UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUIZ FELIPE FERREIRA DE MELLO SANTANGELO DE SOUZA PRESTAÇÃO DE CONTAS EM AÇÃO DE ALIMENTOS Florianópolis 2014 LUIZ FELIPE FERREIRA DE MELLO SANTANGELO DE SOUZA PRESTAÇÃO DE CONTAS EM AÇÃO DE ALIMENTOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel. Orientador: Prof. Luiz Gustavo Lovato, Msc. Florianópolis 2014 Dedico o presente trabalho ao meu pai Roberto (in memoriam) e à minha mãe Sandra, que possibilitaram a realização desse sonho – e de tantos outros – através do amor que possuem por mim e de árdua dedicação à minha criação. Eu os amo. À Amanda, minha parceira e grande apoiadora dos meus sonhos. Ao meu grande amigo Eraldo, que considero como se meu segundo pai fosse. Ao Des. Antonio do Rêgo Monteiro Rocha, que me estendeu a mão em um dos momentos mais difíceis da minha vida e me oportunizou de trabalhar e aprender ao eternamente grato ao senhor. seu lado. Serei “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” (Rui Barbosa 1914) RESUMO Este trabalho monográfico tem como bojo a pesquisa acerca da viabilidade de o genitor, não detentor da guarda e prestador de alimentos, se valer da ação de prestação de contas para fiscalizar a manutenção da sua prole, que em virtude da sua incapacidade civil tem essa verba administrada pelo guardião. O objetivo principal desse estudo é analisar os argumentos jurisprudenciais e doutrinários sobre a possibilidade ou não de se ter uma ação de prestação de contas em matéria de alimentos quando o alimentando for menor de idade. O método de abordagem utilizado para este trabalho foi o dedutivo e o procedimento escolhido foi o monográfico. Ainda atrelado à questão metodológica, fora utilizado o tipo de pesquisa exploratória, uma vez que os instrumentos de estudo basearam-se nas legislações, livros, sítios e artigos científicos. A técnica de pesquisa escolhida foi a bibliografia. Além disso, o trabalho se valeu de estudos de casos, momento em que se analisaram os julgados de Tribunais Estudais e da União sobre o tema. A problemática se operou através do embate doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade do manejo da ação de prestação de contas em pensão alimentícia, por parte do genitor alimentante contra o genitor detentor da guarda. Aqueles que não são favoráveis pugnam pela falta de interesse de agir do alimentante em virtude de não haver relação jurídica com a pessoa que detém a guarda do filho menor pelo fato de a verba ser destinada somente a criança, além disso, afirmam que em virtude da irrepetibilidade dos alimentos, não se poderia vislumbrar a repetição de eventual débito, acarretando na carência de ação. Por outro lado, aqueles que entendem possível a propositura da ação de fiscalização da verba alimentícia, se baseiam no exercício do poder familiar do alimentante em buscar a correta aplicação dos respectivos valores para atender o melhor interesse do infante, bem como a proteção integral do menor alimentando. É diante disso, que se pretende impulsionar a discussão acerca do tema, para que os interesses das partes envolvidas no litígio sejam solucionados do melhor modo possível. Palavras-chave: Alimentos. Ação de prestação de contas. Irrepetibilidade. Carência de ação. Direito de fiscalização do art. 1.589 do CC. Proteção integral da criança e do adolescente. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8 2 ALIMENTOS ..................................................................................................................... 11 2.1 HISTÓRICO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR.............................................................. 11 2.2 ASPECTOS GERAIS DOS ALIMENTOS ...................................................................... 15 2.2.1 Conceito e aplicabilidade ........................................................................................... 15 2.2.2 Características dos alimentos .................................................................................... 21 2.2.2.1 Caráter personalíssimo ............................................................................................. 22 2.2.2.2 Imprescritibilidade ................................................................................................... 23 2.2.2.3 Irrenunciabilidade .................................................................................................... 24 2.2.2.4 Impenhorabilidade ................................................................................................... 26 2.2.2.5 Divisibilidade ........................................................................................................... 27 2.2.2.6 Irrepetibilidade ......................................................................................................... 28 2.2.2.7 Incompensabilidade ................................................................................................. 30 2.2.2.8 Periodicidade, Atualidade e Futuridade ................................................................... 31 3 PRESTAÇÃO DE CONTAS............................................................................................. 