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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA
BRASILEIRA
PATRICIA RAQUEL LOBATO DURANS
OS NOVOS ATENIENSES E O IMAGINÁRIO DE DECADÊNCIA:
as representações em Missas negras, de Inácio Xavier de Carvalho
São Luís
2009
1
PATRICIA RAQUEL LOBATO DURANS
OS NOVOS ATENIENSES E O IMAGINÁRIO DE DECADÊNCIA:
as representações em Missas negras, de Inácio Xavier de Carvalho
Monografia
apresentada
ao
Curso
de
Especialização em Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira da Universidade Federal do Maranhão
para obtenção do título de Especialista em Língua
Portuguesa e Literatura Brasileira.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Rita Santos
São Luís
2009
2
PATRICIA RAQUEL LOBATO DURANS
OS NOVOS ATENIENSES E O IMAGINÁRIO DE DECADÊNCIA:
as representações em Missas negras, de Inácio Xavier de Carvalho
Monografia
apresentada
ao
Curso
de
Especialização em Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira da Universidade Federal do Maranhão
para obtenção do título de Especialista em Língua
Portuguesa e Literatura Brasileira.
Aprovada em:
/
/
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Prof. Dra. Maria Rita Santos (Orientadora)
Universidade Federal do Maranhão
____________________________________________
(Examinador)
Universidade Federal do Maranhão
____________________________________________
(Examinador)
Universidade Federal do Maranhão
3
A minhas mães, uma que me deu a vida e as
outras que me deram amor, Maria, Ieda (in
memoriam), Carmelina e Cleide.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me dá força e resignação para continuar lutando.
A Vovó e Carmela, pelo incentivo, amor e confiança por toda a minha vida.
A meu amor Marlon, por estar comigo nas horas alegres e tristes, conturbadas e
tranqüilas.
A Clenilma, Marja, Luciana, Djalda, Eugênia, minhas poucas amigas sinceras da
UFMA, pela convivência entusiasmada e edificante.
A minha turma do Curso de Especialização, pelos debates sadios e ambiente
amigo e agradável.
Aos professores do Curso: Liduína, Veraluce, Ilza, Joaquim, Rita, por suas aulas
sempre enriquecedoras.
A Manoel Martins, meu mestre, meu amigo, meu incentivador, que me apresentou
à Literatura neo-ateniense.
À professora Rita, por me dar a honra de tê-la como minha professora e
orientadora durante o Curso e pela orientação firme, segura e de confiança mútua.
À Biblioteca Pública Benedito Leite e aos amigos que fiz lá: Fátima, Ivanildes,
Teresa, Luciana, Nascimento, Aline, Rosberg, que me ajudaram diretamente na pesquisa.
A Henrique Borralho, por ter me fornecido material para a feitura desse trabalho.
Às Bibliotecas da UFMA e da UEMA, por abrigarem os acervos que usei para a
consecução dessa pesquisa.
A todos que contribuíram direta ou indiretamente para a construção deste
trabalho.
5
“O artista é um isolado [...] não adaptado ao
meio, mas em completa, lógica, inevitável
revolta contra ele”.
Cruz e Souza
6
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o sentimento de decadência e o imaginário dele
decorrente, presentes na literatura produzida pelo grupo “Os novos atenienses”, no início do
século XX. Para tanto, procede-se a uma pesquisa bibliográfica no campo da história da
literatura maranhense, bem como do livro de poemas Missas negras (1902), de Inácio Xavier
de Carvalho, representativo desse período. Analisa-se o imaginário decadentista presente no
cenário em que a literatura neo-ateniense se situa. Discute-se o modelo explicativo para o
decadentismo literário baseado na suposta ocorrência de ciclos de prosperidade e decadência
na economia maranhense, utilizado pela historiografia tradicional, bem como as posições
historiográficas em torno do mito da Atenas Brasileira. Busca-se evidenciar a relevância da
produção literária neo-ateniense, a partir da análise de Missas negras, desvelando traços de
seu decadentismo, bem como a sua relação com o contexto socioeconômico da época, por
meio das representações presentes na obra.
Palavras-chave: Literatura maranhense. Ciclos literários maranhenses. Literatura neoateniense. Missas negras.
7
ABSTRACT
This paper aims at analyzing the feeling of decadence and the imaginary that results from it,
present in the literature produced by the “Os novos atenienses” group, in the beginning of the
20th century. To achieve this, a bibliographical research was conducted in the field of
maranhense literature history, including the book of poems Missas negras (1902), by Inácio
Xavier de Carvalho, representative of that period. It analyzes the decadentist imaginary
present in the scenery in which the neo-ateniense literature is situated. It also discusses the
explaining model for the maranhense literary decadentism based upon the supposed
occurrence of prosperity and decadence cycles in the maranhense economy, used by the
traditional historiography. It also analyzes the different historiographical positions about the
myth of the Atenas Brasileira. It seeks to evidence the relevance of the neo-ateniense literary
production, departing from the analysis of Missas negras, revealing traces of decadentism
present in that work, as well as its relations with the socio-economic context of the time,
through the representations present in the work.
Keywords: Maranhense literature. Maranhense literary cycles. Neo-ateniense literature.
Missas negras.
8
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9
2
A VIDA LITERÁRIA MARANHENSE: dos primeiros cantos aos frutos
selvagens .......................................................................................................................... 14
2.1 Grupo Maranhense ........................................................................................................ 16
2.2 Grupo dos Emigrados .................................................................................................... 20
2.3 Os novos atenienses ........................................................................................................ 23
3
O IMAGINÁRIO DE DECADÊNCIA: da Atenas a Babilônia de exílio ..................... 34
3.1 A prosperidade / decadência como modelo de explicação .......................................... 39
3.2 A construção da ateniensidade ...................................................................................... 42
3.3 Literatura decadente ou decadente literatura? ........................................................... 44
4
MISSAS NEGRAS E SUAS REPRESENTAÇÕES .................................................... 47
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 67
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 69
9
1 INTRODUÇÃO
O que é a literatura maranhense hoje, senão um mero vestígio frente ao que ela já
foi? Muitas pessoas – críticos, teóricos ou simples leitores – têm essa imagem da literatura
maranhense, esquecida e pouco valorizada, comparando-a sempre ao dito momento áureo das
letras desta terra, que correspondeu ao período entre 1832 e 1868. Essa época corresponde ao
momento em que a geração gonçalvina deu os primeiros gritos de autonomia da literatura
brasileira com o Romantismo, o que fez de São Luís uma das mais importantes cidades da
intelectualidade brasileira, centro convergente do saber literário, recebendo o epíteto de
Atenas Brasileira.
Da época de Gonçalves Dias para cá, o movimento intelectual do Maranhão
passou por diversos ciclos literários, com características peculiares, influenciados pelo
contexto histórico e pelos cânones de novas escolas literárias, as quais, segundo a crítica
literária e a historiografia, não teriam se igualado a importância do ciclo proporcionado por
essa primeira geração.
Revisitando estudos sobre a literatura maranhense, observam-se muitas polêmicas
e debates que estão cada vez mais em evidência na atualidade. Dentre tantos, um deles é a
construção histórica e literária de que São Luis foi a Atenas Brasileira, ou seja, que a cidade
teve um período áureo de efervescência cultural e intelectual comparável à Grécia Antiga.
Essa tradição mitológica se estabeleceu no imaginário de todos os grupos literários
subseqüentes à primeira geração, determinando-os e influenciando seus objetivos.
Um desses grupos foi o constituído pelos Novos Atenienses, que surgiu num
período de transição do fim do século XIX para o início do XX, tendo como pano de fundo o
fim da escravidão e a ascensão da República e como principal motivação o restabelecimento
dos ditos tempos áureos da literatura maranhense.
Talvez esse tenha sido o ciclo mais esquecido e excluído do cenário literário
maranhense, porque é a partir dele que se tem uma nova tentativa de restabelecimento da
Atenas, depois de um longo período de “decadência cultural”, e é com ele que acontece a
frustração dessa tentativa, uma vez que o sentimento de impotência se tornou maior do que a
motivação.
Estudos diversos tentam tanto reafirmar a importância dessa primeira geração
quanto desconstruir todo esse deslumbramento que a envolve. Diante disso, muitas questões
se fazem presentes nesse campo epistemológico, como as seguintes: o que leva uma obra ser
mais reconhecida (como é o caso da de Gonçalves Dias) do que outras, desconsiderando-se o
10
valor literário dessas últimas? Ter auferido certa autonomia literária maranhense e brasileira
frente à européia, valor literário ou força econômica e política podem ter sido os verdadeiros
motivos que levaram à consagração do Grupo Maranhense na historiografia brasileira? O mito
da Atenas Brasileira é uma construção historiográfica de um grupo economicamente forte
para legitimar o seu poder no Maranhão? Até que ponto nomes como Gonçalves Dias,
Odorico Mendes, Sotero dos Reis e João Lisboa foram usados no sentido de construir esse
epíteto? Se existiu de fato a “Atenas”, qual grupo ou camada social ela representava? O que
faz dos Novos Atenienses o menos lembrado e, por vezes, o mais excluído grupo literário
maranhense diz respeito à frustrada tentativa de resgatar o foro de Atenas Brasileira em São
Luís? A literatura neo-ateniense era uma literatura “decadente”, quanto ao seu valor literário
ou decadentista, quanto a sua estética? Todos esses questionamentos norteiam este trabalho e
muitos deles foram sinalizados na tentativa de uma possível resposta, uma vez que pesquisas
em torno dessa problemática ainda têm muito a caminhar.
Dessa forma, o presente trabalho tenta conciliar a análise literária com a análise
historiográfica, não se detendo num mero levantamento de autores e obras, mas objetivando
responder às problemáticas citadas.
Com isso, toma-se a literatura neo-ateniense como relevante objeto de estudo,
buscando evidenciar sua produção literária, seus efeitos, seu contexto e motivação históricos
e, principalmente, analisar como a sociedade da época é representada pela obra literária,
envolvida numa atmosfera de decadência e pessimismo. Este trabalho, portanto, se configura
como um estudo inserido nas áreas de Literatura e História.
Não há como negar que depois da Escola dos Annales1 e as idéias propostas pelos
teóricos filiados a essa corrente aos postulados da disciplina histórica, principalmente a noção
de interdisciplinaridade, que História e Literatura se aproximam e entrecruzam em vários
aspectos.
1
A Escola dos Annales é uma corrente teórica no campo da história, assim como o positivismo, o marxismo e o
estruturalismo. Surge no início do século XX, na França, tendo como precursores Lucien Fèbvre e Marc Bloch,
que propagavam seus postulados acerca da disciplina histórica por meio da revista Annales. Seus postulados
rompem com a historiografia tradicional, ao proporem uma história de longa duração. Recusam o discurso
meramente político e concebem a história não como narrativa, mas como problema, por isso estabelecendo
uma ponte entre presente e passado. A possibilidade da história de dialogar com outras disciplinas, no intuito
de estabelecer uma história total, representou um grande avanço para essa área do conhecimento, alargando
seus métodos, fontes, estudos, objetos, abordagens. Dessa forma, surge a nova história, termo cunhado
inicialmente pelo medievalista Jacques Le Goff, teórico da École des Annales, por meio da coleção de ensaios
escritos para a revista, intitulada La nouvelle histoire. Para maior aprofundamento nesse tema. Cf. BURKE.
Peter. A escrita da história (novas perspectivas). São Paulo: Editora da Unesp, 1992; BURKE. Peter. A
revolução francesa da historiografia: a escola dos Annales (1929 - 1989). 3. ed. São Paulo: Editora da
Unesp, 1997; DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Editora da
Unicamp, 1992.
11
Sabe-se que ambos os campos produzem discursos conotativos e que cotidiano e
vida real constituem os motes tanto do fazer literário quanto do fazer histórico. No entanto, a
principal característica que os distingue é que, mais do que qualquer outro, o discurso literário
resulta de uma consciência estética, ou seja, é baseado no real, mas não tem compromisso
com este, objetivando sempre estabelecer o “efeito do belo”: “A literatura [...] é a Terra
Prometida em que a linguagem se torna aquilo que deveria ser” (CALVINO, 1990, p. 84).
Enquanto isso, a história, almejando o status de ciência, objetiva que o seu construto verbal
corresponda à verdade, ou melhor, seja pautado em provas e fatos e passível de verificação:
“O discurso literário, ao abarcar o discurso histórico, torna-o matéria-prima para a construção
do seu universo interno. A literatura não é o discurso do ‘aconteceu’, é o discurso do jogo de
possibilidades; ela não busca o que seria o ‘efeito do real’, ela é o ‘outro real”’ (BACCEGA,
2000, p. 86).
Nessa perspectiva, vê-se a leitura do historiador como uma interpretação entre
várias outras possíveis. Segundo Leenhardt e Pesavento (1998, p. 21), “A ficção não seria,
pois, o avesso do real, mas uma outra forma de captá-lo, em que os limites de criação e
fantasia são mais amplos que aqueles permitidos ao historiador”. A autora acredita que seria
um avanço para esse debate pensar a história como literatura e a literatura como história por
meio da noção de representação. Tal idéia de representação foi desenvolvida por Chartier
(1990, p. 20) como “instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objecto
ausente através da sua substituição por uma ‘imagem’ capaz de o reconstruir em memória e de
o figurar tal como ele é”.
Indo além, White (1997, p. 21-22) vê a história como um gênero da narrativa,
embora diferente da ficção, pois os acontecimentos relatados estão fora da consciência do
escritor, ou seja, o historiador se debruça sobre um “caos de acontecimentos já constituídos”,
porém, a partir deles, recorta e escolhe os elementos que vai contar: “o historiador ‘põe em
enredo’ sua estória”. Por isso, usa conceitos e taxionomias literárias para classificar o discurso
histórico. Discurso, para White (1994, p. 15), é o lugar onde se faz presente o “tropos”,
entendido como “desvio”, “metáfora”, “style”, ou seja, todo discurso, seja ele literário ou
histórico, por ser mimético, deixa “alguma coisa fora da descrição do seu objeto ou lhe
acrescenta algo que não é essencialmente aquilo que algum leitor, com maior ou menor
autoridade, considerará uma descrição adequada”: “Mesmo na prosa discursiva mais pura,
textos que pretendem representar ‘as coisas como elas são’, sem floreios retóricos nem
imagens poéticas, sempre há uma falha de intenção”.
12
Cardoso e Vainfas (1997, p. 378) concordam com esse pensamento, quando
admitem que todo texto é sempre portador de um discurso, portanto elaborado num contexto
político e social, o que chamam de “determinações extratextuais”, as quais “permitem a
produção, a circulação e o consumo dos discursos”. E mais, valendo-se das idéias do
semiólogo Eliseo Veron, os autores acima citados afirmam: “‘as condições de produção’ de
um discurso têm a ver com o ‘ideológico’, com os valores da sociedade que o produz, ao
passo que as ‘condições de seu reconhecimento’ dependem do poder, isto é, das instâncias
capazes de legitimar ou não a sua aceitação na sociedade”.
Baseado em tais conceitos, principalmente no de representação, é que se analisa a
literatura de uma dada sociedade a fim de entender alguns de seus aspectos, visto que a
literatura é uma prática social, influenciando e sendo influenciada pelo meio social. Para isso,
analisa-se Missas negras (1902), de Inácio Xavier de Carvalho, levando em consideração o
decadentismo presente no âmbito estético-literário da obra, assim como aspectos da sociedade
que se desenvolveu no período de 1894 a 1932, por meio das representações que a mesma
obra literária constrói.
A literatura produzida no período de 1894 a 1932 é muito vasta, contando com
obras que perpassam várias escolas literárias, e que, por vezes, apresentam características
comuns a todas elas. Dela participam autores consagrados pela crítica atual e da época, como
Nascimento Moraes, Antônio Lobo, Viriato Corrêa, Humberto de Campos e Maranhão
Sobrinho, assim como outros nem tão lembrados, como I. Xavier de Carvalho, Leonete
Oliveira e Domingos Barbosa. Em meio a tantas produções, o critério de escolha da obra a ser
analisada foi o fato de encerrar uma crítica à sociedade da época e de apresentar um tom
altamente pessimista na descrição dos vícios e inquietudes da humanidade, com o intuito de
refletir sobre a condição humana. É a principal obra do autor e está estruturada em poemas.
Além de teóricos das áreas da literatura e da análise do discurso, a pesquisa
bibliográfica abrangeu autores que tratam mais especificamente da realidade histórica e
literária maranhense, como Mário Meireles, Jomar Moraes, Rossini Corrêa, Antônio Lobo,
Reis Carvalho, Manoel Martins, Henrique Borralho, entre outros. Esses autores constroem
trabalhos sobre o Maranhão em diferentes esferas, inclusive sobre a temática proposta neste
trabalho. Recorreu-se, também, a periódicos de época, como O Condor, A Palavra, A
Mocidade, Os Novos, Philomathia e outros, no intuito de enriquecer a discussão,
confrontando diferentes tipos de fontes, em face das limitações existentes em cada uma delas,
uma vez que se pretende elaborar um trabalho com perspectivas mais alargadas.
13
É importante ressaltar que as citações das referidas fontes presentes neste trabalho
tiveram a grafia atualizada para o português corrente, objetivando facilitar a leitura, buscandose evitar o estranhamento que poderia causar ao leitor a ortografia do início do século
passado, no que diz respeito tanto à pontuação quanto à acentuação e ao vocabulário.
Para efeito didático, o trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro,
intitulado A vida literária maranhense: dos primeiros cantos aos frutos selvagens, faz-se um
histórico da literatura maranhense, apontando seus três principais ciclos constituídos no
século XIX, assim como os principais autores e obras de cada período, ressaltando a terceira
geração ou grupo neo-ateniense. No segundo capítulo, cujo título é O imaginário de
decadência: da Atenas à Babilônia de exílio, esboça-se o percurso histórico de aspectos
sócio-econômico-culturais do Maranhão, discutindo questões fulcrais deste trabalho, no que
concerne ao imaginário de decadência estabelecido na segunda metade do século XIX,
influenciador das obras e vivências da literatura neo-ateniense. Ainda nesse capítulo,
promove-se um debate historiográfico sobre o mito da Atenas Brasileira e suas conseqüências
para a vida intelectual maranhense. No terceiro e último capítulo, Missas Negras e suas
representações, parte-se para a análise de uma das obras desse período, que é Missas negras,
de Inácio Xavier de Carvalho, analisando as representações que faz da sociedade que lhe é
contemporânea, sua propensão para o decadentismo, a presença do pessimismo e de
representações da morte, bem como sua crítica universal à sociedade.
14
2 A VIDA LITERÁRIA MARANHENSE: dos primeiros cantos aos frutos selvagens
Pode-se afirmar que a literatura maranhense apresenta três grandes ciclos,
nascendo de fato com a geração romântica, uma vez que antes dela somente existiam relatos
sobre o Maranhão e não uma literatura do Maranhão propriamente dita. Didaticamente,
muitos autores que se debruçam sobre a crítica, análise e história da literatura maranhense
dividem-na em ciclos e gerações que encerram especificidades consoantes ao tempo em que
foram produzidos.
No século XVII, inicia-se uma literatura descritiva acerca do Maranhão produzida
pelos colonizadores, a fim de identificar, caracterizar, relatar e descrever a terra conquistada.
Essa produção inicial é denominada ‘literatura de viajantes’, ‘relatos de viajantes’, entre
outras denominações.
Esses textos tinham como função descrever os aspectos naturais, econômicos e
sociais das terras descobertas, com o fim de servir como fonte de informação e de propaganda
da terra conquistada. Com o tempo e sua ampla divulgação na imprensa européia, tais
produções vão se tornando cada vez mais bem elaboradas.
É notório que esses relatos apresentavam um caráter muito mais histórico e
antropológico do que propriamente literário, já que eram escritos por cronistas em geral,
representando o olhar do europeu com suas próprias imagens e idiossincrasias acerca de um
mundo novo a ser desvendado. Disso decorre a necessidade desses autores de encontrar e
descrever elementos espetaculares, como os bestiários e tantos seres fantásticos existentes em
todo o novo mundo.
Além do caráter de relato, pelo menos a princípio, essa literatura se caracterizava
pela exaltação da nova terra colonizada, suas belezas naturais, sua biodiversidade, fertilidade
do solo, clima ameno e agradável, pureza do indígena, seus hábitos e costumes, instaurando
uma imagem paradisíaca das terras. Os cronistas narravam também as diferentes viagens que
faziam ao novo mundo e, já na época colonial, descreviam a vida social da colônia. No século
XIX, esse mesmo tipo de relato se fez presente com nomes como Spix e Martius, que
escreveram Viagem pelo Brasil (1823); Bernardo Pereira de Berredo, com Anais históricos do
Estado do Maranhão (1849); Henry Koster, Daniel Kidder, Augusto Biard e Louis Agassiz,
entre outros.
