ano4|número1|dez-jan-fev2014
distribuiçãogratuita|vendaproibida
Ciganos,Sousa,Paraíba,2008
MÁRCIOMORAES
OartistaplásticoefotógrafoMárcioMoraesnasceuemPatos,
Paraíba(1970),masresideemSousahámuitosanos.Eleéum
assíduoeeficienteobservador,atravésdesualentesegurae
espontânea‒dascomunidadesquemargeiamascidades.Alí,
aproveitapararegistrartantoohomemmaiscomum‒suas
expressões,dores,medosetc.‒atéaarquitetura,objetose
animaisquelheservemdeaconchegoeabrigo.
Longedeseencantarcomaqualidadeestéticadesua
produção,MárcioMoraesnuncaseafastadeseusvínculoseda
afeiçãopelaspessoasdestascomunidades,lhesdandoo
devidocaráterderegistrodocumental,algomuitoimportante
nasuaobra.
Daísurgiuasériederegistrosfotográficosquerealizouem
tornodosciganosdacidadedeSousa,AltoSertãodaParaíba.E
issograçasasuarelaçãodeamizadecomestacomunidade,em
especialcomseuslíderesElánio,VicenteePedroMaia.
Asfotografiasaquipublicadas,dasérieOsciganos,jáforam
apresentadasemexposiçõesnaUniversidadeFederalde
CampinaGrande(CampusdeSousa),naAliançaFrancesaJoão
PessoaenoCentroCulturalBancodoNordeste,emSousaeno
Cariri(Juazeiro,Ceará).
[email protected]
editorial
Maisumavez,arevistaSegundaPessoaseguesuafirme
determinaçãodeinsistirnareflexão,documentação,estudoe
divulgaçãosobreartistas,instituiçõesemovimentosque
fazem/fizeramhistórianaregiãonordestina,especialmente,eem
outrasregiõesdopaís.
Naverdade,oquenosmoveéanecessidadedeampliar(em
todosossentidos)adiscussãodealgunstemas‒queparamuitos
parecealgodesconhecidoe/ouperdidonamemória‒quesão
determinantesparaacompreensãodeaçõesdaarte
contemporâneaoudepolíticaspúblicasemáreasdaarteeda
cultura,nonossocaso,nasartesplásticas,design,arquitetura,
fotografia,modaeartesanato.
EéumaalegriaqueaSegundaPessoa,selecionadanoEdital
ProculturadeEstímuloàsArtesVisuais2010,daFunarte/
MinistériodaCultura,estásendodistribuída,regularmente,para
instituiçõeseducacionaiseculturais,oficiaiseprivadas,emtodo
oterritórionacional,alémdadisponibilizaçãodeseuconteúdo(e
deediçõesanteriores)nainternet:www.segundapessoa.com.br.
Nestaedição,hátextosqueesmiuçamahistóriadosmuseusde
CampinaGrande,Paraíba,aomesmotempoquedetalhamseu
acervo,emespecialosartigosdeFernandoMouraeRaul
CórdulasobreonovoMuseudeArtePopulardaParaíba-MAPP,
aserapresentadoaopúblicoemdatapróxima.Amuseóloga
CristinaFreitasGomesfazumbeloapanhadosobreos”museus”
deAssisChateaubriandnoNordeste.Maisumavez,háumartigo
queaproximaartesvisuais-moda,dasprofessorasAlineBassoe
MayrinneMeira,eoutro,deBertrandLira,sobreafotografiaea
pinturanaParaíbadoiníciodoséculoXX.
Índice
FotografiaepinturanaParaíba:ligaçõesproveitosas
porBertrandLira 4
Interfaces:aarteeamodaatravésdaroupacomo
objetoartístico,porAlineTeresinhaBassoeMayrinne
MeiraWanderley
10
Umdiadesol/Excala:Áquila,porFabríciaC.L.Jordão12
OretornodaBienaldeArtedaBahia,porAlmandrade16
AssisChateaubriandeosmuseusregionaisnoNordeste:
osTrigêmeos,porMariaCristinadeFreitasGomes 17
Omuseuédopovo,porRaulCórdula22
3em1,porFernandoMoura28
Profissional:crítico,porCésarRomero30
JáadoutorandaFabríciaJordãopublicaestudosobreasobras
UmdiadesoleExcala:Áquila,deChicoPereiraeCildoMeireles,
respectivamente,produzidasnaParaíbaem1979,durantea
existênciadoNAC/UFPB.Oartistaearquiteto,Almandrade,fala
deassuntourgente:oressurgimentodaBienaldeArtedaBahia.
E,porfim,oartistaeesteta,CésarRomero,”explica”ocríticode
arte,queéeoquefaz...
Boaleitura.
Este projeto foi contemplado com o Prêmio Procultura de Estímulo àsArtes Visuais 2010
3
Fotografiaepinturana
Paraíba:ligações
proveitosas
BertrandLira
[email protected]
Aperspectivarenascentistasignificouparaasociedade
europeiaquatrocentistaosistemaderepresentaçãomais
perfeitodentrodoidealpositivistadeobjetividade
científicaemconfiguraçãonaqueleperíodo.
Agrandemaioriadaspessoasqueprocuravaosestúdios
fotográficosrecém-inauguradosnaEuropaenasAméricas,
nosanos40doséculoXIX,nãoseimportavacomasfalhas
1
aindanãosuperadasdodaguerreótipo ,inventoanunciado
aomundoa19deagostode1839,emParis,naAcademia
FrancesadeCiênciaenaAcademiadeBelas-Artes.Atéo
surgimentodafotografia,eramospintoresquemsaciavao
desejodeumaclasseminoritáriadeseeternizarnum
retrato.
Acameraobscura,umainvençãodoséculoXV,foi,atéo
adventodafotografia,instrumentoauxiliardospintores
indispensávelnarepresentaçãodarealidadebaseadana
perspectivarenascentista,tambémadotadapelafotografia.
Estaperspectiva,segundoFrancastel(citadoporMachado,
1984,p.64),é“(...)apenasumdosaspectosdeummodo
deexpressãoconvencional,fundadosobreumcerto
estadodastécnicasedaordemsocialdomundoemdado
momento.”Portanto,nãosendoaúnicaenemaforma
“natural”derepresentaçãodomundo.
GisèleFreund(1989)assinalaqueemmeadosdoséculo
XVIII,antesmesmodaRevoluçãoFrancesa,aburguesia,no
afãdeumaauto-afirmação,encontranoretrato
encomendadoapintores,hátemposprivilégioda
aristocracia,“umdaquelesatossimbólicospelosquaisos
indivíduosdaclassesocialascendentetornavamvisível
parasimesmoseparaosoutrosasuaascensãoese
classificavamentreosquegozavamdeconsideração
social.”(p.25).Foiaépocadaampladifusãodoretrato
pintadoemminiaturaque,jábemaceitopelaaristocracia,
cainogostodascamadasburguesas.Ummodismoseguido
temposdepoispelaadoçãodofisionotraço,umamisturada
técnicadorecortedasilhuetaedagravura.
NasduasprimeirasdécadasdoséculoXIX,assinalaBoris
Kossoy(1980)váriosespíritosempreendedores,
trabalhandoindependentemente,naInglaterra,naFrança,
naEscócia,naAlemanhaenoBrasil,sededicaramà
pesquisadeummeiocapazderegistrarefixarasimagens
projetadasnacameraobscura.Todoseles,usandosuportes
equímicosdiferentes,realizaramquaseque
simultaneamente,experiênciasbemsucedidasobjetivando
aobtençãodefotografias.NoBrasil,HerculesFlorence,
exímiodesenhistaepintor,executavaseustrabalhos
(paisagenseretratos)comextremaobsessãopela
representaçãofieldarealidade,inclinaçãoqueo
impulsionouparaadescoberta(isolada),em1833,nonosso
país.
Ofisionotraço,segundoFreund(1989,p.31),“nadatema
vercomadescobertatécnicadafotografia.Maspodeser
consideradooseuprecursorideológico.”Suainvenção
vematenderàdemandacadavezmaisnumerosadessas
camadassociaisquepaulatinamentealcançavammaior
prestígiopolíticoesocial.Ofisionotraçosignificoua
produçãoemsériederetratos,apreçosacessíveisà
pequenaemédiaburguesia,que“encontrouaíummeiode
darexpressãoaoseucultodeindivíduo.”(p.25).A
democratizaçãodoretrato,contudo,sóviria
definitivamentecomafotografiapoisofisionotraço,com
suaexecuçãomanual,nãopodiaatenderatodososestratos
daburguesiaemuitomenosàgrandemaioriada
população.
Noâmbitodasnecessidadessociais,ainvençãoda
fotografiaveiocoroaraaspiraçãodasociedadede
racionalizararepresentaçãopictóricaatravésdaobtenção
mecânicadaperspectivaartificialis(ourenascentista)que
satisfez,porquasecincoséculos,“asnecessidades
figurativasdacivilizaçãoocidental”(Machado,1984,p.63).
AfotografianacidadedaParahybadoNorte,nomeanterior
dacapitalJoãoPessoa,começouaperdergradativamente
seucaráteritinerantenasduasprimeirasdécadasdoséculo
XX(Lira,1997).OalemãoBrunoBourgard,aoseradicarna
capital,assegurouumaclientelacujademanda,noentanto,
nãoerasuficientementegrandeparamantê-loocupadoem
tempointegral.Sobencomendaounão,viajavacom
frequênciaaointeriordoestadoavisandoàsuaclientelada
reaberturadoseuateliêquandodevoltaàcapital.
Bourgard,alémdomais,passaadividiraclientelacom
outrofotógrafoestrangeiroqueoptouporseestabelecer
deveznacidadedaParahyba:osuíçoEduardLudolf
Stuckert,queaquichegounosprimeirosanosdoséculo.
4
problemasparaentrarnossalõesdebelas-artes.Naterceira
ExposiçãoGeraldeBelas-Artes,em1842,noRiodeJaneiro,
aconteceuoqueVasquez(citadoporTurazzi,1995,p.111)
consideroucomo“aprimeiraparticipaçãodafotografia
numsalão,empédeigualdadecomapintura”,trêsanos
antesdoquenaFrança.
Afotopintura
ComoBourgard,EduardStuckertcasou-secomuma
paraibanaeseradicounacidadedaParahyba.Stuckertera
cartógrafo,fotógrafoedesenhista,comespecialidadena
técnicadebicodepena.Foicontratadocomoprofessorde
desenhodoLyceuParahybano,dividindoessafunçãocom
astarefasdeseuestúdioinstaladoàruaDuquedeCaxias,
325.Osfotógrafosquechamamosdeparaibanos(Pedro
Tavares,WalfredoRodriguezeFredericoFalcão),iniciaram
suasatividadescomafotografianoestadodesdeas
primeirasdécadasséculoXXetinhamestreitasligações
comaartepictórica.FredericoFalcãofoimaisfestejadopela
imprensapelahabilidadecomospincéisdoquecomo
fotógrafo.Nasdécadasseguintesoutrospintores,como
OlívioPintoeJ.SerranoLyra,vãoassociarseusnomesà
fotografia.
Àparteessacontrovérsiadostatusdearteounãoda
fotografia,elasótevealucrarcomahabilidadedesses
pintoresedesenhistas.Afotopintura,atécnicadecoloração
manualdaimagemfotográfica,surgiunosprimórdiosda
fotografia,aindacomosdaguerreótipos.Oretoquedo
negativo,umatécnicainventadapelofotógrafoalemão
FranzHampstangleapresentadaaomundonaExposição
UniversaldeParisde1855,popularizou-sedetalformaque
raroseramosprofissionaisquenãotentassemexecutá-la.
Osquenãopossuíamdestrezaparaadelicadatarefa,
recorriamaprofissionaishabilidososparaestefim.Útilnão
apenasnacorreçãodasfrequentesfalhascomunsao
processofotográfico,oretoqueveiotambémpossibilitara
manipulaçãodaimagemfotográficaparaacorreçãodas
“falhasdanatureza”(retiradaderugas,manchasea
suavizaçãodeformasdasfisionomiasmenosfotogênicas),
alémdainserçãoouretiradadeobjetos,segundoavontade
doclienteouaintençãodofotógrafo.Oretoque,para
Freund(1989,p.75),“despojouafotografiadoseuvalor
essencial”,masirrefutavelmente,lembraSusanSontag
(1986,p.82),o“conhecimentodequeacâmarapodia
mentirtornouoretratomuitomaispopular.”
Arivalidadeentreapinturaeafotografiadatadesua
invenção.Ospintoresderetratoaóleoseviramempouco
temponacontingênciadeperderseumeiode
sobrevivência.Afotografiavaibuscar,nessalegiãode
deserdadosdapintura,seusprimeirosprofissionaisquevão
utilizarnafotografiaaexperiênciaacumuladanapintura,
conferindoaosseusprodutosumacabamentoartístico
excepcional(Freund,1989,p.47).Essaadesãonãosedeu
deformatãoespontâneacomopôdeparecer.Nãofoisem
constrangimentoqueartistaspintoresseentregaramao
meiomecânicodecopiaromundo,ondeo“gêniocriativo
dohomemnãopodiainterferir”.Pormuitotempoa
fotografiaviveu,naEuropa,esseembatecomparativocom
apintura.
Afotopinturaeoretoquetiveramusobastantedifundido
naParaíbaentrenossosfotógrafos,doinícioatéadécada
de50doséculopassado,quandooprocessoderevelação
emcores,inventadoemmeadosdosanos30,aindanãoera
realidadenoestado.FredericoFalcãoeOlívioPintoforam
doisdessesquesenotabilizarampeladestrezanoretoquee
pinturadefotografias.Aqui,apinturadevistaseretratos
fotográficosnãoconsistiaapenasemconferiraotrabalho
ummaiorrealismoàsimagensmas,umatentativadealçar
oprodutoàcondiçãodearte.
NaParaíba,osprofissionaisquesededicaramaessasduas
vertentesdarepresentação(ospintoresfotógrafosou
fotógrafospintores)nãoraroafirmavamternafotografia
apenasummeiodesobrevivência,nãoaconsiderandouma
artecomoapintura.Essaposturanãochegavaase
caracterizarumarivalidadeentreospintoresefotógrafos.
Primeiroporqueafotografianãoveioroubaroganha-pão
dosnossospintores,comoaconteceunaEuropadadécada
de1840.Umadascaracterísticasdatrajetóriadafotografia
nopaís,segundoSolangeFerrazdeLima(1991,p.73),“éa
ausênciadasdiscussõespolarizandofotógrafosepintores
queportantosanosalimentaramaintelectualidade
europeia.”NoBrasildessaépoca,afotografianãoteve
ARevistaCaretadoRiodeJaneiro,de20dedezembrode
1913,saudouoartistaplásticoedepoisfotógrafoFrederico
FalcãoFilhocomo“umjovemeesperançosopintor
5
parahybano”,quandoestevenoRioparaofereceraoentão
deputadoJoãoMaximianodeFigueiredo,umretratodo
conterrâneopintadoaóleo.Suahabilidadeemexecutar
retratoscomperfeição,nestaenoutrastécnicas,éexaltada
váriasvezesemdiversosveículosimpressosdaépoca.O
articulistadojornalOOperário(11/10/1913)dacidadeda
Parahyba,nãoconsideraFredericoFalcãoumartista
“impeccavel,cujasproduccõescausemexcepcional
assombro”masassinalaquehá“emvariossalõesdenossa
terra,devidamenteemolduradas,asauthenticasprovas
dotalentodesseartista,asquaessãobemacabados
retratosexecutadosacrayon.”
Nascidodeumafamíliapobre,FredericoFalcão,commuito
esforço,seformouemDireitonacidadedeRecife.Avenda
deseustrabalhosempintura,sobretudoretratos,foi,talvez,
umaformaqueencontrouparacustearseusestudossem
noentantodeixardeladoaaspiraçãodesetornarum
artistareconhecido.Umaestratégiadoartistaera
presentearautoridadescomquadrosondese
apresentavamretratadasaóleo.
Artistaatuante,FredericoFalcãoparticipoudascoletivas
maisimportantesdaépoca(décadade10e20)com
retratos,seutemapreferido,eoutraspinturas.O“Salon
Filippéa”,emmarçode1924,parecetersidooeventono
gênerodemaiorrepercussãonasociedadelocal,com
grandedestaquenosjornaisONorte,AUnião,OCombate,
AImprensa,OCorreiodaManhãenarevistaEraNova.
