AVULSAS IMPRESSÕES Foi com bastante agrado e ao mesmo tempo receio que aceitei escrever estas “avulsas impressões” sobre o livro da Ana Paula Mabrouk intitulado «Crónicas da Arte e da Vida» deliberadamente inspirado no livro póstumo do grande poeta do mundo, Rainer Maria Rilke, «Cartas a um jovem Poeta» e que marcou, de forma quase revolucionária, muita gente que o leu desde que foi publicado e é hoje um clássico no sentido em que sempre que surge a alguém o desafio de escrever e de partilhar (sobretudo poesia), outro alguém acaba quase sempre por aconselhar a leitura e fruição desta obra (que não sendo a obra mais importante do autor – longe disso) acaba por ser a mais conhecida porque tem, como estamos a ver mais uma vez com o livro da Ana Paula, uma função bastante prática quando alguém nos pergunta se o que escreve vale ou não a pena. As ideias, os conselhos, as especulações e as opiniões que lá estão, acabam por ser como que um padrão, uma referência, uma orientação primeira e essencial para todo o jovem escritor seguir (sobretudo os que se aventuram no género maior e difícil que é a Poesia). Também eu (jovem autor) e quase ao mesmo tempo jovem editor, tive o meu período de aconselhamento desta obra no âmbito das minhas funções de director literário de duas editoras. Contudo, chegou uma altura em que achei por bem não a aconselhar mais e quase que me esqueci da sua existência. A certa altura da vida, interiorizei a ideia - que me foi também transmitida por mestres - de que no âmbito da Literatura e de toda a criação artística, tem que existir necessariamente, momentos de descoberta pelo próprio. A partir de uma certa altura do percurso criativo, e tendo em vista a busca da difícil e almejada originalidade, a nossa melhor atitude é a de que possamos deixar cair alguns padrões e algumas referências “bebidas” até aí. Mas esta ideia/reflexão ficará para outra altura apesar de a Ana Paula também se referir a este assunto nestas crónicas. A leitura deste singelo e original livro da Ana Paula, “obrigou-me” a revisitar e a reler a obra do Rilke (não apenas a obra citada) mas também alguma poesia e agradeço-lhe esse facto pois às vezes são os outros que nos chamam a atenção e nos alertam para a importância de autores que julgávamos já ter assimilado e compreendido no essencial. A leitura destas originais crónicas, põem em causa esta ideia - e ainda bem - pois a magia e o encanto de um grande escritor/poeta ou criador – como é o caso – reside exactamente na capacidade que o mesmo tem em suscitar várias hermenêuticas fazendo com que em cada leitura da sua obra, surjam novas ideias, emoções, percepções… As crónicas da Ana Paula constituem também uma interpretação bastante curiosa de algumas ideias do Rilke mas acabam por ir muito além das propostas literárias, estéticas e antropológicas do grande poeta: os seus pensamentos, vivências e experiências literárias e filosóficas. O que está exarado nestas crónicas (escritas sem pressa, ao capricho do Tempo, ao sabor das dúvidas existenciais e outras) é uma fusão de boas leituras, de vivências, de experiências, de dúvidas e de interrogações e por isso este livro se intitula «Crónicas da Arte e da Vida». Estou em crer que as vidas de todos nós podem mesmo reduzir-se a este título que considero muito feliz e apropriado se aceitarmos a tese de que “Vida sem Arte não valerá a pena”. Contrariamente à ideia mais ou menos generalizada e errada que se instalou na opinião pública, tenho para mim que a Crónica é um género literário difícil e maior. Para escrever crónicas é necessário experiência de vida, nobreza de carácter, vivências arrojadas e significativas, maturidade emocional e intelectual, grande sentido de observação do mundo, talento, capacidade de ficção, criatividade, sabedoria, inovação. Este livro da Ana Paula acaba por conter tudo isto e muito mais. A nossa autora, que também é uma poetiza de primeira água, como qualquer criador verdadeiro e autêntico, acaba