Voltando ao século XVII, os maiores destaques foram os padres capuchinhos
franceses Claude d’Abbeville, com História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do
Maranhão e terras circunvizinhas (1614), e Yves d’Evreux, com Viagem ao norte do Brasil
15
(1615). Da mesma forma, cronistas portugueses também deixaram trabalhos importantes,
como: Diogo de Campos, autor de Jornada do Maranhão por ordem de S. Majestade feita em
1614; Manoel de Sá, com Breve relação da conquista do Maranhão (1615); Simão Estácio da
Silveira, autor de Relação sumária das cousas do Maranhão (1624); João Felipe Bettendorf,
com Crônica da Missão dos padres da Companhia de Jesus do Estado do Maranhão (1699);
Teixeira de Morais, como Relação histórica e política do tumulto que sucedeu na cidade de
São Luís do Maranhão (1692), entre outros.
Porém, dentre todos esses, quem mais se destacou na literatura colonial foi o
padre Antônio Vieira, escritor de grandes sermões que tinham como temática o Maranhão.
Vieira era político, diplomata e um orador eloqüente. Português, entrou para a Companhia de
Jesus em 1641 e esteve por várias vezes no Maranhão, onde se estabeleceu com a ordem
religiosa no período de 1655, permanecendo até a primeira expulsão dos jesuítas, em 1662.
Nesse período, desempenhou muitas atividades no Maranhão, “seja da evangelização, na
defesa dos índios, da moralização da província, da sua política e economia” (BRANDÃO,
1979, p. 25).
Vieira, de fato, por meio de seus sermões, criticava a sociedade maranhense em
seus inúmeros aspectos e expunha suas críticas, segundo Moraes (1977), na linguagem geral2
do Maranhão, tornando-se acessível ao público. Brandão (1979) corrobora essa assertiva. Para
esse autor, a forma como Vieira pregava nos púlpitos de São Luís diferia completamente do
jeito como ele o fazia na Europa: lá, o pregador se preocupava em impressionar os ouvintes
com seus jogos barrocos cultistas e conceptistas, enquanto aqui ele sabia se fazer entender
com mais clareza e simplicidade por aqueles que o ouviam. Por isso, Brandão (1979) afirma
que as circunstâncias maranhenses influíram na produção de sua obra, admitindo que o
Maranhão se torna o berço de uma parte da obra de Vieira, como se pode notar por meio deste
pequeno trecho do Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, citado por Borralho (2000, p.
35):
[...] que se as letras do abecedário se houvessem de repartir pelas várias províncias
de Portugal não haveria que o M pertenceria de Direito à nossa província? Porque M
Maranhão, M Murmurar, M motejar, M maldizer, M mexericar, é sobretudo M
mentir com os pensamentos. Que no Maranhão até o sol era mentiroso, porque
amanhecendo muito claro, e prometendo um formoso dia, de repente e dentro em
uma hora se toldava de nuvens, e começava a chover como mais no entranhando
inverno, e daí que não era para admirar que mentissem os habitantes como o céu,
que sobre eles influía.
2
Linguagem geral ou língua geral é uma variante lingüística resultante do contato e/ou comunicação entre
grupos ou membros de grupos linguisticamente distintos. No Brasil Colônia, foi amplamente utilizada uma
língua geral na comunicação entre índios, portugueses e seus descendestes, bem como negros escravos. A base
lingüística desse dialeto eram os idiomas indígenas (KOOGAN; HOUAIS, 1998; FERREIRA, 2001).
16
De fato, as letras na época colonial não se desenvolveram, exceto pelo trabalho de
Vieira. Sobre a poesia no período colonial, Moraes (1977, p. 46) coloca que
[...] em raríssimas ocasiões a poesia produzida alcançou níveis superiores aos de
mera subliteratura rimada e metrificada. Posta comumente a serviço de objetivos
extraliterários, era, na verdade, simples instrumento de louvor, sarcasmo ou
virulência verbal. E instrumento de que qualquer “letrado” podia francamente lançar
mão, sem com isso julgar-se poeta ou sentir-se constrangido.
Somente após a independência do Brasil, à qual o Maranhão só aderiu um ano
depois, iniciou-se um processo de efervescência cultural que culminou com a autonomia
literária maranhense, no início dos anos trinta do século XIX. A partir dessa autonomia é que
o Maranhão passou a apresentar uma produção literária baseada em suas próprias aspirações,
feita por autores locais, em busca de sua identidade, como aconteceu em todo o Brasil, a partir
do advento da estética romântica. Assim sendo, só a partir do século XIX se pode falar de
uma literatura maranhense propriamente dita.
Com base nisso, é consenso, na historiografia maranhense, dividir-se a vida
literária maranhense em ciclos ou gerações, que diferem um pouco dos períodos literários
propostos para a Literatura Brasileira em geral, indicando especificidades quanto à sua
composição e ao seu surgimento. Muitos autores que se lançam no delineamento das bases
para a história da literatura maranhense, como Reis Carvalho, Antônio Lobo, Mário Meireles
e Jomar Moraes, entre outros, adotam um mesmo tipo de divisão, demarcando, entre o século
XIX e o início do século XX, a existência de três ciclos literários: o primeiro corresponde ao
período de 1832 até 1868; o segundo, de 1868 até 1894; e o terceiro de 1894 até 1932.
2.1 Grupo Maranhense
Com a publicação de Hino à tarde, de Odorico Mendes, em 1832, tem-se o início
do primeiro ciclo, denominado “Grupo Maranhense”, que é considerado o mais importante da
literatura maranhense, uma vez que foi o responsável pela atribuição do título de Atenas
Brasileira. Alguns autores, como Meireles (2001), afirmam que o crescimento agrícola
verificado em meados do século XVIII, já constituía uma atmosfera propícia para a explosão
cultural do Maranhão no século XIX. É que o desenvolvimento econômico ocorrido então
possibilitou aos grandes fazendeiros enviarem seus filhos para estudar na Europa (sobretudo
em Lisboa e Coimbra, Portugal). De volta, esses homens passavam a integrar a elite não
somente econômica, mas intelectual do Maranhão.
Em 1821, foi fundada, em São Luís, a primeira tipografia, que imprimiu o
primeiro jornal do Maranhão, O Conciliador do Maranhão, seguido de vários outros
17
periódicos que vieram a circular na cidade. Odorico Mendes, por exemplo, recém-egresso da
Universidade de Coimbra, fundou O Argos da Lei, em 1825. Nesse mesmo ano, sob a direção
de Garcia de Abranches, começou a circular O Censor, que se confrontava com o primeiro.
Além desses, outros jornais foram criados: A Malagueta Maranhense (1821); Folha
Medicinal (1822); Palmatória Semanal (1822); Amigo do Homem (1824); O Maranhense
(1825), entre outros. Enfim, iniciou-se na cidade um debate jornalístico de caráter político.
Em geral, a imprensa era motivada por fatos políticos internos e externos ao Maranhão.
Com a independência política do Brasil, efetivada em 1822, um sentimento de
afirmação nacionalista começou a se fazer sentir no país, atingindo vários aspectos da vida
brasileira. Nas letras, toma corpo a escola romântica, com a publicação de Suspiros poéticos e
saudades, de Gonçalves de Magalhães, em 1836. No entanto, a consolidação dessa estética só
veio a ocorrer em 1847, com a publicação de Primeiros cantos, de Gonçalves Dias. Nesse
contexto, a literatura maranhense passou a respirar novos ares, voltando-se não mais para a
descrição das coisas do Maranhão, feita principalmente por europeus, mas para a criação de
uma literatura efetivamente maranhense. Essa produção literária, aliada à produção
jornalística, ao debate cultural e a uma série de instituições culturais e educacionais criadas
nesse período (Biblioteca Pública, Liceu Maranhense, Seminário Episcopal de Santo Antônio,
Associação Filomática, Associação Literária, Ateneu Maranhense, Instituto Literário
Maranhense, Instituto de Humanidades e o estabelecimento de ensino particular Pedro Nunes
Leal, o primeiro a manter uma cadeira de Literatura), conduziu à atribuição do título de
Atenas Brasileira à cidade de São Luís, numa comparação à Grécia do tempo áureo de
Péricles.
A efervescência cultural desse período foi sintetizada por Corrêa (1993, p. 29) nos
seguintes termos:
A mitologia da Atenas brasileira correlacionou o principium sapientiae grego ao
papel desempenhado pelo Grupo Maranhense no desafio de responder às exigências
constitutivas de uma cultura brasileira. Representou, na verdade, um auto-retrato
dourado da sociedade senhorial gonçalvina, feito por meio da dimensão literária da
intelectualidade, trazendo para os trópicos, em nível arquetípico, em espaço
figurativo, enfim, em âmbito retórico, o ideal de formação do homem grego.
Nesse grupo, heterogêneo em relação às temáticas assim como em relação às
posições políticas, conviviam tanto neoclássicos, como é o caso de Odorico Mendes, quanto
românticos, como Gonçalves Dias. O maior veículo jornalístico foi, segundo Carvalho (1912),
o Semanário Maranhense. Contraditoriamente, esse periódico alcançou apenas um ano de
circulação, de setembro de 1867 a setembro de 1868. Foi fundado por Joaquim Serra e contou
com a colaboração de “espíritos superiores”, segundo Lobo (1970, p. 13), como Gentil Braga,
18
Celso Magalhães, Sotero dos Reis, César Marques e Sousândrade. Carvalho (1912) considera
o fim desse periódico como o marco final do primeiro ciclo literário maranhense, no que é
seguido por Lobo (1970, p. 13), que assevera que o Semanário Maranhense
[...] foi o canto de cisne da brilhante geração literária que, em meados do século
findo, com maestria e fulgor, quase todos os variadíssimos departamentos da
produção mental. Nesse periódico, colaboraram todos os espíritos superiores da
época, não só os que já vinham do passado, tomando parte ativa nos movimentos
anteriores, como também os que posteriormente haviam surgido para as letras, e que
ainda se achavam, portanto, na fase incipiente dos ensaios e das tentativas, por onde
naturalmente se estréiam todos aqueles que o mundo da publicidade literária, desde
os primeiros anos, sugestionadoramente atrai. [...] Desaparecido o Semanário, toda a
brilhante colméia debandou, disseminando-se os seus operários por diversos rumos,
ao sabor das inevitáveis exigências da vida, que sobre cada um deles se faziam de
modo diferente sentir.
Dentre tantos grandes nomes dessa fase, podem-se citar aqueles cujas obras
tiveram grande repercussão. O primeiro dentre eles, por ser considerado o introdutor do ciclo,
foi Odorico Mendes (1799-1864), considerado o primeiro grande dinamizador da imprensa
maranhense. Formado em Filosofia pela Universidade de Coimbra, tinha como principal meio
de expressão o jornalismo, no qual, quando regressou a São Luís, pôde travar as suas lutas
políticas. Dentre os jornais que fundou, listam-se O Argos da Lei (1825) e O Despertador
Constitucional (1828). Realizou também a tradução de obras de Homero e Voltaire.
Entre os representantes do grupo, Odorico Mendes foi o escritor que conservou
muitos elementos do classicismo, não comungando totalmente com os cânones românticos.
Sobre ele, Joaquim Manoel de Macedo afirma: “Alguns sonetos e odes completam a pequena
coleção de poesias originais de Odorico: reunidas todas, não excedem talvez a dez ou doze;
não há, porém, uma só dentre elas que não tenha o cunho de uma obra de mestre” (MORAES,
1977, p. 94). Como muito dos intelectuais maranhenses, teve grande participação no cenário
político da época, tomando parte da abdicação de D. Pedro I e sendo um dos principais líderes
da Regência Trina Provisória.
Outro grande expoente dessa fase, que também concentrou sua obra na produção
jornalística, foi João Francisco Lisboa (1812-1863). Ele fundou, em São Luís, os jornais Eco
do Norte (1834) e Crônica maranhense (1836) e foi redator dos jornais Farol Maranhense
(1827), O Brasileiro (1830), Publicador Maranhense (1842) e A Revista (1842), além, é
claro, do notabilíssimo Jornal de Tímon (1852), do qual foi o único autor. É considerado um
dos fundadores da crítica nacional, sustentando grande debate com Varnhagen e José de
Alencar. Humanista, liberal e nacionalista, foi um dos teóricos da Balaiada. Participou de
movimentos antilusitanos, criticou a escravidão indígena, foi grande moralista e combateu a
19
corrupção política. Apesar de ser costumeiramente designado como grande intelectual
pertencente à dita Atenas Brasileira, dirigiu várias críticas a essa construção mitológica.
Sotero dos Reis (1800-1871) foi outro nome que despontou na literatura
maranhense por seus estudos nas áreas de gramática e filologia da Língua Portuguesa.
Autodidata, ganhou notoriedade por seus estudos dedicados às letras, nos quais se revelou um
conservador convicto, um purista da língua. Foi o primeiro diretor do Liceu Maranhense, em
1838, e também fundou vários jornais, como O Maranhense, O Constitucional (1851) e A
Revista (1842), tendo colaborado ainda com O Investigador Maranhense (1836), Correio
d’Anúncios (1851), O Observador (1847) e Publicador Maranhense (1842). Sua principal
obra foi o Curso de literatura portuguesa e brasileira (1866).
Porém, o principal autor desse período, e em geral o mais destacado do Brasil,
segundo a crítica brasileira, foi Gonçalves Dias (1823-1864), grande precursor da literatura
romântica e primeiro poeta de uma literatura genuinamente brasileira, elevando o Maranhão
ao grande berço da literatura nacional. Graduado em Direito pela Faculdade de Coimbra,
desempenhou funções públicas ligadas à mais elevada fração do império brasileiro, compondo
o oficialato do Ministério do Exterior e a delegação brasileira à Exposição Internacional de
Paris. Foi o encarregado oficial do levantamento da documentação histórica e da educação do
norte do Brasil e pertenceu também ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),
sendo patrono da Academia Brasileira de Letras e da Academia Maranhense de Letras. Dentre
suas obras, destacam-se: Primeiros cantos (1846); Segundos cantos e sextilhas de Frei Antão
(1848); Últimos cantos (1851); Os timbiras (1857); Dicionário da língua tupi (1858).
Compondo o quadro dos principais autores da primeira geração literária
maranhense, relaciona-se Sousândrade (1832-1902), cuja obra só foi reconhecida a posteriori,
mesmo tendo ele participado da segunda geração romântica. Isso se deve à originalidade de
seu estilo, no que concerne à linguagem e à publicação. Formou-se em Letras e Engenharia de
Minas pela Universidade da Sorbonne, Paris, França, e, após a proclamação da República,
tornou-se o primeiro intendente de São Luís. Foi o idealizador da bandeira do Maranhão, bem
semelhante à americana, o que revela uma provável influência dos vários anos em que o poeta
residiu naquele país. Entre suas principais obras estão: Harpas selvagens (1857); Obras
poéticas (1874); Guesa errante (1876); Novo éden (1888-89).
Merece destaque no quadro dessa primeira geração por ter sua escrita
contemporânea a esses nomes consagrados, Maria Firmina dos Reis (1825 - 1917). É
considerada a primeira romancista brasileira – seu livro Úrsula é de 1859. Este último é
considerado o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira e o primeiro romance da
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literatura afro-brasileira, entendido como produção de autoria afro-descendente, construindo
uma narrativa da escravidão pelo ponto de vista interno. Ao escrever Úrsula, Maria Firmina
assinou com o pseudônimo “Uma Maranhense”, estratégia usada para expressar mais
livremente as suas idéias, uma vez que a autora sofria de duplo preconceito: por ser preta e
por ser mulher.
Suas obras ficaram durante muito tempo esquecidas, sendo recentemente relidas e
reinterpretadas, tornando-se mais conhecidas do público em geral. Apesar de Moraes (1977)
afirmar que Maria Firmina trata-se de uma “poetisa medíocre e ficcionista desimportante”,
não tendo “mesmo nos limites da literatura maranhense, a significação que recentemente
pretendem atribuir-lhe”, pensa-se que para Maria Firmina ainda não foi dada a devida atenção
sobre o que ela representa na literatura, visto as condições de produção de sua obra e a
simbologia que a rodeia. Mesmo com todos esses percalços e dificuldades em sua vida – a
falta de oportunidade para estudar, o preconceito racial, entre outros fatores - ela conseguiu,
por meio da sua arte, da sua militância política e da sua força, defender sua posição frente à
escravidão, ao preconceito, à desigualdade social. Isso já faz dela uma personagem histórica
das nossas letras.
Participam ainda dessa fase: César Marques; Henriques Leal; Trajano Galvão;
Gentil Braga; Gomes de Sousa, entre outros.
2.2 Grupo dos Emigrados
Segundo Martins (2006, p. 96), essa segunda geração da literatura maranhense é
composta por “herdeiros diretos dos prógonos atenienses”, pois, mesmo não produzindo
literatura na sua terra de origem, beneficiaram-se de toda uma atmosfera propícia à
divulgação de suas obras alcançada pelos atenienses, principalmente no Rio de Janeiro.
Assim, constitui-se uma literatura de maranhenses, da qual a gente que por aqui morava só
teve notícias.
A emigração de escritores maranhenses se deu por diferentes motivos. Alguns
escritores mais atuais, que se contrapõem à idéia da Atenas Brasileira, acreditam que o
Maranhão nunca foi um lugar no qual se investisse verdadeiramente em cultura, não
oferecendo aos literatos estrutura para produzir e divulgar suas obras. Tanto assim que mesmo
muito dos escritores da primeira fase acabaram por migrar para fora do Maranhão. Outros,
como é o caso de Mário Meireles, de acordo com Martins (2006, p. 99), acreditavam que
rumar para o Rio de Janeiro era um percurso natural, já que se tratava da capital do país,
21
centro cultural e intelectual. Assim, competia aos emigrados “confirmar lá fora, pessoalmente,
a fama de Atenas Brasileira, levando-a quiçá mais longe”.
Outros ainda, como Moraes (1977) e Lobo (1970), afirmam que, a partir do fim
do Semanário maranhense, a vida intelectual maranhense se empobreceu, levando os
intelectuais a procurarem exercitar suas formas de expressão em outros centros. Moraes
(1977) ainda coloca que muitos desses autores migraram porque o seu modo de fazer
literatura já incomodava a sociedade maranhense, ainda arraigada em costumes e hábitos
antigos, não aceitando as estéticas realista e naturalista. Além disso, há ainda os escritores que
desde criança já haviam ido para o sudeste com os seus pais, como é o caso de Coelho Neto e
Raimundo Correia.
Esse período coincide com o surgimento da escola realista / naturalista, que
influenciou muito as obras desses escritores. Estes, ao adotarem o cientificismo como um
postulado da literatura, aliado às idéias de contra-espiritualismo, laicização, anticlericalismo e
livre-pensamento, provocaram um estranhamento na população local, principalmente na
Igreja. Essa ocorrência se configura materialmente a partir do embate entre dois jornais: O
pensador (1880) e Civilização (1880). O primeiro pertencia a intelectuais laicos, servindo
para difundir suas idéias e tendo como redatores Aluísio de Azevedo, Manuel de Bethencourt
e outros; e o segundo era órgão de defesa dos interesses católicos, comandado pelo Seminário
de Santo Antônio.
Outro fato que comprova bem essa má interpretação, da parte da população
ludovicense, das produções desse grupo foi a publicação, em 1881, do romance de Aluísio
Azevedo, O mulato, obra que introduziu o Naturalismo no Brasil. Em virtude das críticas
diretas que fazia aos preconceitos da sociedade maranhense, ocasionou a migração do seu
autor para o Rio de Janeiro, o que seu irmão Artur Azevedo já havia feito, pelas críticas
semelhantes que fez no seu livro Carapuças (1871) e no seu jornal O Domingo (1872).
Além desses que foram para o Rio de Janeiro e São Paulo, Martins (2006, p. 101)
destaca que muitos migraram para cidades da Amazônia, “tanto para fugir das agruras
regionais, quanto para exercer seus dotes profissionais ou mesmo para extrair a seiva
econômica necessária ao sustento de suas ‘peregrinas quimeras’ e de seu ambiente familiar”.
