TEMPO JOVEM O silêncio texto Luís Maurício foto Ana Paula Sempre considerei a palavra “Silêncio” como uma daquelas palavras que guarda uma grande força e poder em si própria. Muitos de nós sabemos quanto nos custa alcançar o silêncio num mundo mergulhado em barulho ensurdecedor. Mas, ao mesmo tempo, todos nós já fomos, alguma vez, beneficiários da imensa paz que brota do silêncio interior. A etimologia ou a origem da palavra silêncio, vem do latim «silentium», que significa estar em repouso, tranquilidade, descanso. Quem de nós não anseia por uma tranquilidade e um descanso assim!? Experiência de infinito e ao mesmo tempo ameaça Vejo o “silêncio” como uma moeda de duas caras ou como uma espada de dois gumes. De um lado temos o silêncio que se apresenta como promessa que nos leva a experimentar o infinito ou o mais além, neste mundo finito ou sensível. Da outra parte, vejo o silêncio como ameaça e destruição. É esta cara do silêncio que eu pretendo abordar. A minha provocação neste artigo parte duma olhadela sobre o nosso mundo. Já não é novidade para ninguém que o índice de pobreza aumenta de maneira desmedida e que são, cada vez mais, as pessoas que vivem com um euro por dia. Parece-me que, para muitos, já não é notícia de actualidade o tráfico humano que continua a aumentar a lista de familiares desaparecidos e a exploração juvenil através da prostituição e da droga. Estamos tão habituados a ouvir tudo isto e muito mais que, ultimamente, estes dados começaram a provocar indiferença. Pergunto-me: Como é possível viver tranquilo e descansado, sabendo que há tantos gritos que clamam pela nossa atenção e ajuda? A dor do outro interpela-nos, quer se goste quer não. Não podemos ficar calados ou em silêncio. Quebrar o silêncio para construir a paz Num mundo onde todos deveríamos ser construtores de paz, descubro que há um silêncio pior que o silêncio dos “silenciados”, ou dos que não falam porque não sabem. Estou a referir-me ao silêncio dos “silenciosos”, daqueles que calam enquanto podem e devem falar. Será indiferença, medo ou ignorância? Muitos pensam que denunciar um caso de injustiça pode criar-nos problemas. Outros pensam que intervir ou falar, muitas vezes não vale a pena, pois nada mudará. E assim, nesta sucessão de “silêncios cobardes”, vamo-nos tornando cúmplices de uma inumerável lista de iniquidades que destroem as nossas relações e acabam por denegrir a dignidade humana. Há uma frase de Martin Luther King que me acompanha desde o começo da minha vida missionária. “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Costumo completar esta afirmação sempre FÁTIMA MISSIONÁRIA 26 ABRIL 2010 com a mesma pergunta: Onde estão os cristãos? Parece que muitos preferem ficar escondidos dentro dos templos ou talvez pensem estar justificados pelo mero cumprimento de ritos e tradições. Se Cristo incarnou, morreu e ressuscitou não foi para que os cristãos ficassem com uma regra de vida a cumprir? O projecto de Deus é muito maior Deus quer que tenhamos a vida em abundância e isso significa que, como seguidores de Cristo, somos chamados a construir a nova civilização do TEMPO JOVEM cúmplice “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons” Martin Luther King amor. Onde a igualdade combate a indiferença, a fraternidade gere a paz e a liberdade seja fruto da verdade. Para que estes milagres aconteçam, é preciso quebrar o silêncio cúmplice assediado pelo medo. Os verdadeiros cristãos têm uma missão importante a cumprir e, para isso, é preciso assumirem a sua vocação de anunciadores da “Boa Notícia” e denunciadores de tudo aquilo que atenta contra a dignidade de qualquer pessoa. Só assim poderemos dormir em paz, viver como irmãos e sonhar juntos com um mundo melhor. Se por acaso alguém esqueceu das razões do nosso ser cristão, eis algumas palavras do Evangelho, para refrescar a memória e o coração: “Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus. Felizes de vós, se fordes insultados e perseguidos, e se levantarem toda a espécie de calúnias contra vós por causa de Mim. Alegrai-vos, porque será grande a vossa recompensa no céu”. Mt 5,10-12 Não é o temor de sermos perseguidos que nos deve silenciar. É a coragem de assumir com determinação o nosso ser cristão que não nos permite ficar calados! FÁTIMA MISSIONÁRIA 27 ABRIL 2010