A (DIFÍCIL) RELAÇÃO ENTRE
ECONOMIA SOLIDÁRIA E
TECNOLOGIA
VII Congreso Internacional Rulescoop
Economía social: identidad, desafíos y estrategias
Valencia-Castellón (España), 5-7 de Septiembre de 2012
Ednalva Felix das Neves
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Economista, Mestre em Política Científica e Tecnológica
Doutoranda em Desenvolvimento Econômico
RESUMEN
A tecnologia está presente em vários momentos e espaços do cotidiano
moderno. Existem várias formas de definir tecnologia, mas a este trabalho serve a
definição de tecnologia é “o conjunto de conhecimentos aplicados pelo homem para
atingir determinados fins” ou a “ciência ou teoria da técnica” (Sandroni, 1999).
A tecnologia tem sido uma forte aliada das empresas ao possibilitar aumentar
seu lucro. Desta forma, não existe dificuldades em relacionar tecnologia e empresa
capitalista. No entanto, quando se fala de Empreendimentos de Economia Solidária
(EES), esta relação é bastante difícil, e até porque não dizer, conflituosa. Isso
porque, de acordo com os pensadores da ES, ela se baseia em três princípios
básicos: solidariedade, cooperação e autogestão. Porém, os EES estão inseridos no
mercado capitalista, que funciona com base na concorrência. Desta forma, parece
inegável que os princípios sustentados pelos EES vão de encontro às exigências do
mercado capitalista.
O objetivo deste artigo é explorar elementos que contribuam para a
compreensão da relação existente entre EES e tecnologia, como a questão da
concorrência e da divisão do trabalho. Ele terá como principal base as discussões
propostas por Schumpeter, para tratar da relação entre EES e ambiente externo, e
Taylor, para tratar da relação entre tecnologia e ambiente interno dos EES.
PALABRAS CLAVE
Economia Solidária; Tecnologia; Concorrência; Mercado; Princípios da Economia
Solidária
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
1. HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E A REALIDADE ATUAL DA ECONOMIA SOLIDÁRIA
2. A RELAÇÃO ENTRE A TECNOLOGIA E AMBIENTE PRODUTIVO
2.1. Mudanças econômicas e sociais relacionadas às mudanças tecnológicas
3. O AMBIENTE EXTERNO DOS EMPREENDIMENTOS
4. O AMBIENTE INTERNO DOS EMPREENDIMENTOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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INTRODUÇÃO
A tecnologia está presente em vários momentos e espaços do cotidiano
moderno: seja em viagens, comunicação, produção, consumo, abastecimento,
serviços e até mesmo para momentos de lazer e diversão. Dickson (1980: xi)
salienta que “a tecnologia tem se convertido em algo que é parte integrante de
nosso mundo social e elemento essencial em quase todos os campos das atividades
cotidianas”. Fica evidenciado, portanto, que a tecnologia é uma forte aliada para os
empreendimentos produtivos.
Para as empresas convencionais/capitalistas, a relação destas com a
tecnologia não parece gerar grandes problemas, ao contrário, a tecnologia tem
sido, de fato, uma forte aliada das empresas, para enfrentar a concorrência,
conforme demonstra Schumpeter (1997). O mesmo não pode ser dito quando se
trata dos Empreendimentos de Economia Solidária (EES). Neste caso, existem
fortes conflitos inerentes aos princípios da Economia Solidária (ES) e a tecnologia,
em especial, quando se considera a questão da inovação tecnológica; isso porque a
inovação tende a ser uma forte aliada das empresas para competir no mercado
capitalista. Esse conflito só fica claro quando se considera que os EES atuam com
base em princípios de cooperação, solidariedade e autogestão (princípios estes
diferentes da competição, do individualismo, adotados pelas empresas
“inovadoras”).
O objetivo deste trabalho é iniciar uma discussão sobre a “conflituosa” relação
entre a Economia Solidária e a tecnologia, em especial, quando se considera a
questão da inovação tecnológica.
Na seção a seguir, será apresentada a discussão sobre a Economia Solidária,
buscando situar o leitor sobre o que é a ES, seus princípios e histórico. Na segunda
seção será apresentada a questão da tecnologia, buscando relacioná-la com a ES.
