COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXV SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS SALVADOR, 12 A 15 DE OUTUBRO DE 2003 T92 – A16 AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA DE PEQUENAS BARRAGENS EM OPERAÇÃO Luiz Felipe Pierre WORKINVEST CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. RESUMO O trabalho se ocupa das pequenas barragens já em operação discutindo, inicialmente, aspectos que podem interferir na integridade do empreendimento. Expõe, a seguir, procedimentos que visam avaliar a segurança dessas estruturas, nos seus diferentes aspectos, sugerindo ações que permitam melhorar a qualidade dessa avaliação e conclui com a apresentação de medidas corretivas e organizacionais. ABSTRACT The paper concerns about small dams in operation discussing, initially, some features that interfere in the project safety. The paper presents procedures for safety evaluation and suggests actions to improve the quality of this evaluation and, concluding, presents remedial measures. 1 – INTRODUÇÃO Encontra-se em operação no Brasil um número significativo de pequenas barragens pertencentes a um grande elenco de proprietários. Tais barragens têm, em sua maioria, finalidades como irrigação, açudagem e abastecimento d’água e, com freqüência, não dispõem de qualquer tipo de instrumentação nem são submetidas a inspeções periódicas por profissionais qualificados. Muito embora essas estruturas, pelas suas próprias características de pequeno porte, possam não representar riscos de grande magnitude em caso de 1 acidentes, aspectos específicos tais como a ocupação não controlada de vales a jusante ou o efeito cascata de obras construídas em série no mesmo curso d’água podem tornar significativo o potencial de risco de alguns desses empreendimentos. Por outro lado, o fato de uma barragem estar em operação há longo tempo não é garantia de sua segurança já que tanto a barragem quanto suas fundações estão sujeitas a um lento processo de deterioração devido a diversos fatores tais como variações de temperatura, alterações físico-químicas, reações álcaliagregado e os ciclos de enchimento e esvaziamento. Torna-se, assim, recomendável que os proprietários de pequenas barragens em operação submetam tais estruturas a uma análise de riscos e a uma avaliação de segurança. 2 – INFORMAÇÕES PRELIMINARES Ao se iniciar o trabalho acima proposto, deve-se levantar informações que irão influenciar o seu desenvolvimento. 2.1 – DADOS DE INSTRUMENTAÇÃO São dados básicos para o trabalho a interpretação dos registros de auscultação. Entretanto, é comum não se encontrar instrumentação em pequenas barragens o que dificulta a avaliação do estado da estrutura e o seu desempenho ao longo do tempo. Outras vezes a instrumentação, mesmo existente, encontra-se em mau estado ou inoperante. 2.2 – DADOS DE OPERAÇÃO São úteis no levantamento do histórico do comportamento da barragem. Devem ser consultados os diários de operação e relatórios de inspeções ocorridas. Entrevistas com pessoal envolvido na operação e manutenção sempre podem contribuir com informações interessantes. Pequenas barragens freqüentemente são estruturas não assistidas e dados operacionais não são registrados. Nesta hipótese, eventos ocorridos no passado que poderiam vir a provocar incidentes ou serem sintomas de mau funcionamento não são reportados. 2 2.3 – DOCUMENTOS DE PROJETO E DE REGISTROS DA CONSTRUÇÃO Trata-se de informações valiosas, pois além de possibilitar a consulta aos desenhos “como construído” permitem a análise dos critérios de projeto e das especificações de obras civis. Pode-se, também, resgatar os perfis de sondagens, seções geológicas e relatório de tratamento de fundações. Em barragens granulares deve-se levantar as características dos materiais utilizados na construção e os resultados dos ensaios laboratoriais além de verificar as especificações da compactação. Em barragens de concreto devese verificar as fontes e os tipos de agregados utilizados, as características do cimento, as dosagens e os ensaios realizados. A hidrologia do projeto é essencial incluindo a série de vazões adotada, o cálculo da estimativa da cheia de projeto e os estudos sedimentológicos. Entrevistas com pessoal envolvido no projeto e na construção costumam ser de grande utilidade bem como a consulta a arquivos fotográficos pessoais, da projetista e da construtora. Cabe registrar que em barragens antigas é comum o extravio de documentos de projeto e de registros de construção, principalmente quando acontece de o proprietário atual da barragem não ter participado daquelas etapas do empreendimento. 