33 3.1 HISTÓRICO ...................................................................................................................... 33 3.2 AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS .......................................................................... 34 3.2.1 Cabimento ................................................................................................................... 36 3.2.2 Ação de exigir contas .................................................................................................. 37 3.2.3 Ação de dar contas ...................................................................................................... 40 3.2.4 Forma de apresentação das contas ............................................................................ 42 3.3 CUMULAÇÃO COM REPETIÇÃO COMO FATOR FACULTATIVO ........................ 45 4 PRESTAÇÃO DE CONTAS EM AÇÃO DE ALIMENTOS ........................................ 52 4.1 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS AO SEU CABIMENTO ..................................... 54 4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO SEU CABIMENTO ............................................. 61 5 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 74 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 77 8 1 INTRODUÇÃO Este trabalho de Conclusão de Curso exprime sobre a possibilidade ou não de o alimentante genitor se proceder na ação de prestação de contas para fiscalizar a verba alimentar paga para o descendente, que é administrada pelo seu guardião ante sua incapacidade civil para tal. Portanto, trata-se de matéria atinente a seara do Direito de Família, bem como Processo Civil. De início, cabe salientar que existe um embate doutrinário e jurisprudencial acerca da possibilidade do manejo da ação de prestação de contas em pensão alimentícia por parte do genitor alimentante contra o genitor detentor da guarda. Aqueles que não são favoráveis pugnam pela falta de interesse de agir do alimentante, em virtude da não existência de relação jurídica com a pessoa que detém a guarda do filho menor, uma vez que a verba seria destinada apenas para a criança. Também afirmam que pelo fato do procedimento especial de prestação de contas prever a repetição do débito como consequência do acertamento das contas não poderia ser aplicado em matéria referente aos alimentos, pois esses são irrepetíveis. Por outro lado, aqueles que entendem ser possível a propositura da ação de fiscalização da verba alimentícia se baseiam no exercício do poder familiar do alimentante em buscar a correta aplicação dos respectivos valores para atender o melhor interesse da criança, por meio da sua proteção integral. Serviria, portanto, a aludida como instrumento para exercer o poder familiar do genitor alimentante – o qual não convive diuturnamente com o alimentando por não deter a guarda – a fim de resguardar os melhores interesses (tanto pessoal quanto patrimonial) da criança e do adolescente contra os atos arbitrários de uma má administração do detentor da guarda, vislumbrando, deste modo, alcançar o tão almejado princípio da proteção integral entabulado no art. 227, §5º da nossa Carta Magna. Diante dos argumentos retro esposados, indaga-se a possibilidade de o genitor não detentor da guarda se valer da ação de prestação de contas para fiscalizar a correta aplicação dos alimentos em prol do menor. Com o intuito de responder tal problema o presente trabalho terá como objetivo principal analisar os argumentos jurisprudenciais, bem como doutrinários, sobre a possibilidade ou não de se manejar a ação de prestação de contas contra o genitor detentor da guarda do menor alimentando. E, de modo específico pretende-se explicar o que são alimentos, seu cabimento e quais são suas características essenciais. 9 Ainda nesse ínterim, buscará explicitar as peculiaridades que circundam a ação de prestação de contas, principalmente sua conceituação, cabimento e a facultatividade da repetição do débito. Como último objetivo específico se fez mister apresentar os argumentos jurisprudenciais e doutrinários que permeiam a discussão, tanto do ponto de vista favorável quanto desfavorável para proposição da referida ação. Para isso, a pesquisa deverá ir ao encontro da literatura jurídica, bem como os seus fundamentos, com o intuito de se analisar as correntes existentes – tanto de cunho jurisprudencial e doutrinário – acerca da problemática proposta. Ademais, o método de abordagem será o dedutivo, o qual partirá de uma premissa geral para uma específica, que visa a possibilidade do genitor não detentor da guarda fiscalizar a manutenção do filho menor sob o fundamento do melhor interesse deste. Ainda atrelado à questão metodológica será utilizado o tipo de pesquisa exploratória, uma vez que os instrumentos de estudo serão as legislações, livros, sítios, artigos científicos e trabalhos monográficos. Logo, o objetivo da pesquisa é caracterizar a problemática, classificando-a e apresentando soluções. Para a persecução do objetivo deste trabalho foi eleito o procedimento monográfico. A técnica de pesquisa será feita através de bibliografia acerca do tema, bem como documental, utilizando-se para