1. HISTÓRICO, PRINCÍPIOS
SOLIDÁRIA
E A REALIDADE ATUAL DA ECONOMIA
Existem várias tentativas de definir o que é Economia Solidária. Para Singer, a
ES se configura como sendo um “conjunto de experiências coletivas de trabalho,
produção, comercialização e crédito, organizadas por princípios solidários e que
aparecem sob diversas formas: cooperativas e associação de produtores, empresas
autogestionárias, bancos comunitários, clubes de troca e diversas organizações
populares e urbanas e rurais” (Singer, 2000).
Para o autor, a importância da ES está no fato dela ser uma outra forma,
alternativa, de produção e distribuição que socializa os meios de produção e a
renda gerada por meio da atividade produtiva. Ele destaca ainda que os princípios
básicos da ES são: posse coletiva dos meios de produção, divisão dos excedentes
entre todos os cooperados e gestão coletiva (Singer, 2000 e 2002).
A SENAES (2006) define ES de maneira bem parecida. Para ela, trata-se de
“um conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo,
poupança e crédito, organizadas e realizadas de forma solidária, por 'por
trabalhadores e trabalhadoras sob a forma coletiva e autogestionária'”.
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A definição de Cruz vai no mesmo sentido. O autor também define ES como
sendo:
O conjunto das iniciativas econômicas associativas nas
quais (a) o trabalho, (b) a propriedade de seus meios de
operação (de produção, de consumo, de crédito etc.), (c) os
resultados econômicos do empreendimento, (d) os
conhecimentos acerca de seu funcionamento e (e) o poder de
decisão sobre as questões a ele referentes são
compartilhados por todos aqueles que
dele participam
diretamente, buscando-se relações de igualdade e de
solidariedade entre seus partícipes (Cruz, 2006: 89).
Para Dagnino, a ES representa a materialização da crítica verbal ao
capitalismo e à exclusão social, isso porque:
Ao proporcionarem a criação de oportunidades de
trabalho e renda numa economia que cresce sem gerar
emprego, os empreendimentos autogestionários não apenas
oferecem uma possibilidade de inclusão social como indicam
aos excluídos a forma como, através da sua ação solidária, é
possível construir alternativas ao circuito formal, controlado
pelo capital (Dagnino, 2008).
De acordo com alguns teóricos defensores da ES, ela se baseia em três
princípios básicos: solidariedade, cooperação e autogestão. Além disso, precisa
indicar a possibilidade de atividade econômica que gere trabalho e renda para os
trabalhadores (SENAES, 2006).
Cooperação: para Nascimento (2005: 11) a palavra “Cooperar” vem do latim
– “cum operari” – e significa “trabalhar conjuntamente com alguém”. De acordo
com o autor, Owen foi o primeiro a utilizar a palavra “cooperação”, em 1821, numa
tentativa de criar uma oposição ao sistema individualista e à concorrência, típicos
da economia capitalista. Era sinônimo de socialismo ou “comunismo”. Para a
SENAES (2006:11) cooperar significa ter “interesses e objetivos comuns, união dos
esforços e capacidades, propriedade coletiva parcial ou total de bens, partilha dos
resultados e responsabilidade solidária diante das dificuldades”.
Solidariedade: Laville (2009: 301) define solidariedade de duas formas: 1)
como filantropia, isto é, uma “sociedade ética na qual os cidadãos, motivados pelo
altruísmo, cumprem seus deveres uns para com os outros voluntariamente” – atos
de caridade, por exemplo; 2) como ações firmadas sob o “princípio de
democratização societária, resultando de ações coletivas”, o que pressupõe a
igualdade entre as pessoas.
Autogestão: de forma resumida, trata-se de uma gestão feita em conjunto
pelos trabalhadores, isto é, sem a figura de um patrão, de um chefe ou supervisor.
Todos os trabalhadores são responsáveis pelo processo produtivo, pela gestão e
pela tomada de decisão (SENAES, 2006).
Na teoria, os três princípios indicariam uma grande conquista da classe
trabalhadora. Basta lembrarmos que o próprio Marx defendia a formação de
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cooperativas como forma dos trabalhadores criarem alternativas à economia
capitalista e construírem uma nova sociedade – a cooperação seria a base da
sociedade comunista, onde não haveria propriedade privada dos meios de produção
e nem acumulação de riqueza.