Foramexpostasnosalão118obrasdecincoartistas:Amélia
Theorga,VoltaireDalva,PintoSerrano,FredericoFalcãoe
OlívioPinto.Comoretratista,FredericoFalcãochamoua
atençãopelasuanotóriahabilidadeemretocarepintar
retratos,unanimamentereconhecidaporseus
contemporâneos.
Jovemdesconhecida,fotografiadePedroTavares
FredericoFalcão
PedroTavares:deprojecionistadecinemaadesenhista,
pintorefotógrafo
AruaMacielPinheiro,em1918,passaacontarcomos
trabalhosdosfotógrafosJulioMeiraePedroTavares
instaladosna“conhecida”CasaColombo,nº73,
especialistasemretoqueereproduções“executadospor
processosespeciaeseaindaineditosnaParahyba.”Eles
anunciamquerealizamtambém“comamaximaperfeição
retratoscoloridoseampliaçõesemqualquertamanho”e
queatendem“achamadosparaqualquerpontodacapital
elogaresservidosporestradadeferro.”2
PedroDamiãoTavaresdeMelonasceua23defevereirode
1888,eantesdesetornarfotógrafo,trabalhoucomo
projecionistadecinemanacidadedeGoiana,Pernambuco.
Reconhecidocomoumvigorosodesenhistanatécnica
“águaforte”,PedroTavareschegouaproduzirdesenhos
animadosnosanos20,segundoFlávioTavares,netodo
fotógrafoetambémartistaplástico.Comofotógrafo,Pedro
Tavaresretratoupersonalidadesdomundosocialepolítico
doestado.
6
tempoeaumestiloeaformadeculturaexpressadeum
povo,português,lógico.Elequerdizerdoscasarões
portuguesesàcidadedosseusdias.”.Trêsanosdepois,em
abrilde1945,umanovaexposição,Praiasepraieirosde
minhainfância,mostraumWalfredousandoatécnicade
coloraçãodefotografiasnatentativadeconferirmaior
realismoàsuadocumentaçãoouquemsabe,umtom
artístico.
AfamadeexcelenteretratistafezcomqueoGovernodo
EstadoorequisitasseparaostrabalhosnoPalácioda
Redenção.Porsuaslentes,passaramgovernantesque
exerceramopodernoestadoaté1945.PedroTavarestinha
tambémaincumbênciadedocumentarosacontecimentos
relacionadosaoPalácio,cujosregistrosiriamparaas
páginasdeAUnião,ojornaloficialdoGoverno.Umafunção
quedeverialisonjearqualquerumera,paradoxalmente,
motivodefrustraçãoeangústia.O“artistafotógrafo”sentia
faltadotrabalhodeateliêenuncaescondeuodesejode
voltarasededicaraessetipodefotografia.FlávioTavares,
contaqueaslamentaçõesdoseuavôeramumaconstante
nassuasconversas,oqueàsvezesotornavaamargurado.
“Elenãoseconformavadeverseusantigosdiscípulos
trabalhandonaquiloqueelegostavaeensinouafazer.”3
Afotografiacoloridasatisfaziaigualmenteaumgostosocial
daépoca.WalfredoRodríguezassinaumretratodeRoberta
Sobreiracoloridoàmão,ampliadoapartirdeuma
fotografiaondeaparecemaentãogarotinhaRoberta,sua
irmãeseupai,tiradaem1943noStudioLumière,como
indicadonocarimbonoverso,umaexplícitahomenagem
aocinema,suaoutragrandepaixão.Aúltimaexposição
realizadaporWalfredo,ImagensdavelhaParaíba,
aconteceunodia22dejulhode1967,naBibliotecaPública
doEstado,naav.GeneralOsório,252.
Fotógrafospintores,pintoresfotógrafos
SeFredericoFalcãopoderiaserchamadodepintor
fotógrafo(etalvezpreferisseassim),outrodesuageração
provavelmenteficarialisonjeadoseochamassemde
fotógrafopintor.Umagrandepartedamemóriavisualda
Paraíbachegouaosdiasatuaisgraçasaoempenhoe
dedicaçãodeWalfredoRodríguez,omaispolivalentedos
nossosfotógrafos.Pintor,fotógrafo,cineasta,cronistae
historiador,contribuiudeformasingularparaamemória
iconográficadacidade.Suacontribuiçãoaocinemaéuma
capítuloàparte.
Apráticadecolorirfotografiasembrancoepreto,surgida
naEuropalogoapóssuainvenção,foiumaespecialidade
desenvolvidanaParaíbapelosfotógrafosoriundosdasartes
plásticas.VimosqueFredericoFalcãosetornouumexperto
dafotopintura.OlívioPinto,pintoreprofessordedesenho
doLyceuParahybano,fezfamadomesmomodocomseus
retratosepaisagenspintadas.Acreditamosqueessaprática
setornourotineiranoestadoapartirdasegundadécadado
séculoXX,nomomentoemqueFredericoFalcão,Pedro
TavareseWalfredoRodríguezsetornaramtambém
retratistasfotográficos.
NãosesabeaocertoquandoWalfredoRodríguezcomeçou
afotografar.Acredita-sequefoiiniciadopeloseuavô
paterno,AntônioEmilianoRodríguezPereyra,queera
fotógrafo.Oquenoslevaacrerquesejamdaautoriadoavô
algumasdasfotografiasdacidadedaParahybadoséculo
passado,cuidadosamentecolecionadaspelonetoWalfredo
que,aindajovem,sededicariaàprofissãofotógrafo.Entre
1935e39,WalfredotrabalhouparaoServiçodoAlgodão
comofotógrafodocumentarista,oquelherendeuuma
exposiçãojáem1935,segundoinformaçãocontidano
currículoresumidodeWalfredofornecidopelafamília.
Pormaisquerelasquetenhahavidonatrajetóriada
fotografiaparaseraceitanacategoriadebelas-artes,o
intercâmbioentreartistasplásticosefotógrafosdatada
apariçãodestarivalidade,ouseja,dainvençãodaprópria
fotografia.
Aolongodestepercurso,afotografiaeasbelas-artesse
aproximaramdeváriasformas,sejanaassociaçãoentre
profissionais,comofotógrafosepintores;sejanafusão
dehabilidadesdistintasnumúnicoprofissional(o
fotopintor,porexemplo);natrocaeapropriaçãode
certastécnicas,ouaindanadefiniçãodeumaestética
(Turazzi,1995,p.112).
MachadoBittencourtregistramaisduasexposiçõesde
WalfredoRodríguez:uma(talvezasegunda)abertanodia4
deoutubrode1942:“Dostemposdosazulejosebeiraisà
cidadedehoje”,onde,segundoBittencourt(1989,p.85),
Walfredoreporta“aumdadodearquitetura;(...)aum
7
Otrabalhocomafotografiafoiaatividademaispróximada
pinturaqueJ.Lyraencontroucomomeiodesobrevivência.
Conscientedasdificuldadesdeviverdapintura,J.Lyrase
dedicavaàssuaspaisagens,naturezasmortasemarinhas
comoumamadoraficionado.Noentanto,militou
seriamentecomoutrosartistasparaofomentodasartes
plásticasnaParaíba,fundando,em1946,juntamentecom
EdésioRangeleJoséClerot,oCentrodeArtesPlásticasda
Paraíba.
Aparcelade“fotógrafosartistas”,noafãdesedistinguirdos
chamadosfotógrafosdeofício,lançamãodeartifícios
estéticosparaimprimirumtomartísticoaosseustrabalhos,
nasegundametadedoséculoXIX.Vemdesteperíodoa
distinçãoentreofotógrafoartistaeofotógrafodeofício
(Freund,1989,p.93).Osprimeirosvãoteràsuadisposição
porvoltade1900,umasériedeprocessosquevão
possibilitarcadavezmaisumaintervençãopictóricana
fotografiaparaobteroefeitoimpressionistadapinturaa
óleo,àsemelhançadodesenho,daságuas-fortesede
outrastécnicasantesexclusivasdapintura.
Apartirdaí,Lyra,RangeleClerotdesenvolveramuma
intensaatividadeformadoradenovosartistas,aexemplode
ArchidyPicado,BrenoMattoseIvanFreitas.OCentro,
instaladono1ºandardeumprédiodaruaBarãodoTriunfo,
reunianomesimportantesdasartesplásticasdoestado.
ArnaldoTavares(filhodofotógrafoPedroTavaresepaido
artistaplásticoFlávioTavares),PintoSerrano,OlívioPinto,
JoséCastordoRêgo,HermanoJosé,entreoutros,
participavamassiduamentedasmemoráveisexcursõespara
sepintaraoarlivre.
ContemporâneodopintorefotógrafoFredericoFalcão,
comquemdividiualgumasexposiçõescoletivasdepintura,
OlívioPintofezhistóriacomseusretratosfotográficos
coloridosamãoeseuspostaisdacapitaldaParaíba.Nasceu
emMamanguapenodia1ºdemaiode1897.Foiprofessor
dedesenhodoLiceuParaibano,nomeadoemnovembro
1926,esóseaposentouemmarçode1960.OseuFoto
Pintura,talvezodeexistênciamaislonganacidade,foi
abertoem1930.Porocasiãodaexposição“50anosda
pinturaparaibana”‒ondesuaobra,marcadaoraporuma
faseimpressionista,oraexpressionista,tevedestaque‒
JurandyMouraescreveuqueOlívioPinto“foiumdos
pintoresmaisfestejados,tantonanossacidadecomono
Recife(...)OlívioPintosemprefoiumespíritojoveme
criativoeasuaparticipaçãonomovimentodeartes
plásticasaquinaprovínciafoisempreintensa.“4
OCentrodeArtesdaParaíbarealizouemmaiode1947,um
anoapósasuacriação,umagrandeexposiçãocoma
participaçãodemaisde100trabalhosdeartistas
paraibanosouradicadosnaParaíba.Foiaprimeiradeuma
série,realizadaanualmente.J.Lyra,alémdeapresentartelas
(comretratos,naturezamorta,paisagensemarinhas)
nesseseventos,expôsaindaemNataleRecife.No14ºSalão
dePinturadoRecife,emoutubrode1955,expôstrês
quadros,conquistandoumamençãohonrosaeumprêmio
concedidopelaUniversidadedePernambuco.Osalão
reuniucercade60trabalhosdeartistasdeváriosestados.
“OtriunfodopintorparaibanoJ.Lyra-grandeartistade
umaprovíncia(...)honraeorgulha,sobremodo,aarte
tabajara,dequeeleélegítimoeadmirávelexpoente.”5
Paraexecutarseusfamososretratosaóleo,J.Lyra
convidavaomodeloaoseuestúdioparaantesfotografar.E
assimfaziacomtodoseles,inclusivemendigose
vendedoresdefrutas.RaulCórdulamencionaumaacirrada
disputaentreosartistasElcirDiaseHermanoJosé,sobre
qualdosdoisteriasidomelhorretratadopelopinceldo
pintor.Lyravalorizavamuitomaissuapinturadoqueseu
trabalhocomafotografia.Perguntadoseaartede
fotografarseconciliavacomapintura,elerespondeu:“não
seisefotografaréarte.Émaistécnica,masadmitoque
sendoartistapossofazer.Paramimfoiumaatividade
comercialinteiramentealienadaàpintura.”6A
longevidadedoFotoLyrasótemparalelocomoFoto
Pintura,oFotoStuckerteoFotoCondor.Porém,enquanto
esteserampassadosdepaiparafilho(oumelhor,filhos),J.
Lyraesteveàfrentedoseufotodurantetodasuaexistência.
NaParaíba,artistasfotógrafoscomoFredericoFalcão,Pedro
Tavares,WalfredoRodriguez,OlívioPintoeJ.SerranoLyra,
antesdesededicaremàfotografia,eramtalentos
reconhecidosnomanejocomospincéis.Afotografialhes
deuachancedeaplicar(epopularizar)suasaptidõesnas
artesplásticasparadeleitedosseusclientes.J.SerranoLyra,
aoladodeFredericoFalcãoeOlívioPinto,foiumdosque
maisdifundiuafotografiacoloridaartesanalmente.
Fotógrafoepintor,J.Lyratinhaumapredileçãoporretratos,
aosquaisimprimiaapuradoperfeccionismo.Lyraadvémde
umafamíliadeartistas:JoséGracilianodeGoésLyra,seu
avôpaterno,pintavaeesculpia.Pertenciatambémàfamília
ospintoresefotógrafosJoãoPintoSerranoeOlívioPinto.
8
Breveconclusão
Aorigemdotermoedacategoria“artesplásticas”,no
sentidoda“modelabilidade”queumadeterminada
matéria-primasedáàmanipulação,aexemplodaargilana
esculturaedastintasnospincéis,estabeleceuma
diferenciaçãodeoutrasformasmecânicas(automáticas)de
representaçãocujorepresentantemaioréafotografia,por
muitotempoalijadadostatusdearteemvirtudedoseu
automatismo(Aumont,1993).EnquantonaEuropaessa
contendafoiacirrada,noBrasil,eemparticularnaParaíba,
seaconteceu,sedeudeformaatenuada,àsvezesexpressas
maisemaspiraçõesemaproximarafotografiadoscânones
estéticosdapintura,comopercebidasnaobradenossos
fotopintores,doquenumverdadeiroconfrontoentreos
defensoresdaspossibilidadesartísticasdafotografiaeos
queaviamcomomeroaparatomecânicodereproduçãodo
real.
BertrandLiraéProfessorDoutordoDepartamentode
ComunicaçãoemMídiasDigitaisdaUFPB,cineastaeautordolivro
“FotografianaParaíba:uminventáriodosfotógrafosatravésdo
retrato(1850-1950)“e“LuzeSombra:significaçõesimagináriasna
fotografiadoexpressionismoalemão“.
Notas
1.“Trata-sedeumaimagemúnicaepositiva,diretamente
formadaemumaplacadecobrerevestidaporumacamadade
pratacuidadosamentepolidaesensibilizadaporvaporesde
iodo,quelheconferemumtomlevementedourado”(Turazzi,
1995,p.281).
2.AnúncionojornalAUnião,de2a21deabrilde1918.
3.Emdepoimentoaoautor,maiode1996.
4.JornalONorte,16/06/1971.
5.JornalOCorreiodaParaíba,10/10/1955.
6.EmentrevistaaoCadernofemininodojornalONorte,
05/10/1975.
JoséLyraem1939
Mendigo,fotografiadeJoséLyra
Referências
AUMONT,Jacques.Aimagem.Campinas,SP:Papirus,1993.
BITTENCOURT,Machado.AartefotográficadeWalfredo
Rodriguez,in:Santos,Alex(Org.).WalfredoRodrigezea
culturaparaibana.JoãoPessoa:EGN,1989.
FREUND,Gisele.FotografiaeSociedade.Lisboa:Vega,1989.
KOSSOY,Boris.HerculesFlorence:1833,adescobertaisolada
dafotografianoBrasil.SãoPaulo:Duascidades,1980.
LIRA,Bertrand.FotografianaParaíba:uminventáriodos
fotógrafosatravésdoretrato(1850-1950).JoãoPessoa:Editora
Universitária,1997
MACHADO,Arlindo.Ailusãoespecular‒introduçãoà
fotografia.SãoPaulo:Brasiliense,1984.
FERRAZ,Solange.Ocircuitosocialdafotografia:Estudode
CasoII,in:Fabris,Annateresa(org).Fotografia:usosefunções
noséculoXIX.SãoPaulo:Edusp,1991.
SONTAG,Susan.Ensaiossobrefotografia.Lisboa:Publicações
DomQuixote,1986.
TURAZZI,MariaInês.Posesetrejeitos:afotografiaeas
exposiçõesnaeradoespetáculo(1839-1889).RiodeJaneiro:
Rocco,1995.
9
Interfaces:aarteea
modaatravésdaroupa
comoobjetoartístico
MayrinneMeiraWanderley
AlineTeresinhaBasso
Consideraçõesiniciais
CraftsedoArtNouveau,encampouumarenovaçãono
trajefemininoutilizandoformaslineareseesbeltas,
estabelecendoumnovovestuário,agoramaispróximoda
arte‒ecriaseusKünstlerkleid,termoquepodeser
traduzidopara“roupasdeartista”¹ou“vestidosartísticos”.
