ACEPÇÕES RECENTES DO CONCEITO DE LUGAR E SUA IMPORTÂNCIA PARA O MUNDO CONTEMPORÂNEO Luiz Felipe Ferreira" Recent uses of the concept of place and their significance for lhe contemporary world Place has lhe richest 1l0W conccpts emerged in as one of Geography. Encompassing an objecti ve and a subjective dirnension, lhe conccpt plays today an important role in both hurnan ist ic and radical gcographical thought and is considcred a kcy o category for contemporary comprehending world. Anel' the rcviewiug t h e phenomenological and radical conccptions of placc, the article discusscs rcccnt reunite theorctical cfforts which try to thesc two apparcrnly opposed VICWS. conceito de lugar, considerado por muito tempo como um dos mais problemáticos da Geografia, tem se destacado, recentemente, como uma das chaves para a compreensão das tensões do mundo contemporâneo. Articulando, entre outras, as questões relativas a globalização versus individualismo, às visões de tendência marxista versus fenomenológica ou à homogeneização do ambiente versus sua capacidade de singularização, o lugar tem se apresentado como um conceito capaz de ampliar as possibilidades de entendimento de um mundo que se fragmenta e se unifica em velocidades cada vez maiores. Inicialmente associado à idéia de região, o conceito de lugar Ioi utilizado por La Blache e Sauer sem que eles, entretanto, aprofundassem a discussão sobre seu significado. A partir da década de 70, no entanto, a chamada Geografia Humanista irá realizar um esforço de recuperação do conceito associando-o à base filosófica da Fenomenologia e do existencialismo e transformando-o em um de seus conceitos-chave (HOLZER, 1992; 1997, 1999, DUNCAN, 1994). Nos anos 80, o interesse com relação ao lugar ultrapassou os limites da Geografia Humanista e passou a interessar também aos geógrafos econômicos . Doutorando em Geografia do PPGG da UFRJ 66 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 65·83, jul./dez., 2000 que buscaram entender lugar como uma "especificidade manifestada dentro do contexto de processos gerais" (DUNCAN, 1994:442). Por um lado, a corrente da Geografia Humanista irá identificar o lugar como base da própria existência humana através de uma experiência profunda e imediata do mundo ocupado com significados (RELPH, ] 980) buscando uma aproximação com a Fenomenologia e o Existencialismo (HOLZER, 1997) ou abordando o espaço através do modo como ele é vivenciado pelos seres humanos (HOLZER, 1999) e propondo uma Geografia que dê relevância às questões referentes às pessoas em vários contextos (BUTIlMER, 1974). Por sua vez, a visão da chamada Geografia Radical, de base marxista, irá compreender o lugar como uma perspectiva regional sobre o global (JOHNSTON, 1991), uma construção social sobre o pano de fundo da relação entre espaçotempo e ambiente (HARVEY, 1996), um local criado para atender a determinadas funções (SANTOS, 1997) a partir do qual estabelecemos nossa revisão e interpretação do mundo, onde "o recôndito, o permanente, o real triunfam, afinal sobre o movimento, o passageiro, o imposto de fora" (SANTOS,1993:20) A partir destas duas acepções, aparentemente opostas e irreconci I iáveis, alguns geógrafos têm buscado, em trabalhos recentes, novas concepções de lugar, visto, desta vez, como expressões das tensões da modernidade (ENTRIKIN, 1997; MERRIFlELD, 1993; OAKES, 1997). Buscaremos destacar, neste artigo, estes três caminhos. Iniciaremos apresentando uma abordagem sobre a concepção de bases fenomenológicas do lugar, destacando os trabalhos de Relph e Buttimer. A seguir apresentaremos a idéia de lugar como enfocada pela Geografia Radical, abordando, principalmente, as concepções de Harvey, Santos e Massey. A terceira parte busca conciliar as divergências apresentadas através de novas visões do lugar, dandose destaque aos trabalhos de Entrikin, Merrifield, Graham e Oakes. O LUGAR "FENOMENOLÓGICO" You /ack vision, but I see li place where people get on and of! the freeway. 011 and of!, of! and 0/1 aI! day, aLI night! SOOIZ, stood will be a string of gas stations, inexpensive serve rapidly prepared food. wonderful. wonderful billboards God, ir/I! be beautiful! where Toon Town once motels, restaurants Tire salons, automobile reaching dealerships as far as the eye can see! lha! and My Uma cilada para Roger Rabbit A relação entre Geografia e Fenomenologia foi estabelecida, inicialmente, por Relph em seu livro Place and placelessness (1980). Nele, o autor afirma que o lugar deve ser analisado a partir das experiências diretas do Acepções Recentes do Conceito de Lugar e sua importância ... 67 mundo e da consciência que temos do ambiente em que vivemos. Para Relph, o espaço geográfico não deve ser entendido como uma lacuna aguardando para ser completada mas sim como "o lugar onde alguém está e, talvez, os lugares e paisagens de que ele se lembra" ou seja, "uma profunda e imediata experiência do mundo que é ocupado com significados e, como tal, é a própria base da existência humana" (RELPH, 1980:5). O conceito de lugar, adquire, deste modo, para a Geografia Humanista, um papel central visto gue é através dele gue se articulam as experiências e vivências do espaço. Como ressalta Holzer (1977), o conceito de lugar é essencial para o que ele denomina de Geografia Fenomenológica, pois é ele que irá propiciar a este ramo do conhecimento a possibilidade de voltar-se para sua essência que é o estudo do espaço geográfico. Tuan (1983) acrescenta que os lugares, assim como os objetos, são núcleos de valor, e só podem ser totalmente apreendidos através de uma experiência total englobando relações íntimas, próprias do residente (insider), e relações externas, próprias do turista (outsider). O lugar torna-se realidade, portanto, a partir da nossa familiaridade com o espaço, não necessitando, entretanto, de