1 CONSERVATÓRIO BRASILEIRO DE MÚSICA - CBM CENTRO UNIVERSITÁRIO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MUSICOTERAPIA ANA MARIA RIBEIRO LOBATO PARALISIA CEREBRAL Musicoterapia na disfunção da linguagem Rio de janeiro - 2002 2 ANA MARIA RIBEIRO LOBATO PARALISIA CEREBRAL Musicoterapia na disfunção da linguagem Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação em Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música CBM como requisito parcial para a obtenção do título de especialista Rio de Janeiro – 2002 3 Dedico este trabalho a todos os pacientes que me fizeram ver o belo, além da deficiência. Ao Carlos meu sempre companheiro, amado e amigo, em todas as horas À minha Letícia, por suas lutas e conquistas, durante a minha ausência 4 Agradeço a todos que me incentivaram a trilhar novamente os caminhos da música: À Lia Rejane Mendes Barcellos, pela competência nas orientações À Marly Chagas, pelo suporte psicológico, diante de nossas incertezas... Aos professores do curso de pósgraduação de musicoterapia pelo acolhimento necessário, frente às nossas dúvidas e sede de aprender 5 RESUMO A Paralisia Cerebral, também conhecida como Encefalopatia Crônica da Infância, é uma doença não progressiva, que atinge o cérebro imaturo em áreas diversas, comprometendo a coordenação motora, a capacidade de a criança exercer atividades normais, como andar, falar e tornar-se independente. Cada área afetada implica em impedimentos diferenciados para cada indivíduo portador de Paralisia Cerebral, o que determina um perfil diferente para cada paciente, com relação à personalidade, à cognição e a capacidade de interagir com o meio.. A aquisição da linguagem não se dá de maneira isolada, no desenvolvimento infantil. A criança interage com o mundo, a partir da representação simbólica dos objetos e das pessoas e através do desenvolvimento neurossensorial, com a formação da audição, tato, visão e percepção vestibular do equilíbrio, que se processam por meio da adaptação, coordenação, controle motor (grosso e fino), marcha e desenvolvimento da linguagem. Em crianças, cujo desenvolvimento é comprometido por lesão neurológica, o processo se faz de maneira incompleta. Há desenvolvimento de funções vitais, mas, com o passar dos meses, a criança demonstra comportamentos defasados em relação a outras, quanto às funções sensoriais, motoras e cognitivas da linguagem e da compreensão dos significados. O musicoterapeuta atua, a partir dos estágios de desenvolvimento infantil, atentando para a etapa sonora em que se encontra o paciente, respeitando as suas limitações e resistências, favorecendo, através das sessões uma melhor integração do paciente com o meio. O objeto de ajuda é a música, que possibilita a interação terapeuta / paciente, dependendo, também, do preparo teórico, técnico e estrutural do musicoterapeuta. O trabalho em equipe gera maiores chances de progressos do paciente, a partir dos esforços e objetivos comuns, onde cada um produz de acordo com os princípios teóricos e práticos de cada disciplina. Este trabalho foi baseado em fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos e musicoterapeutas que pesquisam sobre o desenvolvimento e patologias da linguagem, decorrentes de distúrbios neurológicos, como também sobre os efeitos da música em pacientes que podem ser beneficiados pela musicoterapia. Foi dividido em três capítulos, encerrando em considerações finais, o que sugere mais estudos nesse campo. 6 SUMÁRIO Introdução 1. Paralisia Cerebral 7 8 1.1. Etiologia 9 1.2. Classificação 10 1.2.1. Topografia 10 1.2.2. Tônus 11 1.2.3. Reflexo e Reação 12 1.2.4. QI e Traços de personalidade 15 2. Desenvolvimento neuropsicomotor e Sua relação com a linguagem 17 2.1. Música e linguagem 20 2.2. O desenvolvimento da linguagem musical 21 2.3. Crianças não-verbais 23 3. Musicoterapia na disfunção da linguagem 31 4. Considerações finais 36 Referências Bibliográficas 37 Glossário de termos médicos 39 7 INTRODUÇÃO A necessidade de pesquisar, mais a fundo os problemas de linguagem em crianças portadoras de Paralisia Cerebral, foi o que me levou a escolher este tema. Sobre as respostas que obtenho, dos pacientes, atribuo este retorno à natureza da música – de suscitar respostas, estimular os sentidos em crianças com déficits auditivos e visuais, abrir canais de comunicação no paciente com isolamento, quebrar padrões de rigidez nos espásticos, permitir o contato físico e melhorar o relacionamento sócio-afetivo destes. O primeiro capítulo trata da definição, etiologia e classificação dos tipos de lesões neurológicas, das características neuro-motoras gerais e individuais. No segundo capítulo, faço uma relação do desenvolvimento neuromotor com a linguagem, desde as etapas sensórias até a produção da fala, culminando na sua independência perceptiva. Complementando este capítulo, traço um paralelo entre o desenvolvimento da linguagem verbal e da música, utilizando as etapas do desenvolvimento e a enculturação. A defasagem da linguagem, na criança de risco neurológico é descrita como decorrente do comprometimento dos reflexos primários sensório / motores – responsáveis pela percepção auditiva, visual e proprioceptiva, que impedirão ou dificultarão a criança de vencer as etapas do seu desenvolvimento. No terceiro capítulo apresento as propostas de trabalho da musicoterapia aplicada à Paralisia Cerebral, baseada em argumentos teóricos de musicoterapeutas e professores do assunto. Enfatizo a questão do atendimento interdisciplinar, da relação entre os profissionais da equipe e da necessidade de um entrosamento com objetivos voltados para a reabilitação do paciente. Alguns casos clínicos são descritos para ilustrar os problemas de linguagem, decorrentes de lesões neurológicas. São pacientes atendidos no Departamento de Neurologia Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, e, graças à conscientização da coordenação de fisioterapia, a musicoterapia está surgindo dentro da instituição, como mais uma opção de tratamento para os pacientes. 8 1. Paralisia Cerebral – PC É uma desordem do movimento e da postura devida a um defeito ou lesão do cérebro imaturo. “A lesão não é progressiva, mas provoca debilitação variável na coordenação muscular com resultante incapacidade da criança em manter posturas e realizar movimentos normais. Esta deficiência motora está freqüentemente associada a problemas de fala, audição, vários distúrbios de percepção, retardo mental e/ou epilepsias e problemas emocionais”. (Berta Bobath). Para o Dr. Karel Bobath “PC é o resultado de uma lesão do cérebro, de caráter não progressivo e existindo desde a infância até os 03 anos” (Bobath, 1999, p. 8). O termo encefalopatia significa lesão maior ou menor do encéfalo, resultando em quadros clínicos os mais variados possíveis e podendo adotar um caráter agudo ou crônico quanto à sua evolução clínica. A expressão paralisia cerebral (PC) surgiu na “fase neurológica” de Freud – ao estudar a Síndrome de Little. Em 1843, e depois, em 1853 descreveu esta enfermidade caracterizada por rigidez muscular, predominando nos membros inferiores, e ocasionada por diferentes transtornos provocados por asfixia durante o nascimento. Phelps apud Aron & Cypel (1996, p.781) generalizou o uso do termo PC para diferenciá-lo do termo Paralisia infantil, que causava paralisias flácidas. 1.1. Etiologia Causas Pré-natais: - Maternas: condições mórbidas (hipertensão, desnutrição, deficiências protêicas e vitamínicas); Diabetes; idade avançada (paciente de risco); Rubéola. - Tóxicas: malformações por drogas e / ou medicamentos (Talidomida, entorpecentes, analgésicos, anestésicos, drogas com efeitos teratogênicos). 9 - Infecciosas: Icterícia; Meningite no período fetal em decorrência de toxoplasmose, citomegalia ou varíola); Sífilis; AIDS (Transmissão do vírus HIV ) - Incompatibilidade sangüínea: fator Rh – e Sistema ABO - Doenças Genéticas: Síndromes cromossômicas Causas Perinatais: - Anoxia perinatal: Redução dos níveis fisiológicos da quantidade de oxigênio presente nos tecidos orgânicos, que podem causar acidose respiratória (retenção de CO2). É a maior causa de mortalidade perinatal (30-40%) - Traumatismo crânio encefálico: compressão por fórceps – causando hemorragia meníngea, fibrose aracnóide, convulsão; rotura de veias do cerebelo - Placentárias: senilidade; enfartes; hemorragias; hidropisia; inserções anormais; placenta prévia; descolamento prematuro; compressão do cordão umbilical por prolapso, nós apertados. - Prematuridade: crianças com peso abaixo de 1000 g. Causas pós-natais: - Respiratórias: pulmonares e extra - pulmonares. Pulmonares – prematuridade; malformações congênitas; obstruções por aspiração amniótica; rotura ou colapso alveolar; exsudatos, membranas e/ou hemorragias intraalveolares. Extra - pulmonares – malformações congênitas; Pneumotórax; derrames pleurais, pericárdicos, peritoneais, hérnias, tumores intratoráxicos. - Caridiopatias congênitas: distúrbios circulatórios, prolapso, arritmia cardíaca. - Anêmicas e hemorrágicas: causando principalmente Choque. - Metabólicas: acidose (sofrimento fetal durante e após o parto) - Malformações cranianas: Craniostenose (Virchow) – soldura precoce de uma ou mais suturas cranianas; Doença de Crouzm (compressão das suturas e do cérebro) 10 1.2. Classificação A criança portadora de Paralisia Cerebral pode apresentar distúrbios associados como: problemas cardiorrespiratórios, deficiência mental, comprometimentos motores da fala, audição, visão, deglutição, tato, propiocepção e equilíbrio, dependendo da área lesada. 