É o caso, por exemplo, de João Afonso do Nascimento, Euclides Faria, Eduardo Ribeiro,
Pacífico Bessa e Marcelino Barata. Outros, porém, permaneceram no Maranhão, exercendo
atividades profissionais diversas, agregando o seu fazer artístico atualizado com as tendências
da época, fosse por “motivações atávicas ou por falta de oportunidades”, como foi o caso de
Celso Magalhães, Ribeiro do Amaral, Manuel de Bethencourt, Barbosa de Godóis, Justo
22
Jansen e Almir Nina. Em síntese, de modo geral, os que mantiveram o nome nos anais da
literatura brasileira não foram nem aqueles que migraram para a Amazônia nem os que se
mantiveram no Maranhão.
Dentre os mais destacados dessa fase, estão os irmãos Artur e Aluísio Azevedo.
Artur Azevedo (1855-1909) destacou-se na poesia, na prosa e, principalmente, no teatro,
sendo considerado um dos maiores teatrólogos brasileiros de todos os tempos, tanto que suas
obras até hoje são reinterpretadas. De acordo com Carvalho (1912), Artur Azevedo não foi
apenas um comediógrafo maranhense, mas um comediógrafo brasileiro nascido no Maranhão,
pois suas obras descrevem com precisão o cotidiano do brasileiro, principalmente do carioca,
com os tipos característicos de sua época. De forma satírica, fazia críticas aos costumes
brasileiros, principalmente no âmbito da política. Sobre sua escrita, o autor faz o seguinte
comentário:
Ninguém como ele sabe melhor a técnica especial e complexa de escrever um
diálogo, dispor uma cena, arranjar uma situação ao mesmo tempo natural e cômica.
As minúcias mais íntimas da composição dramática lhe são familiares. Tudo faz sem
esforço, natural e espontaneamente, sem rebuscamentos de linguagem ou artifícios
amaneirados para armar efeito. Escritas em boa prosa ou belos versos, as peças de
Artur revelam um talento de escritor, manifestado ainda em numerosos contos e
poesias soltas (CARVALHO, 1912, p. 9748).
Arthur Azevedo também foi tradutor de Molière (A escola dos maridos e
Spanarello) e de Beaumarchais (O casamento de Figaro). De sua vasta produção, pode-se
citar: A jóia (1879); A almanjarra (1888); A capital federal (1889); O badejo (1896); O dote
(1907), entre outras.
Aluísio Azevedo (1857-1913) também escreveu algumas peças teatrais, mas teve
o romance como sua maior expressão. Apesar de ser um dos epígonos da chamada Atenas
Brasileira, fez duras críticas a ela, assim como seu irmão Artur Azevedo. Grande romancista
naturalista, compunha suas obras com uma “força descritiva”, de acordo com Brandão (1979),
impressionante, tanto que, antes de escrever, costumava desenhar seus personagens, sendo
também um excelente cartunhista. Com o livro O cortiço (1890), alcançou sua maturidade
artística, compondo um romance com uma atmosfera envolvente e um enredo intrigante, uma
das mais importantes obras da literatura brasileira. Além dos já citados romances de sua
autoria, podemos ainda destacar os seguintes: Uma lágrima de mulher (1879); Casa de
pensão (1884); O coruja (1885); O homem (1887).
Da mesma forma que Aluísio se tornou o grande nome do Naturalismo, Raimundo
Correia, juntamente com Olavo Bilac e Alberto de Oliveira, formou o núcleo disseminador do
Parnasianismo no Brasil, a chamada “tríade parnasiana”. Raimundo Correia (1859-1911) foi
23
considerado por Manoel Bandeira como o maior artista do verso do Brasil, tanto no cuidado
formal quanto em relação à temática. Começou ainda ligado à estética romântica, mas logo
depois encontrou sua maior expressão no Parnasianismo. Formou-se pela Faculdade de
Direito de São Paulo, seguindo carreira na magistratura. Dentre as suas obras, pode-se
destacar: Primeiros sonhos (1879); Sinfonias (1882); Versos e versões (1888); Aleluias
(1891); Poesias (1898).
2.3 Os novos atenienses
Com a transferência dos “cérebros” maranhenses para outras terras em busca de
reconhecimento e consagração natural, segundo Lobo (1970, p. 14),
Começou então para o Maranhão essa triste e caliginosa noite, em que, por tão longo
tempo, viveram imersas as suas letras, noite cortada, por vezes, pelo clarão fugidio
de algum astro errante, que para logo se ia eclipsar na morte, ou perder-se na
distância a que era impelido pelas inelutáveis fatalidades de sua trajetória.
Agravando esse vazio cultural, já por volta da década de 1860, os grandes nomes
da primeira geração ateniense vieram a falecer – Gonçalves Dias, João Lisboa e, mais tarde,
Sotero dos Reis. Tais perdas causaram uma certa desolação aos jovens da época, uma vez que
não era mais possível contar com a presença daquela geração que havia conferido à literatura
maranhense uma maior representatividade no âmbito da literatura nacional. Para Lobo (1970,
p. 15), a “Atenas se transformou em uma triste Babilônia de exílio”.
Nesse contexto de parcimônia intelectual, alguns homens ligados às letras
merecem destaque por seu empenho em tentar reativar a vida intelectual do Maranhão. Um
deles foi o português e professor de Filologia do Liceu Maranhense Manuel de Bethencourt,
que procurava manter vivo o debate intelectual, levando os jovens daquela época a reuniões,
palestras e discussões sobre os mais variados temas ligados às letras nacionais e
internacionais. Desses eventos participavam jovens que mais tarde vieram a se consolidar
como expoentes do movimento neo-ateniense, dentre eles: Reis Carvalho; Inácio Xavier de
Carvalho; Euclides Marinho; Antonio Lobo; Nascimento Moraes; Domingos Barbosa.
Esses debates renderam frutos, entre os quais os jornais surgidos nessa época: O
século (1889); Philomathia (1895); A alvorada (1895); e O estudante. Tais periódicos, porém,
tiveram uma duração efêmera. Ainda em 1894, foi publicado Frutos selvagens, um livro de
poemas de Inácio Xavier de Carvalho, que é considerado o fundador da nova geração literária
do Maranhão – a geração neo-ateniense.
24
No entanto, com a partida do professor Manuel de Bethencourt para Manaus e o
fim desses periódicos, mais uma vez o Maranhão mergulhou num período de vazio literário.
Tal estado, entretanto, foi se modificando a partir do ano de 1899, com a preparação da
Comemoração do Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil. Isso porque o encarregado
de fazer a divulgação de tal marco junto aos estados do Norte era o maranhense Coelho Neto,
enquanto o homem designado para fazer a saudação ao ilustre visitante foi Sousândrade.
Desse modo, representantes das duas maiores gerações literárias do Maranhão se
encontravam.
Reportando-se a esse fato, Lobo (1970, p. 23) assim expressou o simbolismo da
cena:
O brinde de honra, a que Coelho Neto respondeu, numa peça oratória emocionada e
brilhante, foi-lhe dado pelo único sobrevivente da grande e fecunda geração literária
de outros tempos, o poeta de Guesa Errante, Joaquim de Sousândrade. E nessa troca
de cumprimentos entre o velho e o moço, entre o batalhador que chegava exausto
das lutas ingentes do passado, carregado de anos e de glórias, e o outro que, por
entre os triunfos promissores do presente, demandava vigoroso a consagração
definitiva do futuro, houve alguém que visse, palpitante de entusiasmo e de
esperanças, o símbolo grandioso de duas gerações literárias que se dessem as mãos,
por cima dos anos tristes de decadência mental que entre uma e outra se cavavam,
para depois, unidas e fortes, prosseguirem na tarefa nobre do restabelecimento dos
créditos mentais da terra feliz que lhe serviu de berço. E não se enganava esse
alguém nas suas emocionadas previsões.
De fato, esse encontro reverberou nos segmentos letrados da sociedade
maranhense de tal forma que os intelectuais daquela época se sentiram incumbidos de
promover uma renascença das letras maranhenses. Para eles, essa missão significava
restabelecer uma atmosfera intelectual igual à do Grupo Maranhense. Isso, inclusive, levou
Antônio Lobo, em 1909, a autodenominar a sua geração de Os Novos Atenienses, ou seja, os
herdeiros do sentimento de “ateniensidade” e por isso responsáveis por fazê-lo renascer
concretamente. Como corrobora Le Goff (apud MARTINS, 2006, p. 130), “se a ligação ao
passado pode admitir novidades e transformações, na maior parte dos casos o sentido da
evolução é percebido como decadência ou declínio. A inovação aparece sob a forma de um
regresso ao passado: é a idéia-força das renascenças”.
O movimento de renovação colocado pelas escolas literárias não consiste
necessariamente na exclusão de uma geração anterior, mas um retorno a um movimento que
vem antes do modelo negado. Assim aconteceu com o Arcadismo, que revisita os modelos
clássicos; com o Parnasianismo, que retoma o Classicismo; e com o Simbolismo, que
reassume o subjetivismo romântico. Assim também ocorreu com a literatura neo-ateniense,
que pretendia revalidar o foro de Atenas Brasileira, igualando-se a todos os outros
25
movimentos, tanto na arte quanto na política, na economia ou em qualquer outro setor da
sociedade que se dissesse “neo”.
Com a atuação principalmente de Antônio Lobo e Fran Paxeco, muitas
transformações aconteceram no âmbito cultural. Grupos literários foram criados, assim como
alguns periódicos. Surgiu, em 1900, a Oficina dos Novos, que criou o jornal Os Novos,
periódico responsável pela divulgação das diversas idéias e atividades dos seus “operários”
(como os seus membros eram denominados). Esse jornal veiculava também a publicação de
diversas obras, como: Minaretes, de Viriato Correia; A vida maranhense, de Astolfo Marques;
Rosas, de Alves de Farias; Pampanos, de Costa Gomes.
De um grupo dissidente da Oficina dos Novos, surgiu a Renascença Literária, que
por sua vez criou o jornal A Renascença (1901). Além dessas, outras publicações compõem o
cenário jornalístico da época, como A Atualidade (1900), A Revista do Norte (1901) e Nova
Atenas (1903). Assim também, novas instituições literárias foram criadas, como o Grêmio
Literário Maranhense, a Cooperativa Sotero dos Reis, o Clube Nina Rodrigues e o Grêmio
Odorico Mendes, sem contar a volumosa produção desse grupo nos mais diferentes ramos do
saber.
Aliada à criação desses grupos científico-culturais, outros acontecimentos
importantes se deram na capital maranhense para fomentar esse reavivamento intelectual.
Dentre esses, merecem destaque: a reorganização da Escola Normal (1890), do Liceu
Maranhense (1893), da Escola Modelo (1896), da Biblioteca Pública (1898) e da Escola de
Música (1902); a criação pelo poder público da Imprensa Oficial (1905), ampliando o
mercado editorial, até então um empreendimento exclusivamente privado; a criação da
Faculdade de Direito (1918) e da Faculdade de Farmácia e Odontologia (1922), o que
permitiu que o ensino superior fosse aqui implantado; surgimento do Instituto Histórico e
Geográfico do Maranhão (1925), que, como instituição científica, promovia o estudo de
diversos ramos da ciência.
Outra grande iniciativa dos jovens intelectuais desse tempo foi transformar a
Oficina dos Novos, em 1908, em Academia Maranhense de Letras, tendo como proposta
reunir as várias associações literárias. Foram seus fundadores: Antônio Lobo; Ribeiro do
Amaral; Barbosa de Godois; Domingo Barbosa; Corrêa de Araújo; Alfredo de Assis; Vieira
da Silva; Astolfo Marques; Xavier de Carvalho; Costa Gomes; Maranhão Sobrinho;
Godofredo Viana; Fran Paxeco; e Clodoaldo de Freitas.
Com a morte de Lobo, em 1916, pouco a pouco foram rareando as iniciativas
desse grupo. Na década de 1920, houve a criação de alguns grupos literários, assim como da
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década de 1930. Porém, a partir desse período, os movimentos literários maranhenses não
tiveram mais esse caráter unificado.
No campo literário, é válido destacar alguns dos principais autores dessa geração,
cujo maior expoente foi Antônio Lobo (1870-1916), grande líder e idealizador dos principais
eventos que aconteceram à sua época, como a Oficina dos Novos, a fundação de diversos
periódicos, a autoria de diversos debates e palestras do Curso de Literatura que era ministrado
pelo Instituto de Humanidades.
Grande incentivador e lutador da cultura maranhense, não seria hoje lembrado se
não tivesse dado seu nome à Academia Maranhense de Letras – Casa de Antônio Lobo –,
instituição da qual foi o principal fundador. Seu empenho era tanto que nunca saiu do
Maranhão, construindo seu grande arcabouço intelectual mediante o seu próprio esforço,
como autodidata que era. Exerceu diversos cargos públicos em São Luís, deixando em cada
um a sua marca. Destacou-se como diretor da Biblioteca Pública, ao introduzir pela primeira
vez métodos e conceitos biblioteconômicos. Foi também professor, tornando-se o principal
incentivador da juventude de sua época, além de polígrafo, jornalista, tradutor, orador e
escritor.
Antonio Lobo não escreveu muitos romances, apenas um, A carteira de um
neurasthenico, suficiente para mostrar sua originalidade e estilo inconfundível, numa obra
cujo foco narrativo se transforma a cada capítulo. Também são destacáveis na sua obra:
Henriqueta, romance traduzido de François Coppée (1893); Debalde, romance traduzido de
H. Sienkiewcz (1902); Os novos atenienses, crítica histórico-literária sobre a literatura
produzida nesse período e que serve de marco teórico para quem se lança a estudos sobre a
história literária do Maranhão (1909); Pela rama, crônicas (1912); A política maranhense,
artigos publicados
postumamente (1916); Positivismo e micróbios (1908); A doutrina
transformista e a variação microbiana (1909).
Ao lado de todas essas obras, produziu também relatórios, além de outros escritos
inéditos. Foi, porém, no jornalismo que marcou sua maior participação, fundando vários
jornais e colaborando com outros: estreou com O Século, do qual se tornou diretor; depois
escreveu para: Philomathia (1895); Revista Elegante (1892), a primeira revista do Maranhão;
Revista do Norte, da qual foi fundador e diretor. Colaborou nos diários O globo (1889),
Federalista (1898), Diário do Maranhão (1855), Pacotilha (1880), O Jornal (1914) e A
Tarde (1915) (MORAES, 1969).
Era nos jornais que ensaiava alguns versos, como os seguintes, encontrados na
Revista do Norte, de 1903, intitulados de Por amor de uns olhos:
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Olhos de santa, tristes, cismadores,
Feitos de luz, de dor e de harmonia,
Olhos onde perpassa a melodia
Dos sonhos bons, dos virginais amores;
Olhos benditos, lânguidos, chorosos,
Abertos sempre para o bem, somente,
Donde se evola blandiciosamente
Um turbilhão de beijos caridosos;
Olhos de abnegação e de bondade,
Negros, serenos, líquidos, rasgados,
Olhos que fulgem nuns clarões magoados,
Meigos olhos de pranto e de saudade;
Olhos que lembram preces e luares,
Céus estrelados, vagas marulhantes,
Guitarras a gemer, harpas cantantes,
Noites de amor em floridos pomares,
Trovas sonoras, místicas baladas,
Hinos ardentes, triunfais, divinos,
Acordes brandos, trenós cristalinos,
Frases de amor a medo murmuradas,
[...]
Olhos que a gente nunca esquece,
Como eu vos amo e quero, saiba embora
Que não se p’ra mim a luz de aurora
Que nas vossas pupilas resplandece,
Que as horas passem, que se volvam os dias,
Que os anos se amontoem sobre os anos;
Que um após outro cheguem os desenganos,
Que uma após outras fujam as alegrias,
Sempre na mente nos trareis brilhando,
Sempre em minh’alma vivereis luzindo,
Olhos que um dia eu conheci sorrindo,
Olhos que após abandonei chorando (LOBO, 1903).
Paralelamente à sua vida intelectual, Antonio Lobo desenvolvia também
atividades de militante político, lutando pelos seus ideais, entre os quais a abolição da
escravidão e a proclamação da República. Combatia e era perseguido por políticos, a exemplo
de Herculano Parga, que governou o Maranhão no período de 1914 à 1918.
Grande companheiro de Lobo foi Fran Paxeco (1874-1952), co-participante do
movimento de rejuvenescimento literário do Maranhão. Português que migrou ao Brasil por
questões políticas, Paxeco era historiógrafo, crítico literário, jornalista, professor e diplomata.
No jornalismo, participou de vários periódicos maranhenses e, além de sua vasta obra, já
consolidada na Europa, publicou no Maranhão um grande número de trabalhos nas áreas de
Geografia, História e Educação, principalmente, como: O Maranhão e seus recursos (1902);
O comércio maranhense (1903); Os interesses maranhenses (1904); O trabalho maranhense
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(1916); Geografia do Maranhão (1923); Trabalhos do Congresso Pedagógico do Maranhão
(1923).
De uma parcela dissidente da Oficina dos Novos, da qual participaram os dois
autores supracitados, surgiu a Renascença Literária, cujo principal líder foi Nascimento
Moraes (1882-1958). Destacou-se como professor, lecionando no Liceu Maranhense e em
outras escolas, e também como jornalista, participando do debate político, social, cultural e
artístico que se dava no cenário jornalístico. Durante muitos anos, foi redator, diretor,
colaborador e fundador de diversos jornais maranhenses. Aliás, o jornalismo era a sua arma
para expressar toda a bagagem cultural que conseguiu com seu esforço pessoal e
autodidatismo, uma vez que sofria preconceito social por ser pobre e preto. Acerca de seu
espírito aguerrido, Jomar Moraes (1977, p. 214) faz a seguinte consideração:
Nada melhor sintetizaria a figura de Nascimento Moraes que a inscrição colocada
em seu busto, na Praça do Panteon: EU SOU LUTADOR. A lembrança de ali fixar
uma das afirmações mais freqüentes do velho Mestre operou, numa admirável
síntese, a tarefa de em três vocábulos mostrar tudo quanto, ao longo de sua vida, fez
e foi Nascimento Moraes.
Como escritor, sua principal obra é Vencidos e degenerados (1915). De cunho
realista, esse romance funciona como um grande retrato do contexto histórico maranhense
pós-abolição, apresentando a problemática do preto e da discriminação étnica. Pode-se ainda
mencionar Puxos e repuxos (1910) e Neurose do medo (1923), além de sua produção em
versos, que consta nos periódicos de sua época, como o poema abaixo, intitulado Mãe
(MORAES apud LOBO, 1970, p. 72-73):
Doce eflúvio de amor que minh’alma enobrece
Frouxa luz vesperal que em meus olhos adeja!
Sinto bem quanto vale a expressão desta prece
Com que pedes a Deus que meus passos proteja.
Traga eu n’alma o rancor que a existência enlutece
Traga em mão o punhal que nas trevas lampeja,
Sempre encontro em teu lábio o sorrir que floresce
E em teus olhos a luz que me anima a peleja
Leve, sem compaixão, ao teu seio querido,
O desgosto fatal que tua alma depura
Donde sangra inexausto o pranto dolorido;
Leve embora, inconsciente, a ferir-te a desgraça
Que provoco, sempre és, na maior amargura,
Mãe! a mesma mulher que me beija e me abraça!
Fez igualmente parte dessa geração literária o escritor Viriato Corrêa (1884-1967),
que se constituiu o nome de maior reconhecimento desse grupo, pois, mesmo tendo
participado inicialmente do movimento de renovação da literatura maranhense, como sócio
fundador da Oficina dos Novos, migrou posteriormente para o Rio, onde participou
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intensamente da cena cultural, escrevendo para jornais e onde teve oportunidade de publicar
suas obras. Seu trabalho de estréia foi Minaretes, publicado em 1903. Trata-se um livro de
contos que tematiza o cotidiano de pessoas simples, sertanejos e grandes problemáticas
sociais, como a relação senhor / escravo, o incesto, a prostituição, a gente pobre e sofrida no
campo (CORRÊA, 1903).
Com o tempo, sua obra tornou-se vastíssima, abrangendo crônicas, romances,
teatro e literatura infantil, na qual mais se destacou. Dentre as obras literárias infantis, pode-se
destacar: Era uma vez... (1908); Arca de Noé (1921); História do Brasil para crianças (1934);
Cazuza (1938). Sua preocupação em escrever para crianças foi inovadora para a época, pois,
segundo Brandão (1979), a obra de Viriato apareceu entre as primeiras tentativas por uma
literatura infanto-juvenil no Brasil. Ademais, evidencia-se também em sua obra uma
“preocupação didática e o interesse pelas coisas brasileiras”, no que se refere a instruir as
crianças sobre a cultura brasileira, seu cotidiano, suas festas, lendas e características próprias.