tanto da legislação vigente e das doutrinas referentes ao tema em estudo. Além disso, se utilizará de estudos de casos, através da revisão de julgado, objetivando-se fazer a análise dos argumentos esposados nas referidas decisões. Visando lograr êxito com este trabalho monográfico dividiu-se o estudo em cinco capítulos, sendo este o primeiro, donde se busca trazer os métodos científicos aplicados ao presente estudo e também a formulação do problema do qual se pretende aclarar através dos objetivos propostos. O segundo capítulo remete ao estudo do instituto dos alimentos, passando pela narrativa do nascedouro histórico da obrigação de prestá-los, sua conceituação, cabimento e características. Já o terceiro capítulo é dedicado à elucidação do que seja prestação de contas, principalmente de onde surgiu, sua conceituação e cabimento. Outro aspecto relevante abordado sobre a prestação de contas neste capítulo é a análise da repetição do débito como fator meramente facultativo e adstrito ao pedido do autor. 10 No quarto capítulo, será abordada, efetivamente a possibilidade ou não do manejo da ação de prestação de contas em alimentos através da analise dos argumentos favoráveis e desfavoráveis tanto na seara doutrinária quanto jurisprudencial. Para isso serão trazidas à colação, decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, assim como do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O quinto e último capítulo se presta para a conclusão do trabalho, objetivando trazer uma resenha de todo o conteúdo, e também a exposição da opinião sobre os conhecimentos perseguidos. 11 2 ALIMENTOS Neste capítulo serão apresentadas algumas reflexões acerca do instituto alimentos, abordando a origem histórica da sua obrigação de ser prestado e seus aspectos gerais. O foco se mantém no aclaramento do seu conceito, sua aplicabilidade e suas características. O referido capítulo não tem por escopo esgotar toda a matéria que o circunda, diante disso, passa-se à apresentação daquilo que é essencial para se entender o cenário em que se encontra a problemática trazida por esta monografia. 2.1 HISTÓRICO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR Num primeiro momento deve-se destacar o breve aspecto histórico acerca da evolução da obrigação de alimentar, uma vez que isso remete, de forma incisiva, na boa compreensão do que seja alimento. Pois bem. A obrigação alimentar está coadunada com a ideia de assistencialismo e solidariedade familiar, e inexistindo essa ideia não haveria motivos para regulamentar e estudar o instituto alimentos1. A falta da aludida solidariedade familiar estava impregnada em tempos passados, onde a obrigação de prover o sustento da família era destinada somente ao homem, chefe da sociedade conjugal, o qual exercia o pátrio poder2. Sobre a origem do pátrio poder é sabido ser advindo do direito romano, no qual todos os direitos e obrigações se concentravam nas mãos do chefe da família, inexistindo, portanto, qualquer tipo de obrigação para com os seus dependentes3. A fim de ilustrar a figura do “parter familias” Rolf Madaleno, com deveras acuidade, traz o exemplo da cultura romana: Toda casa romana possuía um altar onde dia e noite o dono da morada deveria conservar o fogo que só poderia ser extinto quando toda a família tivesse morrido. Este culto ao fogo só era exercido pelos homens e entre eles transmitido o direito de fazer os sacrifícios ao lar, resultando desta regra religiosa a ideia de a mulher ser incapaz de transmitir a vida e o ofício religioso, já que a religião doméstica se dirigia unicamente aos ascendentes em linha masculina. O filho pertencia inteiramente ao pai e a própria esposa renunciava à sua família onde nasceu. Daí 1 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 781. 2 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p.528. 3 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 41 12 surgir no Direito Romano e ao Tempo das Doze Tábuas o parentesco da agnação, sendo parentes agnatícios todas aquelas pessoas submetidas à autoridade do pater 4 famílias . De fato, era difícil e até mesmo sem nexo vislumbrar a necessidade de assistencialismo para com os outros membros da família, em especial a esposa. Tanto que “a doutrina mostra-se uniforme no sentido de que a obrigação alimentícia fundada sobre as relações de família não é mencionada nos primeiros momentos da legislação romana”5. Ainda nessa linha de intelecção, a título de mera corroboração à imagem daquilo que seria o poder familiar na idade romana Washington de Barros Monteiro afirma que “no terreno patrimonial, o filho assim como o escravo, nada possuía de próprio. Tudo quanto adquiria, adquiria para o pai[...]”6. Com a evolução histórica permitiu-se, conforme Yussef Said Cahali7, a permeabilização da estrutura, no sentido de reconhecer a obrigação de alimentar na seara familiar. Em que pese não saber a precisa datação acerca dessa mudança, o autor alega que poderia ter sido a partir do Principado, juntamente com a crescente afirmação de que o vínculo de sangue assume uma importância maior, na qual transformaria aquela defasada obrigação moral do poder familiar, em uma obrigação de direito alimentar8. Ainda segundo Yussef Said Cahali essa paulatina evolução fez com que o foco da problemática se voltasse, então, para “a extensão das pessoas vinculadas à obrigação alimentar”9. Sobre a extensão das pessoas vinculadas à obrigação alimentar, bem como da obrigação em si, Yussef Said Cahali leciona que: A disciplina justinianeia da obrigação alimentar representa o ponto de partida da sucessiva e ampla reelaboração do instituto, compilada pelos glosadores e comentadores, de que resulta claramente a determinação do círculo da obrigação no âmbito familiar, compreendendo os cônjuges, ascendentes e descendentes, irmãos e 10 irmãs . 