1.2.1. Topografia (área afetada) A terminologia Plegia origina-se do grego plege – ferida. - Tetraplegia: É o tipo mais freqüente, sendo uma forma muito grave, superada apenas pela rigidez. As manifestações clínicas são, em geral, observadas desde o nascimento e o quadro agrava-se com o crescimento físico; a criança não sustenta a cabeça, não senta, não engatinha; tem dificuldades para deglutir e mastigar. Apresenta sialorréia contínua, em virtude da disfagia e boca aberta; a gengiva apresenta coloração vermelha, lisa e desidratada pela hipotonia das estruturas bucais. - Diplegia: Também denominada paraplegia, afeta os membros inferiores, e a lesão ocorre nos dois hemisférios cerebrais. A criança não anda, mas exerce funções com membros superiores; apresenta desequilíbrio e não consegue sustentar o tronco, quando sentada. - Hemiplegia: Só é percebida após alguns meses, quando a família nota que a criança usa apenas os membros de um hemicorpo, ou quando faz uso bimanual dos objetos. - Monoplegia: Paralisia que afeta o conjunto muscular de um só membro, superior ou inferior – Ex: Lesão de Plexo Braquial (causada por trauma no parto, durante a retirada do bebê) 11 1.2.2. Tônus Tônus muscular ou tonicidade é o estado particular de tensão permanente e involuntária dos tecidos vivos, especialmente do tecido muscular, sob a dependência do sistema nervoso central e periférico. Arrarte APUD Andrade (2000, p.186) afirma que “o músculo normal, quando em repouso e relaxado, apresenta certa resistência, certa tensão que lhe são próprias [...] o tônus tem como qualidades básicas ser voluntário, permanente, variável e de origem reflexa”. É o responsável pela manutenção das posturas estática e dinâmica, sendo uma, apenas a variação da outra. Modificando o tônus, modifica-se a postura. Classificando os tipos de pacientes quanto ao Tônus, temos: - Espástico: É retido nos movimentos, não relaxa a musculatura dos membros, contrapondo com hipotonia dos eretores da cabeça e do tronco. A hipertonia instalada pode ser grave, moderada ou leve – “a perda do controle dos centros superiores sobre a ação muscular faz com que os estímulos recebidos levem a contrações musculares cíclicas que aumentam o tônus” (Andrade, 2000, p.191). É importante lembrar, que esses reflexos são normais nos primeiros seis meses de vida, mas depois [com o desenvolvimento neuropsicomotor normal] tendem a desaparecer, o que não acontece numa criança PC espástica. Os estímulos podem ser os mais variados possíveis – sonoros, luminosos, mecânicos, térmicos, entre outros. De acordo com o autor, não podemos evitar a ação constante da gravidade que atua sobre os reflexos tônicos, mas podemos atenuar o seu efeito com manobras e evitando que a criança fique sempre numa mesma posição. - Atetóide: A etiologia está associada à icterícia grave neonatal. O paciente faz Hipertonia em extensão, provocando a posição de opistótono (do grego - contratura), com acentuado reflexo tônico-cervical. A movimentação voluntária é escassa e perturbada por hipercinesias. Nos atetóides está presente a distonia – que é a flutuação do tônus da criança, indo e voltando da hipotonia para a hipertonia (criança distônica), ora havendo predominância do tônus extensor, ora da flacidez, com a criança 12 “desabando” (IBID, p.199). Por apresentarem grande motilidade articular, não sofrem retrações e /ou deformidades, mas ficam sujeitos a luxações, principalmente nos ombros, mandíbulas e dedos. (IBID, p.200) Requerem cuidados no manuseio e atividades, e apresentam bom desenvolvimento intelectual – com déficit de controle motor. O objetivo do tratamento é assegurar-lhes sistemas alternativos de comunicação, pois apresentam disfasias e dificuldades com a escrita manual. - Coreoatetósico: (coreo – dança) - Apresenta movimentação desconjuntada, como uma dança. Tem a cognição preservada. - Atáxico: É uma forma rara. O quadro é dominado por descoordenação estática e cinética. O PC apresenta tremores de ação, dismetria, e a marcha é atáxica (desordenada). Apresenta hipotonia, pois os músculos não realizam as contrações voluntárias ou reflexas, necessárias ao ajustamento da postura. - Hipotônico: Pouco freqüente e mais grave. Comprometimento motor intenso, desenvolvimento cognitivo limitado; reflexos pouco nítidos, persistindo nos casos de retardo mental e em ataxia cerebelar. A criança tem que ser trabalhada com apoio e manipulada com destreza, pois não tem controle muscular algum, podendo sofrer luxações nas articulações; permanece numa posição se colocada e não consegue fazer contrações para mudar de posição – é “frouxa”. Existem as hipotonias com baixa reatividade a estímulos, presentes em síndromes, como nos portadores de Síndromes de Down, Patau, West entre outras. 1.2.3. Reflexo e Reação Na lesão cerebral, o comprometimento dos centros nervosos do Encéfalo acarreta uma disfunção de centros responsáveis pela manutenção de um tônus postural normal e alteração da realização de movimentos, sejam eles reflexos, involuntários ou voluntários. A alteração do tônus pode estar abaixo (hipotonia) ou acima do tônus postural normal (hipertonia). As alterações musculares e posturais se dão através dos reflexos. 13 Reflexos são respostas automáticas, inatas, desencadeadas por estímulos que ativam diversos receptores. À medida que o sistema nervoso central evolui, os estímulos que desencadeiam os reflexos provocam respostas menos automatizadas, devido ao desenvolvimento da atividade psicomotora voluntária. Um reflexo não se manifesta isoladamente, mas está constituído num todo, relacionado com outros, é diferente de uma reação, que não é uma resposta estereotipada, e pode sofrer variações de movimentos. Reflexos presentes no desenvolvimento neuropsicomotor (Ribeiro, 2001): - Reflexo de Moro: Está presente em todos os bebês, no nascimento e desaparece em torno dos 6 º mês. É “o reflexo do susto” de proteção ao desequilíbrio - a criança, diante de uma situação instável, tenta se proteger, com a retração da cabeça e abertura dos braços. Este reflexo pode ser desencadeado por qualquer estímulo, despertando os demais reflexos, principalmente os tônicos. As atividades com a criança devem dar-lhe segurança, evitando-se movimentos bruscos; falar ou cantar sempre com voz suave, utilizando canções sem efeitos rápidos ou intensos; o ambiente de atendimento deve ser isolado de ruídos externos e do trânsito de mais pessoas, para não assustá-la; fazer com que a criança fique sentada, de modo a perceber a aproximação do terapeuta, evitandose o fator surpresa. - Reflexo Tônico Labiríntico – RTL: se dá no sentido Antero-posterior. Se há flexão da cabeça, acontece a flexão total do corpo (a criança vira em bloco). Permanece normal até os quatro meses. - Reflexo Tônico Cervical Assimétrico – RTCA: virando-se a cabeça da criança para um lado, teremos a extensão mais rotação interna dos músculos faciais, com flexão dos músculos occipitais. Está presente entre o quarto e o sexto meses. Na criança hipertônica o aumento do tônus provoca também a extensão de braços e pernas – “a criança adquire a postura de um espadachim” (Andrade, 2001, p.193). A família deve ser orientada para que não deixe a criança deitada numa mesma posição, pois ela permanecerá sempre virada para o lado onde a extensão é mais forte. Os estímulos e atividades devem ser feitos sempre de frente para ela e mais centralizados. 