1
CONSERVATÓRIO BRASILEIRO DE MÚSICA - CBM
CENTRO UNIVERSITÁRIO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MUSICOTERAPIA
ANA MARIA RIBEIRO LOBATO
PARALISIA
CEREBRAL
Musicoterapia na disfunção da linguagem
Rio de janeiro - 2002
2
ANA MARIA RIBEIRO LOBATO
PARALISIA CEREBRAL
Musicoterapia na disfunção da linguagem
Monografia apresentada ao Curso de
Pós-graduação em Musicoterapia do
Conservatório Brasileiro de Música
CBM como requisito parcial para
a obtenção do título de especialista
Rio de Janeiro – 2002
3
Dedico este trabalho a todos os
pacientes que me fizeram ver o
belo, além da deficiência.
Ao Carlos meu sempre companheiro,
amado e amigo, em todas as horas
À minha Letícia, por suas lutas e
conquistas, durante a minha ausência
4
Agradeço a todos que me incentivaram
a trilhar novamente os caminhos da
música:
À Lia Rejane Mendes Barcellos, pela
competência nas orientações
À Marly Chagas, pelo suporte
psicológico, diante de nossas
incertezas...
Aos professores do curso de pósgraduação de musicoterapia pelo
acolhimento necessário, frente às
nossas dúvidas e sede de aprender
5
RESUMO
A Paralisia Cerebral, também conhecida como Encefalopatia Crônica da Infância, é
uma doença não progressiva, que atinge o cérebro imaturo em áreas diversas,
comprometendo a coordenação motora, a capacidade de a criança exercer atividades
normais, como andar, falar e tornar-se independente. Cada área afetada implica em
impedimentos diferenciados para cada indivíduo portador de Paralisia Cerebral, o que
determina um perfil diferente para cada paciente, com relação à personalidade, à cognição
e a capacidade de interagir com o meio.. A aquisição da linguagem não se dá de maneira
isolada, no desenvolvimento infantil. A criança interage com o mundo, a partir da
representação simbólica dos objetos e das pessoas e através do desenvolvimento
neurossensorial, com a formação da audição, tato, visão e percepção vestibular do
equilíbrio, que se processam por meio da adaptação, coordenação, controle motor (grosso e
fino), marcha e desenvolvimento da linguagem. Em crianças, cujo desenvolvimento é
comprometido por lesão neurológica, o processo se faz de maneira incompleta. Há
desenvolvimento de funções vitais, mas, com o passar dos meses, a criança demonstra
comportamentos defasados em relação a outras, quanto às funções sensoriais, motoras e
cognitivas da linguagem e da compreensão dos significados. O musicoterapeuta atua, a
partir dos estágios de desenvolvimento infantil, atentando para a etapa sonora em que se
encontra o paciente, respeitando as suas limitações e resistências, favorecendo, através das
sessões uma melhor integração do paciente com o meio. O objeto de ajuda é a música, que
possibilita a interação terapeuta / paciente, dependendo, também, do preparo teórico,
técnico e estrutural do musicoterapeuta. O trabalho em equipe gera maiores chances de
progressos do paciente, a partir dos esforços e objetivos comuns, onde cada um produz de
acordo com os princípios teóricos e práticos de cada disciplina. Este trabalho foi baseado
em fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos e musicoterapeutas que pesquisam sobre o
desenvolvimento e patologias da linguagem, decorrentes de distúrbios neurológicos, como
também sobre os efeitos da música em pacientes que podem ser beneficiados pela
musicoterapia. Foi dividido em três capítulos, encerrando em considerações finais, o que
sugere mais estudos nesse campo.
6
SUMÁRIO
Introdução
1. Paralisia Cerebral
7
8
1.1. Etiologia
9
1.2. Classificação
10
1.2.1. Topografia
10
1.2.2. Tônus
11
1.2.3. Reflexo e Reação
12
1.2.4. QI e Traços de personalidade
15
2. Desenvolvimento neuropsicomotor e
Sua relação com a linguagem
17
2.1. Música e linguagem
20
2.2. O desenvolvimento da linguagem musical
21
2.3. Crianças não-verbais
23
3. Musicoterapia na disfunção da linguagem
31
4. Considerações finais
36
Referências Bibliográficas
37
Glossário de termos médicos
39
7
INTRODUÇÃO
A necessidade de pesquisar, mais a fundo os problemas de linguagem em crianças
portadoras de Paralisia Cerebral, foi o que me levou a escolher este tema. Sobre as
respostas que obtenho, dos pacientes, atribuo este retorno à natureza da música – de
suscitar respostas, estimular os sentidos em crianças com déficits auditivos e visuais, abrir
canais de comunicação no paciente com isolamento, quebrar padrões de rigidez nos
espásticos, permitir o contato físico e melhorar o relacionamento sócio-afetivo destes.
O primeiro capítulo trata da definição, etiologia e classificação dos tipos de lesões
neurológicas, das características neuro-motoras gerais e individuais. No segundo capítulo,
faço uma relação do desenvolvimento neuromotor com a linguagem, desde as etapas
sensórias até a produção da fala, culminando na sua independência perceptiva.
Complementando este capítulo, traço um paralelo entre o desenvolvimento da linguagem
verbal e da música, utilizando as etapas do desenvolvimento e a enculturação.
A defasagem da linguagem, na criança de risco neurológico é descrita como
decorrente do comprometimento dos reflexos primários sensório / motores – responsáveis
pela percepção auditiva, visual e proprioceptiva, que impedirão ou dificultarão a criança de
vencer as etapas do seu desenvolvimento.
No terceiro capítulo apresento as propostas de trabalho da musicoterapia aplicada à
Paralisia Cerebral, baseada em argumentos teóricos de musicoterapeutas e professores do
assunto. Enfatizo a questão do atendimento interdisciplinar, da relação entre os
profissionais da equipe e da necessidade de um entrosamento com objetivos voltados para
a reabilitação do paciente. Alguns casos clínicos são descritos para ilustrar os problemas de
linguagem, decorrentes de lesões neurológicas.
São pacientes atendidos no Departamento de Neurologia Pediátrica do Hospital
Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, e, graças à conscientização
da coordenação de fisioterapia, a musicoterapia está surgindo dentro da instituição, como
mais uma opção de tratamento para os pacientes.
8
1. Paralisia Cerebral – PC
É uma desordem do movimento e da postura devida a um defeito ou lesão do
cérebro imaturo. “A lesão não é progressiva, mas provoca debilitação variável na
coordenação muscular com resultante incapacidade da criança em manter posturas e
realizar movimentos normais. Esta deficiência motora está freqüentemente associada a
problemas de fala, audição, vários distúrbios de percepção, retardo mental e/ou epilepsias e
problemas emocionais”. (Berta Bobath). Para o Dr. Karel Bobath “PC é o resultado de uma
lesão do cérebro, de caráter não progressivo e existindo desde a infância até os 03 anos”
(Bobath, 1999, p. 8).
O termo encefalopatia significa lesão maior ou menor do encéfalo, resultando em
quadros clínicos os mais variados possíveis e podendo adotar um caráter agudo ou crônico
quanto à sua evolução clínica. A expressão paralisia cerebral (PC) surgiu na “fase
neurológica” de Freud – ao estudar a Síndrome de Little.
Em 1843, e depois, em 1853 descreveu esta enfermidade caracterizada por rigidez
muscular, predominando nos membros inferiores, e ocasionada por diferentes transtornos
provocados por asfixia durante o nascimento. Phelps apud Aron & Cypel (1996, p.781)
generalizou o uso do termo PC para diferenciá-lo do termo Paralisia infantil, que causava
paralisias flácidas.
1.1. Etiologia
Causas Pré-natais:
-
Maternas: condições mórbidas (hipertensão, desnutrição, deficiências protêicas e
vitamínicas); Diabetes; idade avançada (paciente de risco); Rubéola.
-
Tóxicas: malformações por drogas e / ou medicamentos (Talidomida, entorpecentes,
analgésicos, anestésicos, drogas com efeitos teratogênicos).
9
-
Infecciosas: Icterícia; Meningite no período fetal em decorrência de toxoplasmose,
citomegalia ou varíola); Sífilis; AIDS (Transmissão do vírus HIV )
-
Incompatibilidade sangüínea: fator Rh – e Sistema ABO
-
Doenças Genéticas: Síndromes cromossômicas
Causas Perinatais:
-
Anoxia perinatal: Redução dos níveis fisiológicos da quantidade de oxigênio presente
nos tecidos orgânicos, que podem causar acidose respiratória (retenção de CO2). É a
maior causa de mortalidade perinatal (30-40%)
-
Traumatismo crânio encefálico: compressão por fórceps – causando hemorragia
meníngea, fibrose aracnóide, convulsão; rotura de veias do cerebelo
-
Placentárias: senilidade; enfartes; hemorragias; hidropisia; inserções anormais;
placenta prévia; descolamento prematuro; compressão do cordão umbilical por
prolapso, nós apertados.
-
Prematuridade: crianças com peso abaixo de 1000 g.
Causas pós-natais:
- Respiratórias: pulmonares e extra - pulmonares.
Pulmonares – prematuridade; malformações congênitas; obstruções por aspiração
amniótica; rotura ou colapso alveolar; exsudatos, membranas e/ou hemorragias intraalveolares.
Extra - pulmonares – malformações congênitas; Pneumotórax; derrames pleurais,
pericárdicos, peritoneais, hérnias, tumores intratoráxicos.
