UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
LUIZ FELIPE FERREIRA DE MELLO SANTANGELO DE SOUZA
PRESTAÇÃO DE CONTAS EM AÇÃO DE ALIMENTOS
Florianópolis
2014
LUIZ FELIPE FERREIRA DE MELLO SANTANGELO DE SOUZA
PRESTAÇÃO DE CONTAS EM AÇÃO DE ALIMENTOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Graduação em Direito da
Universidade do Sul de Santa Catarina como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel.
Orientador: Prof. Luiz Gustavo Lovato, Msc.
Florianópolis
2014
Dedico o presente trabalho ao meu pai Roberto
(in memoriam) e à minha mãe Sandra, que
possibilitaram a realização desse sonho – e de
tantos outros – através do amor que possuem por
mim e de árdua dedicação à minha criação. Eu os
amo.
À Amanda, minha parceira e grande apoiadora
dos meus sonhos.
Ao meu grande amigo Eraldo, que considero
como se meu segundo pai fosse.
Ao Des. Antonio do Rêgo Monteiro Rocha, que
me estendeu a mão em um dos momentos mais
difíceis da minha vida e me oportunizou de
trabalhar
e
aprender
ao
eternamente grato ao senhor.
seu
lado.
Serei
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a
desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” (Rui Barbosa 1914)
RESUMO
Este trabalho monográfico tem como bojo a pesquisa acerca da viabilidade de o genitor, não
detentor da guarda e prestador de alimentos, se valer da ação de prestação de contas para
fiscalizar a manutenção da sua prole, que em virtude da sua incapacidade civil tem essa verba
administrada pelo guardião. O objetivo principal desse estudo é analisar os argumentos
jurisprudenciais e doutrinários sobre a possibilidade ou não de se ter uma ação de prestação de
contas em matéria de alimentos quando o alimentando for menor de idade. O método de
abordagem utilizado para este trabalho foi o dedutivo e o procedimento escolhido foi o
monográfico. Ainda atrelado à questão metodológica, fora utilizado o tipo de pesquisa
exploratória, uma vez que os instrumentos de estudo basearam-se nas legislações, livros,
sítios e artigos científicos. A técnica de pesquisa escolhida foi a bibliografia. Além disso, o
trabalho se valeu de estudos de casos, momento em que se analisaram os julgados de
Tribunais Estudais e da União sobre o tema. A problemática se operou através do embate
doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade do manejo da ação de prestação de
contas em pensão alimentícia, por parte do genitor alimentante contra o genitor detentor da
guarda. Aqueles que não são favoráveis pugnam pela falta de interesse de agir do alimentante
em virtude de não haver relação jurídica com a pessoa que detém a guarda do filho menor
pelo fato de a verba ser destinada somente a criança, além disso, afirmam que em virtude da
irrepetibilidade dos alimentos, não se poderia vislumbrar a repetição de eventual débito,
acarretando na carência de ação. Por outro lado, aqueles que entendem possível a propositura
da ação de fiscalização da verba alimentícia, se baseiam no exercício do poder familiar do
alimentante em buscar a correta aplicação dos respectivos valores para atender o melhor
interesse do infante, bem como a proteção integral do menor alimentando. É diante disso, que
se pretende impulsionar a discussão acerca do tema, para que os interesses das partes
envolvidas no litígio sejam solucionados do melhor modo possível.
Palavras-chave: Alimentos. Ação de prestação de contas. Irrepetibilidade. Carência de ação.
Direito de fiscalização do art. 1.589 do CC. Proteção integral da criança e do adolescente.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8
2 ALIMENTOS ..................................................................................................................... 11
2.1 HISTÓRICO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR.............................................................. 11
2.2 ASPECTOS GERAIS DOS ALIMENTOS ...................................................................... 15
2.2.1 Conceito e aplicabilidade ........................................................................................... 15
2.2.2 Características dos alimentos .................................................................................... 21
2.2.2.1
Caráter personalíssimo ............................................................................................. 22
2.2.2.2
Imprescritibilidade ................................................................................................... 23
2.2.2.3
Irrenunciabilidade .................................................................................................... 24
2.2.2.4
Impenhorabilidade ................................................................................................... 26
2.2.2.5
Divisibilidade ........................................................................................................... 27
2.2.2.6
Irrepetibilidade ......................................................................................................... 28
2.2.2.7
Incompensabilidade ................................................................................................. 30
2.2.2.8
Periodicidade, Atualidade e Futuridade ................................................................... 31
3 PRESTAÇÃO DE CONTAS............................................................................................. 33
3.1 HISTÓRICO ...................................................................................................................... 33
3.2 AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS .......................................................................... 34
3.2.1 Cabimento ................................................................................................................... 36
3.2.2 Ação de exigir contas .................................................................................................. 37
3.2.3 Ação de dar contas ...................................................................................................... 40
3.2.4 Forma de apresentação das contas ............................................................................ 42
3.3 CUMULAÇÃO COM REPETIÇÃO COMO FATOR FACULTATIVO ........................ 45
4 PRESTAÇÃO DE CONTAS EM AÇÃO DE ALIMENTOS ........................................ 52
4.1 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS AO SEU CABIMENTO ..................................... 54
4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO SEU CABIMENTO ............................................. 61
5 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 74
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 77
8
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho de Conclusão de Curso exprime sobre a possibilidade ou não de o
alimentante genitor se proceder na ação de prestação de contas para fiscalizar a verba
alimentar paga para o descendente, que é administrada pelo seu guardião ante sua
incapacidade civil para tal. Portanto, trata-se de matéria atinente a seara do Direito de Família,
bem como Processo Civil.
De início, cabe salientar que existe um embate doutrinário e jurisprudencial acerca
da possibilidade do manejo da ação de prestação de contas em pensão alimentícia por parte do
genitor alimentante contra o genitor detentor da guarda.
Aqueles que não são favoráveis pugnam pela falta de interesse de agir do
alimentante, em virtude da não existência de relação jurídica com a pessoa que detém a
guarda do filho menor, uma vez que a verba seria destinada apenas para a criança. Também
afirmam que pelo fato do procedimento especial de prestação de contas prever a repetição do
débito como consequência do acertamento das contas não poderia ser aplicado em matéria
referente aos alimentos, pois esses são irrepetíveis.
Por outro lado, aqueles que entendem ser possível a propositura da ação de
fiscalização da verba alimentícia se baseiam no exercício do poder familiar do alimentante em
buscar a correta aplicação dos respectivos valores para atender o melhor interesse da criança,
por meio da sua proteção integral. Serviria, portanto, a aludida como instrumento para exercer
o poder familiar do genitor alimentante – o qual não convive diuturnamente com o
alimentando por não deter a guarda – a fim de resguardar os melhores interesses (tanto
pessoal quanto patrimonial) da criança e do adolescente contra os atos arbitrários de uma má
administração do detentor da guarda, vislumbrando, deste modo, alcançar o tão almejado
princípio da proteção integral entabulado no art. 227, §5º da nossa Carta Magna.
Diante dos argumentos retro esposados, indaga-se a possibilidade de o genitor não
detentor da guarda se valer da ação de prestação de contas para fiscalizar a correta aplicação
dos alimentos em prol do menor.
Com o intuito de responder tal problema o presente trabalho terá como objetivo
principal analisar os argumentos jurisprudenciais, bem como doutrinários, sobre a
possibilidade ou não de se manejar a ação de prestação de contas contra o genitor detentor da
guarda do menor alimentando. E, de modo específico pretende-se explicar o que são
alimentos, seu cabimento e quais são suas características essenciais.
9
Ainda nesse ínterim, buscará explicitar as peculiaridades que circundam a ação de
prestação de contas, principalmente sua conceituação, cabimento e a facultatividade da
repetição do débito.
Como último objetivo específico se fez mister apresentar os argumentos
jurisprudenciais e doutrinários que permeiam a discussão, tanto do ponto de vista favorável
quanto desfavorável para proposição da referida ação.
Para isso, a pesquisa deverá ir ao encontro da literatura jurídica, bem como os
seus fundamentos, com o intuito de se analisar as correntes existentes – tanto de cunho
jurisprudencial e doutrinário – acerca da problemática proposta.
Ademais, o método de abordagem será o dedutivo, o qual partirá de uma premissa
geral para uma específica, que visa a possibilidade do genitor não detentor da guarda
fiscalizar a manutenção do filho menor sob o fundamento do melhor interesse deste.
Ainda atrelado à questão metodológica será utilizado o tipo de pesquisa
exploratória, uma vez que os instrumentos de estudo serão as legislações, livros, sítios, artigos
científicos e trabalhos monográficos. Logo, o objetivo da pesquisa é caracterizar a
problemática, classificando-a e apresentando soluções.
Para a persecução do objetivo deste trabalho foi eleito o procedimento
monográfico.
A técnica de pesquisa será feita através de bibliografia acerca do tema, bem como
documental, utilizando-se para tanto da legislação vigente e das doutrinas referentes ao tema
em estudo. Além disso, se utilizará de estudos de casos, através da revisão de julgado,
objetivando-se fazer a análise dos argumentos esposados nas referidas decisões.
Visando lograr êxito com este trabalho monográfico dividiu-se o estudo em cinco
capítulos, sendo este o primeiro, donde se busca trazer os métodos científicos aplicados ao
presente estudo e também a formulação do problema do qual se pretende aclarar através dos
objetivos propostos.
O segundo capítulo remete ao estudo do instituto dos alimentos, passando pela
narrativa do nascedouro histórico da obrigação de prestá-los, sua conceituação, cabimento e
características.
Já o terceiro capítulo é dedicado à elucidação do que seja prestação de contas,
principalmente de onde surgiu, sua conceituação e cabimento. Outro aspecto relevante
abordado sobre a prestação de contas neste capítulo é a análise da repetição do débito como
fator meramente facultativo e adstrito ao pedido do autor.
10
No quarto capítulo, será abordada, efetivamente a possibilidade ou não do manejo
da ação de prestação de contas em alimentos através da analise dos argumentos favoráveis e
desfavoráveis tanto na seara doutrinária quanto jurisprudencial. Para isso serão trazidas à
colação, decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina, assim como do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
O quinto e último capítulo se presta para a conclusão do trabalho, objetivando
trazer uma resenha de todo o conteúdo, e também a exposição da opinião sobre os
conhecimentos perseguidos.
11
2 ALIMENTOS
Neste capítulo serão apresentadas algumas reflexões acerca do instituto alimentos,
abordando a origem histórica da sua obrigação de ser prestado e seus aspectos gerais. O foco
se mantém no aclaramento do seu conceito, sua aplicabilidade e suas características.
O referido capítulo não tem por escopo esgotar toda a matéria que o circunda,
diante disso, passa-se à apresentação daquilo que é essencial para se entender o cenário em
que se encontra a problemática trazida por esta monografia.
2.1 HISTÓRICO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
Num primeiro momento deve-se destacar o breve aspecto histórico acerca da
evolução da obrigação de alimentar, uma vez que isso remete, de forma incisiva, na boa
compreensão do que seja alimento.
Pois bem. A obrigação alimentar está coadunada com a ideia de assistencialismo e
solidariedade familiar, e inexistindo essa ideia não haveria motivos para regulamentar e
estudar o instituto alimentos1.
A falta da aludida solidariedade familiar estava impregnada em tempos passados,
onde a obrigação de prover o sustento da família era destinada somente ao homem, chefe da
sociedade conjugal, o qual exercia o pátrio poder2.
Sobre a origem do pátrio poder é sabido ser advindo do direito romano, no qual
todos os direitos e obrigações se concentravam nas mãos do chefe da família, inexistindo,
portanto, qualquer tipo de obrigação para com os seus dependentes3.
A fim de ilustrar a figura do “parter familias” Rolf Madaleno, com deveras
acuidade, traz o exemplo da cultura romana:
Toda casa romana possuía um altar onde dia e noite o dono da morada deveria
conservar o fogo que só poderia ser extinto quando toda a família tivesse morrido.
Este culto ao fogo só era exercido pelos homens e entre eles transmitido o direito de
fazer os sacrifícios ao lar, resultando desta regra religiosa a ideia de a mulher ser
incapaz de transmitir a vida e o ofício religioso, já que a religião doméstica se
dirigia unicamente aos ascendentes em linha masculina. O filho pertencia
inteiramente ao pai e a própria esposa renunciava à sua família onde nasceu. Daí
1
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 781.
2
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
p.528.
3
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 41
12
surgir no Direito Romano e ao Tempo das Doze Tábuas o parentesco da agnação,
sendo parentes agnatícios todas aquelas pessoas submetidas à autoridade do pater
4
famílias .
De fato, era difícil e até mesmo sem nexo vislumbrar a necessidade de
assistencialismo para com os outros membros da família, em especial a esposa. Tanto que “a
doutrina mostra-se uniforme no sentido de que a obrigação alimentícia fundada sobre as
relações de família não é mencionada nos primeiros momentos da legislação romana”5.
Ainda nessa linha de intelecção, a título de mera corroboração à imagem daquilo
que seria o poder familiar na idade romana Washington de Barros Monteiro afirma que “no
terreno patrimonial, o filho assim como o escravo, nada possuía de próprio. Tudo quanto
adquiria, adquiria para o pai[...]”6.
Com a evolução histórica permitiu-se, conforme Yussef Said Cahali7, a
permeabilização da estrutura, no sentido de reconhecer a obrigação de alimentar na seara
familiar.
Em que pese não saber a precisa datação acerca dessa mudança, o autor alega que
poderia ter sido a partir do Principado, juntamente com a crescente afirmação de que o
vínculo de sangue assume uma importância maior, na qual transformaria aquela defasada
obrigação moral do poder familiar, em uma obrigação de direito alimentar8.
Ainda segundo Yussef Said Cahali essa paulatina evolução fez com que o foco da
problemática se voltasse, então, para “a extensão das pessoas vinculadas à obrigação
alimentar”9.
Sobre a extensão das pessoas vinculadas à obrigação alimentar, bem como da
obrigação em si, Yussef Said Cahali leciona que:
A disciplina justinianeia da obrigação alimentar representa o ponto de partida da
sucessiva e ampla reelaboração do instituto, compilada pelos glosadores e
comentadores, de que resulta claramente a determinação do círculo da obrigação no
âmbito familiar, compreendendo os cônjuges, ascendentes e descendentes, irmãos e
10
irmãs .
4
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 473.
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 41.
6
TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 42 ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. p.498.
7
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.42.
8
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.42.
9
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.42.
10
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.44.
5
13
Sob o foco do direito pátrio, o Código Civil de 1916 tinha por escopo a proteção
da família e, por isso, tutelou a obrigação alimentar em virtude do casamento11.
Percebe-se, nesse caso, forte influência do “parter familias” do direito romano,
uma vez que só se protegeria e concederia o assistencialismo – em relação ao sustento – para
aqueles que fossem integrantes da entidade familiar12.
Nessa toada, o Código revogado, originariamente, não permitia o reconhecimento
dos filhos havidos fora do casamento, nas ditas relações concubinas daí extrai-se o termo
“filhos ilegítimos”. Essa proibição acarretava o não reconhecimento da paternidade e
consequente abandono em relação ao assistencialismo alimentar13.
O casamento era considerado à época indissolúvel, podendo ser extinto pela morte
ou por anulação – quando incorria em alguma das hipóteses legais para isso. Fora isso, o
matrimonio deveria se manter.
Por não se imaginar o divórcio, o direito de sustento da mulher era exercido pelo
marido – detentor do poder familiar. Ademais, é importante ressaltar que a mulher era
considerada incapaz de praticar atos da vida civil e deveria ser submissa a vontade do chefe
da família14. Essa incapacidade civil da mulher foi extinta posteriormente com a edição da Lei
n. 6.121/62 – conhecida como Estatuto da Mulher Casada –, a qual devolveu a plena
capacidade civil à mulher, permitindo com que ela passasse à condição de colaboradora na
administração da família15.
Em que pese a inexistência da figura do divórcio, existia o instituto do desquite,
que, apesar de dar fim ao regime de bens e dispensar os cônjuges do dever de fidelidade, não
dava fim ao vínculo matrimonial.
Sobre o tema aqui enfocado Maria Berenice Dias anota que:
O matrimônio era indissolúvel, e extinguia-se exclusivamente pela morte ou
anulação. Havia, porém a possibilidade de o matrimonio terminar pelo desquite, o
que ensejava a separação de fato, a dispensa do dever de fidelidade e o término do
regime de bens. Mas o vínculo matrimonial permanecia inalterado16.
11
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 528.
12
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 528.
13
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 528.
14
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 529.
15
DIAS, Maria Berenice. A mulher no Código Civil. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/18_-_a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2014. p.
2.
16
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 529.
14
Nos casos em que ocorria o desquite o direito de ser sustentada se mantinha caso a
mulher fosse “honesta”. E nas palavras de Maria Berenice Dias isso estava “ligado à sua
sexualidade, ou melhor, à total abstinência sexual. O exercício da liberdade sexual fazia
cessar a obrigação alimentar sem qualquer questionamento sobre a possibilidade de ela
(esposa) conseguir se manter ou não”17. Ou seja, não existia a preocupação com as
necessidades da mulher.
O marco legal que de certa forma ajudou a superar esse ideal foi a Lei do Divórcio
de 1977. Essa lei permitiu com que o marido pudesse pedir alimentos a mulher. Desse modo,
a obrigação alimentar passou a ser considerado algo recíproco e mútuo para os cônjuges, nos
casos em que houvesse a declaração judicial de culpa de um dos cônjuges na ação de
separação. Assim, dever-se-ia pagar alimentos para aquele que fosse considerado inocente na
separação18.
Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os
cônjuges passaram a serem considerados iguais perante os direitos e deveres nas relações
matrimoniais.
O referido conteúdo está esculpido no art. 226, parágrafo 5º da Lei Magna e assim
dispõe:
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, são exercidos igualmente
pelo homem e pela mulher.
Seguindo essa esteira de pensamento, Maria Berenice Dias19 cita que outro marco
legal importante para a evolução do dever alimentar fora a lei que regulamentou a união
estável – Lei n. 9.278/96, donde dessa excluiu-se o elemento culpa, nas relações
matrimoniais. Por conseguinte, fomentou diversas discussões em sede jurisprudencial no
sentido de que a não extinção do pressuposto culpa nas relações conjugais – para declarar o
divórcio –. acarretaria séria afronta ao princípio da isonomia. Diante desse panorama, a justiça
passou a rechaçar o elemento culpa das lides em que envolvia alimento aos cônjuges.
17
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 529.
18
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 529.
19
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 530.
15
Outrossim, com o intuito de ratificar aquilo que já previu a Carta Social, o art.
1.511 do Código Civil de 2002 estabelece o seguinte: “O casamento estabelece comunhão
plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.”
Portanto, verifica-se que aquele arcaico conceito de poder familiar do direito
romano sucumbiu frente ao novo preceito de igualdade imposto pela lei constitucional. Com
isso, consubstanciou os direitos de assistência mútua e reciprocidade nas relações de família,
mormente, aquelas que envolvem os interesses dos cônjuges.
Sobre o exposto concluem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, com
grande propriedade que a “[...] a família cumpre pós-modernamente um papel funcionalizado,
devendo, efetivamente, servir como ambiente propício para a promoção da dignidade e a
realização da personalidade de seus membros [...], servindo como alicerce fundamental para o
alcance da felicidade”20.