Humberto de Campos Veras (1886-1934) também foi presença marcante na
literatura nacional, pois, como Viriato, migrou para o Rio de Janeiro em 1912. A sua carreira
artística começou no jornalismo, no qual se revelou grande cronista, tendo escrito também
contos e memórias, poesia e crítica literária. Como poeta, alguns críticos dizem que se encaixa
numa vertente neoparnasiana; para outros, porém, é neo-romântico. De uma de suas mais
importantes obras, Poeira (1910 e 1917), pode-se extrair o poema feito para sua cidade natal,
Miritiba:
É o que me lembra: uma soturna vila
Olhando um rio sem vapor nem ponte;
Na água salobra, a canoada em fila...
Grandes redes ao sol, mangais defronte...
De um lado e de outro, fecha-se o horizonte...
Duas ruas somente... a água tranqüila...
Botos no preá-mar... A igreja... A fonte
E as grandes dunas claras onde o sol cintila
Eu, com seis anos, não reflito ou penso
Põem-se no barco mais veleiro, e, a bordo.
Minha mãe, pela noite, agita um lenço...
Ao vir do sol, a água do mar se alteia
Range o mastro... Depois... só me recordo
Deste dado lutar por terra alheia! (CAMPOS apud BRASIL, 1994, p. 76).
Na poesia, Maranhão Sobrinho (1879-1915) foi um grande expoente, considerado
grande representante do decadentismo simbolista, apesar de que, para Carvalho (1912, p.
9750), na sua escrita, “a idéia é simbólica, o sentimento, romântico, e a forma, parnasiana”.
Sua produção era diária, estava nos jornais, nas ruas, nos botequins, em todo lugar, em São
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Luís ou em Manaus, produzindo seus versos. Por isso, oficialmente só conseguiu reuni-la em
poucas obras: Papéis velhos (1908), Estatuetas (1909), Vitórias régias (1911). Colaborou
com vários jornais maranhenses e de outros estados, entre os quais A Revista do Norte.
De acordo com Moraes (1977, p. 210), tratando do seu valor literário, “um dia,
quando se fizer, em todos os sentidos, a reavaliação crítica, ainda reclamada do Simbolismo
no Brasil, caberá a Maranhão Sobrinho um lugar que ainda não lhe foi reconhecido”.
Dizendo-se discípulo de Mallarmé, escreveu em Papéis velhos (1908, p. 169-171), o poema
Poetas Malditos:
Quando, pelo clamor dos meus pecados, tive
De, à Treva Inferior, descer, à voz do Eterno,
Ralando-me do Mal no aspérrimo declive,
Como um deus rebelado e tonto de falerno,
Sobre os antros mais nus, como Alighieri, estive
Suspenso, a contemplar o delírio eviterno
Das pompas sensuais de Gomorra e Nínive,
Situadas ao pé do Stramboli do Inferno...
[...]
Com as unhas lacerando a púrpura sangrenta,
Que, dos ombros de Auroch, em pregas, lhe caía,
Vi Nero, inda exibindo a mesma fronte odienta
Que, no incêndio de Roma, às chamas exibia...
[...]
Entre uma legião de sceptros e tonsuras,
Voltaire viu-me e sorriu, com um sorriso endiabrado
De caveira, a expelir das órbitas escuras
Ironias, de um tom de bronze avermelhado...
Blasfemava, estalando as hirtas ossaturas
Do esqueleto e mostrando o braço descarnado,
Num gesto de rebeldia às vividas alturas
E a enterrar-se ainda no Inferno, brado a brado...
[...]
Também lá te encontrei Tristan Corbière, nas grutas
Do Demônio, cantando umas canções remotas
Como o oceano, que morde as praias de ouro, enxutas,
No virente esplendor das vivas bergamotas...
[...]
Desbordes e Mallarmé oscularam-me a fronte
E passaram, por um azul chama impelidos
Chamei-os e o rumo das lavas do Acreonte
Triste abafou-me a voz, cerceando-me os sentidos...
Quando acordei me vi perto da negra fonte,
Entre um vivo clamor de pragas e gemidos,
Diante do inquieto olhar de um berbero bifronte
Com os olhos como dois santelmos acendidos...
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Vi, momentos depois, em palidez exangue,
Rimbaud e Villiers de L’Isle Adam, chorando,
E o seu pranto infernal era lodo e sangue...
E, quando recuei de agro pavor, Lílian
Surgiu-me e, empós, se foi pelas trevas clamando:
Satán! Satán! Satán! Satán! Satán! Satán!
Das idéias decadentistas de Maranhão Sobrinho compartilha Inácio Xavier de
Carvalho (1872-1944), autor de Missas negras, obra que será analisada no último capítulo
deste trabalho.
Pouquíssima informação foi possível coligir a respeito de sua vida, a não ser pela
sua presença diária nos jornais de sua época e esparsas menções de seus contemporâneos.
Para Lobo (1970, p. 35), Inácio X. de Carvalho “é, incontestavelmente, uma organização
poética de primeira ordem. De um alto poder de idealização e de expressão estética, sabe, aos
seus temas emotivos, aplicar com maestria todos os recursos técnicos da sua arte”. Participou
ativamente do movimento cultural detonado por esse grupo, tendo sido um dos fundadores da
Oficina dos Novos e também da Renascença Literária, assim como, posteriormente, da
Academia Maranhense de Letras.
Segundo Clóvis Ramos, Inácio X. de Carvalho se retirou várias vezes do
Maranhão em busca de estabilidade financeira. Obteve bacharelado em Direito pela
Faculdade do Recife e se inseriu na magistratura, exercendo as funções de promotor público,
juiz municipal e juiz federal no Maranhão, juiz municipal de Abaeté e Minas Gerais,
procurador geral do Estado do Amazonas e juiz substituto em Belém. Além disso, foi
professor do Liceu Maranhense e jornalista.
É considerado o introdutor do ciclo neo-ateniense, com sua obra Frutos selvagens
(1894). Porém, foi com Missas negras (1902) que, de acordo com Reis Carvalho (1912), o
autor alcançou maturidade literária. Sobre esse amadurecimento, Ramos (1986a, p. 13)
conclui que Inácio Xavier de Carvalho escreveu, em Frutos selvagens, “poemas eivados do
melhor lirismo” romântico, mas foi com Missas negras que se tornou um dos maiores poetas
da escola simbolista.
Pode-se comprovar o lirismo de I. X. Carvalho por meio do poema Juramento,
que compõe a obra Frutos selvagens:
Por teus olhos, pelas tuas
Pupilas de cor escura
Gêmeos sóis, dobradas luas,
Espelhos duma alma pura;
Por tua fronte onde passa
Teu cabelo em mil cardumes
E onde o vento em doce graça
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Brinca entre a seda e os perfumes
Por tua boca pequena
Que se assemelha a um coral
Donde a tua voz serena
Sai argentina e ideal;
Pelo teu prendido seio
Nessa prisão de cetim;
Por tuas mãos onde eu leio
Por teu próprio sangue enfim;
Por esta idade, senhora,
Cheia de luz, em que vais,
Eu te amarei desde agora
Mais do que nunca, muito mais! (CARVALHO apud RAMOS, 1986, p. 16).
Ainda publicou um último livro de versos humorísticos, Parábolas e Parabolas,
em 1919, no Pará.
Participando do concurso que elegeu a letra para o Hino Nacional, cujo ganhador
foi Osório Duque Estrada, I. X. Carvalho concorreu com os seguintes versos, os quais,
segundo o próprio autor, eram “um hino ao hino”:
I
Estás, ó Pátria amada, neste símbolo
Em notas musicais de etéreas graças
Lembrando do Ipiranga o brado esplêndido
Num pátio a se estender sobre as três raças
Nas luzes de um astro novo,
Inspirado da beleza de teus flancos,
Defines de um grande povo
De homens pretos, de homens índios, de homens brancos
II
Reflete o Brasil sobre a síntese,
No amor dos brasileiros debruçado,
Pintando, na imponência desta música,
Um plano de auriverde constelado
As nossas alvoradas e poentes,
Florestas, mar e sol, caudais correntes,
Revive nestes sons aurifulgentes
Em que se encerra,
Em que fulgura o grande céu de nossa terra
Mostrando aos povos, na amplidão azul,
O Cruzeiro do Sul!
III
Na paz – as asas abrem como um pássaro
A erguer, ó Pátria, o ramo de oliveira,
Na guerra és epopéia, força indômita,
E toques de clarins junto à bandeira
Na paz o progresso exprimes
Em teu seio decadências singulares
Na guerra os feitos sublimes
33
Pelas águas, pela terra, pelos ares
IV
Na paz és oficina, és livro e arado,
Labores de comércio, indústria em jogo
Na guerra é coragem de soldado,
Num mar de fumo e pó, de sangue e fogo:
E assim mostras num halo pela história
Heróis de guerra e paz sorrindo à glória
No ardor evocativo da vitória (CARVALHO apud 1986, p. 25).
Seu objetivo com essa letra era descrever o próprio hino, uma vez que acreditava
que a música do hino, já composta, era a “sua própria essência, a sua síntese, a sua alma”
(CARVALHO apud RAMOS, 1986a, p.28). Descrevendo o hino, acreditava que descrevia
consequentemente a pátria, pois este era o grande símbolo de qualquer nação. Nele, Carvalho
reafirma o discurso das três raças formadoras do homem brasileiro, faz exaltação a natureza e
alusão à bandeira nacional.
34
3 O IMAGINÁRIO DE DECADÊNCIA: da Atenas a Babilônia de exílio
Como demonstrado no tópico anterior, a literatura neo-ateniense, nascida entre o
final do século XIX e o início do século XX, sofreu grande influência do seu contexto
histórico-ideológico, sendo fruto de um ambiente de instabilidade política e econômica, por
isso envolta num sentimento de pessimismo e decadência. A “triste e caligiosa noite” que
cobriu o Maranhão, depois da morte e das partidas dos seus astros mais iluminados da
primeira e segunda geração, provocou nos representantes neo-atenienses um pesar e um malestar que os incitaram a iniciar uma Renascença literária, cuja tônica maior era muito mais de
saudosismo do que de mudança.
Nos periódicos da época, pertencentes em sua grande maioria a esses intelectuais,
quase todos jornalistas e literatos, fica bem claro esse sentimento de ruína e decadência com
as várias matérias publicadas a cada dia. Por exemplo, no editorial da revista Philomathia,
criada em 1895, pode-se perceber o entusiasmo com que foi criado o periódico, com o
objetivo de se tornar um órgão de divulgação artística, científica e filosófica
(BETHENCOURT, 1895). Esse periódico, porém, não deixa de saudar as épocas anteriores e
caracterizar a época contemporânea como inferior:
[...] Justificado assim o nosso empreendimento, justificação incompleta, mas que
encerra o princípio base da maior que nos cabe exarar, lancemos uma vista sobre o
nosso meio intelectual, sobre o estado da cultura dos espíritos de nossa sociedade.
Um provérbio árabe diz que aquele que, em detrimento do presente, enaltece o
passado, semelha individuo que vergastasse as crianças com os ossos de seus pais.
Este colóquio é justo sempre que o culto do passado é inconsideradamente aplicado
como açoite ao presente, não o é, porém, quanto nos fatos do presente, postos em
confronto com os do passado, se demonstra a inferioridade daqueles pais, mas que
ensina aos filhos a viverem nobremente como seus pais viveram. Dolorosamente o
dizemos, mas o nosso meio bem que se arrasta decadente, a cultura intelectual vai
baixa e apoucada. Não que faltem ao Maranhão estabelecimentos onde se ministrem
largamente a educação moderna nos seus aperfeiçoados ramos de cultura; não é a
escola que falta, mas o aluno, não é a passada geração que descura o seu dever, mas
a nova que não o compreende. Daí ser o presente do Maranhão por demais inferior
ao seu passado onde eram menores as escolas e maiores os alunos. E os alunos eram
aqueles que se chamavam Gonçalves Dias, Joaquim Serra, Gentil Braga e outros não
menos ilustres... Nada temos hoje a opor a esses vultos que fizeram a glória
maranhense, literatura e ciência baixaram o planalto a que haviam subido
(BETHENCOURT, p. 1, 1895).
E continua tratando do desânimo do público para o qual escreve em relação à
leitura:
O nosso público, indisciplinado intelectualmente, só lê o que os jornais encerram de
questiúnculas políticas e rixas particulares, ou então o romance barateado em
traduções mal feitas de obras de fancaria literária parisiense. Todas as grandes
questões da arte de escrever, de estética moderna, todo esse movimento artístico que
se desdobra nos países cultos da velha Europa; todos os problemas postos em
discussão pela ciência a rebuscar a sistematização dos conhecimentos humanos;
todas as teorias que a Síntese Filosófica de nossos dias há lançado no mundo culto:
35
tudo isso passa despercebido por nós, como que estamos alheios a evolução da
humanidade. Paramos e é necessário quebrar essa imobilidade, andar como os
nossos maiores andaram: um povo que não evolui intelectualmente é condenado a
desaparecer. [...] Philomathia [...] é a canção com que queremos acordar a
indiferença do nosso meio (BETHENCOURT, p. 2, 1895).
Nesse texto, escrito em 1895, fica bem caracterizado como a idéia de decadência
estava impregnada na mente desses intelectuais da época. É certo que, em 1895, a juventude
ainda começava a se movimentar, lançando os primeiros periódicos, que tiveram vida
efêmera. Porém, mesmo com toda a movimentação intelectual que se efetivou nos anos
posteriores, esse sentimento se manteve, como se demonstrará adiante, por meio de
fragmentos de jornais de diferentes anos. A mesma revista, algum tempo depois, fazendo um
balanço de sua estréia e repercussão, salienta que essa decadência não era somente intelectual,
mas também extensiva a outros campos da sociedade:
Fábricas quebradas, companhias decadentes, empresas semi-mortas, sujeitos a se
decomporem à beira do túmulo delas? Não, que ninguém ri do que é ruína que se
apropinqua, do que é o mal que nos invade: e eu não quero tratar de coisas tristes,
onde opressora, a tristeza mora, de assuntos pesados, onde o peso do mal social
acabrunha a todos. [...] Vale a pena dizer-se que temos hoje um lugar no
martirológio. Um belo dia, inocentes, jovens, despreocupados, uns excelentes
rapazes (quem escreve isto já não é um rapaz) o Inácio Carvalho, o Reis Carvalho, o
Matos, o Marinho e o Lobo acharam que era bom fazer alguma coisa em prol desta
Atenas que tem, como Pireu, a Ponta D’areia e, como Acrópole, o prosaico
cemitério do Gavião. Pensaram lá consigo que era isso de só viver de glória dos
mortos e quiseram que os vivos alguma coisa fizessem a seu turno (ULTRAMAR, p.
12, 1895).
Os Novos foi um importante jornal da época, escrito pelos membros da Oficina
dos Novos, criado em 1900. No seu número 10, o jornal fez uma avaliação da época e de seu
rendimento no cenário jornalístico, ressaltando a positividade conseguida pelo seu
empreendimento, num artigo com o sugestivo título de Rejuvenescimento:
Nós que somos os primeiros a fazer ecoar estrepitosamente o renascimento literário
desta terra, outrora chamada Atenas Brasileira, vemos alegremente coroarem-se de
êxito os nossos esforços, filhos de um amor entranhado ao berço pátrio. Há muito
que não faziam festas literárias, há muito que não surgia uma nova geração
maranhense que viesse substituir tantos vultos que se foram aureolados na santa paz
de haverem contribuído, na medida de suas forças, para o renome desta terra. Há
muito não se falava aqui em beletrística, há muito que não se via senão a discussão
do câmbio, coisa que mais compete ao governo [...] Coelho Neto, na sua passagem
para o Norte, com todo aquele vigor de um novo, com toda aquela verve
incomparável, abalando multidões, desde o fidalgo ao proletário, trouxe-nos um
pouco de alento e conforto, porque éramos nada menos que uns tediosos palradores,
que dizem muito, mas impotentes para escrever duas linhas e, com audácia e
desprezo dos retrógrados, atirá-las a sua máscara. Estamos fracos, nada fazíamos.
[...] Esta foi a mais acabrunhada crise literária que já tivemos. Felizmente, porém,
ressurge uma imprensa nova, modelada nos mais modernos princípios de arte,
vigorosa e máscula, e com ela toda uma renovação prometedora, toda uma plêiade
brilhante e enseivada: que assim seja e que o que hoje rompem prossigam,
suplantando os medíocres, com talento, armados para a luta e dispostos a não
enfraquecer nela (REJUVENESCIMENTO, p. 2, 1901).
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O entusiasmo de ver os debates do jornal dando certo corre paralelo às
dificuldades de manter um jornal circulando com todas as críticas e atribulações, sem dúvida
financeiras, assim como aquelas próprias do dia-a-dia, como mostra o artigo de comemoração
dos dois anos de circulação do mensário:
Galgando as montanhas da Inveja, com o nosso programa e o nosso ideal, temos, à
vista de sacrifícios, levado avante esta empresa nobilíssima e grandiosa: reacender o
amor das letras na Atenas brasileira. Insultados, menoscabados, mas de viseira
erguida e de espada em riste, a aparar todos os golpes, altivamente, vamos trilhando
a luminosa escada e sustentando hasteada a estimulante bandeira. Outros, com as
mesmas idéias, talvez, ricos de coragem e de vigor, têm parado no meio da jornada,
enquanto nós vamos caminhando serenos, com a consciência tranqüila de dever
cumprido. O 28 de Julho representa uma dupla data para a Oficina dos Novos:
Independência do Maranhão e um brado de renascença literária em que três rapazes
sinceros Francisco Serra, Astolfo Marques e João Quadros foram os primeiros a
empunhar o estandarte rubro de combate, no meio da indiferença e da chacota.
Depois desse brado sincero, outros vieram, secundados pelo nosso amor, guiados na
nossa fé, desfraldar o mesmo balsão belicoso! Dois anos! Dois que relembram um
trabalhar incessante, vencendo escolhos, esmagando contrariedades perversas, olhos
fitos no plano tacado, olhos fitos na senda a seguir! (VIANA, p. 1, 1906).
O saudosismo também está presente em diversos artigos da Oficina dos Novos,
citando e exaltando figuras ilustres do passado maranhense, das quais a mais mencionada é
Gonçalves Dias, que aparece, inclusive, no estatuto fundamental da Oficina dos Novos. No 6º
parágrafo do artigo 2º, pode-se ler que a oficina poderá “organizar uma ‘Gonçalviana’, mais
ampla possível, – promovendo uma edição crítica de toda a obra beletrística de Antônio
Gonçalves Dias, – que era o patrono geral da sociedade –, uma edição das ‘Obras Completas’,
e a formação duma bibliografia completa” (SERRA et al., p. 6, 1902). Prosseguindo o
estatuto, no 6º parágrafo do artigo 4º tem-se que “A Oficina dos Novos, quando a maioria dos
sócios julgar a transformação oportuna, passará a denominar-se Grêmio Literário
Gonçalviano”.
Enfim, enaltecer a figura de Gonçalves Dias e de outros da sua geração era quase
uma necessidade para os Novos Atenienses. Esse pressuposto está presente em artigo de
Nascimento Moraes para esse jornal:
Ah! Esse homem não morre para a humanidade. Morram as idéias presentes.
Apareçam novos pensamentos, transforme-se a estética do belo, transfigurem-se as
impressões da vida material, enfim caiam as escolas literárias, que ele será em todos
os tempos admirado, idolatrado, e por sua vez glorificado!
Antonio Gonçalves Dias, o gigante da Poesia, representa o indivíduo dessa espécie
de gênios.
Sua memória será eterna; perdurará pela imensidade dos séculos! Seus livros
difundirão seu nome pelas plagas longínquas. E todos que sentem estalar no peito a
dor da saudade pátria, encontrarão neles, um lenitivo santo, um lenitivo puro
(MORAES, p. 3, 1900).