- Caridiopatias congênitas: distúrbios circulatórios, prolapso, arritmia cardíaca.
- Anêmicas e hemorrágicas: causando principalmente Choque.
- Metabólicas: acidose (sofrimento fetal durante e após o parto)
- Malformações cranianas: Craniostenose (Virchow) – soldura precoce de uma ou mais
suturas cranianas; Doença de Crouzm (compressão das suturas e do cérebro)
10
1.2. Classificação
A criança portadora de Paralisia Cerebral pode apresentar distúrbios associados
como: problemas cardiorrespiratórios, deficiência mental, comprometimentos motores da
fala, audição, visão, deglutição, tato, propiocepção e equilíbrio, dependendo da área lesada.
1.2.1. Topografia (área afetada)
A terminologia Plegia origina-se do grego plege – ferida.
-
Tetraplegia: É o tipo mais freqüente, sendo uma forma muito grave, superada apenas
pela rigidez. As manifestações clínicas são, em geral, observadas desde o nascimento e
o quadro agrava-se com o crescimento físico; a criança não sustenta a cabeça, não
senta, não engatinha; tem dificuldades para deglutir e mastigar. Apresenta sialorréia
contínua, em virtude da disfagia e boca aberta; a gengiva apresenta coloração
vermelha, lisa e desidratada pela hipotonia das estruturas bucais.
-
Diplegia: Também denominada paraplegia, afeta os membros inferiores, e a lesão
ocorre nos dois hemisférios cerebrais. A criança não anda, mas exerce funções com
membros superiores; apresenta desequilíbrio e não consegue sustentar o tronco, quando
sentada.
-
Hemiplegia: Só é percebida após alguns meses, quando a família nota que a criança usa
apenas os membros de um hemicorpo, ou quando faz uso bimanual dos objetos.
-
Monoplegia: Paralisia que afeta o conjunto muscular de um só membro, superior ou
inferior – Ex: Lesão de Plexo Braquial (causada por trauma no parto, durante a retirada
do bebê)
11
1.2.2. Tônus
Tônus muscular ou tonicidade é o estado particular de tensão permanente e
involuntária dos tecidos vivos, especialmente do tecido muscular, sob a dependência do
sistema nervoso central e periférico. Arrarte APUD Andrade (2000, p.186) afirma que “o
músculo normal, quando em repouso e relaxado, apresenta certa resistência, certa tensão
que lhe são próprias [...] o tônus tem como qualidades básicas ser voluntário, permanente,
variável e de origem reflexa”.
É o responsável pela manutenção das posturas estática e dinâmica, sendo uma,
apenas a variação da outra. Modificando o tônus, modifica-se a postura. Classificando os
tipos de pacientes quanto ao Tônus, temos:
-
Espástico: É retido nos movimentos, não relaxa a musculatura dos membros,
contrapondo com hipotonia dos eretores da cabeça e do tronco. A hipertonia instalada
pode ser grave, moderada ou leve – “a perda do controle dos centros superiores sobre a
ação muscular faz com que os estímulos recebidos levem a contrações musculares
cíclicas que aumentam o tônus” (Andrade, 2000, p.191). É importante lembrar, que esses
reflexos são normais nos primeiros seis meses de vida, mas depois [com o
desenvolvimento neuropsicomotor normal] tendem a desaparecer, o que não acontece
numa criança PC espástica. Os estímulos podem ser os mais variados possíveis –
sonoros, luminosos, mecânicos, térmicos, entre outros. De acordo com o autor, não
podemos evitar a ação constante da gravidade que atua sobre os reflexos tônicos, mas
podemos atenuar o seu efeito com manobras e evitando que a criança fique sempre
numa mesma posição.
-
Atetóide: A etiologia está associada à icterícia grave neonatal. O paciente faz
Hipertonia em extensão, provocando a posição de opistótono (do grego - contratura),
com acentuado reflexo tônico-cervical. A movimentação voluntária é escassa e
perturbada por hipercinesias. Nos atetóides está presente a distonia – que é a flutuação
do tônus da criança, indo e voltando da hipotonia para a hipertonia (criança distônica),
ora havendo predominância do tônus extensor, ora da flacidez, com a criança
12
“desabando” (IBID, p.199). Por apresentarem grande motilidade articular, não sofrem
retrações e /ou deformidades, mas ficam sujeitos a luxações, principalmente nos
ombros, mandíbulas e dedos. (IBID, p.200) Requerem cuidados no manuseio e
atividades, e apresentam bom desenvolvimento intelectual – com déficit de controle
motor. O objetivo do tratamento é assegurar-lhes sistemas alternativos de comunicação,
pois apresentam disfasias e dificuldades com a escrita manual.
-
Coreoatetósico: (coreo – dança) - Apresenta movimentação desconjuntada, como uma
dança. Tem a cognição preservada.
-
Atáxico: É uma forma rara. O quadro é dominado por descoordenação estática e
cinética. O PC apresenta tremores de ação, dismetria, e a marcha é atáxica
(desordenada). Apresenta hipotonia, pois os músculos não realizam as contrações
voluntárias ou reflexas, necessárias ao ajustamento da postura.
-
Hipotônico: Pouco freqüente e mais grave. Comprometimento motor intenso,
desenvolvimento cognitivo limitado; reflexos pouco nítidos, persistindo nos casos de
retardo mental e em ataxia cerebelar. A criança tem que ser trabalhada com apoio e
manipulada com destreza, pois não tem controle muscular algum, podendo sofrer
luxações nas articulações; permanece numa posição se colocada e não consegue fazer
contrações para mudar de posição – é “frouxa”. Existem as hipotonias com baixa
reatividade a estímulos, presentes em síndromes, como nos portadores de Síndromes de
Down, Patau, West entre outras.
1.2.3. Reflexo e Reação
Na lesão cerebral, o comprometimento dos centros nervosos do Encéfalo acarreta
uma disfunção de centros responsáveis pela manutenção de um tônus postural normal e
alteração da realização de movimentos, sejam eles reflexos, involuntários ou voluntários. A
alteração do tônus pode estar abaixo (hipotonia) ou acima do tônus postural normal
(hipertonia). As alterações musculares e posturais se dão através dos reflexos.
13
Reflexos são respostas automáticas, inatas, desencadeadas por estímulos que ativam
diversos receptores. À medida que o sistema nervoso central evolui, os estímulos que
desencadeiam os reflexos provocam respostas menos automatizadas, devido ao
desenvolvimento da atividade psicomotora voluntária. Um reflexo não se manifesta
isoladamente, mas está constituído num todo, relacionado com outros, é diferente de uma
reação, que não é uma resposta estereotipada, e pode sofrer variações de movimentos.
Reflexos presentes no desenvolvimento neuropsicomotor (Ribeiro, 2001):
-
Reflexo de Moro: Está presente em todos os bebês, no nascimento e desaparece em
torno dos 6 º mês. É “o reflexo do susto” de proteção ao desequilíbrio - a criança,
diante de uma situação instável, tenta se proteger, com a retração da cabeça e abertura
dos braços. Este reflexo pode ser desencadeado por qualquer estímulo, despertando os
demais reflexos, principalmente os tônicos. As atividades com a criança devem dar-lhe
segurança, evitando-se movimentos bruscos; falar ou cantar sempre com voz suave,
utilizando canções sem efeitos rápidos ou intensos; o ambiente de atendimento deve ser
isolado de ruídos externos e do trânsito de mais pessoas, para não assustá-la; fazer com
que a criança fique sentada, de modo a perceber a aproximação do terapeuta, evitandose o fator surpresa.
-
Reflexo Tônico Labiríntico – RTL: se dá no sentido Antero-posterior. Se há flexão da
cabeça, acontece a flexão total do corpo (a criança vira em bloco). Permanece normal
até os quatro meses.
-
Reflexo Tônico Cervical Assimétrico – RTCA: virando-se a cabeça da criança para um
lado, teremos a extensão mais rotação interna dos músculos faciais, com flexão dos
músculos occipitais. Está presente entre o quarto e o sexto meses. Na criança
hipertônica o aumento do tônus provoca também a extensão de braços e pernas – “a
criança adquire a postura de um espadachim” (Andrade, 2001, p.193). A família deve ser
orientada para que não deixe a criança deitada numa mesma posição, pois ela
permanecerá sempre virada para o lado onde a extensão é mais forte. Os estímulos e
atividades devem ser feitos sempre de frente para ela e mais centralizados.
14
-
Reflexo Tônico Cervical Simétrico – RTCS: Acontece em duas situações – quando há
flexão da cabeça, os braços se flexionam e os Membros inferiores se estendem; quando
a cabeça se estende ou é estendida, ocorre o contrário – os braços se estendem e as
pernas se flexionam. Aparece com freqüência em duas situações: primeiro, quando a
criança sentada olha para cima, e o quadril se projeta para frente – é o movimento que
propicia a criança engatinhar, na próxima fase; e segundo, quando a criança senta em
posição de “sapo” (em W), aqui também os braços se estendem. Os Membros
inferiores, bloqueados pela posição, acentuam a rotação interna do quadril e a rotação
externa de pernas e pés – o que pode favorecer o valgagismo, caso a criança possa vir a
andar. Alguns cuidados, durante a terapia devem ser observados: evitar estimular a
criança em nível superior à altura de sua cabeça – se estiver sentada, o terapeuta deverá
sentar-se numa posição abaixo ou próxima da sua linha de visão.
