PODER SEM DEUS X DEUS SEM PODER “Onde o poder impera, não há amor, e onde o amor impera os poderes não contam” (Jung) Na experiência de fé de muitas pessoas, a imagem de “Deus”, muitas vezes, não se associa com a idéia de “felicidade”. De fato, são muitos os que vêem em Deus um autêntico rival da própria felicidade, pois eles costumam relacionar Deus com a proibição de muitas coisas ou com a obrigação de fazer outras coisas que lhes são pesadas e desagradáveis. E, sobretudo, para muitos, “Deus” é uma ameaça, uma proibição constante, uma censura, um juiz implacável com o código de leis nas mãos... enfim, uma carga pesada que complica a vida, tornando-a sem sabor e sem sentido. Além disso, muita gente vê em Deus a imposição de verdades que não compreende, a limitação da própria liberdade, a necessidade de submeter-se a poderes e autoridades que lhe causam repugnância... E, para culminar, tal imagem negativa e pesada de Deus atua sobre a consciência, acentuando os escrúpulos, fomentando divisões e enfrentamentos, comportamentos de caráter obsessivo, práticas piedosas carregadas de moralismo e expiação, e outras patologias. Ninguém duvida que a Igreja, ao longo dos séculos, sempre ensinou que Deus é essencialmente o Pai de bondade e de misericórdia, proximidade e ternura para com os seres humanos. No entanto, também desde os primeiros séculos, essa imagem de Deus foi se esvaziando, quando muitos cristãos, formados na cultura helenista, se persuadiram de que o essencial e determinante em Deus não é a bondade, mas o poder. Com isso, “o Deus de uma determinada filosofia acabou substituindo o Deus de Jesus” (G.Faus) A conseqüência foi o deslocamento da primazia do “Deus de amor” para a primazia do “Deus de poder”. Deus, portanto, já não é o Pai misericordioso, senão o Transcendente que se compreende a partir do poder, da imensidade, da onipotência e tudo o que supera infinitamente o ser humano. Como conseqüência, a relação com Ele já não é mais vivida a partir da bondade e do amor, mas a partir do poder, da grandeza, da majestade, da força que impressiona, da autoridade que se impõe e manda, da ameaça que causa medo e assusta a todos. Mas, o Deus que Jesus nos revelou, questiona radicalmente as imagens de poder e grandeza que o ser humano tende a formular sobre a divindade. O “Deus de Jesus” entra em conflito com nossos desejos de onipotência, de imortalidade, o desejo de poder e domínio; há em nós uma radical resistência em assumir a nossa própria condição humana. É a eterna tentação do “sereis como deuses”, presente já no início da história humana. O Deus que se revela em Jesus é compreendido a partir da “fragilidade”, da “fraqueza”, do “sem poder”. De fato, segundo S. Paulo, a sabedoria de Deus se manifestou não no exercício do poder, mas na loucura e no escândalo da Cruz (1Cor. 1,23-25). É na debilidade extrema do Crucificado que podemos entender o sentido da Grandeza de Deus, não como domínio da força sobre a fragilidade, mas como uma expressão de amor. Não encontramos em Jesus Crucificado o “Deus do poder” que se impõe, senão o “Deus do amor” que se expõe à maior das fragilidades. O Deus que Jesus nos revelou é o Deus que se faz presente no pequeno, no simples, naqueles que não tem voz e nem vez neste mundo. Não é o Deus do poder absoluto, nem o Deus que exige obediência e submissão àqueles que se apresentam como representantes do divino. Esta identificação de Deus com cada ser humano não vai na linha do poder que se impõe, mas na direção do amor que se faz oferta. Deus revela sua transcendência não no poder que tanto buscamos, mas na humanidade da qual queremos constantemente escapar. O Deus de Jesus é o Deus que responde e corresponde aos anseios de respeito, dignidade e felicidade, que todos trazemos inscritos no sangue de nossas vidas e nos