um lugar
onde os bichos passeavam:
girafas e elefantes
havia aos montes!
Ali tudo era lindo
nas cores muito vermelhas,
verdes azuis, amarelas,
ai que belas aquarelas
feitas de sol e luar!
Venha espiar!
Africano continente,
gente negra e valente,
gente que dança e canta
no sorriso do contente.
Vamos em frente?
Ali morava um rei
todo negro e enfeitado.
Sua pele era um negrume
da noite do estrelado.
Era preto de lindeza,
era sábio em realeza,
com certeza.
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Seu povo o admirava,
e ele admirava o povo.
Tal rei eu louvo!
(...)
Chico Rei fez seu reinado
ali em Minas Gerais.
Era um reino pequenito...
tão bonito!
Era um reinado de livres,
escravidão... nunca mais?
Viva Francisco, o Chico
rei de minas, do tesouro,
das liberdades totais!
Quanta dança e folia,
Baticum e alegria!
Quantos anjos e noitadas,
Belezuras muito puras...
E escuras! (...)
A VELHINHA DO ANGU
Solano Trindade
“Pinta pinta pintadinho
Zorra me zorra
Que já está fôrra
Sola sapato,
Rei rainha,
De baixo da cama
Da camarinha”
Como parece essa lua
Com aquele outro luar
Que quando pequeno vi
A lua estava amarela
Rodeada de estrelas
Prá minha infância a sorrir...
“Cru cru cru
A velhinha do angu”.
Como sublime é lembrar,
Aquela cena singela
Da mamãe toda curvada
Batendo de mão em mão
“Está quente ou está fria”...
“Cru cru cru
A velhinha do angu”.
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O CORDEL
Antônio Vieira
O cordel é poesia
História, lazer, jornal
É síntese, é cabedal
Ibero – Baltazar Dias
Camões o utilizaria
Dele se serviu Cecéu
No nordeste o menestrel.
Destacou-se a rimar
Versos que não iam ao mar...
Mas cumpriam o papel.
BABÁ ALAPALÁ
Gilberto Gil
Aganju,
Xangô,
Alapalá, alapalá
Alapalá,
Xangô,
Aganju.
O filho perguntou pro pai
Onde é que tá o meu avô?
O meu avô,
Onde é que tá?
O pai perguntou pro avô
Onde é que tá o meu bisavô?
Meu bisavô, onde é que tá?
Avô perguntou bisavô
Onde é que tá tataravô?
Tataravô, onde é que tá?
Tataravô
Bisavô
Avô
Pai Xangô, Aganju
Viva Egum,
Babá Alapalá.
Aganju,
Xangô,
Alapalá, alapalá
Alapalá,
Xangô,
Aganju.
Alapalá egum,
Espírito elevado ao céu,
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Machado alado,
Asas do anjo aganju.
Alapalá egum,
Espírito elevado ao céu,
Machado astral,
Ancestral do metal,
Do ferro natural,
Do corpo embalsamado,
Preservado em bálsamo sagrado,
Corpo eterno e nobre
De um rei nagô,
Xangô.
(Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=cXOe-aGxaSY)
CINCO ELEMENTOS
Oubi Inaê Kibuko
aos Manos & Minas do Movimento Hip Hop
A palavra cantada
juventude municiada
tomou de assalto
palcos praças ruas
rimando verbos consequentes
A palavra tocada
orquestra em didjei vinil
criatividade nos dedos
rotação vudum-vudum-vudum
A palavra dançada
B.Boy
B.Girl
passo lunar
compasso moinho
corpo robótico
em múltiplas formas flutua
A palavra grafitada
muros paredes
tela nua
mural dos excluídos
vestindo traços coloridos
em jato spray
A palavra revolucionária
becos vilas cohabs morros favelas
perféricas páginas cotidianas
dialeto de preto
raio x do gueto
em ritmo Che-Marx-Martin-Malcon[Mandela-Zumbinianos
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SEGUNDA PELEJA DE ROMANO DO TEIXEIRA COM INÁCIO DA CATINGUEIRA
(Cordel)
R - Negro cante com mais jeito
veja tua qualidade
eu sou branco, e tu tição
perante a sociedade
aceitei cantar contigo
baixei a dignidade.