Embora os teóricos da ES defendam que ela tem uma lógica própria, guiada
por seus princípios (de cooperação, solidariedade e autogestão), os
Empreendimentos de Economia Solidária (EES) estão sobrevivendo na economia de
mercado (ou economia capitalista, como preferem alguns autores). Esta, por sua
vez, tem sua lógica própria e aceita (de bom grado) todos aqueles
empreendimentos que se guiarem pelas regras deste mercado. No entanto, aqueles
empreendimentos que não se pautam no princípio da concorrência estão fadados a
sucumbirem neste ambiente.
Atualmente os EES têm enfrentado grandes dificuldades e desafios, em
virtude de vários fatores, que vão desde a baixa escolarização dos trabalhadores
dos EES, até as dificuldades comercialização, de acesso ao crédito e de gestão. Mas
além disso, estes empreendimentos têm vivido uma constante contradição. A maior
delas pode ser resumida da seguinte forma: é possível aos EES sobreviverem e se
consolidarem dentro de uma economia pela competição, sem aderir a sua lógica?
2. A RELAÇÃO ENTRE A TECNOLOGIA E AMBIENTE PRODUTIVO
De acordo com Sandroni (1999) tecnologia é o “conjunto de conhecimentos
aplicados pelo homem para atingir determinados fins”. Trata-se, segundo o autor,
da “ciência ou teoria da técnica”. Para melhor entendimento da questão, é preciso
destacar que técnica é o:
Conjunto de processos mecânicos e intelectuais pelos
quais os homens atuam na produção. Seu desenvolvimento
constitui um índice de domínio do homem sobre a natureza e
se manifesta por meio do aperfeiçoamento dos instrumentos,
dos objetos de trabalho e do próprio trabalhador:
ferramentas, máquinas, matérias-primas, métodos de
observação, controle e processos de interação entre o
homem e o objeto de seu trabalho, manual ou intelectual
(Sandroni: 1999: 593 e 594).
Dagnino (2009) conceitua tecnologia como sendo “o resultado da ação de um
ator social sobre um processo de trabalho no qual, em geral, atuam também outros
atores sociais que se relacionam com artefatos tecnológicos visando à produção”.
Conforme já mencionado, a relação entre ES e tecnologia tem sido bastante
bastante difícil. Conforme destacado por Neves (2011), os EES têm tido um acesso
precários à tecnologia e à pesquisa científica. Além disso, eles têm dificuldades para
adquirir máquinas e equipamentos essenciais para viabilizar o processo de
produção. No caso de empresas falidas e recuperadas pelos trabalhadores, em
geral, os empreendimentos contam com maquinários obsoletos. Enquanto que os
demais EES – cooperativas de catadores, costuras, alimentação, etc. – dependem
muito de medidas assistencialistas, como os projetos formulados por incubadoras,
por exemplo, para adquirir máquinas e equipamentos.
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Outra questão relacionada a esta relação é a contradição existente entre o
desenvolvimento tecnológico e o emprego da mão-de-obra, baseado no debate
iniciado por Marx (1996) sobre o progresso técnico e desemprego. O autor mostra
que o desenvolvimento de máquinas e equipamentos tem como objetivo aumentar
a competitividade da empresa e que, por conseguinte, irá substituir mão-de-obra e,
desta forma, desempregar trabalhadores. Os EES não têm feito uma discussão
aprofundada sobre esta questão, no entanto.
Uma vez inseridos no sistema capitalista de produção, os EES também
precisam lidar com algumas questões relacionadas a sua necessidade de
sobrevivência. Para tal, enfrentam a concorrência externa – isto é, com outros
empreendimentos – e também interna – relacionada à dualidade entre trabalho e
capital – aos quais Dagnino (2009) denomina “frentes de batalha” do capitalista
(mas que para nós são as frentes de batalha de um empreendimento qualquer,
inserido no sistema capitalista). Estas duas “frentes” estão relacionadas da seguinte
maneira:
1) O empreendimento precisa enfrentar a competição com outros
empreendimentos. Para tal, necessita crescer, concentrar capital e
eliminar os demais.
2) Para que isso ocorra, ele precisa ter um ambiente interno que possibilite
esta competição no ambiente externo. Trata-se de ter um ambiente
interno produtivo, organizado, em sintonia com as necessidades
externas, que produza com agilidade/rapidez, baixo custo, maximize os
ganhos (seja lucro ou rendimentos) e possibilite investimentos.
