INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E SOCIEDADE
Dez anos depois: como vai você, Rio de Janeiro?
André Urani
IETS e IE-UFRJ
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Há cerca de uma década, o Rio viveu uma série de tragédias (Acari, Vigário Geral,
Candelária) e reagiu. De diferentes formas: a Ação da Cidadania contra a Fome do Betinho, o
Plano Estratégico da Cidade, o Movimento Viva Rio, o Grupo Cultural Afro Reggae, o programa
Favela-Bairro, o disque-denúncia etc. Diferentes esferas de governo, setor privado e sociedade
civil se mobilizaram em torno de múltiplas iniciativas para procurar reverter aquilo que parecia
ser um círculo vicioso de decadência econômica, política e social, crescente violência e deterioração
da qualidade de vida, ampla geral e irrestrita.
Hoje, a imprensa compara o medo em que vive a população da cidade do Rio com o de
Bagdá sitiada e bombardeada pelas tropas aliadas. Assassinato estúpido de Tim Lopes, segundafeira sem lei, tiros e bombas nos principais pontos turísticos da cidade, tiroteios constantes que
paralisam as principais vias de transporte, banalização das mortes por bala perdida, crescente
sensação de que a situação fugiu de controle...
Continuamos na estaca zero? Avançamos? Regredimos? O que deu certo? O que deu
errado? O que podemos aprender de nossos erros e acertos?
O IETS – Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade – convidou um amplo e
diversificado grupo de atores para fazerem, neste número do Boletim Rio de Janeiro – Trabalho
e Sociedade, um balanço crítico do que ocorreu no Rio de Janeiro durante esse período. Também
apresentamos uma análise da evolução dos principais indicadores econômicos e sociais, com
base nas pesquisas domiciliares do IBGE.
A economia do Rio cresceu, como sublinham Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, Marcílio
Marques Moreira e Tito Ryff. Mas a indigência, apesar disso, aumentou – como mostramos
em nossa análise dos indicadores sócio-econômicos elaborados a partir de tabulações especiais
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE). Isso porque foi um
crescimento acompanhado de um aumento da concentração de renda: os oito décimos inferiores
da distribuição diminuíram sua participação na renda, em favor do aumento apenas do décimo
mais rico. Para Wellington Moreira Franco, “o crescimento de nada vale se não beneficiar o
conjunto da sociedade, se ele não for usado como ferramenta para oferecer a todos os cidadãos
iguais oportunidades”.
DEZ ANOS DEPOIS: COMO VAI VOCÊ, RIO DE JANEIRO? - ano 3 - nº 5 - março 2003
Isso talvez explique (pelo menos em parte) porque a violência continua aí, apontada por
quase todos os que contribuíram para esse número do boletim como sendo, ainda, o nosso maior
problema.
Os dados do ISER, apresentados por Rubem César Fernandes em seu artigo, mostram,
contudo, que a taxa de homicídios (por 100.000 habitantes) em 2002 era pouco mais da
metade da registrada em 1994. Esta melhora se deu de forma praticamente contínua, ao longo
do período. Mas seu ritmo foi decrescente e a tendência resulta ter se invertido no ano passado
– apesar dos investimentos nesta área terem aumentado substancialmente nos últimos anos.
A melhora dos indicadores, porém, não parece ter se traduzido num menor sentimento
de insegurança por parte dos cariocas e fluminenses. Para José Júnior, “o tráfico de drogas
deixou de ser uma coisa de homem e passou a ser uma coisa de criança”, ao mesmo tempo em
que, “pra algumas pessoas, o herói dos seus filhos está no Palácio da Justiça, em Bangu”. Segundo
Jailson de Sousa e Silva, “faz-se necessário, mais do que nunca, reconhecer que violência criminosa,
em particular a do tráfico de drogas não é algo intrínseco às favelas, mas parte da dinâmica
social da cidade”. Para Ângelo Márcio da Silva, “não existem mais duas cidades, asfalto e favela,
o Rio de Janeiro é uma favela; a maioria das coisas que existiam no morro, atualmente, vemos
no asfalto”. E não é no bom sentido: nas palavras de Aydano André Motta, “emergente mesmo,
só a violência”. Tanto ele quanto Arnaldo César sustentam a idéia de que a ineficiência dos
gastos na área de segurança deve-se à cumplicidade entre as autoridades constituídas (em
diferentes esferas) e o poder paralelo (também em diferentes esferas).