De fato, a evolução da obrigação alimentar tomou um viés extremamente
assistencialista e permitiu que houvesse a aplicação direta do principio da dignidade humana
nas relações familiares.
2.2 ASPECTOS GERAIS DOS ALIMENTOS
Os alimentos representam uma forma de proteção em benefício da família,
estabelecido pelo Estado e calcado no princípio da solidariedade familiar encontrado na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Portanto, trata-se de matéria cogente e de ordem pública, que permite a busca pela
dignidade humana nas relações afetivas e familiares. Assim, permite-se que aqueles que não
possuem capacidade de subsistência, consigam desfrutar de um modo de vida compatível com
sua condição social e que recebam essa prestação de forma que não venha a prejudicar o
sustento daquele que os oferece21.
2.2.1 Conceito e aplicabilidade
De proêmio, revela-se necessário traçar algumas digressões acerca do instituto
alimentos, tais como a sua importância e o seu espaço no direito de família hodierno.
20
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 781.
21
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. pp. 854-855.
16
Nesse ínterim, entende-se por alimentos a prestação de tudo aquilo que é
necessário para se viver, em prol daqueles que não podem, por algum motivo, prover sua
própria mantença22.
Corroborando tal conceituação, Yussef Said Cahali afirma que a referida
prestação deve englobar a satisfação tanto física quanto intelectual e moral do indivíduo, para
que consequentemente o alimentando realize o direito à vida23.
Da doutrina clássica extrai-se a divisão conceitual – de acordo com a natureza
jurídica – entre alimentos naturais e civis. Os naturais se identificam, segundo Yussef Said
Cahali como aquilo que é “estritamente necessário para a mantença da vida de uma pessoa,
compreendendo tão somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites assim
do ‘necessarium vitae’”. Com relação aos civis entende-se como a prestação que abarca as
necessidades intelectuais e morais, como lazer e educação24.
Assim sendo, Rolf Madaleno pugna que os alimentos civis:
[...] são aqueles destinados à manutenção da condição social do credor de
alimentos, incluindo a alimentação propriamente dita, o vestuário, a habitação, o
lazer e necessidades de ordem intelectual e moral, cujos alimentos são quantificados
25
em consonância com as condições financeiras do alimentante .
Visto que a pensão alimentícia presta-se a garantir a subsistência daquele não é
capaz de alcançá-la através de trabalho próprio é necessário verificar a quem incorre esse
dever de prestar e suas nuances.
Nesse prisma, o dever alimentar recai sobre um sujeito de direito que possui uma
relação jurídica com o necessitado e que a lei estipula como obrigado a prestá-los. Então, a
existência dessa relação depende de um liame consanguíneo ou afetivo com a pessoa que os
prestam e aquela que virá a receber, objetivando constituir “verdadeiro dever mútuo e
recíproco entre parentes, cônjuges ou companheiros”26.
Quanto ao seu modo de prestação, a doutrina entende que os alimentos podem se
dar de duas maneiras, sendo essas, a prestação “in natura” – da qual se presta “os próprios
bens necessários à sobrevivência”27 – e o pagamento da obrigação em forma de soma
22
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 853
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 16.
24
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 18.
25
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p.855.
26
WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de família. 18 ed. São Paulo: Saraiva 2013. p. 71.
27
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 785. Os referidos autores utilizam o exemplo do pai que paga a própria
escola do filho e o plano de saúde, como forma de prestar alimentos.
23
17
pecuniária – donde paga-se a respectiva quantia diretamente ao alimentando para que esse
supra suas necessidades subsistências da melhor forma que lhe convém.
Tem-se, contudo, depois do advento do Código Civil de 2002, uma terceira
natureza jurídica dos alimentos, denominados indispensáveis, que estão disciplinados nos art.
1.694, §2º28 e art. 1.704, parágrafo único29. Essas hipóteses são aplicadas nos casos em que a
necessidade do alimentando decorre de sua culpa exclusiva e, além disso, quando o cônjuge
culpado não possui aptidão para o labor, bem como não possui parentes legítimos do quais
poderiam socorrê-lo.
Sobre o tema alimentos indispensáveis colhe-se excerto doutrinário de
Washington de Barros Monteiro, o qual assevera que: “Esses alimentos compreendem
somente o que é indispensável à sobrevivência, sem apego ao status social do casal e às
possibilidades do prestador de alimentos, e, ainda sem baliza em outras necessidades do
credor cuja cobertura não tenha em vista a sobrevivência”30.
Contudo, nas palavras de Rolf Madaleno:
Estranha solidariedade, notadamente, quando a culpa já perdera qualquer função e
efeito na separação judicial, para fazer prevalecer critérios hierarquicamente
superiores, com valores provenientes da dignidade pessoal dos cônjuges, e permitir
ao consorte buscar a sua separação sem precisar provar qualquer causa ligada à
31
culpa do cônjuge demandado .
Com certeza essa solidariedade é estranha à luz do que dispõe a lei constitucional.
Tanto que em 2010 editou-se a Emenda Constitucional n. 66, com o intuito de não haver mais
a perquirição de culpa na separação – e divórcio direto – consubstanciando o ideal de que a
responsabilidade alimentar é bilateral e tem como âmago a solidariedade assistencial32.
28
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de
sua educação.
[...]
§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de
culpa de quem os pleiteia. (BRASIL, 2002).
29
Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a
prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação
judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em
condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o
juiz o valor indispensável à sobrevivência. (BRASIL, 2002).
30
TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 42 ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 522.
31
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 857.
32
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p.857.
18
Independente da maneira que sejam prestados os alimentos, o bojo do dever de
prestá-los é garantir o principio da dignidade humana do devedor de alimentos, que
porventura não consegue exercer o direito á vida, por isso diz-se que os alimentos têm
conotação extremamente assistencialista.
A despeito do tema enfocado, Maria Berenice Dias leciona que:
Todos têm direito de viver, e viver com dignidade. Surge desse modo, o direito a
alimentos como principio da preservação da dignidade humana. Por isso os
alimentos têm natureza de direito da personalidade, pois asseguram a inviolabilidade
do direito à vida, à integridade física. Inclusive, forma inseridos entre os direitos
sociais33.
Essa obrigação de assistência pode derivar de lei, da vontade das partes ou ainda
de ato ilícito34. Quando derivada da lei, essa encontra assento no art. 6º da Lei Magna35 e o
art. 1.694 do Código Civil que aduz: “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir
uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua
condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”
Daí urge a obrigação alimentar, da qual se destacou alhures. Portanto, frisa-se que
o dever alimentar é “le devoi imposé juridiquement à une personne d’assurer la subsistance
d’une autre personne”36.
O assistencialismo oriundo desse dever configura verdadeira solidariedade
familiar e social, da qual prevê o art. 3º da CRFB37, pois como já visto, aqueles que não
conseguem lograr êxito em obter recursos para sua mantença com frutos de seu próprio
esforço, podem socorre-se daqueles que estão obrigados a prestar auxílio em virtude de um
liame por parentesco consanguíneo, vínculo conjugal e ainda afetivo.
Acerca do princípio da solidariedade familiar como fundamento de existência dos
alimentos, Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald lecionam que:
33
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 531.
34
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 20.
35
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. (BRASIL, 1988).
36
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 16. Tradução
livre: “dever legal imposto a uma pessoa para sustentar outra pessoa”.
37
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
19
A fixação dos alimentos deve obediência a uma perspectiva solidária (CF, art. 3º),
norteada pela cooperação, pela isonomia e pela justiça social – como modos de
consubstanciar a imprescindível dignidade humana (CF, art. 1º, III). Nessa linha de
intelecção, é fácil depreender que comprometida em larga medida a concretização
dos direitos econômicos e sociais afirmados pelo Pacto Social de 1988 de pessoas
atingidas pelo desemprego ou pela diminuição da capacidade laborativa, os
alimentos cumprem a relevante função de garantir a própria manutenção de pessoas
ligadas por vínculo de parentesco38.
Ademais, do ponto de vista de Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald
vislumbra-se que a reciprocidade é consequência natural do caráter solidário, pois “a pessoa
que hoje, se apresenta na posição de devedor, amanhã pode ser credora e vice-versa”39.
Ressalvou-se anteriormente que nem toda a obrigação alimentícia é oriunda de lei.
Pode essa advir da vontade humana, bem como de ato ilícito40.
A obrigação legal está adstrita aos sujeitos de direito integrantes da família. Ou
seja, “são aqueles que devem por direito de sangue (ex iure sanguinis), por um veículo de
parentesco ou relação de natureza familiar, ou em decorrência do matrimônio” 41.
Pode-se ter a existência da obrigação alimentícia resultante de atos humanos, tais
como os atos voluntários ou jurídicos.
Por voluntário entende-se que são os alimentos decorrentes de uma declaração de
vontade, seja “inter vivos” ou “mortis causa”, ou ainda, de cunho obrigacional, do qual se
deriva de um contrato ou de disposição da ultima vontade42.
Com relação à obrigação alimentar advinda de ato ilícito, essa objetiva o
ressarcimento de um dano cometido pelo alimentante, ou seja, funciona como uma espécie de
indenização ao alimentando que não pode se sustentar, em virtude do dano experimentado43.
Visto as possíveis origens da obrigação alimentar pode-se afirmar que não é
garantido a elas o mesmo tipo aplicação, ou seja, “se não se reconhece a existência de uma
disciplina unitária para as obrigações alimentares resultante de diversas causas, admite-se pelo
menos uma certa migração normativa entre os vários ramos do direito, com fulcro na analogia
justificada pela unicidade na destinação do benefício”44.
38
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 783.
39
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 783.
40
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p.857.
41
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 20.
42
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. pp. 20-21.
43
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 859.
44
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 23.
20
Inevitavelmente para se afigurar a obrigação de prestar alimentos serão
necessários a comparência de quatro requisitos.
Nas palavras de Maria Helena Diniz para existir a obrigação alimentar são
necessários quatro pressupostos essenciais: a) vínculo de parentesco, conjugal ou de
companheirismo; b) necessidade do alimentando; c) possibilidade econômica do alimentante;
d) proporcionalidade da verba alimentícia entre necessidade e possibilidade45.
Conforme já exposto, devem fornecer alimentos os parentes consanguíneos, ou
seja, os ascendentes aos descendentes; os descendentes aos ascendentes; e os colaterais até
segundo grau, quando inexistentes os parentes ascendentes e descendentes, bem como os excônjuges.
Outrossim, há de se observar a necessidade da verba por parte do alimentando,
“que, além de não possuir bens, está impossibilitado de prover, pelos seu trabalho, à própria
subsistência, por estar desempregado, doente (RT, 819:210), inválido, portador de deficiência
mental (RT, 830:321), idoso (Lei n 10.741/2003) etc.”46
Nesse sentido, é o que preconiza o art. 1.695 do Código Civil: “São devidos os
alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu
trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem
desfalque do necessário ao seu sustento”.
Portanto, de acordo com o dispositivo supramencionado, é necessário que o
alimentante tenha possibilidade econômica para prestar a verba alimentícia, sem que isso
prejudique o seu próprio sustento, sob pena de incorrer à injustiça de sacrificar seu sustento
em prol de outrem.
Com relação ao quarto pressuposto, deve existir uma proporcionalidade entre o
binômio necessidade e possibilidade, para que haja a adequação desses dois fatores, sem que
isso enseje um enriquecimento sem causa do alimentando nem onere demasiadamente o
alimentante.
Acerca do tema aqui enfocado traz-se à colação o excerto doutrinário de
Washington de Barros Monteiro:
Na fixação dos alimentos equacionam-se, portanto, dois fatores ou o seguinte
binômio: as necessidades do alimentado e as possibilidades do alimentante. Trata-se,
evidentemente, de mera questão de fato, a apreciar-se em cada caso, não se perdendo
de vista que alimentos se concedem não ad utilitatem, ou ad voluptatem, mas ad
necessitatem.
45
46
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pp.631-632.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.631.
21
E quando se trata de alimentos devidos ao filho menor, há um trinômio a se
examinar: as necessidades do alimentando, as possibilidades do pai e as
possibilidades da mãe. Os dois genitores são obrigados a sustentar o filho, em
47
regime de igualdade, mas sempre consideradas as possibilidades de cada qual .
Percebe-se que a obrigação de alimentar passa, mormente, pelos quatro requisitos
apresentados, sendo que a falta de um desses não dá a oportunidade de perfectibilizar a
relação jurídica entre alimentante e alimentando48.
Washington de Barros Monteiro elenca a figura do trinômio na relação alimentar
entre os pais e o infante, com foco na divisibilidade inerente aos alimentos prevista no art.
1.698 do Código Civil, o qual prevê que os parentes, em geral, têm o dever legal de sustentar
os seus descendentes – respeitando-se o poder financeiro de cada um – para se chegar num
valor final, que deverá ser entregue em prol do credor de alimentos.
Aproveitando o ensejo do debate referente aos pressupostos da configuração da
obrigação alimentar, com relação ao da necessidade, há de se ressalvar que a função
primordial dos alimentos não é fomentar o ócio ou estimular o parasitismo. Nesse sentido,
cita-se excerto do voto lavrado pelo Excelentíssimo Des. Monteiro Rocha, o qual cita a lição
de Clóvis Beviláqua, transcrito em ortografia defasada:
Aquelle que possue bens ou que está em condições de prover à sua subsistência por
seu trabalho, não tem direito de viver à custa dos outros. O instituto dos alimentos
foi creado para socorrer os necessitados, e não para fomentar a ociosidade ou
estimular o parasitismo49.
Diante disso, nota-se que os alimentos visam atender a manutenção do direito a
vida digna daquele que não consegue se sustentar, sem que isso fomente o parasitismo e
desvirtue o instituto.
2.2.2 Características dos alimentos
Em se tratando de obrigação de cunho assistencialista, que visa prover
necessidades subsistenciais para o direito à vida digna do credor, os alimentos possuem
algumas peculiaridades que merecem ser vistas.
47
TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 42 ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 535-536.
48
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.631.
49
BEVILÁQUA apud SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2002.011522-9. Relator:
Des. Monteiro Rocha. Chapecó, 20 de março de 2003. Disponível em:
<http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAABAACF1jAAC&cat
egoria=acordao>. Acesso em: 5 jun. 2014.
22
Isso porque, segundo Rolf Madaleno, “esta sua natureza especial decorre do
intrínseco propósito de assegurar a proteção do credor de alimentos, mediante um regime
legal especifico, e cujo crédito visa a cobrir as necessidade impostergáveis”50, sendo mister,
portanto, a criação de determinadas garantias que visem um escorreito pagamento da pensão
alimentícia.
Avigorando a necessidade de tutelar de forma específica os alimentos, tem-se da
lição de Yussef Said Cahali que:
Sendo o direito à vida uma emanação do direito da personalidade, que interessa
precipuamente ao indivíduo, não se descarta a necessidade de uma estrutura jurídica
inspirada no interesse social com vistas À preservação da vida humana e ao seu
regular desenvolvimento; daí a identificação também do interesse do Estado, na
disciplina e da sua regulamentação51.
Logo, segundo Maria Berenice Dias52 há um interesse geral no adimplemento da
obrigação, cujo enseja a criação de normas cogente e de ordem pública para regular a
obrigação e com isso garantir a dignidade da pessoa humana do credor de alimentos.
2.2.2.1 Caráter personalíssimo
O alimento é considerado direito personalíssimo, porquanto se trata de uma
prestação dirigida exclusivamente à pessoa do alimentando. Com efeito, Orlando Gomes
citado por Yussef Said Cahali alega que a titularidade desse direito não transpassa a outrem,
seja por negócio jurídico, seja por fato jurídico53.
Ademais, como já visto, o direito aos alimentos deflue de uma relação de
parentesco única entre credor-devedor e que deverá levar em conta a necessidade de quem
pleiteia alimentos, assim como a possibilidade financeira de quem os presta.
Por fim, Rolf Madaleno pugna que os alimentos não têm por finalidade ser
especificadamente patrimonial – em que pese o cumprimento da obrigação se reflita nisso. O
real intuito, nesse caso, é prestar assistencialismo para que outrem realize o direito à vida de
modo digno54.
50
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p.872.
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 50.
52
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 534.
53
GOMES apud CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
p. 50.
54
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 872.
51
23
2.2.2.2 Imprescritibilidade
Os alimentos têm como característica primordial ser imprescritível, uma vez que o
fundamento básico para requerê-los é a necessidade e essa pode ser renovada a qualquer
momento que for pertinente. Portanto, resta inviável suscitar a prescrição do direito
alimentar55.
Não obstante, Orlando Gomes leciona que:
[...] há que distinguir três situações 1ª, aquela em que ainda não se conjuminaram os
pressupostos objetivos, como por exemplo, se a pessoa obrigada a prestar alimentos
não está em condições para ministrá-los; 2ª, aquela que tais pressupostos existem,
mas o direito não é exercido pela pessoa que faz jus aos alimentos; 3º, aquela em
que o alimentando interrompe o recebimento das prestações, deixando de exigir do
obrigado a dívida a cujo pagamento está este adstrito.
E acrescenta: Na primeira situação, não há cogitar de prescrição, porque o direito
ainda não existe. Na segunda, sim. Consubstanciado pela existência de todos os seus
pressupostos, seu exercício não se tranca pelo decurso do tempo. Diz-se, por isso,
que é imprescritível. Na terceira, admite-se a prescrição, mas não do direito em si, e
sim das prestações vencidas56.
Diana Amato justifica tal entendimento:
A aposição de um tempo prescricional – a par da dificuldade de estabelecer um
termo inicial –, de um lado, provocaria uma espécie de pressão psicológica no
sentido do pedido, e, de outra parte impediria que se buscasse resistir a essa pressão,
57
frustrando, desse modo a verdadeira função do instituto .
Porém, ressalta-se que somente haverá a aplicação do prazo prescricional para
execução nos casos em que já forem fixados os alimentos por decisão judicial. Nesse caso, a
prescrição atingiria a pretensão executória da pensão alimentícia, e não propriamente o
direito58.
Elucidando sobre conjectura supra Yussef Said Cahali afirma que:
A doutrina, no que então se mostrava uniforme em reconhecer a imprescritibilidade
do direito aos alimentos, do mesmo modo afirmava que a prescrição quinquenal a
que se referia o art. 178, §10, I do anterior CC só alcançava a prestação periódica de
pensões alimentícia, fixada em sentença ou convencionadas mediante acordo,
operando-se, nesse caso, com relação a cada prestação atrasada que se fosse
tornando exigível; o inadimplemento do devedor e a falta de reclamação do credor
55
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 889.
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 94.
57
AMATO apud CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012,
p. 95.
58
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p.792.
56
24
durante aquele período, faziam perecer paulatinamente a pretensão àquelas
parcelas.59
Destarte, só ocorrerá a prescrição quando os valores atinentes aos alimentos não
forem executados em tempo hábil. Tal premissa não se confunde com a imprescritibilidade de
se pleitear alimentos.
2.2.2.3 Irrenunciabilidade
Outra característica inerente aos alimentos é a irrenunciabilidade, disposta no art.
1.707 do Código Civil. O referido dispositivo apregoa o seguinte:
“Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos,
sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.”