Em princípio, estas questões não parecem estar relacionadas à realidade dos
EES, de tal maneira que é possível que um teórico da ES, ao se deparar com estas
informações, argumente que não parece estarmos tratando da ES. No entanto,
voltamos a ressaltar que nosso pressuposto é que os EES estão inseridos no
mercado capitalista. Este, por sua vez, tem suas próprias regras de funcionamento
aqueles que não se adequam a elas.
2.1. Mudanças econômicas e sociais relacionadas às mudanças
tecnológicas
A relação entre tecnologia e ambiente econômico/produtivo tem sido tema de
discussão de vários autores, que tentam relacionar as mudanças tecnológicas às
mudanças econômicas e sociais (Silva, 2005; Tigre, 2005; entre outros).
Tigre denomina esta relação de paradigmas tecnológicos e identifica três
grandes momentos em que as mudanças tecnológicas e as mudanças econômicas e
sociais ocorreram na sociedade.
A primeira grande mudança observada diz respeito à I Revolução Industrial,
sob hegemonia da Grã-Bretanha, tem como base a teoria neoclássica tradicional,
que defende que a escolha da melhor tecnologia confere a “eficiência técnica” a
uma empresa. O empresário elege a tecnologia com base em uma “escolha
racional”, baseando-se nas previsões de maximização de lucros (Passos e Nogami,
2000). Para os neoclássicos, a tecnologia é um elemento exógeno à produção e diz
respeito à combinação de fatores produtivos (matéria-prima, mão-de-obra e
técnica) para produzir (Tigre, 2005).
6
Enquanto esta teoria esteja muito distante da realidade empírica, esta, por
sua vez, mostra um ambiente de grandes transformações técnicas naquele
momento, marcando um rompimento com o padrão produtivo vigente e o
surgimento de um novo.
As intensas transformações econômicas e sociais do final do século XIX e
início do XX ocorreram em paralelo às mudanças tecnológicas, associadas às
inovações tecnológicas e organizacionais. Várias mudanças ocorreram relacionadas
aos meios de comunicação e transporte, contribuindo para o aumento no volume e
velocidade da produção e distribuição de bens, destruição de barreiras econômicas
e criação de oligopólios. Desta forma, várias firmas puderam explorar
oportunidades de obter economias de escala e de escopo e reduzir custos de
transações. Além disso, registra-se a ocorrência de três importantes sistemas de
inovações que acompanharam as mudanças naquele momento: a eletricidade (que
possibilitou o surgimento de grandes firmas inovadoras de energia e os
eletrodomésticos); o motor a combustão (que possibilitou o surgimento dos carros,
tratores, caminhões e aviões) e as inovações organizacionais fordistas-tayloristas
(que possibilitaram a produção em massa; primeiro a integração vertical e depois a
organização multidivisional). Soma-se a isso uma série de inovações
complementares. Estas mudanças marcaram as transformações das estruturas de
mercado naquele momento, marcadas pelos processos de concentração e
centralização de capitais (Tigre, 2005).
O último quarto do século XX foi marcado pelo processo de globalização e
liberalização dos mercados, que exigia uma redução dos espaços econômicos e
eliminação de barreiras. Este período foi marcado por uma nova onda de
transformações nas indústrias que passaram a incorporar novos modelos de
organizações mais intensivos em informação e conhecimento, as chamadas
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). As inovações envolveram a
microeletrônica (inovações de produtos, processos e técnicas organizacionais, com
o desenvolvimento do microprocessador) e sua difusão exigia novas infraestruturas baseadas em telecomunicações digitais, o que acarretou uma onde de
inovações complementares. Ganharam força, neste momento, as teorias da
inovação, baseadas nas idéias de Schumpeter (Tigre, 2005).
3. O AMBIENTE EXTERNO DOS EMPREENDIMENTOS
Na tentativa de desenvolver uma teoria do desenvolvimento econômico,
Schumpeter (1985) acredita que o desenvolvimento não ocorre de maneira linear.
Com base nesta idéia, o a autor apresenta sua idéia de destruição criadora. O autor
vê na inovação um processo de permanente criação e destruição, que promove o
desenvolvimento.