4 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 473. CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 41. 6 TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 42 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.498. 7 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.42. 8 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.42. 9 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.42. 10 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.44. 5 13 Sob o foco do direito pátrio, o Código Civil de 1916 tinha por escopo a proteção da família e, por isso, tutelou a obrigação alimentar em virtude do casamento11. Percebe-se, nesse caso, forte influência do “parter familias” do direito romano, uma vez que só se protegeria e concederia o assistencialismo – em relação ao sustento – para aqueles que fossem integrantes da entidade familiar12. Nessa toada, o Código revogado, originariamente, não permitia o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, nas ditas relações concubinas daí extrai-se o termo “filhos ilegítimos”. Essa proibição acarretava o não reconhecimento da paternidade e consequente abandono em relação ao assistencialismo alimentar13. O casamento era considerado à época indissolúvel, podendo ser extinto pela morte ou por anulação – quando incorria em alguma das hipóteses legais para isso. Fora isso, o matrimonio deveria se manter. Por não se imaginar o divórcio, o direito de sustento da mulher era exercido pelo marido – detentor do poder familiar. Ademais, é importante ressaltar que a mulher era considerada incapaz de praticar atos da vida civil e deveria ser submissa a vontade do chefe da família14. Essa incapacidade civil da mulher foi extinta posteriormente com a edição da Lei n. 6.121/62 – conhecida como Estatuto da Mulher Casada –, a qual devolveu a plena capacidade civil à mulher, permitindo com que ela passasse à condição de colaboradora na administração da família15. Em que pese a inexistência da figura do divórcio, existia o instituto do desquite, que, apesar de dar fim ao regime de bens e dispensar os cônjuges do dever de fidelidade, não dava fim ao vínculo matrimonial. Sobre o tema aqui enfocado Maria Berenice Dias anota que: O matrimônio era indissolúvel, e extinguia-se exclusivamente pela morte ou anulação. Havia, porém a possibilidade de o matrimonio terminar pelo desquite, o que ensejava a separação de fato, a dispensa do dever de fidelidade e o término do regime de bens. Mas o vínculo matrimonial permanecia inalterado16. 11 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 528. 12 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 528. 13 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 528. 14 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 529. 15 DIAS, Maria Berenice. A mulher no Código Civil. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/18_-_a_mulher_no_c%F3digo_civil.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2014. p. 2. 16 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 529. 14 Nos casos em que ocorria o desquite o direito de ser sustentada se mantinha caso a mulher fosse “honesta”. E nas palavras de Maria Berenice Dias isso estava “ligado à sua sexualidade, ou melhor, à total abstinência sexual. O exercício da liberdade sexual fazia cessar a obrigação alimentar sem qualquer questionamento sobre a possibilidade de ela (esposa) conseguir se manter ou não”17. Ou seja, não existia a preocupação com as necessidades da mulher. O marco legal que de certa forma ajudou a superar esse ideal foi a Lei do Divórcio de 1977. Essa lei permitiu com que o marido pudesse pedir alimentos a mulher. Desse modo, a obrigação alimentar passou a ser considerado algo recíproco e mútuo para os cônjuges, nos casos em que houvesse a declaração judicial de culpa de um dos cônjuges na ação de separação. Assim, dever-se-ia pagar alimentos para aquele que fosse considerado inocente na separação18. Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os cônjuges passaram a serem considerados iguais perante os direitos e deveres nas relações matrimoniais. O referido conteúdo está esculpido no art. 226, parágrafo 5º da Lei Magna e assim dispõe: Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] §5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Seguindo essa esteira de pensamento, Maria Berenice Dias19 cita que outro marco legal importante para a evolução do dever alimentar fora a lei que regulamentou a união estável – Lei n. 9.278/96, donde dessa excluiu-se o elemento culpa, nas relações matrimoniais. Por conseguinte, fomentou diversas discussões em sede jurisprudencial no sentido de que a não extinção do pressuposto culpa nas relações conjugais – para declarar o divórcio –. acarretaria séria afronta ao princípio da isonomia. Diante desse panorama, a justiça passou a rechaçar o elemento culpa das lides em que envolvia alimento aos cônjuges. 