Entende-se do art. 1.707 do Código Civil que o credor de alimentos jamais poderá
renunciar o direito aos alimentos. O que se permite fazer, todavia, é a renuncia ao exercício
temporário desse direito – por parte do sujeito considerado plenamente capaz para os atos da
vida civil –, ou seja, os alimentos como direito ficarão incólumes, sendo aplicada a
renunciabilidade apenas quanto ao seu exercício momentâneo.
A outro passo, o exercício temporário do direito aos alimentos fica sobestado caso
não exista o binômio necessidade/possibilidade – o que se revela lógico – podendo ser
requerido a qualquer tempo – desde que se afigure o elemento necessidade.
Ademais, mesmo que tenham sido prestados e cessada a necessidade do
alimentando, nada impede que no futuro seja proposta uma nova ação de alimentos, por
quanto não faz coisa julgada material, conforme o art. 15 da Lei de Alimentos60.
Sobre
essa
renúncia,
as
teses
jurisprudenciais
vêm
convalidando,
costumeiramente, a eficácia das cláusulas que preveem a renúncia ao exercício temporário do
direito aos alimentos.
Sobre o tema colhem-se julgados do Superior Tribunal de Justiça:
[...]
A renúncia aos alimentos decorrentes do matrimônio é válida e eficaz, não sendo
permitido que o ex-cônjuge volte a pleitear o encargo, uma vez que a prestação
alimentícia assenta-se na obrigação de mútua assistência, encerrada com a separação
ou o divórcio.
[...]61
59
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 95.
Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em
face da modificação da situação financei ra dos interessados.(BRASIL, 1968).
60
25
E:
[...]
A cláusula de renúncia a alimentos, constante em acordo de separação devidamente
homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a
pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo
[...].62
Comentando acerca dessa tese, Maria Berenice Dias afirma que depois de ter
renunciado o direito aos alimentos, o cônjuge não poderá pleiteá-los devendo ser julgado
extinto o processo por carência de ação. O referido pleito iria de encontro com o princípio da
boa-fé objetiva, configurando o “venire contra factum propium”, uma vez que se criou uma
expectativa de não exercício do direito e posteriormente agiu-se de maneira contrária63.
A outro giro, Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, afirmam que “os
alimentos são irrenunciáveis, apenas, quando fixados em favor de incapazes, como no
exemplo dos alimentos devidos entre pais e filhos ou entre avós e netos”64.
Aos incapazes é vedado renunciar ao exercício à verba alimentícia, tendo em vista
que não estão aptos a exercer e entender os atos da vida civil – pois seu discernimento é
incompleto65.
Percebe-se que é inviável renunciar os alimentos em si, o que poderia ser
almejado – e de fato tem sido aceito pela jurisprudência e pelo Código Civil – é a renuncia ao
exercício temporário do direito, o qual não pode ser confundido com a hipótese de renúncia
dos alimentos. Frisa-se que a renúncia ao exercício do direito está atrelada diretamente à
capacidade civil daquele que o renuncia, sendo que para isso deverá ter pleno discernimento
dos atos da vida civil.
61
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração em Recurso Especial nº 832.902, L V M e D
M M. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Rio Grande do Sul, 06 de outubro de 2009. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=918612&sReg=200600497669&sData=200
91019&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014.
62
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 701.902, A L e I C L. Relator: Ministra Nancy
Andrighi. São Paulo,15 de setembro de 2005. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=579516&sReg=200401609089&sData=200
51003&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014.
63
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. pp. 544-545.
64
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 788.
65
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 788.
26
2.2.2.4 Impenhorabilidade
Com o objetivo precípuo de ser uma verba de caráter subsistêncial, os alimentos
tendem a ser impenhoráveis66.
De fato, seria causador de estranheza se fosse permitido penhorá-los, uma vez que
se estaria desvirtuando o fito do respectivo instituto e prejudicando diretamente um direito de
natureza pessoal67.
Nesse sentido, Yussef Said Cahali crê que a impenhorabilidade dos alimentos é,
como regra geral, matéria consolidada na doutrina, ao passo que não permite que o
alimentante possa privar o alimentando da verba destinada estritamente à sua mantença68.
Evita-se, assim, causar algum tipo de deletério para com a manutenção do direito à vida.
Reforçando essa lição, traz à colação o entendimento de Rolf Madaleno, o qual
assevera que:
Esta impenhorabilidade é uma exigência do fato de os alimentos serem
imprescindíveis para a vida do credor da pensão, a quem não é dado privar dos
meios que cobrem e asseguram a sua sobrevivência, e que seria injusto e desumano
desapossar uma pessoa daquilo que é fundamental para a sua vida69.
Em que pese os alimentos serem considerados impenhoráveis, essa característica
comporta mitigações.
Nas palavras de Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald seria possível
penhorá-los nos casos em que a dívida decorre de um débito alimentar, ou seja, “admite-se a
penhora de alimentos para pagamento de outra obrigação de mesma natureza (alimentícia).
Assim, já se percebe a possibilidade de penhorar pensão previdenciária para o pagamento de
verba alimentar”70.
Outrossim, entende-se ser possível a penhora de bens adquiridos com a referida
verba, salvo se estiverem protegidos pela Lei do Bem de Família (Lei n. 8.009/90)71.
A impenhorabilidade encontra assento no art. 649, IV do Código de Processo
Civil e dispõe que os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de
66
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 909.
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 909.
68
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.86.
69
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 910.
70
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 808.
71
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 808.
67
27
aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de
terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo
e os honorários de profissional liberal são impenhoráveis.
2.2.2.5 Divisibilidade
Ante a conveniência de se destacar a importância do caráter divisível da obrigação
alimentar, é necessário frisar que o aludido caráter não se confunde com o instituto da
solidariedade (a solidariedade decorre de lei ou das vontades das partes – art. 265 do Código
Civil). Por isso, diante da falta de hipótese legal prevista no Código Civil, “o dever de prestar
alimentos não seria solidário, mas subsidiário e de caráter complementar, condicionado às
possibilidades de cada um dos obrigados”72.
Sendo divisível, a obrigação não pode decair sobre apenas um daqueles que a lei
elege como obrigados a prestar alimentos. Assim, todos os obrigados deverão concorrer na
extensão de seus recursos, sob pena de apenas um dos obrigados suportar o ônus73.
Nesse diapasão o art. 1.698 do Código Civil, entabula que:
Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de
suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato;
sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na
proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as
demais ser chamadas a integrar a lide.
Tentando explicar o dispositivo Rolf Madaleno alega que:
“Em outras palavras, débito alimentar se divide em tantas partes quantos forem os
alimentantes devedores, o que não significa dizer, com precisão, que cada um dos
devedores deve atender uma mesma cota alimentar, mas deve sim acatar em
conformidade com sua respectiva possibilidade”74.
Essa disposição vem a respeitar a possibilidade financeira do devedor durante a
prestação sem que isso gere óbice ao seu sustento ou de sua família.
Ainda nessa linha de intelecção, insta frisar que pelo caráter divisível do dever de
alimentar – caso o credor de alimentos intente a ação contra apenas um dos obrigados – corre
72
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 535.
73
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 878
74
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 878.
28
o risco da prestação jurisdicional condenar o obrigado a pagar a quota parte que sua saúde
financeira permite75.
A outro giro, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald tratando a respeito
da formação de litisconsorte passivo na ação de alimentos elucidam que:
“Essa convocação é positiva, ‘também para o alimentando, autor da ação’, pois
será ampliado o objeto cognitivo da demanda, podendo resultar, no final, em um leque maior
de possibilidades para o próprio beneficiário da pensão”76.
Então, o caráter divisível importa, no “fracionamento” da obrigação com os
demais obrigados, objetivando respeitar a possibilidade financeira de cada um deles, sem que
isso lhes cause prejuízo.
Entretanto, há uma conjectura prevista no art. 12 do Estatuto do Idoso (Lei n.
10.741/2003) que excepciona o caráter por ora discutido, transformando a obrigação divisível
em solidária. Neste caso, caberá ao ancião a escolher de cobrar a pensão alimentícia.
A respeito do tema Rolf Madaleno entabula que:
A solidariedade convoca cada membro da comunidade familiar e importa na
convergência de esforços individuais para responderem pelo bem-estar do outro,
tendo como pressuposto que os alimentos do idoso têm caráter de urgente
necessidade, e ao permitir que ele possa reclamar integralmente os alimentos de um
só dos diversos devedores [...], quis o legislador criar uma exceção à norma geral da
divisibilidade alimentar ao configurar como solidários os alimentos do idoso 77.
Perfaz-se que o caráter divisível dos alimentos disposto no art. 1.698 do Código
Civil consegue consubstanciar um equilíbrio, no qual o credor de alimentos conseguirá
receber os valores pertinentes a exercer o direito à vida e os devedores pagarão na medida de
sua possibilidade, sem que isso signifique prejuízo ao próprio sustento.
2.2.2.6 Irrepetibilidade
A irrepetibilidade eleva-se a característica mais importante em matéria de
alimentos quando se analisa a possibilidade de ajuizamento da ação de prestação de contas em
pensão alimentícia, uma vez que não se permite que a verba já paga seja reembolsada.
75
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 878.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 803.
77
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 884.
76
29
Entende-se por irrepetível “a não autorização de repetir o despendido com
alimentos, pois quem satisfaz a obrigação não desembolsa soma suscetível de reembolso”78.
No mesmo sentido ensina Arnoldo Wald que os alimentos têm a necessidade de
serem irrepetíveis “porque os alimentos, por sua natureza, são prestados para a subsistência do
alimentando, presumindo-se, portanto, que são eles imediatamente consumidos”79.
Com efeito, a irrestituibilidade tem por cerne salvaguardar a urgência que o
necessitado tem em relação à verba, pois não conseguiria se manter se não fosse por meio
dessa80. Além disso, presume-se que todo o valor entregue a ele, a título de alimentos, serve
para suprir integralmente as necessidades básicas81.
Malgrado o firme posicionamento de que os alimentos sejam irrepetíveis a prática
tem demonstrado que em alguns casos tal preceito tem se revelado injusto, mormente,
naqueles em que se haja a desnecessidade do credor em aferir os alimentos82.
Seria injusto e estar-se-ia a prestigiar o enriquecimento sem causa, se o credor de
alimentos agisse com dolo ou má-fé e escondesse sua desnecessidade em receber a verba, com
o intuito de tirar proveito83.
Sobre o tema enfocado traz-se à colação exemplificação de Yussef Said Cahali, o
qual obtempera que:
Não será, porém, de excluir-se eventual repetição de indébitos se, com a cessação
ope legis da obrigação alimentar, a divorciada oculta dolosamente seu novo
casamento, beneficiando-se ilicitamente das pensões que continuarem sendo pagas:
com o novo casamento, a divorciada perde, automaticamente, o direito à pensão que
vinha recebendo do ex-marido, sem necessidade de ação exoneratória; as pensões
acaso recebidas a partir do novo casamento deixam de ter caráter alimentar e,
resultando de omissão dolosa, sujeitam-se à repetição84.
Nesse mesmo sentido reitera Maria Berenice Dias citando Rolf Madaleno:
Em nome da irrepetibilidade, não é possível dar ensejo ao enriquecimento
injustificado (art. 884 do Código Civil). É o que se vem chamando de relatividade da
não restituição. Conforme Rolf Madaleno, soa sobremaneira injusto não restituir
alimentos claramente indevidos, em notória infração ao princípio do não
78
TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 42 ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 553.
79
WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de família. 18 ed. São Paulo: Saraiva 2013. p. 80.
80
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 541.
81
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 891.
82
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 892.
83
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 892.
84
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 107.
30
enriquecimento sem causa. A boa-fé é um princípio agasalhado pelo direito (art. 113
85
e 422 do Código Civil), a assegurar a repetição do indébito .
Não se pode olvidar, pois, que o paradigma é a aplicação da irrepetibilidade nas
relações alimentícias e que em casos excepcionais poder-se-ia mitigar essa aplicação para
evitar a incorrência do enriquecimento sem causa – nos casos em que for devidamente
comprovado.
2.2.2.7 Incompensabilidade
A incompensabilidade é outra característica disposta no art. 1.707 do Código
Civil, sendo que “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a
alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”.
Tal razão assiste em virtude do caráter essencialmente alimentar que detém a
verba, no sentido de garantir o direito à vida do credor de alimentos, que não pode por fruto
de seu trabalho exercê-lo86.
O escopo do referido caráter é evitar a extinção da obrigação através do instituto
da compensação. Sendo assim, “o devedor deve pagar integralmente os alimentos fixados por
provimento judicial provisório ou regular, e não pode deixar de cumprir seu dever com a
desculpa de compensá-lo com outros créditos, ou por conta de dívidas do alimentado que
foram pagas pelo devedor”87.
Se não bastasse evitar a extinção da obrigação, a incompensabilidade também tem
por objetivo evitar a violação do modo em que o devedor empregaria a verba. Seria altamente
nocivo à preservação do direito à vida do alimentando se esse dependesse da analise subjetiva
do devedor em verificar como seria gasto a verba, ou até mesmo a possibilidade de compensar
a verba com outras coisas inúteis para a subsistência88.
Sobre o tema, o Egrégio Sodalício Tribunal de Justiça de Santa Catarina já decidiu
em caso análogo que:
Segundo dispõe o art. 1.707 do Código Civil, são insuscetíveis de compensação os
alimentos. Tal regra decorre da própria natureza da verba alimentar, que tem por
precípua finalidade garantir a subsistência do alimentando. Evita-se, com isso, que
85
MADALENO apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2013. pp. 542-543.
86
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense,2013. p. 894.
87
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense,2013. p. 894.
88
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense,2013. p. 895.
31
seja o alimentando surpreendidos com abrutos cortes em seu orçamento, que
reduziriam os recursos que dispõe para administrar sua vida e débitos em
determinado período. Eventuais depósitos de valores em favor do alimentando que
excederem o devido para o pagamento de pensão alimentícias em determinado mês
devem ser considerados como mera liberalidades e não podem ser compensados
com parcelas referentes às verbas alimentares de meses que estejam para vencer.
Como bem ressalta Rolf Madaleno, "Admitir a compensação suporia deixar sem
meios de vida o credor até a extinção da próprio dívida com o devedor de alimentos
e, logicamente, não cumpriria a finalidade alimentar" (Curso de direito de família. 5.
ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.896). 89
Logo, seria cristalino o desvio de finalidade caso fosse aceito a compensabilidade
dos alimentos. Todavia, esse caráter não deve ser encarado com algo imutável, pois “em
certos casos, com o propósito de evitar o enriquecimento sem causa do credor que recebeu
uma determinada parcela alimentícia a maior, é possível a compensação do valor pago
indevidamente nas parcelas vincendas [...]”.90
2.2.2.8 Periodicidade, Atualidade e Futuridade
Como a necessidade do alimentando não se exaure em curto lapso, revelou-se
necessário criar um marco no qual o credor poderia adimplir a obrigação e o devedor pudesse
ter a expectativa de recebê-la. Daí entende-se que são prestações periódicas91.
Essa periodicidade tem a ver com a atualidade e futuridade da verba, pois quando
arbitrada pelo juiz merece ser respeitada.
Por atualidade, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald entendem que a
pensão alimentícia deve ser fixada com a indicação de um critério de correção de valor, para
que, consequentemente, mantenha seu caráter atual, evitando-se que o valor da verba fique
obsoleto com o passar do tempo92.
Com relação à futuridade, os mesmos autores entendem que a verba deve ser
destinada ao futuro e presente, não se prestando a verba a garantir o passado do sujeito.
89
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2013.086900-2. Relator: Des. Marcus Tulio
Sartorato. Braço do Norte, 18 de feveiro de 2014. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000QJSD0000&nuSeqProcessoMv=null&ti
poDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=6540489&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014.
90
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 807.
91
Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p.
538.
92
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p.790.
32
Atente-se aqui o fato de que os alimentos atrasados não se confundem com aqueles que não
foram cobrados judicialmente93.
Portanto, os alimentos devem ser prestados periodicamente, podendo ser de mês
em mês ou outro tipo de lapso periódico. Devem ser fixados a partir de uma data para que
possa haver a correção desse valor94.
Superada a apresentação do instituto alimentos, serão discutidos na sequência os
aspectos relativos à figura do procedimento especial de prestação de contas, especialmente no
que se refere ao breve histórico da prestação de contas. Também será tratada a ação de
prestação de contas analisando-se suas nuances, seu cabimento e, por fim, será trabalhada a
dicotomia de obrigatoriedade e facultatividade da sua cumulação com repetição.
93
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p.790.
94
Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p.
538.
33
3 PRESTAÇÃO DE CONTAS
No presente capítulo será abordada a espécie do procedimento especial de
prestação de contas, mormente no que se refere ao breve histórico da prestação de contas, a
conceituação e cabimento da ação de prestação de contas e por fim, será trabalhada a
dicotomia entre obrigatoriedade e facultatividade da cumulação com a repetição de eventual
débito encontrado na apresentação das contas.
3.1 HISTÓRICO
A prestação de contas, como procedimento, é advinda do direito romano e
germânico e à época possuía rito comum, ou seja, naquele tempo não havia especificidades no
seu procedimento quando se pretendia a prestação de contas95.
Após paulatina transformação jurídica, a prestação de contas passou a ter
procedimento específico, depois da Idade Média, onde passou a ser disposta em estatutos
legais, como por exemplo, o de Castiglione di Lago, datado de 157196.
Tratando sobre a problemática do fato de a prestação de contas ser considerada
um procedimento comum nas legislações alienígenas épicas, Antonio Carlos Marcato
assevera que: “O direito comum deixava ao juiz certa margem de arbítrio para decidir se as
contas estavam ou não prestadas, merecendo destaque as regras ditadas por Menocchio,
destinadas a guiar o procedimento e as decisões judiciais”97.
Sendo assim, continua tecer o autor que essas regras foram fundamentais para a
criação da Ordenança de 1667, donde se reservou um título especial para o processo de
prestação de contas, a qual mais tardar foi acoplado ao Código Civil de Napoleão98.
No direito pátrio, através das Ordenações, havia a praxe de pedir contas pelo
processo de preceito cominatório, o qual mais tardar foi acoplado ao Código de Processo Civil
de 193999.
Hodiernamente, a ação de prestação de contas está disposta no livro de
procedimentos especiais do Código de Processo Civil brasileiro e objetiva a apresentação de
95
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135.
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135.
97
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135.
98
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135.
99
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 136.
96
34
contas em juízo de pessoas que tenha confiado a administração de um bem, interesse ou
direito a outrem.
3.2 AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
A ação de prestação de contas assume um papel instrumental extremamente
importante para as relações jurídicas que derivam da lei ou de contrato e que se
consubstanciam na administração de bens, valores e interesses feitos por alguém que não seja
o titular desses100. Tal medida garante ao titular a ciência do modo em que estão sendo
geridos seus bens pelo administrador.