ser definido através de uma imagem precisa, limitada. Lugar se distingue, deste modo, de espaço. Este "transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor" (TUAN, 1983:6) adquirindo definição e significado. Buttimer (1976), por sua vez, irá buscar na noção de mundo vivido (lifeworLd) o elo entre os procedimentos geográficos e fenomenológicos. Como destaca Méo (1999), o conceito de mundo vivido exprime uma relação existencial, portanto subjetiva, que o indivíduo, ou o grupo social, estabelece com os lugares, refletindo seu pertencimento a um determinado grupo num determinado lugar. Para se conhecer o mundo vivido é necessário o conhecimento de seus atores, de suas práticas, representações e imaginário espacial. A ligação com o lugar não poderá prescindir, deste modo, daquilo que Jackson define como "urna consciência viva do ambiente familiar, uma repetição ritual, um sentido de companheirismo baseado numa experiência compartilhada" (JACKSON, 1994:159). Para a Geografia Humanista, é, portanto, o nosso sentido de tempo, de ritual, que a longo prazo cria nosso sentido de lugar e de comunidade. São os horários que estabelecemos para nós mesmos que nos colocam em contato uns com os outros. Não é a proximidade mas o compartilhamento de horários que nos aproxima. No ambiente urbano contemporâneo nosso sentido de unidade e continuidade é dado pelo sentido cícl ico do tempo, pela recorrência regular de eventos e celebrações. A ligação com o lugar é comparável a ligação da criança com a figura paterna e se dá tanto no nível material quanto no social e no imaginativo (HA YDEN, 1997). O lugar dispara a lembrança daqueles que o vivenciaram, que compartilharam um 68 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, 11" 9, pp. 65-83, jul./dez., 2000 para o outsider cultural. O con- passado comum, abrindo a possibilidade de sua compreensão através dos passados compartilhados e inscritos na paisagem ceito de memória, seja ela pessoal ou coletiva, está, deste modo, intimamente ligado ao de lugar. Estas memórias se encontram armazenadas nas paisagens urbanas que seriam, (HAYDEN, deste modo, verdadeiros "armazéns 1997:9), visto que tanto os elementos pelo homem freqüentemente Na década sobrevivem de memória social" naturais quanto os construídos a muitas gerações. de 1970, Relph (1980) já destacava a importância das expe- riências intersubjetivas e da aparência do lugar na expressão de sua identidade. Esta, entretanto, não é fixa e imutável, mas possui componentes e formas que variam com li mudança das circunstâncias e das atitudes. O processo de desenvolvimento Relph, uma combinação de observação, e de expectativas estabelecidas seria, deste modo, a expressão e da socialização insubstituível membros antes deste contato. da adaptação, do conhecimento. para a fundação de uma comunidade, de identidade de um lugar seria, para ou seja, de contato direto com o lugar, A identidade de um lugar da assimilação, da acomodação O lugar seria um centro de significações de nossa identidade associando-se, como desta forma, indivíduos e como ao conceito de lar placei, Relph ressalta, entretanto, que esta associação com o lar/lugar pode dar-se em vários níveis, variando da ligação mais completa à total (home entre sujeito e lugar. A importância desvinculação de nossa relação para com os lugares ultrapassa a da nossa consciência dessa ligação. Como diz o autor, "uma relação profunda com os lugares é tão necessária, e talvez tão inevitável, quanto uma relação próxima humana, embora possível, (RELPH, 1980:41) com as pessoas; fica desprovida sem tais relações, de grande a existência parte de seu significado" Outros autores buscaram ampliar esta concepção de lar e sua associação com o lugar. Tuan (1983) considera que o lugar existe em diferentes escalas, desde (1990) ressalta uma poltrona preferida até a totalidade da terra. McGreevy que, dependendo do contcx to, tanto a terra nativa quanto um centro urbano, uma comunidade sentar um lar. Holzer ressalta, dificultar o relacionamento espacial são cada vez mais fragmentária (1980), direto, "remetendo-nos dos lugares" (HOLZER, para uma apreen1999:74). por sua vez, pensa o lugar em termos de dois movimentos recíprocos: o lar respectivamente, Tais conceitos descanso local ou uma habitação familiar podem repreentretanto, que o aumento da escala tende a (llOlI1e) e os horizontes ao espaço experienciado são comparáveis, e ao movimento; à construção da comunidade de alcance deste modo, ao território (reach) e às perspectivas à inspiração e ao alcance, e à organização social. Buttimer e conceitos relacionados, fora deste espaço. e à expiração, ao à segurança e à aventura, De acordo com a autora, Acepções Recentes do Conceito de Lugar e sua importância níveis diferentes pessoal, de lar e alcance (2) as afiliações podem 69 ... ser aplicados sociais e (3) a localização para (1) a imaginação física do lar e alcance. Tais distinções, se mapeadas dentro dos horizontes de tempo do espaço vivido, podem prover chaves para a compreensão da identidade de lugares. Entretanto, longe de se preocupar somente com a formação e com a experiência busca direta dos lugares, a Geografia questionar que destroem balização as ações presentes e desconsideram a importância é, deste modo, crucial mero de lugares desta constatação, significantes Relph iplacelessness), de base fenomenológica contemporâneo, dos lugares. para tentar-se entender e a homogeneização (1980) associando Humanista no mundo irá elaborar ao mundo A questão da glo- a diminuição do nú- das paisagens. o conceito moderno globalizado. a perda A partir de deslugaridade da diversidade e do significado deste lugares. De acordo com o autor, na sociedade atual, a diminuição do número de lugares significantes e paisagens diferenciadas estaria apontando para o surgimento