EstasforamexpostasnaMostradeKrefeld,entãocentroda
indústriatêxtildaAlemanha,quesetratavadeuma
exposiçãode“RoupasDesenhadasporArtistaspara
SenhorasModernas”(BARBOSA,2009,p.56).Deláparacá,
ocorreramavançoseretrocessosnessasinterações.
SegundoAcom,
Esteartigoéprodutodepesquisasrealizadaspeloprojeto
“Alinhavo”,desenvolvidojuntoaalunosdocursodeDesign
deModadoUnipêpordoisanoseseismesesdeduração.
Partedareflexãosobrearoupacomoobjetoeartefatoe
suaspossibilidadesdeinterfacecomaarte.Aroupa,de
formageral,despertainquietaçõesaoserinseridano
universodasArtesVisuais,porsetratardealgotípicodo
âmbitodamoda.Esta,porsuavez,éofenômeno
mobilizadorderápidasmudançaspordefinição
(LIPOVETSKY,2009),daíasreservasdesuainserçãona
esferadasArtes.
[…]tantoarte,quantomodasãoprodutosdofazer
humano,capazesdeprovocarassensaçõescatárticas
dosublimeoriundasdabeleza.Ésemprecomamesma
faculdadedejuízo,quejulgamosobelo,enãohácomo
separarapurasensaçãodabelezaemdistintasocasiões
estéticas(2010,p.276).
Aanálisesituouaroupanaposiçãodeobjetoartístico,
considerandoahistóriadaArteedaModa,bemcomoas
característicassimbólicaseidentitáriasdaroupa,
redundandonaseguintepolêmica:seriaamoda,arte?Ao
mesmotempoemqueamodareclamaseuestatutode
arte,ealgunsestilistassedenominamartistas,osconflitose
debatesseintensificam,dandosinaisdequeocaminhoa
serpercorridoporessapolêmicaéíngreme,longoeincerto.
Contudo,nospareceinegávelasquestõesemcomumentre
asduasesferas,earoupasemostraumaintercessão,da
qualaarteseapropriaconscientementeapartirdoiníciodo
séculoXX.
Apartirdessasimbiose,ArteeModaproduzemnovos
sentidos,que“sealteramouseamplificam,mastêm
especificidadesprópriasquenãoseconfundem”(COSTA,
2009,p.75).Maisqueisso,oqueseconsideranesteestudo,
équeelassãosimilaresnaformacomqueafetamos
sentidosdoobservador(ACOM,2010),provocando
experiênciasestéticassemelhantes.
Édeseindagaroquepoderiadistinguiraroupa-modada
roupa-arte.Conceberaroupacomoobjetoperpassante
entreosdoiscampospodeesclarecerquestõesacercadas
interaçõesarte-moda,observandoatenuidadedessa
fronteira.Aqui,aroupasemostracomoumeloentreesses
doisterritórios.
Nãosepretendeaquiafirmarquemodaéarte,oumesmo
quearteémoda.Porém,éimprescindívelrefletir
brevementearespeitodestaideia.SegundoRicardo
Resende(apudPRECIOSAeMESQUITA,2011,p.116)emseu
artigointituladoMuseu,ArteeModa,“amoda,assimcomo
aarte,temumpapelimportanteadesempenharna
sociedadecontemporânea,odeagregareconscientizaras
pessoas.Eseamodaéarteounãoparaalguns,pouco
importaaqui.”.Müller(2000,p.15)vaialémedefendeque
“existeumamodaquefazʼarteʼeumaartequefalada
moda”.
ARoupa,aArteeaModa
RoupaeArtedesdesempreserelacionaram,umavezque,
nassociedadesantigas,partindodadivisãodotrabalho,
eramosartesãosqueficavamresponsáveispelaprodução
daculturamaterialdaquelassociedades.Noentanto,foino
séculoXXqueexpressivamenteaslinguagensforamse
relacionandoeunificando,oferecendomutuamente
contribuições.
Nocontextoda“modaquefazarte”,defendidoporMüller
(2000),podemosinseriramodaconceitual²ouautoral.Este
desdobramentodamodacaracteriza-seporroupasquenão
obedecemaumalógicafuncionalemercadológica,sendo
produzidasapenasparafinsdepassarelaouafimde
estabeleceroconceitodeumacoleção.Nessecontexto,
consideramosModacomoumaexperiênciaestética,
DeacordocomCosta(2009),jánaprimeiradécada,Henry
VandeVelde,sobainfluênciadomovimentoArtsand
10
Notas
torna-senecessáriosituararteemodaladoalado.Todavia
nãosealmejaforçarumaconvergênciadasdisciplinasem
ummesmoobjetivocomum,masapontaralgumasdesuas
proximidadesecruzamentospossíveis.
1.ParaCosta(2009,p.9),otermo“roupadeartista“,“hoje
designaumaproduçãoqueseinserenocampodosnovos
meios,játendoestadopresenteemquasetodosos
movimentosartísticosdoséculoXX“.
2.Vertentequesediferenciadamodacomercialpornãoter
afinalidadedeserreproduzida.Aspeçasexpressamideiase
conceitos,enãoprecisamsernecessariamente
comercializadas.
Arrematefinal
Naslinhasanteriorespôde-seconstatarqueArteeModa
sãoduasdisciplinasquefrequentementesecomunicame
seaproximam.Dentreseusváriosdiálogospossíveis,a
roupasemostracomoumobjetoricoemreflexõese
possibilidadesdeexpressão,produtoradenovos
significados,seredefinindoconstantementeporser
múltipla.Comoartefatodelinguagemprópria,dilataas
fronteirasdaquiloquesepercebecomomodaoucomo
arte.Comomeiocambiável,aroupatemacapacidadede
transitarlivrementeentreosdoisterritórios‒modaearte‒
consolidandoconexões.
Referências
ACOM,AnaCarolina.Experiênciaestética:amodaemalgumas
intersecçõescomaartefuturistaesurrealista.In:Iara‒revista
demoda,culturaearte,v.3,n.3.SãoPaulo:Senac,2010.
Disponívelem:http://www.iararevista.sp.senac.br/arquivos/
noticias/arquivos/144/anexos/pdfpdf.pdf.Acessoem
28/04/2014,às19h20m.
BARBOSA,ReginaSilva.OVestidodaReforma‒designe
interdisciplinaridade.2009.101f.Dissertação(Mestradoem
Design)‒UniversidadeAnhembi-Morumbi,SãoPaulo,2009.
COSTA,CacildaTeixeirada.Roupadeartista:ovestuáriona
obradearte.SãoPaulo:ImprensaOficialdoEstadodeSão
Paulo:Edusp,2009.
LIPOVETSKY,Gilles.OImpériodoEfêmero:amodaeseu
destinonassociedadesmodernas.SãoPaulo:Companhiade
Bolso,2009.
MESQUITA,Cristiane;PRECIOSA,Rosane(Org.).Modaem
Ziguezague:interfaceseexpansões.SãoPaulo:Estaçãodas
LetraseCores,2011.
MÜLLER,Florence.Arte&moda.ColeçãoUniversodaModa.
SãoPaulo:CosacNaifyEdições,2000.
Talvezmodanãosejaarteouartenãosejamoda,porém
elasapresentamelementoscomuns,equepodemmuitas
vezessemesclarouseconfundir,mesmosetratandode
universoscomcaracterísticasprópriasemuitasvezes
distintas.Asexperiênciasestéticasentreosdoiscamposnos
fazperceberquesuasfronteirassão,nãoobstante,
indefinidas.
MayrinneMeiraWanderleyégraduadaemHistória,doutora
emSociologia(PPGS/UFPB),professoradoCursoSuperiorde
TecnologiaemDesigndeModadoUNIPÊ,orientadorae
curadoradoprojetodepesquisa“Amodacomopatrimônio:
museuvirtualderoupasdaParaíba“.
AlineTeresinhaBassoéespecialistaemArtesVisuais:culturae
criação(Senac,2011),mestraemArtesVisuaisnoprogramade
Pós-graduaçãoemArtesVisuais(UFPB/UFPE),professorada
UniversidadeFederaldoCeará,noCursodeDesigndeModa.
11
Umdiadesol/Excala:
Áquila¹
FabríciaC.L.Jordão
[email protected]
AintervençãoUmdiadeSol,doartistaparaibanoChico
Pereira,foirealizadaemtrêsetapas:naprimeiraforam
feitosregistrosfotográficosdosbanhistasecomerciantes
napraiadeTambaú,emJoãoPessoa.Emseguida,aofinal
dodia,foicoletadotodoolixoeresíduosdeixadosnaorla
marítimadeJoãoPessoa(aproximadamente6,5km).Num
terceiromomento,olixocoletadoeacondicionadoem
sacosplásticostranslúcidosfoiexpostoemestruturas
quadriculares,feitascomestacasdemadeira,naPraça
VicenteTrevas4.Duranteaintervenção,aindacomoparte
doprojeto,foirealizadoumshow-performanceintitulado
“Omitoéamensagem”,comabandaCincoEstrelas,cujo
oscomponentesvestiamtangasdetecido,saiasdepalhae
tinhamocorpocobertocomdesenhosgeométriconacor
branca.
ONAC/UFPBfoifundadoem1978emJoãoPessoapormeio
deparceriaentreaFundaçãoNacionaldeArte(Funarte)ea
UniversidadeFederaldaParaíba(UFPB).Seuprojetofoi
elaboradoporPauloSérgioDuarteeAntonioDiasetinha
comoprincipalobjetivoacriaçãodeumespaçovoltadoà
difusãoeàproduçãoemartecontemporânea,numaregião
quetradicionalmenteofereciaresistênciaaqualqueração
atualizadoranocontextoartísticoenumauniversidadeque,
hámaisdeumadécada,desenvolviaaçõesvoltadas,
prioritariamente,paraaproduçãoartísticalocaleregional.
Apesardaresistência,oNAC/UFPBapoiouedifundiuaarte
experimentalbrasileiraemJoãoPessoa,viabilizando
projetosartísticospoucocondicionadosaomercadodearte
e/ouaosformatosinstitucionais.SegundoPauloSérgio
Duarte,oNAC/UFPBrepresentouumimportantemarcona
regiãoNordeste:
Aproblemáticadolixoedousodedetritosnaarte,mesmo
em1979,nãoeranovidade.Guardadasasdevidas
diferençaseobjetivos,JosephBeuyscomseusanimais
mortos,ossosesanguejáfaziaissobemantesdadécadade
1970,assimcomoArturBarriocomsuasTrouxas
Ensanguentadasde19695.Aquestãofundamentalnesse
trabalhonãoéoinusitadomaterialutilizado,massima
maneiracomooartistaaproximaavidadaarteouaarteda
vida,rompendocomoslimitesqueosseparadetalforma
que,dificilmente,semoconhecimentopréviodaproposta
doartista,poderíamosidentificaraintervençãocomoarte
ouprecisarondeavidacomeçaeaartetermina.
ONACfoiimportantecomomarcodoqueviriadepois
ocorrer10,15anosmaistarde,commaisforçaem
RecifedoqueatémesmoemJoãoPessoa,queerauma
aberturainevitávelparanovaslinguagensnaarte
contemporânea.[...]ONACcumpriuumpapel
importantecomonúcleopioneironessedebate.²
Dessemodo,entre1978e1985,oNúcleopromoveumais
de60exposiçõesemsuasedeemuitasoutrasemespaços
alternativosemJoãoPessoaenointeriordoEstado;
realizoucursos,palestras,conferênciaseseminários;
publicoulivrosdeartistas,revistasecatálogos;alémde
fomentardiversosprojetosepesquisasartísticas;prestou
consultoriaeassessoriaaespaçosalternativos.Emsuasede
naRuadasTrincheiras‒umcasarãodoséculoXIX
integradoaoCentroHistóricodacapital‒passaramAnna
MariaMaiolino,JotaMedeiros,CildoMeireles,Tunga,Chico
Pereira,HudnilsonJr,MarceloNietsche,FalvesSilva,Paulo
Klein,PauloBruscky,AntonioDias,ArturBairro,3NÓS3,
PauloRobertoLeal,VeraChavesBarcellos,GriseldaKluppel,
DianaDomingues,CarlosBenderski,HildaSanches,
UnhandeijaraLisboa,BenéFonteles,dentreoutros.3
Outradificuldadequeencontramosaonosdepararmos
commateriaiscomuns,nessecasoolixo,comoartereside
nofatodequeéprecisoentenderquenãoéolixoporsi
mesmooobjetoartístico.Olixodácorpoàumsignificado,
umaproblemáticaqueextrapolaasuamaterialidadeeque
dizrespeitoàpoéticaeaosconceitosdoartista,os
verdadeiros“objetosdearte”daproposta.
Outropontocomplicadordaintervençãoéqueolixonão
foideslocadoparadentrodeumainstituição,oquede
certamaneiranosalertariadequeaquilosenãoeraarte
tinhaalgumtipoderelaçãocomouniversoartístico.Foi
expostoemumapraçadegrandemovimento,nafrentedo
maisimportanteeluxuosohoteldacidade,frequentada
pelaelitelocaleturistasmaisabastados.Emnenhum
momentofoicomunicadoaostranseuntesquesetratava
deumaintervençãoartística.
DentreasdiversasaçõesfomentadaspeloNúcleono
períodocompreendidoentre1978e1985,destaca-secomo
objetodeanáliseasintervençõesurbanasUmdiadesole
Excala:Áquila,ambasrealizadasem1979.
12
entreoNAC/UFPBeaprefeituradeJoãoPessoa‒teveseu
projetopublicadonoALMANAC8.
Considerando-sequeoshowfaziapartedoprojeto,não
podemosdeixardefazerrelaçõesentreomaterialexposto,
oespetáculoproduzidoeopúblicoobservador/
consumidordaintervenção.Aoconcebersuaintervenção
juntoaumshow,essesimlargamentedivulgadoemfaixas
ecartazesespalhadospelacidade,oartistapromoveum
grandeespetáculoemtornodolixoexposto.Portanto,é
possívelconsiderarquenessepontoseestabeleceuma
relaçãoentreespetáculo/lixo/consumo.Olixo,umdos
aspectosdoconsumo,passaporumprocessode
espetacularização(fetichizaçãoeconsequente
(re)auratização)aoseracondicionadoemsacosplásticos
transparentesesuspensosemestruturasdemadeiras.Não
seʻmisturavaʼcomopúblicoque,provavelmente,não
conseguiaentenderosignificadodetodoaquelelixono
meiodeumespetáculomusical,numapraçacomgrande
fluxoepresençaturística.
Aintervençãoconsistianademarcaçãonosolo,comtinta
oucalbranca,deumtrapéziomedindoaproximadamente
30x20x10m,interrompidodedoisemdoismetros,emseus
ladosopostosenãoparalelosentresi.Tendonestafaixa,
sobreopontodeencontrodasduasdiagonaisdotrapézio
umaplataformademadeira,deaproximadamente3mde
altura,àqualseteriaacessoporumaescada,enaqualseria
colocadaumatela.
Estetrapéziodeveriaserquadriculadointernamentenuma
progressãoaritmética,apartirdafórmulacriadapelo
artista,demaneiraquepossuíssenassuasextremidades
internas,respectivamenteumatravedefutebolmedindo
4x2m,umanão(homemmedindo1,40mdealtura)euma
boladecourogrande(dotamanhodeumabolade
basquete).Naoutraextremidade,umatravemedindo
2x1m,umgigante(homemmedindo2,0mdealtura)euma
boladecouropequena(dotamanhodeumabolade
futeboldesalão).
Talvezoobjetivodoartistafosseprovocarsituaçõese
estranhamentosquenolimiteevocassem,nostranseuntes,
algumtipodereflexãoouquestionamentoemtornodo
“consumodesenfreadonãoapenasdosmateriais
industriais,mastambémdapróprianatureza[praia]”6.
Comoafirmaoartistacomrelaçãoaoprojeto“éuma
propostadereflexãodiantedocaosculturalestabelecido
peladesinformaçãoepelapressãodoconsumo;éuma
análisecríticadosistemaderelaçãoentreaspessoase
delascomanatureza”7.