I - Esta tua frase agora
Me deixou admirado
Que para o senhô ser branco
Teu couro é muito tostado
Tua cor imita a minha
Teu cabelo é agastado...”
MARACATU RURAL - PE
Mestre Zé Gordo
“Em tempo de violência
Cheio de medo e pavor
O filho do Salvador
Vê todo mundo pecando
E os falsos profetas enricando
Com o nome do Salvador”
“Tá o pobre aperreado
Pra não manchar seu nome
E vê seu filho com fome
E ele quer pão
E diz o Pai da criação
Que no mundo tudo passa
E dinheiro virou fumaça
Por causa da inflação”
ORIKI – Xângo
Ele ri quando vai à casa de Oxun.
Ele fica bastante tempo em casa de Oyá.
Ele usa um grande pano vermelho.
Elefante que anda com dignidade.
Meu senhor, que cozinha o inhame com o ar que escapa de suas narinas.
Meu senhor, que mata seis pessoas com uma só pedra de raio.
Se franze o nariz, o mentiroso tem medo e foge.
PONCIÁ VICÊNCIO
Conceição Evaristo
... O tempo de espera, se feito quieto e mudo, é pior, pois se torna demoradamente mais
longo ainda. Em suas peregrinações, trabalhava em tudo que era preciso, menos no
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barro. Nunca mais tocou na massa, mas continuava cantando muito, como no tempo em
que as duas entoavam juntas as canções. Cantava as cantigas de sua infância, aquelas
que tinha aprendido dos mais velhos, no tempo em que era criança. Cantava as que tinha
aprendido com a mãe e que tinha oferecido depois, mais tarde, à filha. E nessas canções
havia muitas que eram dialogadas e quando chegava na parte em que entraria a voz da
filha, a mãe de Ponciá se calava. (p. 85)
SOU NEGRO D+ PRA VOCÊ
Thaíde e Dj Hum
Irmão, Irmã, assuma a sua mente
Eu sei que você é inteligente
Infelizmente tem um par de Judas por
[aí
Mesmo não querendo eles vão ter que
[me ouvir
viver intensamente é o meu objetivo
Se sou feliz assim, como sou, é porque
[tenho motivo
Meu instinto guerreiro tá no sangue
Pra mim não basta apenas ter a cor
[predominante
Não, não tem como fugir daquilo que a
[gente é
Se aceite ou seja escravo pra sempre, se você quiser (...)
(http://vagalume.uol.com.br/thaide-dj-hum/sou-negro-d-pra-voce.html)
DE MÃE
Conceição Evaristo
O cuidado da minha poesia
aprendi foi de mãe
mulher de pôr reparo nas coisas
e de assuntar a vida
A brandura de minha fala
na violência dos meus ditos
ganhei de mãe
mulher prenhe de dizeres
fecundados na boca do mundo
Foi de mãe todo o meu tesouro,
veio dela todo o meu ganho,
mulher sapiência, yabá
do fogo tirava água
do pranto criava consolo.
Foi de mãe esse meio riso
dado para esconder
alegria inteira
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e essa fé desconfiada,
pois, quando se anda descalço
cada dedo olha a estrada.
Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida,
apontando-me o fogo disfarçado
em cinzas e a agulha do
tempo movendo no palheiro.
Foi mãe que me fez sentir
as flores amassadas
debaixo das pedras
os corpos vazios
rente às calçadas
e me ensinou, insisto, foi ela
a fazer da palavra
artifício
arte e oficio
do meu canto
da minha fala.
MAHIN AMANHÃ
Mirian Alves
Ouve-se nos cantos a conspiração
vozes baixas sussurram frases
[precisas
escorre nos becos a lâmina das adagas
Multidão tropeça nas pedras
Revolta
há revoada de pássaros
sussurro, sussurro:
“é amanhã, é amanhã.