do que ele chama de uma Geografia do deslugar. Como conseqüência disso, estaríamos sendo subjugados pelas forças da deslugaridade e pela perda de nosso sentido de lugar. A partir dos conceitos de autenticidade e inautenticidade, lugar de simplesmente de deslugaridade condenar tão caros à Fenomenologia. Relph - em esta que ele chama de uma atitude - busca compreender suas características inautêntica e reconhecer que a deslugaridade é lima atitude e lima expressão dessa atitude que está se tornando crescentemente dominante e, como conseqüência, torna-se cada vez menos possível profundo a criação de lugar. massa possuem nicação de lugares e a fruição que as sociedades um modo de vida dominantemente de massa, autoridade autêntica O autor conclui central a cultura de massa, e o próprio sistema as grandes econômico de um sentido industrializadas e de inautêntico onde a comu- empresas, o processo são os principais de responsá- veis por todo este processo. Relph afirma, deste modo, que é necessário levarse em conta a profunda necessidade humana de associação com lugares. Para o autor, a negação ter importância. ressurgirá de tal fato irá levar a um futuro Entretanto se decidirmos como um reflexo As conclusões transcender da variedade beiras sociais adolescentes vidos específicos. de estradas de o lugar ser relativizadas por Buttimer ao de lugar pode ser urna função de quão bem ele provê um centro para o interesse de vida do indivíduo. grandes manchas de concreto deslugarizadas grupos a deslugaridade humana. de Relph irão, entretanto sugerir que o sentido onde o lugar deixará podem ou motoristas por ela, a autora Lanchonetes ser lugares de caminhão. destaca Deste modo, lugares que parecem podem possuir significados para situadas plenos em ruas de significados Baseando-se que pessoas para afastadas em conceitos as quais ou em para grupos de desenvol- o horizonte de 70 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp, 65-83, jul.ldez., 2000 alcance (reach) é mais importante que o lar (home) podem exemplo, que lugares constituem somente pontos localizados considerar, por entre acessos. Componentes importantes da paisagem moderna como auto-estradas, aeroportos e arranha-céus - verdadeiros vilões da deslugaridade - seriam, para Buttimer, símbolos afirma de uma civilização HAYDEN, mesmo que endeusa o alcance um shopping-center local de um campo de flores selvagens, e despreza que tenha o lar. Ou, como sido construído merece ser considerado no um lugar, "nem que seja para registrar a importância de perda e explicar que ele tenha sido destruído por um desenvolvimento sem cuidados" (HAYDEN, 1997: 18). Apesar de apresentar uma visão mais ampla do conceito, Buttimer associa-se a Relph em suas preocupações quanto a possível extinção do lugar pelos processos sabilizar de globalização a centralização capitalista. Ao contrário, do mundo contemporâneo, tância da ação tanto do insider quanto entretanto, de respon- a autora considera do outsider e propõe como a impormediador o geógrafo "sensibilizado com a experiência de lugar do insider e do outsider e atento a suas reciprocidade de lar e alcance em sua experiência de vida" (BUTTIMER, 1980: 184). O LUGAR "RADICAL" of life, anel mos! people just watch it slowly drip away But if you can summon u ali up in one time, ar one place, vou can accomplish something glorious. Highlander; o guerreiro imortal /I Most people have a [ull measure A visão popularizada por Relph e adotada pela Geografia Humanista de um mundo globalizado - onde o lugar, com toda sua carga de significados simbólicos e afetivos, parece se dissolver e se transformar em deslugares sem alma, homogeneizados pelo sistema econômico que busca a padronização seria alvo de severas críticas oriundas, principalmente, da chamada Geografia Radical. Harvey tos-chave (1996), desta relação autêntica visão por exemplo, do lugar. com o ambiente, irá colocar Idéias como muitos dos concei- a de enraizamento, em cheque terra-mãe, fariam sentido no mundo capitalista altamen- te industrializado em que vivemos? Ou não seriam elas mesmas produtos do mundo industrializado moderno, na medida em que teriam emergido exatamente no momento em que a industrialização moderna nos separa do processo de produção e encontramos o ambiente como um bem terminado. Não será a própria busca de autenticidade que irá gerar uma necessidade de se inventar tradições construção? e heranças Deste culturais, modo, num processo para Harvey, artificial de preservação o lugar, ao contrário e re- de estar se tor- Acepções Recentes do Conceito de Lugar e sua importância ... 71 nando menos importante, vem adquirindo cada vez mais importância no mundo contemporâneo. Como afirma o autor, o lugar é uma construção social e deve ser compreendido tanto como uma localização quanto como uma configuração de "permanências" relativas internamente heterogênea, dialética e dinâmica contida na dinâmica geral de espaço-tempo de processos sócio-ecológicos. Ou seja, processos específicos contidos e expressos dentro do processo global. Esta forma de se compreender o lugar irá servir de base para diversos estudos geográficos, políticos e econômicos a partir de então, sofrendo, entretanto, algumas atualizações no decorrer das últimas décadas. Nos anos 1970, por exemplo, lugar é definido por Santos como uma "porção discreta de espaço total", ou como "uma porção da face da terra identificada por um nome" (SANTOS, 1978: 121). O mesmo autor, 20 anos depois, irá perceber, no que ele chama de esquizofrenia do lugar, sua importância na formação de consciências e como indicador de modos de intervenção conscientes nos processos de globalização. É este papel de espaço de resistência ao mesmo tempo singular e global que está no âmago do conceito adotado por esta Geografia Crítica na compreensão dos processos sociais