No entanto, quase todos também sustentam que, embora ainda seja difícil colocar os três
níveis de governo para atuarem conjuntamente de forma eficaz, houve uma melhora no perfil
do setor público. Segundo José Júnior, “pessoas como a gente ocupando cargos fundamentais
pela primeira vez. Gente como a gente ou gente que trata gente como gente”.
Mas não é só o setor público que está se mexendo. Para Zuenir Ventura, “nunca tantos
movimentos sociais - ONGs, igrejas, associações - trabalharam tanto quanto agora pela inclusão
e contra a violência”. Programas e projetos não faltaram, mas – como assinala Marta Porto – não
se transformaram em processos. Sobraram iniciativas, mas, como ressaltam a própria Marta,
Arnaldo César e Rubem César, faltou inteligência para evitar sobreposições, para aumentar a
articulação, a eficácia e a eficiência e para dar sustentabilidade a estas políticas. E, como chama
a atenção Ângelo Márcio da Silva, faltou mais amplitude e profundidade à incorporação dos
beneficiários, na ponta, na formulação e na gestão destas políticas.
A “centralidade natural” do Rio de Janeiro, assinalada por Marta, César Maia, Sérgio
Magalhães e Tito Ryff é hoje refém de nossa incapacidade de sairmos da lógica dos projetos para
a dos processos.
Quiçá isso se deva à nossa autocomplacência, por vivermos num lugar tão maravilhoso –
como assinala Marcos Sá Correa. O que não significa que nossa cidade, ao contrário do que
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fomos acostumados a acreditar, seja maravilhosa. “O problema é que cidade nenhuma pode ser
maravilhosa pela própria natureza. Cidade é um artefato humano”, escreve Marcos. E, enquanto
tal, resultado de um processo histórico, político, econômico e social.
Estamos dilapidando a vantagem comparativa de vivermos num lugar tão bonito porque
não somos capazes de equacionar os problemas do saneamento básico, como é ressaltado por
César Maia, e o da definição dos direitos de propriedade, como levanta José Marcio Camargo.
O simples fato de quase todos os que foram convidados terem aceitado o convite para
escrever neste boletim é um sintoma de que as coisas não andam tão mal assim. Existe, pelo
menos, uma vontade latente e generalizada de se discutir o Rio de Janeiro - não apenas para
compartilhar angústias, mas para correr atrás de soluções.
Falta um espaço para esse debate poder se dar, de forma aberta, democrática, participativa
e sistemática, como advogam, entre outros, Pedro Cláudio Cunca Bocayuva Cunha, Fernanda
Carísio e Arnaldo César. Em que representantes dos mais diversos segmentos da sociedade
carioca e fluminense (diferentes níveis de governo, universidades, órgãos de pesquisa, outras
organizações não governamentais, sindicatos de trabalhadores, associações empresariais, lideranças
comunitárias e imprensa) possam, passo a passo, se despir de seus preconceitos recíprocos,
aprender a ouvir a verdade do outro e construir consensos que dêem origem a pactos em torno
das diretrizes das políticas de longo prazo que se fazem necessárias para superar nossos principais
problemas estruturais: a desigualdade, a violência, a pobreza, a insuficiência da estrutura de
saneamento básico etc.
Algo que se pareça, em alguma medida, aos primeiros momentos do Plano Estratégico
da Cidade do Rio de Janeiro (dos quais muitos de nós participamos), descrito por Rodrigo
Lopes, que o dirigiu. Mas que seja capaz de ir além, no sentido de manter a mobilização da
sociedade em torno das metas pactuadas, de seu monitoramento contínuo, de sua avaliação e
de seu redesenho.
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