Mahin falou, é amanhã”
A cidade toda se prepara
Malês
Bantus
Geges
Nagôs
vestes coloridas resguardam
[esperanças
aguardam a luta
Arma-e a grande derrubada branca
a luta é tramada, na língua dos Orixás
“é aminhã, aminhã”
Sussurram
Malês
Bantus
Geges
Nagôs
“é aminhã, Luiza Mahin falô”
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LADAINHA - Cântico que é entoado na Roda de Capoeira Angola, que, seguido a
tradição, deve ser cantada por um Mestre - o mais velho e/ou mais considerado -, ou,
com a autorização do Mestre da Roda, por um dos Capoeiristas que vão "fazer um jogo",
ao "pé do Berimbau". As Ladainhas trazem em seu bojo a história da Capoeira e de seus
grandes personagens, concepções de mundo, orientações a algum aprendiz. Segundo os
"Velhos Mestres" da Bahia, enquanto a Ladainha está sendo cantada, não se realiza
nenhum "jogo físico", é necessário aproveitar o momento para dedicar-se à concentração
máxima, tendo em vista o correto entendimento da(s) mensagem(ns) que nela
está(estão) contida(s).
Yê !
Eu vou ler o B-A-Bá
B-A-Bá do Berimbau
a moeda e o arame
com dois pedaços de pau
a cabaça e o caxixi
aí está o berimbau
Berimbau é um instrumento
que toca numa corda só
vai tocar São Bento Grande
toca Angola em tom maior
agora acabei de crer
o Berimbau é o maior
Camaradinho
Yê Viva meu Deus
Yê viva meus Deus, camará
...
Yê !
São quatro coisa no mundo
que ao homem consome
uma casa pingando
um cavalo chotão
uma mulher ciumenta
um menino chorão
Tudo isso ele dá um jeito
a casa ele retelha
o cavalo negoceia
o menino acalenta
mulher ciumenta
cai na peia
Yê viva a Bahia
Yê viva a Bahia, camará
Yê !
Lá no céu tem três estrelas
todas as três em carririnha
uma é minha a outra é sua
a outra vai ficar sozinha
Camaradinho
Yê Viva meu Mestre
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Yê viva meu Mestre, camará
Yê !
Bahia minha Bahia
capital do Salvador
quem não conhece esta capoeira
não lhe dá o seu valor
todos podem aprender
General e também quem é Doutor
quem desejar aprender
venha a Salvador
procure Pastinha
ele é professor
Camaradinho
Yê viva meu Deus
Yê viva meu Deus, camará
Yê !
Menino quem te matou ?
foi a língua meu senhor
eu te dava conselho
pensava ser ruim
e eu sempre te dizendo
inveja matou Caim.
Camaradinho
Yê viva a Bahia
Yê viva a Bahia, camará
Yê
Hê...cidade de Assunção
capital do Itamaraty
é engano das nações
das sepulturas do Brasil
Pastinha já foi a África
pra mostrar a capoeira do Brasil
Camaradinho
Yê viva Pastinha
Yê viva Pastinha, camará
Yê
A Bahia é terra boa
tem de tudo pra se ver
tem gostoso acarajé
tem abará e tem dendê
e tem a capoeira angola
para nós nos defender
Camaradinho
Yê Viva a capoeira
Yê viva a capoeira, camará.
(http://cuica.tripod.com/musicas.htm)
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OBALUWAIYÊ, O DONO DA PESTE
Deoscóredes M. dos Santos (Mestre Didi)
Em uma daquelas tribos lá da África, há 900 anos passados, nasceu um menino, e os
pais botaram o nome de Obaluwaiyê. Este menino foi crescendo, e quando já estava
mais ou menos com uns quatorze anos de idade, resolveu sair pelo mundo para
conquistar bons trabalhos e ganhar muito dinheiro para ele e seus pais. Um dia
amanheceu já preparado, tomou a bênção aos pais e saiu pela porta a fora, procurando
um jeito de vida. Andou, andou, andou muito mesmo, até que por fim, depois de já ter
passado por várias cidadezinhas, deu numa cidade muito grande e começou a procurar
emprego.
Porém ninguém quis lhe atender, e por se achar esfomeado resolveu bater na porta de
uma casa grande e muito bonita também. Quando vieram atender ele pediu uma esmola
e, por resposta, fecharam a porta da casa e não lhe deram coisíssima nenhuma.
Desiludido, continuou a andar, e um cachorro que estava deitado na dita porta o
acompanhou até quando chegaram numa mata virgem, onde ficaram comendo folhas e
bichos de toda espécie.