e suas espacializações. De acordo com Harvey, para Marx o lugar se define dentro da geografia histórica da acumulação de capital como um dos constituintes do mundo espaço-temporal de intrincadas relações sociais e valorações universais. Este mundo espaço-temporal, entretanto, possui uma qualidade universal que precisa ser pensada em termos de uma estratégia político-econômica global. Isto não implica na negação do mundo da experiência direta mas aponta a necessidade de se compreender processos globais de trocas econômicas que interferem em nossa vida diária. Ou seja, aquilo com o qual interagimos não é suficiente para explicar a realidade político-econômica do mundo atual. Para Marx, segundo Harvey, a construção do lugar estaria ligada (direta ou indiretamente) com o capital e representaria um "momento de consolidação de um regime de relações sociais, instituições e práticas político-econômicas de inspiração capitalista" (HARVEY, 1996:314). Busca-se compreender, deste modo, o local como uma expressão do global. Para Santos (1978) o espaço seria um testemunho de um momento de produção fixado na paisagem, decorrente de processos preexistentes e influenciando novos processos. Estes devem adaptar-se às formas já existentes para poderem se determinar. Ou seja, "os objetos geográficos aparecem em localizações, correspondendo aos objetivos da produção em um dado momento e, em seguida, por sua própria presença, eles influenciam os momentos subseqüentes da produção" (SANTOS, 1978: 139). As expressões do global no local seriam marcadas pelo que Santos define como rugosidades, ou expressões do tempo histórico incorporadas ao espaço. Esta concepção, onde subjaz uma 72 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 65-83, jul./dez., 2000 visão do lugar como imobilidade em contraposição ao global eternamente em processo, pode ser percebida na definição do lugar como "ponto de articulação entre a mundialidade em constituição e o local enquanto especificidade concreta, enquanto momento" [grifo meu] (CARLOS, 1993:303). A relativa rigidez desta abordagem do lugar será, entretanto, matizada a partir de necessidade de se compreender as singularidades dos lugares dentro do contexto global. Os lugares devem ser diferenciados não somente por seu ambiente físico mas também pelas diferentes respostas humanas às oportunidades e limitações apresentadas pelos ambientes. Tais respostas estariam na raiz da variedade cultural contemporânea e na concepção das estruturas sociais como "máquinas para viver" (JOHNSTON, 1991). Deste modo, mesmo tendo como objetivo uma uniformização cultural, a globalização, vista como "um processo de reestruturação do sistema de acumulação e reprodução dos centros capital istas mundiais" (ORTEGA e LOPES, 1993: 172), provocaria processos de fragmentação espaço-temporal e conseqüente hierarquização espacial. Para Santos (1997) a globalização (ou mundial ização, como prefere o autor) da produção propicia a afirmação e diferenciação dos lugares em escala mundial. A tendência das firmas transnacionais a se fixarem mundialmente, exemplificá o autor, faz surgir uma busca constante por lugares mais rentáveis. Estes, atingidos direta ou indiretamente pelas necessidades do processo produtivo, buscam diferenciar-se dos lugares concorrentes reorganizando-se, buscando destacar suas vantagens naturais ou sociais preexistentes ou adquirindo novas vantagens. Os lugares, afirmam Young e Lever (1977), buscam promover-se a si mesmo com o objetivo de atraírem investidores e consumidores sendo uma das estratégias dessa promoção a criação de imagens do lugar. Ou seja, a mundialização dos lugares os torna cada vez mais específicos e singulares através da especialização dos elementos do espaço, da dissolução dos processos de acumulação de capital, do aumento das ações que distinguem e interligam os lugares. Nas palavras de Santos, "quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto é, únicos" (SANTOS, 1997:47). Santos ressalta ainda que, assim como o lugar deve ser compreendido levando-se em conta a totalidade do processo, a realidade global também precisa ser entendida através das diferenças regionais. Elementos como shopping-cenrers, auto-estradas ou aeroportos terão diferentes impactos em áreas distintas do planeta produzindo resultados distintos e particulares. Embora aparentemente similares, cada objeto está relacionado a contextos mais amplos, constituindo-se em um produto histórico singular. O processo de singularização do lugar se dá, deste modo, como uma espécie de combinação, num determinado local, das possibilidades oferecidas Acepções Recentes do Conceito de Lugar e sua importância .. 73 0 pela generalização. Mesmo possuindo uma força de inércia, uma "autonomia de existência", presente naquilo que o forma, o lugar incorpora novas funções a estas antigas formas através da "autonomia 1978). Ou seja, mesmo permanecendo de significação" esquematicamente (SANTOS, os mesmos, res têm suas significações permanentemente mudadas. Ferrara (1993) já havia destacado que, no processo os luga- de globalização, o que na verdade se globaliza é a percepção do mundo. É esta idéia de um espaço que se identifica, que se dá a conhecer, que será desenvol vida por Santos (2000) através do conceito de fabulação. Para o autor, us fabulações legitimam a realização dos mitos como o da "aldeia global", o do "encurtamento das distâncias" e o da "morte do Estado". Elementos importantes na formação do discurso objetivo totalitário, produzir preconceitos e interesses de "espaço dos veículos para a própria desta mesma globalização, o papel produzidas de eventos e tempo contraídos", determinantes assumir as fabulações interpretações mediadores. humores, visões, As idéias de "aldeia global", do período entretanto, prossegue de resistência. de hoje têm