Aindadeacordocomoprojeto,oanão,ogigante,astraves
easbolasdeveriam,deacordocomumaanálise
combinatória,circularpelotrapéziodemodoquedurante
oitodias(tempodeduraçãoproposto),seformassem
conjuntosqueviabilizassemdiferentesmaneirasde
interaçãoentreosseiselementos(anão,gigante,bola
pequena,bolagrande,travepequena,travegrande)que
compõemaintervenção,assegurassequetodosos
elementosinteragissementresi.
Comessaafirmaçãopercebe-secomo,naconturbada
décadadesetenta,asquestõesqueinteressavamaarte
diziam,primeiramente,respeitoaosproblemasdomundo,
queatingiamatodoseinterferiamdiretaouindiretamente
nocontextonoqualoartistavivia.Aoartista,interessava
produzirumaartepró-ativa,quealertasseapopulaçãoe
tivesseumpodertransformador.Nessesentido,formas
belaseharmoniosasnãoeramasmaisindicadasparadá
corpoàpostura/consciênciacrítico-política,que
modelavamoestarnomundodediversosartistasnaquele
momento,comofoiocasodeChicoPereiraesuaarte
incomum.
Percebe-senessetrabalhoalgunsdesdobramentosde
pesquisaanteriorEspaçosvirtuais:cantos,ondeoartista
investigaosefeitosdeortogonalidadeapartirdeplanosde
projeçõesnãoortogonais.
Noentanto,diferentementedeEspaçosVirtuais‒emque
espaçosvirtuaisforamconstruídosapartirdedesenhos
geométricoseoobservadortinhaquesemoverpara
encontraropontoexatodaortogonalidade‒emExcala:
Áquila,oartistapropõeousodaperspectivaforadoreal,
comaescaladetodososobjetossendodeformada.Tratasedamodificaçãodopontodevistacomquepercebemos
JáapropostadeintervençãoExcala:Áquila,tambémde
1979,doartistacariocaCildoMeirelesapesardenãoter
sidoexecutada‒porcontadeaumalegadoproblemade
comunicaçãoque,suspeita-se,teveumcunhopolítico,
13
normalmenteascoisas,umavezqueoselementos
colocadosnestesespaçossofremmodificaçõesemsuas
proporçõeseescalasacadadiaquepassa.Essasmúltiplas
perspectivasepontosdevistas,asdeformações,as
modificaçõeseinstabilidadesteriamrelaçãooudiriamalgo
sobreoestadoditatorialqueopaísviviaamaisdeuma
década?
ProjetodeExcala:Áquila,esboçodeCildoMeireles
UmdiadeSol,deChicoPereira,FeirinhadeTambaú
AssimcomoaintervençãoUmdiadesol,Excala:Áquila
propõeumadesmistificaçãodofazerartístico.Sena
primeiraintervençãoessadesmistificaçãoocorreatravésdo
completoabandonodofazerartísticoepormeioda
apropriaçãodeelementosdavidacomum,olixo,na
segundasedáatravésdapossibilidade,queoartistanos
oferece,deconhecertodooprocessoconstrutivo,enão
apenascriativo,doqualaintervençãoéfruto.
Nessadireção,oartista,aoreproduzirnaspáginasde
ALMANAC,publicaçãoqueteriaamplacirculação,um
projetoartísticoquefoisuspensopoucosdiasantesdesua
realização,alémdedemonstraraimportânciadese
estabelecercanaisalternativosparaacirculaçãoeadifusão
daproduçãoartística,possibilitouqueaintervenção
passasseaexistirmaterialmenteatravésdesua
documentação.Aodisponibilizar,aograndepúblico,os
cálculosmatemáticos,desenhosgeométricoseinstruções
paraconstruçãoemontagemdaintervenção,oartista
desfazconceitoscomoáureaegênio,tãopresentesna
tradiçãoartística,demonstrandoocaráterlógicoeracional,
portantohumano,dotrabalhodearteesua
interdependênciacomomundomaterial.
14
Noentanto,ofatodeconhecermostodooprocessoe
concepçãodotrabalhonãofacilitaacompreensãode
Excala:Áquila,talqualcomoaconteceucomUmdiadesol,
muitomenosdiminuiriaoestranhamentoquesentiríamos
casoencontrássemostalestruturaemumadaspraçasda
capitalparaibana.Nessesentido,tantoUmdiadesol
quantoExcala:Áquiladialogamnamedidaemque,é
possívelpensar,queambasdesenvolveminvestigaçõese
questionamentosemtornodaontologiadaarte,colocando
emchequediversasconcepçõespresentesnoregime
estéticokantiano‒taiscomoaideiadogênio,da
autoridadedoespectadorparafruirejulgaraarte,da
autonomiadaarte,daartecomoprazerdesinteressado
‒promovendoampliaçõeserelativizaçõesdofazerartístico
edolugar/funçãodaarte.
Notas
1.EstetextofoipublicadooriginalmentenoCadernosde
CulturadoGovernodoEstadodaParaíba,No.1,emMar-Abrde
2010.Paraestanovaversão,altereiquasenadanaformae
muitonoconteúdo.Alémdecorrigirumououtroequívoco,
melhoreimeuargumento,tornando-omaispreciso.Renovoos
agradecimentosaDyógenesChavespeloconvite,tantona
primeiraquantonasegundaedição,paracompartilharessas
brevesconsiderações.
2.DUARTE,PauloSergio.EntrevistaconcedidaàIvairReinaldim,
em05/2010,noRiodeJaneiro.In:REINALDIM,Ivair(Org.).
DossiêEspaçoArteBrasileiraContemporânea‒ABC/Funarte.
Arte&Ensaios.RiodeJaneiro,n.20,p.113-139,Jul.2010.p.
128-139.
3.Paramaisinformaçõessobreoprocessodecriaçãoea
trajetóriadoNAC/UFPBverJORDAO,FabriciaC.L.ONúcleode
ArteContemporâneadaUniversidadeFederaldaParaíba
(1978-1985).2012.246f.Dissertação(MestradoemArtes
Visuais)‒EscoladeComunicaçãoeArtes,UniversidadeSão
Paulo,SãoPaulo,2012.Disponívelem:http://www.teses.usp.
br/teses/disponiveis/27/27160/tde-01032013-113125/en.php
4.APraçaVicenteTrevasficaemfrenteaoHotelTambaú.
ProjetadopelopremiadoarquitetoSérgioBernardes,oHotelfoi
construídonoiníciodadécadade1970,comoumaestratégia
governamentalparapromoveredinamizaroturismonacapital
paraibana.Rapidamentetornou-seumsímbolodoprogressoe
modernidade.Orgulhodosparaibanos,continuaater,ainda
hoje,suaimagemreproduzidaemcartõespostais.
5.JAREMTCHUK,Dária.AnnaBellaGeiger:passagens
conceituais.BeloHorizonte:C/Arte/EDUSP/FAPESP,2007.
6.SILVAJÚNIOR.FranciscoPereirada.Umdiadesol.In:GOMES,
DyógenesChaves(ORG).NúcleodeArteContemporâneada
Paraíba/NAC.RiodeJaneiro:FUNARTE,2004.(PP.30-32).
7.SILVAJÚNIOR.FranciscoPereirada.Umdiadesol.In:GOMES,
DyogénesChaves(ORG).NúcleodeArteContemporâneada
Paraíba/NAC.RiodeJaneiro:FUNARTE,2004.(PP.30-32).
8.Apublicação,organizadapelosartistasRaulCórdulaeChico
Pereira,membrosdaequipeNAC/UFPB,foilançadaem1980.
ContinhaumapanhadodasaçõesrealizadaspeloNúcleono
períodode1978/1979,alémdetextos,registrosfotográficos,
projetosdeartistasetc.Colaboraram,dentreoutros,Paulo
Klein,CildoMeirelles,PauloSérgioDuarte,ArturBarrio,Paulo
RobertoLealeTunga.
9.Oconceitode“artistacomoterrorista”foidesenvolvidopor
GiogioAgambenem1970.AesserespeitoconferirAGAMBEN,
Giorgio.Ohomemsemconteúdo.Tradução,notaseposfácio
CláudioOliveira.2a.ed.BeloHorizonte:AutênticaEditora,2012.
Assimsendo,aoretiraremdeseustrabalhos,apossibilidade
dogozoestéticoeaautoridadedoespectadorparajulgar,
tantoChicoPereira,comUmdiadesol,quantoCildo
Meireles,comasuaExcala:Áquila,deslocamareflexão
suscitadapelaartedoespectadordesinteressadoparao
artistainteressado,situandooproblemaestéticoapartirda
experiênciadoartistaedesuaatuaçãoconcretanomundo
material,aquiaartepossuiumafunçãosocialeatuaçãoreal
navidamaterial.
Essemovimentodenãodissociaraartedavida,areveliado
lugarreservadoparaestanoregimeestéticokantiano,só
podeserexercidoporaquelesquecompreendema
potênciadaarte.Foijustamenteofundamentoperigosoda
arte,suacapacidadedeexporohomemaoterror,que
motivouoaterrorizadoPlatãoabaniraarte/poetada
cidade.Epormaisqueseinsistaemmanteraarteemum
campoautônomo,osartistasterroristas9‒aquelesque
reinseremnasubjetividadeartísticaumconteúdoenaarte
umafunçãosocialeumacapacidadedeagirconcretamente
omundo‒continuaramanosalertareapreservaropoder
transformadordaarte,comopercebe-senasduas
empreitadasacima.
FabriciaC.L.JordãoédoutorandaemArtesVisuaisnaEscola
deComunicaçãoeArtesdaUniversidadedeSãoPaulo(ECAUSP),ondedesenvolveapesquisa”AsArtesVisuaisnasações
doItamaratyparaoConeSulduranteaGuerraFria”.Mestreem
ArtesVisuais,tambémpelaECA/USP,compesquisa
desenvolvidaemtornodaatuaçãodoNúcleodeArte
ContemporâneadaUniversidadeFederaldaParaíba,no
períodoentre1978a1985.Emnovembrode2010,foi
premiadanaprimeiraediçãodoprêmioEstudosePesquisas
sobrearteeeconomiadaartenoBrasil(ProgramaBrasilArte
Contemporânea,daFundaçãoBienaldeSãoPaulo).Paraleloàs
atividadesacadêmicas,atuacomoprodutoracultural,com
ênfaseemprojetosvoltadoparaasartesvisuais.Possuiartigos
publicadosemlivros,revistaseanaisdeeventosdaáreade
ArtesVisuais.
15
OretornodaBienalde
ArtedaBahia
Almandrade
[email protected]
DepoisdesessõeslivresnoauditóriodoMuseudeArte
ModernadaBahiaparadiscutirumapossívelmostrabianual
deartesvisuais,a3ªBienaldaBahia,maisde45anosdepois
da2ª,jánãoémaisumapromessa,estácomdatamarcada
paraainauguração.Eraumareivindicaçãoeumfantasma
querondavaoinconscientedosartistas,principalmenteos
maisjovens.Asfalasforammuitas,faltaramosanalistas.Nos
últimosquarentaanos,nãoavançamosnopensamento,
nemconstruímos,ainda,umapolíticaculturalmaisefetiva,
apesardoinvestimentonamobilizaçãodecomunidadese
operáriosdaarteemtornodotema,nessePaís.
futurodaBienalestavacondenado.AsegundaBienalfoi
fechadalogoapósainauguração,emdecorrênciado
momentopolíticocríticoquepassavaopaís.Amudança
culturalesperadacomaindustrialização,nãopassoudeum
sonho.Arealidadeculturalepolíticahojeéoutra,masé
precisoconheceropassadoparadarumpassoadiante.
Umamostradeartederepercussãonacionaléoobjetoda
ansiedadedeartistaslocaiseacoisaprometidadoEstado
quemereceumaatençãomaisdepurada,principalmente
emtemposdebienais,curadoriaseresidênciasartísticas,a
expectativaédiferentedadécadade1960.Asdiscussões
promovidaspeladireçãodomuseuforamoportunas,
colocaramsobreamesaquestõespertinentesque
ultrapassaramaspossibilidadesdarealizaçãodamostra,
como:asprópriasações,nãosódoMAM,comotambém
dosoutrosmuseusdearte,oestágioemqueseencontraa
formaçãodosartistaseaartenosdiashoje.Entrea
burocraciadoseditais,asleisdeincentivoeasuperioridade
domercado,osmuseusseencontramnumacordabamba,
semrecursospararealizarseusprojetosemanteruma
programaçãolivredepressõesexternasalheiasaos
compromissosculturaisdainstituição.
Orelatodequemvivenciouedequemacompanhouos
acontecimentos,mesmodistantenotempo,dasBienaisda
Bahiacolocaemcenaumcontextodiferentedomomento
queestamosvivendo,esquecidonofundodamemória,
importanteparaseretomarumaexperiência,comas
referênciashistóricas.Ocenáriodasartesem1966e68era
deumaBahiacentrodadescentralizaçãodaartebrasileira.
Acrescenteindustrializaçãodonordeste,aSUDENE,o
CentroIndustrialdeAratu,oBancodoEstadodaBahia
inauguravamumanovaconsciêncianoBrasileacreditavasenumamudançanaculturadoNordeste,contexto
favorávelparaaBienaldaBahia,amaisimportante
exposiçãodeartedopaísdepoisdaBienaldeSãoPaulo.
SeoMAMdeve,ounão,promoverumamostranacionalde
arte,nãovemaocaso.Primeiroénecessárioqueele
disponhadeumprojetocuratorialmaisamplocapazde
driblaraburocraciaeaspressõesexternas.Odispositivode
sustentaçãoparagarantirqueareferidamostranãoseja
umagrandefestaisolada,queacabacomumaressacano
diaseguinte.Afinal,museunãoéinstituiçãodecaridade
paraadotar“artistascarentes”emuitomenoscasade
eventosàdisposiçãodeproponentesepatrocinadoresque
queremdivulgarsuasmarcas.Emboramuitassalasde
exposiçãoseencontrematualmenteàesperadepropostas
premiadasnasloteriasdoseditais,algunsprojetosaténem
precisariamapelarprasorteparatervisibilidadee
aprovação,sãonecessáriasaocircuitocultural.
Nasegundametadedadécadade1960,houvenaBahia
umaforçadevontadedeacompanharasdiversidadesda
vanguardabrasileira.Nãohaviaumprocedimentode
vanguarda,nemumpensamento,eramaisum
inconformismocomasituaçãoemqueseencontravaa
Bahiadiantedasinquietaçõesdosanos1960:Contracultura,
Tropicália,experimentalismoeasrupturasdossuportes
tradicionais.Avontadedeintercâmbiocomavanguarda
resultounasBienaisdaBahia,quecontoucoma
participaçãodasmanifestaçõesmaisimportantesdaépoca:
Concretismo,Neoconcretismo,Tropicáliaetc.,fazendode
Salvadorocentrodasartesplásticasbrasileiras.Chegoua
provocarocenárioculturallocal,contrárioauma
atualizaçãodomeiodeartebaiano.Comooregimepolítico
dofinaldosanos60erapoucofavorávelaliberdade
cultural,surgiuoAI-5ea2ªBienalfoifechada.Foiofimde
umainiciativaquedeixouaartebrasileiradeluto.
Depoisqueaculturafoidominadapelabarbárie,numa
sociedadequeprivilegiaaproduçãodemercadorias
culturais,opensamentofoiderrotadopelaindústriado
entretenimentoeopoderdomercado.Quemacaba
decidindooqueéarte,éomercado,comoapelo
publicitário,eleimpõeovalorealegitimação.Asfeiras
mobilizamosinvestidores,superaramemtermosde
Semumprojetodecontinuidade,faltadeinteressepor
mudançasporpartedeartistaecríticosdaculturalocal,o
16
AssisChateaubriande
osmuseusregionais
noNordeste:os
Trigêmeos
MariaCristinadeFreitasGomes
[email protected]
expectativaasbienaisdearte,queforamtransformadasem
supermercadodeperiferia,comprodutosmaisemconta
paraoconsumidordeclassemédia.Nãoseacreditamaisna
linguagem,masnovalordetroca.Opensamentoéo
líquidoderramadoquebrilhanasuperfíciedaobra,com
prazodevalidadelimitado.Seoobjetodearteforumfalso
brilhante,nãoimporta,satisfazàchamadaeconomia
criativa.