Obaluwaiyê por companhia naquela mata virgem só tinha o cachorro e as cobras que
sempre estavam junto com ele. Mesmo assim, e com toda a fé que ele tinha em Olorum
(Deus), não deixou de sofrer. Já estava com o corpo todo aberto em chagas e o cachorro
era quem cuidava, com sua própria língua, aliviando as dores e sofrimentos. Obaluwaiyê
já tinha perdido toda a esperança de vida e estava jogado entre as raízes dum pé de rôko
(gameleira) esperando a morte. Foi quando ouviu uma voz dizer:
- Obaluwaiyê, levanta-te, já cumpriste a tua missão com os teus sofrimentos, agora vá
aliviar os sofrimentos daqueles que reclamam por ti.
Quando ele deu cor de si e se levantou assustado, sentiu que estava mais forte e das
chagas só tinham as marcas por todo o corpo. Ele aí se ajoelhou, deu graças a Olorum, e
pediu para que lhe desse o direito e a virtude de poder cumprir aquela missão de acordo
com a ordem que tinha recebido; e assim, com um pedaço de pau, espécie de um cajado,
umas cabaças onde carregava água e remédios, e com o seu cachorrinho, começou a
viagem de volta para a tribo de seus pais. Nessa ocasião, em várias tribos de lugares
diferentes, estava assolando uma grande e desconhecida peste, e também morrendo
gente que nem formiga.
Os pais de Obaluwaiyê, antes de ficarem doentes, foram à casa de Olowô (olhador) fazer
uma consulta sobre aquela calamidade que estava acontecendo. Então o Olowô disse
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que tudo aquilo tinha fim, e que a peste ia ser sanada em todo o mundo. A
demora só era Obaluwaiyê voltar da sua grande viagem. Os pais de Obaluwaiyê ficaram
bastante satisfeitos por saberem que seu filho ainda existia, e a notícia foi espalhada.
Todos estavam à sua espera, mesmo sem conhecer e sem saber que Obaluwaiyê era
aquele menino que tinha passado por todas aquelas cidades pedindo emprego e
implorando uma esmolinha sem nunca ter sido atendido. Dito e feito, Obaluwaiyê passou
pela última cidade que foi a primeira em que lhe negaram emprego. Dirigiu-se para a
casa onde lhe bateram a porta na cara negando uma esmola e pediu agasalho. Desta
vez ele foi mais feliz. Não teve nem quem viesse atender. Devido ao estado de saúde em
que todos do lugar se encontravam, as casas amanheciam e anoiteciam com as portas já
abertas.
Logo que Obaluwaiyê entrou nessa casa aconteceu um dos mais verdadeiros milagres.
Todas as pessoas que estavam doentes imediatamente levantaram da cama já curadas.
Reconhecendo a Obaluwaiyê, foram caindo a seus pés pedindo perdão do que tinham
feito. Ele com toda a paciência perdoava e dizia:
– Agora cada um de vocês tem de ir ver uma folha perêgum, pintar com efum osum e
uáje (ingredientes africanos) e em seguida apregar a folha na casa de cada um para que
Olorum tenha compaixão dos moradores desta cidade e isole todo o mal que recaiu sobre
vocês.
Imediatamente foi tudo feito conforme determinação de Obaluwaiyê. A cidade se
normalizou, voltando a funcionar conforme antes da peste ter caído sobre ela. Na tribo de
Obaluwaiyê já sabiam de tudo, porque a fama corria longe. Estavam bastante agoniados
porque ele demorava de chegar. Um dia de segunda-feira, quando menos esperavam,
Obaluwaiyê chegou na tribo de seus pais. Só por saberem que ele tinha chegado todos
os doentes da peste se levantaram já curados.
Foram com os seus próprios pés à entrada da tribo, esperarem Obaluwaiyê com uma
grande manifestação. Daí por diante nunca mais teve uma epidemia tão grande e que
durasse tanto tempo. Obaluwaiyê ficou na terra para cumprir com a determinação
daquela voz que ele ouviu, que foi a voz de Olorum (a voz de Deus). Por este motivo
todos dizem e têm a impressão de que Obaluwaiyê é um Orixá (santo) vivo, e é o
verdadeiro dono da terra e de toda qualidade de peste deste mundo.