Schumpeter demonstra que a inovação está relacionada a uma lógica
diferente, em que não existe mercado estático e linear, não é mais o consumidor
quem dita as regras de funcionamento do mercado e os dirigentes não são apenas
aqueles que organizam o processo de trabalho. Ao contrário, a teoria do
desenvolvimento puxado pelo processo de inovação de Schumpeter pressupõe uma
realidade dinâmica, em que o desenvolvimento ocorre em saltos. O consumidor é
“educado” para atender as novas exigências do mercado, isto é, a objetivar novas
mercadorias. E, neste cenário, o empresário e/ou gerente ganha um papel de
destaque, como aquele que têm um perfil de empreendedor.
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O autor afirma que o desenvolvimento decorre de “mudanças da vida
econômica que não lhe forem impostas de fora, mas que surjam de dentro, por sua
própria iniciativa” (Idem, p. 47). O desenvolvimento não é o resultado de uma
trajetória linear – de um ponto de equilíbrio a outro –, ao contrário, é uma
perturbação deste equilíbrio. Quem promove esta mudança é a esfera industrial e
comercial e não mais o consumidor.
elas:
Schumpeter define a inovação a partir de cinco possíveis ocorrências, são
1) Introdução de um novo bem – ou seja, um bem
que os consumidores ainda não estejam familiarizados – ou
de uma nova qualidade de um bem. 2) Introdução de um
novo método de produção, ou seja, um método que ainda
não tenha sido testado pela experiência no ramo próprio da
indústria de transformação, que, de modo algum precisa ser
baseada numa descoberta cientificamente nova, e pode
consistir
também
em
nova
maneira
de
manejar
comercialmente uma mercadoria. 3) Abertura de um novo
mercado, ou seja, de um mercado em que o ramo particular
da indústria de transformação do país em questão não tenha
ainda entrado, quer este mercado tenha existido antes ou
não. 4) Conquista de uma nova fonte de ofertas de
matérias-primas ou de bens semimanufaturados, mais
uma vez independentemente do fato de que esta fonte já
existia ou teve que ser criada. 5) Estabelecimento de uma
nova organização de qualquer indústria, como a criação
de uma posição de monopólio (por exemplo, pela
trustificação) ou a fragmentação de uma posição de
monopólio (Schumpeter, 1985: 48; grifos da autora).
Conforme mencionamos, estas características apontam para um processo que
se difere de um processo linear e estático. Este processo é base para um mercado
concorrencial. O autor fala sobre esta realidade da seguinte maneira:
Especialmente numa economia de concorrência, na
qual combinações novas signifiquem a eliminação das
antigas pela concorrência, explica, por um lado, o processo
pelo qual indivíduos e famílias ascendem e decaem
econômica e socialmente e que é peculiar a esta forma de
organização, assim como toda uma série de outros
fenômenos do ciclo econômico, do mecanismo de formação
de fortunas privadas, etc. (Schumpeter, 1985: 48; grifos da
autora).
Ou seja, o processo de inovação causa uma constante instabilidade no
mercado, o que significa dizer que os empreendimentos estarão em constante
processo de competição e em que sempre haverão ganhadores e perdedores.
Trata-se de uma luta pelo domínio do mercado e eliminação dos demais
concorrentes. Como resultado, o ganhador concentra a fatia de mercado do
perdedor, que provavelmente se retirará do mercado.
Para que um empreendimento possa atuar neste mercado, precisa se adequar
a estas regras. Ou seja, se não agir com base nesta lógica, provavelmente irá
sucumbir e deixará de existir. A relação com este meio, que é externo ao ambiente
do empreendimento, depende da forma como ele está organizado internamente. Ou
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seja, o empreendimento precisa de uma organização que lhe possibilite enfrentar a
concorrência externa. Para tal, é preciso que apresente uma série de
características, como: custos baixos, produtividade elevada, capacidade de
influenciar o consumidor, de criar inovações, com base nos cinco fatores que
apresentamos anteriormente.
Neste ponto, vale salientar a importância dada por Schumpeter ao papel do
“novo homem de negócios”. O autor descreve esta figura da seguinte maneira:
O tipo empresarial de liderança, enquanto distinto de
outros tipos de liderança econômica, tais como os que
esperaríamos encontrar numa tribo primitiva ou numa
sociedade comunista, é evidentemente colorido pelas
condições que lhes são peculiares. Nada tem do encanto que
caracteriza outros tipos de liderança. Consiste em cumprir
uma tarefa muito especial que apenas em raros casos apelas
à imaginação do público. Para o seu sucesso, a perspicácia e
energia não são mais essenciais do que uma certa exigência,
que agarra a chance imediata e nada mais. O “peso pessoal”,
por certo não é desprovido de importância (Schumpeter,
1985: 62).