Por isso, afirma-se que o grande escopo da aludida ação é “liquidar dito
relacionamento jurídico existente entre as partes no seu aspecto econômico, de tal modo que
se determine com exatidão a existência ou não de um saldo, fixando, no caso positivo, o seu
montante, com efeito de condenação judicial”101 em detrimento da parte considerada
devedora.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou acerca do que seja a
prestação de contas:
I - A ação de prestação de contas consubstancia a medida judicial adequada para
aquele que, considerando possuir crédito decorrente da relação jurídica consistente
na gestão de bens, negócios ou interesses alheios, a qualquer título, para sua
efetivação, necessite, antes, demonstrar cabalmente a existência da referida relação
de gestão de interesses alheios, bem como a existência de um saldo (como visto, a
partir do detalhamento das receitas e despesas), vinculado, diretamente, à referida
relação;
II - In casu, nos termos exarados, ainda que se possa reconhecer, pelos elementos
constantes dos autos, a existência de gestão de bens alheios pelos réus, em razão de
outorga de mandatos (escrito e verbal), é certo inexistir qualquer vinculação entre os
valores transferidos a um dos réus (bem como a um terceiro, estranho à lide,
ressalte-se) aos mandatos referidos, ilação que somente poderá ser reconhecida na
ação própria, qual seja, a ação de prestação de contas;
[...]102
100
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1065257, Bernabe Santiago Estefania Sunnah e
outro e Fernanda M. S. Figueiredo e outros. Relator: Ministro Massami Uyeda. Rio de Janeiro, 20 de abril de
2010. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=961423&sReg=200801271729&sData=201
00514&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014.
101
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 81.
102
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1065257, Bernabe Santiago Estefania Sunnah e
outro e Fernanda M. S. Figueiredo e outros. Relator: Ministro Massami Uyeda. Rio de Janeiro, 20 de abril de
2010. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=961423&sReg=200801271729&sData=201
00514&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014.
35
Outrossim, a mero título de reforço argumentativo, conclui-se que o sujeito ativo
processual desse procedimento pode ser tanto aqueles querem que “sejam prestadas as contas
devidas em razão de uma determinada relação de direito material” 103 quanto aqueles que
estiverem obrigados a prestar as contas.
Nota-se também, que o conceito de prestação de contas engloba outro importante
preceito de direito processual, qual seja a “res in inducium deducta”, a coisa deduzida em
juízo. É dela que nasce a análise da existência ou não de uma relação de direito material
abstrata, a qual passa anteriormente, pela afiguração da causa de pedir e também pela
legitimação das partes104.
Inexistindo a relação de direito material abstrata na ação de exigir contas – a qual
será examinada adiante – a medida que deve ser tomada pelo magistrado é o indeferimento da
inicial105.
Por outro lado, o próprio procedimento permite que essa etapa de verificação da
relação jurídica de direito material seja presumida, no caso em que o obrigado a prestar contas
vem a juízo cumprir o seu papel.
Outra peculiaridade que se faz mister apontar para um correto entendimento da
prestação de contas é o fato de ser considerada uma ação dúplice, donde “ambas as partes da
relação material podem assumir posição de autor e ou de réu e, por isso mesmo, a tutela
jurisdicional pode ser prestada em favor de qualquer um deles”106.
Aclarando sobre a natureza dúplice da ação, tem-se que a apuração de existência
de saldo não está atrelada diretamente a relação processual entre autor ou réu, ou seja, deverá
ser averiguada a existência de débito, seja por parte do autor ou do réu podendo, inclusive ser
criado um título executivo judicial em favor do réu107.
Com o escopo de ilustrar o tema da ação dúplice traz-se a colação o excerto
doutrinário de Frédie Didier Júnior o qual leciona que:
103
FELIX, Vanessa de Oliveira Cavalieri. Ação de prestação de contas. Disponível em:
< http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/10/processocivil_292.pdf>.
Acesso em: 2 jun. 2014
104
FELIX, Vanessa de Oliveira Cavalieri. Ação de prestação de contas. Disponível em:
< http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/10/processocivil_292.pdf>.
Acesso em: 2 jun. 2014
105
FELIX, Vanessa de Oliveira Cavalieri. Ação de prestação de contas. Disponível em:
< http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/10/processocivil_292.pdf>.
Acesso em: 2 jun. 2014
106
FELIX, Vanessa de Oliveira Cavalieri. Ação de prestação de contas. Disponível em:
< http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/10/processocivil_292.pdf>.
Acesso em: 2 jun. 2014
107
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 11ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2009. v. 1. p.
210.
36
As ações dúplices são as ações (pretensões de direito material) em que a condição
dos litigantes é a mesma, não se podendo falar em autor e réu, pois ambos assumem
concomitantemente as duas posições. Esta situação decorre da pretensão deduzida
em juízo. A discussão judicial propiciará o bem da vida a uma das partes,
independentemente de suas posições processuais. A simples defesa do réu implica
exercício de pretensão; não formula pedido o réu, pois a sua pretensão já se encontra
inserida no objeto de uma equipe com a formulação do autor. É como uma luta em
cabo de guerra: a defesa de uma equipe já é, ao mesmo tempo, também o seu ataque.
São exemplos: a) as ações declaratórias; b) as ações divisórias; c) as ações de
acertamento, como a prestação de contas e oferta de alimentos108.
Portanto, a persecução do débito que ocorre na prestação de contas pode atingir
tanto o administrador quanto aquele que dispõe deu seus bens e interesses à administração. No
caso de eventual saldo será formulado título judicial executivo a ser executado por aquele for
considerado credor.
3.2.1 Cabimento
O procedimento de prestação de contas afigura-se no livro de procedimentos
especiais – mais especificadamente no art. 914 ao art. 919 do Código de Processo Civil – e, ao
teor do que já fora exposto, competirá ajuizá-la aquele que se julgar no direito de exigi-las ou
ainda aquele que terá obrigação de prestar contas, seja em virtude de vinculo contratual ou
legal.
De fato, revela-se que o art. 914 do CPC caracteriza esse procedimento como um
caminho de mão dupla, uma vez que a iniciativa da propositura da ação pode se dar por meio
daquele que tem direito de exigir as contas, como em função daquele que tem obrigação de
prestá-las.
O âmago do referido procedimento é a sua “[...] destinação específica de compor
litígios em que a pretensão, no fundo, se volte para o esclarecimento de certas situações
resultantes no geral da administração de bens alheios”109.
Verifica-se que o que dá azo a sua propositura é a simples pretensão de se ter as
contas prestadas, decorrente de uma administração de interesse, bem ou direito, pouco
importando a motivação que se levou a propor da ação. Ou seja, o eventual débito é
108
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 11ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2009. v. 1. p.
210.
109
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 83.
37
considerado mera consequência da análise da prestação e não pode ser confundido com a
causa de pedir principal110.
Indo ao encontro disso, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart afirmam que
“não há a necessidade de que o autor da demanda invoque algum suposto crédito existente ou
desfalque efetuado pelo requerido. Basta que ostente o direito a ter as contas prestadas, para
que a demanda seja procedente”111.
Contudo, esse não revelou ser o mesmo entendimento de Ugo Rocco citado por
Humberto Theodoro Júnior, o qual pugna que a função precípua da prestação de contas é a
condenação ao pagamento do débito da parte que deu causa, seja essa a parte autora ou a ré,
para se lograr êxito com o acertamento de contas112.
Portanto, de modo geral, será cabível a ação de prestação de contas nos casos que
envolvam “o puro levantamento de débitos e créditos gerados durante a gestação de bens e
negócios alheios”113.
As relações jurídicas que legitimam a propositura da aludida, devem ser vistas de
forma ampla permitindo que seja aplicada a sua específica finalidade. Porém, a legislação traz
alguns casos em que se pode utilizar do procedimento, por exemplo, no Código Civil tem-se:
o sucessor provisório do ausente que não seja descendente, ascendente ou cônjuge (art. 33,
“caput”); o mandatário (art. 668); os administradores nas sociedades em geral (art. 1.020); o
síndico do condomínio (art. 1.348, VIII); os tutores (art. 1.755) e os curadores (art. 1.781)114.
3.2.2 Ação de exigir contas
Passados os conceitos introdutórios, foca-se na análise do procedimento em si,
começando através da ação de exigir contas, a qual se refere o art. 914, I do CPC e que
também é denominada por Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Arenhart como “prestação de
contas ativa”.
110
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 82.
111
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 82.
112
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 81.
113
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p.85.
114
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimentos especiais do
Código de Processo Civil. Juizados Especiais, tomo II. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2. p. 60.
38
Nas causas em que o autor exige a prestação de contas haverão duas fases, sendo
que a primeira cinge-se a condenação do réu em prestá-las e a segunda, em apurar suposto
débito decorrente da relação jurídico-econômica entre as partes.
Corroborando a explanação, Humberto Theodoro Júnior leciona que nesse
momento:
[...] se traça um procedimento composto de duas fases, com objetivos bem distintos:
na primeira busca-se apurar se existe ou não a obrigação de prestar contas que o
autor atribui ao réu; na segunda, que se pressupõe solução positiva no julgamento da
primeira, desenvolvem-se as operações de exame das diversas parcelas das contas,
com o fito de alcançar-se o saldo final do relacionamento econômico discutido entre
as partes115.
O procedimento em questão, agasalhado pelo art. 915 do CPC e seus parágrafos,
inicia através da angularização da relação processual com a citação válida do réu, o qual no
prazo de cinco dias deverá apresentar as contas e/ou contestar a ação.
Desse modo, a primeira fase do procedimento é instaurada e passará analisar a
existência ou não de uma relação jurídica entre autor e réu, para que por conseguinte o juiz
condene o réu a apresentar as contas.
Frisa-se que essa fase foca “exclusivamente na existência ou não do direito a
exigir essas contas, sem que seja necessário que se invoque alguma desconfiança sobre o
trabalho exercido pelo administrador ou algum saldo supostamente existente em razão da
atuação deste”116. Ou seja, “basta que ele identifique a obrigação de onde se origina o dever
de prestar contas para que se tenha como suficiente a indicação da causa de pedir”117.
Contudo, quando citado, o réu poderá se posicionar de cinco maneiras, sendo três
delas previstas pela legislação processual.
a) Prestar as contas solicitadas pelo autor. Tal medida está disposta no §1º do art.
915 e prevê que em caso de apresentação das contas por parte do réu assim que for citado, o
autor, caso queira, terá cinco dias para se manifestar acerca do que fora acostado pela parte
adversa.
115
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 92.
116
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p.83
117
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p.83
39
Cassio Scarpinella Bueno acrescenta o fato que caso haja necessidade de produção
de provas, o juiz poderá determinar a produção de prova ou ainda designar audiência de
instrução e julgamento para a colheita de prova oral118.
Ademais, seguindo essa linha de raciocínio, não havendo a necessidade de
produção de provas o juiz deverá julgar antecipadamente o feito, nos termos do art. 330 do
Código de Processo Civil.
b) De acordo com o art. 915, §2º o réu poderia se manter silente – o que
acarretaria os efeitos da revelia – e, consequentemente ensejaria ao magistrado – nos moldes
do art. 330 do CPC – julgar antecipadamente a lide para condenar o réu a prestar as contas
solicitadas em um prazo de 48 horas, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor
apresentar, ou ainda:
c) Apresentar as contas dentro do prazo de 48 horas e com isso o feito
prosseguiria para o seu deslinde, como opção possível decorrente do caso do item b.
d) O réu poderia apresentar as contas e contestar o feito, mais precisamente o seu
conteúdo. Com isso, o réu traria ao debate processual o seu descontentamento com o fato de o
autor ter recusado que as contas fossem apresentadas extrajudicialmente. Dessa forma,
pleitearia a aprovação de suas contas e a condenação do autor ao pagamento de honorários e
sucumbência119.
Essa é uma alternativa proposta por Adroaldo Furtado Fabrício – o qual fora
citado por Humberto Theodoro Junior – que prevê além do diploma legal o fato de o réu
poder contestar o feito como forma de evitar a condenação ao pagamento dos encargos
sucumbênciais120.
Por fim, e) como subespécie daquilo previsto pelo §2ª, o réu poderia contestar a
ação sem impugnação da obrigação de prestar contas, o que ensejaria o julgamento antecipado
e o oportuno afastamento das preliminares aventadas por ele121.
Com efeito, conforme prevê Luiz Guilherme Marinoni e Ségio Arenhart, o réu
poderá apresentar defesa e não prestar contas, o que faria com o que o procedimento especial
de prestação de contas assumisse o rito ordinário, “de modo que, diante da controvérsia
118
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimentos especiais do
Código de Processo Civil. Juizados Especiais, tomo II. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2. p.61
119
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p.93.
120
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 93.
121
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 93.
40
instalada, seguirá para a fase instrutória e, posteriormente, decisória, em que o juiz avaliará a
existência ou não de motivos para a recusa na prestação das contas”122.
Superado esses possíveis atos, o procedimento poderá, em caso de acolhimento da
pretensão do autor, seguir para a segunda fase, donde o processo focará na examinação das
contas apresentadas, podendo ou não a vir apurar algum débito.
3.2.3 Ação de dar contas
Sob a ótica do que expõe o inciso II do art. 914 do CPC, não há motivo para se
dividir este procedimento em duas fases.
O ajuizamento da ação de prestação de contas por parte daquele que é obrigado a
prestá-las traz à tona o liame existente entre as partes, restando cristalino a existência da
relação jurídica, donde o autor é administrador de um interesse, direito ou bem do réu.
De fato, “essa ação se inicia com a exibição das contas elaboradas pelo autor,
seguida da convocação do credor para aceitá-las”123 sendo, portanto, desnecessária a cognição
judicial sobre a existência de relação jurídica entre os sujeitos processuais.
Nesse sentido, traz-se a colação excerto doutrinário de Antonio Carlos Marcato, o
qual disserta sobre o tema:
Diferentemente do procedimento de exigir contas, que comporta as duas fases
distintas já examinadas, o rito da ação sob exame apresenta unidade estrutural,
dispensando a decisão que condena o réu a prestar contas (art. 915, §2º, parte final),
pois estas são apresentadas pelo próprio autor na petição inicial 124.
Logo, a ação de dar contas – ou prestação de contas passiva – assume outros
contornos em relação à de exigir contas, pois não há a necessidade de se condenar o
administrador do bem, interesse ou direito a prestar contas.
Caberá ao autor da ação, no procedimento em análise, requerer a citação do réu
para no prazo de cinco dias aceitar as contas acostadas e/ou contestar a ação, conforme a
inteligência do art. 916, “caput” do Código de Processo Civil.
Citado, o réu poderá tomar certas providências, sendo as quais:
122
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 84.
123
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 82.
124
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 142.
41
a) Se não contestar a ação ensejará o julgamento antecipado do feito (art. 330, II
c/c art. 916, § 1º), presumindo-se como verdadeiro (art. 319 do CPC) as contas apresentadas
pelo o obrigado.
Importante ressalvar que o efeito da revelia não merece ser confundido com o da
aceitação expressa das contas, isto pois, “embora havendo como verdadeiros os fatos narrados
pelo autor, pode ocorrer que os efeitos desses mesmos fatos não sejam, no plano jurídico,
aqueles que a parte pretendeu extrair”125.
b) O réu aceita expressamente as contas apresentadas pelo autor, hipótese em que
a lide deverá ser julgada pelo juiz em prazo de dez dias, “pois caracterizado o reconhecimento
da procedência do pedido, a ensejar a extinção do processo com resolução de mérito (art. 269,
I, c/c art. 916 §1º)”126.
c) O réu poderá contestar a ação. Esse ato importa no inconformismo do réu
quanto ao fato de o autor ajuizar a medida judicial para prestar contas, ou ainda seu
desapontamento com relação aos vícios advindos do próprio procedimento127.
De fato, o réu não impugna as contas, mas sim a ação em si.
d) Poderá impugnar as contas. Nesse caso o réu discorda das contas prestadas e
vai discuti-las em juízo, podendo essa impugnação ser parcial ou total.
A impugnação deverá ser feita de modo específico, atacando aquilo que o réu
entende como errôneo, sendo que a mera impugnação geral não importa no reconhecimento
de uma contestação válida128.
Não obstante, o réu poderá impugnar – segundo Antonio Carlos Marcato – no que
tange ao seu conteúdo ou forma129.
Segundo o mesmo autor, caso essa medida se limite a atacar o conteúdo das
contas, cabe à parte apresentar suas próprias contas130.
Todavia, limitando-se a atacá-las em seu aspecto meramente formal, o juiz fixará
prazo para que se corrijam os defeitos existentes. Não se fazendo mister a extinção do
processo sem resolução de mérito, porquanto trata-se de nulidade relativa.
125
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 101.
126
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 143.
127
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 87.
128
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 100.
129
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 144.
130
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 144.
42
Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Arenhart afirmam que a
contestação do feito e a impugnação das contas por conta por parte do réu que um instituto
não se confunde com o outro, isto pois, a impugnação tende a recair tão somente com relação
aos cálculos apresentados, enquanto a defesa propriamente dita opera os mesmos efeitos de
uma contestação apresentada sob o rito ordinário, donde enfocará na conduta do autor em
ajuizar a medida judicial, ou ainda nos vícios intrínsecos do procedimento131.
Independentemente de qual ato o réu venha a tomar, o procedimento irá seguir até
a apuração de eventual débito, o qual poderá recair tanto sobre o autor quanto o réu, tendo em
vista o caráter dúplice inerente a ação.
3.2.4 Forma de apresentação das contas
O Código de Processo Civil é claro através de seu art. 917, que as contas serão
apresentadas sob a forma mercantil, onde se especificará as receitas e a aplicação das
despesas, bem como o respectivo saldo, além da instrução das contas com os referidos
documentos justificativos.
Sobre a forma mercantil explicita Humberto Theodoro Júnior que:
Essa forma mercantil ou contábil exige a organização das diversas parcelas que
compõem as contas em colunas distintas para débito e crédito, fazendo-se todo o
lançamento por meio de histórico que indique e esclareça a origem de todos os
recebimentos e o destino de todos os pagamentos. Outro dado importante é a
sequência cronológica dos dados lançados132.
Nessa linha de intelecção, as irregularidades formais da organização das contas
não são aptas a gerar nulidades no processo e competirá ao magistrado ordenar o saneamento
de eventuais disparidades formais ou diligências necessárias para o efetivo levantamento de
possível débito133.
A outro giro, Cassio Scarpinella Bueno traz à baila entendimento da 4ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça que: “As contas apresentadas de forma não mercantil podem ser
131
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. pp. 86-87.
132
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 90.
133
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 90.
43
consideradas diante da apresentação de justificativa pela parte e da possibilidade de realização
de perícia contábil”134.
Em outra oportunidade mais recente, o STJ também se manifestou nesse sentido,
através do voto do Ministro João Otávio de Noronha:
AGRAVO
REGIMENTAL.
RECURSO
ESPECIAL.
DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADA. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS.
NECESSIDADE DE FORMA MERCANTIL. AUSÊNCIA DE RIGOR.
APRESENTAÇÃO
DE
CONTAS
DE
MANEIRA
INTELIGÍVEL.
HARMONIZAÇÃO COM A CONCEPÇÃO FINALÍSTICA DO PROCESSO. 1. A
apresentação de contas em forma mercantil é uma necessidade do processo, uma vez
que o exame, a discussão e o julgamento devem ser facilitados para os sujeitos
processuais. 2. As contas apresentadas de forma não mercantil podem ser
consideradas se forem apresentadas de maneira clara e inteligível de forma a atingir
as finalidades do processo. Deverão, portanto, ser aproveitadas e julgadas, após
confrontadas com as impugnações da parte adversa. 3. Recurso especial
parcialmente conhecido e provido.135
Sendo assim, em que pese a necessidade de apresentação da planilha de contas, de
forma mercantil, nada obsta que as contas sejam demonstradas de outra forma, mesmo que
não obedeça o art. 917 do CPC.