- Reflexo de Extensão Cruzada – quando se aplica um estímulo doloroso a uma perna que
está apoiada, esta se retrai – em flexão – enquanto a outra aumenta o tônus para sustentar o
peso corporal. Se estimularmos a perna fletida ela se estenderá.
Reações corporais presentes desde o nascimento (Ribeiro, 2001)
-
Reação Cervical de Retificação – está presente no nascimento. Ao virar a cabeça para
um lado, ativa ou passivamente, segue-se a rotação do corpo como um todo para o
mesmo lado. No bebê normal, a cabeça responde primeiro ao estímulo.
-
Reação Labiríntica de Retificação – é a capacidade de sustentação da cabeça no
espaço. No recém-nascido é fraca, estando mais presente a partir do quarto mês
persistindo até o fim da vida. Sem ela, a criança não se senta sem apoio e não consegue
manter a postura.
-
Reação Corporal de Retificação – Age sobre todo o corpo. Surge pelo sexto mês,
modificando a reação cervical de retificação, o que possibilita a criança de girar o
tronco entre o ombro e o quadril.
15
-
Reação Óptica de Retificação – O corpo é retificado pela linha da visão.
-
Reações de equilíbrio – Servem para ajustar a postura e manter o equilíbrio. Surgem
por volta do sexto mês evoluindo até os dezoito meses.
-
Reação de Landau – é uma combinação da reação labiríntica de retificação com alguns
reflexos cervicais que se relacionam com o tronco e os membros: elevando-se a cabeça,
estende a coluna e quadril junto com os membros inferiores. É mais evidente entre os
07 e 12 meses.
-
Reação de Paraquedas – ou reação de extensão protetora de braços. É testada para
frente e inicia-se aos seis meses.
-
Reação de anfíbio – faz com que um lado da criança venha a apresentar flexão. É a
preparação para a criança engatinhar. Surge entre os 6/8 meses e não desaparece.
-
Reação de Galant – é normal até os dois meses. Estimulando-se a região paravertebral, entre o quadril costal e o quadril, a resposta positiva será a flexão lateral para
o lado oposto.
-
Reação positiva de suporte – é produzida por dois estímulos: tátil e proprioceptivo.
Tátil é quando o ante pé toca o chão; proprioceptivo é a pressão do apoio do pé no
chão.
-
Reação negativa de suporte - É o relaxamento dos músculos do pé, quando se retira os
estímulos tátil e proprioceptivo.
16
1.2.4. QI e Traços de personalidade
Aron e Cypel (1996, p.790) classificam o QI de acordo com a classificação de Kirk.
Cada tipo de PC tem características próprias, quanto à cognição, à sensibilidade e à
personalidade:
-
Os Espásticos: têm QI inferior a 70, e a Tetraplegia é o quadro mais freqüente e grave.
São inseguros, incapazes de se ajustar às mudanças de postura, quando movidos
rapidamente. Apegam-se fortemente à mãe. A fala é comprometida, o que os torna
passivos, sem reação a estímulos do ambiente, e qualquer tentativa de fazê-lo resulta
em frustração. Na forma Hemiplégica apresentam QI médio, em torno de 80. Os
Diplégicos têm QI um pouco mais baixo, variando de 71 a 74. A fala é normal em 50%
dos casos; apresentam déficit na aprendizagem e disartria.
-
Os Atetósicos: O QI médio destes é em torno de 70. A fala é pouco inteligível; há
comprometimento da audição, bastante freqüente na encefalopatia bilirubínica. É
possível encontrar alguns com inteligência normal, e até mesmo superior. Alguns
chegam a freqüentar escolas, o que requer propostas educacionais bem específicas.
Mostram labilidade de um estado para outro, tanto física quanto emocionalmente –
podem rir ou chorar incontrolavelmente.
-
Os Atáxicos: O grau de inteligência destes pouco difere dos valores dos outros grupos.
Asher & Schonell apud Aron & Cypel (1996, p.790) encontraram QI médio de 62 para
um grupo de pacientes atáxicos pesquisados. Devido à instabilidade de coordenação,
têm medo de perder o equilíbrio, e essa conscientização os torna mais lentos nos
movimentos. Limitam a amplitude dos padrões de movimento, de acordo com pessoas
com quem se sentem mais seguros.
É importante que o musicoterapeuta conheça as terminologias com relação às
patologias e tipos de lesão neurológica, procurando se inteirar dos sintomas, padrões de
anormalidade, reações, reflexos e grau de dificuldades de cada paciente, para que consiga
realizar as sessões com mais segurança. O paciente precisa estar numa postura confortável,
que facilite a sua percepção visual e contato corporal.
17
2. Desenvolvimento neuropsicomotor e
Sua relação com a linguagem
A linguagem, num contexto amplo, pode ser considerada como "uma capacidade do
ser humano de inter-relacionamento de forma inteligente e compreensível," (Goldfeld, 1998,
p.18), o que permite que o indivíduo compreenda os comandos que são transmitidos, seja
por estímulos visuais ou auditivos.
A aquisição da linguagem, de uma forma geral, se processa naturalmente em todas
as crianças, caso não haja algum fator orgânico que a impeça de falar, de se comunicar
verbalmente. Quando ensaia suas primeiras frases, a criança passa por uma série de
habilidades comunicativas pré lingüísticas. Zorzi (1999, p.16) aponta seis fatores
determinantes do desenvolvimento da comunicação infantil: "intenção, conteúdo, forma,
parceiro, contexto ou situação e capacidade cognitiva."
A intenção sugere razão ou motivo para se comunicar; o conteúdo implica no
objeto de desejo, à necessidade de se ter algo para comunicar; a forma é possibilitada pelo
meio [objeto] de comunicação; é necessário o outro, para que se estabeleça o diálogo, a
troca de informações; o contexto estaria ligado à situação ou “às condições favoráveis para
a interação”.
Para conseguir se comunicar, a criança precisa - através da interação com as pessoas e com
as coisas - ser capaz de elaborar os conteúdos de sua atividade mental, que irá comunicar
por alguma razão - "desejo de um objeto fora de seu alcance, necessidade de expressar este
desejo para ter acesso ao objeto, para chamar atenção do que vê e quer partilhar com o
adulto ou, ainda porque quer chamar atenção sobre si mesma." (IBID, p.16).
Para chegar às formas verbais, a criança desenvolve comportamentos ou meios não
verbais, tais como gestos, símbolos ou expressões. O desenvolvimento pré-verbal, segundo
Zorzi, pode ser dividido em quatro níveis de comunicação:
Nível I - Comunicação não intencional
Este nível corresponde aos primeiros dois meses de vida. É caracterizado por um
comportamento reativo frente aos estímulos e ao mundo que age sobre ele, porque não
18
possui ainda domínio para exercer reações voluntárias. Barcellos (1992 p.14) descreve "a
primeira emissão sonora intencional" a partir da terceira semana de vida, "que é o grito
para chamar a atenção". Zorzi admite que os adultos tendem a interpretar as reações da
criança: sons, gestos, choro, gritos, "como comportamentos ou atos comunicativos". Mas
complementa que "a tendência dos adultos de atribuírem a ela tal capacidade constitui-se
como um fator relevante para o desenvolvimento posterior" (IBID, p.16). Apesar de
divergirem quanto à intencionalidade da comunicação, os autores pensam igualmente, que
a criança, aos poucos, aprende a interagir com o adulto para também atrair sua atenção.
Nível II – são os comportamentos ativos
Processa-se dos dois aos oito meses de idade (IBID, p.18). Aos dois meses, as
estruturas orais vão desenvolvendo-se gradualmente, a vocalização começa, pouco a
pouco, a transformar-se de nasal para oral. Após o quarto mês o bebê já rola de prono para
supino, o que permite uma melhor entonação, intensidade e ritmo, ou seja, "os aspectos
suprassegmentais da fala" (Franco, 1995, p.3).
A respiração torna-se mais profunda e, aos 06 meses, tem melhor controle de corpo
e seus movimentos não se limitam apenas aos braços. Ele passa a utilizar o equilíbrio
através do tronco e da pélvis. Com a liberação e expansão da parte superior do corpo, ele
inicia o balbucio. Em supino, sons como K e G são observados. Em prono, podemos ouvir
sons bilabiais (p, b, m). Até o oitavo mês já desenvolveu a mastigação, com a introdução
de outros alimentos. Os movimentos da mandíbula aumentam e sons linguodentais t/ d / n/
l/ são acrescentados ao seu repertório.
Nível III caracteriza a comunicação pré-lingüística intencional elementar
Este nível é observado entre os oito e os 12 meses. É quando a criança dirige
comportamentos comunicativos intencionais, como olhar alternadamente para o objeto que
deseja e para o adulto, esticar a mão em direção ao objeto e olhar para o adulto, ou ainda,
empurrar a mão do adulto na direção do objeto. Nesta fase, com o aparecimento dos
primeiros dentes, a precisão da articulação aumenta, devido à dissociação entre língua e
mandíbula, como também uma melhor dissociação corporal.
19
A criança começa a repetir e comparar sons. Interagindo com objetos e pessoas,
aprende que tudo tem um nome e uma função. Os monossílabos, tá / dá / desenvolvem-se
gradualmente para os dissílabos papa/ mama/ tatá/. Aos 12 meses já será capaz de resumir
o sentido de uma frase numa única palavra como, por exemplo, "au, au" quando vê um cão.