por sentir a necessidade de se interrogar (de fazer a desejável epistemologia) sobre a sua escrita. Acaba por assumir e interiorizar o “chamamento” dos mestres e ter a necessidade de dialogar com alguém sobre o interesse e a razão de ser daquilo que faz em termos literários/artísticos. Haverá melhor interlocutor do que Rilke?! Claro que não. Ele é também uma espécie de alter-ego, o grande confidente, a referência (que em muitos casos, acaba por ser também o adversário estético, o contraponto…). As muitas cartas que Maria Rilke foi recebendo ao longo da vida dos seus fãs e admiradores (muito em resultado da sua popularidade e qualidade enquanto poeta) são ainda hoje uma referência para todos os que escrevem e criam na medida em que as percepções, as interrogações, os sentimentos, as emoções e as incertezas continuam a ser – em grande medida – tão actuais como eram na época de Rilke. Como todos sabemos, as grandes questões da Literatura e da Arte são intemporais. O que fez a nossa cronista? Ao apaixonar-se, particularmente pela última obra de Rilke, e inspirando-se nela, fez a introspecção e a interrogação que todos nós acabamos um dia por fazer: que fazemos aqui? O que é afinal de contas esta coisa a que chamamos Vida? Qual o papel da Arte e como ela modifica a nossa existência e visão do Mundo? O que é isso da Solidão, da Tristeza e da Felicidade? O que tem a Arte e a Escrita a ver com a Felicidade? Em certa medida, somos tentados a afirmar que Rilke e Pessoa são muito parecidos: o nosso Pessoa tinha, digamos, uma espécie de resposta para estas interrogações/introspecções quando escreveu que «a Literatura como qualquer Arte, é uma confissão de que a Vida não basta». Sem a dimensão da Arte, podemos dizer que a nossa vida seria insuportável para não dizer impossível. Mas atenção: nem tudo é Arte! O grande Nietszche, ao reflectir sobre o mesmo tema/problema, acaba também por convergir com Rilke e com Pessoa: «escreve com teu sangue e dirás a verdade!». A Arte para ser Arte tem que ser autêntica, única, pessoal e conseguir transfigurar. O que seria de nós sem estes grandes mestres da Literatura, do Pensamento, da Arte?! A Ana Paula escreve com o seu sangue e diz a verdade. Ela é autêntica até porque não escreveu por encomenda. Estas crónicas sobre a Arte e a Vida, foram surgindo espontaneamente ao sabor dos dias e dos estados de alma. Ela registou as suas ideais, especulações e vivências, em crónicas bem talhadas (formalmente bem escritas e muito inspiradas) porque também respira pela escrita e porque, para além dela, todos nós acabamos por fazer terapia pelas nossas próprias criações e pelas criações dos outros. Estas deliciosas crónicas da Ana Paula, são também um exercício terapêutico (uma espécie de exorcismo), uma eficaz forma de confrontar e enfrentar os nossos males (que são muitos), os males do mundo e uma nobre tentativa de os compreender e ultrapassar. 2 A Ana Paula escreveu esta obra encantadora com o seu sangue porque-sim. Este argumento, considerado por muitos infantil, tem a força, a pureza e a autenticidade das crianças. Falso será todo o criador que deixe morrer a sua criança. Infelizmente há muitos por aí! Agradecemos à autora a capacidade e a inteligência de ter jogado connosco o jogo dos mistérios, da Arte e da Literatura e também porque arriscou fazer-nos pensar; porque muitas das suas ideias aqui expressas nos inquietam, põem em causa algumas das nossas convicções e incentivam a começar de novo. É tudo isto - e sobretudo o que falta dizer - o fascínio da Literatura! Crónica I - «Poeta maldito» «Gostava de ser um poeta como os demais. Falar do mar, das estrelas, dos verdes campos. Saber usar palavras doces e metáforas gentis. Ser de fácil leitura e de pouca polémica». Estas palavras iniciais da primeira crónica foram a grande motivação para ler de um fôlego todo este livro da Ana Paula não só por nos parecerem uma ironia mas sobretudo para sabermos, de facto, se eram ou não uma ironia. Se