Sobre o tema colhe-se excerto do voto lavrado pelo Ministro João Otávio de
Noronha:
Se as contas são apresentadas por outra forma que não a mercantil, mas de modo
inteligível e que apresentem os dados necessários, não podem ser
simplesmente desconsideradas, com a devolução ao autor do direito de prestá-las e a
presunção de sua veracidade. Situações assim podem ensejar, eventualmente, a
distorção ou exagero de parcelas, e inclusive a criação, em tese, de crédito em favor
de quem não o possui.
Há sempre que se buscar solução que se harmoniza com a concepção finalística do
processo. Se o ato possui aptidão para expor as contas exigidas, levando o julgador a
exame seguro do seu conteúdo, deve ser aproveitado; se não possui, é possível a
determinação de diligências complementares para que as deficiências sejam supridas
de modo a possibilitar a conclusão segura acerca das contas expostas. Assim, a
ausência da forma contábil pode ser suprida, desde que tenha havido apresentação de
contas e justificada a razão por não apresentarem forma mercantil136.
134
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimentos especiais do
Código de Processo Civil. Juizados Especiais, tomo II. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2. p. 63
135
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1344102, Denice Viel e
Gisele Teixeira de Moraes e outros.Relator: Ministro João Otávio de Noronha. São Paulo, 17 de setembro de
2013. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1264352&sReg=201201934504&sData=20
130923&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014.
136
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1344102, Denice Viel e
Gisele Teixeira de Moraes e outros.Relator: Ministro João Otávio de Noronha. São Paulo, 17 de setembro de
2013. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1264352&sReg=201201934504&sData=20
130923&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014, p. 3
44
Trilhando o mesmo caminho do entendimento judicial, Luiz Rodrigues Wambier
e Eduardo Talamini afirmam que “caso não seja possível a forma mercantil, poderão ser
aceitas as contas prestadas de outro modo, desde que alcancem sua finalidade, ou seja, a exata
demonstração da administração dos bens”137.
Portanto, caso os documentos acostados aos autos – mesmo que desrespeitem a
formalidade do art. 917 do CPC – sejam capazes de garantir o supedâneo cognitivo por parte
do magistrado, devem ser utilizados como objeto de apuração de eventual débito.
De fato, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald citando Humberto
Theodoro Júnior, ao tratarem sobre o cabimento da ação de prestação de contas,
obtemperaram que é possível a apresentação de um balanço de despesas, ainda que não fosse
contábil. Senão veja-se:
A ação de prestação de contas consiste no relacionamento e na documentação
comprobatória de todas as receitas e de todas as despesas referentes a uma
administração de bens, valores ou interesses de outrem. Portanto, segue lecionando o
referido autor, é cabível o seu manejo sempre que uma pessoa mantiver com outra
uma relação jurídica através da qual seja necessária a apresentação de um balanço de
despesas (descritivo, ainda que não contábil, quando não for possível apresentar as
138
contas dessa maneira) .
Apresentada a planilha de despesa por forma mercantil ou diante de sua
impossibilidade de forma descritiva o juiz irá apurar suposto débito para então declarar o
saldo em sentença, o qual poderá posteriormente ser cobrado em execução forçada, de acordo
com o que dispõe o art. 918 do CPC.
Tem-se aí a criação de um título executivo judicial, que poderá servir como
pressuposto para o cumprimento de sentença com base no art. 475-J do Código de Processo
Civil.
Importantíssimo ressaltar que essa apuração de débito poderá atingir tanto o autor
da ação quanto ao réu, ou seja, “a cobrança do saldo credor, hipótese expressamente prevista
no art. 918, peculiariza, de sua parte, a ação de prestação de contas. O réu sem pedido seu,
pode vir a ter reconhecido um direito em seu favor”139, afigurando-se o caráter dúplice da
ação, o qual já fora previamente dissertado.
137
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, volume 3: processo
cautelar e procedimentos especiais. 11 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2011. p. 257.
138
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito civil: direito das famílias. 4 ed.
Salvador: JusPODIVM, 2012. v. 6 p. 891.
139
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimentos especiais do
Código de Processo Civil. Juizados Especiais, tomo II. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2. p. 60.
45
Outro fato que se faz mister salientar, tendo como base o art. 917 do CPC, é que
as contas, seja qual for o meio que fora apresentada – mercantil ou descritivo – deverão ser
“instruídas com os documentos justificativos”.
Por documentos justificativos leia-se provas das contas. Isso não impede, todavia,
que a prova seja colhida durante o processo. Destarte, o legislador quis determinar o momento
correto da produção da prova documental pelo prestador de contas, e não limitá-lo a ser
produzido antes do processo140.
Outrossim, para Humberto Theodoro Júnior, “a parte deverá, seguir as regras do
procedimento próprio da prova por documentos, e especialmente deverá cuidar para que seus
elementos de prova escrita sejam produzidos juntamente com as contas”141.
O dispositivo não poderá ser óbice para a apresentação das contas, que não
estiverem acompanhadas da prova documental, até porque é previsto nos art. 915, §§1º e 3º,
bem como art. 916, § 2º do CPC, a possibilidade da parte se utilizar da perícia contábil como
forma de comprovação das contas142.
Portanto, a apresentação das contas seja por balanço mercantil ou descritivo
deverá ser instruída com a respectiva prova. Porém, nada impede que as contas possam ser
objeto de perícia contábil.
3.3 CUMULAÇÃO COM REPETIÇÃO COMO FATOR FACULTATIVO
Para a discussão da problemática vertente é necessário recapitular o escopo mor
desse procedimento, que é a prestação de contas analisada em juízo.
Sendo assim, nota-se que “a ação de prestação de contas é uma ação especial de
conhecimento com predominante função condenatória, porque a meta última de sua sentença
é dotar aquele que a se reconhecer a qualidade de credor, segundo o saldo final do balanço
aprovado em juízo[...]”143.
Embora a lição supra de Humberto Theodoro Júnior afirme que a função precípua
da ação de prestação de contas como um todo é a apuração de eventual débito, a melhor
alternativa parece ser outra, tendo em vista que essa apuração é mera consequência da má
140
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 91.
141
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 91.
142
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 91.
143
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 83.
46
administração ou ainda de uma inadimplência do dono dos objetos administrados, o que
revela que antes de qualquer coisa, a prestação jurisdicional passa pela análise da relação
jurídica econômica entre as partes, exclusivamente ao acertamento de contas.
É nesse sentido que explana Ernani Fidélis dos Santos:
Na prestação de contas, o objetivo é o acertamento, sem importar com o resultado.
Poderá até ocorrer que aquele que pede contas ou aquele que pretende prestá-las, a
final, tenha contra si saldo devedor, não importa. O objetivo que limita e caracteriza
a lide, é a prestação de contas.
O interesse do autor poderá também se revelar no simples fato de uma das partes
não ter aceitado as contas extrajudicialmente prestadas pela outra. Prestadas as
contas, por exemplo, fora das vias judiciais a parte contrária impugna. A pretensão
deverá ser deduzida em juízo para a solução144.
Ademais, seguindo a mesma linha, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart
afirmam que a legitimidade do autor em ter as contas prestadas se dá pelo fato de apenas
querê-las, não havendo o porquê se invocar algum suposto crédito da má administração.145 O
mesmo ocorre com relação a ação de dar contas, donde o autor da ação tem como objetivo
apresentar as contas em juízo. Pois caso contrário ajuizar-se-ia ação de cobrança em virtude
da inadimplência do réu.
Com isso, delimita-se o cerne desse procedimento, que é a prestação de contas
judicial e meramente ela.
Surge aí, a possibilidade de durante o aludido procedimento ficar cristalina a má
administração dos valores destinados ao menor incapaz e com isso a prestação jurisdicional
declarar, apenas a incorreta aplicação dos valores, sem que isso esbarre na inviável restituição
dos valores.
Para aclarar de forma eficaz esse questionamento devem-se destacar dois dos
elementos da ação, os quais estão intimamente ligados a possibilidade de afiguração dessa
hipótese. Sendo assim, verifica-se se a causa de pedir está de acordo com aquilo que a parte
almeja e com o que o procedimento dita.
Além disso, a análise tem que englobar o pedido do autor, que deverá estar
adstrito a causa de pedir para que não haja inépcia da inicial.
Tratando sobre a causa de pedir Araken de Assis diz:
144
SANTOS, Ernani Fidélis. Manual de Direito Processual civil: procedimentos especiais codificados e da
legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 11 ed. São Paulo: Saraiva. v. 3. p. 36.
145
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 82.
47
Dentre os elementos individualizadores da ação material, a causa de pedir constitui o
mais delicado e problemático. Paradoxalmente, à primeira vista, se afigura ideia
razoável de clareza, porque a própria designação expressa o título, a razão da
demanda. Na demanda, além de invocar a prestação jurisdicional do Estado, o autor
afirma o motivo pelo qual almeja o bem da vida perante o adversário, que somente
se viabiliza através da tutela estatal. Neste motivo “pulsa” a causa de pedir 146.
Por isso, é importante ressaltar as duas teorias que estão ligadas a esse instituto e
que por via das vezes podem implicar em diferentes consequências práticas e são elas: a teoria
da individualização e da substancialização147.
Por teoria da individualização entende-se que a causa de pedir se consubstancia na
simples “identificação, na inicial, da relação jurídica da qual autor extrai certa consequência
jurídica”148.
Sendo assim, de acordo com essa teoria, o autor deverá cingir-se a identificar o
“fundamento da pretensão exercida” que, nas palavras de Schönke citado por Araken de
Assis, não se confunde necessariamente com os motivos pelos quais levou o autor a ajuizar a
demanda, mas a pretensão jurídica que se baseia a relação jurídica149.
Já na teoria adversa da substancialização não basta que o autor indique a relação
jurídica. Deverá o autor, fundamentar a demanda com todos os fatos que cercam sua
pretensão150..
Sendo assim, indo ao encontro do art. 282, III do Código de Processo Civil, essa
teoria é admitida em nosso ordenamento, tendo em vista que na inicial o autor deverá
apresentar e explicar os “fatos e os fundamentos jurídicos do pedido”.
Reforçando isso, Araken de Assis leciona que:
Nesta teoria, portanto, a indicação completa dos fatos se afigura fundamental para
particularizar a ação. De conseguinte, a narração de mais de um fato, suficiente de
per si para originar o efeito jurídico consubstanciado no pedido, implica a existência
de pluralidade de ações151.
Logo, as duas teorias demonstram a mesma realidade sob enfoques jurídicos
distintos. Enquanto uma fixa-se sobre o suporte fático (substancialização), a outra se fixa nos
efeitos correspondentes (individualização)152.
146
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 135.
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 135.
148
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 136.
149
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 136.
150
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 139.
151
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 139.
152
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 139.
147
48
Dissertando ainda sobre a causa de pedir Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio
Arenhart lecionam que é possível o autor trazer na inicial mais de uma causa de pedir,
quando: são invocados fatos de igual estrutura, cuja repercussão se dá na esfera jurídica da
mesma pessoa; também são invocados fatos de uma mesma estrutura, só que os efeitos se
rechicoteiam em esferas jurídicas distintas; e por fim são invocados fatos de estrutura
diferente, a qual a mesma causa de pedir pode ser fundamentada em mais de um fato
jurídico153.
Mesmo que a causa de pedir englobe os fatos jurídicos, esse não é o seu único
elemento. Há outros, como o fundamento legal e o fundamento jurídico.
Por fundamento legal entende-se como “nomem iuris”, utilizado pelo autor como
título da ação. Nesse caso, resta consolidado através da jurisprudência do STJ que essa
rotulação é irrelevante, e atende apenas as questões de ordem prática154.
Por fatos jurídicos são nada mais do que os acontecimentos que geraram a
pretensão jurídica do autor, o qual deverá narrar o seu desencadeamento.
Já por fundamento jurídico, entende-se como elemento que caminha
concomitantemente com a indicação dos fatos e que esteja ligado aos pedidos do autor. Se
afastando disso, o autor correria o risco de ter sua inicial tida como inepta, nos termos do art.
295, parágrafo único, II do CPC155.
Depreende-se através do exposto, que a causa de pedir, como um todo, deve estar
minimamente ligada com a conclusão que venha se ter da exordial. Logo, a causa de pedir
deve estar coadunada com os pedidos do autor.
Juntamente com a causa de pedir, o pedido assume grande importância quando se
descobre um débito na prestação de contas. Isso se explica pelo fato de o magistrado ficar
adstrito ao provimento judicial solicitado pelo autor na exordial. Ou seja, o juiz só pode
condenar a parte à restituição do débito, caso haja pedido expresso nesse sentido.
Sobre o pedido, melhor explicando, conceitua-se como “ato pelo qual o autor
formula a ação material que o juiz efetivará, no caso de procedência, em face do réu. Ele
declinará todas as consequências decorrentes do direito material pretendidas pelo autor”156.
153
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 75.
154
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.193.892, Maria Rita
Capone e Distrito Federal. Relator: Ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva, Distrito Federal, 06 de fevereiro de
2014. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1294802&sReg=200900930030&sData=20
140224&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014
155
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 149.
156
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 154.
49
O pedido poderá ser estudado pela sua acepção imediata, que tem a ver com a
medida judicial solicitada ao magistrado. Essa medida é aquela que o autor escolhe como
mais adequada a garantir o bem da vida157.
Por sua vez, o pedido mediato está relacionado com aquilo que o autor quer
satisfazer como bem da vida, ou seja, aquilo que o autor pretende da medida judicial.
A fim de elucidar, pedido imediato e mediato, Araken de Assis leciona que:
O tipo de tutela revela claramente o agir privado, ou seja, aquilo que o cidadão
realizaria pelas próprias forças e independentemente da vontade de outrem, a fim de
impor o direito subjetivo contestado. E o bem da vida que, com esta ação se
alcançaria, constitui o outro lado do pedido. Em última análise, o bem da vida
constitui o objeto da prestação do direito subjetivo material 158.
Transpassado essa distinção entende-se que o pedido imediato pode ser
exteriorizado como pedido declaratório, constitutivo, condenatório, executivo lato sensu e
mandamental. Uma vez que se tem por escopo a espécie da sentença a ser obtida.159
Essa postulação feita pela parte deve respeitar o nexo de causa e efeito, no que se
trata à causa de pedir e superado isso. Superado isso, o juiz deverá proferir sentença, nos
moldes em que o pedido foi postulado.
Nesse sentido aduz o art. 460 do CPC que: “É defeso ao juiz proferir sentença, a
favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade
superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado”.
Esse dispositivo vem agasalhar um dos princípios marcantes do processo civil: o
da congruência ou adstrição. Princípio esse, que deve ser respeitado pelo juiz, sob pena de se
ter um julgamento extra, ultra ou ainda infrapetita160.
Corroborando o dispositivo normativo alhures o art. 128 do CPC assim dispõe: “O
juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões,
não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”.
Com efeito, em regra, o juiz é obrigado a ficar adstrito ao pedido do autor sob
pena de romper a isonomia processual. Porém, há casos em que ele poderá decidir fora
daquilo que fora postulado. Essas conjecturas estão dispostas no art. 461 do Código de
157
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p.76.
158
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 155
159
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p.76.
160
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p.76.
50
Processo Civil
161
e no art. 84 do Código de Defesa do Consumidor162, onde o juiz está
autorizado legalmente a “conceder a tutela específica ou o chamado ‘resultado prático
equivalente ao do adimplemento’”163.
Outrossim, reforçando a formalidade estabelecida pelo Código de Processo Civil
acerca da congruência entre pedido e decisão judicial, o encarte legal ainda entabula no seu
art. 293 que “os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no
principal os juros legais”.
Pugnando aquilo que fora exposto, Antonio Carlos Marcato afirma que:
Deve o juiz, em regra, julgar o pedido formulado pelo autor (art. 128 e 459,
conjugados), pois a defesa do réu amplia apenas o âmbito de cognição do processo,
não o de decisão. E na sentença o juiz limitar-se-á à apreciação e julgamento do
pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o.164.
Ao afirmar que a ação de prestação de contas esbarraria no caráter irrepetível dos
alimentos, estar-se-ia a vislumbrar que há um pedido expresso para haver a restituição do
débito. Porquanto, inexistindo pedido expresso não poderá o juiz de ofício assim proceder,
sob pena violar o principio da isonomia processual.
Sem sombras de dúvidas, a ação de prestação de contas não precisa
inevitavelmente desaguar na repetição de saldo devedor, caso o pedido se limite a declarar a
má administração.
Outro fator que corrobora a hipótese alhures é a cotitularidade do poder familiar –
concedida pelo art. 1589 do Código Civil – a qual garante a legitimidade para que o genitor
não detentor da guarda exerça a sua pretensão fiscalizatória em juízo.
É nessa esteira de pensamento que Yussef Said Cahali165 afirma que a ação de
prestação de contas em alimentos é um procedimento de cunho cautelar, a qual se limita a
declaração da má administração do guardião. Sendo o caso de desvio de finalidade das
pensões, poder-se-ia ajuizar uma ação principal de mudança de guarda, revisão de pensão,
entre outras.
161
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994). (BRASIL, 1973).
162
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento (BRASIL, 1990).
163
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9
ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p.82.
164
MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 137.
165
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002. p. 573.
51
Sob o tema enfocado aqui, cabe ressaltar o do excerto escrito por Yussef Said
Cahali:
A prestação de contas não tenha por finalidade a apuração de crédito ou débito, com
vistas a uma eventual restituição ou execução forçada (do art. 918 do CPC), uma vez
que, embora assim prestados por intermediação da genitora ou de terceiro, os
alimentos são irrepetíveis; a pretensão, assim, terá natureza cautelar, esvaindo-se a
ação cominatória em sua primeira fase (art. 915 do CPC), objetivando apenas a
verificação e comprovação da exata e correta aplicação das pensões recebidas do
autor166.
Em decorrência do que fora discutido nesse capítulo, perfaz-se que a ação de
prestação de contas é um procedimento especial que se consubstancia em ação de exigir
contas – quando o obrigado a presta-las figura no polo passivo – e ação de dar contas –
quando o obrigado a prestar contas é o autor da demanda.
Não obstante, embasando-se no estudo da causa de pedir e do pedido, tem-se que
a repetição de eventual débito possui um caráter facultativo, uma vez que somente o pedido
do autor para tanto é que ensejará tal medida, caso contrário o juiz julgará a lide tão somente
para a apresentação das contas e consequente análise judicial da aplicação dos valores.
De fato, não há o que se falar em inépcia da inicial, diante da inexistência de
pedido expresso no sentido de condenar o devedor a restituição dos valores. Isso porque, não
incorreria em nenhuma das hipóteses do art. 295, parágrafo único do Código de Processo
Civil, sendo que a demanda teria causa de pedir bem definida – a prestação das contas em
juízo por falta de apresentação extrajudicial ou por não concordância das contas apresentadas
– e pedido agasalhando a causa de pedir, no qual o pedido imediato visaria a apresentação de
contas e o pedido mediato seria o acertamento das contas, sem se importar com o resultado.
No próximo capítulo será debatida a problemática principal desse trabalho, qual
seja a possibilidade ou não de o genitor não detentor da guarda ajuizar ação de prestação de
contas com o intuito de fiscalizar a correta aplicação dos valores para o menor incapaz.