37
Porém, mesmo depois da instalação de diversos grupos literários na tentativa de
soerguimento do espaço cultural maranhenses, os jornais, em 1906, ainda reclamavam do
marasmo e da indiferença da população maranhense em relação às letras:
S. Luiz, a capital deste Estado, que tanto enobrece as letras pátrias, por ter sido o
berço glorioso de imortais homens do saber, está hoje quase inteiramente desprovida
do entusiasmo literário, que leva a mocidade a empregar parte de seu tempo
cultivando o espírito, para mais tarde poder sustentar, graças a esse estímulo
poderoso que, desde os bancos do Liceu, se encontra, sobretudo, nas sociedades de
moços que desejam se alistar na corte sublime dos homens de letras, o cognome
honroso deste território brasílico – Atenas Brasileira. É que vive-se aqui numa
indiferença incrível! A mocidade desta terra vive hoje tão alheia a cousas de
literatura, que me leva a crer que não pensa no prestígio que o Estado e o Brasil
inteiro, sua pátria, espera do cultivo literário de sua inteligência. Uns quatorze
moços, apenas, formam o Clube “Nina Rodrigues”, para a fundação do qual eu e os
meus colegas lutamos com sérias dificuldades e, como fica claro, pelo limitadíssimo
número dos nossos sócios, foi a falta de cooperação dos moços estudantes uma das
que mais nos desanimaram a prosseguir, defendendo o nosso ideal.
Corre por aí afora notícia de que existe mais uma ou duas sociedades literárias aqui:
mas a verdade é que elas só dão sinal de vida quando, de ano em ano, comemoram
um passamento, por exemplo, o de Gonçalves Dias, o que este ano foi feito pelo
Clube “Nina Rodrigues”. Tudo isto por quê? Porque os moços estão absolutamente
desprezando o que há de sublime e grandioso – cultivar mutuamente a literatura
nacional. E pode se afirmar que essa indiferença não fica somente entre os
estudantes; ela se estende a quase toda a população do Maranhão! A não ser dois ou
três cronistas e cultivadores de musa, que aparecem de quando em vez, nas folhas
diárias, nenhum vestígio aqui apresenta de ter sido a pátria de tantos e tão afamados
prosadores e poetas (LITERATURA, p. 1, 1906).
A constatação é de um clima de decepção de A Mocidade, dos moços que
formavam O Clube Estudantal Nina Rodrigues, frente à jornada que vinham realizando desde
a instalação do grêmio. Logo esses jovens, que se mostravam tão esperançosos quanto a uma
restauração da literatura maranhense! Essa foi a tônica do discurso oficial de instalação do
clube, proferido por Duval Castelo Branco e reproduzido por A Mocidade quatro meses antes
do artigo anteriormente citado:
Estudantal “Nina Rodrigues” que se instala é o produto da congregação de esforços
empregados por uma agremiação de moços para quem a luz do saber é o único ponto
almejado na vida, tanto mais que, possuindo este Estado um passado de verdadeiro
padrão de Glórias, através das letras e da história, os seus colegas nutrem a
esperança de honrá-lo, cooperando para o progresso da literatura maranhense. Que a
nossa história mostra em caracteres indeléveis um passado luminoso e deslumbrante,
aonde o gênio de mãos dadas com o saber, atesta a todo o país e parte do continente
europeu, que aqui neste recanto de mundo debaixo de um sol calcinante, os talentos
brotam, uns após outros, colocando o bendito torrão no primeiro plano do nosso
vasto país e sustentando o nome invejável de Atenas Brasileira. [...] Procuramos
seguir as pegadas dos nossos grandes antepassados, esforçando-nos na medida dos
nossos elementos pelo desenvolvimento da cultura intelectual, afim de que as
gerações vindouras possam saber que nós, moços do presente não os deixamos
empolgar por essa apatia atrofiante que entorpece o cérebro, por essa indolência que
caracteriza os povos incultos, concorrendo assim para a manutenção das massas
envoltas nessa tenebrosa penumbra que se chama – ignorância [...] (SÍNTESE, p. 2,
1906).
Mais lamentações foram feitas n’O Condor:
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Continua bastante pior o nosso velho e querido Maranhão, pois, como dissemos no
segundo número desta folha, os seus filhos assim o querem. Em prol de um cultivo
necessário da inteligência, ressurge, dia a dia, empenhando o espectro da boçalidade,
a exma. Senra. D. Ignorância... Algumas moças, nossas patrícias, na quase
totalidade, completamente alheias ao cultivo das letras, quando não encontram
distração, atiram-se, sem mais nem menos, como animais ferozes, contra este grupo
de rapazes que, pela força extraordinária de vontade, rendem um preito de adoração
a essa Arte sublime – a literatura!... [...] Estas nossas linhas, amigo leitor, aliás
bastante despretensiosas, foram traçadas nas colunas deste pequeno órgão de defesa,
afim de evitar que essa epidemia – a boçalidade – se alastre na nossa velha Atenas
Brasileira, já que, de instante a instante o nosso povo parece contaminado por este
terrível mal! Oh... Quanta desgraça! [...] Apenas, imensamente penalizados de ver
tão atraso de espírito nessa gente, vimos, perante o público de nossa terra, por entre
as palavras que compõem este artigo, lamentando os pobres e miseráveis néscios
(LAMENTANDO..., p. 1-2, 1908).
Compartilhando das mesmas angústias sobre a sensação de decadência do
Maranhão e a inabilidade, sugerida pelos comentários, dos maranhenses para as letras na
época em que estavam escrevendo, A palavra, outro jornal literário, publicou um artigo
intitulado Triste!, no qual o autor enuncia um espectro de elementos que elencam os móveis
do desmoronamento e as possíveis causas dessa decadência, que não é somente intelectual,
mas também econômica:
Nessa nossa desventurada terra anda tudo ou tudo desanda fora dos seus limites, de
tal maneira que o observador atento fica possuído de um sentimento indefinível de
pesar e de desalento. A gente fica mesmo esbarrondando diante de tanto
desmoronamento; a alma contrai-se dolorosamente sob esse esmagamento brutal que
a realidade nos apresenta em toda a sua hediondez, e embalde tenta escapar-se de
sob esses escombros, que soterram as idéias, e mergulha pelo espaço em fora o seu
olhar ansiado, como que procurando um refúgio na tão preconizada Providência
divina inacessível e indiferente. O nível intelectual tem baixado consideravelmente,
para poder ombrear com o descalabro físico e moral do nosso Estado. A literatura,
essa tem desaparecido por completo. De vez em quando um poeta piegas irrompe,
como uma praga, a sonetisar umas rimas paralelas ou a fazer madrigais à lua, ou
canções palermas para os trovadores noturnos, inimigos declarados do sossego e da
tranqüilidade pública. De vez em quando também aparecem uns contos, sem nexo
nem sentido, para encher o vácuo dos jornais indígenas, que se não fossem os
anúncios dos armarilhos da terra elogiando as suas antiqualhas, artigos caídos da
moda sairiam com as quatro páginas em branco. A nossa pobreza intelectual é
presentemente tão extrema, que todas essas manifestações penosas da nossa
decadência, tão leves e nulas, têm merecido alto conceito e elogios, como jamais
obtiveram produções de Gonçalves Dias, de João Lisboa, de Gentil Braga e de Celso
de Magalhães dos seus conterrâneos, que, costumados no meio luxuriante de uma
riqueza literária, que ainda hoje é a nossa glória e o nosso orgulho, não viam motivo
para apoteosarem aquilo que era comum ou quase vulgar. [...] Entretanto, como
estamos na época das sepulturas caiadas de que fala o Evangelho, não falta quem
apregoe urbe e torpe que a nossa literatura atual é pujante e viridente, rica e variada
e hoje mais do que nunca o Maranhão merece o nome de Atenas. Triste sarcasmo! A
lavoura tem definhado espantosamente, depois que lhe arrancaram o braço escravo,
porque o braço livre ainda não se habituou a manejar o trabalho [...] E progredimos?
– Que lástima!... (TRISTE!, p. 1-2, 1909).
Mapeando os jornais da época, observa-se que o sentimento imperante em todos
eles é de decadência, pessimismo, impotência e saudosismo, especialmente entre o segmento
dos intelectuais. Porém, como surgiu esse sentimento de decadência entre os intelectuais
39
dessa época? Para responder essa questão primordial, que envolve muitas construções da
historiografia maranhense, é necessário um retorno ao século XVIII.
3.1 A prosperidade / decadência como modelo de explicação
É consenso na historiografia tradicional3 maranhense que a instalação da
Companhia Geral de Comércio, em 1755, constituiu um marco na economia maranhense. Isso
porque teria sido ela a grande propulsora de surtos de prosperidade da província, ao viabilizar
financiamentos para a aquisição de escravos, instrumentos agrícolas e safras, que serviram
para alavancar a agricultura e, por conseguinte, a economia, tornando o algodão e o arroz os
principais produtos da economia da província. Assim, teria iniciado uma idade de ouro do
Maranhão, no governo de Melo e Póvoas, com a interferência do Marquês de Pombal.
Em 1821, ao passarem pelo Maranhão, os historiadores Spix e Martius
consideraram São Luís a quarta cidade do Brasil em população e riqueza, só perdendo para o
Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Todos esses recursos, conseguidos por meio da lavoura,
serviam para o enriquecimento material da cidade. Boa parte dos casarões com azulejos
portugueses nas fachadas e pórticos monumentais datam dessa época.
A produção agrícola maranhense entrou em evidência por duas vezes: no século
XVIII, com a valorização do algodão, devido à Guerra de Independência das Treze Colônias
(1776), no que viria a ser os Estados Unidos; e depois, no século XIX, devido à Guerra de
Secessão dos EUA (1861-1865). Essas ocorrências favoreceram a colocação desses produtos
no mercado inglês. Com o fim das guerras ocorridas nos Estados Unidos, esse país voltou a
assumir seu lugar no mercado internacional de exportadores para a Inglaterra, e o Maranhão
passou a importar arroz da Carolina do Norte, o que já constituiu o início da crise da lavoura
maranhense.
Na primeira metade do século XIX, o Maranhão passou da condição de
importador para a de exportador de açúcar, devido à abolição da escravidão nas Antilhas
Inglesas. Em decorrência disso, ocorreu a transferência de capitais e de mão-de-obra escrava
da cultura de algodão para a de cana-de-açúcar. Com a abolição da escravatura no Brasil, essa
3
Historiografia tradicional – esse termo é entendido como conjunto de estudos históricos de um paradigma
tradicional, ou seja, estudos essencialmente políticos e econômicos, baseados em fontes escritas e oficiais, com
uma abordagem objetiva, essencialmente narrativos e descritivos, concentrando o seu enfoque nos grandes
feitos dos grandes homens ou nos ditos “fatos históricos”. Trata-se de estudos que se perpetuaram e se
cristalizaram na historiografia e que ainda hoje são consultados, mas que não podem ser considerados como
única fonte de explicação da história, em razão dessas limitações que possuem (BURKE, 1992).
40
cultura declinou abruptamente, não conseguindo concorrer com o açúcar de Cuba,
qualitativamente superior.
Paralelamente à queda do preço do algodão, aconteceram no Maranhão dois
grandes movimentos que serviram para desestabilizar a vida econômica da província: a
Setembrada e a Balaiada. A primeira foi um movimento contra a presença portuguesa no
Maranhão e a segunda, que constituiu o maior movimento popular em terras maranhenses,
mobilizou um grande contingente de representantes dos mais variados segmentos sociais,
provocando uma grande instabilidade na população local.
Esses foram os principais fatores que embasaram as análises sobre a decadência
da grande lavoura maranhense, além da falta de mão-de-obra, capitais, conhecimentos
profissionais, comunicações apropriadas, terras e outros recursos que a historiografia
tradicional elenca.
Essas fases alternadas de prosperidade e decadência agrícolas, que foram
sistematizadas por autores clássicos – Gaioso, Abranches, Paula Ribeiro, Viveiros, Berredo,
etc. – confundem-se com as gerações literárias maranhenses, pois qualquer explicação dada
sobre o Maranhão recai inelutavelmente sobre essas fases da grande lavoura maranhense. Ou
seja, tornou-se um modelo de explicação para a economia do estado uma idade de ouro em
contraposição a um período de decadência. Da mesma forma, constitui uma equação pronta,
segundo Faria (2001), que a Atenas Brasileira é um produto do sistema agro-exportador, cuja
elite de fazendeiros e comerciantes enviava seus filhos para estudar na Europa. Ao retornarem
ao Maranhão, esses indivíduos se tornavam propulsores de uma intensa vida intelectual,
combinando assim a primeira geração literária com a idade de ouro da economia maranhense,
ao passo que a terceira geração coincide com o período de decadência, dando origem ao que
Almeida (1983) chama de ideologia da decadência.
Além de Almeida (1983), diversos outros pesquisadores atuais tentam
problematizar tanto essa “periodização ortodoxa” quanto essas imagens cristalizadas na
história do Maranhão, principalmente o epíteto de Atenas.
Faria (2001), por exemplo, que concentrou seu trabalho no impacto do fim do
escravismo sobre a agricultura maranhense, não concorda com o termo decadência ou
involução, ressaltando que esse dito estado de decadência agrícola, denunciado pelos letrados,
é uma percepção elitista da dinâmica do sistema agro-exportador, porque o que de fato
acontecia eram crises desse sistema, que terminou se desarticulando no final do século XIX,
assim como em todas as províncias do Nordeste, colocadas à margem do processo de
acumulação de capital do Sudeste. Tais crises não chegavam a paralisar a vida econômica da
41
província, porém afetavam o seu ritmo de crescimento, que já não era o mesmo das últimas
décadas do século XVIII e início do século XIX.
Para Corrêa (1993), o Maranhão nunca se configurou como um grande exportador
de produtos para a Europa, beneficiando-se de fases de instabilidade política e econômica
mundiais, tendo a função econômica de mercado fornecedor alternativo, uma vez que não
dispunha de produtos com a qualidade necessária para suportar a concorrência do mercado
externo.
O trabalho de Almeida (1983, p. 67), A ideologia da decadência, é esclarecedor
nesse sentido, porque vai de encontro à historiografia tradicional, apontando a necessidade de
novas formulações sobre a economia maranhense que constituam alternativa para a explicação
maniqueísta pautada em ciclos de prosperidade e decadência. Nesse contexto de oposição,
criou-se, segundo o autor, “uma imagem de progresso que remete invariavelmente para o
passado numa busca de revelar e explicar o declínio geral sempre observado no tempo
presente”, ou seja, as explicações sobre a economia maranhense repousam na
“presencialidade” do passado:
A origem da decadência seria, por conseguinte, pensada a partir da outra situação,
aquela denominada de prosperidade da agricultura e, por extensão, da província. Sua
delimitação cronológica se inscreve dentro de um exercício de tentar fazê-la
entendida pelo concurso de uma possível negação. Assim sendo, a escolha de um
período considerado de prosperidade, oposto extremo da situação de decadência,
orienta e conduz ao intervalo de ponto de partida da explicação da chamada “idade
de ouro” da lavoura da província (ALMEIDA, 1983, p. 82).
Essa construção sugere que o Maranhão se configura num vir-a-ser permanente,
sendo representado como “não sendo”, mas também como “já tendo sido” e “devendo ser”.
Isso resulta numa concepção cíclica da história, ou seja, o estado de decadência é sempre
presente, o de apogeu é sempre o passado, exaltado e glorificado, enquanto o futuro constitui
um retorno a esse passado distante. Tal modelo explicativo pode ser constatado na
historiografia tradicional do século XIX, tornando-se consenso na leitura dos intelectuais
deste século em geral:
No seu uso difuso, a representação da decadência da lavoura perpassa os mais
diferentes gêneros da produção intelectual no âmbito regional. Avulta-se nas
denominadas memórias e obras consagradas, contamina-as e se propaga amplamente
por toda a produção intelectual daqueles que se comportam como epígonos dos
considerados patronos e clássicos (ALMEIDA, 1983, p. 193).
Os epígonos novos atenienses herdaram tanto a tarefa de perpetuar a tradição de
um passado glorioso quanto o cenário de decadência em que foi pintado o século em que
nasceram, esforçando-se para tornar o futuro igual ao passado de Atenas Brasileira.
42
3.2 A construção da ateniensidade
O mito da Atenas Brasileira se perpetua de geração em geração no imaginário
maranhense, constituindo outro modelo de explicação para uma possível genialidade cultural
do maranhense e sua aptidão natural para a intelectualidade. Nos dias atuais, ainda é
corriqueira a afirmação de que o maranhense é aquele que fala mais corretamente o português,
herança deixada pelo grupo dos grandes intelectuais do século XIX. Essa assertiva, porém, foi
refutada por Bagno (2007), constituindo um dos oito mitos sobre o português que compõem o
preconceito lingüístico no Brasil.
É concebido que o crescimento econômico levou a uma prosperidade material e a
uma tentativa de reprodução, em São Luís, de modelos estéticos europeus, no que concerne à
arquitetura dos casarões, à moda, ao estilo de vida. Também são eloqüentes a esse respeito a
fundação do Teatro União, a realização de saraus, a circulação de jornais, a fundação de
instituições educacionais e culturais como o Liceu e a Biblioteca Pública, proporcionando a
consagração do Grupo Maranhense. Concordando com as idéias de Borralho (2000), pode-se
afirmar que, nesse momento, a periodização ortodoxa usada para a explicação da prosperidade
/ decadência da economia é suplantada para explicar a atividade intelectual e,
consequentemente, as gerações literárias que se estabeleceram no Maranhão.
Considerado como Grupo Maranhense para a literatura nacional, que não
questionou, mas corroborou a sua legitimação, esse conjunto de intelectuais não constituía
internamente um grupo, com divergências de posições teóricas, pessoais e temáticas.
Igualmente, a geração subseqüente, considerada como a grande herdeira da tradição ateniense,
não constituía propriamente um grupo nem nas concepções, nem na espacialidade, uma vez
que muitos de seus representantes nem sequer se mantiveram no Maranhão. João Lisboa foi o
primeiro a questionar esse título de ateniense, no que foi seguido pelos irmãos Azevedo, que a
todo tempo criticavam essa construção:
Todos ou quase todos esses vultos maranhenses cujos nomes são aqui repetidos com
amor e respeito, e cujo talento flameja, ora na imprensa, ora na ciência, ora na
literatura, nunca receberam da sua província a menor prova de simpatia. O
Maranhão só festeja um filho, isso mesmo às vezes, depois que de fora o aclamaram.
Antes, não se contenta em desprezá-lo, escarnece-o. Precisamos restabelecer a
verdade. [...] Maranhão não é Atenas Brasileira, Maranhão não é mais que uma triste
província de terceira ordem, sem originalidade, sem caráter nacional, sem literatura,
sem ciência de espécie alguma, sem a menor noção de Belas Artes, e sem comércio
ao menos (AZEVEDO apud ARAGÃO, 2007, p. 32).
Acerca da construção do mito de Atenas Brasileira, Corrêa (1993, p. 79) defende
que ela é uma “conseqüência espiritual do algodoeiro com a rizicultura associada à formação
43
coimbrã”. Para o autor, a partir de 1823, quando o Maranhão começou a fazer parte do Brasil,
tornou-se necessário que o mantivessem na posição de destaque que possuía e isso foi feito
mediante a invenção desse mito. Nessa perspectiva, como os maranhenses estavam mais perto
da Europa que do Brasil, ao serem obrigados a participar deste, sentiam a necessidade de se
sobressair como maranhenses e a identidade que se construiu destes era a de cultores das
letras e da intelectualidade, o que os caracterizava como superiores aos próprios brasileiros:
A sociedade, de mentalidade afetada, transitando do português ao brasileiro,
procurou uma integração, destacada, aceitando o brasileiro, na condição de Atenas,
isto é, concedendo-se um estatuto de Atenas Brasileira, colocou-se na selvagem
América, protegida pela cultura clássica da Europa. A ideologia greco-timbirense foi
um pretexto elitista, a esconder e a revelar, sob o narcisismo enaltecedor, a prática
comunitária dos segmentos dominantes da sociedade maranhense, que, mergulhados
no impasse angustiante do problema do passado insepulto português e do futuro
inseguro brasileiro, preocupavam-se com a escultura da diferença: reunidos, mas,
não confundidos (CORRÊA, 1993, p. 102-103).
Por ser o Maranhão uma terra de gente formada em Coimbra e, por isso, integrada
a uma elite intelectual, reclamava para si a condição de excelência no fazer cultural, em
contraponto aos brasileiros, que correspondiam, nessa representação, aos espartanos. Assim, a
singularidade do Maranhão estava esboçada e reafirmada como a terra que tinha a maior
vocação para a cultura, para os debates intelectuais, para as coisas do espírito, sendo a natural
produtora de talentos para o Brasil.