mais nada fosse escrito, estas linhas por si só bastavam pois acabam por ser uma máxima universal da Poesia e dos poetas. Se alguém vos perguntar o que é a Poesia e o que são os poetas, não precisam de responder mais nada a não ser acrescentar que é isto e o seu contrário. Não que a Poesia (considerada a grande e genuína forma de expressão da Humanidade) e os poetas se reduzam – como é óbvio – ao que aqui está e ao seu contrário, mas porque este “aforismo”, tal como está, acaba por ser o ponto de partida de tudo o que é estável e polémico, do que é amargo e doce, daquilo que é um e o seu contrário. Sejam bem-vindos ao âmago do que é a Literatura e toda a Arte: talvez a busca pelo contrário de tudo quanto existe. Todos os poetas são malditos e é nisso que reside o seu encanto e originalidade. Toda a poesia que não provoque, que não consiga fazer com que o outro saia de si mesmo, não valerá a pena. Como bem diz a nossa autora: «Sou t de tudo e u de única» - eis a característica essencial dos poetas malditos e de todos os outros também. Agridoce é o outro nome da Ana Paula. Agridoce é o outro nome do género maior que é a Poesia. Perguntam pela Eternidade, O que não-sabem pela lei-da-Vida. Raras, pobres e difíceis são as palavras Que dizem o Grande-Enigma, Uma terrível angústia gramatical Embate na inquieta alma dos poetas. Sabem que não podem viver sem Ela, Importam divindades, encantos, mistérios, magias, oráculos... Mantêm-se (agarrados à Poesia) na sofrível espera. (ALQUIMIAS – antologia pessoal 1989-2010, Editorial Minerva, 2010) 3 Crónica II - «Poeta é o nome do meu próprio nascimento» «As vivências íntimas assumem no poeta uma transmutação, uma sublimação, quase uma apoteose de quem no recato do seu escritório sentiu na pele e na alma a necessidade imperiosa de extravasar a sua interioridade». E questionaremos até ao fim dos nossos dias, o mistério da Poesia. A Poesia é um grito profético, um grito que convida a um recomeço. E dos mistérios da poesia, está carente esta humanidade fraca de tanto Ter e de pouco Ser. A poesia pura e autêntica é uma sinfonia à paz e à fraternidade, uma tela do paraíso, um sorriso de anjo, um pássaro raro mensageiro da Esperança. Mas, tudo o que se diga ou registe é um pouco como a Teologia do Negativo: por mais que se diga a divindade, nunca se consegue dizer o que ela é; tudo o que é dito, fica sempre aquém. A poesia resulta da nostalgia alquímica da unidade, do encanto e magia primordiais - é por isso uma arqueologia do Ser. É na aventura-poética pelos trilhos da interioridade e do espírito - com bagagem simples e leve de espanto, surpresa e insatisfação criadora - que se vai descobrindo, pela incidência do bucólico brilho da luz de um sol da Alma, os sublimes e preciosos achados dos poetas-arqueólogos: o Divino, o Amor, o Desejo, o Sonho, a Arte, a Eternidade. Crónica III - «Sabedoria dos livros» «Quem ama os livros sabe o quanto esse amor pode enlear, manipular, sugestionar, orientar e desorientar». O que seria de nós sem os livros?! Recordando o nosso Agostinho da Silva, «precisamos de fazer da nossa existência uma ficção, para conseguirmos torná-la suportável». Quantas vezes matamos (ou tentamos matar) a nossa pobre existência para sermos heróis e grandiosos (tudo o que queremos e desejamos) nos livros que lemos. Estou em crer que o Uni-verso é um grande livro, a sabedoria suprema, a obra maior de um grande escritor. Será que podemos sequer imaginar a nossa vida sem livros? Sim, a grande sabedoria reside (dinâmica) - à espera de ser contrariada e ultrapassada - nos livros e pelos livros. O Livro e a escrita são a grande construção da humanidade. Que viva o livro sempre! Que possamos viver com livros, dos livros e para os outros através dos livros. Crónica IV - Ser artista «Ser artista não é ser ditado pelos outros: nem sequer é uma escolha. Há trepadeiras de palavras e cascatas de conotações, que ora se enrolam em espiral nos nervos do ser, ora se despenham em