como pelos de "desterritorialização existência de espaços no mundo marcada da humanidade" histórico Santos, Estes que os lugares ao mesmo são É dentro atual. tempo irão em que acolhem os vetores da racionalidade dominante propiciam o surgimento e o desenvolvimento de diferentes processos. Os lugares são o mundo e reproduzem este mundo de modos indi viduais e diversificados. Eles são formas singulares da totalidade-mundo dos, a grande globalização. nas cidades e toei dos pobres, dos excluídos força produtora da contra-ordem, Estes excluídos e marginalizados, "não se subordinam de forma hegemônica e, por isso, com freqüência podem se entregar (SANTOS, importância vivido "que permite, a reavaliação ao mesmo Hudson histórias sobre mobilidade sibilidade (1998), entretanto, a globalização. do capital, investimentos sofrendo tempo, e o futuro" econômicos pelos vantajosas atrair capital 01.1 das heranças afirmam associadas e a indaga- de produção que a contínua os têm aniquilado. desvantajosas, através a manifestações 2000: 114). "histórias" lugares, da 2000:114). Estes lugares ao propiciarem um espaço alerta para o que ele chama Estas e sua inelasticidade, as influências, buscariam (SANTOS, aos vetores reunidos em número crescente permanente à racionalidade que são a contraface do pragmatismo" têm, deste modo, um papel de relevante ção sobre o presente e dos marginaliza- em oposição demanda Estes, da distância de ambientes de a crescente de não mais ou da aces- regulatórios cada vez mais liberais, criando territórios desregulados, similares entre si, marcando, deste modo, o chamado fim da Geografia. Na verdade, sustenta Hudson, esta tese, associando globalização, va, deve ser encarada hipermobilidade com ceticismo e desregulamentação por uma série de razões, competitientre elas o 74 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, nU 9, pp. 65-83, jul.ldez., 2000 exagero do impacto da globalização, a desvinculação entre hiperrnobilidade e globalização do capital e a necessidade do capital de estar fixado em algum lugar para acumular valor. A globalização não levaria necessariamente à competição entre lugares porque o próprio processo de globalização, ao atuar nos lugares, muda sua natureza alterando seu alcance, sua posição e seu poder. Os lugares não são entidades fixas, permanentes e limitadas, mas "temporárias, dinâmicas e (re)produzidas através de processos sociais que não são contidos por seus limites crescentemente porosos" (HUDSON, 1998:917). O processo de globalização ampliaria, portanto, a participação de atores extra-locais na construção de lugares. Na verdade, a própria dificuldade em se traçar os limites do lugar põe em cheque a concepção dualista de lugar como lima tensão entre o local e o global. Deste modo, "lugares são resoluções temporariamente confiadas na paisagem social dinâmica; eles são o sítio e o produto de processos de barganha regulatória. Portanto, mais do que levar ao fim da Geografia a globalização envolve o reescalonamento de lugares" (HUDSON, 1998:934) Massey (1984) irá abordar a questão em termos da relação entre processos gerais e questões particulares. A variedade, destaca a autora, não deve ser compreendida como um desvio do que deveria necessariamente acontecer visto que os processos gerais nunca ocorrem de forma pura. Há sempre circunstâncias específicas, uma história particular ou um lugar ou locação particulares. Esta própria variedade, este mosaico de especificidades regionais terá grande importância no modo como a sociedade como um todo se reproduz e se modifica. Segundo Massey (1997), a idéia, defendida pela Geografia Humanista, de que houve um tempo onde os lugares eram habitados por comunidades homogêneas não só é falsa mas acabou por gerar o conceito de que a busca pelo sentido do lugar seria reacionária. A partir desta constatação, a autora irá buscar um sentido de lugar progressivo, não autocontido, que "olhe para fora" e seja adequado ao momento atual de compressão espaço-tempo. A idéia de que o senso de deslocamento que percebemos no mundo atual não é diferente daquele que outras civilizações sentiram quando, por exemplo, entraram em contato com o colonizador britânico serve como ponto inicial pra que Massey questione a própria noção de compressão espaçotempo. A aceleração do mundo atual, mesmo tendo um forte componente econômico, decorrente da internacionalização do capital, não o teria como único determinante. Além do mais, nem todas as pessoas experimentam esta compressão espaço-temporal com a mesma intensidade. Enquanto uns realizam as movimentações e comunicações que "reduzem" o mundo contemporâneo, outros, apesar ele se movimentarem, não estão encarregados do processo. Outros ainda são símp les receptores da compressão espaço-temporal. No extremo desse processo algumas pessoas, como os favelados do Rio de Janei- Acepções Recentes do Conceito de Lugar e sua importância ... 75 ro, apesar de contribuírem com o esporte ou a música global, estão como que aprisionados na compressão espaço-temporal. Deste modo, existem diferenças não somente em termos de graus de movimento e de comunicação mas também em graus de controle e iniciação. A idéia de lugares com limites demarcados e identidades únicas, construídas através de relações profundas e históricas, não se adapta a esta realidade. O lugar, para Massey, não possuiria um sentido único compartilhado por todos, do mesmo modo que as pessoas não possuem uma identidade única. A identidade dos lugares é mais bem explicada no plural pois lugares possuem diversas identidades e estão repletos de relações com meio mundo. É neste sentido que a autora fala de um sentido global de lugar. Deste modo, "o que dá ao lugar sua especificidade não é algum tipo de história longamente internalizada mas o fato de que ele é construído a partir de uma