Nível IV – caracterizado como comunicação pré-lingüística intencional convencional.
Com o desempenho da marcha, a criança irá explorar o meio caminhando, usando
mais gestos e expressões. Os gestos de apontar, de chamar, de bater as mãos são usados
sistematicamente com o de balançar a cabeça para atitudes de negação ou de aceitação,
como também para movimentar o corpo no ritmo de uma música. A tendência de imitar
sons ou gestos é intensificada, estendendo-se para o uso de palavras ouvidas e aprendidas.
É uma fase de "querer espelhar o que os outros fazem" (ibid, p.22) e a criança desenvolve o
seu poder de comunicar.
Considerando-se a linguagem como uma ação simbólica – em que usamos significados
(símbolos verbais) ou significantes (representação) – para a criança nesta fase, a linguagem está
ligada à situação presente, dependendo daquilo que ainda está no campo da percepção da
criança. Como no caso do "au, au" ela utiliza ainda o imediato, o que está de algum modo
presente.
A linguagem toma forma verdadeira, à medida que a criança adquire uma capacidade
representativa maior, já no final do período sensório-motor. A criança já descreve ações que está
realizando ou que vê acontecer, a linguagem passa a representar a ação. O desenvolvimento
prossegue com o representar o momento presente e também lembrar e relatar fatos passados
"dodói, neném caiu".
Piaget atribui, ao desenvolvimento da imitação, o papel de elemento formador das
imagens mentais. Para ele, as imagens se referem a uma espécie de cópia ou imitação interior.
Segundo Zorzi "No caso da linguagem, por um lado, são as imagens auditivas que tornam
possível que a criança reproduza ou repita [somente mais tarde] uma palavra nova que ouviu em
uma determinada situação" (Zorzi 1999, p.29).
No momento em que a palavra é ouvida, ocorre a impressão "como uma cópia interna"
que é armazenada e utilizada em outra situação, de acordo com a necessidade ou prontidão da
criança para usar um enunciado novo. Apesar de usar os mesmos termos da linguagem dos
20
adultos, isso não quer dizer que a criança possua os mesmos significados que eles. Os
significados da linguagem da criança estão restritos à compreensão ainda limitada de mundo que
ela tem. Embora esteja em contato com uma linguagem que expressa conhecimentos já
construídos e dominados pelos adultos e procurar imitá-los, ela necessita reconstruir esses
saberes.
2.1. Música e linguagem
Klausmeier apud Ruud (1990, p. 89) descreve as semelhanças entre a música e os
processos primários do pensamento, quando diz que "tanto na linguagem quanto em
música é a entonação, esse caráter análogo, que muitas vezes determina o significado."
Sloboda (1997, p.2) descreve a fonologia como "o modo pelo qual o cérebro distribui
continuamente os sons que variam em unidades separadas. Essas unidades constituem os
blocos básicos de construção de uma linguagem."
Sloboda atenta para a questão de como a entonação de vocábulos ou palavras é
compreendida de uma maneira cultural: "diferentes culturas colocam limites fonológicos
em locais específicos. O que pode ser considerado como dois sons da fala, separados pelo
usuário de uma língua são ouvidos como um único som por usuários de outra língua.”.
O balbucio é considerado como um fenômeno universal, encontrado em todos os
bebês. “Caracteriza-se pelo encadeamento e ligação dos sons em uma expiração” (Riper &
Emerick, 1997, p.94) sendo comum, acontecer enquanto a criança aprecia ouvir a si
própria, repetidas vezes, até que surja uma identidade – a imitação, segundo os autores, “é
essencialmente um meio de perpetuar um estímulo, e o balbucio é uma auto-imitação das
mais autênticas.” (IBID, p.95).
Durante o período do balbucio podemos encontrar sons que pertencem a muitas
línguas e não somente a uma língua em especial, a criança não sabe que língua irá falar,
mas irá aprender a língua materna, a produzir uma série de sons, combiná-los em sílabas e
produzir frases com diferentes padrões de entonação, o que é um curso natural. “Mas em
seu balbucio, ela praticamente age como se soubesse” (IBID, p.95)
21
Os lingüistas se perguntam a todo instante: Por que as línguas em todo o mundo
possuem características semelhantes?
Por que a aquisição da linguagem inicia-se na
mesma época e prossegue da mesma forma ordenada em todas as culturas? Smith e Miller
(APUD Riper & Emerick) resumem o posicionamento inatista – “O fato de as crianças
poderem adquirir a linguagem tão prontamente só pode significar que elas possuem alguma
predisposição inata para esse tipo de aprendizagem [...]” (IBID, p.101). Os autores se
baseiam na Teoria Nativista e no Determinismo Cognitivo.
Segundo a Teoria Nativista, a criança possui uma capacidade inata para a
aprendizagem da linguagem, que irá se manifestar a partir do momento em que ela percebe
significados nos sons produzidos pelos adultos. De acordo com essa visão, a aprendizagem
da linguagem é conseqüência da maturação de áreas não especificadas do cérebro e
sincronizadas com a maturação de habilidades motoras chave.
Não há explicação, por exemplo, de como uma criança produz novas palavras tais
como “trazi” ao invés de “trouxe” e que ela nunca ouviu antes, ou alguém a ensinou.
Segundo os nativistas existe uma propensão básica, inata a todos os seres humanos para a
aprendizagem da linguagem, e a fala dos pais simplesmente desencadeia essa capacidade
latente.
O Determinismo Cognitivo baseia-se no desenvolvimento das funções mentais
superiores do indivíduo, quando ele já tem capacidade para dar sentido aos sons bucais que
emite. Segundo a teoria cognitiva de Piaget “a linguagem socializada é aquela que pode ser
compreendida pelas outras pessoas [...]” (Rappaport, 1981, p.71), e a representação mental
de um objeto concreto é fundamental para a expressão verbal do significado.
2.2. O desenvolvimento da linguagem musical
A habilidade musical também pode ser adquirida “através de uma interação com
um ambiente musical” (Sloboda, 1985, p.1) de acordo com as etapas de aquisição de
habilidades cognitivas de Piaget. Para Chomsky, “o organismo humano é biologicamente
predisposto à excelência em algumas habilidades cognitivas específicas” (IBID p.1). Tais
habilidades não dependem da capacidade cognitiva geral, mas já existem em alguns
22
indivíduos. Chomsky explica as teorias do desenvolvimento musical, dividindo-as em duas
partes: a enculturação e o treinamento. (IBID, p.1)
Na enculturação musical, a criança pequena não depende de ser instruída ou
ensinada para aprender canções ou memorizar letras – elas simplesmente aprendem,
mesmo que os adultos não ensinem. O treinamento acontece em experiências específicas
de um grupo cultural, onde uma habilidade específica é incentivada e valorizada, e que
envolve também o esforço consciente por parte do indivíduo para aprender e desenvolver
habilidades.
Analisando o desenvolvimento através da enculturação descrita por Chomsky
observamos os estudos de vários autores com crianças desde o primeiro ano de vida, em
relação à sua resposta aos estímulos sonoros: Farnsworth relata que desde o nascimento a
criança já demonstra uma “sensibilidade considerável ao som” (Taylor, 1997, p.2); na
primeira semana de vida, os bebês, geralmente, param de sugar quando escutam o barulho
de uma campainha. Chang e Trehub fizeram estudos sobre o ritmo cardíaco de crianças
com 05 meses: observaram alterações do batimento cardíaco de acordo com “mudanças de
posição temporal de todas as notas de um padrão melódico”, mas quando uma mesma
melodia era transposta para outra tonalidade o batimento não se desestabilizava. (Sloboda,
1985, p.1)
No primeiro ano de vida, as reações ao ritmo são mais fortes do que à melodia; com
06 meses a criança pode responder às mudanças no contorno melódico, repetindo a altura
que foi cantada para ela. Entre os 12 e os 18 meses, quando o balbucio se transforma em
palavras distintas, a criança começa a “alongar” as vogais, repetindo as figuras melódicas,
mantendo o seu contorno geral, com algumas distorções na altura.
Após os 18 meses, aparece o canto espontâneo, conhecido como Canção de Ur –
cuja principal característica “é o uso do som estável discreto [ao invés de microtons do
balbuciar da fase anterior]” (IBID, p.2). Este fenômeno é universal, sendo observado em
crianças de todas as culturas. Ur – palavra germânica que significa “original; primevo”.
Embora a criança já esteja falando, as palavras aprendidas não costumam ser usadas
no canto espontâneo. Isso sugere que “o desenvolvimento musical nessa idade vem de uma
corrente diferenciada do discurso verbal” (IBID, p.2). Segundo Gardner apud Sloboda, “os
intervalos iniciais são de segundas, terças maiores e menores. No segundo ano de vida, o
intervalo se amplia para quartas e quintas.” A partir do terceiro ano a criança já está apta
23
para cantar frases maiores, mostrando sinais de uma organização interna, passando então, a
absorver a música da cultura em que vive.
Na opinião de Millecco, (2000, p.9) a Canção de Ur parece representar um
importante elemento psicológico no desenvolvimento, “demonstrando uma possível
relação entre os processos mentais e o fluxo natural da consciência tonal”. Por volta dos
quatro anos, palavras, linhas melódicas e ritmos são misturados e modificados, como um
pot-pourri de canções, com pouca organização global. Aos cinco anos a criança está mais
definida na sua noção espaço-temporal para a imitação exata e até mesmo a autoexpressão.