17 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 529. 18 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 529. 19 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 530. 15 Outrossim, com o intuito de ratificar aquilo que já previu a Carta Social, o art. 1.511 do Código Civil de 2002 estabelece o seguinte: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.” Portanto, verifica-se que aquele arcaico conceito de poder familiar do direito romano sucumbiu frente ao novo preceito de igualdade imposto pela lei constitucional. Com isso, consubstanciou os direitos de assistência mútua e reciprocidade nas relações de família, mormente, aquelas que envolvem os interesses dos cônjuges. Sobre o exposto concluem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, com grande propriedade que a “[...] a família cumpre pós-modernamente um papel funcionalizado, devendo, efetivamente, servir como ambiente propício para a promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus membros [...], servindo como alicerce fundamental para o alcance da felicidade”20. De fato, a evolução da obrigação alimentar tomou um viés extremamente assistencialista e permitiu que houvesse a aplicação direta do principio da dignidade humana nas relações familiares. 2.2 ASPECTOS GERAIS DOS ALIMENTOS Os alimentos representam uma forma de proteção em benefício da família, estabelecido pelo Estado e calcado no princípio da solidariedade familiar encontrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Portanto, trata-se de matéria cogente e de ordem pública, que permite a busca pela dignidade humana nas relações afetivas e familiares. Assim, permite-se que aqueles que não possuem capacidade de subsistência, consigam desfrutar de um modo de vida compatível com sua condição social e que recebam essa prestação de forma que não venha a prejudicar o sustento daquele que os oferece21. 2.2.1 Conceito e aplicabilidade De proêmio, revela-se necessário traçar algumas digressões acerca do instituto alimentos, tais como a sua importância e o seu espaço no direito de família hodierno. 20 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 781. 21 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. pp. 854-855. 16 Nesse ínterim, entende-se por alimentos a prestação de tudo aquilo que é necessário para se viver, em prol daqueles que não podem, por algum motivo, prover sua própria mantença22. Corroborando tal conceituação, Yussef Said Cahali afirma que a referida prestação deve englobar a satisfação tanto física quanto intelectual e moral do indivíduo, para que consequentemente o alimentando realize o direito à vida23. Da doutrina clássica extrai-se a divisão conceitual – de acordo com a natureza jurídica – entre alimentos naturais e civis. Os naturais se identificam, segundo Yussef Said Cahali como aquilo que é “estritamente necessário para a mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites assim do ‘necessarium vitae’”. Com relação aos civis entende-se como a prestação que abarca as necessidades intelectuais e morais, como lazer e educação24. Assim sendo, Rolf Madaleno pugna que os alimentos civis: [...] são aqueles destinados à manutenção da condição social do credor de alimentos, incluindo a alimentação propriamente dita, o vestuário, a habitação, o lazer e necessidades de ordem intelectual e moral, cujos alimentos são quantificados 25 em consonância com as condições financeiras do alimentante . Visto que a pensão alimentícia presta-se a garantir a subsistência daquele não é capaz de alcançá-la através de trabalho próprio é necessário verificar a quem incorre esse dever de prestar e suas nuances. Nesse prisma, o dever alimentar recai sobre um sujeito de direito que possui uma relação jurídica com o necessitado e que a lei estipula como obrigado a prestá-los. Então, a existência dessa relação depende de um liame consanguíneo ou afetivo com a pessoa que os prestam e aquela que virá a receber, objetivando constituir “verdadeiro dever mútuo e recíproco entre parentes, cônjuges ou companheiros”26. Quanto ao seu modo de prestação, a doutrina entende que os alimentos podem se dar de duas maneiras, sendo essas, a prestação “in natura” – da qual se presta “os próprios bens necessários à sobrevivência”27 – e o pagamento da obrigação em forma de soma 22 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 853 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 16. 24 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 18. 25 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p.855. 26 WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de família. 18 ed. São Paulo: Saraiva 2013. p. 71. 27 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 785. Os referidos autores utilizam o exemplo do pai que paga a própria escola do filho e o plano de saúde, como forma de prestar alimentos. 