Acontribuiçãodemuitospôdelevaràconcretizaçãode
umadasideiasdeAssisChateaubriand1‒acriaçãode
museusdeartenoBrasil‒intentoqueteveinícionacidade
deSãoPaulocomacriaçãodoMASP‒MuseudeArtede
SãoPauloAssisChateaubriand,em02deoutubrode1947,
sobaorganizaçãodoitalianoPietroMariaBardi,convidado
pelomecenasparajuntosfundaremomuseu,cujahistória
Bardipublicou,em1956,comotítulo“TheArtsinBrasil‒A
NewMuseumatSãoPaulo”,editadopor“IlMilione”de
Milãoe“Abrams”deNovaYork2.
Opúblicodeformaçãoestranhaàhistóriadaarteprocura
uminvestimentoseguro.Umabienaldearte,comouma
feiradeautomóveis,senãoforumbancodeinformações
confiável,trazparaomercadonovidadesparaestimularou
chamaraatençãodoconsumidor.Mascomummínimode
inteligência,podecontribuirparainformaretransformaro
meiodearte,nestecaso,a3ªBienaldaBahiacomotema
“Nordeste”,espera-secolocararegiãonocenárionacionale
chamaraatençãoparaanecessidadedeum
aprofundamentodalinguagemartísticanaregião.Embora
oEstado,emnomedeumademocraciacultural,prefere
investirnaformaçãodeproponentes,emcursosde
preenchimentodeformuláriosedeformataçãodeprojetos,
emdetrimentodacrítica,dainformaçãodeartista,
formaçãodepúblico,capacitaçãoderecursoshumanose
daqualificaçãodosespaçosculturais.
TrigêmeoséotermoqueocríticoecuradorMarcusde
LontraCostautilizouparaostrêsmuseuscriadospelo
mecenatodeChatô,entreosanosde1966e1967,no
Nordestebrasileiro3,porocasiãodaexposição“Coleçõesdo
Brasil”,organizadaporele,erealizadanoCentroCulturaldo
BancodoBrasildeBrasília,entreosdias9demarçoe15de
abrilde2001,momentoemquetrouxeàcenaumconjunto
deobrasdosacervosdoMuseudeArteAssis
ChateaubrianddeCampinaGrande(MAAC),Paraíba;do
MuseudeArteContemporâneadePernambuco(MAC),na
cidadedeOlindaedoMuseuRegionaldeArtedeFeirade
Santana,naBahia4.
EstesmuseussãofrutosdaCampanhaNacionaldosMuseus
Regionais5,pensadaporChateaubriandcomouma
contribuiçãoparaalémdoeixoRio-SãoPauloemregiões
menosprivilegiadas,designandoYolandaPenteadocomo
presidente.
AdiscussãoprébienalpromovidapeloMAM-Bahiavaleua
pena,areconstruçãodahistóriaéfavorávelaopensamento,
aculturalucra.Nemtudoéabsurdoebizarro.A3ªBienal
deixoudeserumsonho,maisadiante,depoisde
inaugurada,mereceumaavaliaçãocrítica.
ParaCampinaGrandeforamenviadascentoedezenove
obrasdearteregistradasnarelaçãoentregueaopresidente
daFundaçãoUniversidadeRegionaldoNordeste-FURNe,
professorEdvaldodoÓ,atualmentenomeadaFundação
UniversitáriadeApoioaoEnsino,PesquisaeExtensão,
instituiçãodesignadanaépocaparaadministraroacervoe
criadoradoMAAC,apedidodeAssisChateaubriand6.A
chegadadaobradePortinarifoirelatadaseparada,
computandoumtotaldecentoevintepeças.Sãoobjetos
dediversastécnicaseprocedimentosartísticos,com
exemplaresdeproduçõesdedesenho,pintura,escultura,
gravura,montagem,colagemeoutrosmeios,comunicando
alinguagemvisualdaartedediferentesmomentose
artistasdacenabrasileira,doAcademismoNeoclássico‒
Séc.XIXànovavanguardadadécadade1960,eobrasde
artistasestrangeirosmodernosecontemporâneos.
Almandradeéarquitetoeartistavisual.
17
Entreosneoclássicos,pinturasdoperíodoamadurecidode
PedroAmérico,peçasdeRodolfoAmoedo,BatistadaCosta,
AuréliodeFigueiredo;sobreoModernismonoBrasilobras
deDiCavalcanti,AntonioGomide,IsmaelNéri,Vicentedo
RêgoMonteiro,AnitaMalfatti,umPortinaridadécadade
50;dosanos60:AntonioDias,RubensGerchman,Pedro
Escosteguy,RaulCórdulaFilho,artistasdaNovaFiguração
estrangeira‒participantesdahistóricamostraOpinião65;
abstratos,primitivoseoutrosícones.Doaçãoquecontou
comaparticipaçãoefetivadoparaibanoDraultErnnany.
ParaacriaçãodomuseudeFeiradeSantana,
Chateaubriandteveoapoiodepersonalidadeseempresas
daBahia;GovernodoEstado;daGaleriaQuerino,em
SalvadoredapresençadeOdoricoTavares,diretordos
DiáriosAssociadosnaBahia,quediretamenteparticipouda
criaçãodomuseu,acompanhandoosentidodas
determinaçõesdascampanhaspúblicascunhadaspelo
mecenatodeChatô,quebuscavaincentivaraartepara
beneficiaraaçãoculturaldosbrasileiros.
Acervocompostoporartistasmodernosbrasileiros:
expoentes,comoDiCavalcantieVicentedoRegoMonteiro;
artistasdomodernismobaianocomoPanceti,Genarode
Carvalho,Rescala,MárioCravoeCarlosBastos.Manabu
MabeeTomieOhtake,aexemplodosabstracionistas;
DjaniraeRaimundodeOliveira,consideradoomais
universaldosartistasplásticosnascidoemFeiradeSantana.
Tendocomodestaqueacoleçãoinglesa,trazidaporBardi,
compostapor30obrasde28artistas,datadasentreas
décadasde1950e1960.Formando-seoacervoinicialcom
cercadecentoeoitentaobjetos.
OMAACfoiinauguradoem20deoutubrode1967,em
prédiohistóricoconstruídoem1924parasededaprimeira
escolaestadualdeCampinaGrande,oGrupoEscolarSolon
deLucena.AoGovernodoEstadodePernambuco,desde
suafundação,gestordomuseucriadonacidadedeOlinda,
foientregueumacervoorganizadoporLinaBoBardie
PietroMariaBardi7esuainauguraçãofoiaprimeirados
“trigêmeos”aacontecer.Em23dedezembrode1966foi
instaladoemprédiohistóricodoséculoXVIII,projetadoem
1722parafuncionaroAljubedaDiocese.
AindanoNordesteumacoleçãofoienviadaparaSãoLuís,
querecebeuumaserigrafiasobretecidodeautoriadePablo
Picasso10,entreobrasdeartistasderepercussãoregionale
nacional,quehojefazempartedoacervodoMuseude
ArtesVisuais,vinculadoaoMuseuHistóricoeArtísticodo
Maranhão.
Cercadecentoesetentaecincoobrasdearteforam
enviadasaoMACdePernambuco8paradarinícioà
formaçãodeseuacervo.Entreasobrasdearteenviadas
pelaCampanha,umasériecomoitolitografiasdeDavid
Hockney,intituladaHollywoodCollection,datadaem1965,
expostaem“ColeçõesdoBrasil”erepresentativada
figuraçãodosanos60.DoséculoXIX,obrasdeartistasdo
academismoneoclássicobrasileiro,PedroAméricoestá
presente;JoãoBatistadaCosta,registraumnu,uma
paisagem,umanaturezamorta,umafigurahumana;Décio
VilaresmostraumretratodaesposadoartistaRodolfo
Amoedo.OpernambucanoTellesJúniorapresentaimagens
depaisagensdaregião;EliseuViscontiinscritocomum
autorretrato,umnueaimagemdaigrejadaCandelária,do
RiodeJaneiro.Tambémrecebeuumpaineljaponêsdo
séculoXVIIealgunsdesenhosiniciaisdeWaltDisney.
OregionaldeFeiradeSantana9foiinauguradoa26de
marçode1967,emprédioanteriormentedestinadoàFeira
deGadoeposteriormenteaoGinásioMunicipal,reformado
pelaPrefeituraMunicipaldeFeiradeSantanapararecebero
museu,alifuncionandoaté1995,quandofoitransferido
paraprédiohistórico,deestiloEclético,construídoem1916,
equeabrigouaantigaEscolaNormaldacidade.
BardicomentouqueChateaubriand,mesmoenfermo,
empreendeusuavontadequantoàcriaçãodosmuseus
regionaisecompouquíssimosrecursosdeu
prosseguimentoaointento,convocando-oaajudá-lona
construçãodestaideia,maselesemanifestoucontrário,
poisnãoenxergavameiospossíveisàsuaconcretização,e
utilizouasexpressões:“museusfantasmas”,“museussem
base”e“infelizcampanha”,emopiniãosobreaquestão.
Porém,aconselhando-secomEdmundoMonteiro,íntimo
deChatô,decidiuentãonãoocontradizer,emvirtudede
suadoença.ApontandoqueChateaubriandqueriacriarum
museuemcadaestadobrasileiroequefossemmuseus
comoodeSãoPaulo,naturalmentecomobrasdemenor
importância.Museuspequenos,masbemmontados,
dizendoaoamigoitalianoquejácontavacomadesõesdos
governadoresdePernambuco,Maranhãoedeoutros
Estados11.EassimBarditentouargumentar:“‒Calculeo
18
instituiçõeseducativaseculturais,intelectuais,auxiliaresde
Chateaubriand;edificando-seumcomplexomuseológico
afim,quepermiteumrecorteparaahistóriadamuseologia
edosmuseusnoBrasil,especialmentenoquetratarda
significação“museudearte”.Mostrandoosacervosdestes
museusumconjuntoexpressivodacenaartísticabrasileira
comofontedepesquisaedocumentaçãoedepotenciais
paraexposiçãoeaçãoeducativo-cultural.
mínimodecemobrasparacadaMuseuemultipliquepor
dezqueacharáumtotaldemilobras.Ondeestão?Quanto
custa?”.Chateaubriandbalançavaacabeçainsinuandoque
Bardiestavaerrado.12
Os“museusfantasmas”,os“museussembase”,conforme
insinuouBardi,seguiramseuspercursosehojeapresentam
umperfilcomquestõesprópriasdeumprocessoqueno
Brasilbuscaconquistarparâmetrosmuseológicosde
funcionamentoadequadosàcriação,aoconhecimentoe
participaçãodomuseu‒eporissoéimportanteodebate‒
quedevefocarcontribuiçãoaocrescimentosocialem
benefíciodadiversidadehumanaereconciliaçãocomo
meioambiente.
FernandoMorais‒biógrafodeChateaubriand‒verificoua
criaçãodosmuseusregionaiscomoumadesuasúltimas
iniciativasequeosmuseuseapolíticaeramasúnicasações
queoestimulavamemseusúltimosmomentosdevida.As
duasúnicasatividadesquecontinuavamconsumindosuas
energiascomoseeleestivessesão13.Comentandoainda
sobreosmuseusregionaiscomo“espéciedefilhotesdo
MASPespalhadosportodopaísededicados
exclusivamenteàartebrasileira”14.
Ressaltando-sequeAssisChateaubriandnãodeixousua
regiãodenascimentosemacontribuiçãosociocultural
implantadaporseumecenatocomoMASP,quea
sociedadeurbanadoséculoXXviacrescer,mediantea
expansãodaimportânciadainstituiçãomuseológicapor
todoomundo;extrapolando,então,oeixoRio-SãoPauloe
envolvendoumadasregiõesmenosfavorecidasdoBrasil.
AlémdacriaçãonoNordeste,osregionaisocorreramainda
noestadodeMinasGerais,nacidadedeAraxá,ondese
fundouoMuseuDonaBeja(1965)‒MuseuHistóricode
Araxá,voltadoparaahistóriadaregião,instaladoem
casarãodoséculoXIX,comcaracterísticasarquitetônicasdo
períodocolonialmineiro,adquiridoporChateaubriande
quepertenceuaDonaBeja‒AnnaJacinthadeSãoJosé,
importantepersonagemdacidadedeAraxá.EaGaleria
Brasiliana(1966),nacapitalmineira,estabelecidajuntoa
UFMG‒UniversidadeFederaldeMinasGerais,cujoacervo
foiChateaubriandquemrecolheuetambémnomeou,
tratando-sede“umarelíquialuso-brasileira”,15
compreendidaporobjetosartísticos,livrosedocumentos
raros.
Acriaçãodosregionaismarcasignificaçãoaoambiente
musealbrasileiro,pois,alémdepreservar,pesquisare
comunicarexemplaresdasartesvisuaispossibilita
contribuiçãoaoacessosocialdeumsignificativo
patrimôniodaculturaartística,numaoportunidadesem
igual,quepermiteoconhecimentoeaparticipaçãodo
cidadãonaconstruçãodahistóriapelosaberefazer
artístico.
MariaCristinadeFreitasGomesémuseólogadaSecretariada
EducaçãodoGovernodaParaíba,lotada,atualmente,no
MuseudeArteAssisChateaubriand-MAAC.Especialistaem
AçãoEducativaeCulturalemMuseus,pelaUniversidade
FederaldoEstadodoRiodeJaneiro-UniRioemestrenaáreade
HistóriaeCríticadaArtepelaUniversidadeFederaldoRiode
Janeiro-UFRJ,quandoabordouaobradosAnos60doartista
AntonioDiasemsuadissertação.Pesquisaacriaçãodemuseus
dearteporAssisChateaubriand,publicandoem2004um
artigosobreoassuntonarevistaMusas‒RevistaBrasileirade
MuseuseMuseologia,editadapeloIPHAN,Departamentode
MuseuseCentrosCulturais.MembrofundadordoFórum
NordestinodeMuseologiacriadoem1988,emJoãoPessoa,na
FundaçãoCasadeJoséAmérico-FCJA.DiretoradoMuseuda
FCJA,entre1987e1994.Desenvolvetrabalhosnaáreada
Museologiarelacionadosàpreservação,investigaçãoe
comunicação.
NoSul,criou-seaPinacotecaRubemBerta,em06demarço
de1967,nasededaRádioFarroupilhaeTVPiratini,em
PortoAlegre,comumacervodecentoevinteecincopeças,
nomeadaporChatô,primeiro,comoGaleriaBoitatá16,
passandoaseradministradapelaPrefeituraMunicipalde
PortoAlegre,deformaefetiva,em10denovembrode
1971,atualmenteaguardandoarestauraçãodeprédio
históricode1893,deestiloeclético,queaabrigarádeforma
definitiva.Obrasdaartebrasileiraeartistasingleses
contemporâneosadvindosdacampanhafazempartedeste
museu.17
Aparticipaçãodediferentessegmentosdasociedadena
construçãodosmuseusincentivadosporAssis
Chateaubriandabrangeuartistas,marchandes,políticos,
empresários,banqueiros,empresascomerciaiseindústrias,
19
Notas
1.FranciscodeAssisChateaubriandBandeiradeMelo(18921968),paraibanodeUmbuzeiro,formadoemDireito,
empresário,jornalistaerepórterporvocação.Personagemda
históriabrasileiraquecolaborouparaaexpansãodosmeiosde
comunicaçãonopaíscomafundaçãodosDiáriosAssociadose
dasEmissorasAssociadas-complexocompostodecadeiasde
jornais,revistas,estaçõesderádioetelevisão.Foitambém
empreendedordefazendasdecaféerebanhosselecionados.
Atuandocomopolítico-senadoreembaixadordoBrasilem
Londres;incentivadordaculturaedaarteeamantedos
museus.Estimuloutambémapuericulturaeaaviação.Ver
biografia:MORAIS,Fernando.Chatô:oreidoBrasil,avidade
AssisChateaubriand.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1994;
PONTUAL,Roberto.DicionáriodasartesplásticasnoBrasil.Rio
deJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1969.VerbetesobreAssis
Chateaubriand.