3 – INSPEÇÕES Após o levantamento das informações preliminares é recomendável uma campanha de inspeções no local, incluindo: 3.1 – OBRAS CIVIS Inspeções de obras civis em pequenas barragens em operação devem incluir a verificação de sinais de escorregamento, percolações, com especial atenção às seções onde ocorrem descontinuidades, ver anexo A, como galerias e adutoras, existência de fissuras e sinais de deslocamentos e verificação das condições dos taludes incluindo erosões e a presença excessiva de vegetação. Nas obras de concreto deve-se verificar a existência de armaduras aparentes e as condições das estruturas de extravasamento abrangendo aspectos estruturais, sinais de erosão e limitações de natureza hidráulica tais como obstruções e restrições à jusante. Devem ser também examinadas as condições de instrumentação e a rotina de procedimentos de leitura. 3 manutenção da 3.2 – EQUIPAMENTOS Por terem influência nas características de segurança da barragem, devem também ser examinadas as condições de manutenção de grades e comportas, bem como dos equipamentos de manobra. 3.3 – RESERVATÓRIO Pequenas barragens quase sempre estão associadas a reservatórios com pequeno volume, operando a fio d’água, não interferindo na segurança do empreendimento. Em alguns casos, no entanto, a equipe de inspeção deve verificar as condições de estabilidade das encostas e a ocorrência de assoreamento. 3.4 – AMBIENTAIS Uma inspeção ambiental deve abranger as condições de ocupação do vale à jusante, a qualidade da água do reservatório com especial atenção para a presença de substâncias químicas e de plantas aquáticas e uma avaliação das alterações ocorridas na bacia hidrográfica, a montante do local da barragem, visando identificar a necessidade de uma nova estimativa da cheia de projeto. 3.5 – ACESSOS Cabe, ainda, avaliar as condições de acesso ao local da barragem tendo em vista o interesse em que tal acesso seja garantido mesmo em situações meteorologicamente desfavoráveis. 3.6 - CAPACITAÇÃO A capacitação da equipe de operadores deve ser avaliada e identificada eventuais deficiências pessoais e/ou estruturais. 4 – SERVIÇOS COMPLEMENTARES As inspeções realizadas na etapa anterior podem indicar a conveniência de serem realizados serviços complementares visando obter informações necessárias à formulação de um diagnóstico adequado sobre a segurança da barragem. 4 Dentre essas ações, pode-se citar: 4.1 – SERVIÇOS TOPOGRÁFICOS Poderão ser necessários para determinar deslocamentos da estrutura ou para levantar a topografia do vale a jusante. Nos casos em que o projeto executivo da barragem foi extraviado, um levantamento topográfico pode ser necessário para determinar a seção da barragem. 4.2 – ENSAIOS DAS ESTRUTURAS Para melhor aquilatar a situação das estruturas que compõem o barramento, alguns ensaios poderão ser realizados. 4.3 – ANÁLISES DE ESTABILIDADE Análises de estabilidade permitirão reavaliar os coeficientes de segurança estrutural sendo aplicados critérios de projeto atualizados e/ou carregamentos diferentes daqueles adotados por ocasião do projeto original. 4.4 – REAVALIAÇÃO HIDROLÓGICA Considerando que a insuficiência da capacidade de vertimento é uma das causas mais freqüentes de acidentes em barragens, especialmente no caso das construídas com materiais granulares, a revisão dos estudos de cheia na bacia é um dos serviços mais importantes a serem desenvolvidos. Quando as inspeções ambientais indicarem alterações significativas no grau de ocupação da bacia, tanto a montante quanto a jusante do empreendimento, a reavaliação hidrológica é recomendável. Também o será quando houver indícios de que a série hidrológica no local tenha sofrido modificações. 4.5 – INSPEÇÕES SUBAQUÁTICAS Poderão ser convenientes para verificação “in-situ” do estado de estruturas civis e de equipamentos que funcionam submersos. Pelo seu custo elevado, a realização de tais serviços deverá ter seu custo-benefício bem avaliado. 5 4.6 – SIMULAÇÃO DE ROMPIMENTO Nos casos em que o diagnóstico das condições de segurança indicar a existência de potencial de risco para as áreas situadas à jusante da barragem, é recomendável a realização de um estudo de simulação do rompimento da barragem para determinação das planícies de inundação, identificação das regiões vulneráveis e levantamento dos possíveis danos à jusante. No desenvolvimento desse estudo serão necessários levantamentos topográficos e cadastrais de áreas a jusante da barragem. 4.7 – SERVIÇOS NO RESERVATÓRIO Quando houver indícios de assoreamento no reservatório a ponto de prejudicar a capacidade de acumulação ou as condições de captação deve ser feito um levantamento batimétrico, ao menos parcial, do reservatório. Serviços de limpeza também podem ser necessários para retirada de plantas aquáticas que, com certa freqüência, prejudicam o funcionamento de tomadas d’água. 4.8 – MEDIÇÕES DE DESCARGA SÓLIDA Medições de descarga sólida são recomendadas sempre que as condições de uso da bacia a montante da barragem indiquem uma tendência de aumento da carga sedimentológica numa intensidade que, futuramente, possa trazer problemas operacionais ao empreendimento. 