Após os cinco anos quando a criança entra no Período Operacional, surge a noção
de conservação de qualidade; a criança já é capaz de cantar a mesma canção em
velocidades diferentes ou mudar a tonalidade; avançando-se na idade melhora a capacidade
de memorizar seqüências rítmicas e melódicas, além de perceber mudanças tonais
repentinas.
2.3. Crianças não-verbais
“Nas crianças, a expressão musical aparece antes da faculdade de falar. Sabese que os idiotas são organizados para a música e que inúmeros dentre deles,
incapazes de falar, podem emitir sons musicais [...]” (Ireland, 1894)
Os estudos na afasiologia iniciaram-se no século 19 que se caracterizou pelo
surgimento de grandes idéias e experimentos com o cérebro humano – um grande mistério
para os anatomistas e fisiologistas da época. A descoberta dos “centros específicos para a
linguagem” com Bouilland (1825), Broca (1861), Wernicke (1874), entre outros levaram a
outras incógnitas, sobre a diversidade das alterações da linguagem decorrentes de lesão em
uma mesma área cerebral.
“Da posição de Broca temos, até hoje, o postulado da área de Broca (porção
inferior da terceira circunvolução frontal esquerda) como área da linguagem” (Goldfeld,
1998, p.94).
Ocorrendo uma lesão nessa área ou próximo dela, acredita-se que se instalará a
afasia de Broca – que se caracteriza por grande redução do vocabulário, alteração na
24
escrita, preservando-se a compreensão e órgãos fonoarticulatórios. Goldfeld ressalta a
importância dos trabalhos que médicos neurologistas - como Luria, Goldstein, Hécaen desenvolveram no período das guerras mundiais, “em que a incidência da afasia aumentou
muito em função das lesões focais por traumatismos” e “que realizaram uma aproximação
da área médica com a lingüística” (IBID, p.95).
A criança com comprometimento neurológico, em seu desenvolvimento,
normalmente irá apresentar ausência ou exacerbação dos reflexos de procura, sucção
mordida e vômito, comprometendo o desenvolvimento normal da linguagem. É comum, a
criança obter um bom desempenho no desenvolvimento até o balbucio. A partir do
momento que precisa dar significado para a sua emissão vocal, o atraso torna-se evidente.
O portador de paralisia cerebral, geralmente, nasce com capacidade de se ligar
socialmente, mas apresenta atrasos específicos nos estágios do desenvolvimento
neuromotor.
Brazelton observa, através de testes com neonatos, que existe nos bebês uma força
em querer se comunicar desde o nascimento: é a procura do outro. "O bebê age sobre sua
mãe e, deste modo, adapta-a, modelando-a às suas necessidades." O neonatologista ou o
pediatra que está atendendo a criança deverá fazer uma intervenção precoce, caso o bebê
e/ou a mãe demonstrem um comportamento que dificulta a "interação", que é fundamental
para que se estabeleça o contato e a troca de sentimentos. Brazelton descreve seis estágios
pelos quais passa o neonato:
1. O sono profundo;
2. O sono leve: o bebê está pronto para acordar e pode fazer movimentos de sugar;
3. Começando a acordar: os olhos às vezes se fecham. Os movimentos são suaves; pode
se assustar facilmente;
4. Acordado: foca a atenção no estímulo, olha de onde vem a voz da mãe. Este é o melhor
momento (alguns minutos) de comunicação com o bebê;
5. Está bem atento, assusta-se com os estímulos;
6. Choro: um choro intenso, difícil de acalmar. Não registra mais os estímulos, que
podem até intensificar o seu choro. (Brazelton APUD Heymeyer, 2000, p.4)
25
O estágio 4 é o melhor momento para que a mãe observe e dê atenção à criança,
antes que ela passe para os estágios de tensão, anteriores ao choro. Busnel (APUD
Heymeyer, 2000, p.5) relata o quanto é importante compreender esta linguagem e que "o
feto de sete meses sabe distinguir a voz da mãe das outras vozes e sabe quando ela fala
com ele." É a voz da mãe que irá conseguir acalmá-lo nas primeiras semanas.
Podemos imaginar então, uma criança que é mantida por numa UTI neonatal, sem
este estímulo primeiro que é tão importante para a formação da sua propriocepção - tátil e
vestibular. "Com a mãe como um todo ele vai interagir" (IBID, p.5). Quando carregado, o
bebê tenta se aninhar, sente a resistência contra o seu corpo, o que lhe dá segurança. São
estímulos proprioceptivos, como o tocar, a troca de roupa, o banho, alterações de espaço,
temperatura e texturas às quais o bebê vai aprendendo a conhecer, sem se sentir inseguro.
As mudanças de tono e a falta de movimentação do PC podem alterar as sensações
táteis e proprioceptivas, que resultarão em reflexos ou movimentos atípicos, lentos, sem
coordenação. A criança chora muito, e mesmo que a mãe tente aconchegá-la ao colo, não
há retorno para que se estabeleça uma comunicação entre mãe/bebê, pois ele não tem
funções motoras (resistência muscular) que possibilitem a troca com o meio.
Pensando-se acerca da construção da linguagem, esta dependerá da prontidão e da
qualidade na ação que a criança desenvolve no mundo.
-
Ação motora - como pegar, soltar, bater, arrastar, sentar, andar, pular, correr - como
também ação sensorial - visão, audição, tato (superficial, próprio e oral) e gustação.
-
Através das ações motoras e sensoriais, as noções vão sendo construídas - a imagem
mental, a representação, que dará condição à função semiótica.
-
O que antes era um conceito agido e sentido passa a ser falado, representado por sons
que traduzem todo um pensamento.
Na criança PC, o atraso no estágio sensório-motor irá afetar as construções futuras,
a partir das noções básicas para todo o desenvolvimento cognitivo e de linguagem. Uma
criança, que aos seis meses não tem controle cervical, com dificuldades em movimentar a
cabeça, também apresenta dificuldades de movimentação da cintura escapular.
26
Como conseqüência, terá dificuldades em pegar e reter objetos, levar as mãos à
linha média e à boca, não conseguirá tampouco, olhar em volta, em direção aos ruídos,
pessoas ou objetos. Assim, o PC irá construir e organizar seu universo, de acordo com suas
possibilidades ou com as condições proporcionadas pelo seu meio.
O desenvolvimento da linguagem está intimamente ligado à percepção da fala, pois
para assimilar estruturas lingüísticas é necessário detectá-las. A criança se volta em direção
à voz da mãe, aos ruídos, ao som de uma música. A visão do estímulo sonoro detectado irá
completar o esquema de assimilação e relação som / imagem com a compreensão da
mensagem e atribuição de significados. É assim que se processa a aprendizagem.
A percepção dos sons da fala, segundo Russo & Behlau (APUD Martinez, 2000 p.
146) envolve um sistema de interação mais complexo que o exigido na percepção de outros
sinais acústicos. A percepção da fala inclui a recepção e interpretação de seus padrões - a
discriminação entre sons de diferentes espectros, durações, características temporais,
formas seqüenciais e ritmo, além da memorização das unidades fonológicas.
A criança portadora de Paralisia Cerebral pode apresentar, entre outros distúrbios,
deficiência auditiva, o que dificulta ainda mais a sua interação com o meio. Alterações
auditivas repercutem significativamente no desenvolvimento e na manutenção da
linguagem, na interação psicossocial e na aprendizagem escolar.
Para evitar ou minimizar essas conseqüências é importante uma precisa
intervenção, através de diagnóstico rápido. Indica a necessidade de se incluir a avaliação
auditiva no protocolo ou prontuário de diagnóstico de crianças portadoras de paralisia
cerebral. A Musicoterapia, em muito, pode contribuir para detectar problemas auditivos.
Crianças com múltiplas deficiências podem apresentar alterações cognitivas da
função visual que acometem a memória, reconhecimento e compreensão da imagem. Estas
alterações causam desordens subjetivas da visão em nível intelectual, déficit de atenção
visual, falta de noção espacial e são mal diagnosticadas, em parte, pela dificuldade de
comunicação verbal, observada em crianças com atraso global de desenvolvimento.
Piaget explica como a noção de espaço é criada: "é necessário seguir com o olhar
para se construir o conceito de espaço" (Andrade, 2000, p.185).
O que os fisioterapeutas têm observado, é o aspecto do "distúrbio sensorial" também enfatizado por teóricos como Bobath, Luria e Piaget - A relação existente entre
sensação e movimento. Limongi (APUD Andrade, 2000 p.186) afirma que "do ponto de
27
vista sensorial é de grande importância, salientar que o desenvolvimento de si mesmo e do
meio ambiente, assim como o reconhecimento de tudo o que o ser humano pode fazer, são
devidos às múltiplas informações sensoriais que chegam ao organismo."
Muitos já consideram as deficiências dos portadores de lesões neurológicas como
"deficiências neurossensório-motoras" e adotam o termo Desenvolvimento Sensório-motor
quando se referem ao desenvolvimento motor. (Andrade, p.186). A maioria continua
utilizando o termo deficiência neuromotora, mas valoriza o aspecto sensorial.