2.Ver:BARDI,PietroMaria.SodalíciocomAssisChateaubriand.
SãoPaulo:SharpS/A;MuseudeArtedeSãoPauloAssis
Chateaubriand,1982,p.5.
3.Ver:ABREU,Gilberto.Porumageografiadaarte.Jornaldo
Brasil,RiodeJaneiro,04mar.2001.
4.Ver:LONTRACOSTA,Marcusdeetal.Catálogo.Coleçõesdo
Brasil.Brasília:CentroCulturalBancodoBrasil,2001.03v.
5.Sobreacampanhaeosmuseuscriados,vertambém:BARDI,
PietroMaria.Chateaubriand:fundadordemuseus.OCruzeiro,
RiodeJaneiro,20abr.1968;FREITASGOMES,MariaCristinade.
AcriaçãodemuseusdeartenoBrasilpelomecenatodeAssis
Chateaubriand.In:MUSAS‒RevistaBrasileiradeMuseuse
Museologia.InstitutodoPatrimônioHistóricoeArtístico
Nacional,DepartamentodeMuseuseCentrosCulturais.v.1,
n.1,RiodeJaneiro:IPHAN,2004,p.147-156;HOSSAKA,Luiz.
Quadrosconstituemumtesourodahumanidade.Diáriode
Pernambuco,Recife,23ago.1992;LOURENÇO,MariaCecília
França.Museusacolhemmoderno.SãoPaulo:Editorada
UniversidadedeSãoPaulo,1999.NEGRÃO,MariaCristinaG.
HistóriadosmuseusnoNordestedoBrasiloudocolecionismo
deNassauaoMuseuDidáticoComunitáriodeItapoã.Planode
trabalhoparaseleçãoaocursodemestradodeHistóriada
UniversidadeFederaldePernambuco,1994.22p.Digitado;
NEIVA,Graça.Ummecenasnovelhoestilo.Entrevistacom
DraultErnanny.ArteHoje.RiodeJaneiro,Riográficaeditora,
ano1,n.9,p.38-41,mar.1978.
MuseudeArteAssisChateaubriand,CampinaGrande
RetratodeAssisChateaubriand,DimitriIsmailovitch,1968
6.SobreoMAACvertambém:ArteBrasileira:DoSéculoXIXao
XX(Academismo,ModernoeAnos60)ColeçãoAssis
Chateaubriand.MuseudeArteAssisChateaubriand;Fundação
UniversitáriadeApoioaoEnsino,PesquisaeExtensão.
CampinaGrande,12dez.2008.Folder.4p.Catálogogeraldo
RetratodeDraultErnnany,DimitriIsmailovitch,1968
20
acervodedocumentos/objetosdoMuseudeArteAssis
Chateaubriand-UEPB.CampinaGrande:MinistériodaCultura‒
Pronac;SEC/PB;MAAC;Ed.Marcone,1993;EdvaldodoÓ:foi
ChateaubriandquemfundouoMAAC.DiáriodaBorborema,
CampinaGrande,10dez.1992;LEVY,RuthNinaVieira;NEGRÃO,
Cristina;SILVAJÚNIOR,FranciscoP.da.GaleriadoMuseude
ArteAssisChateaubriand.MuseudeArteAssisChateaubriand;
GovernodoEstadodaParaíba‒SEC;UniversidadeEstadualda
Paraíba.CampinaGrande,23dez.1997.Folder.6p.;CÓRDULA
FILHO,Raul;SILVAJÚNIOR,FranciscoPereirada.Osanos60:
revisãodasartesplásticasdaParaíba.JoãoPessoa:
MEC/Funarte;UFPB;Grafset,1979.
ConservatóriodaUFMGexpõearteluso-brasileira.Notícias.
UFMG.28out.2003.Disponívelem:
http://ufmg.br/noticias/ev_28102003_brasiliana.shtml.Acesso
em:29abr.2008.
16.NumaalusãoaosmuseusfantasmascitadoporBardi,
ChateaubriandresolveutitularomuseudePortoAlegre
primeirocomonomedeumfantasma,espéciedetouro
furioso,chamando-odeGaleriaBoitatá,logomodificadoem
virtudedamortedeRubemBerta,empresáriodaaviaçãoe
colecionador,quejuntoaChateaubriandcriouestaPinacoteca.
Ver:LOURENÇO,op.cit.,p.246.
17.Ver:AcervodaPinacotecaRubemBertaterálocaldefinitivo.
RevistaMuseu.10set.2007;Monumentavairestaurar
PinacotecadePortoAlegre.AconteceRS.26fev.2008.
Disponívelem:http://www.sortimentos.com/rs/porto_alegre1093.htm.Acessoem:26fev.2008;PinacotecasMunicipais
AldoLocattelieRubemBerta.Disponívelem:http://guias
asemana.com.br/detail.asp?/Pinacotecas_Municipais.Acesso
em:26fev.2008ePrefeituraMunicipaldePortoAlegre.
Disponívelem:http://www.portoalegre.rs.gov.br/.Acessoem:6
fev.2010.
7.Ver:OMAC,em23dedezembrode2007,comemorouseus
40anos,prestandoumahomenagemaLinaePietroMaria
Bardi,conformetextosobreaexposiçãocomemorativaOMAC
SOMOSNÓS‒TodosNós!,aelesdedicada.Disponívelem:
http://www.vetorcultural.com/nsomomac.html.Acessoem:
15/02/2008.
8.SobreomuseudePernambucovertambém:MUSEUDE
ARTECONTEMPORÂNEADEPERNAMBUCO.Disponívelem:
http://jc.uol.com.br/cultura/museus_olinda.php.Acessoem:26
abr.2008eMUSEUDEARTECONTEMPORÂNEADE
PERNAMBUCO.Catálogo.MinistériodaEducaçãoeCultura,
Funarte;SecretariadeTurismo,CulturaeEsportesde
Pernambuco,Recife,1982.
9.Ver:AArteBrasileiradaColeçãoOdoricoTavares.Catálogo.
MuseudeArtedaBahia,FundaçãoCulturaldaBahia.Out.1992
eMuseuRegionaldeArtecomemora40anoscomexposição
deCésarRomero.AssessoriadoCentroUniversitáriodeCultura
eArte,FeiradeSantana,27mar2007.Disponívelem:http://
www.uefs.br/portal/news/2007/museu-regional-de-arte-come.
Acessoem:15fev.2007.
10.ObradePicassoérestauradapeloMuseuNacionaldeBelas
Artes.Disponívelem:http://portal.iphan.gov.br,notícias,
02/03/2007Acessoem:30mar.2008.
11.BARDI,1982,op.cit.,p.122-124.
12.Ibid.p.123.
13.MORAIS,op.cit.,p.680.
14.MORAIS,loc.cit.
15.Ver:MUSEUDONABEJA-MuseuHistóricodeAraxá.
FundaçãoCulturalCalmonBarreto.Disponívelem:
http://usr.cd-graf.com.br/~barreto/musbeija.htm.Acessoem:
28fev.2008;SANTOS,Priscila.Relíquialusobrasileira.UFMG.
Notícias.Disponívelem:http://barbela.grude.ufmg.br/gerus/
noticias.nsf/e76867f1f59135c98.Acessoem:29abr.2008;Uma
galeriaqueretrataoBrasil.UFMG.Disponívelem:http://www.
ufmg.br/boletim/bol1272/pag12.html.Acessoem:29abr.2008;
21
Omuseuédopovo
RaulCórdulaFilho
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documentação,emníveldeigualdadecomoutras
disciplinas”.
OConselhoMundialdeArtesanato(WorldCraftCouncilWCC),ONGfiliadaàUNESCOnacategoriaA,oquesignifica
tervoznoConselhoConsultivo,realizouemVienasuaIX
ConferênciaInternacional,em1980.OtemafoiO
ArtesanatoeoFuturo,eomanifestogeradonaquele
encontroseresumenaDeclaraçãodeVienaSobreoFuturo
doArtesanatoescritoporumacomissãocompostapor
artesãosdeváriasprocedências,museólogos,antropólogos,
consultoreseoutrosespecialistasnoassunto.Omanifesto
começaassim:
TiveaoportunidadedeatuarnoWWCcomorepresentante
doBrasilentreosanosde1976e1982,quandofinalmente
incorporeioartesanatoàminhavidaprofissional‒não
comoartesão,mascomopesquisador‒,especialmente
quandoestivenoMéxicoem1976,paraparticipar,como
observadordaRedeGlobo,daVIIConferênciaInternacional
deArtesanatonospreparativosdacuradoriadoIIISalãode
ArteGlobaldePernambuco‒OArtesanatoeoHomem.
ParaarealizaçãodoSalãoconvidamososenhorTonatiúh
Gutiérrez,naépocapresidentedoFondoNacionalParael
FomentodelasArtesanías-Fonart.Foinestaocasiãoque
Tonatiúh,membroativodoWCC,meconvidouparaa
funçãoquedesempenheinoBrasil.
Somososguardiõesdenossacultura,edevemos
assumiraresponsabilidadedanossaidentidade
expressanonossotrabalho,nãoaserviçodo
consumidoranônimo,masdoserhumano.
OcaráterculturaldaDeclaraçãodeViena,seconhecida
hoje,causariaimpactonos“especialistas”brasileirosque
dirigemseusesforçosparaos“negóciosdoartesanato”,e
relegamaosegundoplanooartesanatocomoatividade
humanabásicaefenômenoculturalfundamental.Os
artesãoseoconjuntodesuasobrasprecisamdogoverno
sim,masnãodeorientaçõesneoliberaisquevisemsomente
onegócio,poisoartesanato,entreoutrospredicados,é
umaatividadesocializante.Oartesãoprecisadeapoio
humanoedecidadania,quesealcançaatravésdebens
coletivoscomomoradia,escolaparaosfilhos,saneamento
básicoepostodesaúde,pelomenos.Assimelepoderá
trabalharcomserenidadeemantersuacasaesuafamília.
Nadadissoédifícilnaatualconjunturapolíticabrasileira,
poiscasa,escola,hospitalesaneamentofazempartedas
conquistassociaisalcançadaspelopovonosgovernosdos
últimosanos.Éprecisoapenasvontadepolítica.
FiqueiummêsnoMéxicoobservandoofuncionamentodo
Fonart,viajandoparaconhecerexperiênciasrealizadasem
Puebla,Oaxaca,Guerreo.Depoisdisso,mantivecontato
perenecomosorganismos,especialmenteosbrasileiros
quetinhamnaépocaosrumostraçadospeloPrograma
NacionalParaoDesenvolvimentodoArtesanato,criadoem
BrasíliapelaparaibanaIsaMaia,funcionáriadealtoníveldo
MinistériodoTrabalho.Achonecessáriasestasinformações
paratraçarumalinhanotempoondeeupossacolocar
subsídiosparaumapequenahistóriadasgestõespúblicas
sobreoartesanatoparaibano,poistratamosaquideum
museudaUniversidadeEstadualdaParaíba.
Meuinteressepeloartesanato,naverdade,começouna
décadade1960,quandoosVoluntáriosdaPaz‒Peace
Corps,jovensamericanosbem-nascidosquefugiamdo
Vietnã,cumpriamsuasmissõesassistencialistasatravésde
residênciasnaAméricaLatina.Em1963,SteveHattenbach,
designerrecém-formadonaPensilvânia,ensinavadesenho
noDepartamentoCulturaldaUFPBondeeuerasupervisor.
Tornei-meamigodeSteve,eatravésdelesoubedaatuação
dedoisoutros”voluntários”:oartistaplásticoRoberto
DʼAlessandroqueseestabeleceuemPatos,eRobertFrost
emCatolédoRocha.
AParaíbaacabadeganharummuseuparaconservare
mostrarosobjetosrealizadosporseusartesãoseartistas
popularesvisuais,musicaisepoetasdo“cordel“.Trata-sede
umbelíssimoedifícioprojetadoporOscarNiemeyerna
margemdoAçudeVelho,oespelhodʼáguadeCampina
Grande.Estemuseudaculturapopularparaibana,aolado
doMuseudeArteAssisChateaubriandquetemdimensão
internacional,estádestinadoaseroelementochaveparao
avançodaculturalocal,deraiz,comapotencialidadeque
podeproporcionarumacasadeculturadestecalibre,
voltadaparaamostragem,pesquisaeeducação.Aliás,a
declaraçãodeVienareivindicava:“Odireitoàpesquisaeà
RobertoprestavaassistênciaàComunidadedasPlacas,
bairropaupérrimoàsmargensdaestrada,aumquilômetro
dacidadedePatos.LáviviamDonaMariadosBichos,sua
irmãFelisminaeorestodafamília,dosquaisaindame
22
lembrodeNevinha,querevisiteiem1980quando
documenteiseutrabalho,eLucinhadosBichos,daterceira
geração.Osbonecosdebarro,aartedetodaselas,têmtrês
utilidades:ex-voto,oadornoeobrinquedo.FuiaPatosa
convitedeRobertoefiqueichocadocomarealidade
daquelaspessoas,extraordináriasartistasvivendoquasena
miséria.Eraomeuprimeirocontatocomaarte“primitiva”
brasileira.Porqueprimitiva?Porqueaquelarealidadeera
paleolítica,osobjetosartísticosquecriavamestavamem
umníveldepureza,rusticidadeebelezaencontradosna
arterupestre‒emboraacomunidadeemqueviviam
existissenoséculoXX,numacidademoderna.Duranteo
anoquedeRobertoviveuemPatos,eleacompanhouo
trabalhodeMariadosBichos,amaiscontundentedetodas
elas,ecomprougrandepartedesuaproduçãoparadoara
umafundaçãoamericana,oqueamenizou,masnãotantoe
porpoucotempo,avidaduradaquelaspessoas.
tradicional‒porqueexisteoartesanatocontemporâneo,ou
metropolitano‒tornou-seumaalternativaválidaparaa
sobrevivênciadoartesanato:aparceriadoartesanatocomo
design,poisaliaoartesão,donodaprodução,eodesigner,
organizadordaprodução.Estaquestãofoimuitodiscutida
naépoca,quandoostécnicoseteóricospuristas
consideravamistoumainvasãocultural.Porémestafoiuma
alternativa‒existemvárias‒delevaroprodutoartesanalà
classemédiaurbanasemdestruirofazerautêntico.nocaso,
atecelagemdarede.
Outroexemplodesucessodestaaliançaartesanato/design
foialouçadebarroproduzidanoPiauí,noentornodaSerra
daCapivara,ondetrabalhaaarqueólogaNiédeGuidon.A
paneladebarrocomumdaregiãofoianalisadae
redesenhada,ouredesignada,parasuaintroduçãono
mercadodaclassemédiaurbana.Foramimplantadas
correçõesnamatériaprimaenaqueima,permanecendoa
rusticidadedaolariaoriginal.Noacabamentoempregou-se
oesmalte,eosmotivospré-históricosdasgrutasdaregião
forampintadascomomotivodecorativo.Aempresa
francesaTok&StokcomercializaestesprodutosnoBrasil
inteiro,apresentaaopúblicoumalouçaoriginal,resistente
ebela.
EmCatolédoRocha,RobertFrostaparelhouuma
cooperativarecém-criadapelaArtesanatodoNordesteArtene,departamentodaSudenenaépoca.Tratava-sede
umacooperativadetecelõesdetearesmanuaisusadospara
tecerredesdedormir.Robertlevouparaelesummodelode
produtocriadoespecialmenteparaoPeaceCorpspela
tapeceiracolombianaOlgadeAmaral,àépocaumadas
maioresfigurasdatapeçariamodernanomercado
internacionaldearte.
ExemplodeinsucessofoioqueomesmoRobertFrost
tambémimplantounacooperativadeCatolé:atécnicaea
produçãodaestampariaembatik,sistemaasiáticoe
africanodeestamparemtecido,ondeseutilizanaÁsiaa
ceradeabelha,enaÁfrica,agomademandioca.Foioutro
sucessodemercado,mas,umfracassodopontodevistada
preservaçãodaculturaque,aliás,nãochegavaasera
preocupaçãodoPeaceCorps.Eletrouxeosdesenhosde
fora,eeramkitchiescomopapagaios,araraseoutrostemas
fáceisdeseremcompradosemMiami,porexemplo.