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HOMENAGEM
Andréia Lisboa
aos 25 anos dos Cadernos Negros
Um quarto de dores e desejos de tanto
[sóis,
Suportando por luares de preferência
[de todos nós,
Com o Axé e proteção de nossas
[Grandes Mães.
Um quarto de lua crescente e
[aguerrida,
Que germina a terra e engravida de
[esperança
Palavras mágicas, ecoantes de vozes
[silenciadas.
Um quarto de século de negros Poetas
[e Poetisas,
Rompendo com os séculos de
[opressão
Com sua verbosidade, garra e arte.
Um quarto de século de Cadernos
[Negros,
Fonte viva das tessituras da nossa
[memória,
Contemplando e registrando nossa
[cultura ancestral.
PORTO SEM MAR
Jônatas Conceição
Como um rio que não deságua
O porto desta cidade não me transporta.
As cidades sendo como dois rios
Que caminham mas não me encontram.
Cá, nas campinas
O porto inexiste não por faltar o mar
Mas o amar.
O porto da minha cidade
Não me leva a um ponto salvador.
O porto que gostaria que tivesse na minha cidade
Carrego comigo, a procura de um mar.
ORIKI - CADERNOS NEGROS
Thaide
Guerra é o que nosso povo mais conhece.
As guerras dos Palmares, a guerra de Canudos, as guerras das favelas, as
guerras do dia-a-dia.
As armas não eram suficientes para combater o inimigo e as baixas sempre
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formam enormes. Mas hoje é diferente; não é satisfatório, mas é diferente. Estamos
combatendo com armas mais poderosas do que antes e com diversos calibres: Respeito,
Auto-estima, Consciência, Inteligência, Informação. E essa guerra não vai terminar tão
cedo, talvez nunca termine. Eu, como soldado desse exército, sempre saio em busca de
munições e conquistas, mas antes de ir pra batalha, bebo na fonte que me aumenta o
orgulho chamada Cadernos Negros, que me faz maior do que eu sou. Obrigado!
LUANDA
Adão Ventura
Lavrar as palavras
à maneira de Manuel Rui*
- pentear-lhes as sílabas
uma por uma,
- se possível com um pente
de metralhadora
*Manuel Rui, um dos melhores textos da moderna literatura angolana
TRAÇADO
Márcio Barbosa
O traço saído
Ao crespo estilo
Do teu cabelo
Trançado e escuro
Já mora em meu olho
ZUMBI SALDO
Elisa Lucinda
Zumbi, meu Zumbi.
Hoje meu coração eu arranco
Zumbi hoje eu fui ao banco
E ainda estou presa
Escuto os seus sinos
e ainda estou presa na senzala Bamenrindus
Presa definitivamente
Presa absolutamente
à minha conta
corrente.
UM FATO
Cuti
Há poetas negros
cujas palavras
tão alvas
na página se confundem
com o fundo.
97
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RETRATAÇÂO
Adão Ventura
Bela
desejável
atraente
mulher
mulher negra
negra mulher
oprimida
tangenciada
traída e
enxovalhada,
usada.
manipulada
mulher
submissão
negra,
inferiorização
o peito latente
clama
a boca tapada
geme
o coração magoado
anseia
e luta
e sonha
e espera
CABELOS QUE NEGROS
Oliveira Silveira
Cabelo carapinha,
engruvinhado, de molinha,
que sem monotonia de lisura
mostra-esconde a surpresa de mil
espertas espirais,
cabelo puro que dizem que é duro,
cabelo belo que eu não corto à zero,
não nego, não anulo, assumo,
assino pixaim,
cabelo bom que dizem que é ruim
e que normal ao natural
fica bem em mim,
fica até o fim
porque eu quero,
porque eu gosto,
porque sim,
porque eu sou
pessoa, porque sou
pessoa negra e vou
ser mais eu, mais neguim
e ser mais ser
assim.