lagos profundos de pensamentos azuis». Respirando o enigma da noite e bafejado por “pensamentos azuis”, vem-me à mente o que Nietzsche nos ensinou: que o aborrecimento e o conformismo do mundo serão superados pela vivência e pela fruição da Arte. Os artistas são os supremos inquietos, insatisfeitos, “perguntadores”; estão em demanda do seu próprio graal e desejam mudanças que nos permitem 4 desbravar e aventurar em novos mundos. Ser artista não é só isto mas também. Escrevam mais mil páginas de reflexão e jamais irão esgotar o assunto. Nem todos os artistas se «despenham em lagos profundos de pensamentos azuis» mas também. Ser artista é um modo de estar na vida e prolonga-se muito para lá de todas as mortes. O artista está sempre à janela e o seu horizonte é a Eternidade. Crónica V - Obra de arte «A obra surge e diz: eis-me aqui. Sou real, concreta e duradoura. Vim para ficar. Julgar? Julgue quem possa, quem saiba ou quem sinta em quantidade e qualidade suficiente para me entender». Toda a arte é transfiguração e sublimação. Julgar é um exercício que implica sabedoria, ética e sensibilidade. Julgar é difícil e arriscado. Para se julgar, temos que ter alma de artista e mais qualquer coisa... Arte sem paixão não existe! Eis a velha e recorrente questão: o que é preciso (essencial) para ser considerado obra de Arte?! Beleza, luz, sonho, movimento, forma, aventura-dacor-som-e-forma, gesto-de-ternura, paixão, amor, alquimia, eternidade, doçura, asas... tantas palavras aparentemente interessantes e apropriadas para ajudarem à fruição e ao sentido (compreensão/hermenêutica) de uma obra artística que tem que ser acima de tudo inovadora e simultaneamente necessária e desnecessária; contudo, perante a procura da essência da obra de Arte, estas palavras e todas as outras, revelam-se pobres, inexactas, patéticas, ridículas… Eis o encanto da obra de Arte: não se conseguir definir; não se conseguir reduzir a palavras. Nenhum conceito conseguirá prender o que é absolutamente livre. A obra de Arte ri-se à brava dos conceitos, sejam eles ou não servidos com e pelas palavras. Crónica VI - A idade da sabedoria «Elas [as palavras] abrem-nos o mundo e abrem-nos ao mundo». Esta belíssima crónica da Ana Paula, fez-me recordar um poema que publiquei em 1989 e já nessa altura alertava-me a mim próprio para o excesso das palavras e tentava compreender que as nossas aprendizagens são também o resultado de muita coisa que vai para lá das palavras. «Quanto à aprendizagem, ela não pode passar apenas pelo mundo do pensamento e da verbalização. A aprendizagem, processo doloroso e nunca acabado, passa essencialmente pelas experiências vivenciadas». Não poderia estar mais de acordo! A delinquência das palavras Com a boca se dizem palavras, Palavras para toda a gente. Com palavras se diz de nós A nossa arcaica vontade de mais. Usamos palavras para tudo 5 Esquecendo que existem outras “coisas” Para além das palavras. Usamos palavras por usar. Usamos palavras decoradas, palavras por inventar, palavras velhas e outras ressuscitadas. Usamos palavras porque vivemos aqui, Perdidos, Nesta selva grávida de palavras. (Eu, o Ser e a Dúvida, Edições Orpheu, 1989) Crónica VII - Amor a dois «Deveria haver um Prémio Nobel para o Amor». O Amor (“é”), provavelmente, o melhor que nos acontece pois sem esta nobre e sublime “dimensão” da Vida, não é possível a Eternidade e tudo o que isso enigmaticamente significa. Há humanidade porque há-Amor. A humanidade, no sentido mais ético (Bem) e estético (Beleza) do termo, traduz as relações (mediações) entre os homens e entre estes e todos os seres. O errante Eros/Amor (filho de Poros - astuto e engenhoso - e de Penia – pobre e carente) (“é”) aquele que se sente inacabado e que por isso vai, de paixão em paixão, em busca do que lhe falta a fim de se “completar” e de voltar a ser um-só, mais rico, mais feliz porque dois sendo um – um mais um igual a um – algo tão profundo e misterioso quanto o dogma da Trindade dos