constelação particular de relações sociais que se encontram e se enlaçam num locus particular" (MASSEY, 1997:322). Lugares seriam, portanto, pontos de encontro de redes de relações sociais, movimentos e comunicações cujas relações recíprocas tenham sido construídas em escala muito maior do que aquelas definidas para o lugar naquele momento. Estas relações com o sistema amplo não são apenas ritualísticas mas relações reais com conteúdos econômicos, políticos e culturais reais. BUSCA DE INTEGRAÇÃO Oh, a sleeping drunkard / Up in Central Park, / And a lion-hunter / In the jungle dark; / And a Chinese dentist, / And a British queen - / AI{ fit together / In lhe same machine. / Nice, nice, ve/y nice; / Nice, nice, very nice; / Niee, nice, very nice - / 50 many different people / In the same de vice. Kurt vonnegut, jr. (Cat's eradle) Apropriado, deste modo, tanto pela Geografia Humanista quanto pela Geografia Radical como um de seus conceitos-chave, o lugar irá osc ilar ecleticamente entre definições conflitantes. Harmonizar estas expressões que vão de uma relação autêntica com o espaço, por um lado, à materialização da relação global-local, por outro - passou a ser uma tarefa perseguida por vários estudiosos. O esforço desenvolvido por alguns deles irá lançar novas luzes sobre este conceito, ampliando o conhecimento das ciências humanas, e da Geografia em particular, sobre questões tão atuais quanto a hipermobilidade de empresas ou a relação entre espaço e novos sistemas da tecnologia de informação. As novas concepções de lugar buscam compreendê-lo como um 76 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 65-83, jul./dez., 2000 articulador das questões cruciais para a compreensão da vida humana e sua relação com um ambiente cada vez mais fragmentado e globalizado. Impõe-se, deste modo, uma nova realidade onde as recentes tecnologias de informação potencializam tanto a globalização dos processos quanto a aglutinação de elementos com significados comuns. O conceito de lugar será, deste modo, apropriado por geógrafos em busca de uma compreensão profunda e multifacetada da realidade atual. Um dos primeiros estudiosos a tentar elaborar um conceito de lugar que sintetize todas estas tensões será Entrikin (1991). Este buscará as bases para o entendimento do lugar através do contraste entre duas visões do mundo: a centrada, ligada ao ponto de vista subjetivo, e a descentrada, ligada ao ponto de vista objetivo. Para o autor, ao assumirmos uma abordagem descentrada (através de um ponto de vista objetivo, teórico-científico, ligado à externidade) com relação ao lugar deixamos de compreendê-lo como contexto para vê-lo como locação. A posição contrária, ou seja, abordar o lugar de um ponto de vista centrado (através de enfoque subjetivo, ligado à internidade) é afirmar que não existe nenhuma essência universal do lugar para ser descoberta. Compreender o lugar será, portanto, compreender tanto a realidade subjeti va quanto a objetiva, será colocar-se em algum lugar no meio do caminho entre a visão descentrada do cientista, que vê o lugar como um conjunto de relações genéricas, e aquela centrada do sujeito que o vê em relação às preocupações do indivíduo. Esta característica própria do lugar, Entrikin denominará de intermediaridade (betweelll7ess). Para o autor, a postura científica, que busca conceitos universais reduz a importância das particularidades dos lugares. Entretanto, como atores individuais, estamos sempre, de um modo ou de outro, localizados no mundo e ligados a suas particularidades. Questões cruciais para a vida moderna estão relacionadas a esta "localização". Deste modo, o ponto de vista "afastado", característico da teorização científica, toma difícil a compreensão de diversos e importantes aspectos da existência humana. Ao definirmos uma abordagem descentrada, estamos optando pela generalização das especificidades dos lugares, deixando de vê-los como contextos para compreendê-los como locação. Por outro lado, "compreender o lugar como contexto é reconhecer que, do ponto de vista objetivo do teórico, não existe nenhuma essência ou estrutura universal do lugar para ser revelada ou descoberta" (ENTRlKIN, 1991 :3). A mediação entre estas duas perspectivas se dá. de acordo com o autor, através do processo de descrição de lugares em estilo narrativo, característico das sínteses geográficas. Tal processo acontece no espaço de mediação entre a perspectiva do insider e a do outsider captando, deste modo, a intermediaridade característica do lugar. Compreender um lugar é, assim, compreender tanto a Acepções Recentes do Conceito de Lugar e sua importância 77 ... realidade objetiva quanto a subjetiva. A narrativa representa, deste modo, um meio de se descrever o mundo em relação a um sujeito. Ela é um ponto de vista do sujeito, possuindo dois componentes: a história e o narrador. Seu relativo centramento permite com que ela possa incorporar elementos objetivos e subjetivos. Entrikin destaca que "Uma diferença entre a visão do agente da vida cotidiana e a visão do geógrafo tende a se apresentar através da gradação entre a distinção destes dois pólos. O geógrafo realiza uma tentativa autoconsciente de separar estes dois pólos e de ocupar uma posição relativamente objetiva em algum lugar entre aquela do agente e a do teórico. Deste ponto privilegiado, o geógrafo ganha uma compreensão do lugar como o contexto das ações e eventos humanos" (ENTRIK/N, /99/:26). A interpretação do geógrafo história cultural do significado moderno. dos lugares Segundo somente interconectando objetiva dos fatos da experiência. Ao se compreender Entrikin um dos objetivos a função suas realidades de traduzir objetivas a e subjetivas. ável ao mundo externo do lugar sem perder, entretanto, o lugar como intermediaridade (1997) coloca a questão buscando-se