98
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QUEBRANTO
Cuti
às vezes sou o policial
que me suspeito
me peço documentos
e mesmo de posse deles
me prendo
e me dou porrada
às vezes sou o zelador
não me deixando entrar
em mim mesmo
a não ser
pela porta de serviço
às vezes sou o meu próprio delito
o corpo de jurados
a punição que vem com o veredito
às vezes sou o amor
que me viro o rosto
o quebranto
o encosto
a solidão primitiva
que me envolvo com o vazio
às vezes as migalhas do que
sonhei e não comi
outras o bem-te-vi
com olhos vidrados
trinando tristezas
um dia fui abolição que me
lancei de supetão no espanto
depois um imperador deposto
a república de conchavos no coração
e em seguida
uma constituição que me promulgo
a cada instante
também a violência dum impulso
que me ponho do avesso
com acessos de cal e gesso
chego a ser
às vezes faço questão
de não me ver
e entupido com a visão deles
me sinto a miséria
concebida como um
eterno começo
99
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fecho-me o cerco
sendo o gesto que me nego
a pinga que me bebo
e me embebedo
o dedo que me aponto
e denuncio
o ponto em que me entrego.
às vezes!...
TOTONHA
Marcelino Freire
Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em
quê? Não quero aprender, dispenso.
Deixa pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De falar bonito.
De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu,
aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?
O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o valelingüiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, tá me entendendo? Demente
como um mosquito. Na bosta ali, da cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que
eu. A química.
Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O risco
da poeira? O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Número?
Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais esforço que o
meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem
melhor
bê-á-bá?
Assoletrar
se
a
chuva
vem?
Se
não
vem?
Morrer, já sei. Comer, também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso de
tatu. Adivinhar quando a coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa
paciência!
Será que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só pra mocinha aí ficar
contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga
honestamente. Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente. Quem está atrás do
nome não conta?
No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo menos aqui
todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase não mudo
de roupa, quase não mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.
Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for. Não
tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem
sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende?
Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente é que precisa
saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha cabeça para escrever.
Ah, não vou.
100
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MÚSICAS
QUADRO NEGRO
Simples Rap’ortagem
Acordei de um longo sono, a intensa luz quase me cega
É preciso revelar o que se nega
Se a vida é uma escola toda escola tem seu quadro
Quadro negro, formato quadrado
Nele reescrevo a minha história, faço um diário
Na minha lista negra só tem revolucionário
Marias guerreiras das periferias você tem que ver
Os guerreiros do passado e os atuais do MST
Os homossexuais que resistem com dignidade
Crioulos e indígenas que adentram as faculdades
Se o escuro é feio minha poesia é imunda
Das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda
E por falar em água, me vem na lembrança
O quadro negro na verdade tem a cor da esperança
Que caia um temporal sem pedir licença
E faça desabar essas velhas crenças
Visões estúpidas, espalhadas pelo mundo
Que associou a cor preta a tudo que é imundo
O negro discrimina o próprio negro sim
Se aquele que apontas como negro não se acha assim
Cresceu aprendendo que ser negro é feio
Se é tudo de ruim quem é que quer andar no meio?
Quem escreveu a história do negro nesse país?
Basta ver a cor do giz
Os Reis Faraós do Egito hoje mumificados
Se tirassem suas faixas pudessem ser ressuscitados
Saberia dizer a cor da pele deles sem engano?
Quer uma pista: Egito é um país africano
Não adianta sabermos que não existe raça
Se o conceito predomina e representa ameaça
O hip-hop não nega a mestiçagem, porém
Sabe que ela não trouxe igualdade pra ninguém
Tá vendo o que a herança racista ofereceu?
Se existia escravidão entre africanos antes dos europeus
Era com sentido diferente do que se viu
Não eram vendidos, não tinha caráter mercantil
As tribos guerreavam o grupo perdedor assume
Rendição por questão de honra, de costume
Se há uma cor do pecado ela chegou de mansinho
Espalhando discórdia e ambição pelo caminho
Sua ciência e religião assim disseram com toda calma
É inferior! Pode escravizar que não tem alma
A cor da paz cometeu holocausto aos judeus
Barbárie na inquisição em nome de Deus
Nas Américas, índios foram dizimados
Mas quem sobreviveu está criando um novo quadro
Se na prova der branco na memória
101
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Vamos denegrir a sua mente com a nossa história
A luz do sol ofusca a visão
E a beleza da lua só é possível com a escuridão
A luta pelas cotas não anula a luta pela melhora
Da qualidade de ensino público, tu ignora
Pelo contrário, quanto mais negros na academia
Muito mais força pra se lutar por um novo dia
Racismo, o que mais me causa espanto
Não se encara como problema do branco
Mas entre esses, há os que lutam pelo seu fim
“ah se todo branco fosse assim”
Branquitude, pouco se ouve falar
O que explica o privilégio que sua etnia pode conquistar?