14 - Reflexo Tônico Cervical Simétrico – RTCS: Acontece em duas situações – quando há flexão da cabeça, os braços se flexionam e os Membros inferiores se estendem; quando a cabeça se estende ou é estendida, ocorre o contrário – os braços se estendem e as pernas se flexionam. Aparece com freqüência em duas situações: primeiro, quando a criança sentada olha para cima, e o quadril se projeta para frente – é o movimento que propicia a criança engatinhar, na próxima fase; e segundo, quando a criança senta em posição de “sapo” (em W), aqui também os braços se estendem. Os Membros inferiores, bloqueados pela posição, acentuam a rotação interna do quadril e a rotação externa de pernas e pés – o que pode favorecer o valgagismo, caso a criança possa vir a andar. Alguns cuidados, durante a terapia devem ser observados: evitar estimular a criança em nível superior à altura de sua cabeça – se estiver sentada, o terapeuta deverá sentar-se numa posição abaixo ou próxima da sua linha de visão. - Reflexo de Extensão Cruzada – quando se aplica um estímulo doloroso a uma perna que está apoiada, esta se retrai – em flexão – enquanto a outra aumenta o tônus para sustentar o peso corporal. Se estimularmos a perna fletida ela se estenderá. Reações corporais presentes desde o nascimento (Ribeiro, 2001) - Reação Cervical de Retificação – está presente no nascimento. Ao virar a cabeça para um lado, ativa ou passivamente, segue-se a rotação do corpo como um todo para o mesmo lado. No bebê normal, a cabeça responde primeiro ao estímulo. - Reação Labiríntica de Retificação – é a capacidade de sustentação da cabeça no espaço. No recém-nascido é fraca, estando mais presente a partir do quarto mês persistindo até o fim da vida. Sem ela, a criança não se senta sem apoio e não consegue manter a postura. - Reação Corporal de Retificação – Age sobre todo o corpo. Surge pelo sexto mês, modificando a reação cervical de retificação, o que possibilita a criança de girar o tronco entre o ombro e o quadril. 15 - Reação Óptica de Retificação – O corpo é retificado pela linha da visão. - Reações de equilíbrio – Servem para ajustar a postura e manter o equilíbrio. Surgem por volta do sexto mês evoluindo até os dezoito meses. - Reação de Landau – é uma combinação da reação labiríntica de retificação com alguns reflexos cervicais que se relacionam com o tronco e os membros: elevando-se a cabeça, estende a coluna e quadril junto com os membros inferiores. É mais evidente entre os 07 e 12 meses. - Reação de Paraquedas – ou reação de extensão protetora de braços. É testada para frente e inicia-se aos seis meses. - Reação de anfíbio – faz com que um lado da criança venha a apresentar flexão. É a preparação para a criança engatinhar. Surge entre os 6/8 meses e não desaparece. - Reação de Galant – é normal até os dois meses. Estimulando-se a região paravertebral, entre o quadril costal e o quadril, a resposta positiva será a flexão lateral para o lado oposto. - Reação positiva de suporte – é produzida por dois estímulos: tátil e proprioceptivo. Tátil é quando o ante pé toca o chão; proprioceptivo é a pressão do apoio do pé no chão. - Reação negativa de suporte - É o relaxamento dos músculos do pé, quando se retira os estímulos tátil e proprioceptivo. 16 1.2.4. QI e Traços de personalidade Aron e Cypel (1996, p.790) classificam o QI de acordo com a classificação de Kirk. Cada tipo de PC tem características próprias, quanto à cognição, à sensibilidade e à personalidade: - Os Espásticos: têm QI inferior a 70, e a Tetraplegia é o quadro mais freqüente e grave. São inseguros, incapazes de se ajustar às mudanças de postura, quando movidos rapidamente. Apegam-se fortemente à mãe. A fala é comprometida, o que os torna passivos, sem reação a estímulos do ambiente, e qualquer tentativa de fazê-lo resulta em frustração. Na forma Hemiplégica apresentam QI médio, em torno de 80. Os Diplégicos têm QI um pouco mais baixo, variando de 71 a 74. A fala é normal em 50% dos casos; apresentam déficit na aprendizagem e disartria. - Os Atetósicos: O QI médio destes é em torno de 70. A fala é pouco inteligível; há comprometimento da audição, bastante freqüente na encefalopatia bilirubínica. É possível encontrar alguns com inteligência normal, e até mesmo superior. Alguns chegam a freqüentar escolas, o que requer propostas educacionais bem específicas. Mostram labilidade de um estado para outro, tanto física quanto emocionalmente – podem rir ou chorar incontrolavelmente. - Os Atáxicos: O grau de inteligência destes pouco difere dos valores dos outros grupos. Asher & Schonell apud Aron & Cypel (1996, p.790) encontraram QI médio de 62 para um grupo de pacientes atáxicos pesquisados. Devido à instabilidade de coordenação, têm medo de perder o equilíbrio, e essa conscientização os torna mais lentos nos movimentos. Limitam a amplitude dos padrões de movimento, de acordo com pessoas com quem se sentem mais seguros. É importante que o musicoterapeuta conheça as terminologias com relação às patologias e tipos de lesão neurológica, procurando se inteirar dos sintomas, padrões de anormalidade, reações, reflexos e grau de dificuldades de cada paciente, para que consiga realizar as sessões com mais segurança. O paciente precisa estar numa postura confortável, que facilite a sua percepção visual e contato corporal. 17 2. Desenvolvimento neuropsicomotor e Sua relação com a linguagem A linguagem, num contexto amplo, pode ser considerada como "uma capacidade do ser humano de inter-relacionamento de forma inteligente e compreensível," (Goldfeld, 1998, p.18), o que permite que o indivíduo compreenda os comandos que são transmitidos, seja por estímulos visuais ou auditivos. A aquisição da linguagem, de uma forma geral, se processa naturalmente em todas as crianças, caso não haja algum fator orgânico que a impeça de falar, de se comunicar verbalmente. Quando ensaia suas primeiras frases, a criança passa por uma série de habilidades comunicativas pré lingüísticas. Zorzi (1999, p.16) aponta seis fatores determinantes do desenvolvimento da comunicação infantil: "intenção, conteúdo, forma, parceiro, contexto ou situação e capacidade cognitiva." A intenção sugere razão ou motivo para se comunicar; o conteúdo implica no objeto de desejo, à necessidade de se ter algo para comunicar; a forma é possibilitada pelo meio [objeto] de comunicação; é necessário o outro, para que se estabeleça o diálogo, a troca de informações; o contexto estaria ligado à situação ou “às condições favoráveis para a interação”. Para conseguir se comunicar, a criança precisa - através da interação com as pessoas e com as coisas - ser capaz de elaborar os conteúdos de sua atividade mental, que irá comunicar por alguma razão - "desejo de um objeto fora de seu alcance, necessidade de expressar este desejo para ter acesso ao objeto, para chamar atenção do que vê e quer partilhar com o adulto ou, ainda porque quer chamar atenção sobre si mesma." (IBID, p.16). Para chegar às formas verbais, a criança desenvolve comportamentos ou meios não verbais, tais como gestos, símbolos ou expressões. O desenvolvimento pré-verbal, segundo Zorzi, pode ser dividido em quatro níveis de comunicação: Nível I - Comunicação não intencional Este nível corresponde aos primeiros dois meses de vida. É caracterizado por um comportamento reativo frente aos estímulos e ao mundo que age sobre ele, porque não 18 possui ainda domínio para exercer reações voluntárias. Barcellos (1992 p.14) descreve "a primeira emissão sonora intencional" a partir da terceira semana de vida, "que é o grito para chamar a atenção". Zorzi admite que os adultos tendem a interpretar as reações da criança: sons, gestos, choro, gritos, "como comportamentos ou atos comunicativos". Mas complementa que "a tendência dos adultos de atribuírem a ela tal capacidade constitui-se como um fator relevante para o desenvolvimento posterior" (IBID, p.16). Apesar de divergirem quanto à intencionalidade da comunicação, os autores pensam igualmente, que a criança, aos poucos, aprende a interagir com o adulto para também atrair sua atenção. Nível II – são os comportamentos ativos Processa-se dos dois aos oito meses de idade (IBID, p.18). Aos dois meses, as estruturas orais vão desenvolvendo-se gradualmente, a vocalização começa, pouco a pouco, a transformar-se de nasal para oral. Após o quarto mês o bebê já rola de prono para supino, o que permite uma melhor entonação, intensidade e ritmo, ou seja, "os aspectos suprassegmentais da fala" (Franco, 1995, p.3). A respiração torna-se mais profunda e, aos 06 meses, tem melhor controle de corpo e seus movimentos não se limitam apenas aos braços. Ele passa a utilizar o equilíbrio através do tronco e da pélvis. Com a liberação e expansão da parte superior do corpo, ele inicia o balbucio. Em supino, sons como K e G são observados. Em prono, podemos ouvir sons bilabiais (p, b, m). Até o oitavo mês já desenvolveu a mastigação, com a introdução de outros alimentos. Os movimentos da mandíbula aumentam e sons linguodentais t/ d / n/ l/ são acrescentados ao seu repertório. Nível III caracteriza a comunicação pré-lingüística intencional elementar Este nível é observado entre os oito e os 12 meses. É quando a criança dirige comportamentos comunicativos intencionais, como olhar alternadamente para o objeto que deseja e para o adulto, esticar a mão em direção ao objeto e olhar para o adulto, ou ainda, empurrar a mão do adulto na direção do objeto. Nesta fase, com o aparecimento dos primeiros dentes, a precisão da articulação aumenta, devido à dissociação entre língua e mandíbula, como também uma melhor dissociação corporal. 