de fora - preservando-se permitido cumpriria Entrikin, ao buscar a perspectiva do narrador, o geógrafo deverá não descrever as experiências, mas também avaliá-las, buscando, deste modo, uma compreensão externo, do lugar é, para Entrikin, Sua narrativa entre o interno e o sobre até onde se deve ser penne- um equilíbrio as características entrar - evitando-se a dimensão entre o que deve ser mantido da comunidade a esterilidade resultante - e o que deve ser do isolamento. O estudo geográfico do lugar não deve, assim, se limitar ao estudo do específico e do singular mas buscar compreender as experiências indi viduais através das narrativas coletivas e dos discursos públicos. Esta forma de abordagem do lugar irá equalizar seus diversos aspectos, evitando compreendê-lo unicamente como algo socialmente construído. Em que pese a originalidade da abordagem de Entrikin apontados por sua concepção do lugar como intermediaridade, como expressão dessa situação esta concepção. Malpas uma construção subjetiva peculiar, (1999) destaca ao mesmo de narrativa, reunir os seus aspectos vez, ressalta que Entrikin dagem explicitamente propõe dialética algumas que Entrikin críticas e os caminhos e da narrativa se apresentaram compreende tempo em que busca, através subjetivos compreender reconciliando e objetivos. do conceito Merrifield, o lugar através por sua de uma abor- "o modo no qual a experiência vivida e agida no lugar e o modo como ela se relaciona a o lugar como e se integra em práticas é 78 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 65-83, jul./dez., 2000 políticas e econômicas que são operativas em escalas mais amplas" (MERRIFIELD, 1993:517). A preocupação da dialética com as questões da mudança, do movimento, da interconexão e da interação e a compreensão do todo através das relações internas entre cada uma das partes em oposição a "objetificação" da realidade social e a busca de uma ordem lógica do ponto de vista empiricista irão fazer com que o autor coloque em xeque a tese de Entrikin. A idéia de interrnediaridade pressupõe, segundo Merrifield, uma base cartesiana, assumida por Entrikin ao entender o lugar de uma forma dualística: de um lado o mundo material (externo), e de outro o mundo da consciência humana (interno). Ao buscar apresentar o lugar como ponte entre as duas pontas de um continuum, Entrikin irá destacar uma polaridade entre a concepção subjetiva e a objetiva do lugar. Deste modo, a argumentação de Entrikin, "ao envolver a noção de uma 'intermediaridade', busca compreender como dois opostos polares podem ser reunidos em lugar de compreender como o locus do lugar é uma unidade contendo dentro de si diferentes aspectos" (ênfase do autor) (MERRIFIELD, 1993:519). Merrifield propõe, então, compreender-se o lugar através do conceito de "fetichismo das mercadorias" (fetishism of commodities), de Marx. Para Marx, as mercadorias, como qualquer outro fenômeno, são processos que aparecem na forma de coisas. Ou seja, o mundo material é simultaneamente uma coisa e um processo. É através desta concepção que Merrifield irá conceituar a construção e a transformação do lugar. A paisagem material, assim como as práticas da vida diária, apresentam-se, deste modo, incorporadas à totalidade capitalista global. Por outro lado, o sistema capitalista não ocorre simplesmente num sentido abstrato, mas precisa se vincular a lugares específicos. "O espaço da totalidade extrai seu significado, portanto, do luga.r, e cada pa.rte (ou seja, cada lugar), através de sua interconexão com outras partes (lugares), engendra o espaço da totalidade" (MERRIFIELD, 1993:520) Para Merrifield, deste modo, o lugar é o terreno onde são vividas as práticas sociais, é onde se situa a vida cotidiana, é o espaço praticado. A especificidade do lugar age, deste modo, ativamente sobre o espaço social geral capitalista. No lugar estão presentes processos conflituosos e heterogêneos que, freqüentemente, operam em escalas mais amplas. O lugar seria uma parada nos fluxos de capital, dinheiro, bens e informações representados pelo espaço hegemônico. O lugar é mais do que a vida diária vivida. Ele é "o 'momento' quando o concebido, o percebido e o vivido atingem uma certa 'coerência estruturada" (MERRIFIELD, 1993:525). Graham (1998) irá buscar um novo enfoque da idéia de lugar ao tentar compreender o sentido deste conceito num mundo contemporâneo profundamente influenciado por novos sistemas de tecnologia da informação. Para isto Acepções Recentes do Conceito de Lugar e sua importância ... 79 o autor irá recorrer às teorias de ator-rede (actor-network: theories) e sua visão relacional das ligações entre tecnologia, tempo, espaço e vida social. Esta perspectiva enfoca o papel das novas tecnologias nas relações complexas e contingentes entre atores humanos e artefatos técnicos e sua constante mutabilidade. Tais relações formam o conjunto denominado de ator-rede através do qual "a vida social e espacial torna-se sutil e continuamente recombinada em combinações complexas de novos conjuntos de espaços e tempos que são sempre contingentes e impossíveis de serem generalizados" (GRAHAM, 1998:167). A teoria ator-rede aborda, deste modo, a relação e o envolvimento dos indivíduos com as tecnologias, documentos, textos e dinheiro nas chamadas ator-redes. A atividade é entendida como um processo puramente relacional onde o espaço e o tempo absolutos não têm sentido. As tecnologias produzem efeitos variáveis através das ligações com contextos sociais específicos. Tais ligações seriam intermediadas pelo conjunto de atividades humanas e tecnológicas. Homem e máquina tornam-se cada vez mais interligados a ponto de cada vez menos se poder falar em máquinas ou homens em geral. Para Graham, os sistemas de comunicação agem, na verdade, como "redes tecnológicas dentro das quais novos