Pra quem nasceu em berço de ouro é difícil entender
Que não é só porque seus pais fizeram por merecer
Foram anos de exploração no passado pra que um dia
A sociedade fosse estruturada a favor de uma minoria
Há os que não admitem cotas julgando serem injustas
Outros julgando serem esmolas, tudo isso me assusta
Pergunto quanto custa superar o engano?
Quanto custa ignorar os direitos humanos?
Muita coisa bonita garante a Constituição
Se esquecida ou ignorada precisa de afirmação
Pretos e brancos são iguais, e daí? Se a norma
Nem no cemitério são tratados da mesma forma
Entenda agora o que são ações afirmativas
Medidas pontuais, alternativas
Medidas passageiras que vem afirmar
Pra sociedade, que há, desigualdades, a reparar
Dos que vivem abaixo da linha da pobreza
70% são negros, que beleza!
Do total de universitários brasileiros
97% são brancos e herdeiros
De uma política que patrocinou para embranquecer a raça
A vinda de 4 milhões de estrangeiros, o tempo passa!
Tudo isso, em 30 anos irmão
Foi o que se trouxe de negros, em 3 séculos de escravidão
Patrocínio com recurso público, o negativo
Para os escravos libertos nenhum tipo de incentivo
Nos mataram, exploraram e depois largaram a toa
Sem emprego, casa, comida, só disseram: vai, voa!
Sem asas e quem sobreviveu tá por um triz
Amontoados nas favelas de todo país
Quantos brancos moram lá? Cê conta no dedos
Agora entenda porque cotas para negros
Refrão
Eu quero bonecas, anjos, apresentadores pretos e pretas
Empresários, juízes, modelos, doutores pretos e pretas
Se querer é uma faceta
Eu quero, desejo, uma elite preta
Uma coisa é pedir outra é conquistar respeito
102
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O fruto de uma conquista dá-se o nome de direito
Olhe pra minha cor, olhe pra nossa luta
Nem esmola nem favor se desigual é a disputa
Entre quem sempre teve privilégio de estudar
Com ensino de qualidade em escola particular
E querer comparar com ensino público e a situação
Tele-aula, aceleração
Vestibular pra faculdade pública o esquema é raro
Com cotas ou não só entra quem tem preparo
Não serão as cotas que terão o privilégio de inaugurar
A presenças de alunos educados pra manguear
Vestibular das particulares tomou a frente, foi mais ligeiro
Freqüentemente só basta ter dinheiro
Quem concorrer pelas cotas vai se deparar legal
Com uma concorrência enorme mas não desleal
Desleal é a condição que o jovem negro encara
Fusca para ele, Ferrari para os de pele clara
Competirem com as mesmas regras, maldade
É isso que eles chamam de igualdade
Engraçada essa gente da estética
Ter instrução em excesso nunca foi sinal de ética
Será mesmo a suposta elevação intelectual
Que garantirá a formação, de um bom profissional?
Não subestime a inteligência dos excluído desse milênio
A faculdade do crime só tem gênio
A elite é quem decide em âmbito nacional
Se nossa inteligência será usada para o bem ou para o mal
Tanto tempo buscando debate ninguém se importou
A cota de tolerância do meu povo já se esgotou
A Simples Rap’ortagem revela para o Brasil
Com cotas ou não vestibular é funil
Com cotas ou não vestibular é peneira
Quem concorrer pelas cotas mas não for bom vai levar rasteira
Que vença o melhor...chega a ser hilário
A prova é uma só os concorrentes que são vários
Quem se afirmou, como provar se é negro ou não?