Exógenoounão,oquefizeraminfluenciouomeioartístico
deJoãoPessoa,aProfessoraDoutoraMadalenaZaccara
montouumagaleriadeartechamadaGaleriaBatik.
OprojetoencomendadopeloPeaceCorpsvisava
desenvolvernúcleosdeartesanatoondeosVoluntáriosiam
trabalhar.Seudesigntinhacomobaseasimplificaçãode
umaredededormir,deondeforamretiradosospunhosea
varanda,restandoentãoumretângulodetecido.Deste
retângulofoieliminadaboaquantidadedefiosvisandoum
desenhoformadopelosespaçosdeixados.Oacabamento
erafeitocomripasquederamaoobjetoaformadeumbelo
estandarte.Foiumsucessocomercialemtodosospaíses
emqueoPeaceCorpsatuava.NaParaíbanãoseria
diferente.
NaParaíbativemosváriascooperativas,massomentetrês
resistiramparaalémdoregimemilitar,queinviabilizoua
Artene:asdeCatolédoRocha,dePatosedeJuripiranga.Na
cooperativadePatossefaziamgamelaspintadasàmão,
transformadasemobjetodeadornomudandoassimsua
função.OobjetivoeraomesmodeCatolédoRocha:elevar
opreçodeumobjetoproduzidoevendidoapreçovilpara
EncontreiOlgadoAmaralnaConferênciadoMéxicoe
trocamosideiassobreessetrabalho,queeraconhecido
aquicomo“EstandartedeCatolédoRocha”.Foiumdos
maisbemsucedidosexemplosdocasamentododesigner
comoartesão.Esteaspectodoartesanato,levando-seem
contaonívelsocioeconômicoqueabrigaoartesanato
23
teóricosdamatéria.Muitosepensouesetrabalhouapartir
destetempo,pessoasdomeiointelectualeartístico,como
ohistoriadorHugoMoura,opesquisadorBalduínoLélis,o
professorFranciscoPereiraJúnior,opoetaJurandyMoura,a
pintoraCeleneSitônio,entreoutros,engajaram-senas
novasinteraçõescriadasentreoartesãoeasociedade.As
açõesdestaépocaestãoregistradasemváriosdocumentos
depositadospeloNuppo,àesperadeestudosparamelhor
secompreenderessesesforços,quealémdoartesanatose
estendeupelafarmacopéia,folguedos,culináriaeoutras
formasdeexpressãoecostumespopulares.
Vimososurgimentodeartistaseartesãosportodoo
Estado.Apinturanaïf,categoriadeartealtamente
expressivaevaliosa,sedesenvolveuapartirdeartistas
comoAlexandreFilho,JoséLucenaesuafilhaLetícia
Lucena,IreneMedeiros,LuizTananduba,AnaliceUchôa,
ClóvisJúnior,AdrianoDias,DalvaOliveira,CéliaGondim,
JosenildoSuassuna,IsaGalindo,MadrianoBasílio,Denise
Costa,TitoLobo,MárcioBizerril,TadeuLyraeMariaLívia.
introduzi-lonomercadodaclassemédia.Asmulheresdo
BairrodasPlacas,lideradasporDonaNazira,pintavamnas
gamelasqueoshomensentalhavamemmadeira.Patosde
tornouumverdadeiroceleirodeartenaïfpintadanas
gamelas,distribuídasevendidasportodooNordeste,com
oapoiodaARTENE.Naprocurademotivosdecorativosfezseumdiaumconcursodedesenhoseumadasmulheres,
quehaviamoradonolitoral,desenhouumcaranguejo.Era
umlindodesenhodecaracterísticarupestrequepassoua
serosímbolodacooperativaeaserpintadoportodaselas,
cadaumacomsuaprópriaversão.Éoutroexemplode
sucesso,sendoqueainterferênciasedeuapenasna
concepçãodoobjeto:atransposiçãodousodapecuária
paraadecoração,eaintroduçãodapinturana
comunidade.Hojeacooperativanãomaisexiste,masafilha
deNaziraéumapintoranaïfdegrandequalidade.
Axilogravura,técnicafundamentalnacomunicaçãodo
textopopular,sedesenvolveucomJoséCostaLeite,umdos
últimosgrandescapistasdecordel,eJoséAltinocomsua
artedeorigempopular,completariaouniversodessa
expressãoquenuncaparoudecrescer,influenciando
algunsartistaseruditos.
ONordestebrasileirotemumatradiçãodeolariaquese
estendedoLitoralaoSertão,comtradiçõesindígenas,
africanaseportuguesas.NaParaíbatemoslocalidadescom
tradiçãolouceiracomoaSerradoTalhado,emSantaLuzia
doSabugí,grupooriundodeumquilombo,lideradopela
louceiradeRitaPreta,quehojefuncionanoGalpãodas
Louceiras;osintegrantesdasassociaçõesdeartesãosdo
Cariri;elouceirasdaVárzeaedoBrejo,comoasde
GuarabiraedeSantaRita,porexemplo.
Desdeadécadade1960existemnaParaíbapolíticas
públicasrelacionadasaoartesanato.Temosumahistória
eloquentedeaçõestécnicaseartísticasquejustificameste
momentoprodutivotãorico.NaSudene,criadapelo
sociólogoparaibanoCelsoFurtado,houveum
departamentodestinadoaoestudoeaodesenvolvimento
doartesanato,aArtene,quefoiimplantadopelotécnico
tambémparaibanoEdésioRangel,tambémpintor,que
desenvolveuumprogramadecooperativasartesanaisno
Nordeste.EmJoãoPessoa,caucionadospeloPrograma
NacionaldeDesenvolvimentodoArtesanato,técnicosda
UniversidadeFederaldaParaíba,tendoàfrenteaprofessora
TerezaAquinoMontenegro,criou-seumalinhade
pesquisasqueveioseconstituirnaSuperintendênciapara
DesenvolvimentodoArtesanato-Sudart,quetinhapor
objetivosistematizarumaaçãoparaorganizaçãodos
artesãosemcooperativaseoensino-aprendizagem,
chegandoacontratarartesãosparaestaatividade,hoje
sabemosumaatitudeequivocada,quando,narealidade,
nãoseriadestaformaamelhorcontribuiçãodaUFPBao
artesanato.
Ondeexisteolariaexistelouçaebonecodebarro.
Sambemos,porém,queessaincidênciadiminuideacordo
comadiminuiçãodapobreza,poisoleiroderivapara
atividadesmaislucrativas.Oaparecimentodomercadode
arte,fenômenobalizadopelocrescimentodaeconomia,dá
vezàapariçãodacerâmicaartística,comoaconteceuem
CaruarueTracunhaém,emPernambuco,enaperiferiade
JoãoPessoa,comosmestresTotaeAbimael.
AcerâmicaartísticadaParaíbasedesenvolveuemtorno
destesmestresTotaeAbimael,edoartistaMigueldos
Santosquesempreafirmousuaorigemnobarro.Miguelé
nascidoemCaruaru.MigueleTotasãoescultores
figurativosdegrandepeso,sendoMiguelartistadealcance
nacionalquetambéméumdosnotáveispintores
brasileiros.Chefedeumafamíliadeartistas,Migueléirmão
deAntoniodosSantosetiodeChicodosSantos.Totafoi
umdosnossosmaiscriativosescultoresceramistase
tambémumdosmaisprofícuosceramistasutilitários,
produtordejarrosepanelasqueeleconfeccionavacom
qualidade.TotaépaidoartistaTemilsonRégis.Mestre
Abimaelsededicouàformaçãodejovensaprendizesda
arte,sendoeventualmenteassistentedeRosildadeSá,
AomesmotempooReitorLynaldoCavalcantiinstalouaPró
ReitoriaParaAssuntosExtraordináriosnaUFPB,dirigida
peloprofessorIveraldoLucena,que,porsuavez,criouos
NúcleosdeExtensãoePesquisa,entreelesoNuppo,
destinadoapesquisarepromoveraculturapopular
paraibana,queteveacoordenaçãodosprofessores
OswaldoMeiraTrigueiroeJoséNiltondaSilva,importantes
24
Noartesanatodamadeiraencontramosescultores,
especialmentesanteiros,entalhadores,miniaturistas,
marcheteiros,carpinteirosemarceneiros.Começandopelos
escultoresdesantosemnossamemóriapermanecemDona
PaulinadeLagoaSeca,possuidoradeumdelicadoelimpo
estilodecorte,quedeixouuma“dinastia”emseusfilhose
netosquemantêmoGrupodeArtesanatoemMadeira
PaulinaDiniz,eAnaPamplona,maisinfluenciadapelos
santosbarrocos.ContinuandoatradiçãotemosMariada
SilvaSantos(NeguinhadoCasserengue)eMaritôniode
Sousa.Entreosescultoresdeoutrastemáticastemos
Guariguazi,queeventualmenteabordaotemareligioso
esculpindoaCeiadeJesuscomosApóstolosque,como
OzielCoutinho,escultordeanimaisdaterraedepássaros,
utilizaamadeirapolicromadaetambémtrabalhacomo
marceneirodearmáriosestilosos.Alistadeescultoresse
desenrolacomnomescomoGivanildoIsmael,SeuBento,
LisSoares,LindinaldoNascimentoeosartesãosda
AssociaçãodosArtesãoseArtistasdeSantaLuzia.Grande
númerodosartesãosdamadeirasãominiaturistasnotáveis,
acomeçarporJoséAlvesMonteiroeSeverinoFreire,que
fazemminiaturasdebarcos,EdsonSilva,defazlocomotivas,
FranciscoFélix,queminiaturizatratores,eosquefazem
fachadaseinterioresdascasas,igrejasepontoscomerciais
dointerior:BiagioGrisi,AdelsonElizário,Lamarckde
Meneses,JoséMoraisSantos,CarlosAlbertoPaschoal,
MárciaFelintoeEvanildaLima.Outrogrupodeescultores
damadeiraconfeccionafloresefrutas,destacamosJosé
BatistaBarreto.
outragrandeexpressãodenossaartecerâmicaquese
tornoudoutoraemartenaUniversidadeFederaldaBahia,e
hojelecionanaUFPB.Temosoutrosescultoresceramistas
domaisaltonível,comoChicoFerreiraquefazcommuita
competênciaeoriginalidadeajunçãodaarteutilitáriade
altonívelcomaartefigurativa,sendotambémpintor
profícuo;MariadosMares,arteeducadoradegrande
produçãoquedirigeseutrabalhonadireçãodoimaginário
popular;GinaDantas,cujaspeçasnoslevamaumrico
onirismoqueelaadornacomrequintadascamadasde
adobe.
Naáreadetecidosraros,desdesempreexisteumanotável
produçãoderendasdeváriostipos,principalmenteas
rendasdebilro,mastambémrendafilé,labirinto,frivolité,
crochê,tecelagemartesanal,punhoevarandaderedede
dormir,eoutras.Diz-sequeaondehárede(depescar)há
renda,eisporquearendadebilro,especialmente,étão
comumnaspraias.Ocorrequearedetambéméumarenda
feitapelohomem.Otrabalhodohomemnaproduçãoda
rendaseverificatambémnadesfiaduradeáreasdotecido,
naconfecçãodasarmaçõesparaarendadelabirinto,ena
feituradoinstrumental,comoalmofadaebilros.
Amarchetariaéumaespecialidadedeexcelênciano
artesanatoparaibano,comdestaqueparaFernando
Valentim,mestredomarcheteedotorneamento,famoso
porproduzirbolastorneadasondejuntadoistiposde
madeira.Namarchetariadecaixaseoutrosobjetostemos
AntoniodeLira,JailtondaCruz,MárioValentimeManuel
Moura(Nezinho).
Aaçãodosgovernosestaduaisrecentes,comdestaquepara
ogovernodeCássioCunhaLima,queteveaseufavora
açãointeligenteeativadesuaesposa,Sra.SílviaCunha
Lima,alémdeconsolidarestesetorparticipouativamente
paraacriaçãodasfeirasdeartesanato(oSalãodo
ArtesanatoeArtePopulardaParaíba,porexemplo),daCasa
doArtistaPopular,emJoãoPessoa,eesteMuseudeArte
PopulardaParaíba-MAPP,concebidoporOscarNiemeyer,
construídopelaUniversidadeEstadualdaParaíba,no
reitoradodaprofessoraMarleneAlves,eagorafuncionando
naadministraçãodoprofessorAntonioGuedesRangel
Júnior.
Arendaeacosturadãovezàfeituradebonecas,oubruxas
depano,eoutrosobjetosdetecido.Nacriaçãoeconfecção
debonecas,ondeaParaíbaépródiga,éimportante
assinalaraobradeAneteCunha,criadoradefigurasfeitas
detecidocaracterizadaspelaperfeiçãodeseusdetalhes.Foi
elatambémquemaperfeiçoouaconfecçãodesantosde
estopa,artesanatocaracterísticodaParaíba.
OlavordocouroemtodooNordestetemseuápicena
indumentáriaeosarreiosdosvaqueiros,ondeencontramos
naParaíbaomestreceleiroFranciscoCorreiaNetoeos
fazedoresdegibãodecourocomoSeverinoMacedo,
fazedordechapéudecouroeMaurícioMassau,que
confeccionaogibão,acalçaeopeitoral.Destacamos
tambémCeleneSitônio,artesãeartistaplásticadeCampina
GrandequeatuouemJoãoPessoaapartirdosanosde
1960,comopintoraenadécadade1970,confeccionando
emcourobolsas,vestidos,chapéus,etambémmobiliário,
queerampintadosetexturizadoscomtécnicadesua
invenção.OCural,nomedagrifedeCelene,fezsucessoem
todooBrasil.CeleneseaperfeiçoounaItáliaeatualmente
trabalhacomdesigndemodanoRiodeJaneiro.
Éfundamentalsecompreenderhojeosentidodeste
trabalhoquesemostraeloquentementenolivro-catálogo
“ArtesanatoeArtePopularnaParaíba”editadoem2007,
concebidoporSílviaCunhaLima,tendoacuradoriade
JaneteCosta,prefáciodeArianoSuassuna,apresentaçãode
RosaTâniaBarbosadeMenezes,textosdeJoséNiltonda
SilvaeJaneteLinsRodrigues,eopiniõesdeCássioe
RonaldoCunhaLima.Éotestemunhodoprograma“Paraíba
emSuasMãos”‒desenvolvidopelogovernadorCássio
CunhaLima,tendoàfrenteDonaSílvia‒quetem
25
XilogravuradeJoséAltino,1971
PinturadeJoséLucena,1982
AnaPamplona
CerâmicaartísticadeMadrianoBasílio(AcervoMAPP)
PeçasdecerâmicadaARCA-AssociaçãodosArtesãosdoCaririOcidental(AcervoMAPP)
CerâmicautilitáriadeNevinhaedeAurilândiaAndradeSousa(AcervoMAPP)
26
continuidadenogovernoRicardoCoutinhocoma
denominaçãode”ProgramadoArtesanatoParaibano”,
numaprovainequívocaqueaforçadaculturapopular
paraibana,seuartesanato,suamúsicaesuapoética
representamoquehádemaisoriginalesingularda
mentalidadeedacriatividadedoseupovo.Comcerteza
esteMuseudeArtePopulardaParaíbaéfrutodapaixão
queosparaibanostêmporsuaartepopular,canalizadae
realizadapelavontadepolíticadeumgoverno.Temosuma
dádivaparapreservare,aomesmotempo,desenvolver.
PinturadeAlexandreFilho,2001
Nestemuseunãoestãoapenasabrigadasasartesvisuais,
eleéorepositóriotambémdenossamúsicapopular,quese
podeouvirnoespaçodedicadoaJacksondoPandeiro,o
maiorcriadordenossaidentidademusical,eoespaço
dedicadoàliteraturadecordel,expressãobásicadenossa
literatura,escritaeoral,quesubsidiaapoesiacantada,ou
cantoria,etambémaconservaquandofazasvezesde
registroimpressodenossaoralidadepoética.Ocordel
também,pormuitotempoconservoueresguardoua
xilogravuradesuascapas,dandovezàcriatividadede
centenasdeartistas.