5 - AÇÕES A PROPOR Uma vez realizados todos os serviços complementares julgados necessários para a conclusão do diagnóstico da segurança do empreendimento, cabe serem elaboradas propostas de medidas corretivas e organizacionais visando garantir condições adequadas de operação. Visando respeitar possíveis restrições orçamentárias do proprietário da barragem, recomenda-se que o cronograma de implantação dessas medidas seja estabelecido em função do grau de repercussão de cada ação na segurança do empreendimento 5.1 – SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO A realização imediata de alguns serviços de manutenção pode contribuir para uma melhoria das condições de segurança da barragem. Incluem-se neste item a inspeção do talude de montante com a remoção de raízes de vegetais, 6 a limpeza do sistema de drenagem de águas superficiais do talude de jusante e a inspeção e conservação do sistema de medição de vazões da água de percolação. 5.2 – INSTALAÇÃO DE INSTRUMENTAÇÃO Em barragens onde não foi implantado um sistema de auscultação ou naquelas em que o sistema existente encontra-se ineficiente pode ser recomendada a instalação de alguma instrumentação. Piezômetros, medidores de recalque e medidores de vazão da água de percolação são exemplos de instrumentação mínima a ser recomendada. A instrumentação proposta, no entanto, deve ser compatível com o porte da barragem, com o seu grau de risco e com o nível de capacitação da equipe de operadores. Nos casos em que for recomendada a instalação de novos instrumentos no corpo da barragem, precauções devem ser tomadas para não causar danos à estrutura. 5.3 – OBRAS DE RECUPERAÇÃO Nos casos em que a segurança da barragem estiver mais ameaçada, podem ser necessárias obras de recuperação que, muitas vezes, exigem volumes significativos de recursos para sua execução. Como exemplo, pode-se mencionar obras para aumento da capacidade de vertimento ou a construção de passos de descarga sólida para a redução do assoreamento do reservatório. 5.4 – MANUAIS DE SEGURANÇA A adoção de manuais de segurança ou a revisão dos manuais já existentes é uma providência simples que pode trazer benefícios imediatos à segurança. Os manuais devem abranger procedimentos de inspeção visual, monitoramento do comportamento da barragem e manutenção das obras civis e equipamentos. O treinamento da equipe de operação é fundamental para o sucesso do programa de segurança. O grau de complexidade dos manuais de segurança será ditado pelo potencial de risco da barragem e os manuais devem ser atualizados periodicamente. 7 5.5 – PROCEDIMENTOS DE EMERGÊNCIA A adoção de regras de procedimento em situações de emergência deve ser acompanhada de exercícios freqüentes com o pessoal envolvido, pois em situações críticas o grau de adestramento da equipe é que vai responder pela eficiência da sua atuação já que, nessas ocasiões, é comum ser interrompida a cadeia de comando. Nos procedimentos de emergência devem estar claramente identificadas as situações que caracterizam uma emergência, as responsabilidades atribuídas a cada participante da equipe e os fluxogramas de atividades. Os Planos de Emergência devem prever, ainda, sistemas de comunicação entre os membros da equipe, vias alternativas de acesso para o caso de interrupção dos acessos tradicionais, garantia de fornecimento de energia em caráter emergencial e sistemas de alerta à população. 6 – CONCLUSÃO A segurança das pequenas barragens em operação exige sensibilidade dos profissionais envolvidos tendo em vista que a segurança tem um custo que, muitas vezes, não pode ser suportado pelo proprietário. Adicionalmente, alguns proprietários não absorvem, com facilidade, a filosofia do programa de segurança a ser adotado dificultando a sua implantação e exigindo do especialista um trabalho de convencimento. Assim, cada medida proposta deve ter seu custo-benefício cuidadosamente analisado sob pena de um bom programa de segurança jamais chegar a ser implementado. 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Comitê Francês de Grandes Barragens - “Projeto de Pequenas Barragens” , França, 2002 2. Guerra, Marcos O. - “Reabilitação de Barragens e de suas Estruturas Hidráulicas – Relato do Tema III” Anais do XXI SNGB, Rio de Janeiro, dezembro, 1994 3. ICOLD - “Dam Failures Statistical Analysis” Bulletin 99, Paris, 1995 4. Silveira, João F. A. - “Lições Aprendidas com Acidentes e Incidentes em Barragens - Relato do Tema III” Anais do XXII SNGB, São Paulo, abril, 1997 5. Viotti, Cássio - “Segurança de Barragens, Auscultação, Desempenho e Reparação - Relato do Tema 2” Anais do XXIII SNGB, Belo Horizonte, março, 1999 8 ANEXO A Percolação em pé de barragem devido a descontinuidade do maciço Maciço rompido por galgamento 9 10