Contudo, é notório que esse é o pensamento de apenas uma parcela da população
pertencente à elite econômica, que escondida pelo viés literário e científico, administrava a
organização do trabalho, a produção e circulação das riquezas, elaborando a constituição
oficial da sociedade brasileira, contemporânea da emergência e do estabelecimento do Estado
nacional. Esse segmento excluía assim o resto da população pobre e analfabeta, que constituía
80% dos habitantes, e a enorme quantidade de escravos, que não tinham direito a uma
educação formal. Ou seja, essas representações só atingiram uma pequena parcela da
população da província daquela época, relegando às classes menos favorecidas uma posição
marginal no processo.
Para Faria (2001), a imagem do Maranhão oitocentista, como um mundo de luxo,
hábitos refinados e erudição baseado em modelos europeus, correspondia, assim como o título
de Atenas Brasileira, a uma construção das elites para si mesmas, deixando à parte escravos,
índios, livres pobres, uma vez que, segundo Lacroix (apud FARIA, 2001, p. 69), “o
narcisismo dos maranhenses foi o sentimento que os levou a construir uma imagem culta de si
mesmos”.
44
As elites maranhenses, com o objetivo de criar um espaço de legitimação para a
incrustação e proliferação de suas idéias, conferiu centralidade à figura do letrado. Resende
(2007), abordando as representações do mito da Atenas, ressalta que a presença desses
intelectuais das letras em cargos públicos pertencentes às altas esferas burocráticas do Estado
permitia-lhes manter o controle do poder numa esfera simbolizada, podendo usar da posição
que ocupava para persuadir, devido tanto à sua ação política quanto literária. Nessa linha de
raciocínio, devem ser tomados como exemplos Gonçalves Dias, João Lisboa e muitos outros.
Corrêa (1993) corrobora essa visão, afirmando que era comum esse atrelamento
dos intelectuais ao poder político, pois, ao mesmo tempo em que os intelectuais se
beneficiavam com o patrocínio político, os políticos os utilizavam para construção de sua
própria imagem política.
Resende (2007) defende que a gestação do mito de Atenas Brasileira teve ligação
intrínseca com o Romantismo, afirmando que essa representação não foi elaborada pelo
Grupo Maranhense, mas ao redor dele, por meio da ação individual de cada letrado desse
grupo. Tal construção foi interpretada como significativamente consciente, visando à
elaboração de uma diferenciação da cultura maranhense, que era a fundação do pensamento
romântico e literário nacional, criando por isso o semióforo de Atenas, diferenciando-se um
pouco das interpretações dos autores anteriormente mencionados.
Esse título, por sua presença, desde a criação, no imaginário da produção histórica
e literária maranhense, vem suscitando muitas interpretações e versões feitas por estudos
sejam à luz da história, da literatura, da sociologia ou de outra área. Está presente no
imaginário coevo e vivíssimo nas gerações posteriores da literatura maranhense,
principalmente dos novos atenienses. Corrêa (1993, p. 198) afirma que essa concepção de
especificidade da Atenas Brasileira é profundamente acrítica, estabelecendo constantemente
um vínculo teologal com um passado histórico que deve ser superado, uma vez que o passado
“é uma referência à meditação, jamais um compromisso de repetição”.
3.3 Literatura decadente ou decadente literatura?
Nenhum outro grupo foi tão influenciado por esse pensamento de singularidade e
pela sensação de ser herdeiro de um passado glorioso, no qual se respirava cultura, do que os
Novos Atenienses, que assim se autodenominaram sugerindo uma tentativa de fazer um
passado virar concretamente presente. Porém, os tempos eram outros e, assim como se
sentiam continuadores de uma tradição de glórias, encontravam-se também mergulhados
45
numa atmosfera que não era propícia à ascensão das letras, prevalecendo a decadência. Por
isso, ao mesmo tempo em que tentavam dinamizar a cultura na província com periódicos,
sociedades, encontros, conferências e palestras, viviam num ambiente onde a decadência da
lavoura produzia um sentimento generalizado de mal-estar, como se pode constatar nos
artigos citados no início deste capítulo. A luta incessante por manter a chama acesa esbarrava
numa série de dificuldades e no imaginário decadente por que passavam esses intelectuais no
fim do século XIX, devido aos discursos correntes, que enfatizavam a decadência tanto
mental quanto material.
O contexto histórico se configurava instável. A abolição da escravatura, em 1888,
e a proclamação da República, um ano mais tarde, contribuíram para agravar esse quadro de
incertezas e pessimismo. A abolição representou para as elites a perda de braços nas lavouras,
levando ao agravamento da crise na agricultura, enquanto a Proclamação da República
significava um sistema de governo novo e, por isso mesmo, incerto, provocando muitas
disputas intra-oligárquicas e tornando volúvel o quadro político.
Conforme Corrêa (1993), a juventude da época organizou inúmeros eventos
culturais com o propósito de contribuir para o soerguimento de um passado de significações
maranhenses, o que lhe parecia o suficiente para tal empreitada, quando na verdade, naquele
contexto havia se instaurado uma aparente dualidade simbólica no território brasileiro: São
Luís se tornava a esclerose passadista, enquanto o Rio de Janeiro adquiria o caráter da
experiência de renovação.
Martins (2006, p. 123) descreve de uma maneira esclarecedora a atmosfera e o
imaginário desse grupo em meio àquele misto de euforia e desolação:
Rachaduras Solarescas. Desconforto. Saudades. Distância incômoda em relação a
um passado prefigurado pelos Novos Atenienses como singular, glorioso,
polissêmico e semiofórico. Reconhecimento melancólico de inferioridade intelectual
num confronto com os integrantes das gerações antecedentes, seus referenciais
onipresentes. Imagens demarcadoras das responsabilidades desses epígonos neoatenienses em vista da predisposição acalentada de dar cabo a um movimento de
renascimento cultural do Maranhão e remontar à continuidade essencial inaugurada
pelo Grupo Maranhense, que, como pensavam esses letrados, teria sido atrofiada em
sua trajetória pela emergência de vigoroso processo de decadência material, moral e
intelectual, sintomático na vida maranhense, fragilizando tanto o exercício da
hegemonia, conforme manejado historicamente por essa elite dominante, quanto a
visão de mundo que lhe era correlata.
Enfim, com a responsabilidade que eles próprios se atribuíram e a frustração de
não conseguir cumpri-la, os próprios atenienses passaram, de certa forma, a acreditar na sua
decadência também quanto à qualidade estética, uma vez que não conseguiram projetar-se
com uma literatura nacional, nem tampouco entusiasmar de forma geral a população
ludovicense com suas obras e eventos. Não atingiram, portanto, o objetivo de se igualar ao
46
Grupo Maranhense, algo improvável, uma vez que, como afirma Martins (2006), a obra por
eles produzida endereçava-se ao cumprimento das exigências que lhes eram contemporâneas e
não ao remonte de um passado impossível de ser reconstruído.
Vários autores, a exemplo de Mário Meireles, denominaram esse grupo de
decadentista, sem deixar claro se essa classificação provém de um valor literário atribuído ou
da estética à qual se filiou. Pensa-se que essa classificação se relaciona, mais uma vez, com
uma periodização ainda pautada na decadência da lavoura, pois a obra desse grupo está longe
de apresentar um valor literário insignificante. Ao contrário, em poucos momentos da história
do Maranhão se observou tanta preocupação em fazer cultura, como se pode constatar pela
proliferação de jornais e eventos, assim como pela quantidade de obras produzidas por esse
grupo. O fato de seus integrantes não terem conseguido projeção nacional também não lhes
tira o mérito, uma vez que, além do aspecto literário, para alcançar o reconhecimento público,
é imprescindível ocupar posições de poder bem definidas.
A idéia de sempre comparar as produções posteriores às de outrora impediu que se
evidenciasse o valor e as particularidades do ciclo neo-ateniense. Por outro lado, fez com que
se deixasse de perceber que essa geração não constituiu apenas um ciclo literário, mas um
movimento em que representantes dos diversos setores intelectuais – historiadores, geógrafos,
pedagogos, médicos, advogados – defenderam uma causa e uma forma de fazer política,
cultura e arte, conforme afirma Martins (2006, p. 188):
[...] resultam deficientes e, talvez, demasiado rigorosas as avaliações que imputam
aos novos atenienses um papel de somenos importância na história cultural
maranhense. Quase sempre as conclusões apresentadas a respeito da atuação deles,
os perfila num plano comparativo em que o referencial é o Grupo Maranhense, sem
levar em consideração a natureza da intervenção efetuada por esses grupos de
intelectuais em tempos e condições diversas, filiando-se a temáticas, orientações
teóricas e pertinência social igualmente diversas [...].
Com esse pensamento é que se parte para a análise de Missas negras, de Inácio
Xavier de Carvalho, uma produção poética que não é contemplada na grande maioria dos
estudos sobre a literatura brasileira. Trata-se de uma obra que sofreu grande influência do
panorama decadente prevalente da época, sendo considerada decadentista quanto à filiação
estética, mas não decadente quanto à sua tessitura.
47
4 MISSAS NEGRAS E SUAS REPRESENTAÇÕES
É sempre difícil analisar textos, principalmente como o contemplado neste
trabalho, pelo fato de não ser um texto conhecido e menos comentado ainda no âmbito dos
estudos literários brasileiros. Sua interpretação não apresenta consensos ou opiniões
cristalizadas quanto à sua análise e crítica. Este capítulo constitui um esforço interpretativo,
uma chave para a leitura da obra que se propõe analisar, a qual será considerada como um
texto literário, por assim dizer, ficcional, mas também como um relato histórico, uma vez que
está inserida numa conjuntura histórica precisa, como já relatado em capítulos antecedentes.
Por isso, a análise empreendida encerra apenas uma das interpretações possíveis para essa
obra poética, pois, segundo Goldstein (1995, p. 8), “não há receitas para analisar textos [...].
Cada leitor fará sua análise. Sempre parcial e incompleta, uma vez que a interpretação ideal
seria aquela obtida pelo conjunto de todos os leitores de um texto”.
O texto literário é, por essência, dotado de plurissignificação. Quando se trata de
um texto poético, essa multiplicidade de significados se expande muito mais, pois a poesia,
conforme Moisés (1997, p. 152-153), “aborrece a narração”, sendo entendida conforme “o
entrelaçamento dos fios que [a] organizam” (GOLDSTEIN, 1995, p. 6). Tal como concebida
por Moisés (1997, p. 157 e 162), a poesia, sendo a “arte de descrição do eu”, “se define como
sem assunto, sem argumento, sem plot, excetuada a circunstância de tomarmos esses
vocábulos num sentido menos preciso, em decorrência da própria vaguidade do eu que
protagoniza o fenômeno poético”.
Nessa perspectiva, com base em autores que analisam a teoria do texto literário, a
análise do discurso, a história da literatura brasileira e outras disciplinas relacionadas às letras
é que se analisa o texto em apreço, tentando enfatizar o período estético ao qual pertence, as
temáticas e representações acerca da sociedade da época, vendo o texto literário como
mimese, não no sentido de imitação do mundo real, mas como sua representação, tomando
como referência as reflexões de Moisés (1997, p. 26), para quem a
Imitação não é cópia, mas recriação, à semelhança de: o poeta cria, com seus meios
próprios (a linguagem verbal), um mundo à imagem e semelhança do Universo; cria
caracteres, afetos e paixões, como se fossem reais, pois não podem ser reais, visto
que as inventa ou as exprime vocabularmente.
A obra Missas negras foi escrita por Inácio Xavier de Carvalho, publicada em
1902, em Manaus. É composta por trinta e quatro poemas, sendo a maioria sonetos.
Alguns críticos da literatura maranhense concordam que a obra de Xavier de
Carvalho se insere no Simbolismo ou Decadentismo, enquanto outros afirmam que é difícil
48
enquadrar a obra desse autor numa escola literária específica. Antônio Lobo (1970), por
exemplo, criticou a obra de Carvalho por ele adotar a estética simbolista. Carvalho (1912)
destaca que, desde a obra de estréia de Inácio Xavier de Carvalho, Frutos selvagens, já
podiam ser notadas as influências nesse autor do decadentismo. O amadurecimento dessas
idéias, porém, só ocorreu com Missas negras.
Ramos (1986, p.14), por sua vez, afirma que Carvalho “descobriu em Leconte de
Lisle o seu modelo, seguindo as pegadas de Raimundo Corrêa, poeta que mais admirou nos
seus começos”, seguindo, posteriormente “pelos caminhos abertos na França por Verlaine,
Malarmé e Baudelaire”. Com Missas negras, Carvalho “ombreou-se aos maiores poetas dessa
escola nascida na musicalidade do verso, e que teve em Cruz e Sousa [...] a voz mais forte do
Brasil”, destacando ainda que o poeta maranhense chegou a escrever poemas simbolistas,
como os ortodoxos dessa escola.
Corroborando essa idéia, Muricy (1973), ao fazer o mapeamento do simbolismo
no Brasil, com a obra Panorama do movimento simbolista brasileiro, dedica um pequeno
capítulo a Xavier de Carvalho, destacando três sonetos contidos em Missas Negras: Para trás,
Noivas mortas e Volta.
Decerto, Missas Negras apresenta muitas características do Simbolismo, como o
pessimismo diante da vida, uma forte tendência à musicalidade por meio do ritmo dos versos
e rimas, além de uma concepção mística da vida, maior tendência à subjetividade, emprego de
maiúsculas alegorizantes e um sentimento decadentista. O poema Fim de Ano ilustra essas
características:
Trezentos e sessenta e cinco vezes
O sol beijou a terra...
E outras tantas deixou-a abandonada
- Esposa desprezada
Durante a noite para ser de dia
Circundada de novo de alegria
Pelos beijos do amante que lhe volta!
Um ano a mais, e nesse espaço, quantos
Mistérios desdobrados?
Quantas vezes o sol ouviu o grito,
No trono do infinito,
Da mãe chorando o filho, a esposa o esposo
E a esconder-se nos ares, majestoso,
Os ouvidos fechou à angustia nossa?
Quantas vezes o sol, o sol que beija,
Que beija e que abrilhanta
As louras searas e os trigais maduros
Não viu os frutos duros
Da guerra vil a se alastrar, intensa
De toda a terra pela face imensa,
Ao clangor dos canhões lançando balas?
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Quantas vezes o sol, o sol que veste
As campinas e os prados
Não fulminou com os raios de desprezo
Do crime o horrendo peso,
Se escondendo depois envergonhado
De testemunha ser do desgraçado
E negro mar da consciência humana?
Quantas vezes o sol, o rei do espaço,
O vagabundo louro,
Assistiu a balada da desgraça
Que pelos ares passa
Cantada pela boca desgraçada
De nós os homens que não somos nada
No imenso seio do Universo imenso?
E apesar disso o Deus (essa entidade
Que se nos diz que existe
Que se nos diz que existe e em quem eu o creio)
Porque não vem, do seio
De nós os homens, expurgar o pranto
Com a sublime promessa feita há tanto,
Falaz promessa, de acabar o mundo? (CARVALHO, 1902)
Constata-se, nesse poema, o pessimismo do poeta diante dos inúmeros dissabores
do dia-a-dia – contratempos, sofrimento humano, horrores e atrocidades das guerras, crimes
da humanidade desumana, que se encontra sem esperança, sem direção, em decadência, um
sentimento de desespero tão forte que a única saída é acabar o mundo, a fim de extinguir o
sofrimento terrestre. Trata-se de uma reflexão sobre o movimento corriqueiro da vida, sobre o
ser humano, que viveu mais um ano e continua praticando os mesmos atos mesquinhos contra
o seu semelhante. Nesse contexto, o sol se constitui num símbolo, indicando a sucessão de
dias, o correr do tempo; é a testemunha principal dos atos humanos. As rimas e a divisão das
estrofes conferem ao poema grande musicalidade, sendo esse um dos poucos poemas de
Xavier de Carvalho que não está estruturado na forma de soneto. Em artigo do suplemento
literário do Guesa Errante, Carneiro (2003, p. 21), vendo por uma ótica contrária, afirma que
as obras de Inácio Xavier de Carvalho não podem ser encaixadas num modelo literário único,
estando incluídas simultaneamente no Simbolismo, no Decadentismo e no Pré-modernismo.
Para esse autor, Xavier de Carvalho é um poeta maldito e ao mesmo tempo “irônico, satírico,
satânico, contraditório, pessimista, paradoxal e ambíguo”.
Sem pretender entrar no mérito das discussões desses teóricos, se Missas negras é
uma obra simbolista ou não, apesar de serem identificados muitos caracteres que se coadunam
com essa assertiva, o que se pode assegurar é que essas idéias simbolistas se fazem presentes
de forma contundente na atmosfera em que a obra foi gestada. Isso faz com que a obra em
apreço constitua, assim, um objeto inserido no seu tempo e espaço, no que concerne a
50
aspectos sociais, culturais, históricos, psicológicos e mesmo estéticos, uma vez que a
literatura neo-ateniense apresenta essas peculiaridades decadentistas, como ficou evidenciado.
Na poesia, é o eu-lírico ou eu-poético que se comunica com o leitor, expressando
sua subjetividade perante o mundo, como ocorre com o narrador na prosa. Ou seja, a dicção
poética provém de um ente puramente ficcional, que existe apenas na “realidade” da obra.
Percebe-se, porém, que é quase impossível que o autor não se coloque também dentro do seu
texto, mesmo que seja nas entrelinhas, deixando entrever suas aspirações, frustrações,
inquietações e seus sentimentos perante o mundo, mesmo quando finge o sentimento expresso
na superfície do texto poético. D’Onofrio (2003, p. 38) corrobora esse ponto de vista, ao
admitir que,
Na formulação de um tropo de sentido, junto com o contexto intralingüístico,
intervêm engrenagens extralingüísticas, provenientes do background cultural do
autor. Por isso, o analista deve observar não apenas o contexto sintagmático, mas
também o contexto paradigmático. Com efeito, o tropo não é só uma figura de
retórica, um ornato de estilo, mas é sobretudo o receptáculo de um significado
antropológico.
E esse eu poético, dotado de visões sobre o mundo que o circunda, assim como
qualquer indivíduo, fala, conforme Certeau (2002), a partir de um lugar social, político e
histórico definido, que imprime marcas em seu texto, nas quais é possível vislumbrar ao autor
e à sua época, suas idiossincrasias e ideologias. Ou seja, as palavras adquirem sentido a partir
da formação ideológica pessoal de seus interlocutores, que influem na percepção e na
compreensão de qualquer objeto. Porém, esse lugar social não é um lugar empírico, mas uma
posição, como bem elucida Foucault (1969 apud ORLANDI, 2003, p. 49), “é a posição que
deve e pode ocupar todo indivíduo para ser sujeito do que diz”.
Ao analisar o cruzamento entre o discurso histórico e o literário, Reis (1998, p.
234-235) defende que “o texto é resultado de uma circunstância histórica particular”, sendo
que se lê “sempre a partir de uma dada posição social, ideológica, institucional, lugar passível
de ter seu perfil histórico definido”. Ao sustentar esse ponto de vista, seu argumento é
enfático:
Se advogo que o espaço da literatura e de outros discursos é a cultura, entendida
como conjunto de textos (contexto), não procede falar em “interno” / “externo” ao
texto, visto que todo texto está suscetível de se mesclar com os demais [...]. É
descabido considerar que a história transcorre num “outro lugar” – um texto absorve
o histórico mesmo quando aparentemente o rechace.
Conhecendo-se o contexto de tessitura de Missas negras, é impossível não
relacioná-la ao contexto histórico e até à vida do seu autor, pois o texto aponta questões que
permeavam o cenário da época, da mesma forma que os fragmentos de material jornalístico
atualizados no segundo capítulo se reportavam a uma percepção de decadência em todos os
51
sentidos da vida maranhense. Segundo Carneiro (2003, p. 21), Carvalho “é um poeta que tem
a coragem de escancarar a alma e revelar-se autobiograficamente”, constituindo-se “o poeta
do eu-ele-mesmo e do eu-lírico universal”. Esse pensamento constitui a base da leitura que se
faz dessa instigante obra, no presente trabalho.
O poema inicial do livro é intitulado Profissão de fé e apresenta, de certa forma, o
conteúdo e as pretensões do autor com o lançamento de Missas negras, bem como seu fazer
poético:
Uma andorinha só não faz Verão!... Embora!
- Asas desdobrarei ao sol das Crenças Minhas
E entrarei para o Além, pelas nuvens a fora
Longe de feras más e das aves daninhas...
Ó ave! e então verás que essas penas que tinhas
Negras... branquejarão ao contato com a Aurora...
E... hás de nojo sentir das outras andorinhas.
Uma andorinha só não faz Verão!... Embora!