espaços e tempos e novas formas de organização, controle e interação humanas são continuamente construídas" (GRAHAM, 1998: 179). O lugar deve ser compreendido, deste modo, a partir de sua vinculação com os processos espaço-temporais. Bairros, cidades e regiões não podem, deste modo, ser examinados sem se levar em conta as diferentes espaço-temporalidades neles contidas. Para Graham, o principal mérito da perspectiva ator-rede é ressaltar os múltiplos e contingentes mundos da ação social e sua relação com a complexa ordem social elaborada à distância através de um conjunto complexo de artefatos tecnológicos. Com essa perspectiva, pode-se compreender que o papel humano não se restringe a ser impactado pelas novas tecnologias. O homem existe como algo mais do que um servo da máquina. A teoria ator-rede busca compreender, deste modo, a crescente concentração urbana através das recombinações propiciadas pelas recentes redes tecnológicas e mostra que, ao contrário de se produzir um mundo abstrato e desumano, elas operam dentro do espaço da cidade recombinando práticas sociais e espaciais. Novos lugares são produzidos independentemente de imposições tecnológicas ou decisões político-econômicas, mas, sim, ligados a processos de configuração social específicos de ator-redes. A cidade moderna, portanto, está em constante modificação, não podendo ser apreendida num quadro fixo. Lugares podem ser compreendidos, deste modo, como combinações sutis e contingentes de proximidades eletrônicas consideradas em paralelo a significações baseadas na proximidade física. 80 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 65-83, jul./dez., 2000 Será, entretanto, Oakes (1977) quem irá sintetizar com mais consistência as diferentes acepções do conceito de lugar. A partir de sua análise sobre a expressão literária da tensão entre o progresso e a perda, o autor irá propor uma concepção de lugar que incorpora, como uma parte fundamental de sua experiência, o sentido de deslocamento causado pela reestruturação capitalista do mundo. Oakes destaca o pioneirismo de Massey que demonstrou que a identidade baseada no lugar é produto da inter-relação das forças extralocais da economia política com as camadas históricas das relações sociais. Lugar não é "comunidade" ou "localidade" mas o sítio de identidades significativas e atividade imediata. É esta última característica, inclusive, que distingue lugar de região e de nação. Um dado importante, para Oakes, é o fato do lugar não ser territorialmente delimitado, mas sim uma conseqüência de ligações através do espaço e do tempo "que fazem o lugar ser mais uma rede dinâmica do que um localização ou sítio específico" (OAKES, 1997:510). Para o autor, o lugar expressa a tensão, característica da modernidade, entre o progresso e a perda; o lugar seria, deste modo, "um espaço criativo, embora ambivalente, cavado em algum loca! entre a opressão da nova ordem e o aprisionamento da tradição" (OAKES, 1997 :511). O lugar não deve ser compreendido, portanto, como um "contraponto conceitual a uma vaga modernidade deslugarizada" (OAKES, 1997:520). A batalha que acontece no lugar não é simplesmente uma resistência às tentativas de hegemonia históricas e espaciais mas uma "luta para nos colocarmos como sujeitos (em lugar de objetos) da história e da espacialidade" (OAKES, 1997:520). A construção de idenLidades relacionadas ao lugar está, deste modo, mais ligada à percepção das tensões entre o progresso e a perda do que a lutas para resistir a imposições hegemônicas. À Guisa de Conclusão A importância do conceito de lugar está diretamente vinculada aos rumos da Geografia Humana e a dois de seus principais ramos, a Geografia Humanista e a Geografia Radical. Ambas, cada uma a seu modo, buscaram combater as atitudes positivistas da Geografia Quantitativa. Se a Geografia Humanista procurou na História e nas humanidades os elementos para atacar a abordagem positivista e sua depreciação das individualidades, atitudes, valores e sentimentos humanos, a Geografia Radical irá procurar suas respostas através da crítica a aceitação implícita, por parte da Geografia Quantitativa, do Acepções Recentes do Conceito de Lugar e sua importância 81 ... status político global e de sua incapacidade em associar significados a suas descrições quantitativas. Estes dois caminhos de trilhas e bases teóricas tão di versas irão, entretanto, encontrar na procura da definição do conceito de lugar seu ponto de contato. Cada um deles buscará agregar significados a um conceito até então pouco significante para o estudo geográfico. Esta aparente divisão do lugar em duas correntes de significados antagônicos será, entretanto, sua maior riqueza pois está exatamente no desafio de se harmonizar estas diferenças a resposta a uma série de questões do mundo atual. A busca da compreensão de conceitos como globalização, singularidade, identidade, internidade, externidade, simbolismo, progresso, perda, subjetividade, interconectividade apresenta-se paralela àquela em direção à compreensão do lugar. Compreender o lugar é, deste modo, compreender uma relação possível entre questões políticas e econômicas e teias de significações e vivências expressas localmente sem perder-se de vista suas relações estruturais globais ou as novas relações espaciais determinadas por um mundo em constante mutação. É exatamente esta essência constantemente em movimento, esta capacidade de responder aos estímulos internos e externos com diferentes velocidades, esta qualidade da permanência (material, afetiva e simbólica) associada ti permeabilidade a processos internos e internos influenciadores de sua modificação (material, afetiva e simbólica) que faz com que o lugar seja um permanente desafio a sua compreensão e a compreensão do mundo. 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