Espera-sequeaUniversidadeEstadualdaParaíba,quejá
possuioMuseuAssisChateaubriand,conduzaseuMuseu
deArtePopularnãoapenascomoumtemplodaarte,isto
poderia,comotempo,causarsuamortepelocansaço,pela
repetiçãodamesmaimagem,eelesetornariaum
mausoléudaarte.Esperamosqueelesejadinâmicocomo
sãoosmuseusdehojeemdia,queelepossarenovarsuas
exposições,aprofundarcadasegmento,oumelhorfazer
recortesemseuacervoedeconvidarartistasdefora,para
assimmantersemprevivoointeressenestepreciosoe
únicomuseudenossaculturaderaiz.
RaulCórdulaéartistavisualecríticodearte(ABCA/AICA).VicepresidenteparaoNordestedaAssociaçãoBrasileiradeCríticosde
Arte-ABCA.Criadoredirigentedeinstituiçõesculturais:NAC/UFPB
(JoãoPessoa);MuseudeArteAssisChateaubriand-MAAC(Campina
Grande-PB);CasadaCultura(Recife);FundaçãoEspaçoCulturalda
Paraíba-Funesc(JoãoPessoa);OficinaGuaianasesdeGravura
(Olinda).FoirepresentantedoBrasilnaConferênciaMundialde
Artesanato,México,1980.RepresentanoBrasilaAssociation
CulturelleLeHors-Là,deMarselha(França).PublicouoslivrosAnos
60(Funarte,UFPB),MemóriasdoOlhar(ediçõesLinhaDʼÁgua),
Fragmentos(ediçõesFunesc)eUtopiadoOlhar(Funcultura,
Fundarpe,GovernodePernambuco).
MestreTota(Foto:ChicoPereira),1976
27
3em1
Antesdeabrirasdependênciasaopúblico,o
MuseudeArtePopulardaParaíbaexpõeno
MACpeçasdoseuricoediversificadoacervo
FernandoMoura
[email protected]
“(...)Aartequesaidasmãos
Quevemdebocasementes
Herançadosancestrais
Entregueagorapragente
Teráumportoseguro
Paraexportarassementes”
Comumamodernaroupagemarquitetônicaetecnológica,
o“Museudos3Pandeiros”tambémirásediferenciardos
outrosespaçosmuseológicosexistentesnoEstadopela
dinâmicaexpositiva,renovandoregularmenteaspeças
apresentadas,ampliandoocardápioinformativodisponível
naredeabertadecomputadoreseterminaismidiáticos.
“Diferentementedamaioriadosmuseus,oMAPPestaráem
permanenteconstrução,cominfinitaspossibilidades
estéticas,históricasecientíficas,mudandocenáriose
enfoquesporciclosexpositivos”,asseveraoprofessore
artistaFranciscoPereira,pró-reitordeCulturadaUEPB,
responsáveltécnicopelaimplantaçãoegestãodoespaço.
“Éumtrabalhoquesótemdataparacomeçar”,sentencia.
Um“portoseguro”paraalongevaeinventivaarte
paraibana,esculpidoemconcreto,ferroevidro,
repousandosobreaságuasdoAçudeVelho,àentradade
CampinaGrande.Ponto.
Resumidamente,essapoderiaserumatraduçãolivre,em
prosa,dosversosacima,trechodeumdoscordéisqueserá
usadonomaterialdedivulgaçãodoMuseudeArtePopular
daParaíba,àsvésperasdesuaaberturaaopúblico.Espaço
delinhassinuosas,traçadasporOscarNiemeyer,oMAPP‒
ou“MuseudosTrêsPandeiros”,comorebatizariaa
população‒abrigaráemseussalõespartedoacervo
acumuladopelaUniversidadeEstadualdaParaíbanos
últimos10anos,nasáreasdeartesanato,literaturade
cordelemúsica,trêsdasprincipaisvertentesartísticasde
umEstadoplenoemmodularsuasemoçõescomgraçae
engenhopeculiares,hámaisdequatroséculos.
Erguidoemtemporecorde,emapenas3anos,aedificação
futuristafoioúltimoprojetoconcluídocomseucriador
aindavivo,cujocarinhoeatençãocomaobrapareciaintuir
abrevepartida.“Niemeyerchegouaachargraçaeaprovou
oapelidodadopelapopulação”,relembraoreitorRangel
Júnior,queacompanhariatodooprocessocomopró-reitor
dePlanejamento,duranteagestãodaprofessoraMarlene
Alves.“Foiumprivilégioparticipardessaconstrução,quejá
nasceucomopatrimônioculturalbrasileiro,eseráuma
honrariapoderentregá-laàvisitaçãopública,comtodoo
zeloerigortécnicoemprestadopelacomunidade
acadêmica,queseráaprincipalresponsávelporsuaguarda
eusopermanente”,destaca,enfatizandoopapel
vanguardistadacidade,queabrigaoutrosmuseus
importantes,aexemplodoMuseuAssisChateaubriand,
tambémsobatuteladaUEPB,acaminhodecompletar50
anos,em2017.“CampinaéummicrocosmodoNordeste”,
chancela.
Apaneladebarro,ogibãodecouro,ogalodelata,atoalha
derenda,ocarrinhodemadeira,ochapéudepalha,a
poesiadosfolhetos,otacodaxilogravuraeacantoriade
feira‒“herançadosancestrais”‒estarãodisponíveispara
deleiteeestudos,emmeioamilharesdeoutraspeçase
manifestaçõesartísticasdasáreastemáticasprevistasno
planomuseológico.
Trêsemum
Entreguesolenementeemdezembrode2012,osmeses
subsequentesseriamocupadosnospreparativoslogísticos,
ajustesdasdependênciasfísicas,organizaçãodos
conteúdos,treinamentodemonitoresecorpotécnicoe
aquisiçãodosequipamentosnecessáriosaobom
funcionamentoesegurançadaunidademuseológica.
Antesmesmodeabrirsuasportasaopúblico,porém,o
MAPPirácompartilharumavolumosarepresentaçãodoseu
acervo,comcercade2.000peçasdeartesanatodetodasas
regiõesdaParaíba,demaisde16.000folhetosdecordel,
vinculadosàBibliotecaÁtilaAlmeida,eamaisde5.000
itensdocumentaiseregistrossonorosdamúsicaparaibana,
tendoJacksondoPandeirocomoepicentrodeumvigoroso
movimentomusicaliniciadoaindanadécadade1950,cujas
obrasehistóriasserãoexibidaseampliadascoma
anexaçãodostrabalhoseperfisdepersonagensdocenário
contemporâneo.
Quandoestiverplenamenteativo,comvisitaçõese
pesquisasregulares,oespaçoestaráaptoaatender
demandasespecíficasdeprofessoreseestudantes
universitários,darededeensinofundamentalemédio,
alémdopúblicoemgeral...
28
OscarNiemeyer(FotografiadeCarlosMagno)
Entreosdias13e25demaio,integrandoasatividades
programadasemtodoopaísparaaSemanadosMuseus
(de12a18),comandadapeloIbram,oMAPPestará
expondo,nasdependênciasdeseucoirmão,oMuseuAssis
Chateaubriand,nobairrodoCatolé,itensassociadosàs
futuras3salasdos3Pandeiros.Daío“3em1”dotítulodo
evento,quepretendeestabelecerosprimeirosdiálogos
comacomunidadecampinenseeparaibana.“Porsermais
amploeestaremplenofuncionamentohádoisanos,com
todainfraestruturaelogísticamontada,aReitoriadecidiu
ocuparesseespaçoparaapresentaraopúblicoamaior
partepossíveldosacervosdos3Pandeiros,criando
empatia,curiosidadeeinterlocuçãocomosfuturosusuários
doMAPP,queirárestringiroacessodiretoàmaioriadas
peças,porlimitaçõesfísicasecaracterísticasmuseológicas,
priorizandoousovirtualdasfontes.DuranteaʻSemanados
Museusʼ,essecontatoserámaisdireto,maislúdicoque
técnico”,esclareceodiretordoequipamento,odesignere
artistaÂngeloRafael.
FotografiadeGeovaniSantos.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Museu_de_Arte_Popular_da_Para%C3%ADba.jpg
FotografiadeRuanaCarolina.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Museu_dos_Tr%C3%AAs_Pandeiros.jpg
ComcuradoriasdoartistaplásticoeestetaRaulCórdula
(Artesanato),daprofessoraJoseildaDiniz(Cordel)edo
jornalistaFernandoMoura(Música),aexposição“3em1”‒
cujamontagemcênicaficaráacargodotambémartista
plásticoDyógenesChaves‒servirá,ainda,como
“laboratório”àsequipesenvolvidascomoprojeto,
oportunidadeemquemonitoresserãoavaliados,peças
serãoconferidaseselecionadas,registrosserãopromovidos
einformaçõesserãochecadas,diminuindoapossibilidade
dedesacertosquandoamáquinaestiveremplenovapor.
Nessaocasião,também,alémdoestímuloàintimidadecom
orepertóriomuseológico,serápossívelàcomunidade
acadêmica,ligadaounãoàUEPB,identificarosfuturos
objetosdeestudo,gerandooprópriocombustívelqueirá
abastecer,pedagógicaeculturalmente,oMuseudeArte
PopulardaParaíbanaspróximasdécadas.Aintençãoé
manteros3Pandeirostocandoalémdoperíodojunino,
perpetuandoafacetaartísticadeCampinaGrande,da
Paraíba,doNordesteedoBrasil‒enãonecessariamente
nessaordemdemarcação.
FernandoMouraéescritorejornalista.
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Profissional:crítico
CésarRomero
[email protected]
informaçõeseacompanhasuasexperiênciasdoolhar,
estudos,leituras,convíviocomosartistaseseusprodutos.
Aspectossubjetivosnãodevemserutilizadoscomonormas,
mascabeadisposiçãoracionaldeaceitardiversidades.
Resalta-seoladointerpretativodocrítico,nemporisso
menosimportante,postoqueseabraaodiálogo.
Emresumoocríticodearteéoeloentreoartistaeo
público.Nestaredução,parecetarefasimples.Masé
extremamentecomplexa,envolvediversossaberes,
múltiplasdisciplinas,pensarordenadoecapacidadede
situarocriadoracomunidade,seucontextoeevolução.Um
constantepromoverdeanálisesistêmica,examedetalhado
doconjuntodetudoaquiloqueexistenoespaçoeno
tempodavisualidade.
Ocríticodeartecontribuicomahistóriadaarte,
documentadoseutempo,formuladoentrecarátermúltiplo
etambéminterdisciplinar.Afilosofia,sociologia,
antropologia,historiografia,pedagogia,psicologia,
literatura,contribuemnafundamentaçãodoconhecimento
daarte.Umcríticodeartepodededicar-seexclusivamente
apesquisas,históriadaarteeseusmovimentos,ser
enciclopedistas,professoreseatividadesligadasàdoutrina
davisualidade.
Osprimeirosescritossobreobrasdearteeartistasvemda
Gréciaantiga,comDurideDiSamonoséculoIVa.C.que
dedicougrandepartedesuavidaescrevendosobreaarte
doseutempo.
Influenciadopelopensamentoclássico,aatuaçãodocrítico
desenvolveu-secomoargumentaçãoinformativae
comparativanoséculoXVIII,quandonoentusiasmode
manifestaçõesartísticas,mudançasradicaisde
comportamento,mercadoecrescimentodaimportânciada
imprensaescrita.OfrancêsDenisDiderot(1713-1784)foio
primeirocríticodeartemoderno.Escritor,enciclopedistae
filósofo,iniciou-seem1759comocomentaristadeobrasde
arteedosimpactosdossalõesparisiensesnoSalãoCarrédo
Louvre.Atuoucomodifusordetendênciasartísticas,
debatendoimpressões.Foiacélulainicialdogênero.
Aocríticopragmáticocabemcuradorias,júrisdeseleçãoe
premiaçãodecertamesartísticos,congressos,seminários,
debates,formaçãodeacervosparticulareseinstitucionais,
interlocuçãocomartistas,acompanhamentodecarreiras,
palestraseorganizaçõesdecontextos.Nãoseconcebeum
críticoimperativo,comosesuasobservaçõeseformade
escreverfossemasmaisacertadas,maislógicas,demaior
alcanceequesua“fórmula”deveriaseraplicadaporseus
pares.Acríticadeartenãoéumaciência.
NoBrasiloprimeirocríticofoiGonzagaDuque(1863-1911)
quandoexploroutextosreflexivossobrearte,suafunçãoe
utilidade.Antesdeleostextoserammeramentedescritivos,
análisesbaseadosnoóbviovisível,comoumadissertação
decolegialiniciático.
Ocríticodearteéumespecialista,necessitadeinformações
atualizadas,omundoglobalizadoesuaemergênciatrazem
acadamomentonovosprodutos,investigaçõesedesafios.
Nãosepodeestaremtodasasexposiçõesdomundoeo
críticoemsuaatividadenosdiversoscontinentesonde
atua,aproximaconhecimentosevalores.
NaBahiaopioneirismoemcríticadeartecoubeaCarlos
Chiacchio(1884-1947),mineirodenascimento,chegoua
Salvadorcom11anos.Formou-seemmedicinaeexerceu
múltiplasatividadesrelacionadasàcultura.Foiescritor,
críticoliterárioeentre1928a1946escreveunagrande
imprensabaiana,ressaltandooquehaviadeimportante
nasáreasdeartesplásticas.Dentreaspublicaçõesde
Chiacchio,destacam-seoslivrosBiocrítica(1941)e
ModernistaseUltramodernistas(1951).
Acríticadearteétambémumramodaliteratura,exemplos
lapidaressãoostextosdeWalmirAyala,JaymeMaurícioe
PauloMendesdeAlmeida.Otrabalhodocríticoébuscar
estratégiasdecomunicabilidade,apoiandonos
fundamentosdasciênciashumanas.E,sobretudo,despertar
sentimentoseativaçãodointelectoedosórgãosdos
sentidosaoprimeirocontatocomotrabalhoartístico.
Aocríticodeartecabemanálisesbemfundamentadase
critériosdejuízosdevalor,quesurgemcomoacúmulode
CésarRomeroéartistaecríticodearte(ABCA/AICA).
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Meninocigano,Sousa,Paraíba,2008
expediente
SegundaPessoa
RevistadeArtesVisuais
Ano4,Número1‒Dez-Jan-Fevde2014
Editor-geral|DyógenesChavesGomes(ABCA/AICA)
Jornalistaresponsável|WilliamPereiradaCostaDRT-PB792
Conselhoeditorial|DyógenesChavesGomes|Francisco
PereiradaSilvaJúnior|GabrielaMarojaJalesdeSales|
MadalenaZaccara|MariaCristinadeFreitasGomes|Paulo
Rossi|PauloSérgioDuarte|RodolfoAugustodeAthaydeNeto
|ValquíriaFarias|WilliamPereiradaCosta
Projetográfico|DyógenesChaves|2ou4
Fotografia|ArquivoNAC/UFPB|ArquivoBertrandLira|Chico
Pereira|GeovaniSantos|MárcioMoraes|RaulCórdula|Ruana
Carolina
Colaboradores|AlineTeresinhaBasso|Almandrade|Bertrand
Lira|CésarRomero|FabríciaC.L.Jordão|FernandoMoura|
MariaCristinadeFreitasGomes|MayrinneMeiraWanderley|
RaulCórdula
Impressão|UniGráfica
Contatosparaenviodeartigosecolaborações:
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2ou4Editora/RevistaSegundaPessoa
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Telefones:(83)3042.7979/8808.7877
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Osartigospublicadossãodetotalresponsabilidadedeseus
autores.OsinteressadosempublicarnaSegundaPessoa:
devemobservarasnormasdepublicaçãonositedarevista.
EstaediçãodeSegundaPessoa(ISSN2237.8081)foiimpressa
emabrilde2014,naUniGráfica,utilizandoostiposdafamília
KozukaGothiceCaslon,empapelpólen(90g/cm²),comuma
tiragemde10.000exemplares,sobaresponsabilidadeda2ou4
Editora.
Este projeto foi contemplado com o Prêmio Procultura de Estímulo àsArtes Visuais 2010
ISSN 2237-8081
9 772237 808001
10
Este projeto foi contemplado com o Prêmio Procultura de Estímulo àsArtes Visuais 2010
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Ano 4, Número 1