Subirás pelo céu... alto, alto, tão alto
Que não vejas o chão, que não vejas as casas
Agrupadas aqui n’este humano planalto...
E descerás depois... já sem peias e algemas,
Águia imensa de Luz, desdobrando nas asas
Todo um poema ideal de Revoltas Supremas! (CARVALHO, 1902).
Logo na primeira estrofe, o eu-lírico apresenta seus objetivos e aspirações,
afirmando que, apesar de toda a dificuldade e falta de apoio (uma andorinha só não faz
verão), continuará alimentando a sua alma de poeta, que corresponde à sua jornada,
representando as suas crenças e as suas convicções (Asas desdobrarei ao sol das Crenças
Minhas). Ao mesmo tempo, conclama as demais andorinhas para a sua luta interminável
contra o meio decadente. As palavras Crenças e Minhas, escritas com maiúsculas
alegorizantes, enfatizam e dão destaque ao seu próprio valor semântico. E Embora!,
deslocado da frase depois das reticências, pode ter dois sentidos para o contexto frasal: no
sentido adversativo, ligando o primeiro verso ao segundo, tendo o valor das conjunções
“contudo”, “todavia”; ou como interjeição, com o significado de “tanto faz”, “que importa”,
“ora”.
Continuando a estrofe, o eu-lírico defende a idéia de que a persistência nas suas
crenças o levará a uma posição superior, acima das nuvens, ao Além (também com inicial
maiúscula), representando assim um caráter transcendental (a condição de poeta o leva a
lugares transcendentais, o poeta deve estar num lugar privilegiado), um lugar onde não existe
o mal (Longe das feras más e das aves daninhas).
52
Já na segunda estrofe, o eu-lírico, que falava em primeira pessoa (desdobrarei,
entrarei), passou a referir-se a si mesmo como Ave. A partir daí, discorre sobre todo o
percurso de subida aos céus e transformação dessa ave num ser superior, numa Águia, que voa
alto, livre, dotado de acuidade visual, talento e perspicácia, um ser transformado, capaz de ver
o mundo sem véus e expressar suas revoltas. De fato, isso está na base de tessitura de todo o
livro. Na segunda estrofe, destaca-se, assim como em outros poemas do livro e no seu próprio
título da obra, o adjetivo Negra (Verás que essas penas que tinhas negras... branquejarão ao
contato com a Aurora), que veicula vários significados, apresentando uma forte carga
semântica. Além de expressar cor e erroneamente etnia, negro significa triste, lúgubre,
melancólico, funesto, maldito, perverso, lutuoso ou um corpo que absorve toda a radiação que
incide sobre si, ou seja, alguém apagado, decadente, morto – adjetivos esses que podem
evocar sentimentos presentes nesse livro do início ao fim.
O simbólico percorre todo esse poema, assim como as sugestões, as pausas e o
silêncio indicados pelas reticências, que comunicam mais que as palavras ditas claramente
conseguem dizer, sugerindo o algo mais, a suspensão do pensamento, a reflexão em torno
daquilo que é dito e a própria inferência do leitor, de acordo com as sensações que o poema
lhe desperta.
Assim como em Profissão de fé, alguns poemas do livro têm como temática o
fazer poético e artístico, exaltando a figura do artista, como em Deixando a argila:
Dominarás o Céu! Vamos, alma de artista!
Que, em te vendo passar, todo o cortejo irrompa
De Astros a te seguir... e o Éter todo se vista
De amplas Ressurreições, de Aleluias e Pompa!...
Que a Lua, ao te avisar, sob os teus pés se rompa!
- vencendo todo o Além, só de um golpe de vista,
Toma um bloco de Céu... dele faze um trompa...
...Que da terra ninguém a teus Triunfos assista!
A ti que importará que os espaços se enluvem
De Iras e Temporais, se a mais pesada nuvem
Basta quereres tu, de súbito a desmanchas?
Não te importará que o mundo se biparta,
Alma que estás no Azul, perenemente Farta,
Confundida com o Sol, sob um pálio sem Manchas! (CARVALHO, 1902).
E também em Poeta, no qual se destaca apenas um trecho:
[...]
Um soneto fazer, cheio de versos lautos,
Partem no meu palácio uma porção de arautos,
Lembrando o meu poder pela voz de cem trompas
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E os vendilhões, então, do amplo templo do Metro
Fogem em debandada ao fulgor de meu cetro
Feridos pelo Estilo e embriagados de Pompas! (CARVALHO, 1902).
Em ambas as composições são reservadas ao artista glórias, pompas, posições de
destaque, não de forma concreta, mas transcendentalmente. No primeiro, ao poeta é permitido
o domínio do Céu, dos Astros, da Lua, do Além, do Sol. Todas essas palavras aparecem
escritas com iniciais maiúsculas; terra, no entanto, está grafada expressivamente com inicial
minúscula, com o propósito de diminuí-la em relação aos outros corpos e imagens celestes
citados, para que os humanos não assistam à posição de destaque assumida pelo poeta. No
segundo poema, da mesma forma, essa superioridade do poeta é comparada à de reis que se
curvam ao talento do ofício e ao poder que o poeta tem quando consegue propagar suas
mensagens. Nos poemas em apreço, é nítida a intervenção do escritor falando de si próprio, o
qual, mesmo com a verdade expressa em suas obras, não consegue alcançar prestígio ou
reconhecimento na terra (que também pode ser interpretada como torrão natal), assim como a
maioria dos escritores da literatura neo-ateniense.
Nota-se que, para o escritor, a consolação para essa vida medíocre que ele leva
está sempre num plano que não é a terra, mas o além, o céu, o paraíso, somente alcançável por
meio da morte. O poema A mim mesmo parece descrever essa consolação e conformação, uma
vez que o eu-lírico insinua, através do título, ter sido escrito com a intenção de provocar ou
sugerir algo a quem a escreve. Voltar ao céu após a morte é a solução e a grande razão de sua
existência, pois somente lá o sofrimento dessa vida desestruturada cessará:
Quando morrer o derradeiro arrojo
Do teu olhar, e a derradeira chama
Do teu peito apagar-se... e tu, de rojo,
Tornares-te um cadáver sobre a cama;
Quando longe das glórias e da fama,
Morreres sucumbido pelo Nojo;
Quando esse corpo vil de barro e lama
Cair, enfim, de tumulto no bojo;
Tu’alma, então, voará, num doce arranco,
No éter sumida como cirros branco
Sob os raios de um Sol mais amplo e digno,
E voltará ao céu, num Sonho Mago,
Para habitar a estrada de S. Thiago
Sob a forma simbólica de um Signo! (CARVALHO, 1902).
O tema recorrente é a morte, seja ela carnal, espiritual ou apenas psicológica. A
morte cultuada, mostrando sempre que o eu-lírico acredita na vida como passagem e na morte
como algo desejado, uma vez que a vida está em completa ruína e decadência. A vida terrena
só causa dor e desesperança, como fica bem esboçado em Dolor:
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Vai-se espalhando de boca em boca
Que sou feliz...
E eu fecho ouvidos à frase louca
Que a plebe diz!
Julgam-me os homens num paraíso,
N’um céu fugace,
Só porque notam que existe o Riso
Na minha face!
Porque te assentas nas bases frias
Em que te pões?
Mundo inconstante, porque te guias
Por impressões?
Dentro de um riso, quantas mil cruzes
Guardam-se às vezes
Quantas venturas, em vez de luzes
Destilam fezes?
Ruga precoce, profunda e calma,
Dentro a saltar...
Sai de minh’alma, sai de minh’alma
Que eu quero voar...
Mundo! Meu braço que te resiste
Tu porque o furas
Na cruz da Mágoa com o cravo triste
Das Desventuras?
Dentro dos astros em vez de cores
Sinto paus
E sobre as rosas em vez de odores
Encontro pus...
[...]
Dor implacável, porque me feres
Funesta assim?
- Porque apagaste té as mulheres
Dentro de mim?
Doe ter-se ouvidos, sem sobre tudo
Nada escutar,
Doe-me ter-se boca para ser mudo,
Nada falar!
Vinte oito anos (dores ferinas!)
Sem alvoradas...
Tendo nos olhos ambas retinas
Atrofiadas!
Doe-me, deveras, com a vida morta
Sem coração,
Andar com a alma de porta em porta
Pedindo pão!
[...] (CARVALHO, 1902).
Nesse poema, aparecem todas as Mágoas e Desventuras do eu-lírico em relação à
sua vida, adotando uma visão pessimista quanto a ela, visto que o que as pessoas pensam (a
55
aparência) não corresponde ao que o poeta sente (essência). Uma solidão, uma tristeza, uma
desesperança, uma dor aparecem em conflito com o mundo e consigo mesmo: tendo ouvidos e
não escutando, tendo boca e sendo mudo. Essa vida causadora de uma dor insuportável no eulírico é cronologicamente definida – vinte e oito anos. Tão jovem e já atrofiado, ferido,
vivendo uma vida morta! Ou seja, acontece a morte psicológica do eu-lírico.
Esse clima decadente e sombrio, característica marcante da obra, fica evidente em
Ante uma ossada em ruínas:
Aquela ossada que ali jaz, aquela
Montanha de ossos, frios, regelados,
Foi, quem sabe? Talvez de alguma bela
Ou de algum dos antigos potentados?
Quem sabe? ...e, no entretanto, abandonada,
Pernas, braços e mãos, pés e a amarela
Dentadura no chão restam poeirados,
Restam caídos! Que medonha tela!
- Um pronunciado riso de ironia
A esse valor efêmero e instantâneo
Que a gente, em vida, empresta ao mundo e a tudo
Como que sai daquela ossada fria,
Dos dentes da caverna, e de entre o crânio,
Daquele crânio eternamente mudo! (CARVALHO, 1902).
Esse soneto, muito bem construído pela técnica do enjambement4, trata da morte e
da efemeridade da vida, assim como da fragilidade do homem perante a morte. Também
sustenta a reflexão de que a morte é inevitável e igual para todos, ricos e pobres.
Essa mesma tônica é esboçada no poema A um coveiro:
Constantemente o sino a ouvir terrível
Em por defuntos, prolongar os dobres,
Tu que colocas todos num só nível:
- Fidalgos e plebeus, ricos e pobres;
E em pás de terra tristemente encobres
Os vis despojos da existência horrível
Dando todo o vigor dessas mãos nobres
Em prol do sono último e infalível;
[...]
Se a carne após o túmulo inda sonha
Livrá-la-ás ao menos da vergonha
De ouvir missas, latins e misereres (CARVALHO, 1902).
Sintomaticamente, a figura do coveiro é exaltada. Ele é responsável por enterrar
os corpos, colocando-os todos no mesmo nível, no mesmo lugar, sejam fidalgos ou plebeus,
4
De acordo com o Dicionário de termos literários, Moisés (2004), entende-se por enjambement o
transbordamento sintático de um verso em outro. Ou seja, é quando existe no verso seguinte um complemento
do verso anterior, estabelecendo a ruptura da cadência normal de um poema.
56
ricos ou pobres, livrando-os dessa existência horrível e dos rituais pós-morte, aos quais se faz
uma crítica.
Outro personagem da vida real que é exaltado, já que representa a morte, é o
carrasco, tematizado no poema A um carrasco, do qual se transcreve o seguinte e elucidativo
trecho:
[...]
Não tens as maldições, como alguns pensam,
Pelo contrário fazes jus a benção
Do executado a quem tiraste a vida...
Se a cabeça que cai do cadafalso
Pudesse, acaso, te correr no encalço
Te beijaria as mãos, agradecida! (CARVALHO, 1902).
Tal apego à morte, à transcendência concede um tom sombrio à obra, um tom de
degeneração. Essa é a imagem que se depreende do poema Ante um castelo em ruínas:
Ei-lo, o paço soberbo de outras eras,
o sublime solar de pedrarias,
de um antigo senhor
[...]
Ali outrora a castelã, o encanto
do antigo titular, arfando o peito
ao coração fiel,
de um pajem vagabundo ouvindo o canto,
saía, à noite, do custoso leito
a ver o menestrel.
[...]
Sobre o tapete azul daquelas salas
quantas vezes o estrépito de danças
fidalgas ecoou?
E a nobreza de França quantas falas,
que juras de amor, que de esperanças,
por ai não rolou.
E no entretanto agora, que inda resta
Desse edifício retumbante e belo,
fidalgo e senhoril?
Poucos restos em meio da floresta
e a figura somente de um castelo
entre destroços mil (CARVALHO, 1902).
Mais uma vez, o sentido do poema converge para a atmosfera decadente em que
ele foi gestado. O tom nostálgico e saudosista fica bem evidente, quando se opera na primeira
parte do poema toda uma descrição de tempos de Glórias e Pompas, contrastando com a
segunda parte, que trata do tempo presente em decomposição, muito inferior ao que foi
outrora. A ideologia da decadência da “presencialidade” do passado explicada por Almeida
(1983) está embutida nesse poema, assim como o sentimento de retorno e exaltação do
57
passado que os neo-atenienses sempre tiveram em relação à geração gonçalvina. O castelo da
Atenas foi erguido por essa geração, porém, no presente, tem-se ainda o título, mas não se
possuem os poetas, nem as composições, nem o reconhecimento – apenas resquícios de um
título em estado de deterioração, porque não se pode sustentá-lo, devido à inferioridade
intelectual do tempo presente. Esse é o imaginário que rondava esses poetas e é a perspectiva
que esse poema encerra. Ela está presente em várias composições durante a obra, como é o
caso de Hoje, por exemplo:
Do meu peito o pomar, antes risonho,
Hoje é sem chuva e até de orvalho enxuto,
O ar vive seco e o céu vive tristonho,
Sem água o espaço e a terra sem dar fruto.
O horror da morte a perpassar escuto
Por sobre tudo num pavor medonho!
Té os galhos, sem cor, estão de luto
Das carcomidas árvores do Sonho!
- Por toda aquela natureza em mágoa
Tudo sinto morrer à míngua d’água
Sem que o inverno de céu jamais irrompa...
Na árida terra que o calor invade,
A única flor é o cactus da Saudade
Que desabrocha lânguida e sem pompa! (CARVALHO, 1902).
A constatação é de definhamento, com o uso de imagens da natureza,
simbolizando, na verdade, a sociedade. A sociedade descrita não colhia mais frutos, porque
não havia chuvas (iniciativas) para que esses frutos brotassem e amadurecessem; até o ar se
tornou seco, pesado. O tempo estava sombrio, pois a morte rondava em toda parte. Todo esse
desabafo do poeta é sentido de fato no último terceto, quando ele concebe a imagem de que a
única flor resistente é o cacto da Saudade, ou seja, algo que não precisa ser regado, mas que
persiste, porque o passado é infinitamente superior ao presente. O poema De longe ilustra
bem esse saudosismo:
Já o mesmo não sou o que dantes era!
- Raios de Luz surgindo-me defronte,
Dobrei os joelhos e curvei a fronte
Abandonando o andrajo da Quimera.
De alma bailando pelo azul da Esfera
Em desmaios de Cor pelo horizonte,
Outras águas bebi de estranha fonte...
Já o mesmo não sou que dantes era!
De asas nas costas, quis chegar aos astros...
Mas caí, como um Ícaro, de rastros,
E eis me de novo a precisar de Auxílio...
E eis me de novo crocitar sem calma
Com as Saudades do Céu que tenho n’alma
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E estas Mágoas nostálgicas de Exílio! (CARVALHO, 1902).
O primeiro verso do poema acima já se torna bem emblemático, no sentido de
apresentar a constatação de mudança de estado daquele que diz não ser mais a mesma pessoa
que dantes era. Após a leitura das demais estrofes do poema, fica claro que essa mudança
corresponde ao estado progressivo de efervescência, sucedido pela decadência. De fato, os
novos atenienses apresentaram sua proposta inicial de Renascença Cultural do Maranhão com
toda força e altivez (De asas nas costas, quis chegar aos astros), a julgar pelo grande número
de periódicos e grêmios literários surgidos inicialmente nesse período. Porém, com o tempo,
foram concluindo que seus esforços já não eram suficientes (Mas caí como um Ícaro, de
rastros) e que dificilmente iriam reviver um passado morto. Assim, o poema trata, mais uma
vez, da Saudade e das Mágoas, signos que estão em grande parte dos poemas.
O poeta revela grande ressentimento, mágoa e decepção, sentimentos que podem
ser atribuídos ao malogro do projeto neo-ateniense. Tais inquietação e frustração diante da
vida podem ser percebidas em vários textos, como denota o fragmento seguinte de Para traz:
[...]
Andei... Um dia, a estremecer com anciã,
Pondo os olhos na estrada percorrida,
Vi meus Sonhos caindo de vencida
Apagados nas brumas da distância...
E eu quis ir para trás, num doido assombro...
Ah! mas toda a extensão da estrada incalma
Vi-a entulhada por montões de escombros...
[...] (CARVALHO, 1902).
O substantivo Sonho é grafado com inicial maiúscula, a fim de descrever mais do
que a palavra em si representa, como que expressando a sua concretude na vida real. Os
sonhos eram grandes e foram muito buscados e batalhados, mas não alcançados, devido às
dificuldades em viver naquela época sustentado por arte e literatura. Numa terra em que mais
de 80% eram analfabetos, avultavam as dificuldades para se tocar um projeto de Renascença
sem estrutura e mecanismos para tal, a que se somavam as dificuldades decorrentes da
distância. Todos esses fatores contribuíram para que muitos artistas tivessem que buscar fora
do Estado condições de sustento próprio e de sua família. Esse foi o caso de I. X. de Carvalho,
que expressou a sua tristeza e as dificuldades que experimentou longe de sua terra,
metaforizando tal situação a partir do uso de imagens de ovelhas desgarradas que
abandonaram o seu curral, descritas no poema Exílio:
Pobre da ovelha que abandona o aprisco
Para em meio viver de um clima estranho!
- Berrando Mágoas, correrá o risco
De entre ovelhas morrer d’outro rebanho...
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Sem pasto... e a sentir fomes sem tamanho
Há de achar o capim tornado em cisco,
Ressequido ao calor de um sol de estanho!
- Pobre da ovelha que abandona o aprisco!
Entre o feno que o chão queimando junca
Correrá para trás... porém mais nunca
Pisará sobre o chão do pátrio cérreo,
E há de, por fim, cair dos átrios
Verdejantes e azuis dos cerros
Morta de queixas sem soltar um berro!
(CARVALHO, 1902).
Os poemas de I. X. de Carvalho podem funcionar como um auto-retrato que pode
ajudar a (re)compor a personalidade do autor e o lugar social por ele ocupado como artista do
verso. Toda essa indignação e revolta são sentidas, todas as suas mágoas e decepções são
expressas, apresentando, inclusive, um lado social e psicológico.
Mas não somente a morte é temática corrente dos poemas de Missas negras, que
inclui também poemas dedicados à vida, ainda que conservando um tom pessimista, tecendo
críticas severas e impactantes às mazelas dos homens e aos os vícios, defeitos, maus hábitos,
desregramentos e barbaridades do ser humano, em toda a sua desumanidade.
Nesse contexto, em relação à natureza, o homem representará sempre parcela
devastadora e perigosa, como os versos de Não! deixam entrever:
Se Deus um dia, lá da imensa altura,
Aos animais acaso perguntasse,
E à planta e ao mineral interrogasse
Se queriam ter alma por ventura...
Se desejavam que ele os transformasse,
De repente do mundo pela agrura,
Nivelando-os da terra sobre a face
À condição da humana criatura...
Se queriam também pela existência
Como o homem, gozar de Inteligência,
Como o homem, ter uso da Razão,
Todos, em bando, nesse atroz momento,
Unidos sob o mesmo pensamento,
Responderiam, trêmulos, que não! (CARVALHO, 1902).
Esse soneto, apesar de sua simplicidade e palavras fáceis, leva a um profundo
estado de reflexão. A crítica à sociedade é severa e direta, pois de nada adianta ter alma,
Inteligência ou Razão, se a humanidade comete por séculos erros recorrentes, atrocidades e
selvagerias. Tal comportamento se configuraria como pior do que o dos animais, que não
mentem, não enganam e só matam quando estão ameaçados ou para saciar sua fome. O ser
natural se colocaria, pois, acima do ser cultural, à medida que não é corrompido pelas
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instituições. O soneto O cão é um exemplo dessa posição do autor, que usa a figura do melhor
amigo do homem, o cão, como uma metáfora do próprio comportamento humano:
Até nos cães!... – Faminto, conheci-o
Uma noite atirado no abandono
Num queixoso ladrar falho de entono,
Exposto aos vendavais e exposto ao frio...