19 A criança começa a repetir e comparar sons. Interagindo com objetos e pessoas, aprende que tudo tem um nome e uma função. Os monossílabos, tá / dá / desenvolvem-se gradualmente para os dissílabos papa/ mama/ tatá/. Aos 12 meses já será capaz de resumir o sentido de uma frase numa única palavra como, por exemplo, "au, au" quando vê um cão. Nível IV – caracterizado como comunicação pré-lingüística intencional convencional. Com o desempenho da marcha, a criança irá explorar o meio caminhando, usando mais gestos e expressões. Os gestos de apontar, de chamar, de bater as mãos são usados sistematicamente com o de balançar a cabeça para atitudes de negação ou de aceitação, como também para movimentar o corpo no ritmo de uma música. A tendência de imitar sons ou gestos é intensificada, estendendo-se para o uso de palavras ouvidas e aprendidas. É uma fase de "querer espelhar o que os outros fazem" (ibid, p.22) e a criança desenvolve o seu poder de comunicar. Considerando-se a linguagem como uma ação simbólica – em que usamos significados (símbolos verbais) ou significantes (representação) – para a criança nesta fase, a linguagem está ligada à situação presente, dependendo daquilo que ainda está no campo da percepção da criança. Como no caso do "au, au" ela utiliza ainda o imediato, o que está de algum modo presente. A linguagem toma forma verdadeira, à medida que a criança adquire uma capacidade representativa maior, já no final do período sensório-motor. A criança já descreve ações que está realizando ou que vê acontecer, a linguagem passa a representar a ação. O desenvolvimento prossegue com o representar o momento presente e também lembrar e relatar fatos passados "dodói, neném caiu". Piaget atribui, ao desenvolvimento da imitação, o papel de elemento formador das imagens mentais. Para ele, as imagens se referem a uma espécie de cópia ou imitação interior. Segundo Zorzi "No caso da linguagem, por um lado, são as imagens auditivas que tornam possível que a criança reproduza ou repita [somente mais tarde] uma palavra nova que ouviu em uma determinada situação" (Zorzi 1999, p.29). No momento em que a palavra é ouvida, ocorre a impressão "como uma cópia interna" que é armazenada e utilizada em outra situação, de acordo com a necessidade ou prontidão da criança para usar um enunciado novo. Apesar de usar os mesmos termos da linguagem dos 20 adultos, isso não quer dizer que a criança possua os mesmos significados que eles. Os significados da linguagem da criança estão restritos à compreensão ainda limitada de mundo que ela tem. Embora esteja em contato com uma linguagem que expressa conhecimentos já construídos e dominados pelos adultos e procurar imitá-los, ela necessita reconstruir esses saberes. 2.1. Música e linguagem Klausmeier apud Ruud (1990, p. 89) descreve as semelhanças entre a música e os processos primários do pensamento, quando diz que "tanto na linguagem quanto em música é a entonação, esse caráter análogo, que muitas vezes determina o significado." Sloboda (1997, p.2) descreve a fonologia como "o modo pelo qual o cérebro distribui continuamente os sons que variam em unidades separadas. Essas unidades constituem os blocos básicos de construção de uma linguagem." Sloboda atenta para a questão de como a entonação de vocábulos ou palavras é compreendida de uma maneira cultural: "diferentes culturas colocam limites fonológicos em locais específicos. O que pode ser considerado como dois sons da fala, separados pelo usuário de uma língua são ouvidos como um único som por usuários de outra língua.”. O balbucio é considerado como um fenômeno universal, encontrado em todos os bebês. “Caracteriza-se pelo encadeamento e ligação dos sons em uma expiração” (Riper & Emerick, 1997, p.94) sendo comum, acontecer enquanto a criança aprecia ouvir a si própria, repetidas vezes, até que surja uma identidade – a imitação, segundo os autores, “é essencialmente um meio de perpetuar um estímulo, e o balbucio é uma auto-imitação das mais autênticas.” (IBID, p.95). Durante o período do balbucio podemos encontrar sons que pertencem a muitas línguas e não somente a uma língua em especial, a criança não sabe que língua irá falar, mas irá aprender a língua materna, a produzir uma série de sons, combiná-los em sílabas e produzir frases com diferentes padrões de entonação, o que é um curso natural. “Mas em seu balbucio, ela praticamente age como se soubesse” (IBID, p.95) 21 Os lingüistas se perguntam a todo instante: Por que as línguas em todo o mundo possuem características semelhantes? Por que a aquisição da linguagem inicia-se na mesma época e prossegue da mesma forma ordenada em todas as culturas? Smith e Miller (APUD Riper & Emerick) resumem o posicionamento inatista – “O fato de as crianças poderem adquirir a linguagem tão prontamente só pode significar que elas possuem alguma predisposição inata para esse tipo de aprendizagem [...]” (IBID, p.101). Os autores se baseiam na Teoria Nativista e no Determinismo Cognitivo. Segundo a Teoria Nativista, a criança possui uma capacidade inata para a aprendizagem da linguagem, que irá se manifestar a partir do momento em que ela percebe significados nos sons produzidos pelos adultos. De acordo com essa visão, a aprendizagem da linguagem é conseqüência da maturação de áreas não especificadas do cérebro e sincronizadas com a maturação de habilidades motoras chave. Não há explicação, por exemplo, de como uma criança produz novas palavras tais como “trazi” ao invés de “trouxe” e que ela nunca ouviu antes, ou alguém a ensinou. Segundo os nativistas existe uma propensão básica, inata a todos os seres humanos para a aprendizagem da linguagem, e a fala dos pais simplesmente desencadeia essa capacidade latente. O Determinismo Cognitivo baseia-se no desenvolvimento das funções mentais superiores do indivíduo, quando ele já tem capacidade para dar sentido aos sons bucais que emite. Segundo a teoria cognitiva de Piaget “a linguagem socializada é aquela que pode ser compreendida pelas outras pessoas [...]” (Rappaport, 1981, p.71), e a representação mental de um objeto concreto é fundamental para a expressão verbal do significado. 2.2. O desenvolvimento da linguagem musical A habilidade musical também pode ser adquirida “através de uma interação com um ambiente musical” (Sloboda, 1985, p.1) de acordo com as etapas de aquisição de habilidades cognitivas de Piaget. Para Chomsky, “o organismo humano é biologicamente predisposto à excelência em algumas habilidades cognitivas específicas” (IBID p.1). Tais habilidades não dependem da capacidade cognitiva geral, mas já existem em alguns 22 indivíduos. Chomsky explica as teorias do desenvolvimento musical, dividindo-as em duas partes: a enculturação e o treinamento. (IBID, p.1) Na enculturação musical, a criança pequena não depende de ser instruída ou ensinada para aprender canções ou memorizar letras – elas simplesmente aprendem, mesmo que os adultos não ensinem. O treinamento acontece em experiências específicas de um grupo cultural, onde uma habilidade específica é incentivada e valorizada, e que envolve também o esforço consciente por parte do indivíduo para aprender e desenvolver habilidades. Analisando o desenvolvimento através da enculturação descrita por Chomsky observamos os estudos de vários autores com crianças desde o primeiro ano de vida, em relação à sua resposta aos estímulos sonoros: Farnsworth relata que desde o nascimento a criança já demonstra uma “sensibilidade considerável ao som” (Taylor, 1997, p.2); na primeira semana de vida, os bebês, geralmente, param de sugar quando escutam o barulho de uma campainha. Chang e Trehub fizeram estudos sobre o ritmo cardíaco de crianças com 05 meses: observaram alterações do batimento cardíaco de acordo com “mudanças de posição temporal de todas as notas de um padrão melódico”, mas quando uma mesma melodia era transposta para outra tonalidade o batimento não se desestabilizava. (Sloboda, 1985, p.1) No primeiro ano de vida, as reações ao ritmo são mais fortes do que à melodia; com 06 meses a criança pode responder às mudanças no contorno melódico, repetindo a altura que foi cantada para ela. Entre os 12 e os 18 meses, quando o balbucio se transforma em palavras distintas, a criança começa a “alongar” as vogais, repetindo as figuras melódicas, mantendo o seu contorno geral, com algumas