Para o estudo do capítulo, será necessária a digressão sobre os argumentos
favoráveis e desfavoráveis ao seu cabimento, assim como uma análise dos posicionamentos
dos tribunais estudais e do Superior Tribunal de Justiça.
166
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 573.
52
4 PRESTAÇÃO DE CONTAS EM AÇÃO DE ALIMENTOS
Este capítulo trará o enfoque da problemática do presente trabalho monográfio,
sendo esse o cabimento ou não da ação de prestação de contas em pensão alimentícia. Para
tanto, serão analisados os argumentos favoráveis e desfavoráveis ao manejo da ação
fiscalizatória em alimentos, assim como os julgados dos Tribunais Estaduais pátrios e do
Superior Tribunal de Justiça.
Antes de adentrar, propriamente, à verificação da conjectura de manejo da ação
de prestação de contas em pensão alimentícia, se faz necessário explicitar o cenário jurídico
na qual a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consolidou no Direito de
Família hodierno.
Com o advento da Carta Magna optou-se por estabelecer a isonomia no que tange
aos direitos e deveres oriundos da sociedade conjugal, os quais passaram a ser exercidos de
modo igual pelo homem e pela mulher167. Sendo assim, as decisões que envolvam a sociedade
conjugal – especialmente as que tratem sobre os filhos – são exercidas de forma igual pelo pai
e pela mãe, na constância do casamento ou união estável.
Dessa feita, os pais devem garantir aos filhos – por meio do exercício do poder
familiar – o desenvolvimento sadio para uma vida digna. É nesse sentido que o art. 227 da
CRFB afirma que compete à família da criança ou do adolescente assegurar-lhe os direitos
fundamentais, de modo a garantir a sua proteção integral.
Não obstante, caberá a família como um todo e, principalmente, aos pais
assegurar os direitos fundamentais dos filhos, de modo que alcancem a proteção integral dos
interesses inerentes a eles segundo estabelece o art. 229 da CRFB.
Portanto, para aclarar os deveres referentes à proteção integral da criança, traz-se
à colação a integra dos arts. 227, “caput” e 229 da CRFB:
Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade.
167
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher.(BRASIL, 1988).
53
Com efeito, verifica-se que o poder familiar é atribuído de forma igual aos
genitores com relação aos filhos, devendo zelar pelo melhor interesse dos filhos da forma
mais efetiva. Conceito muito diferente daquele em que era imposto ao instituto na sua origem,
no qual competia tão somente ao pai reger os interesses do filho.
Ademais, como já visto, independentemente das circunstâncias que se encontrem
os pais – desde que ainda detentores – esses estão aptos a exercer o poder familiar. Isso quer
dizer que a não convivência dos pais não pode representar uma sanção – leia-se perda do
poder familiar – ou até mesmo uma diminuição desse exercício para aquele que não tiver para
si a guarda168.
Sobre o poder de fiscalização do genitor que não detém a guarda lecionam
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
De fato, a não convivência dos pais não pode representar para aquele que não detiver
a guarda uma sanção ou mesmo uma diminuição do exercício do pode familiar.
Assim, o poder de fiscalização da manutenção e educação de filhos menores que
estejam sob a guarda de outrem é de alto significado na ótica civil-constitucional169.
Para corroborar essa afirmativa, basta a simples interpretação sistemática dos art.
1.589170, 1.630171, 1.632172, 1.634173 e 1.689174 do Código Civil à luz do que está disposto na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
É em decorrência do dever de fiscalização, atribuído pelo poder familiar, que
168
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 889.
169
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 889.
170
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua
companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua
manutenção e educação. (BRASIL, 2002.)
171
Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.
172
Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais
e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos. (BRASIL,
2002).
173
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o
sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que
forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL,
2002).
174
Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:
I - são usufrutuários dos bens dos filhos;
II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.
54
surgiu o hodierno conflito forense acerca do interesse do genitor prestador de alimentos em
fiscalizar a correta aplicação dos valores em benefício do seu filho-alimentando, o qual se
encontra sob a guarda doutro genitor a quem lhe atribuído o dever de administração dos
valores175.
Outro ponto discutido é o fato de essa fiscalização se dar através do procedimento
especial de prestação de contas, regulado pelos art. 914 a 919 do Código de Processo Civil, o
qual prevê a restituição de eventual débito que esbarraria na irrepetibilidade inerentes aos
alimentos176.
Transpassada essa apresentação inicial, indubitavelmente diversas motivações
levam a discussão sobre a prestação de contas dos alimentos a juízo, seja pelo receio de
malversação do emprego dos valores do detentor da guarda para com o alimentando ou pelo
ônus suportado pelo alimentante para sua capacidade financeira, a qual seria prejudicada para
a mantença de despesas supérfluas e que não dizem respeito a proteção integral do filho177.
De todo modo esse debate se faz importante, porquanto visa a consubstanciação
do exercício da proteção integral constitucional do menor, da dignidade do alimentante em
fiscalizar a vida do filho e da possibilidade de posteriormente, em ação própria, buscar a
revisão dos valores pagos por ele a maior, se for o caso178.
Portanto, do que fora exposto, urge analisar como a doutrina pátria e a
jurisprudência vêm se manifestando acerca da viabilidade de se utilizar o procedimento
especial de prestação de contas para alcançar a declaração da correta aplicação dos valores em
prol do menor.
O estudo da viabilidade da pretensão será – a mero título de elucidação e didática
– dividido entre argumentos favoráveis e desfavoráveis.
4.1 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS AO SEU CABIMENTO
Aos que pugnam pela inviabilidade de se solicitar em juízo a apresentação das
contas – por meio do procedimento especial outrora estudado – fundamentam-se pela falta de
interesse de agir do alimentante em discutir a aplicação de uma verba, a qual já saiu da esfera
175
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 886.
176
WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de família. 18 ed. São Paulo: Saraiva 2013. p. 80.
177
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 886.
178
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. pp. 890-891.
55
patrimonial do alimentante e entrou na do filho. Ademais, defendem pela inviabilidade da
utilização da prestação de contas, uma vez que o procedimento em questão desaguaria
necessariamente na repetição do débito, o que, de fato, é inviável à luz das características
inerentes ao instituto dos alimentos179.
Além desses dois aspectos, Rolf Madaleno traz outro fundamento – de aspecto
prático – que é a “[...] dificuldade e o constrangimento de o genitor guardião e administrador
dos recursos alimentares do filho apresentar, periodicamente, e na forma contábil um
balancete das despesas realizadas em nome do filho e com a apresentação das respectivas
notas fiscais”180.
Fundamentando-se nessas argumentações, a jurisprudência majoritária vem
rechaçando de pronto a possibilidade de se propor a prestação de contas de pensão alimentícia
contra genitor guardião do filho pelos argumentos já expostos181.
Para dar ares mais firmes à essa inviabilidade, traz-se à colação entendimento de
Rolf Madaleno, o qual refuta essa tese diante da irrepetibilidade:
Tratando-se de alimentos, reiteradamente a jurisprudência tem decidido não ser
exigível a prestação de contas do guardião de filho credor de pensão alimentícia, em
razão da irrepetibilidade dos alimentos não havendo como o alimento pretender a
eventual restituição de alimentos desviados ou mal empregados182.
Assim como, de Maria Berenice Dias:
Sistematicamente, a justiça vem rechaçando essas ações em seu nascedouro, por
impossibilidade jurídica do pedido. O alimentante não tem relação jurídica com o
guardião do alimentado. Como os valores se destinam ao filho e não a quem detém
sua guarda e está a exercer o poder familiar, não pode responder por crédito que não
lhe pertence. Assim, flagrante a ilegitimidade passiva de quem é acionado. Ao
depois, falta interesse processual ao autor, pois os alimentos pagos são irrepetíveis.
Assim estão presentes todas as hipóteses configuradoras da carência de ação (CPC
267 VI). Se tudo isso não bastasse, foge a razoabilidade pretender que o genitor que
exerce o poder familiar venha periodicamente a juízo prestar contas de forma
contábil, quando desempenha sozinho mister que não é só seu183.
179
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 970.147, Miguel Â. L. Sansígolo e Noélia dos
Santos P. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Relator para Acórdão: Ministro Marco Buzzi. São Paulo, 04 de
setembro de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1114032&sReg=200701722920&sData=20
121016&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014.
180
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 937.
181
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 886.
182
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 1ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2008. p. 689.
183
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. pp.
519-520.
56
Ressalta-se, todavia, que Maria Berenice Dias mudou seu posicionamento acerca
do tema. Hodiernamente, ela entende que é possível o ajuizamento da ação de prestação de
contas pelo genitor não guardião para fiscalizar a mantença do infante, porém os argumentos
trazidos por ela serão tratados em momento oportuno.
Citados os fundamentos que engajam essa refutação jurisprudencial, passa-se à
análise de cada um deles, especialmente neste primeiro momento a irrepetibilidade.
Acerca da irrepetibilidade dos alimentos, como já anotado anteriormente, é
inimaginável que essa verba possa ser devolvida após o período de necessidade184. Desse
modo, os alimentos são prestados com o fito de serem imediatamente consumidos, em virtude
da imprescindibilidade que representa ao alimentando, por isso diz-se que uma vez prestados,
presumem-se os alimentos consumidos, independentemente se foram ou não185.
Contudo, há uma exceção que pugna pela devolução dos alimentos quando
comprovadamente o credor se beneficiou da verba de má-fé, ou seja, quando não precisava186.
Essa hipótese não vem ao caso para análise do esclarecimento do não cabimento da prestação
de contas em alimentos, isso porque, a verba pertence ao filho e a má-fé, caso comprovada
cingir-se-ia à má administração por parte do guardião, o que por si só, não dá ensejo à
repetição.
Com efeito, a ação de exigir contas prevê duas fases, donde na primeira há a
condenação do réu para a apresentação das contas em juízo e a segunda que condena a parte
ao pagamento do saldo credor já apurado187.
Como a irrepetibilidade é a regra, não haveria como proceder a prestação de
contas, porquanto segundo o posicionamento majoritário a ação de prestação de contas
necessariamente desaguaria na segunda fase e inexistiria interesse do alimentante em ter
restituídos os valores pagos.
A outro giro, a ilegitimidade ativa “ad causam” é também outro fator que foi
levantado como empecilho para a propositura da ação de prestação de contas, pois pugna-se
que a verba é pertencente ao infante – tão somente a ele.
184
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 541.
185
WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de família. 18 ed. São Paulo: Saraiva 2013. p. 80.
186
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 542.
187
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de
Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 92.
57
A verba paga pelo alimentante entra na esfera patrimonial do infante, servindo
para o seu sustento. O infante, por não ter o discernimento completo para a prática dos atos
civis, tem seu patrimônio administrado pelo seu representante legal – guardião.
Com base nisso, não poderia o alimentante se valer da ação de prestação de contas
para fiscalizar verba que não lhe pertence. Faltaria, nesse caso, legitimidade para se buscar o
acolhimento da pretensão.
Nesse sentido, tem-se que não se pode exigir a prestação de contas:
o pai, contra a mãe, em relação à pensão alimentícia, paga ao filho; no caso, cabe ao
alimentante apenas fiscalizar a aplicação dos valores pagos, ressalvado o direito de o
próprio filho exigir contas da mãe quanto à pensão paga pelo pai, o que pode ser
feito através do MP (JTJ 239/164)188.
O que se poderia ocorrer é o filho exigir as contas por meio do Ministério Público
ou ainda representado pelo genitor não detentor da guarda. Sobre essa hipótese, José Carlos
Teixeira Giogis, citado por Rolf Madaleno afirma que além da impossibilidade jurídica do
pedido, tendo em vista que o crédito é do filho e não do seu guardião, tem-se que esse genitor
é parte ilegítima para responder à ação de prestação de contas, exceto se o próprio infante
demandar contra a própria mãe através do Ministério Público189.
Oportuno trazer a baila julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul que abordam a temática aqui enfocada e assentam posicionamento desfavorável:
APELAÇÃO CÍVEL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. Tratando-se de
verba alimentar, destinada para filho, sua guardiã possui, tão-só, o poder de
administração de tal verba, que pertence ao alimentando. Desta forma, somente este
poderia, eventualmente, requerer a prestação de contas de quem a administra, e não
o alimentante, carecendo este, pois, de legitimidade para tanto. PROVERAM
PARCIALMENTE. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA) 190
De outra Câmara se extrai:
188
GOUVÊA, José Roberto Ferreira; NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação em vigor. 41
ed. São Paulo: Saraiva, 2009, nota nº 6. p. 1041.
189
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 936
190
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70018606368. Relator: Luiz Felipe Brasil
Santos. Porto Alegre, 11 de abril de 2007. Disponível em:
<http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_
comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_
comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70018606368%26num_processo%3D70018606368%26codEme
nta%3D1829864+&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF8&numProc=70018606368&comarca=Porto+Alegre&dtJulg=11-042007&relator=Luiz+Felipe+Brasil+Santos>. Acesso em: 5 jun. 2014
58
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS.
DESCABIMENTO. Acertada a decisão que extinguiu a ação de prestação de contas
que o alimentante move contra a genitora das alimentadas, com fundamento no art.
267, VI do CPC, por carecer o recorrente do direito de ação e pela impossibilidade
jurídica do pedido. Não se perquire de declaração de crédito ou débito entre os
litigantes, ante a irrepetibilidade dos alimentos. Precedentes do Tribunal. RECURSO
DE APELAÇÃO DESPROVIDO MONOCRATICAMENTE. 191
E por fim:
PRESTAÇÃO DE CONTAS. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. A genitora, que detém
a guarda do filho, não tem o dever de prestar contas acerca da destinação da verba
alimentar que recebe em seu nome, sendo carecedora de interesse de agir a parte que
busca provimento jurisdicional nesse sentido. Negado provimento. (SEGREDO DE
JUSTIÇA)192
Quando chamado para resolver o conflito, o Superior Tribunal de Justiça
estabeleceu um norte para a solução da problemática, a qual rejeita veemente a possibilidade
da utilização de prestação de contas em alimentos, uma vez que haveria a carência de ação
pelos motivos já expostos.
Assim, colhem-se os seguintes julgados da Corte Superior:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
FISCALIZAÇÃO DE DESPESAS ALIMENTÍCIAS. DEMANDA QUE
OBJETIVA A FISCALIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DA VERBA ALIMENTAR.
AÇÃO INADEQUADA AO FIM COLIMADO.
1.- Segundo a jurisprudência desta Corte, o alimentante não detém interesse de agir
quanto a pedido de prestação de contas formulado em face da mãe do alimentando,
filho de ambos, sendo irrelevante, a esse fim, que a ação tenha sido proposta com
base no art. 1.589 do Código Civil, uma vez que esse dispositivo autoriza a
possibilidade de o genitor que não detém a guarda do filho fiscalizar a sua
191
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70019287127. Relator: José Ataídes
Siqueira. Comarca de Taquara, 11 de junho de 2007. Disponível em:
<http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_
comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_
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192
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70018200444. Relator: Maria Berenice Dias.
Rio Grande, 28 de março de 2005. Disponível em:
<http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_
comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_
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Acesso em: 5 jun. 2014
59
manutenção e educação, sem, contudo, permitir a sua ingerência na forma como os
alimentos prestados são administrados pela genitora. 193
Da 4ª Turma:
RECURSO ESPECIAL - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE
CONTAS - ALIMENTOS - AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR DO
ALIMENTANTE EM DEFLAGRAR, EM FACE DA GENITORA DO
ALIMENTADO, DEMANDA NOS MOLDES DO ART. 914 E SEGUINTES DO
CPC.INSURGÊNCIA DO AUTOR.
1. A ação de prestação de contas, consubstanciada nos artigos 914 a 919 do CPC,
segue procedimento especial de jurisdição contenciosa, e volta-se a compelir aquele
que administra patrimônio alheio ou comum a demonstrar em Juízo, e de forma
documentalmente justificada, a destinação/exploração desses bens e direitos.
Visa, sobretudo, a evidenciação do resultado da administração, à qual deve se dar
por meio mercantil, escriturando-se contabilmente os lançamentos a título de receita
e despesa, aplicações, frutos e rendimentos, tudo a fim de permitir a certificação
sobre a existência de saldo em favor de quaisquer das partes ou mesmo, a ausência
de direito de crédito ou débito entre os litigantes, fixando-se exatamente a dimensão
econômica do relacionamento jurídico existente entre as partes.
2. Ausência de interesse processual daquele que presta alimentos a compelir o
detentor da guarda do menor a prestar contas nos moldes dos aludidos artigos legais,
porquanto o exercício do direito de fiscalização conferido a quaisquer dos genitores
em relação aos alimentos prestados ao filho menor, vai muito além da mera
averiguação aritmética do que foi ou deixou de ser investido em prol do
alimentando. Toca mais intensamente na qualidade daquilo que lhe é proporcionado,
a fim de assegurar sua saúde, segurança e educação da forma mais compatível
possível com a condição social experimentada por sua família (CC, art. 1.694,
caput).
Ademais, o reconhecimento da má utilização das quantias pelo genitor detentor da
guarda não culminará em qualquer vantagem ao autor da ação, ante o caráter de
irrepetibilidade dos alimentos, e, ainda, em face de a obrigação alimentar, e seus
respectivos valores, restarem definidos por provimento jurisdicional que somente
pode ser revisto através dos meios processuais destinados a essa finalidade.
3. Recurso especial conhecido e desprovido.194
E novamente da 3ª Turma:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE
INTERESSE DE AGIR.
- No procedimento especial de jurisdição contenciosa, previsto nos arts. 914 a 919
do CPC, de ação de prestação de contas, se entende por legitimamente interessado
aquele que não tenha como aferir, por ele mesmo, em quanto importa seu crédito ou
193
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1378928, S V M C e K A
B M. Relator: Ministro Sidnei Beneti.Paraná, 13 agosto de 2013. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1252319&sReg=201301006198&sData=20
130906&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014
194
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 970.147, Miguel Â. L. Sansígolo e Noélia dos
Santos P. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Relator para Acórdão: Ministro Marco Buzzi. São Paulo, 04 de
setembro de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1114032&sReg=200701722920&sData=20
121016&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014.
60
débito, oriundo de vínculo legal ou negocial, nascido em razão da administração de
bens ou interesses alheios, realizada por uma das partes em favor da outra.
- O objetivo da ação de prestação de contas é o de fixar, com exatidão, no tocante ao
aspecto econômico de relacionamento jurídico havido entre as partes, a existência ou
não de um saldo, para estabelecer, desde logo, o seu valor, com a respectiva
condenação judicial da parte considerada devedora.
- Aquele que presta alimentos não detém interesse processual para ajuizar ação de
prestação de contas em face da mãe da alimentada, porquanto ausente a utilidade do
provimento jurisdicional invocado, notadamente porque quaisquer valores que sejam
porventura apurados em favor do alimentante, estarão cobertos pelo manto do
princípio da irrepetibilidade dos alimentos já pagos.
- A situação jurídica posta em discussão pelo alimentante por meio de ação de
prestação de contas não permite que o Poder Judiciário oferte qualquer tutela à sua
pretensão, porquanto da alegação de que a pensão por ele paga não está sendo
utilizada pela mãe em verdadeiro proveito à alimentada, não subjaz qualquer
vantagem para o pleiteante, porque: (i) a já referenciada irrepetibilidade dos
alimentos não permite o surgimento, em favor do alimentante, de eventual crédito;
(ii) não há como eximir-se, o alimentante, do pagamento dos alimentos assim como
definidos em provimento jurisdicional, que somente pode ser modificado mediante
outros meios processuais, próprios para tal finalidade.
Recurso especial não conhecido.195
Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não resta dúvida quanto ao
entendimento formado – no sentido contrário ao manejo da ação em estudo – bem como dos
fundamentos que embasam esse.
Para elucidar o rígido entendimento cita-se trecho do inteiro teor do voto-vista
lavrado pelo Ministro Marco Buzzi:
O não conhecimento do apelo extremo se deve à falta de dialeticidade de suas
razões, na medida em que o acórdão recorrido enunciou três (3) fundamentos
autônomos para reconhecer a carência de ação, não havendo a impugnação de todos
eles.
Serviram como lastro à extinção da demanda de prestação de contas os seguintes
fundamentos:
(1) o autor não é parte legítima para figurar no polo ativo, eis que a titular exclusiva
da pensão é a alimentada;
(2) a ré é parte ilegítima para responder ao pleito autoral, porquanto na condição de
guardiã e titular do poder familiar detém a prerrogativa de deliberar sobre como
administrar os alimentos, observado o bem-estar da infante; e,
(3) o proponente não tem interesse em promover a ação de prestação de contas para
satisfazer seu direito-dever de fiscalizar a aplicação da verba alimentar, tendo em
conta:
(3.1) a via processual é inútil, porque eventual constatação de malversação da verba
não ensejaria repetição do indébito em seu favor, modificação do valor da pensão
ou mesmo, alteração da guarda; e,
(3.2) o rito processual não é apropriado, vez que, em se tratando de pensão
alimentícia, inviável a exibição judicial das contas em forma mercantil ou então
195
BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 985.061, J A P P e J A P. Relator: Ministra
Nancy Andrighi. Distrito Federal, 20 de maio de 2008. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=782063&sReg=200702124420&sData=200
80616&formato=PDF>. Acesso em 5 jun. 2014
61
mesmo, a condenação da acionada ao pagamento de eventual saldo por má gestão da
verba196.
Ante toda a argumentação exposta, verifica-se que o posicionamento majoritário
ainda deságua na carência de ação e consequente inviabilidade de manejar a ação de prestação
de contas em matéria de alimentos.
Malgrado a isso, se vislumbra ares de mudança de posicionamento, tendo como
principais argumentos a proteção integral do infante e o respeito à dignidade da pessoa
humana do alimentante em obter o direito de fiscalização da vida da sua prole. Para tanto,
passa-se à análise dos argumentos sob o ponto de vista favorável à utilização do procedimento
especial.
4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO SEU CABIMENTO
Conforme explicitado anteriormente a corrente desfavorável ganhou força através
do posicionamento que o Superior Tribunal de Justiça firmou. A carência de ação, pelos
motivos já expostos, tem se afigurado como corolário na ação de prestação de contas em
alimentos quando julgados por essa Corte Superior.
Contudo, parte da doutrina e, principalmente, a jurisprudência catarinense não
compartilham do mesmo entendimento quando o assunto de fiscalização da verba alimentar é
trazido à discussão judicial. Isso porque, os defensores dessa tese se debruçam sobre a
doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, além de fazerem uma interpretação
da obrigação alimentar à luz dos princípios constitucionais, em especial o da dignidade da
pessoa humana.
Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha norteado a questão como inviável, os
juristas aos quais se remetem neste tópico elencam o melhor interesse do infante como bojo
para resolução judicial dos conflitos que envolvam a malversação dos alimentos por parte do
seu guardião, o qual não estaria a lhe garantir uma vida digna.
Com relação à proteção integral do infante – a qual engloba necessariamente a
busca pelo melhor interesse dos menores – entende-se como um princípio que norteia as
196
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 970.147, Miguel Â. L. Sansígolo e Noélia dos
Santos P. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Relator para Acórdão: Ministro Marco Buzzi. São Paulo, 04 de
setembro de 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1114032&sReg=200701722920&sData=20
121016&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014.
62
relações quem envolvam crianças e adolescentes, com objetivo de se respeitar os direitos e
anseios daqueles que não podem, por si mesmos, alcançá-los197.
Desse modo, ao analisar a problemática proposta por esse trabalho monográfico,
sob o foco da proteção integral, busca-se nada mais do que a dignidade da pessoa humana dos
menores que estão em um dos polos da relação jurídica familiar.
Sobre o que se pretendeu falar até então, Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald afirmam:
Eleito como princípio fundamental da República, a dignidade da pessoa humana
modela uma nova feição da família, garantindo proteção isonômica (igualdade
substancial, que significa tratar desigualmente aquele que reclama proteção
diferenciada) a todos os seus membros. Em concreto, implica em afirmar uma tutela
jurídica diferenciada para a criança e o adolescente, a quem deve ser dispensada pela
família, pela sociedade e pelo Estado, proteção integral e prioridade absoluta, como
reza o art. 227 da Constituição da República198.
De fato, a proteção integral, da qual a Carta Magna institui, serve como ponto de
partida para que os operadores do direito analisem as situações jurídicas que envolvam
menores sob o enfoque do melhor interesse desses. Pensando sempre em buscar a medida do
caso concreto que se julgue mais adequada e efetiva para se consubstanciar esses interesses199.
Portanto, quando se analisa a relação jurídica alimentar buscando a proteção
integral da criança e do adolescente concomitantemente com a dignidade humana, vislumbrase que os alimentos devem garantir uma vida digna para o alimentando, por meio da boa
aplicação dos valores feita pelo guardião – levando-se em conta os interesses do infante. Além
disso, de modo secundário, deve-se respeitar a dignidade do alimentante que presta os
alimentos, uma vez que o pagamento de prestações pecuniárias à maior acarretaria um
sacrifício desnecessário e prejudicial200.
Em outras palavras, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald dizem que
“fixá-los, em percentual aquém do mínimo imprescindível à sobrevivência do alimentando ou
197
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 887.
198
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 887.
199
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 887.
200
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 888.
63
além das possibilidades econômico-financeiras do devedor, ofende de maneira direta, o
princípio da dignidade humana”201.
Logo, como instrumento para atender os anseios de ambas as partes, extrai-se o
dever de fiscalização periódica oriunda do poder familiar, que permite ao ascendente não
guardião e prestador de alimentos verificar a correta aplicação dos valores em benefício do
infante, com o fito de atender a vida digna, cuja criança é merecedora.
Essa fiscalização nada mais é do que o âmago do princípio da proteção integral,
quando tratada em matéria de alimentos, porquanto é dessa vigilância que se tenta evitar a
incorrência de ameaça aos interesses indisponíveis da criança e do adolescente202.
De fato, a ratificação desse preceito fiscalizatório se deu através do art. 1.589 do
Código Civil, o qual aduz que “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá
visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for
fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e sua educação”.
Avigorando o que já fora descrito, Joel Dias Figueira Júnior afirma que o dever de
fiscalização é advindo do poder familiar, o qual não se modifica, muito menos se extingue,
com o a separação judicial e/ou divórcio. Logo, o que se deve prevalecer é a livre iniciativa do
alimentante exigir do Poder Judiciário, a verificação da correta aplicação dos valores que são
pagos203.
Surge aqui – após destrinchar os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa
humana e o da proteção integral, passando pelo direito de fiscalização atribuído pelo poder
familiar e confirmado pelo art. 1.589 da Lei Substancial Civil – o que Yussef Said Cahali
afirma ser a medida judicial da qual poderá ser exercida em nome da fiscalização, senão vejase:
No direito de fiscalização da guarda, criação, sustento e educação da prole atribuída
ao outro cônjuge, ou a terceiro, está ínsita a faculdade de reclamar em Juízo a
prestação de contas daquele que exerce a guarda dos filhos, relativamente ao
numerário fornecido pelo genitor alimentante 204.
201
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 888.
202
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 888.
203
DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em:
<http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>.
Acesso em 3 ago. 2013. p. 1.
204
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002. p. 572.
64
Dessa feita, percebe-se que a prestação de contas é um instrumento processual
apto para se verificar o escorreito atendimento aos interesses dos filhos, o qual se dá pela boa
aplicação dos valores para a sua criação, sustento e educação.
O procedimento especial de prestação de contas, conforme já anteriormente
denotado, busca o esclarecimento das relações jurídicas, que envolvam a administração de
bens alheios. Tal premissa se aplica no caso vertente, onde a gestão se dá através do genitorguardião, uma vez que o menor não possui capacidade civil para administração e o bem é a
prestação pecuniária paga a título de alimentos ao filho205.
A outro giro, Joel Dias Figueira Júnior apesar de concordar com o exercício do
poder de fiscalização em juízo, entende que a ação de prestação de contas não é a mais
adequada para se buscar essa pretensão:
Ressalta-se que a “ação de fiscalização” fundada no art. 1.589 do Código Civil não
tem qualquer pertinência ou conotação com a “ação de prestação de contas”
delineada no art. 914 do Código de Processo Civil e, muito menos pretende atingir
escopos revisionais dos alimentos ou modificativo de guarda do alimentando. O
objeto mediato da “ação de fiscalização” enquadra-se perfeitamente no modelo
traçado pelo art. 1.589 da Lei Substantiva Civil, pois o bem da vida tutelado é a
“pessoa do filho” a ser protegido, conforme assinalado pelo legislador ao enquadrar
o dispositivo citado no Capítulo XI, assim denominado; por sua vez o objeto
imediato dessa demanda é a verificação por parte do alimentante, de que a verba
destinada ao sustento do filho menor encontra-se bem administrada pelo genitor que
recebe em nome do menor seja a guarda compartilhada ou unilateral206.
Para justificar o argumento trazido à baila, o autor alega que não se pode
confundir a ação de prestação de contas com a ação de fiscalização, porquanto essa possui
peculiaridades as quais não se encaixam com a pretensão daquela, mas que em razão do
princípio da elasticidade processual poder-se-ia transcender os limites do procedimento
especial, adequando-o as necessidades materiais207.
Trata-se de uma adequação do procedimento especial à ação de direito material
naquilo que cerne a satisfação da pretensão do autor. Apesar da tentativa esforçosa de
fundamentar a ação de fiscalização por outro meio, senão o do procedimento especial de
205
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 891.
206
DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em:
<http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>.
Acesso em 3 ago. 2013. p. 2.
207
DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em:
<http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>.
Acesso em 3 ago. 2013. p. 6.
65
prestação de contas, Joel Dias Figueira Júnior traz os elementos da ação de prestação de
contas e aplica em via ordinária208.
Contudo, o que se percebe é que se tem uma ação de prestação de contas
“mascarada”, tendo em vista que o alimentante pediria a prestação jurisdicional no sentido de
apresentação das contas por parte do réu (genitor-guardião), com a consequente declaração da
má administração dos valores em relação à prole.
Nesse sentido, tem-se a opinião de Vera Lúcia de Oliveira Fernandes:
[...] o alimentante fiscalizar a boa aplicação do numerário em favor dos filhos, não
apenas por constituir um dever de quem se preocupa pela formação moral e
intelectual do menor, mas porque igualmente exsurge de um comando jurídico pelo
qual os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua
companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e
educação (art. 15 da Lei 6.515/77).
É preciso atentar para o seguinte: a ação de prestação de contas tem duas fases. (a) a
do julgamento da legalidade do pedido de prestação (neste ponto existe fundamento
legal para a prestação de contas em alimentos); (b) no final, o julgamento da
existência de um crédito ou débito (o que não é possível em se tratando de
alimentos, que são irrepetíveis). Mas nada impede que o pedido seja modificado de
modo a que não se elenque crédito ao final da apuração, mas sim excesso ou desvio
de verbas alimentares.
A ação de prestação de contas segue rito especial até a sentença declaratória das
contas, de sorte que, nos termos dos artigos 3º e 4º do CPC, o interesse do
alimentante pode ser pela declaração pura e simples de malversação da pensão, o
que implica nos pedidos únicos de prestação de contas e julgamento da utilização da
pensão de acordo com as necessidades do alimentando, ou seja, pedido declaratório
da adequação, ou não, da conduta da responsável legal do alimentando ao
suprimento das necessidades deste209.
Superada essa nuance que em nada interfere na análise da viabilidade de o
alimentante exercer o direito da fiscalização – conquanto em virtude da proteção integral do
menor e do respeito da dignidade humana do alimentante e do alimentando – verifica-se a
possibilidade de se utilizar “quaisquer medidas judiciais que se façam necessárias para a
prioritária e integral do menor, dentre as quais, por lógico, a prestação de contas”210.
É nesse ínterim que Maria Berenice Dias reviu seu entendimento e se manifestou
à favor da ação de prestação de contas como medida judicial para fiscalizar a mantença do
infante de acordo com os seus interesses:
208
DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em:
<http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>.
Acesso em 3 ago. 2013. p. 6.
209
FERNANDES, Vera Lúcia de Oliveira.Prestação de contas da pensão alimentícia. Disponível em:
<http://www.fonsecaefernandes.com.br/M4.asp?id=439>. Acessado em: 2 jun. 2014.
210
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 890.
66
Sistematicamente a justiça vinha rechaçando essas ações em seu nascedouro,
proclamando a impossibilidade jurídica do pedido.
O equívoco de tal posição está em que não atenta a que o direito à prestação de
contas decorrente do exercício da fiscalização é inerente ao poder familiar quanto à
manutenção e educação dos filhos (CC 1.589. Assim, quando alegada a malversação
dos recursos pagos ou suspeita de desvio de finalidade, não há falar em carência de
ação (CPC 267 VI) já que é reconhecida a ação fiscalizadora de quem paga os
alimentos, quer seja o genitor, quer sejam os avós211.
Com efeito, é inequívoco o entendimento de que o poder de fiscalização
decorrente do art. 1.589 do Código Civil é fruto do poder familiar e dá azo a qualquer tipo de
fiscalização, inclusive a judicial naquilo que cerne a mantença do menor.
Não obstante, é cediço que nem mesmo a lei excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito. Por isso, é possível concluir que existe ação que assegura
o direito de fiscalização por parte do pai – que tem o dever legal de zelar pela manutenção da
proteção da prole, uma vez que este também é detentor do poder familiar e busca a proteção
integral dos filhos (trata-se do bem da vida buscado pela ação) –, não podendo ficar a mercê
de uma má administração, sob pena de ferir a prevalência dos interesses dos filhos
menores212.
Desta feita, em virtude da grandeza de interesses do imbróglio, mormente, o da
criança, entende-se que o alimentante – por si, ou representando ou assistindo o menor – pode
vir a se socorrer das vias judiciais para ter as contas apresentadas em razão da administração
do guardião da prole, cuja pretensão está harmonicamente ligada com o ordenamento
jurídico213.
Corroborando o entendimento supra, Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald entabulam que existe o interesse de agir por parte do alimentante em verificar as
despesas e gastos acerca da mantença de seu filho menor, porquanto, mais uma vez, está
agasalhado pelo escorreito exercício do poder familiar, cumulado com a proteção avançada da
criança214.
211
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013. p. 625.
212
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha.
Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t
ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014. p. 6.
213
DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em:
<http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>.
Acesso em: 3 ago. 2013. p. 7.
214
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed.
Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. pp. 890-891.
67
Se tiver interesse de agir, bem como a possibilidade jurídica do pedido, outra
coisa não se pode falar da legitimidade ativa para a propositura da ação. Essa ação poderá ser
ajuizada diretamente pelo alimentante, como pelo menor, representado por seu genitor não
guardião. É nesse sentido que explana Yussef Said Cahali, ao trazer os elementos
consubstanciadores para se ajuizar a ação de prestação de contas em alimentos:
Também o alimentante-genitor tem legitimidade para exigir [daquele que administra
o numerário alimentar] a prestação de contas, desde que: a) o beneficiário dos
alimentos seja exclusivamente o filho posto sob guarda, afastada, assim, a hipótese
de terem sido concedidos os alimentos englobadamente, para a genitora e filhos sob
sua guarda; pois, como foi visto antes, a concessão nesses termos terá sido “intuitu
familiae”, e com a cisão da sociedade conjugal, cada um dos cônjuges terá assumido
de maneira autônoma a direção e chefia do fragmento societário que lhe foi
atribuído, não se sobrepondo a antiga autoridade marital à autoridade da mulher; b) a
prestação de contas não tenha por finalidade a apuração de crédito ou débito, com
vistas a uma eventual restituição ou execução forçada (do art. 918 do CPC), uma vez
que, embora assim prestados por intermediação da genitora ou de terceiro, os
alimentos são irrepetíveis; a pretensão, assim, terá natureza cautelar, esvaindo-se a
ação cominatória em sua primeira fase (art. 915 do CPC), objetivando apenas a
verificação e comprovação da exata e correta aplicação das pensões recebidos do
autor.
É que, de outro modo, estaria frustrada a própria fiscalização da manutenção e
educação dos filhos, direito que o art. 15 da Lei do Divórcio assegura em termos
incontroversos, sem limitação [semelhante ao art. 1589 do Código Civil vigente].
Esse entendimento assim se fundamenta: a) se incontroverso o direito do próprio
filho de reclamar as contas daquele que o tem sob sua guarda (outro genitor ou
terceiro), a legitimidade do genitor decorre da sua condição de co-titular do pátrio
poder, pois 'o desquite não altera as relações entre pais e filhos senão quanto ao
direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos' (CC, art.
381; novo Código Civil, art. 1632); b) a mãe ou a pessoa que tem e sua companhia
os filhos do alimentante (titular do pátrio poder) administra, reconhecidamente, bens
e valores, inclusive as pensões recebidas, que não lhe pertencem, mas sim aos filhos
do alimentante, que os representa e tem sobre eles o pátrio poder.
Portanto, como titular do pátrio poder, de cujo exercício não está inteiramente
excluído, investido do direito de fiscalizar a manutenção e exigir a verificação
judicial da correta administração dos bens e valores pertencentes à prole de que não
detém a guarda, inclusive quanto à correta aplicação, a benefício dos alimentados,
das importâncias recebidas a título de pensão alimentícia 215.
Verificado a existência das condições da ação, passa-se a análise da outra
alegação usada como óbice, qual seja, a apresentação das contas sob a forma mercantil.
Aqueles que advogam pela corrente desfavorável, alegam que seria difícil
apresentar as contas em juízo, assim como de certa forma seria constrangedor216. Porém, isso
não parece ser a melhor solução. A questão deve ser analisada à luz do art. 227 da CRFB,
além do que o formalismo processual não pode ser óbice, no sentido de comprometer toda a
efetividade de um ato processual que cumpre o objetivo imposto pela lei.
215
216
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002. p. 573.
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 937.
68
Para tanto, resta oportuno repisar os argumentos trazidos pelo Ministro João
Otávio de Noronha, o qual propalou em seu voto, que se as contas forem apresentadas de
modo inteligível e organizadas, no sentido de conter os dados necessários, essas não podem
ser desconsideradas, sob pena de se frutar a concepção finalística do processo217.
De fato, o balanço contábil não pode ser escusa para a não apresentação das
contas, de modo que basta o simples balanço descritivo gere a cognição necessária ao
magistrado para decidir sobre o a correta aplicação dos valores.