E eu tive pena e dó do cão sombrio,
E, ajuntando-o do chão, fiz-me seu dono...
Matei-lhe a fome e garanti-lhe o sono
Dentro das palhas de um colchão macio...
...Fiquei pobre afinal... e o cão, que, outrora,
Salvei da morte, me ladrava agora
Como a dizer: “sustenta-me ou te mordo!”
Até que, enfim, cheio de fúria imensa,
Mordeu-me ambas as mãos em recompensa
E de casa fugiu depois de gordo! (CARVALHO, 1902)
Esse cão mostrado no texto está escrito em linguagem figurada, pois cão também
significa um tipo de xingamento a alguém que não tem princípios e valores, diferentemente do
cão animal, considerado fiel e amigo. O cão homem não sabe receber, não sabe dar, não sabe
agradecer. Trata-se aqui da ingratidão do homem e seu interesse sempre em relação a outras
pessoas naquilo que se tem e que se pode oferecer, e não naquilo que a pessoa é.
Ao longo dos poemas, a humanidade é constante e contundentemente questionada
em toda a sua complexidade. No poema Na Cruz, mais uma vez isso acontece, pois o soneto
narra a saga de Jesus na cruz, sofrendo e morrendo pelos homens que o maltrataram, cuspiram
em sua face e participaram, aplaudindo o seu sofrimento:
Preferiram a mim que se soltasse
Barrabaz o facínora maldito,
E, abrindo chagas em meu corpo aflito,
Prenderam-me e cuspiram-me na face.
Sem Madalena haver que me chorasse,
Dei sete quedas sem soltar um grito!
- Mandaram que, em colunas de granito,
Um verdugo meus ombros amarrasse...
Morri na cruz... sem que, contra os maus tratos,
Ninguém lavasse as mãos como Pilatos,
Sem ninguém recolher meus ais supremos...
E eu vi apodrecer meu corpo inteiro
Sem que viesse arrancar-me do madeiro
A caridosa mão de um Nicodemos! (CARVALHO, 1902)
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O eu-lírico se apresenta em primeira pessoa como se fosse o próprio Jesus Cristo
narrando o seu sofrimento, apontando para o viés religioso da obra, que fica óbvio a partir de
seu título.
Ao longo das composições, essa crítica social foi se direcionando a setores
específicos da sociedade, seus vícios e instituições, salientando percepções diversas. O poema
A um devasso é esclarecedor dessa atitude do poeta:
Da volúpia a cantar no imenso coro,
Apedrejando a imagem da Virtude,
Lanças a honra dentro do ataúde
De um condenado e pérfido desdouro
Nesses, em que vais, desregramento rude,
No leilão de quem vende o corpo a ouro
E a carne mercadeja, sem decoro,
Compras gozos e estragas a saúde
Entre os beijos de amor e abraços loucos
Das prostitutas vis, dessas mulheres
Por cujo amor constantemente anseias,
Vais, o teu sangue envenenando aos poucos,
A guardar para os filhos, se os tiveres,
Uma dose de sífilis nas veias! (CARVALHO, 1902).
Nesse poema, como em outros, pelo seu próprio título, parece que o eu-lírico quer
dar ensinamentos e conselhos a quem o poema é ofertado. Nesse caso, a crítica que ele faz é
para aqueles que vivem na luxúria, que gastam dinheiro com prostitutas, e às próprias pessoas
que vendem seu corpo, recebendo somente degenerescência e doenças. O destaque dado à
palavra Virtude funciona como se o poeta quisesse educar, aconselhar e atentar para a
transformação desses vícios em virtudes e em bons hábitos.
O vício da jogatina também foi criticado no livro, por meio do poema A um
jogador:
Tu’alma, essa infeliz de vícios farta,
Num baralho, a correr, toda se encerra.
Teu pão é o trunfo, teu futuro é a carta,
Numa marcha de escândalos que aterra!
O pano verde: – eis tudo! – Sobre a terra
Chovam raios de fogo e o céu se parta!
Tua idéia, quem pode emocionar-t’a
Embora o mundo se arrebente em guerra?
No az, no rei, na dama, no valete,
Dois e três, quatro e cinco, seis e sete,
E nas mais cartas teu porvir se perde!
Tens a honra escondida nas cartadas,
Nos ouros e nos paus, copas e espadas,
Na atração infernal de pano verde! (CARVALHO, 1902).
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A crítica ao jogo é mais uma vez bem marcada por um soneto simples, mas
bastante sugestivo, em que são usados termos do próprio círculo do jogo de cartas para
criticá-lo: o pano verde, os naipes do baralho, os números são usados para demonstrar quão
perigoso é esse jogo que vicia e faz o jogador esquecer da sua própria vida e das pessoas que
o cercam para se dedicar exclusivamente ao carteado, perdendo sua honra, tornando-se
dependente e infeliz e sem perspectiva de vida.
Tece também censuras a atores sociais, a ponto de ensaiar um ensinamento, uma
moral. O poema A um rico leva a um exame em relação a aspectos sociais que passam
despercebidos na vida comum, como se pode detectar no trecho seguinte:
Das nuvens cor de rosa de opulência
Tentas em vão bater a Desventura
E, no entretanto, quanta noite escura
Em vez de auroras, veste-te a existência!
Quantos desses que vivem na indigência
Dos restos do que comes à procura
Mais do que tu não vivem na Ventura
- Da pobreza na pálida da aparência?
Quantos desses que dentro dos farrapos
De um em pedaços miseráveis trapos
Que lhe servem de capa ao corpo nu,
Quantos desses que míseros, sem nome,
se revolvem no pélago da fome
não são mais venturosos do que tu? (CARVALHO, 1902).
Uma bela mensagem que se aufere desse poema diz respeito à existência. A crítica
à opulência, ao luxo, à ostentação fica evidente por meio desses versos claros, mas cheios de
significação. Suscita a meditação de que o dinheiro não é tudo, pois não compra a amizade,
nem a felicidade, nem a paz. Quantas pessoas que vivem uma vida simples não são mais
felizes do que aquelas que têm muitas posses? Além disso, o texto suscita uma questão social,
relativa à distribuição igualitária de renda, e alerta a própria consciência de uma pessoa
considerada rica para a realidade de pobreza em que muitas pessoas vivem. A um ladrão é
outra composição que também leva a uma postura reflexiva semelhante:
Dizem que cometeste uma ação feia,
Talvez porque num pão lanças-te a garra;
De um Tribunal vão te levando à barra
Como defraudador da cousa alheia...
Mal o olhar do Juiz contigo esbarra,
Em prol da lei em cóleras se ateia;
E um beleguim de súbito te agarra
Pra que pagues teu crime na cadeia
Presta atenção: – se trouxesses tu roubado
Muito dinheiro, em vez de ninharias,
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Em lugar de calceta eras barão
Mas em vez de barão és condenado
Porque em vez de furtar grandes quantias
Para a fome matar furtaste um pão! (CARVALHO, 1902).
Com mais esse poema, fica claro que o autor não estava desatento às questões
sociais de sua época. A decadência, o pensamento pessimista e uma tendência à morte não
impediam que se fizesse uma literatura engajada, atenta a várias questões sociais fulcrais
presentes em todas as épocas. Uma dessas questões é a corrupção, temática desse soneto. A
crítica é assacada ao sistema jurídico, que condena quem rouba um pão, mas acoberta aqueles
que roubam milhões, colocando no debate a questão da impunidade e da (in)justiça, que, ao
contrário do que preconizam seus princípios, discrimina e exclui, tratando ricos e pobres de
maneira desigual.
Nessa obra, a literatura cumpre o seu papel precípuo de engajamento, assim
também como o de colocar em discussão aspectos da dinâmica social que são polêmicos e
necessitam ser sanados para que as pessoas tenham uma vida melhor. O texto literário – e a
poesia em particular – pode denunciar, transformar e deve colocar em evidência problemas da
existência humana, como se pode perceber no soneto intitulado Alma:
As Idéias, transforma-as em gaivotas!
E vai da Glória aos píncaros da serra
E mostra ao riso alvar desses idiotas
Teus versos como flâmulas de guerra!
Como um Titan que nos espaços erra,
Faze um roteiro azul de Estranhas Rotas,
Alma! E fulmina os imbecis da terra
Entre raios de Másculas Derrotas!
Rasga nuvens esplendidas de Frases
Ora em poesias longas e mordazes,
Ora, nos versos de uma simples quadra!
E, em complemento após da Glória Tua
Ficarás lá por cima como a Lua
E eles em baixo como o cão que A ladra! (CARVALHO, 1902).
O que é o trabalho do poeta senão transformar as suas idéias em gaivotas e fazêlas voar, causando impressões, sentimentos, catarse em todos os que têm contato com elas? O
verso para o poeta é sua arma, seu instrumento de trabalho, por meio do qual ele pode dar
vazão às suas emoções e às emoções do mundo.
No último poema de Missas negras, denominado Eu!, sugestivamente dedicado
Aos que me não compreendem, o eu-lírico aprofunda esse pensamento, tentando descrever-se
e assim, descrevendo a trajetória do seu próprio autor, seus vôos (suas tentativas), em meio a
essa vida cruel e agora desesperançada, esperando somente a morte como alento e bênção:
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Vamos, pobre infeliz! Muda em azas teus braços!
Desfere o vôo teu, num anseio profundo,
Para o local que houver mais alto nos espaços,
Para o trecho do céu mais distante do mundo!
E uma vez lá chegando, errante e vagabundo,
Desta vida cruel liberta-te dos laços
E atira-te, a cantar, do precipício ao fundo...
Quero ver-te cair dividido em pedaços!
Morre como um herói! Deixa que o Meio brama!
Fecha o ouvido ao Elogio e os olhos fecha à Fama
E despreza da Inveja as pérfidas alfombras...
E morre, coração! Pois, ao morrer, enquanto
Tens Injustiças de uns, tens bênçãos de outro tanto...
- Morrerás como o Sol – entre Luzes e Sombras! (CARVALHO, 1902).
No entanto, o poema que serve de síntese a todos os propósitos da obra,
elucidando a quem e a que veio e o efeito que deseja causar é Chegando... Trata-se da maior
composição da obra, dividida em quatro partes, que correspondem a quatro sonetos,
transcritos abaixo:
Venho mesmo não sei de que Degredo
Improvisando altares no caminho,
A rezar, de olhos fitos no arvoredo,
Missas Negras sem hóstias e sem vinho
Lá nos conventos monacais de Medo
Tomei de frade este burel de linho...
E, da Vida no estúpido rochedo,
Eis me na encosta a caminhar sozinho.
Poetas de todo o Mundo, vinde ouvir-me!
- Que um Monge Bom, com os olhos rasos d’água
Quase às portas da Morte, porém firme,
Vai produzir, numa oração sentida,
Desse intangível púlpito da Mágoa,
Todo um sermão de Lágrimas à Vida!
II
D’onde venho não sei... Venho de faina em faina
Misterioso a correr desolado e tristonho...
Venho talvez de um céu onde a dor não se amaina
Ou, quem sabe? Talvez dos infernos do Sonho!
Fica a terra queimada onde meus pés eu ponho...
- De entre as dobras cruéis desta minha sotaina
Jorro poemas sem luz de Extermínio medonho...
D’onde venho não sei... Venho de faina em faina...
O gemido fatal que de meu lábio escapa
Faz tremerem os reis... e até tu mesmo, ó Papa,
Deixas rolar da mão o báculo que trazes...
E ao fulgor infernal de meus olhos à tona
Sinto que ao meu olhar tudo se desmorona,
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Que a sociedade atual estremece nas bases!
III
Venho, em nome do céu, atroando pelo espaço
A buzina da Dor, sombria e merencória...
- Venho quase a morrer, de fracasso em fracasso,
Para depois viver de Victoria em Victoria!
Meu peito não é mais que uma tumba marmórea
A destilar o Mal e o Bem por onde eu passo...
- Trago repleto o olhar de pedaços de Glória,
- Tudo morre e sucumbe ao poder do meu braço...
Sou Lusbel e sou Deus! Nasci do mar na espuma
Ou da terra no chão! Sou tudo e nada em suma...
- Sobre mim do Universo a atenção se concentre,
Pois desejo afinal, com as palavras em jogo,
Envolver a Mulher em círculos de fogo
Para, em nome do Céu, infecundar-lhe o ventre!
IV
Sou um frade infernal... Com os meus lamentos
Vivo a aturdir o coração do espaço
E a tisná-lo dos tons sanguinolentos
Das palavras tristíssimas que traço...
Nos conceitos fatais de atros acentos
D’estes sermões de Dor que aos homens faço
Lanço dogmas de fel aos quatro ventos
Invectivando o mundo a cada passo!
De olhos ocultos num capuz de monge,
Pregando o Tédio e apostolando o Leito,
O Evangelho da Dor trouxe-o de longe...
Para abençoar nos versos que dedilho
A ave sem ninho e as árvores sem fruto
E os ventres de mulher que não têm filho! (CARVALHO, 1902).
Esse poema parece caracterizar bem o que Inácio Xavier chama de Missas negras
– “Missas negras sem hóstias e sem vinho”, apenas com o grande sermão que o autor tece a
cada poema. O tom religioso, juntamente com o pessimismo, a morte, o medo, a dor e as
críticas à sociedade são todos facetas de um livro com múltiplos enfoques e muitas
interpretações. O tom eloqüente de um sermão que desola e desseca o mundo faz do poeta um
ser maldito, que vê desmoronar tudo que está a sua volta: “sou um frade infernal”. Esse
desmoronamento se expressa pela própria decadência da sociedade e nas críticas que desfere
contra ela, mostrando o que ela tem de mais desumano, de mais hipócrita – seus vícios,
dilemas, inquietudes: “a sociedade atual estremece nas bases”.
A idéia de andança, de exílio – “Donde venho não sei... Venho de faina em faina”
–, parece aludir à própria vida real do autor, em suas andanças de norte a sul do país, sua vida
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de andante, mostrando-se cansado, fracassado e à beira da morte. As palavras Degredo, Medo,
Vida, Mundo, Morte, Mágoa, Lágrimas, Extermínio, Sonho, Dor e outras, que, como
extensamente discutido, fazem parte da unidade vocabular da obra, são grafadas mais uma vez
com iniciais maiúsculas, dando a idéia de nomes próprios e aumentando sua significação
dentro do contexto semântico geral. Na última parte, no segundo quarteto do soneto, ficam
bem explicitados os objetivos desse “frade infernal”, ao mesmo tempo em que revela o que
para ele é o lado “negro” da sociedade, revela as dores provenientes de seu conflito
existencial com o mundo, lançando as suas críticas, inventando o mundo por meio das suas
idiossincrasias, presentes na obra.
Por esse viés moralizador, denunciante, crítico, a obra Missas negras, ao
apresentar um grande painel da época e do próprio autor que lhe deram origem, constitui-se
numa obra atual, que discute aspectos que estarão sempre presentes em toda e qualquer
sociedade. Inácio Xavier de Carvalho é um sacerdote das letras que, pela força de suas
palavras e dos seus sermões de dor, tem o poder de queimar a terra e “destilar o Mal e o
Bem”. Trata-se, principalmente, de conduzir quem tem contato com sua poesia ao lugar mais
profundo de uma auto-reflexão, do autoconhecimento e a capacidade de operar mudanças
significativas em suas vidas.
67
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O entrelaçamento entre História e Literatura é hoje uma postura visível e
necessária para estudiosos de ambas as áreas do conhecimento. À disciplina histórica, a
literatura contribui como fonte, como saída para uma nova história, como representação da
realidade e como modelo a partir do qual o historiador pode aprender a se expressar e a contar
histórias. Ou seja, como otimizar e dar leveza a sua escrita, para que possa alcançar, de forma
mais objetiva e direta, o leitor e estabelecer com ele um profícuo diálogo por meio de uma
escrita simples e ao mesmo tempo profunda, democratizando debates e temáticas nitidamente
acadêmicos para o âmbito público. A Literatura, por sua vez, usa e abusa da história,
recontando-a, subvertendo-a, reinterpretando-a, suavizando-a, tornando-a artística, atraente,
sensível, enriquecedora, visto que a literatura não aponta diretamente soluções, mas mostra e
debate aspectos históricos da realidade, levando a uma reflexão que pode apontar soluções.
No entanto, tanto a História quanto a Literatura compartilham a característica
comum de se constituírem em relatos. Isso as aproxima, pois o sujeito do ato narrativo é o
homem, que é também o grande inspirador e grande objeto dessas duas áreas do
conhecimento. Entre tantas características paralelas, então, o que as diferencia, afinal? A
história não pode simplesmente fantasiar, como a literatura: ela precisa comprovar, ou seja, a
história sempre reclamou para si o status de Ciência, enquanto a literatura é Arte.
Diagnosticar essas proximidades e a influência recíproca entre as duas foi o
grande mote deste trabalho, tendo como foco analisar a literatura neo-ateniense como um
modo de ver a vida dos respectivos escritores, bem como aspectos da sociedade em que eles
viveram. O que significa, pois, a obra de Inácio Xavier de Carvalho, mesmo com toda a
licença poética a que teve direito, senão um grande relato acerca da decadência, do
pessimismo e da crítica presentes no imaginário – pelo menos dos letrados atuantes entre o
final do século XIX e o início do século XX? Situando esses escritores como sujeitos
historicamente construídos e, por isso, homens de seu tempo, detecta-se em suas obras um
saudosismo em relação à geração romântica, que persiste até os dias atuais no imaginário dos
ludovicenses, dos maranhenses em geral e de algumas pessoas de outros estados.
A história da literatura maranhense atual, conhecida apenas por uma pequena
parcela da sociedade maranhense, ainda repousa apenas em referências como Gonçalves Dias,
sendo raros os leigos que conhecem autores da contemporaneidade. Até hoje, a menção à
Atenas Brasileira é recorrente, sendo usada amplamente para provocar o sentimento de
pertencimento a um lugar de intelectualidade, de singularidade, de um futuro próspero
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baseado no passado e de um presente sempre enormemente inferior ao passado. Com os neoatenienses, isso se deu de forma mais drástica e incisiva, por isso a sua frustração e o
sentimento de derrota foram bem maiores. E essa construção do século XIX ainda está
presente no século XXI, mesmo com todos os estudos que evidenciam a heterogeneidade do
Grupo Maranhense, que o Maranhão não foi um lugar propício à literatura dessa época, que a
intelectualidade se restringia a uma minoria da população. Além disso, já tem sido esclarecido
que esse título constituiu um artifício de um grupo economicamente poderoso para manter
uma posição de destaque frente às elites brasileiras, e mais: que Coimbra já era considerada a
Atenas Portuguesa, sendo que os jovens que lá estiveram, estudando em suas universidade, é
que transmigraram esse epíteto para São Luís. Ou seja, essa idéia de Atenas não é tão original
quanto parece, constituindo-se uma invenção. No entanto, como já foi mencionado, um
período de glórias serve a muitos interesses, principalmente políticos, porque sonhar com um
futuro igual ao passado retira o foco do pensamento do presente.
Uma realidade triste é manter contato com essa literatura produzida pelos novos
atenienses e perceber, no cotidiano, que os maranhenses não a conhecem, muitos poucos
ouviram falar em Inácio Xavier de Carvalho, Antônio Lobo ou Domingos Barbosa. No ano
passado em que a Academia Maranhense de Letras, fundada por esse grupo, completou 100
anos, essa instituição está relançando obras desses autores, o que representa uma iniciativa
para conservar a história e a memória da Academia e da literatura maranhense como um todo,
que não se resume somente a Gonçalves Dias, mas a outros escritores com a mesma aptidão
para as letras.
Parafraseando Jomar Moraes, quando discorre sobre Maranhão Sobrinho, o dia
em que for feita em todos os sentidos, uma reavaliação crítica ainda reclamada da Literatura
Brasileira, caberá aos novos atenienses um lugar que ainda não lhes foi reconhecido. Será
possível, enfim, vê-los sem preconceitos e sem comparações esdrúxulas.
Voltando à pergunta formulada muitas vezes ao longo deste trabalho e da
afirmação de Mário Meireles: literatura decadente ou decadente literatura é a literatura neoateniense? Literatura de temática decadente, pessimista sim, escrita num período de
instabilidade política, econômica e social, refletindo o contexto de sua época, porém jamais
decadente quanto ao modo de escrever literatura, no sentido de crítica ou juízo de valor. No
entanto, como um incentivo para a leitura das obras desse grupo, somente o contato direto
com a obra poderá responder a essa pergunta.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO