23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental III-054 - A COLETA SELETIVA DE SALVADOR É DE CUNHO SOCIAL? Maria de Fátima Nunesmaia(1) Doutora em Ciências Ambientais, UPC/França. Profa. Titular da Universidade Estadual de Feira de Santana; Departamento de Tecnologia; Coordenadora do GESA/UEFS; Pesquisadora da Rede de Tecnologias Limpas, TECLIM/UFBA. Ângela Maria Ferreira Lima Mestranda em Produção Limpa, UFBA; Especialista em Gerenciamento Ambiental no Processo Produtivo, UFBA; Engenheira de Materiais, UFPB; Pesquisadora da Rede de Tecnologias Limpas, TECLIM/UFBA. Cristiano Silva Cardoso Graduando em Museologia, UFBA. Laécio Suzart Machado Matos Graduando em Administração, UFBA. Endereço(1): Rua Aristides Novis, 02, 4º andar, sala do TECLIM, Bairro: Federação; CEP: 40.210-630 Salvador /BA, Telefone: (71) 3235-4436. e-mail: [email protected];[email protected] RESUMO A pesquisa utiliza a distribuição espacial da região metropolitana de Salvador para traçar um recorte epistemológico da coleta seletiva formal desenvolvida pela Prefeitura Municipal, e informal através de projetos e cooperativas independentes. Sistematizou-se dados colhidos dentro das organizações e nas comunidades onde elas estão inseridas, além da visualização e documentação de dinâmicas praticas, a partir de uma ampla base empírica que auxilia para a compreensão do funcionamento deste universo. Constata-se o cunho social da coleta seletiva informal em Salvador, os maiores índices de reciclagem em Salvador a exemplo do Brasil, devem-se aos catadores de materiais recicláveis de rua principalmente. É a coleta seletiva informal, a qual normalmente não está inserida em nenhum programa oficial municipal nem em políticas sociais municipais. Os programas de coleta seletiva porta-a-porta e de entrega voluntária ainda são insignificantes em relação à coleta seletiva informal praticada pelos catadores de rua. PALAVRAS-CHAVE: Cooperativas; gestão sócio-ambiental; coleta seletiva. INTRODUÇÃO Salvador, capital do estado da Bahia, é um dos centros turísticos mais importantes do país. Famosa pela sua história, pelo seu legado cultural e sincretismo religioso, vem ao longo dos anos ampliando-se principalmente em direção aos subúrbios, a exemplo de outros centros urbanos. Constata-se que este crescimento não vem acompanhado de uma boa qualidade de vida para todos como acesso à educação, saúde, lazer e renda. A cidade lidera o contingente de desempregados do país chegando ao mês de abril de 2004 com 16,6% de sua população sem emprego (IBGE, 2004). O crescente aumento nas taxas de desemprego, aliado a deterioração das relações contratuais de trabalho, vem forçando cada vez mais indivíduos a buscarem novas maneiras para garantir o sustento de suas famílias, seja pelo trabalho informal, seja pela busca por qualificação profissional. Verifica-se então o crescimento de excluídos buscando sua fonte de renda nos resíduos domésticos das cidades. O fato de estudos apontarem que o percentual médio de materiais recicláveis encontrados nos resíduos sólidos domésticos é da ordem de 27%, não é ainda o suficiente para que o poder público defina amplas políticas sociais municipais (NUNESMAIA 2002,2004). É neste contexto que nos últimos dois anos o trabalho cooperativo com materiais recicláveis vem ganhando importância como alternativa a diminuição de postos de trabalho na cidade, com destaque para algumas entidades que vem ganhando notoriedade pela forma como vem ampliando sua participação no contexto soteropolitano. OBJETIVOS DO TRABALHO Identificar de que maneira os materiais recicláveis contidos nos resíduos domiciliares estão sendo reaproveitados (fonte de renda e valor agregado) na capital baiana; Vislumbrar os diferentes caminhos da coleta seletiva em Salvador; Discernir atores sociais envolvidos neste processo. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental MATERIAIS E MÉTODOS Os procedimentos metodológicos utilizados durante a pesquisa abordaram aspectos indutivos e descritivos, visto se tratar de um estudo de caso em diferentes bairros. Para tanto foram listadas tarefas e desenvolvidos instrumentos de investigação especialmente para este estudo: - Levantamento bibliográfico; Fichamento de textos científicos; Realização de visitas técnicas; Elaboração de fichas técnicas e relatórios; Elaboração e aplicação de questionários; Criação de um banco de dados fotográfico. RESULTADOS OBTIDOS As cooperativas trabalhadas foram identificadas e enquadradas em duas modalidades de coleta seletiva: a) Coleta Seletiva Formal A coleta seletiva formal é realizada pela Prefeitura Municipal de Salvador na figura da COOPCICLAcooperativa de agentes autônomos de reciclagem. Esta organização tem origem na desestruturação do antigo lixão de Canabrava, e surge como alternativa de emprego e renda aos ex-badameiros, indivíduos que tiravam seu sustento da catação do lixo em condições insalubres. A cooperativa é gerida por funcionários da LIMPURB - Empresa de Limpeza Urbana de Salvador, está disposta em duas sedes, uma no centro da cidade e a outra no antigo lixão (hoje Parque Sócio-Ambiental de Salvador). Agrega uma aproximadamente de 120 cooperados, que recebem uma média de R$ 250,00 mensais pela venda de materiais. b) Coleta Seletiva Informal A coleta seletiva informal é realizada por um conjunto de organizações e indivíduos. No decorrer da pesquisa foram realizadas visitas técnicas a grupos que coletam materiais recicláveis na cidade, sendo selecionadas, para acompanhamento, quatro organizações por reunir elementos básicos para o desenvolvimento do trabalho. Para o estudo adotou-se os seguintes critérios: dispor de uma sede operacional, estar a pelo menos 06 (seis) meses em atividade e ter o reconhecimento do poder publico enquanto organização. Os grupos por estarem distribuídos em diferentes espaços geográficos e em diferentes classes sociais (baixa e média) possibilitaram uma relevante leitura sobre o tema (Tabela 1). Tabela 1 : Descrição das organizações participantes por bairros, classe social, instituição de apoio, rendimento mensal e sua origem (Salvador, 2004). * Dados fornecidos pelos respectivos projetos no primeiro trimestre de 2004. BAIRRO/ Nº INSTITUIÇÃO RENDIMENT ORIGEM DO NOME CLASSE PARTICIPANTE DE APOIO O MENSAL RENDIMENTO SOCIAL I. Recicla Cajazeiras 9 IDE R$ 150,00* Bolsa Cajazeiras (Baixa) II. Ação Rio Vendas 23 Paciência Viva R$ 80,00* de Materiais Reciclar Vermelho (Média) III. Cidade 30 CAMA R$ 150,00* Bolsa CAMAPET Baixa (Baixa) S. Rafael IV. CAEC (Baixa) 50 PANGEA R$ 250,00* Bolsa O IDE – Instituto de Desenvolvimento Sócio-comunitário, entidade que abriga o projeto Recicla Cajazeiras, é formado por um grupo de evangélicos que vinculam o fator religioso como elemento de identidade e de sociabilidade. Recolhe seus materiais porta a porta com dois carros de coleta, onde equipes de trabalho percorrem roteiros pré-estabelecidos durante a semana em toda a Fazenda Grande III utiliza como estratégia de ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental comunicação e mobilização a capacitação de jovens. Fazem a confecção de material didático e realizam oficinas. O Projeto Ação Reciclar é uma iniciativa da ONG paciência Viva é desenvolvido na localidade do Alto da Sereia, comunidade de baixa renda do bairro do Rio Vermelho (área nobre da cidade). Consiste na criação de ocupação e renda para a população local marginalizada. Possui uma sede improvisada nos fundos da casa de um cooperado e não contam com equipamentos de trabalho. Os materiais são coletados em três (3) turnos diários, onde com dois (2) carros de