Como funciona um micro-ondas? Mais um post convidado, desta vez de Jorge Páramos, astrofísico do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico, que nos oferece um texto delicioso em d ua s partes sobre micro-ondas. A técnica da barriga Fome. Gula. Vontade de comer. Eis o que sempre afligiu o Ho mem, muito antes da chegada dos computa dores, telemó ve is, aviões e outras proezas tecnológicas. Como tal, não espanta que o génio inventivo huma no se tenha tantas vezes direccionado para a comida: a descoberta do fogo levou à invenção da culinária; a a gric ultura aumentou drasticamente a qualidade de vida dos a ntigos nómadas caçadoresrecolectores, e levou à extinção de umas espécies e à domesticação de outras; o sal, condimento supremo, e ra utilizado como pa game nto pelos heb reu s e romanos, daí a palavra " salário" . Mesmo os Descobrimentos, que tanta glória trouxeram a Po rtu gal, não teriam oc orrido se não houvesse c omida en volvida: trouxemos novos mundos ao Mundo, mas como metáfora l ite ralmen te, t rouxe mos as especiarias. E que di ze r de Maria An tonieta, mulher de Luís XVI, que teve a rep utação e stra ga da po r su gerir q ue o po vo comesse brioche s? Jantar romântico Vermont) para um (Crédito: Creative Chocolates of Portanto, não será de estranhar que mesmo a ciência moderna encontre imensas aplicações na já milenar arte culinária. Para cada ramo da ciência, encontramos uma aplicação tecnogastronómica: • a termo dinâmica originou o frigo rífic o, mas também ape rfeiçoo u o fogão a gás, sem esquece r apanela de pressão; • a electricidade to rnou o fogã o eléctrico; • a mecânica remove os cheiros e vapo res atravé s do exau stor; • a ciênc ia d os mate riais re ve ste as frigideira s com Tef lon e derivados, e suporta os tachos em placas vitrocerâmicas; • mesmo a física da radiação se tornou útil, com o comando da televisão a emitir sinais infravermelhos, impedindo interrupções incómodas à sagrada hora do jantar. Mas seria graças a um acidente de trabalho que as radiações penetrariam mais profundamente no nosso quotidiano... Radares e chocolate Gostamos de ter comida perto. Mas preferimos ter aviões inimigos longe. Esta última preocupação motivou uma das grandes revoluções da na vegação marítima e aérea, bem c omo da arte da guerra: a invenção d o radar. O primeiro radar micro-ondas do mundo, criado pelo grupo do engenheiro William Hansen em 1941, Nova Iorque (Crédito: Unisys Corporation) Este d ispositivo recorre a uma ideia ext ra ordi nariamen te simples: tal como um morcego utiliza as ondas de som para se localiza r, ded uzindo a po sição das paredes que o ro deiam atravé s dos tempos de chegada dos diferentes ecos, também podemos recorrer a u ma onda apropriada pa ra detectar a prese nça de objectos distantes. Mas não uma onda sonora (embora debaixo de água tal seja possível, como o sonar demonstra); temos de utilizar uma onda electromagnética (ou seja, luz) apropriada. A sigla RADAR significa RAdio Detection and Ranging detecção e medição de distâncias por rádio; a pesquisa iniciou-se em 1905 com este tipo de ondas. No entanto, cedo se compreendeu que as ondas rádio não permitiam um alcance muito longo, dada a sua dispersão. Optou-se por ondas electromagnéticas com f requências (logo, energias) maiores, entre um e trezentos Giga Hertz. A estas corresp ondem comprimentos de onda mais pequenos (obtidos dividindo a ve locida de da luz pela frequência ), entre trinta centímetros e alguns milímetros: por esta razão, esta gama é designada de micro-ondas. A utilização bélica do radar foi estimulada pela ameaça e e ventual início da Se gunda Gue rra Mundial; assim, todas as partes se empenharam activamente em inventar os radare s mais pote ntes e com o melho r alcance. Um d os in vestigadore s mais inspirado foi o ame rica no Pe rc y Sp ence r, que trabalha va para a empre sa militar Raythe on; desenvo lvia os chama dos magnetrões, podero sos instru mentos de geração de microondas para uso nos radares. Um dia, em 1945, viuse atarefadíssimo e sem tempo para comer, quanto mais cozinhar tinha um chocolate no bolso. De repente, sentiu algo quente e pastoso e, para seu espanto, descobriu que este tinha derretido! Perspicaz como sempre, relacionou o fenómeno com o feixe de microondas em que estava a trabalhar. Para confirmar a sua hipótese, colocou milho (e, talvez, as mãos!) em frente ao raio emitido, e pum! pipocas instantâneas. Seguiram-se outras experiências, incluindo ovos a explodir na cara dos colegas, água a espirrar para fora do copo, etc. Percy Spencer, o inventor do forno micro-ondas (Crédito: Raytheon Company) Boas vibrações Intuitivamente, compreendemos que o magnetrão emitiu um raio ene rgé tico, e que esta energia aqueceu o chocolate e outros alimentos atingidos. No entanto, esta explicação nã o che ga: as parede s do la boratório nã o de rre tera m, nem o a r ambiente aqueceu. De algum modo, uma característica dos materiais orgânicos distinguia-os dos demais objectos. Podemos pensar que os compostos de carbono necessários à vida estão relacionados com o fenómeno. Mas estes não estão em maioria no nosso corpo, num pedaço de pão ou copo de sumo. De facto, o aparente truque devese à á gua q ue todos os alimentos co ntêm. Uma molécula de água é constituída por dois átomos de h id rogé nio (H) e um de oxigén io (O), como a prendemos; e stes ordenam-se numa estrutura fixa, em que os dois átomos de H estão de um lado e o átomo de O no outro. Visto que o oxigénio tem uma maior electrone gatividade que o hidrogénio (isto é, uma maio r capacidade de atrair electrões), concluímos que a molécula de água é polarizada: os electrões não se distribuem uniformemente à sua volta, mas preferem circular mais perto do átomo de oxigénio. Um CD depois de alguns segundos no forno micro-ondas: os padrões concêntricos e radiais devem-se ao derretimento da superfície plástica devido a arcos eléctricos formados no filme metálico no interior do disco (Crédito: www.istockphoto.com) Se for sujeita a um campo eléctrico, uma molécula de água irá reagir como um dipolo, orientando-se de acordo com a direcção do campo aplicado, como uma bússola aponta um íman. Se aplicarmos um campo eléctrico fixo, o dipolo reorienta-se apenas uma vez, estabilizando tal como uma agulha magnética pára depois de " encont ra r" o norte (ou o íman mais pró ximo). Mas se a molécula de á gua sentir u m campo eléctrico que varie muito no tempo, trocando de sentido com grande rapidez (isto é, frequência elevada), nunca conseguirá equilibrar-se, oscilando continua mente. Para este efeito, surgem as ondas electromagnéticas (como as micro-ondas, infra ve rmelhos, lu z visível, raios X, etc.): estas são constituídas pelo campo magnético (aqui irrelevante) e eléctrico, trocando de sentido de acordo com a frequência da onda. A dança das moléculas Uma molécula sozinha não encontra resistência nenhuma ao movimento, conseguindo reorientar-se rapidamente na direcção de qualquer campo eléctrico aplicado. No entanto, na presença de outras moléculas, o dipolo da água encontra resistência conforme se tenta realinhar; e sta fricção leva a que pe rca energia para a s moléculas vizinhas, mesmo que não sejam fortemente polares e, portanto, não reajam directamente a uma força eléctrica. Se aplicarmos uma onda elect romagnética de frequênc ia elevada, temos assim um excelente mecanismo de transmissão contínua de energia de uma substância contendo moléculas polares: o chamado aquecimento dieléctrico ou capacitivo. Podemos julgar que quanto maior for a frequência, mais rápido será o aquecimento. No limite, as radiações podem ser tão fortes que ionizam os átomos ou moléculas (conseguindo "arrancarlhes" electrões), modificando as propriedades físico-químicas do composto. Imagem sintética da velocidade dos ventos, medida pelo moderno radar de microondas SeaWinds, a bordo da sonda Quick Scatterometer, da NASA (Crédito: NASA) Qual a temperatura do vácuo absoluto, isto é, de uma zona sem átomos nem moléculas, completamente vazio? Zero. Aquilo a que chamamos de temperatura é uma manifestação macroscópica dos movimentos desordenados dos constituintes da matéria em causa (sólida, líq uida ou gasosa ). Assim, a temperatura do ar é elevada quando os raios do Sol provocam um movimento muito rápido das moléculas; reciprocamente, fica frio quando estas diminuem a sua dança louca e aleatória. A fricção devido à oscilação de muitas molécula de água próximas resulta então num aumento da temperatura da água como um todo. Como os alimentos contêm água, a sua exposição a microondas irá aquecê-los! Outras substâncias polares são também afectadas, como as gorduras - embora em escala mais reduzida, dada a sua menor polarização. Fonte: Bloge De Rerum Natura Data: Março 2008