Algumas crianças não conseguem adquirir qualquer tipo de linguagem. Podem ser
mudas, ecolálicas ou apresentar uma linguagem primitiva, como é o caso de crianças
portadoras de deficiência mental profunda; distúrbios emocionais ou surdez congênita
também podem apresentar pouca ou nenhuma linguagem; crianças com disfasias, devido a
problemas neurológicos resultantes de doenças ou trauma. O PC está incluído nessa
categoria.
A Paralisia Cerebral lesiona o cérebro imaturo de diversas maneiras,
comprometendo áreas diversas. A classificação como vimos é extensa, devido à variação
dos quadros e sintomas, assim como as áreas comprometidas. Uma criança PC com
hidrocefalia pode diferir de outra, com um mesmo quadro clínico - enquanto uma pode
desenvolver a fala, a outra, devido a lesões em mais segmentos do cérebro não consegue
articular os sons.
Isto explica porque “a Paralisia Cerebral é uma patologia complexa e que envolve
todas as áreas do desenvolvimento do indivíduo.” (Limongi, 2000, p.1) e a variação da
deficiência da linguagem nesses pacientes é muito grande.
Quando o cérebro é lesionado durante a gestação, seja por doenças ou traumatismo,
haverá também a probabilidade de um retardo da fala, após o nascimento. Além de
comprometimento neuromotor, pode ocorrer perda da audição, visão sub-normal,
retardando o processo de aprendizagem por dificuldades de percepção dos estímulos
visuais e auditivos.
O paciente terá dificuldades em se comunicar /receber mensagens causando
sintomas como: irritabilidade, hiperatividade e incapacidade de tolerar o estresse, levandoo ao isolamento e agravando ainda mais a pouca capacidade de utilizar símbolos com
significado, como na disfasia. Quando ocorre um distúrbio neurológico que dificulta o uso
dos símbolos pela criança “o problema não reside nos lábios ou na língua, mas na
28
compreensão e no uso da linguagem” (Riper & Emerick, 1997 p.30). Outro problema que
surge é o comprometimento da fala motora – a dificuldade em articular os sons (disartria e
dispraxia).
A disartria, “refere-se à fala distorcida causada por lesões no Sistema Nervoso
Central que tornam muito difíceis as coordenações necessárias à fala” (IBID, p.30):
–
A língua faz movimentos desordenados e é comum os lábios tremerem; a
mandíbula não se move no tempo certo e/ ou para os lados;
–
A laringe pode estar deslocada; o tórax costuma se expandir, toda vez que a
criança tenta falar e inspirar, ao mesmo tempo.
–
Observa-se um esforço grande da criança para articular e tentar se comunicar.
–
Outras vezes o grau de comprometimento pode não ser tão generalizado,
afetando somente a pronúncia de sons produzidos com a ponta da língua.
Apresentarei aqui, um exemplo clínico de disfunção da fala, com uma paciente que
estou atendendo no Ambulatório de Neuropediatria do Hospital Universitário da
Universidade Federal de Juiz de Fora:
Ana Kelly tem cinco anos, é portadora de PC com Hidrocefalia. Nasceu de
parto prematuro, porém, a intervenção e o tratamento foram imediatos [iniciados aos 4
meses]. A válvula craniana foi colocada aos 18 meses. Iniciei as sessões de
musicoterapia em abril / 2002, com o estágio exigido pelo CBM. A paciente foi
indicada para as sessões, por orientação da fonoaudióloga, de se trabalhar a articulação
dos sons fricativos e linguodentais.
Ana apresenta disartria menos severa, com impedimento de articulação da
ponta da língua. A oclusão é parcial [fechamento] até os primeiros molares decíduos,
ficando a região de canino a canino sem ocluir, o que dificulta a pronúncia de
vocábulos dos grupos consonantais [di, te, ti, chi, chu]. Ela conseguiu, com mais
rapidez, pronunciar palavras linguodentais [Kelly, laranja].
O ritmo da fala é lento, entrecortado pela respiração bucal, apresentando
fadiga entre as frases, e a emissão vocal é fraca e rouca. Trabalho de acordo com o seu
ritmo corporal, que também é lento, acompanhando o tempo de movimentos da
mandíbula.
29
O trabalho de vocalização continua sendo o objetivo principal, seguido de
atividades para melhorar a postura e controle de tronco – pois apresenta reação de
abertura da boca, quando tenta levantar os braços ou segurar objetos. É uma criança
tímida, e só se mostra à vontade quando sente confiança com as pessoas.
A dispraxia da fala – em geral denominada apraxia – seria “a perda da capacidade
de programar voluntariamente a produção e o sequenciamento dos sons da fala.” (IBID,
p.131). Embora a criança não apresente uma paralisia muscular, sua articulação é
“deturpada” e ela parece não saber o que fazer com a língua e os lábios para falar.
Geralmente, é uma fala incompreensível, é preciso prestar muita atenção nos
movimentos orais do paciente e, se preciso pedir ajuda a quem convive no dia a dia com
ele, já compreendendo a sua fala.
É comum, nas primeiras sessões com o paciente, pensarmos que ele reclama de
alguma intervenção, ou rejeita algum instrumento, enquanto a mãe fala, prontamente: “ele está é gostando!” De uma forma ou de outra, a mãe mantém uma comunicação com o
(a) filho (a) e consegue dar um significado para a sua voz e gestos.
Frazão (2000, p.26) esclarece sobre como a criança é inserida na linguagem pela
interpretação do adulto: “mesmo quando a criança ainda não fala [bebê] seus gestos,
olhares, gorjeios e balbucios e mais tarde, sua fala, são interpretados como demanda de
significado”.
Josias é portador de PC, não anda, e seu tônus flutua de espástico a hipotônico
com freqüência. Ele na verdade não tem disartria, pois não fala, mas emite alguns sons
musicais, quando canto na mesma altura que ele, olhando nos seus olhos. Ele
corresponde ao meu olhar, fixando os olhos na minha boca, emitindo sons junto
comigo. Sua voz é grave, e se manifesta no momento em que canto alguma canção da
sua preferência, geralmente no tom de Lá Maior. Procuro cantar sempre na altura
próxima aos intervalos do tom, evitando notas muito agudas. O ritmo é bem marcado
nos instrumentos de percussão e o instrumento utilizado para a harmonia é o violão,
cuja sonoridade chama-lhe bem a atenção.
Noto que seus lábios pouco se mexem, a língua se move, querendo fazer igual.
A mãe senta-se próxima a nós, e gosta de participar. Quando, noto uma mudança na
expressão de Josias, pergunto a ela o que ele quer. Ela “traduz” para mim, porque
consegue se comunicar com o filho e entender sua mensagem.
30
A afasia “refere-se à perda da fala, de forma que não parece adequado usá-lo em
crianças que nunca a desenvolveram.” (Riper & Emerick, p.131). Para Zorzi (1999, p.123) “as
afasias correspondem às perdas ou alterações de funções lingüísticas já constituídas em
razão de lesão ou dano cerebral.” O autor explica que é um distúrbio de linguagem
adquirido, referindo-se a traumatismos crânio encefálicos ou o aparecimento de desordens
neurológicas com quadros convulsivos (AVES).
Alguns terapeutas relacionam a afasia a distúrbios de simbolização da linguagem e
não de fala - o problema está na dificuldade da compreensão do significado: “A afasia se
manifesta principalmente em transtornos da expressão e da recepção do código simbólico e
da linguagem falada ou escrita” (Wagner, 1988, p.144).
A criança tem dificuldades em expressar-se verbalmente, como também
compreender o que os outros estão dizendo. Pode apresentar ainda deficiências na leitura,
escrita, cálculo e desenho, no vestir, ou seja, transtornos nas atividades cognitivas e da vida
diária. Essa dificuldade pode ser explicada através de estudos da organização neural que é
afetada quando há uma lesão nos hemisférios.
Kimura APUD Wagner (1988, p.146), com base na escuta “dicótica” em crianças,
sugere que “na idade de 4 a 5 anos a predominância do hemisfério esquerdo está
estabelecida.” As áreas cerebrais responsáveis pelas funções intelectuais são interligadas,
portanto uma lesão numa área pode afetar as outras. De acordo com estudos de Sloboda
(1985, p.239-269), “a função da linguagem [nos destros] não é inteiramente confinada ao
hemisfério esquerdo”.
Quando ocorrem lesões abrangendo o hemisfério esquerdo, as funções que ali
seriam desenvolvidas migram para o hemisfério direito. Contudo, essas funções vão se
desenvolver junto com outras capacidades cognitivas localizadas nessa área, portanto “A
linguagem assim adquirida pode sofrer pelo inadequado uso do território neuronal
disponível,” (Wagner, 1988, p.146) o que afetará o indivíduo como um todo,
principalmente na parte psíquica, pois a aquisição da palavra é uma fase fundamental na
vida humana.
31
3. Musicoterapia na disfunção da linguagem
“O advento da psicanálise, descobrindo a palavra como meio de cura, põe uma
pá de cal sobre a musicoterapia no ocaso do século 19” (Costa 1989, p.32).
Seria importante, neste capítulo, definir Musicoterapia como um “processo
sistemático de intervenção em que o terapeuta ajuda o cliente a promover a saúde
utilizando experiências musicais e as relações que se desenvolvem delas como forças
dinâmicas de mudança” de acordo com Bruscia (2000, p.22).