Se no ambiente estático, o empresário tinha a função de gerenciar o processo
de produção, na nova realidade (dinâmica), ele também precisa ser dinâmico. A ele
é dada a função de estar em constante estado de busca por inovações e lhe é
exigido uma série de características que possam garantir um aspecto dinâmico ao
processo de desenvolvimento. . Ele deve, constantemente, realizar novas
combinações, a fim de resultar em novidades que possam garantir um (ou mais)
dos cinco fatores de inovação que apresentamos.
Para Schumpeter, esta nova figura do empresário é um tipo especial, seu
comportamento é “a força motriz de um grande número de fenômenos
significativos” (Ibidem, p. 58).
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE)
destaca dez comportamento de uma pessoa considerada empreendedora: 1) ter
capacidade e iniciativa para buscar oportunidades; 2) ser persistente diante de
obstáculos; 3) ter comprometimento pessoal com a empresa – o que muitas vezes
implica a necessidade de fazer sacrifícios; 4) estar em constante busca pela
qualidade e eficiência; 5) ser capaz de correr riscos, mas também de avaliá-los; 6)
ser capaz de estabelecer metas e objetivos desafiadores; 7) ter condições de
buscar informações que possam auxiliá-lo; 8) ter capacidade de planejamento e
monitoramento sistemático; 9) ser capaz de traçar estratégias de persuasão,
influenciar outras pessoas e formar redes de contatos; 10) ser independente e
autoconfiante (SEBRAE, s/d).
Por fim, vale salientar que Schumpeter destaca a importância do crédito, seja
para viabilizar a efetivação das inovações – uma vez que uma invenção só ganha
importância, quando levada à prática –, seja para garantir a aquisição das compras
pelo consumidor.
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4. O AMBIENTE INTERNO DOS EMPREENDIMENTOS
O ambiente interno da empresa é onde ocorre a produção, isto é, é onde é
possível juntar os (assim denominados pela literatura neoclássica) fatores de
produção para produzir bens/mercadorias. Dentre estes fatores, Passos e Nogami
(2000) destacam: matéria-prima, trabalho, técnicas de produção e gerenciamento.
Ou seja, no ambiente interno da empresa é possível encontrar o controle sobre o
processo de produção e, inevitavelmente, sobre a força de trabalho.
Taylor foi o primeiro a abordar o processo de trabalho sob uma perspectiva
científica, destacando a possibilidade de compreensão e controle sobre o mesmo,
tanto que Drucker (1998) afirma que Taylor “foi o primeiro homem na história a
considerar o trabalho digno de estudo e observação sistemática”, baseando-se em
uma orientação cartesiana.
O objetivo de Taylor era buscar a eficiência e eficácia na administração
industrial. Quando iniciou seus estudos que deram origem à administração
científica, ele justificou que pretendia: 1) indicar que existia desperdícios,
decorrentes da ineficiência do processo de trabalho; 2) mostrar que caberia à
administração/gerência promover a eficiência do processo de trabalho; 3) e com
isso provar que a administração é uma ciência, isto é, que pode ser regida por
normas, leis e princípios. Seu propósito era verificar, analisar, testar as hipóteses
que ele apresentava sobre o processo de trabalho. Com isso, ao provar tais
hipóteses, tornaria a administração uma ciência e daria a ela um caráter de ser
digna de controle. Decorrentes deste processo, os métodos administrativos (agora
científicos) poderiam ser sintetizados e enumerados (Taylor, 1987).
A proposta de Taylor (1987) se baseava em quatro princípios básicos:
1) Separação entre o planejamento e execução do trabalho: o planejamento
deve ser função do gerente, que é também quem deverá elaborar normas rígidas
para os movimentos de cada operário, aperfeiçoar e padronização das ferramentas
e condições de trabalho.
2) Seleção e treinamento dos melhores operários e eliminação dos que não se
adaptarem.