cristãos. (Um bailado no centro da Alma, Editorial Minerva, 2002) Crónica VIII - Solidão «Há alturas na vida, nas quais é preciso bater com a porta na cara do mundo». Porque estamos cansados de Vazio e de Solidão. Porque estamos cansados da incompreensão dos outros e do seu perverso e permanente julgamento. Porque estamos cansados de todas as crises. Sempre que possível, iniciamos nós mesmos uma nova crise e às vezes queremos que essas nossas crises evoluam para revoluções. Por norma, queremos afastar a Solidão mas esta pode também ser o motor da mais autêntica e desejável criação humana. Mesmo que não queiramos admitir, sabemos (sem querer saber) que a Solidão é o braço direito de todo o criador. Crónica IX - Tristezas «Encaro esses momentos de felicidade como uma partilha suprema e um dever posterior para com os outros e sobretudo comigo própria». Com esta crónica, foi reforçada a ideia do senso comum de que “tristezas não pagam dívidas” e o melhor mesmo para a vida é estar alegre e não triste como diz o poeta na canção. Reconhecemos que quando estamos tristes o 6 desconhecido nos visita porque temos medo de tudo aquilo que não nos é familiar mas ao mesmo tempo sentimos a adrenalina da aventura e queremos irromper no desconhecido em busca dessa “coisa” para a qual nos sentimos permanentemente atraídos e a que chamamos Felicidade. Ninguém saberá nunca o que será - de facto - tal “coisa” na medida em que cada um tem uma ideia algo diferente do mesmo conceito semelhante ao conceito de Tempo como nos ensinou o santo e filósofo Agostinho: tal como com o Tempo (só sei o que ele é quando não me perguntam…), só sabemos o que a Felicidade é quando experienciamos – momentaneamente – algo que nos permita dizer «estou feliz!». Eis o encanto da Felicidade: o não sabermos o que é; o ser hoje uma coisa e amanhã outra diferente; a sua busca permanente e a especulação sobre o que é ou o que deixa de ser. Crónica X - A vida «Ter confiança na vida não é tarefa fácil, sobretudo se ela se assemelha mais a uma montanha russa do que a um carrocel». Como é dito - e bem - pelo grande Rilke, «a vida tem sempre razão». Se for regada com Arte, Literatura, Paixão e muito Amor, torna-se não apenas suportável mas sobretudo apetecível. O que será mais real: nós ou as nossas imagens?, a Vida ou a Literatura?, as nossas histórias ou as nossas estórias? Oscar Wilde escreveu duas frases que, na nossa idiossincrasia, traduzem bem a necessidade e a importância espiritual de uma “outra vida” (ou dimensão desta) talvez mais autêntica e real que aquela a que estamos habituados e à qual estamos presos julgando – por vezes – ser a única: «a literatura antecede sempre a vida»; «o máximo na literatura é a realização daquilo que não existe». Podemos ser e ter tudo em Literatura, sobretudo aquilo que julgávamos não existir. “O que (ainda) não existe” - para aqueles que perderam a capacidade de sonhar, de imaginar - é a outra dimensão da Vida. Quando narramos aos outros e a nós mesmos, os nossos desejos, utopias, sonhos, impossibilidades e vontades radicais, estamos a criar, como deuses - no Olimpo da Literatura - aquilo que “não existia”. Também Fernando Pessoa(s) assumia, em termos de Vida-vivida, com mais autenticidade e sentido(s), pelo fingimento e com as máscaras (uma outra forma de imaginar e criar mundos), o primado da Vida-Literatura. (Um bailado no centro da Alma, Editorial Minerva, 2002). Obrigado Ana Paula Mabrouk por me ter concedido o privilégio de ser um dos primeiros leitores destas suas crónicas e por me ter motivado a revisitar a grandiosa obra de Rainer Maria Rilke que li com imenso prazer enquanto jovem estudante e sobretudo por me ter feito recordar alguma coisa que fui escrevendo e que, no meu ponto de vista, se relaciona (em certos casos bastante) com as ideias, percepções e especulações registadas nas suas belas crónicas. Ângelo Rodrigues http://angelorodrigues1.com.sapo.pt [email protected] Sardoal, 24 de Julho de 2011 7