A intervenção ocorre, onde o objetivo seja quebrar padrões, melhorar posturas,
promover a socialização – com pacientes que não permitem o toque ou tendem ao
isolamento. Também pode ser utilizada com o objetivo de mobilizar pacientes que não
reagem ao som, devido à perda auditiva, desenvolver a capacidade proprioceptiva, a
percepção de sons, ritmos e emissão vocal que provoquem uma reação estímulo / resposta.
Também, sob o ponto de vista dinâmico, Benenzon, APUD Wagner (1988, p.141)
assim define a Musicoterapia:
“A musicoterapia é uma técnica de comunicação que utiliza o som, a música e o
movimento como objetos intermediários, e que esses elementos pré-verbais e não
verbais permitem retroagir a comunicação a estados muito regressivos, o que nos
faculta reelaborar uma aprendizagem do paciente” (Benenzon, 1976) (26,8)
Wagner, (1988, p. 141-142) escreve sobre O tratamento Musicoterápico do Afásico e
entende que o termo Musicoterapia pode também “definir um método terapêutico
específico”, que pode “modificar a estrutura da personalidade humana e superar sintomas
patológicos.”.
O paradoxo entre o verbal e o não verbal, existente entre o século passado e o atual,
demonstra que os estudiosos do século 19 sabiam da influência benéfica dos sons, mas não
conseguiam especificar e nem descrever as propriedades terapêuticas exatas da música
“sobre um órgão próprio” – o que se opunha à necessidade de se explicar todos os
fenômenos, numa época de “grande efervescência de idéias” (Costa, p.33). O modelo
médico preconizava, sobretudo, resultados clínicos objetivos – contrapondo-se com a
natureza subjetiva da música.
32
Com a difusão dos meios de comunicação, a música passou a ser divulgada sem a
necessidade exclusiva do executante. A indústria fonográfica expandiu-se, veiculando a
música em todos os ambientes, para todas as ocasiões. A relação homem/ som volta a
interessar musicólogos e teóricos.
A música é integrada ao grupo das terapias, com discussões e críticas sobre uma
teoria jovem e pouco convincente para um grupo mais resistente, ainda com idéias préconcebidas em considerar muitas disciplinas paramédicas como holísticas – alternativas –
que podem se prestar ao relaxamento ou à distração do paciente, enquanto ele é “tratado”
por profissionais de outras áreas. O princípio de tratamento da musicoterapia é o sonoro, a
linguagem musical, contrapondo-se com a palavra, tida como o argumento principal das
psicoterapias.
Guattari atenta para a necessidade de reciclagem permanente dos paradigmas
estéticos e na reformulação das práticas psicoterápicas para que os procedimentos e as
próprias disciplinas não fiquem defasados:
“O povo ‘psi’, para convergir nessa perspectiva com o mundo da arte, se vê
intimado a se desfazer de seus aventais brancos, a começar por aqueles invisíveis
que carrega na cabeça, em sua linguagem e em suas maneiras de ser [...]” (Guattari,
1990)
A partir dessa reflexão, entendemos que a musicoterapia se enquadra no grupo das
‘psi’ com o compromisso, entre outros, de “evoluir sua prática tanto quanto suas bases
teóricas”. (IBID, p.39), afinal, como enfatiza Chagas “uma profissão nova como a nossa,
que queira existir em um campo como o de profissionais da saúde no Brasil, enfrentará
inúmeras disputas na ordem do poder.” (Chagas, 2001, p.113)
Em se tratando de pacientes não verbais ou pré-verbais, o objetivo mais importante
na utilização de técnicas musicoterápicas no tratamento das disfunções da fala, seria
propiciar à criança caminhos para interagir com a família e com o meio, e que seja capaz
de responder, à sua maneira, aos estímulos que a cercam. Assim, os pais poderiam oferecer
ambientes acústicos / linguísticos razoáveis, suficientes para conseguir lidar com as
habilidades e com os impedimentos da criança.
Embora a comunicação do paciente esteja alterada, devemos entender que se trata
de paciente com cognição (em maior ou menor grau), e que este é capaz de perceber, reagir
e se comunicar.
33
Assim como todas as outras áreas de reabilitação, a musicoterapia deve-se orientar
por métodos e técnicas adequadas a cada tipo de lesão, e principalmente, a cada tipo de
paciente. Como foi descrito no primeiro capítulo, cada patologia estabelece padrões físicos
e emocionais que identificam um tipo específico de paciente.
Mesmo que os pacientes de uma determinada instituição se configurem como um
grupo sociocultural local, a estrutura individual estará implícita na história sonora de cada
paciente – o ISO Individual – portanto, deve-se trabalhar a expressão sonora vocal de cada
um. De acordo com Jung “a individuação é o processo de constituição e particularização da
essência individual!... Um processo de diferenciação que tem por objeto o
desenvolvimento da personalidade” (Jung, 1948).
Wagner preconiza objetivos terapêuticos relacionados com um melhor equilíbrio
psicomotor, assim como muitos dos “aspectos analógicos da relação com o outro” como,
por exemplo: “funções e vínculos traduzidos em diálogos sonoros, formas especiais de não
comunicação – no caso do isolamento, aspectos de conexão com a realidade, como é o
perceber um estímulo e responder a ele de forma pertinente” (IBID, p.143).
A linguagem “corpóreo-sonoro-musical” permite que a musicoterapia envolva o
indivíduo como um todo, possibilitando uma tomada de consciência do próprio corpo – o
que é dificultado pelas diferentes lesões que podem alterar o esquema corporal.
Conhecendo-se os sintomas e características de cada quadro clínico é um ponto de partida
para o início do tratamento.
Benenzon diz ser possível acontecer o processo musicoterapêutico, através do
princípio de ISO e do contato com o fenômeno corpóreo-sonoro-musical do paciente:
“Aproximarmo-nos das manifestações corpóreo-sonoro-musicais da pessoa afásica pode
ser o começo de um processo musicoterapêutico.” (IBID, p.147).
A musicoterapia poderá ser realizada em conjunto com o tratamento para a correção
da fala, o que pode ser orientado pelo fonoaudiólogo. O objetivo é possibilitar uma maior
interação do PC, mesmo que seja difícil se expressar verbalmente. É preciso saber em que
etapa sonora a criança se encontra, para que as atividades sejam compatíveis com o seu
estágio de desenvolvimento, sem que o paciente sinta-se exigido além de sua capacidade.
34
Na avaliação do paciente, temos como objetivos de acordo com Ribeiro (2001):
-
Estabelecer contato inicial; observar e retratar as suas características: física (postura),
emocional, mental e comportamental;
-
Avaliar sua reação e interesse aos estímulos sonoros apresentados;
-
Observar as suas preferências musicais;
-
Analisar a sua reação ao terapeuta e ao ambiente;
-
Observar quem o acompanha e a maneira como lida com o PC, no aspecto afetivo e no
cuidar;
Devem-se utilizar técnicas e elementos que possibilitem a estimulação auditiva, tátil e
visual, como também a parte cognitiva, fonológica e emocional (Ribeiro, 2001):
-
Para a estimulação auditiva / visual, utilizar instrumentos, a partir dos quais o paciente
possa identificar e discriminar a fonte sonora, que perceba a noção de meio e fim –
através da melodia e do ritmo;
-
Na estimulação tátil, trabalhar a sensibilização / dessensibilização com vibração – de
diferentes texturas e temperaturas [estimulação com água]; tocar a superfície do
instrumento – couro, madeira, metal;
-
Na estimulação vocal, podem-se utilizar sons pré-vocais (estalidos, sons produzidos
pelos lábios, bochechas e dentes); sons pré-verbais (boca chiusa, onomatopéias)
-
Na estimulação motora, estimular os membros através do ritmo com instrumentos que
facilitem a preensão e a sensibilização das mãos (coordenação fina); toque nos pés, no
ritmo da melodia; utilizar canções para jogos respiratórios de sopro, imitando objetos
como bolas de soprar; movimento corporal, através da dança e do balanço (equilíbrio);
locomoção – arrastar, engatinhar em direção ao instrumento (reforço positivo);
Na estimulação mental e cognitiva da linguagem e da voz, pode-se utilizar a
Técnica de Audição, incluindo as experiências sugeridas por Bruscia (2000, p.129-134)
quanto às aplicações do processo de escuta, combinadas com a técnica de Improvisação:
35
-
Escuta somática: Ressonância – para fazer vibrar a região peitoral do paciente que
necessita de fisioterapia respiratória, para a desobstrução e expulsão do muco,
utilizando o reco-reco, afoxé ou mesmo o vibrador;
-
Escuta eurrítmica: monitorar as habilidades motoras do paciente (coordenação grossa e
fina, marcha, trabalhar a postura e movimentos corporais)
-
Escuta projetiva: contar histórias, fazendo com que o paciente participe (caso consiga
falar) complementando a narração; dramatização na qual o paciente represente um
personagem, ou o que escuta na música; utilizar onomatopéias (bichos, instrumentos,
chuva) que também irão estimular a linguagem, a articulação de fonemas e associação
do pensamento, facilitando sua concentração e cooperação nas atividades.
Tão logo as alterações sejam diagnosticadas, o tratamento de reabilitação do
paciente deve ser planejado junto à equipe interdisciplinar em que participam: pediatra,
otorrinolaringologista,
neurologista,
oftalmologista,
fonoaudiólogo,
fisioterapeuta,
terapeuta ocupacional e musicoterapeuta. É importante que todos os aspectos e alterações
sejam observados e anotados: desenvolvimento cognitivo, social, motor, de linguagem,
auditivo e visual. "A observação comportamental é fundamental para verificar o uso
funcional da audição, sua integração, harmonia ou discrepância com os outros aspectos do
desenvolvimento" (Andrade, 2000, p.158).
O atendimento interdisciplinar estabelece objetivos comuns, com intervenções
feitas a partir das técnicas utilizadas por cada disciplina, e quando os profissionais, na
medida do possível, entram em consonância nas atividades e no cuidar terapêutico de um
mesmo paciente.
A musicoterapia vem sendo considerada como um excelente recurso, para estimular
e ajudar no processo de reabilitação do PC, principalmente no trabalho com profissionais
da área de reabilitação, pois possibilita, também, que as relações entre paciente e a equipe
se desenvolvam durante os procedimentos, “atuando como um fator de mudança a partir
das experiências musicais” (Baranow, 2001, p.37).
É a sua função mobilizadora / desestabilizadora que tem por missão: quebrar
padrões e resistências, abrir caminhos para a penetração do sonoro, envolvendo paciente e
terapeutas, modificando a “paisagem sonora” da instituição.
36
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O assunto abordado foi desenvolvido, a partir de tópicos pesquisados na área de
fonoaudiologia, que é uma área muito ampla, pois abrangem conhecimentos de anatomia,
fisiologia, neurologia, psicologia, pedagogia, otorrinolaringologia, entre outras. Através da
opinião de especialistas ligados às diversas áreas de reabilitação, percebemos o quanto a
Paralisia Cerebral é uma lesão que desafia os prognósticos e a capacidade de recuperação
de cada tipo de criança.
As patologias possuem variáveis nos aspectos diversos – desde o tipo de paciente
até os prognósticos para uma mesma lesão. Não têm parâmetros regulares para se afirmar
categoricamente que evoluem de uma mesma forma, o que torna mais interessante a
aplicação da musicoterapia nesta área.
Esta amplidão de conteúdos de áreas afins e / ou opostas, exige que o
musicoterapeuta se informe pelo menos, sobre as terminologias utilizadas em cada área.
Deve adquirir também, conhecimentos gerais sobre as características de cada patologia ou
o tipo de deficiência que encontrar pela frente, para que possa exercer a profissão com
mais segurança. Esta postura é muito importante para que profissionais das outras áreas
considerem e respeitem as idéias e teorias que surgem de uma profissão que vem se
firmando perante a área de saúde [médica e paramédica].
As doenças neurológicas são uma incógnita, um desafio, mesmo para os
especialistas em estudos do cérebro, considerando-se que há, ainda, muito por se pesquisar
e descobrir os caminhos por onde a música percorre para atingir o paciente.
O que se observa, também, é uma Identidade Sonora Cultural, formada por mães e
crianças (pacientes) de um mesmo nível sócio cultural – comunitário e regional – o que
leva às preferências musicais semelhantes ou costumeiras. Devemos estar preparados para
lidar com a resistência, e mesmo com a rejeição do paciente, como também enfrentar
situações como as diferenças dentro da equipe interdisciplinar. A aceitação do outro
contrabalança a empatia, que nem sempre existe. Contudo, o mais importante é ser
reconhecido como um elemento integrador – enquanto suporte musical, emocional e
afetivo, através da musicoterapia.
37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mário Lúcio Uchôa in LIMONGI. Fisioterapia e o trabalho fonoaudiológico
em linguagem e comunicação na Paralisia Cerebral. Carapicuíba: Pró-fono, 2000
ARON, Diament, CYPEL, Saul et al. Neurologia infantil – 3a ed.
São Paulo: Atheneu, 1996.
BARANOW, Ana Léa Maranhão Von. Os territórios num trabalho em equipe com
musicoterapia. Revista Brasileira de Musicoterapia. Ano VI – n º 5 – 2001
BARCELLOS, Lia Rejane Mendes. Cadernos de Musicoterapia1 Rio de Janeiro:
Enelivros,1992
BENENZON, Rolando. Teoria da musicoterapia. 2 ed. Trad. Ana Sheila M. de
Uricoechea. São Paulo: Summus, 1988.
BOBATH, Karel. Uma base neurofisiológica para o Tratamento da Paralisia Cerebral
2 ed. São Paulo: Manole Ltda., 1999
BRUSCIA, Kenneth E. Definindo Musicoterapia 2 ed. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000
CHAGAS, Marly. Musicoterapia – Uma aplicação das idéias de Bordieu na análise de
panorama contemporâneo. Revista Brasileira de Musicoterapia. Ano VI – n º 5 – 2001
COSTA, Clarice Moura. O despertar para o outro: musicoterapia. São Paulo: Sumus,
1989.
ETCHEGOYEN, R. Horacio. Fundamentos da Técnica Psicanalítica. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1987
FISIOTERAPIA, Curso de – Musicoterapia como Recurso Fisioterapêutico. TCC– Rosane
Cristiane Ferreira da Cruz. São Paulo: Universidade Bandeirante de São Paulo, 2001
FRANCO, Lean Fontain. Método Verbotonal Associado aos Conceitos Bobath. Paralisia
Cerebral. Home Page: http://www.geocities.com/bia_franco/Artigo02.htm. - 2002
FRAZÃO, Yasmin Salles in LIMONGI. Linguagem na terapia fonoaudiológica com bebês
portadores de Paralisia Cerebral. Carapicuíba: Pró-Fono, 2000
GOLDFELD, Marcia. Fundamentos em Fonoaudiologia – Linguagem. Rio de Janeiro:
Guanabara koogan, 1998
38
GREENSON, Ralph R. A Técnica e a Prática da Psicanálise Rio de Janeiro: Imago,1981.
HEYMEYER, Ursula in Limongi. Os aspectos psicoafetivos do bebê Paralítico Cerebral e
o trabalho de linguagem e comunicação. Carapicuíba: Pró-Fono, 2000
LIMONGI, Suelly Cecília Olivan. (org.) Paralisia Cerebral: processo terapêutico em
linguagem e cognição (pontos de vista e abrangência). Carapicuíba: Pró-Fono, 2000
MARTINEZ, Maria Angelina N. de Souza in LIMONGI. Função auditiva e Paralisia
Cerebral. Carapicuíba: Pró-Fono, 2000
MILLECCO Filho, Luís Antônio et. al. É preciso cantar – Musicoterapia, cantos e
canções. Rio de Janeiro: Enelivros, 2001.
RIBEIRO, Eneida. Musicoterapia em Paralisia Cerebral. Apostila. Rio de Janeiro: CBM,
2001.
RIPER & EMERICK. Correção da linguagem – Uma introdução à patologia da fala e à
audiologia. 8 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
RUUD,Even. Caminhos da Musicoterapia. Trad. Vera Wrobel. São Paulo: Summus,
1990.
SHEPHERD, Roberta. Fisioterapia em Pediatria. 3 ed. São Paulo : Santos Com. Imp.
Ltda., 1996.
SLOBODA, John. The musical mind. The cognitive psycology of music. Oxford:
Clarendon, Press, 1985.
TAYLOR, Dale B. In Wilson, Frank & Roerman, Franz. Music and child development. St.
Louis: MMB Music Inc. 1997.
WAGNER, Gabriela in BENENZON, Rolando. Teoria da Musicoterapia. 2 ed. Trad.
Anna Sheila M. de Uricoechea. São Paulo: Summus,
ZORZI, Jaime Luiz. A intervenção fonoaudiológica nas alterações da linguagem infantil.
Rio de Janeiro: REVINTER Ltda. 1999.
GLOSSÁRIO DE TERMOS MÉDICOS
39
Afasia – perda da compreensão e do uso dos símbolos falados ou escritos.
Anoxia – supressão de oxigenação dos tecidos celulares. O tecido nervoso é o primeiro a
ser lesado.
Apraxia – perda da capacidade de executar gestos e movimentos.
Ataxia – confusão; distúrbio de coordenação da marcha.
Atetose – movimentos involuntários, lentos e irregulares nas extremidades dos membros.
Cinesia – atividade muscular; movimento.
Disartria – dificuldades na articulação ou na pronúncia, devido à paralisia dos órgãos da
fonação.
Disfagia – dificuldade de engolir.
Dismetria – problema de coordenação do movimento no espaço.
Dispraxia – forma discreta da apraxia.
Ecolalia – repetição automática e imediata de palavras.
Encefalopatia – patologia relativa ao Encéfalo – ECI – Encefalopatia Crônica da Infância
(Paralisia Cerebral)
Epilepsia – afecção caracterizada pelo aparecimento de crises convulsivas com ou sem
ausência mental (perda da conciência)
Escapular – relativo à cintura escapular – ombro (omoplata) que serve de inserção ao
membro superior.
Hidropisia – (hydros – água) acúmulo patológico de líquido ou serosidade nos órgãos,
principalmente no abdome.
Prono – pronação – inclinação para dentro (voltado para baixo)
Sialorréia – (do grego sialon, saliva + rhein, escorrer) aumento anormal do fluxo salivar.
Supino – supinação – rotação para fora (voltado para cima)
Teratogênico – (do grego Teratos, monstro) agente mecânico, químico, físico ou
microbiano que deforma o embrião.
Valgagismo – desvio de um membro ou de seu segmento para fora; joelho valgo
Download

Monografia - CBM - Biblioteca da Musicoterapia Brasileira