distorções na altura. Após os 18 meses, aparece o canto espontâneo, conhecido como Canção de Ur – cuja principal característica “é o uso do som estável discreto [ao invés de microtons do balbuciar da fase anterior]” (IBID, p.2). Este fenômeno é universal, sendo observado em crianças de todas as culturas. Ur – palavra germânica que significa “original; primevo”. Embora a criança já esteja falando, as palavras aprendidas não costumam ser usadas no canto espontâneo. Isso sugere que “o desenvolvimento musical nessa idade vem de uma corrente diferenciada do discurso verbal” (IBID, p.2). Segundo Gardner apud Sloboda, “os intervalos iniciais são de segundas, terças maiores e menores. No segundo ano de vida, o intervalo se amplia para quartas e quintas.” A partir do terceiro ano a criança já está apta 23 para cantar frases maiores, mostrando sinais de uma organização interna, passando então, a absorver a música da cultura em que vive. Na opinião de Millecco, (2000, p.9) a Canção de Ur parece representar um importante elemento psicológico no desenvolvimento, “demonstrando uma possível relação entre os processos mentais e o fluxo natural da consciência tonal”. Por volta dos quatro anos, palavras, linhas melódicas e ritmos são misturados e modificados, como um pot-pourri de canções, com pouca organização global. Aos cinco anos a criança está mais definida na sua noção espaço-temporal para a imitação exata e até mesmo a autoexpressão. Após os cinco anos quando a criança entra no Período Operacional, surge a noção de conservação de qualidade; a criança já é capaz de cantar a mesma canção em velocidades diferentes ou mudar a tonalidade; avançando-se na idade melhora a capacidade de memorizar seqüências rítmicas e melódicas, além de perceber mudanças tonais repentinas. 2.3. Crianças não-verbais “Nas crianças, a expressão musical aparece antes da faculdade de falar. Sabese que os idiotas são organizados para a música e que inúmeros dentre deles, incapazes de falar, podem emitir sons musicais [...]” (Ireland, 1894) Os estudos na afasiologia iniciaram-se no século 19 que se caracterizou pelo surgimento de grandes idéias e experimentos com o cérebro humano – um grande mistério para os anatomistas e fisiologistas da época. A descoberta dos “centros específicos para a linguagem” com Bouilland (1825), Broca (1861), Wernicke (1874), entre outros levaram a outras incógnitas, sobre a diversidade das alterações da linguagem decorrentes de lesão em uma mesma área cerebral. “Da posição de Broca temos, até hoje, o postulado da área de Broca (porção inferior da terceira circunvolução frontal esquerda) como área da linguagem” (Goldfeld, 1998, p.94). Ocorrendo uma lesão nessa área ou próximo dela, acredita-se que se instalará a afasia de Broca – que se caracteriza por grande redução do vocabulário, alteração na 24 escrita, preservando-se a compreensão e órgãos fonoarticulatórios. Goldfeld ressalta a importância dos trabalhos que médicos neurologistas - como Luria, Goldstein, Hécaen desenvolveram no período das guerras mundiais, “em que a incidência da afasia aumentou muito em função das lesões focais por traumatismos” e “que realizaram uma aproximação da área médica com a lingüística” (IBID, p.95). A criança com comprometimento neurológico, em seu desenvolvimento, normalmente irá apresentar ausência ou exacerbação dos reflexos de procura, sucção mordida e vômito, comprometendo o desenvolvimento normal da linguagem. É comum, a criança obter um bom desempenho no desenvolvimento até o balbucio. A partir do momento que precisa dar significado para a sua emissão vocal, o atraso torna-se evidente. O portador de paralisia cerebral, geralmente, nasce com capacidade de se ligar socialmente, mas apresenta atrasos específicos nos estágios do desenvolvimento neuromotor. Brazelton observa, através de testes com neonatos, que existe nos bebês uma força em querer se comunicar desde o nascimento: é a procura do outro. "O bebê age sobre sua mãe e, deste modo, adapta-a, modelando-a às suas necessidades." O neonatologista ou o pediatra que está atendendo a criança deverá fazer uma intervenção precoce, caso o bebê e/ou a mãe demonstrem um comportamento que dificulta a "interação", que é fundamental para que se estabeleça o contato e a troca de sentimentos. Brazelton descreve seis estágios pelos quais passa o neonato: 1. O sono profundo; 2. O sono leve: o bebê está pronto para acordar e pode fazer movimentos de sugar; 3. Começando a acordar: os olhos às vezes se fecham. Os movimentos são suaves; pode se assustar facilmente; 4. Acordado: foca a atenção no estímulo, olha de onde vem a voz da mãe. Este é o melhor momento (alguns minutos) de comunicação com o bebê; 5. Está bem atento, assusta-se com os estímulos; 6. Choro: um choro intenso, difícil de acalmar. Não registra mais os estímulos, que podem até intensificar o seu choro. (Brazelton APUD Heymeyer, 2000, p.4) 25 O estágio 4 é o melhor momento para que a mãe observe e dê atenção à criança, antes que ela passe para os estágios de tensão, anteriores ao choro. Busnel (APUD Heymeyer, 2000, p.5) relata o quanto é importante compreender esta linguagem e que "o feto de sete meses sabe distinguir a voz da mãe das outras vozes e sabe quando ela fala com ele." É a voz da mãe que irá conseguir acalmá-lo nas primeiras semanas. Podemos imaginar então, uma criança que é mantida por numa UTI neonatal, sem este estímulo primeiro que é tão importante para a formação da sua propriocepção - tátil e vestibular. "Com a mãe como um todo ele vai interagir" (IBID, p.5). Quando carregado, o bebê tenta se aninhar, sente a resistência contra o seu corpo, o que lhe dá segurança. São estímulos proprioceptivos, como o tocar, a troca de roupa, o banho, alterações de espaço, temperatura e texturas às quais o bebê vai aprendendo a conhecer, sem se sentir inseguro. As mudanças de tono e a falta de movimentação do PC podem alterar as sensações táteis e proprioceptivas, que resultarão em reflexos ou movimentos atípicos, lentos, sem coordenação. A criança chora muito, e mesmo que a mãe tente aconchegá-la ao colo, não há retorno para que se estabeleça uma comunicação entre mãe/bebê, pois ele não tem funções motoras (resistência muscular) que possibilitem a troca com o meio. Pensando-se acerca da construção da linguagem, esta dependerá da prontidão e da qualidade na ação que a criança desenvolve no mundo. - Ação motora - como pegar, soltar, bater, arrastar, sentar, andar, pular, correr - como também ação sensorial - visão, audição, tato (superficial, próprio e oral) e gustação. - Através das ações motoras e sensoriais, as noções vão sendo construídas - a imagem mental, a representação, que dará condição à função semiótica. - O que antes era um conceito agido e sentido passa a ser falado, representado por sons que traduzem todo um pensamento. Na criança PC, o atraso no estágio sensório-motor irá afetar as construções futuras, a partir das noções básicas para todo o desenvolvimento cognitivo e de linguagem. Uma criança, que aos seis meses não tem controle cervical, com dificuldades em movimentar a cabeça, também apresenta dificuldades de movimentação da cintura escapular. 26 Como conseqüência, terá dificuldades em pegar e reter objetos, levar as mãos à linha média e à boca, não conseguirá tampouco, olhar em volta, em direção aos ruídos, pessoas ou objetos. Assim, o PC irá construir e organizar seu universo, de acordo com suas possibilidades ou com as condições proporcionadas pelo seu meio. O desenvolvimento da linguagem está intimamente ligado à percepção da fala, pois para assimilar estruturas lingüísticas é necessário detectá-las. A criança se volta em direção à voz da mãe, aos ruídos, ao som de uma música. A visão do estímulo sonoro detectado irá completar o esquema de assimilação e relação som / imagem com a compreensão da mensagem e atribuição de significados. É assim que se processa a aprendizagem. A percepção dos sons da fala, segundo Russo & Behlau (APUD Martinez, 2000 p. 146) envolve um sistema de interação mais complexo que o exigido na percepção de outros sinais acústicos. A percepção da fala inclui a recepção e interpretação de seus padrões - a discriminação entre sons de diferentes espectros, durações, características temporais, formas seqüenciais e ritmo, além da memorização das unidades fonológicas. A criança portadora de Paralisia Cerebral pode apresentar, entre outros distúrbios, deficiência auditiva, o que dificulta ainda mais a sua interação com o meio. Alterações auditivas repercutem significativamente no desenvolvimento e na manutenção da linguagem, na interação psicossocial e na aprendizagem escolar. Para evitar ou minimizar essas conseqüências é importante uma precisa intervenção, através de diagnóstico rápido. Indica a necessidade de se incluir a avaliação auditiva no protocolo ou prontuário de diagnóstico de crianças portadoras de paralisia cerebral. A Musicoterapia, em muito, pode contribuir para detectar problemas auditivos. Crianças com múltiplas deficiências podem apresentar alterações cognitivas da função visual que acometem a memória, reconhecimento e compreensão da imagem. Estas alterações causam desordens subjetivas da visão em nível intelectual, déficit de atenção visual, falta de noção espacial e são mal diagnosticadas, em parte, pela dificuldade de comunicação verbal, observada em crianças com atraso global de desenvolvimento. Piaget explica como a noção de espaço é criada: "é necessário seguir com o olhar para se construir o conceito de espaço" (Andrade, 2000, p.185). O que os fisioterapeutas têm observado, é o aspecto do "distúrbio sensorial" também enfatizado por teóricos como Bobath, Luria e Piaget - A relação existente entre sensação e movimento. Limongi (APUD Andrade, 2000 p.186) afirma que "do ponto de 27 vista sensorial é de grande importância, salientar que o desenvolvimento de si mesmo e do meio ambiente, assim como o reconhecimento de tudo o que o ser humano pode fazer, são devidos às múltiplas informações sensoriais que chegam ao organismo." Muitos já consideram as deficiências dos portadores de lesões neurológicas como "deficiências neurossensório-motoras" e adotam o termo Desenvolvimento Sensório-motor quando se referem ao desenvolvimento motor. (Andrade, p.186). A maioria continua utilizando o termo deficiência neuromotora, mas valoriza o aspecto sensorial. Algumas crianças não conseguem adquirir qualquer tipo de linguagem. Podem ser mudas, ecolálicas ou apresentar uma linguagem primitiva, como é o caso de crianças portadoras de deficiência mental profunda; distúrbios emocionais ou surdez congênita também podem apresentar pouca ou nenhuma linguagem; crianças com disfasias, devido a problemas neurológicos resultantes de doenças ou trauma. O PC está incluído nessa categoria. A Paralisia Cerebral lesiona o cérebro imaturo de diversas maneiras, comprometendo áreas diversas. A classificação como vimos é extensa, devido à variação dos quadros e sintomas, assim como as áreas comprometidas. Uma criança PC com hidrocefalia pode diferir de outra, com um mesmo quadro clínico - enquanto uma pode desenvolver a fala, a outra, devido a lesões em mais segmentos do cérebro não consegue articular os sons. Isto explica porque “a Paralisia Cerebral é uma patologia complexa e que envolve todas as áreas do desenvolvimento do indivíduo.” (Limongi, 2000, p.1) e a variação da deficiência da linguagem nesses pacientes é muito grande. Quando o cérebro é lesionado durante a gestação, seja por doenças ou traumatismo, haverá também a probabilidade de um retardo da fala, após o nascimento. Além de comprometimento neuromotor, pode ocorrer perda da audição, visão sub-normal, retardando o processo de aprendizagem por dificuldades de percepção dos estímulos visuais e auditivos. O paciente terá dificuldades em se comunicar /receber mensagens causando sintomas como: irritabilidade, hiperatividade e incapacidade de tolerar o estresse, levandoo ao isolamento e agravando ainda mais a pouca capacidade de utilizar símbolos com significado, como na disfasia. Quando ocorre um distúrbio neurológico que dificulta o uso dos símbolos pela criança “o problema não reside nos lábios ou na língua, mas na 28 compreensão e no uso da linguagem” (Riper & Emerick, 1997 p.30). Outro problema que surge é o comprometimento da fala motora – a dificuldade em articular os sons (disartria e dispraxia). A disartria, “refere-se à fala distorcida causada por lesões no Sistema Nervoso Central que tornam muito difíceis as coordenações necessárias à fala” (IBID, p.30): – A língua faz movimentos desordenados e é comum os lábios tremerem; a mandíbula não se move no tempo certo e/ ou para os lados; – A laringe pode estar deslocada; o tórax costuma se expandir, toda vez que a criança tenta falar e inspirar, ao mesmo tempo. – Observa-se um esforço grande da criança para articular e tentar se comunicar. – Outras vezes o grau de comprometimento pode não ser tão generalizado, afetando somente a pronúncia de sons produzidos com a ponta da língua. Apresentarei aqui, um exemplo clínico de disfunção da fala, com uma paciente que estou atendendo no Ambulatório de Neuropediatria do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora: Ana Kelly tem cinco anos, é portadora de PC com Hidrocefalia. Nasceu de parto prematuro, porém, a intervenção e o tratamento foram imediatos [iniciados aos 4 meses]. A válvula craniana foi colocada aos 18 meses. Iniciei as sessões de musicoterapia em abril / 2002, com o estágio exigido pelo CBM. A paciente foi indicada para as sessões, por orientação da fonoaudióloga, de se trabalhar a articulação dos sons fricativos e linguodentais. Ana apresenta disartria menos severa, com impedimento de articulação da ponta da língua. A oclusão é parcial [fechamento] até os primeiros molares decíduos, ficando a região de canino a canino sem ocluir, o que dificulta a pronúncia de vocábulos dos grupos consonantais [di, te, ti, chi, chu]. Ela conseguiu, com mais rapidez, pronunciar palavras linguodentais [Kelly, laranja]. O ritmo da fala é lento, entrecortado pela respiração bucal, apresentando fadiga entre as frases, e a emissão vocal é fraca e rouca. Trabalho de acordo com o seu ritmo corporal, que também é lento, acompanhando o tempo de movimentos da mandíbula. 29 O trabalho de vocalização continua sendo o objetivo principal, seguido de atividades para melhorar a postura e controle de tronco – pois apresenta reação de abertura da boca, quando tenta levantar os braços ou segurar objetos. É uma criança tímida, e só se mostra à vontade quando sente confiança com as pessoas. A dispraxia da fala – em geral denominada apraxia – seria “a perda da capacidade de programar voluntariamente a produção e o sequenciamento dos sons da fala.” (IBID, p.131). Embora a criança não apresente uma paralisia muscular, sua articulação é “deturpada” e ela parece não saber o que fazer com a língua e os lábios para falar. Geralmente, é uma fala incompreensível, é preciso prestar muita atenção nos movimentos orais do paciente e, se preciso pedir ajuda a quem convive no dia a dia com ele, já compreendendo a sua fala. É comum, nas primeiras sessões com o paciente, pensarmos que ele reclama de alguma intervenção, ou rejeita algum instrumento, enquanto a mãe fala, prontamente: “ele está é gostando!” De uma forma ou de outra, a mãe mantém uma comunicação com o (a) filho (a) e consegue dar um significado para a sua voz e gestos. Frazão (2000, p.26) esclarece sobre como a criança é inserida na linguagem pela interpretação do adulto: “mesmo quando a criança ainda não fala [bebê] seus gestos, olhares, gorjeios e balbucios e mais tarde, sua fala, são interpretados como demanda de significado”. Josias é portador de PC, não anda, e seu tônus flutua de espástico a hipotônico com freqüência. Ele na verdade não tem disartria, pois não fala, mas emite alguns sons musicais, quando canto na mesma altura que ele, olhando nos seus olhos. Ele corresponde ao meu olhar, fixando os olhos na minha boca, emitindo sons junto comigo. Sua voz é grave, e se manifesta no momento em que canto alguma canção da sua preferência, geralmente no tom de Lá Maior. Procuro cantar sempre na altura próxima aos intervalos do tom, evitando notas muito agudas. O ritmo é bem marcado nos instrumentos de percussão e o instrumento utilizado para a harmonia é o violão, cuja sonoridade chama-lhe bem a atenção. Noto que seus lábios pouco se mexem, a língua se move, querendo fazer igual. A mãe senta-se próxima a nós, e gosta de participar. Quando, noto uma mudança na expressão de Josias, pergunto a ela o que ele quer. Ela “traduz” para mim, porque consegue se comunicar com o filho e entender sua mensagem. 30 A afasia “refere-se à perda da fala, de forma que não parece adequado usá-lo em crianças que nunca a desenvolveram.” (Riper & Emerick, p.131). Para Zorzi (1999, p.123) “as afasias correspondem às perdas ou alterações de funções lingüísticas já constituídas em razão de lesão ou dano cerebral.” O autor explica que é um distúrbio de linguagem adquirido, referindo-se a traumatismos crânio encefálicos ou o aparecimento de desordens neurológicas com quadros convulsivos (AVES). Alguns terapeutas relacionam a afasia a distúrbios de simbolização da linguagem e não de fala - o problema está na dificuldade da compreensão do significado: “A afasia se manifesta principalmente em transtornos da expressão e da recepção do código simbólico e da linguagem falada ou escrita” (Wagner, 1988, p.144). A criança tem dificuldades em expressar-se verbalmente, como também compreender o que os outros estão dizendo. Pode apresentar ainda deficiências na leitura, escrita, cálculo e desenho, no vestir, ou seja, transtornos nas atividades cognitivas e da vida diária. Essa dificuldade pode ser explicada através de estudos da organização neural que é afetada quando há uma lesão nos hemisférios. Kimura APUD Wagner (1988, p.146), com base na escuta “dicótica” em crianças, sugere que “na idade de 4 a 5 anos a predominância do hemisfério esquerdo está estabelecida.” As áreas cerebrais responsáveis pelas funções intelectuais são interligadas, portanto uma lesão numa área pode afetar as outras. De acordo com estudos de Sloboda (1985, p.239-269), “a função da linguagem [nos destros] não é inteiramente confinada ao hemisfério esquerdo”. Quando ocorrem lesões abrangendo o hemisfério esquerdo, as funções que ali seriam desenvolvidas migram para o hemisfério direito. Contudo, essas funções vão se desenvolver junto com outras capacidades cognitivas localizadas nessa área, portanto “A linguagem assim adquirida pode sofrer pelo inadequado uso do território neuronal disponível,” (Wagner, 1988, p.146) o que afetará o indivíduo como um todo, principalmente na parte psíquica, pois a aquisição da palavra é uma fase fundamental na vida humana. 31 3. Musicoterapia na disfunção da linguagem “O advento da psicanálise, descobrindo a palavra como meio de cura, põe uma pá de cal sobre a musicoterapia no ocaso do século 19” (Costa 1989, p.32). Seria importante, neste capítulo, definir Musicoterapia como um “processo sistemático de intervenção em que o terapeuta ajuda o cliente a promover a saúde utilizando experiências musicais e as relações que se desenvolvem delas como forças dinâmicas de mudança” de acordo com Bruscia (2000, p.22). A intervenção ocorre, onde o objetivo seja quebrar padrões, melhorar posturas, promover a socialização – com pacientes que não permitem o toque ou tendem ao isolamento. Também pode ser utilizada com o objetivo de mobilizar pacientes que não reagem ao som, devido à perda auditiva, desenvolver a capacidade proprioceptiva, a percepção de sons, ritmos e emissão vocal que provoquem uma reação estímulo / resposta. Também, sob o ponto de vista dinâmico, Benenzon, APUD Wagner (1988, p.141) assim define a Musicoterapia: “A musicoterapia é uma técnica de comunicação que utiliza o som, a música e o movimento como objetos intermediários, e que esses elementos pré-verbais e não verbais permitem retroagir a comunicação a estados muito regressivos, o que nos faculta reelaborar uma aprendizagem do paciente” (Benenzon, 1976) (26,8) Wagner, (1988, p. 141-142) escreve sobre O tratamento Musicoterápico do Afásico e entende que o termo Musicoterapia pode também “definir um método terapêutico específico”, que pode “modificar a estrutura da personalidade humana e superar sintomas patológicos.”. O paradoxo entre o verbal e o não verbal, existente entre o século passado e o atual, demonstra que os estudiosos do século 19 sabiam da influência benéfica dos sons, mas não conseguiam especificar e nem descrever as propriedades terapêuticas exatas da música “sobre um órgão próprio” – o que se opunha à necessidade de se explicar todos os fenômenos, numa época de “grande efervescência de idéias” (Costa, p.33). O modelo médico preconizava, sobretudo, resultados clínicos objetivos – contrapondo-se com a natureza subjetiva da música. 32 Com a difusão dos meios de comunicação, a música passou a ser divulgada sem a necessidade exclusiva do executante. A indústria fonográfica expandiu-se, veiculando a música em todos os ambientes, para todas as ocasiões. A relação homem/ som volta a interessar musicólogos e teóricos. A música é integrada ao grupo das terapias, com discussões e críticas sobre uma teoria jovem e pouco convincente para um grupo mais resistente, ainda com idéias préconcebidas em considerar muitas disciplinas paramédicas como holísticas – alternativas – que podem se prestar ao relaxamento ou à distração do paciente, enquanto ele é “tratado” por profissionais de outras áreas. O princípio de tratamento da musicoterapia é o sonoro, a linguagem musical, contrapondo-se com a palavra, tida como o argumento principal das psicoterapias. Guattari atenta para a necessidade de reciclagem permanente dos paradigmas estéticos e na reformulação das práticas psicoterápicas para que os procedimentos e as próprias disciplinas não fiquem defasados: “O povo ‘psi’, para convergir nessa perspectiva com o mundo da arte, se vê intimado a se desfazer de seus aventais brancos, a começar por aqueles invisíveis que carrega na cabeça, em sua linguagem e em suas maneiras de ser [...]” (Guattari, 1990) A partir dessa reflexão, entendemos que a musicoterapia se enquadra no grupo das ‘psi’ com o compromisso, entre outros, de “evoluir sua prática tanto quanto suas bases teóricas”. (IBID, p.39), afinal, como enfatiza Chagas “uma profissão nova como a nossa, que queira existir em um campo como o de profissionais da saúde no Brasil, enfrentará inúmeras disputas na ordem do poder.” (Chagas, 2001, p.113) Em se tratando de pacientes não verbais ou pré-verbais, o objetivo mais importante na utilização de técnicas musicoterápicas no tratamento das disfunções da fala, seria propiciar à criança caminhos para interagir com a família e com o meio, e que seja capaz de responder, à sua maneira, aos estímulos que a cercam. Assim, os pais poderiam oferecer ambientes acústicos / linguísticos razoáveis, suficientes para conseguir lidar com as habilidades e com os impedimentos da criança. Embora a comunicação do paciente esteja alterada, devemos entender que se trata de paciente com cognição (em maior ou menor grau), e que este é capaz de perceber, reagir e se comunicar. 33 Assim como todas as outras áreas de reabilitação, a musicoterapia deve-se orientar por métodos e técnicas adequadas a cada tipo de lesão, e principalmente, a cada tipo de paciente. Como foi descrito no primeiro capítulo, cada patologia estabelece padrões físicos e emocionais que identificam um tipo específico de paciente. Mesmo que os pacientes de uma determinada instituição se configurem como um grupo sociocultural local, a estrutura individual estará implícita na história sonora de cada paciente – o ISO Individual – portanto, deve-se trabalhar a expressão sonora vocal de cada um. De acordo com Jung “a individuação é o processo de constituição e particularização da essência individual!... Um processo de diferenciação que tem por objeto o desenvolvimento da personalidade” (Jung, 1948). Wagner preconiza objetivos terapêuticos relacionados com um melhor equilíbrio psicomotor, assim como muitos dos “aspectos analógicos da relação com o outro” como, por exemplo: “funções e vínculos traduzidos em diálogos sonoros, formas especiais de não comunicação – no caso do isolamento, aspectos de conexão com a realidade, como é o perceber um estímulo e responder a ele de forma pertinente” (IBID, p.143). A linguagem “corpóreo-sonoro-musical” permite que a musicoterapia envolva o indivíduo como um todo, possibilitando uma tomada de consciência do próprio corpo – o que é dificultado pelas diferentes lesões que podem alterar o esquema corporal. Conhecendo-se os sintomas e características de cada quadro clínico é um ponto de partida para o início do tratamento. Benenzon diz ser possível acontecer o processo musicoterapêutico, através do princípio de ISO e do contato com o fenômeno corpóreo-sonoro-musical do paciente: “Aproximarmo-nos das manifestações corpóreo-sonoro-musicais da pessoa afásica pode ser o começo de um processo musicoterapêutico.” (IBID, p.147). A musicoterapia poderá ser realizada em conjunto com o tratamento para a correção da fala, o que pode ser orientado pelo fonoaudiólogo. O objetivo é possibilitar uma maior interação do PC, mesmo que seja difícil se expressar verbalmente. É preciso saber em que etapa sonora a criança se encontra, para que as atividades sejam compatíveis com o seu estágio de desenvolvimento, sem que o paciente sinta-se exigido além de sua capacidade. 34 Na avaliação do paciente, temos como objetivos de acordo com Ribeiro (2001): - Estabelecer contato inicial; observar e retratar as suas características: física (postura), emocional, mental e comportamental; - Avaliar sua reação e interesse aos estímulos sonoros apresentados; - Observar as suas preferências musicais; - Analisar a sua reação ao terapeuta e ao ambiente; - Observar quem o acompanha e a maneira como lida com o PC, no aspecto afetivo e no cuidar; Devem-se utilizar técnicas e elementos que possibilitem a estimulação auditiva, tátil e visual, como também a parte cognitiva, fonológica e emocional (Ribeiro, 2001): - Para a estimulação auditiva / visual, utilizar instrumentos, a partir dos quais o paciente possa identificar e discriminar a fonte sonora, que perceba a noção de meio e fim – através da melodia e do ritmo; - Na estimulação tátil, trabalhar a sensibilização / dessensibilização com vibração – de diferentes texturas e temperaturas [estimulação com água]; tocar a superfície do instrumento – couro, madeira, metal; - Na estimulação vocal, podem-se utilizar sons pré-vocais (estalidos, sons produzidos pelos lábios, bochechas e dentes); sons pré-verbais (boca chiusa, onomatopéias) - Na estimulação motora, estimular os membros através do ritmo com instrumentos que facilitem a preensão e a sensibilização das mãos (coordenação fina); toque nos pés, no ritmo da melodia; utilizar canções para jogos respiratórios de sopro, imitando objetos como bolas de soprar; movimento corporal, através da dança e do balanço (equilíbrio); locomoção – arrastar, engatinhar em direção ao instrumento (reforço positivo); Na estimulação mental e cognitiva da linguagem e da voz, pode-se utilizar a Técnica de Audição, incluindo as experiências sugeridas por Bruscia (2000, p.129-134) quanto às aplicações do processo de escuta, combinadas com a técnica de Improvisação: 35 - Escuta somática: Ressonância – para fazer vibrar a região peitoral do paciente que necessita de fisioterapia respiratória, para a desobstrução e expulsão do muco, utilizando o reco-reco, afoxé ou mesmo o vibrador; - Escuta eurrítmica: monitorar as habilidades motoras do paciente (coordenação grossa e fina, marcha, trabalhar a postura e movimentos corporais) - Escuta projetiva: contar histórias, fazendo com que o paciente participe (caso consiga falar) complementando a narração; dramatização na qual o paciente represente um personagem, ou o que escuta na música; utilizar onomatopéias (bichos, instrumentos, chuva) que também irão estimular a linguagem, a articulação de fonemas e associação do pensamento, facilitando sua concentração e cooperação nas atividades. Tão logo as alterações sejam diagnosticadas, o tratamento de reabilitação do paciente deve ser planejado junto à equipe interdisciplinar em que participam: pediatra, otorrinolaringologista, neurologista, oftalmologista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e musicoterapeuta. É importante que todos os aspectos e alterações sejam observados e anotados: desenvolvimento cognitivo, social, motor, de linguagem, auditivo e visual. "A observação comportamental é fundamental para verificar o uso funcional da audição, sua integração, harmonia ou discrepância com os outros aspectos do desenvolvimento" (Andrade, 2000, p.158). O atendimento interdisciplinar estabelece objetivos comuns, com intervenções feitas a partir das técnicas utilizadas por cada disciplina, e quando os profissionais, na medida do possível, entram em consonância nas atividades e no cuidar terapêutico de um mesmo paciente. A musicoterapia vem sendo considerada como um excelente recurso, para estimular e ajudar no processo de reabilitação do PC, principalmente no trabalho com profissionais da área de reabilitação, pois possibilita, também, que as relações entre paciente e a equipe se desenvolvam durante os procedimentos, “atuando como um fator de mudança a partir das experiências musicais” (Baranow, 2001, p.37). É a sua função mobilizadora / desestabilizadora que tem por missão: quebrar padrões e resistências, abrir caminhos para a penetração do sonoro, envolvendo paciente e terapeutas, modificando a “paisagem sonora” da instituição. 36 CONSIDERAÇÕES FINAIS O assunto abordado foi desenvolvido, a partir de tópicos pesquisados na área de fonoaudiologia, que é uma área muito ampla, pois abrangem conhecimentos de anatomia, fisiologia, neurologia, psicologia, pedagogia, otorrinolaringologia, entre outras. Através da opinião de especialistas ligados às diversas áreas de reabilitação, percebemos o quanto a Paralisia Cerebral é uma lesão que desafia os prognósticos e a capacidade de recuperação de cada tipo de criança. As patologias possuem variáveis nos aspectos diversos – desde o tipo de paciente até os prognósticos para uma mesma lesão. Não têm parâmetros regulares para se afirmar categoricamente que evoluem de uma mesma forma, o que torna mais interessante a aplicação da musicoterapia nesta área. Esta amplidão de conteúdos de áreas afins e / ou opostas, exige que o musicoterapeuta se informe pelo menos, sobre as terminologias utilizadas em cada área. Deve adquirir também, conhecimentos gerais sobre as características de cada patologia ou o tipo de deficiência que encontrar pela frente, para que possa exercer a profissão com mais segurança. Esta postura é muito importante para que profissionais das outras áreas considerem e respeitem as idéias e teorias que surgem de uma profissão que vem se firmando perante a área de saúde [médica e paramédica]. As doenças neurológicas são uma incógnita, um desafio, mesmo para os especialistas em estudos do cérebro, considerando-se que há, ainda, muito por se pesquisar e descobrir os caminhos por onde a música percorre para atingir o paciente. O que se observa, também, é uma Identidade Sonora Cultural, formada por mães e crianças (pacientes) de um mesmo nível sócio cultural – comunitário e regional – o que leva às preferências musicais semelhantes ou costumeiras. Devemos estar preparados para lidar com a resistência, e mesmo com a rejeição do paciente, como também enfrentar situações como as diferenças dentro da equipe interdisciplinar. A aceitação do outro contrabalança a empatia, que nem sempre existe. Contudo, o mais importante é ser reconhecido como um elemento integrador – enquanto suporte musical, emocional e afetivo, através da musicoterapia. 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Mário Lúcio Uchôa in LIMONGI. Fisioterapia e o trabalho fonoaudiológico em linguagem e comunicação na Paralisia Cerebral. Carapicuíba: Pró-fono, 2000 ARON, Diament, CYPEL, Saul et al. Neurologia infantil – 3a ed. São Paulo: Atheneu, 1996. BARANOW, Ana Léa Maranhão Von. Os territórios num trabalho em equipe com musicoterapia. Revista Brasileira de Musicoterapia. Ano VI – n º 5 – 2001 BARCELLOS, Lia Rejane Mendes. Cadernos de Musicoterapia1 Rio de Janeiro: Enelivros,1992 BENENZON, Rolando. Teoria da musicoterapia. 2 ed. Trad. Ana Sheila M. de Uricoechea. São Paulo: Summus, 1988. BOBATH, Karel. Uma base neurofisiológica para o Tratamento da Paralisia Cerebral 2 ed. São Paulo: Manole Ltda., 1999 BRUSCIA, Kenneth E. Definindo Musicoterapia 2 ed. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000 CHAGAS, Marly. Musicoterapia – Uma aplicação das idéias de Bordieu na análise de panorama contemporâneo. Revista Brasileira de Musicoterapia. Ano VI – n º 5 – 2001 COSTA, Clarice Moura. O despertar para o outro: musicoterapia. São Paulo: Sumus, 1989. ETCHEGOYEN, R. Horacio. Fundamentos da Técnica Psicanalítica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987 FISIOTERAPIA, Curso de – Musicoterapia como Recurso Fisioterapêutico. TCC– Rosane Cristiane Ferreira da Cruz. São Paulo: Universidade Bandeirante de São Paulo, 2001 FRANCO, Lean Fontain. Método Verbotonal Associado aos Conceitos Bobath. Paralisia Cerebral. Home Page: http://www.geocities.com/bia_franco/Artigo02.htm. - 2002 FRAZÃO, Yasmin Salles in LIMONGI. Linguagem na terapia fonoaudiológica com bebês portadores de Paralisia Cerebral. Carapicuíba: Pró-Fono, 2000 GOLDFELD, Marcia. Fundamentos em Fonoaudiologia – Linguagem. Rio de Janeiro: Guanabara koogan, 1998 38 GREENSON, Ralph R. A Técnica e a Prática da Psicanálise Rio de Janeiro: Imago,1981. 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Disfagia – dificuldade de engolir. Dismetria – problema de coordenação do movimento no espaço. Dispraxia – forma discreta da apraxia. Ecolalia – repetição automática e imediata de palavras. Encefalopatia – patologia relativa ao Encéfalo – ECI – Encefalopatia Crônica da Infância (Paralisia Cerebral) Epilepsia – afecção caracterizada pelo aparecimento de crises convulsivas com ou sem ausência mental (perda da conciência) Escapular – relativo à cintura escapular – ombro (omoplata) que serve de inserção ao membro superior. Hidropisia – (hydros – água) acúmulo patológico de líquido ou serosidade nos órgãos, principalmente no abdome. Prono – pronação – inclinação para dentro (voltado para baixo) Sialorréia – (do grego sialon, saliva + rhein, escorrer) aumento anormal do fluxo salivar. Supino – supinação – rotação para fora (voltado para cima) Teratogênico – (do grego Teratos, monstro) agente mecânico, químico, físico ou microbiano que deforma o embrião. Valgagismo – desvio de um membro ou de seu segmento para fora; joelho valgo