3) Adaptação dos melhores operários ao método científico de trabalho para
que houvesse ajuda e vigilância da direção – pagamento de bonificações para os
que se adaptarem.
4) Divisão das responsabilidades entre gerência e operariado, de maneira a
disciplinar o trabalho. A gerência deve trabalhar “lado a lado com o operariado”
(Taylor, 1987).
Na prática, o objetivo de Taylor era mostrar que era possível aumentar a
produtividade do trabalho, descobrindo métodos para tal. Ou seja, o que ele
considerava máxima eficiência significava, na verdade, descobrir formas para obter
o maior rendimento de cada trabalhador, uniformizar o processo de trabalho e
evitar o que ele chamou de “desperdício de tempo com funções desnecessárias”
(Taylor, 1987).
Ele colocou em prática, então, um plano para analisar o processo de trabalho
de um trabalhador. Percebeu que este processo poderia ser descrito e o tempo
necessário para cada função, quantificado. Ou seja, ele percebeu que o processo de
trabalho poderia ser controlado por alguém que não o próprio trabalhador. Este
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controle externo permitiria, a partir de estímulos também externos, aumentar a
produtividade e eliminar os desperdícios1.
As idéias de Taylor, denominadas de Administração Científica, se
desenvolveram no final do século XIX, período da II Revolução Industrial. Tratavase de um período em que a sociedade passava por profundas transformações, tanto
nos seus aspectos econômicas, como sociais e culturais. Ou seja, a Inglaterra já
havia passado pelo período do apogeu de seu período industrial. Outros países
entraram na briga pela industrialização e, neste momento, armava-se uma
concorrência entre os países pela liderança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho provocou o surgimento de alguns questionamentos sobre a
relação entre os EES e a tecnologia:
1. Como os teóricos da ES vêem a realidade dos EES frente à teoria
schumpeteriana? Eles consideram a inovação um elemento importante
para inserção dos EES no mercado?
2. Qual é o perfil dos trabalhadores dos EES? Eles apresentam este perfil
de empreendedores destacado por Schumpeter?
3. Considerando, hipoteticamente, que em ambientes de EES apenas
algumas pessoas apresentem este perfil, como conciliar as capacidades
individuais com os princípios de solidariedade, cooperação e autogestão,
típicos de ambientes coletivos?
4. A inovação carece de financiamento: os EES têm acesso a estes
financiamentos para realizar as inovações?
5. Estando inseridos em um mercado capitalista, como os EES poderão
manter princípios contrários à concentração da renda, à competição e à
centralização do poder na organização e gestão do processo de
trabalho?
6. Como é o controle do processo de trabalho no interior dos EES? Em que
ele se assemelha (ou difere) do controle taylorista e mesmo do controle
exercido atualmente no interior das empresas capitalistas?
7. Em se tratando do ambiente interno dos EES, é possível que eles se
desenvolvam com uma forma de organização do processo de trabalho
diferente da organização capitalista (ou seja, uma forma diferente de
organização do processo de trabalho influencia a relação do
empreendimento com o ambiente externo)? O que mostra a realidade
empírica?
A evidência empírica tem mostrado que: i) os EES têm enfrentado grandes
dificuldades para se inserir no mercado (e, portanto, sobreviver); ii) a maioria dos
trabalhadores da ES não apresentam um perfil empreendedor; iii) uma das maiores
1
A frase de Taylor ao trabalhador Schmidt “Se você é um operário classificado, deve fazer exatamente o que
este homem lhe mandar, de manhã à noite”, seguida da proposta de aumentar seu rendimento, caso ele aceitasse
fazer exatamente o que lhe fosse ordenado, e das ordens “Agora, levante o lingote e ande. Agora, sente-se e descanse.
Agora, ande; agora, descanse, etc”, corroboram esta idéia (Taylor, 1987).
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dificuldades dos EES é o acesso à financiamento elemento essencial para viabilizar
a inovação e, portanto, o crescimento do empreendimento.
É preciso destacar que o tema não foi esgotado neste trabalho. O objetivo
deste paper não foi esgotar o tema da relação entre os EES e a tecnologia; ao
contrário, o objetivo aqui era iniciar esta discussão, dando um importante passo
para que o tema seja investigado a fundo. Esta pesquisa está em andamento,
portanto, a partir da problemática levantada neste trabalho e das questões que ele
possibilitou serem levantadas.
12
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