sentimentos mais autênticos e nobres. O Deus Misericordioso não impulsiona ninguém a desejar poderes, por mais divinos que sejam. Ele é o Deus que só legitima a identificação e a compaixão com o destino das vítimas deste mundo. No evangelho de hoje, os fariseus revelam uma confusão de “poderes” ao dirigirem uma capciosa pergunta a Jesus sobre se é lícito ou não pagar o imposto a César. Jesus, que não vivia a serviço do imperador de Roma, senão “buscando o Reino de Deus e sua justiça”, acrescenta uma grave advertência sobre algo que ninguém lhe perguntou: “daí a Deus o que é de Deus”. A moeda que representa o Imperador César, tem um valor relativo, mas o ser humano tem um valor absoluto, porque é imagem e semelhança de Deus. A moeda traz a “imagem” de Tibério, mas o ser humano é “imagem” de Deus: pertence só a Deus. As pessoas nunca podem ser sacrificadas a nenhum poder. Jesus não põe Deus e César no mesmo nível, senão que toma partido por Deus. César se impõe (imposto) pelo poder, que oprime e exclui; Deus não se impõe (não é imposto); faz-se dom, se esvazia de todo poder e se aproxima de nós, se faz comunhão. O relacionamento entre o ser humano e Deus dá-se na esfera da mais pura liberdade, lá onde as decisões são ditadas pelo amor. Normalmente utiliza-se a frase “daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” para justificar o poder. Se algo está claro no evangelho é que todo poder é nefasto porque massacra o ser humano. Repetiu-se com insistência que todo poder vem de Deus. Pois bem, segundo o Evangelho, nenhum poder pode vir de Deus, nem o político nem o religioso. Em toda organização humana, o que está mais acima está ali para servir aos outros, não para dominar e submeter os outros. Jesus não busca defender os interesses de Deus frente aos interesses de César, senão defender o ser humano de toda escravidão; Ele não está propondo uma dupla tarefa para os humanos, mas a única tarefa que lhe pode levar à sua plenitude: servir ao outro. Jesus deixa muito claro que César não é Deus, mas nós nos apressamos em converter a Deus em um César. É preciso ter clara consciência que Deus não é um César superior e que nem atua como César. Quando alguém atua com poder, atua como um César. A frase do Evangelho também foi entendida como que é preciso estar mais dependente do “César religioso” do que do “César civil”. Nenhum exercício do poder é evangélico. Não há nada mais contrário à mensagem de Jesus que o poder. Nenhum ser humano é mais que outro nem está acima do outro. “Não chameis a ninguém de pai, não chameis a ninguém chefe, não chameis a ninguém senhor, porque todos vós sois irmãos”. A única autoridade que admite é o serviço. Não se trata de repartir atribuições, nem sequer com vantagens para Deus. Deus não compete com nenhum poder terreno, simplesmente porque Deus não atua a partir da categoria de poder. Além disso, todo aquele que procura atuar com o poder de Deus, está se enganando. Jesus nunca defendeu o poder senão as pessoas, sobretudo àqueles que mais precisam de defesa: marginalizados, explorados, excluídos... A única maneira de entender todo o alcance da mensagem de hoje é superar a imagem de Deus que estamos arrastando há muito tempo. Deus, ao criar, não se separa da criação. A Criação é o transbordamento do coração de Deus. Não há nada que não seja de Deus, porque nada há fora d’Ele. O ser humano é o grau máximo da presença de Deus na Criação. Somos criaturas de Deus, a Ele pertencemos totalmente. Texto bíblico: Mt. 22,15-21 Na oração: Quem é o “senhor” que move meu coração? - Deixar Deus desalojar os “césares” que carrego em meu interior. FONTE: CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade Inaciana Rua Professor Alfredo Gomes, 32 Botafogo – RJ / 22251-080 Tel.: +55 21 2246-4300 / 21 2266-4700 www.ceijesuitas.org.br