Nesse ponto há de se aplaudir o que escreve Joel Dias Figueira Júnior,
explicitando que essa ação de prestação de contas teria uma natureza meramente declaratória,
e que “se esgotaria sua finalidade com a simples demonstração das contas de maneira singela,
sem qualquer conotação contábil, no confronto da verba percebida e administrada (crédito) e
as principais despesas suportadas (débito)”218.
E é embasado nesses argumentos que a jurisprudência catarinense vem acolhendo
o pedido de fiscalização da verba alimentar pelo alimentante ou pelo alimentando,
representado ou assistido pelo genitor a quem incumbe o pagamento da verba alimentar.
Cita-se o julgado de lavra do Des. Trindade dos Santos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS
PAGOS PELOS AVÓS PATERNOS À NETA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO
INICIAL EM PRIMEIRO GRAU. DIREITO DO ALIMENTANTE EM
FISCALIZAR A MANUTENÇÃO E EDUCAÇÃO DA ALIMENTANDA.
INTELIGÊNCIA DO ART. 1.589, DO CÓDIGO CIVIL. CABIMENTO DA AÇÃO
FISCALIZADORA NOS CASOS EM QUE HÁ INDÍCIOS DA MALVERSAÇÃO
DOS RECURSOS PAGOS À MENOR. SUSPEITA DE DESVIO DE
FINALIDADE. SENTENÇA CASSADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJSC, Apelação Cível n. 2010.015120-5, de Joinville, rel. Des. Odson Cardoso
Filho , j. 12-04-2012)
PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. ACOLHIMENTO. CONTAS
CONSIDERADAS BOAS.
'DECISUM' CORRETO. CONFIRMAÇÃO.
IRRESIGNAÇÃO APELATÓRIA DESATENDIDA. I O prestador de alimentos
tem legitimação para ingressar com pedido de prestação de contas, na modalidade
rendição de contas, não com o desiderato de obter uma apuração de débito ou de
crédito, diante da irrepetibilidade da verba, mas, apenas, para fiscalizar a exatidão e
a correteza das aplicações dos valores recebidos pela representante legal da
alimentária. Isso porque, ainda que dissolvido o casamento dos litigantes, o pai não
perde o poder familiar sobre a filha menor, poder esse do qual continua ele cotitular. É a compreensão que, segundo os intérpretes, resulta do art. 1.589 do CC/02,
217
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração em Recurso Especial nº 832.902, L V M e D
M M. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Rio Grande do Sul, 06 de outubro de 2009. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=918612&sReg=200600497669&sData=200
91019&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014
218
DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em:
<http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>.
Acesso em: 3 ago. 2013. p. 6.
69
que confere aos pais que não tenham os filhos sob sua guarda o direito de fiscalizar a
manutenção e a educação dos mesmos. 219
Do referido julgado, é possível perceber a linha tênue existente entre os que se
manifestam contra e os a favor de se proceder a ação de prestação de contas. A interpretação
sistemática entre a Constituição da República Federativa do Brasil e Código Civil foi feita no
aludido julgado, fato esse que possibilitou o acolhimento da pretensão.
É possível vislumbrar isso nos elementos trazidos no excerto do voto do Des.
Trindade dos Santos, o qual asseverou:
[...]
Destarte, conclui-se que a doutrina e a jurisprudência pátria sempre se posicionaram
pela impossibilidade do manejo da ação de prestação de contas pelo alimentante em
razão da ausência das condições da ação, ou seja, pela falta do interesse de agir, de
legitimidade passiva 'ad causam' da guardiã do alimentando e da possibilidade
jurídica do pedido, culminando sempre com a extinção do feito sem resolução do
mérito, nos termos do art. 267, inc. VI do Código de Processo Civil.
Contudo, o entendimento acerca da impossibilidade da proposição da ação de
prestação de contas pelo alimentante contra a guardiã do filho credor dos alimentos
vem sendo revista tanto pelos juristas como pelos Tribunais do País.
[...]
Assim, o alimentante que não esteja com a guarda do filho menor tem o direito de
fiscalizar sua manutenção, ou seja, detém ele legitimidade e interesse para verificar
se os recursos da verba alimentar estão sendo empregados no atendimento das
necessidades do alimentando220.
Através desse trecho do voto é possível exprimir a importância do melhor
interesse do infante, como fundamento ensejador para afigurar as condições da ação, na
propositura da ação de prestação de contas, sendo: a legitimidade ativa do alimentante, ou
legitimidade ativa do alimentando representado pelo seu ascendente não detentor da guarda;
interesse de agir; e, a possibilidade jurídica do pedido, fundada no art. 1.589 do Código Civil.
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina também se manifestou em
outra oportunidade acerca da possibilidade da prestação de contas em alimentos:
DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - ALIMENTOS DESTINADOS À FILHA PRESTAÇÃO DE CONTAS - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E
INTERESSE DE AGIR - INDEFERIMENTO DA INICIAL - INSURGÊNCIA FISCALIZAÇÃO - DIREITO PROTETIVO DA MENOR - LEGITIMIDADE
219
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2007.028489-6. Relator: Des. Trindade dos
Santos. São Miguel do Oeste, 26 de junho de 2008. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=010009ZS00000&nuSeqProcessoMv=null&ti
poDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=1190168&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014
220
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2007.028489-6. Relator: Des. Trindade dos
Santos. São Miguel do Oeste, 26 de junho de 2008. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=010009ZS00000&nuSeqProcessoMv=null&ti
poDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=1190168&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014
70
ATIVA E INTERESSE PROCESSUAL DO PAI ALIMENTANTE - RECURSO
PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA.
Porque a má administração de
numerário destinado à manutenção e educação de filho alimentando pode acarretar
severas sanções legais ao mau administrador (arts. 1637 e 1638, IV, do CC), a lei
assegura ao alimentante a fiscalização da respectiva verba alimentar.221
Nesse julgado de lavra do Des. Monteiro Rocha, foi-se além, entendeu-se que a
suspensão do poder familiar poderia ser corolário da má administração, quando verificada na
prestação de contas. Outrossim, poderia falar ainda em perda do poder familiar, na ocasião de
o guardião incorrer reiteradamente na falta que ensejou a suspensão222.
De fato, como já visto, a prestação de contas em matéria de alimentos é
importante, pois verifica se o detentor da guarda está atendendo os interesses do melhor
através da escorreita aplicação da verba paga pelo alimentante. Ademais, é importante frisar
quais são as sanções para aquele que não emprega corretamente e desvia a finalidade do
instituto dos alimentos.
Nesse sentido, entabulou o eminente Des. Monteiro Rocha que:
Entendo que se deve permitir o prosseguimento do feito, no tocante à verba
alimentar da filha M. C. S., por duas razões distintas: a primeira delas, já
mencionada, porque a todo direito (e o direito à fiscalização existe) corresponde uma
ação que o assegure, pois nem mesmo a lei afastará do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito; a segunda, porque a boa administração da verba alimentar
destinada ao filho, pelo administrador da pensão, deve ser rigorosa, pois a má
administração dos bens de filhos menores é algo gravíssimo na relação entre pais e
filhos, tanto que o legislador permite a suspensão e até mesmo a destituição do
poder familiar em caso de seu desrespeito223.
Corroborando o que já fora transcrito, o Des. Relator Monteiro Rocha, afirmou
que o alimentante tem interesse em saber como está sendo administrada a verba paga por ele
em prol de sua prole, o alimentando tem interesse ver a correta aplicação dos alimentos
destinados a ele, assim como o guardião que administra a verba em prol do menor tem
221
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha.
Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t
ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014
222
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha.
Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t
ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014
223
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha.
Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t
ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014
71
interesse em demonstrar que vem aplicando corretamente os alimentos pagos, sob pena de
incorrer a suspensão ou destituição do poder familiar224.
Por isso, o genitor detentor da guarda, não pode abusar de sua autoridade de
administração – ao desviar a finalidade da a verba alimentícia pertencente ao filho menor –,
uma vez que essa administração está coadunada à obrigação de “prestar contas”, pois caso não
o faça, enseja possível suspensão do poder familiar, conforme assevera o art. 1.637, e no caso
de reiteradas faltas nesse sentido, poderá perder o poder familiar de acordo com o art. 1.638.
Outrossim, fica claro, mais uma vez, a proteção integral da criança e adoslescente
revela-se ser a espinha dorsal para se acolher a pretensão, e nesse prisma traz-se a lição de
Edgard de moura Bittencourt citado pelo Des. Monteiro Rocha em seu voto:
Sem embargo da separação, pode o cônjuge culpado exercer distante mas
permanente controle, inclusive por via judicial, sobre a educação dos filhos. Aí
surge a tarefa do magistrado, com penetração psicológica e moral nos fatos, evitando
abusos, auscultando o amor pelos filhos e afastando os golpes de vingança dirigidos
ao outro cônjuge, por intermédio de criaturas inocentes225
Outro fator importante que se pode extrair dessa lição, é que a ação de prestação
de contas visa evitar os eventuais abusos que podem ocorrer na administração e os quais o
ordenamento civil repudia (art. 187). Todavia, é importante ressaltar que pode haver abuso
por parte do devedor de alimentos, quando esse se valer da ação de prestação de contas como
um instrumento de incomodo ao ex-cônjuge, através de reiteradas admoestações
processuais226.
Com efeito, o magistrado deverá ter o cuidado de perceber tais propósitos e evitar
que eles se propagem. Avigorando isso, Rolf Madaleno afirma que além da prestação de
contas poder-se-ia fazer uma demanda alternativa de inspeção judicial, a qual seria realizada
por assistentes sociais em visitas aos locais onde o alimentando convive, com o intuito de
apurar e avaliar a realidade que os cerca, assim como da dimensão da pretensão processual de
rendição de contas, tudo isso correria por custos do interessado227.
224
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha.
Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t
ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014
225
BITTENCOURT, 2002 apud SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6,
Relator: Des. Monteiro Rocha. Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t
ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014
226
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 939.
227
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 939
72
Ressalvados esses casos excepcionais, a ação de prestação de contas pode ser
aplicada para se aferir a boa administração dos interesses da criança através do emprego
direcionado da verba para atender esse fim.
Nesse sentido, para por uma pá de cal na problemática o Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina, demonstra, através deste julgado recente, que firmou
posicionamento nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS RELACIONADA
AO EMPREGO DE VERBA ALIMENTÍCIA RECEBIDO POR FILHO MENOR.
PEDIDO LIMITADO À DEMONSTRAÇÃO DE DESPESAS, NÃO HAVENDO
UTILIDADE EM SE APURAR EVENTUAL SALDO CREDOR OU DEVEDOR,
DADA A IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS. POSSIBILIDADE DE O
GENITOR QUE NÃO EXERCE A GUARDA DO DESCENDENTE,
FISCALIZAR O EMPREGO DO QUANTUM DESTINADO AO SUSTENTO DO
FILHO EM COMUM. EXEGESE DO ART. 1.589 DO CC. SATISFATÓRIA
DEMONSTRAÇÃO, PELA ADMINISTRADORA DOS RECURSOS, DAS
DESPESAS HABITUAIS DO ALIMENTANDO, COM A EFETIVA
UTILIZAÇÃO DO BENEFÍCIO EM PROVEITO DA SUBSISTÊNCIA DO
MENOR.
CARÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A PRETENDIDA
REFORMA DA DECISÃO DE 1º GRAU, SOBRETUDO QUANDO ATINGIDO
O OBJETIVO ESSENCIAL DA DEMANDA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO DO
RECORRENTE EM PENA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, DEDUZIDO PELA
EX-CÔNJUGE EM SEDE DE CONTRARRAZÕES. CONDUTAS ELENCADAS
NO ART. 17 DO CPC NÃO EVIDENCIADAS. PRETENSÃO REJEITADA.
RECLAMO CONHECIDO E DESPROVIDO. 228
Portanto, percebe-se, por meio dos julgados colacionados, que o Tribunal de
Justiça do Estado de Santa Catarina, mostra-se um passo a frente no atendimento dos anseios
e resoluções de conflitos que envolvam o direito de família, especialmente no que tange à
fiscalização da pensão alimentícia em detrimento da proteção integral do infante.
Ademais, é obvia a percepção nos aludidos julgados que a criança e/ou
adolescente assumem papel vital para a composição judicial da problemática, ou seja, as
decisões não seriam as mesmas se o ator principal da questão não fossem os infantes.
Destarte, resta cristalino que há a possibilidade do manejo da ação de fiscalização
de alimentos por parte do alimentante, pois o que importa na referida ação é a mera prestação
de contas, sem qualquer interesse na execução forçada dos valores que não foram bem
aplicados. Demais disso, importa salientar que essa serve como instrumento para exercer o
poder familiar do genitor alimentante – o qual não convive diuturnamente com o alimentando
por não deter a guarda – a fim de resguardar os melhores interesses (tanto pessoal quanto
228
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2013.018438-2. Relator: Des. Luiz Fernando
Boller. Presidente Getúlio, 20 de junho de 2013. Disponível em:
<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000OD0T0000&nuSeqProcessoMv=null&ti
poDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=5739549&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014
73
patrimonial) da criança e do adolescente contra os atos arbitrários de uma má administração,
consubstanciando, então, o tão almejado princípio da proteção integral entabulado no art. 227
da nossa Constituição Federal.
74
5 CONCLUSÃO
O trabalho em questão trouxe a discussão acerca da viabilidade de o alimentante
se proceder à ação de prestação de contas para verificar a administração da pensão alimentícia
paga para o menor alimentando, que em virtude da sua incapacidade civil tem essa verba
administrada pelo seu genitor guardião.
A aludida discussão ganhou destaque no cenário jurídico, por meio da grande
quantidade de ajuizamento de ações nesse sentido, em que o ascendente visava fiscalizar
judicialmente a manutenção dos filhos.
Como forma de resolução desse conflito, a doutrina e a jurisprudência
apresentaram duas correntes, sendo uma favorável à fiscalização das contas judicialmente e
outra desfavorável.
A corrente que defende a impossibilidade tem sido considerada por muitos a
majoritária, tendo em vista que o STJ recorrentemente vem se manifestado nesse sentido. Um
dos fundamentos trazidos por essa corrente é a falta de interesse de agir do alimentante, que
em virtude da irrepetibilidade dos alimentos não permite que esses sejam restituídos através
da ação da prestação de contas.
Não obstante, ainda entendem que esse rito processual é inviável, pois as contas
devem ser apresentadas de forma mercantil – de acordo com o art. 917 do CPC. Tal premissa
ensejaria o constrangimento e a dificuldade na apresentação das contas.
Por derradeiro, os aspirantes dessa corrente pugnam pela falta de legitimidade das
partes para figurar nos polos da ação. Isso porque, a verba pertence ao infante (alimentando)
e, somente ele teria legitimidade ativa para fiscalizar a verba. Enquanto o guardião não teria
legitimidade para figurar no polo passivo diante da prerrogativa de administração que o poder
familiar lhe atribui.
A outro giro, há quem entenda ser possível o referido manejo, porquanto a lei
garante esse direito de fiscalização através do art. 1.589 do CC. Ademais, estar-se-ia a
consolidar os princípios do melhor interesse do infante e proteção integral.
Outrossim, aduzem que a irrepetibilidade não pode ser considerada óbice para se
intentar a ação de prestação de contas, uma vez que o escopo desse medida judicial é atender
unicamente a apresentação das contas, limitando-se a resposta judicial nesse fim específico.
Ou seja, não se objetiva a repetição de eventual débito.
75
Com efeito, assim como o guardião tem a prerrogativa de administrar a verba do
modo que bem entender ser necessária a prole, o alimentante, por ser ascendente possui a
prerrogativa – leia-se poder familiar – de fiscalizar a mantença dos filhos.
Por isso, entende-se que a apresentação das contas em juízo, quando utilizado o
procedimento especial, poderia ser feito de modo que não fosse comprometida sua
efetividade, ou seja, as contas podem ser apresentadas de forma não mercantil desde que
atendam a sua finalidade.
Ao se perquirir essas hipóteses, indaga-se a possibilidade de o genitor não
guardião se valer da ação de prestação de contas para fiscalizar a correta aplicação dos
alimentos em prol do infante.
O objetivo precípuo desse trabalho monográfico é analisar os argumentos
doutrinários e jurisprudências que tangenciam a discussão acerca da possibilidade de o
alimentante se utilizar da prestação de contas com o fito de fiscalização da verba paga ao
alimentando e administrada pelo seu guardião.
Para lograr êxito com o objetivo central, percebeu-se a necessidade de traçar
metas secundárias para que o aclaramento do principal seja possível.
Para tanto, se fez mister explicar o que são alimentos, como se dá o seu cabimento
e quais são suas características essenciais. Ademais, foi importante explicitar as
peculiaridades que circundam a ação de prestação de contas, principalmente, sua
conceituação, cabimento, bem como, analisar a repetição do procedimento como um fator
facultativo.
Tentando responder a problemática, verificou-se que do enfrentamento doutrinário
e jurisprudencial acerca do tema a posição majoritária se mostrou desfavorável à utilização
medida judicial de fiscalização das contas.
Contudo, essa não é a melhor solução, pois a reiterada aplicação desse
posicionamento em decisões judiciais vai contra o escopo Magno do nosso Direito, qual seja:
a dignidade da pessoa humana. Neste caso, estar-se-ia a privilegiar o melhor interesse da
criança e do adolescente, através da sua proteção integral.
Há de se ressaltar ainda, que o Egrégio Tribunal de Santa Catarina vem acolhendo
a tese de possibilidade do pedido de fiscalização de verba alimentar pelo alimentante,
demonstrando que não há empecilho em se proceder a respectiva ação, pois a lei confere ao
genitor o direito de fiscalização – o qual advém do poder familiar.
A interpretação sistemática entre a Constituição da República Federativa do Brasil
e o Código Civil é capaz de trilhar uma solução para a problemática, tendo em vista que essa
76
análise é feita a partir dos preceitos constitucionais e levando em conta os anseios dos sujeitos
de direito envolvidos na relação jurídica. O que se pretende aferir disso, é que a solução
jurídica mais adequada passa, primeiramente, pelo melhor interesse para a criança e do
adolescente, o qual se afigura pela correta aplicação da pensão alimentícia em beneficio
desses.
E por outro lado, visa-se o atendimento da dignidade da pessoa humana do genitor
em ter sua pretensão fiscalizatória acolhida, nos casos de suspeita de malversação da
administração da verba. Também se revela justo, que o alimentante preste alimentos em valor
adequado a fim de evitar eventual abuso e desvio de sua finalidade.
Se não bastasse isso, trata-se de um tema que está em constante discussão e
evolução e que ainda não ganhou contornos de pacificidade social por que não vem sido bem
interpretado pela Corte Superior.
É valido reforçar que por ser um trabalho monográfico, não fora possível esgotar
todo o conteúdo, porém dentro daquilo que fora proposto como meta principal seu resultado
foi positivo e logrou-se êxito para com ele. Foram analisados os argumentos de ambas as
correntes e foi possível despontar uma solução jurídica positiva para eventual resolução do
conflito.
Dessa solução jurídica positiva, tem-se que o Direito não pode ficar a mercê de
paradigmas e decisões que não acompanhem a evolução da sociedade, devendo sempre que
possível, questionar os atuais entendimentos com o intuito de criar novos padrões que
atendam, de forma cada vez mais efetiva, os interesses dos sujeitos de direito envolvidos na
lide, através da afiguração da dignidade humana e da proteção do melhor interesse do infante.
77
REFERÊNCIAS
ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:
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