De uma vez por toda pra se resolver a questão
O cassetete da PM tem dispositivo de elite
Nunca erra quem é negro, acredite!
Refrão
Cuidado quando alguém te incita
A ir a um show onde só tem gente bonita
Olhe sempre com reservas, pra mim o que interessa
É saber que gente bonita é essa
Analise os termos que deixaram pra gente
Entre pardo e mulato qual o mais indecente?
Qual o menos prejudicial?
Ter a identidade de mula ou de pardal
Mas pêra aê, veja que pirraça
Pardal não é aquele passarinho que não tem raça?
Que perambula pelas praças, dizem sem valor
Pássaro sem vocação pra cantor
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Vira-lata, a mula é um animal
Mão de obra barata, estéril, irracional
Só serve para o trabalho mas não para produzir
E aí cumpade, tu se encaixa mesmo aqui?
Nem parda, nem mulata eu me defino politicamente
Sou negra, ou se quiser afro-descendente
Cuidado, que eu tô em pele de cordeiro
Do tipo que da coice, afro-brasileiro
Deveria ser executado com um tiro de bazuca
O criador do personagem “negra maluca”
Eu sou sério demais? Não vá se preocupar
Herdei da minha gente o talento pra contrariar
Contrariando, tu vai sim me ver sorrindo
Mas o hip-hop superou o discurso do “negro é lindo!”
A quem interessa? Eu digo a quem pensou
Que eu seria só mais um com vocação pra tambor
Se respeito é bom, não nos leve a mal
Quem vos fala é um skatista, uma pedagoga e cientista social
Da Universidade Federal da Bahia
Detalhe, quem diria, na terra do “é só alegria!”
Se denegrir é tornar negro irmão
Vamos denegrir a faculdade de comunicação
De direito e muito mais
Vamos denegrir os órgãos oficiais
Refrão
A manchete da Simples Rap’ortagem estampa
Um novo quadro negro se levanta
Há muito a ser contado sobre os nossos ancestrais
Não deixar passar em branco, tarefa nossa rapaz
Se ligue, há muito a ser feito
O importante nego é fazer do nosso jeito
(http://www.youtube.com/watch?v=dtZC86NZYpk)
ALIENAÇÃO
Ilê Aiyê (Mario Pam & Sandro Teles)
Se você está a fim de ofender
É só chamá-lo de moreno pode crê
É desrespeito a raça é alienação
Aqui no Ilê Aiyê a preferência é ser chamado de negão (2 x = feminino)
A consciência é o objetivo principal
Eu quero muito mais
Alem de esporte e carnaval, natural.
Chega de eleger aqueles que tem
Se o poder é muito bom
Eu quero poder também
(refrão)
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O sistema tenta desconstruir
lhe afastar de suas origens
Pra que você não possa interagir, construir.
Já passou da hora de acordar
Assumir sua negritude é vital para prosperar
Ser negro não é questão de pigmentação
É resistência para ultrapassar a opressão, sem
pressão.
Lutar sempre igualdade e humildade
Vou subir de Ilê Aiyê
E mudar toda cidade
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Sobre as Autoras
Letícia Maria de Souza Pereira
Mestre em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras e
Lingüística da Universidade Federal da Bahia (UFBA), graduação
em Letras Vernáculas (bacharel e licenciada) pela UFBA. Vicecoordena, desde 2005, o Programa Conexões de Saberes: diálogos
entre a universidade e as comunidades populares (PROEXTUFBA/SECAD-MEC) e participa do projeto de pesquisa
EtniCidades: intelectuais e escritores/as negros/as pelo Instituto de Letras da UFBA.
Fabiana de Lima Peixoto
Possui Mestrado em Letras (Letras Vernáculas) pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2001) e graduação em Letras pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1995). Atualmente, é
professora titular do Colégio Pedro II (RJ) e doutoranda em Estudos
Étnicos e Africanos (Centro de Estudos Afro-orientais, UFBA). Tem
experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira
e Literatura afro-brasileira, atuando principalmente nos seguintes
temas: afrodescendências; memórias orais, identidades culturais,
formação de leitores, literatura brasileira, literaturas africanas de
língua portuguesa e literatura afro-brasileira.
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Literatura Afro-Brasileira