coleta percorrem estabelecimentos comerciais, residências e escolas do Rio Vermelho, Ondina, Garibaldi entre outros. Tem com mecanismos de mobilização a participação em eventos, confecção de material didático e edição de um boletim periódico, que é distribuído por toda localidade. Já a CAMAPET-Cooperativa de Coleta Seletiva Processamento de Plástico e Proteção Ambiental tem como política protagonizar os jovens na Cidade Baixa (Itapagipe). Surge após a realização de pesquisas sobre os problemas ambientais do traçado local, onde se diagnosticou que as maiores dificuldades eram o lixo lançado em vias publicas, os altos índices de desemprego e violência entre jovens. Percorre toda Cidade Baixa na coleta porta a porta, tem pontos de entrega espalhados e conta com um caminhão para coletas distantes. Desenvolve atividades em escolas, entidades, confecciona materiais didáticos, e está planejando a visitas guiadas ao galpão de triagem. A Cooperativa Exclusão Zero nasce da necessidade de uma capacitação para o catador em conjunto com a LIMPURB utilizando módulos versando cooperativismo, cidadania e meio ambiente. Estabeleceu parcerias e montaram sua estrutura que conta com galpão de triagem, equipamentos, carros de coleta e pontos de entrega voluntária espalhados em bairros da cidade. Vem desenvolvendo um trabalho educativo itinerante com um grupo de teatro, confecção de material informativo e didático além da realização de eventos como o Encontro Estadual de Catadores. Perfil social dos indivíduos envolvidos na coleta (Recicla Cajazeiras, CAMAPET e Ação Reciclar) Nos levantamentos realizados nas organizações, detectou-se que os indivíduos participantes das cooperativas COOPCICLA e Exclusão Zero foram retirados diretamente do lixão de Canabrava, enquanto que os participantes das outras organizações só passam a trabalhar com o “lixo” a partir da estruturação de uma proposta de trabalho associativo nos últimos dois anos. No que se refere a faixa etária não foi identificado em nenhuma das organizações a presença de trabalho infantil. A idade média varia em função de características específicas presentes em cada um dos grupos estudados. Observa-se que o CAMAPET e o Projeto Recicla Cajazeiras tem como majoritário o grupo com idade entre 15 e 25 anos, enquanto que o Projeto Ação Reciclar é o único que tem pessoas com faixa etária majoritária superior a 30 anos (Figura 1). ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Perfil dos Cooperados - CAMAPET, IDE e AÇÃO RECICLAR - Faixa Etária 100% 90% 80% 70% 60% % 57% 43% 44% 50% 40% 33% 33% 33% 22% 30% 17% 20% 8% 10% 8% 0% 0% 0% 0% 0% 0% FAIXA 15 a 20 FAIXA 21 a 30 CAMAPET FAIXA 31 a 40 IDE FAIXA 41 a 45 Sup. 46 AÇÃO RECICLAR Figura 1: Distribuição percentual de faixa etária dos cooperados. SSA/ BA 2004 No que se refere aos dependentes é bastante elevado o grupo que não possui filhos. No entanto 52% dos cooperados CAMAPET (em sua maioria jovens) tem um filho (Figura 2). Perfil dos Cooperados - CAMAPET, IDE e AÇÃO RECICLAR - Nº de Dependentes CAMAPET IDE AÇÃO RECICLAR 100% 90% 78% 80% 70% 58% 52% 60% % 50% 40% 30% 22% 22% 17% 20% 10% 17% 17% 8% 4% 0% 0% 4% 0% 0% 0% zero um dois três mais de 4 Figura 2: Distribuição percentual do numero de dependentes. SSA/BA 2004 Quanto ao grau de instrução, destaca-se que não há presença de analfabetos. Dos cooperados CAMAPET 57% tem concluído o ensino médio, este percentual decresce para 33% dos cooperados Ação Reciclar e 22% dos cooperados do Recicla Cajazeiras. A Figura 3 apresenta o demonstrativo do estudo referente ao grau de escolaridade dos cooperados da CAMAPET, IDE e Ação Reciclar. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental P e rfil d o s C o o p e ra d o s - C A M A P E T , ID E e A Ç Ã O R E C IC L A R - In s tru ç ã o CAM APET ID E A Ç Ã O R E C IC L A R 100% 90% 80% 70% 57% 60% % 4 3 %4 4 % 50% 33% 40% 33% 33% 25% 30% 22% 20% 8% 10% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% A n a lfa b e to A té 4 º De 5º a 8º E n s . M é d io . In c . M é d io .C o m p . sexo Figura 3: Distribuição percentual do grau de instrução dos cooperados. SSA/ BA 2004 Dados referentes a cor dos cooperados são da seguinte ordem: 100% dos cooperados CAMAPET declaram-se negros; no Projeto Recicla Cajazeiras 54% dizem-se negros, 38% pardos e 8% brancos; quanto aos participantes do Projeto Ação Reciclar não há presença de brancos sendo 50% negros e 50% pardos. Quando foi perguntado aos cooperados se tinham vontade de mudar de atividade no CAMAPET 96% respondeu negativamente; já no Recicla Cajazeiras 89% responderam que não, contra uma media de 11% que gostariam de mudar de atividade; enquanto que na Ação Reciclar as opiniões dividiu-se em 50%. Em levantamentos externos as cooperativas foram realizadas entrevistas, conversas informais e registro fotográfico com moradores das localidades de Cajazeiras, Rio Vermelho, Cidade Baixa e Vale dos Lagos no intuito de levantar observações sistemáticas dos moradores em sua relação às referidas cooperativas. Destas informações o que mais chamou atenção foi que em todas elas o percentual dos indivíduos que não conhecem as cooperativas é superior aos que conhecem, ou seja, na região da CAMAPET 87,5% dos pesquisados declaram não conhecer o projeto, contra 12,5%; no Recicla Cajazeiras o índice dos que não conhecem é de 81%; já na Ação Reciclar 66,7% declara não conhecer o projeto, contra 33,3% conhecem o projeto. No entanto, mesmo estes indivíduos declarando não conhecerem o projeto, colaboram doando seus resíduos. Na região do CAMAPET mais de 70% colaboram com a entidade; referente ao Recicla Cajazeiras 90% doam seus materiais; e 66,7% repassam seus materiais a Ação Reciclar. CONCLUSÕES Os resultados obtidos permitiram compreender os aspectos teóricos, técnicos e culturais da coleta seletiva em Salvador, gerando subsídios para seu fortalecimento e ampliação da cadeia produtiva dos materiais recicláveis. A unidade estrutural adotada (o bairro) representa um cenário propício para estimular a participação da comunidade seja de classe alta, média ou baixa nos referidos programas. As duas dimensões, formais e informais, longe de se contraporem, vêm obtendo resultados sociais consideráveis. Pode-se concluir que há necessidade do poder político municipal lançar projetos experimentais, de ajuda a esse setor da economia solidária visando sua sustentabilidade e durabilidade. Constata-se o cunho social da coleta seletiva informal em Salvador, os maiores índices de reciclagem no Brasil devem-se aos catadores de materiais recicláveis de rua principalmente. É a coleta seletiva informal, a qual ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental normalmente não está inserida em nenhum programa oficial municipal nem em políticas sociais municipais. Os programas de coleta seletiva porta-a-porta e de entrega voluntária ainda são insignificantes em relação à coleta seletiva informal praticada pelos catadores de rua. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Mensal de Emprego. São Paulo: IBGE, 2004. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/default.shtm; NUNESMAIA, M.F; LIMA, A. M. F; RODRIGUES, C. S; CARDOSO, C.S. – Estudo do Perfil de Cooperados de Produtos Recicláveis. Anais XI SILUBESA, Natal /RS, 2004; NUNESMAIA, M.F.; MELO FILHO, B.; BERNARDES, R.S. Produtos potencialmente recicláveis e seu valor nos resíduos sólidos domiciliares. Anais XXVIII AIDIS, Cancun, 2002; NUNESMAIA, Maria de Fátima. Lixo, Soluções Alternativas Projeções a partir da experiência UEFS. Feira de Santana 1997 Ed. UEFS. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6