23 17 pecuniária – donde paga-se a respectiva quantia diretamente ao alimentando para que esse supra suas necessidades subsistências da melhor forma que lhe convém. Tem-se, contudo, depois do advento do Código Civil de 2002, uma terceira natureza jurídica dos alimentos, denominados indispensáveis, que estão disciplinados nos art. 1.694, §2º28 e art. 1.704, parágrafo único29. Essas hipóteses são aplicadas nos casos em que a necessidade do alimentando decorre de sua culpa exclusiva e, além disso, quando o cônjuge culpado não possui aptidão para o labor, bem como não possui parentes legítimos do quais poderiam socorrê-lo. Sobre o tema alimentos indispensáveis colhe-se excerto doutrinário de Washington de Barros Monteiro, o qual assevera que: “Esses alimentos compreendem somente o que é indispensável à sobrevivência, sem apego ao status social do casal e às possibilidades do prestador de alimentos, e, ainda sem baliza em outras necessidades do credor cuja cobertura não tenha em vista a sobrevivência”30. Contudo, nas palavras de Rolf Madaleno: Estranha solidariedade, notadamente, quando a culpa já perdera qualquer função e efeito na separação judicial, para fazer prevalecer critérios hierarquicamente superiores, com valores provenientes da dignidade pessoal dos cônjuges, e permitir ao consorte buscar a sua separação sem precisar provar qualquer causa ligada à 31 culpa do cônjuge demandado . Com certeza essa solidariedade é estranha à luz do que dispõe a lei constitucional. Tanto que em 2010 editou-se a Emenda Constitucional n. 66, com o intuito de não haver mais a perquirição de culpa na separação – e divórcio direto – consubstanciando o ideal de que a responsabilidade alimentar é bilateral e tem como âmago a solidariedade assistencial32. 28 Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. [...] § 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. (BRASIL, 2002). 29 Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência. (BRASIL, 2002). 30 TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 42 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 522. 31 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 857. 32 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p.857. 18 Independente da maneira que sejam prestados os alimentos, o bojo do dever de prestá-los é garantir o principio da dignidade humana do devedor de alimentos, que porventura não consegue exercer o direito á vida, por isso diz-se que os alimentos têm conotação extremamente assistencialista. A despeito do tema enfocado, Maria Berenice Dias leciona que: Todos têm direito de viver, e viver com dignidade. Surge desse modo, o direito a alimentos como principio da preservação da dignidade humana. Por isso os alimentos têm natureza de direito da personalidade, pois asseguram a inviolabilidade do direito à vida, à integridade física. Inclusive, forma inseridos entre os direitos sociais33. Essa obrigação de assistência pode derivar de lei, da vontade das partes ou ainda de ato ilícito34. Quando derivada da lei, essa encontra assento no art. 6º da Lei Magna35 e o art. 1.694 do Código Civil que aduz: “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.” Daí urge a obrigação alimentar, da qual se destacou alhures. Portanto, frisa-se que o dever alimentar é “le devoi imposé juridiquement à une personne d’assurer la subsistance d’une autre personne”36. O assistencialismo oriundo desse dever configura verdadeira solidariedade familiar e social, da qual prevê o art. 3º da CRFB37, pois como já visto, aqueles que não conseguem lograr êxito em obter recursos para sua mantença com frutos de seu próprio esforço, podem socorre-se daqueles que estão obrigados a prestar auxílio em virtude de um liame por parentesco consanguíneo, vínculo conjugal e ainda afetivo. Acerca do princípio da solidariedade familiar como fundamento de existência dos alimentos, Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald lecionam que: 33 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 531. 34 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 20. 35 Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988). 36 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 16. Tradução livre: “dever legal imposto a uma pessoa para sustentar outra pessoa”. 37 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 19 A fixação dos alimentos deve obediência a uma perspectiva solidária (CF, art. 3º), norteada pela cooperação, pela isonomia e pela justiça social – como modos de consubstanciar a imprescindível dignidade humana (CF, art. 1º, III). Nessa linha de intelecção, é fácil depreender que comprometida em larga medida a concretização dos direitos econômicos e sociais afirmados pelo Pacto Social de 1988 de pessoas atingidas pelo desemprego ou pela diminuição da capacidade laborativa, os alimentos cumprem a relevante função de garantir a própria manutenção de pessoas ligadas por vínculo de parentesco38. Ademais, do ponto de vista de Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald vislumbra-se que a reciprocidade é consequência natural do caráter solidário, pois “a pessoa que hoje, se apresenta na posição de devedor, amanhã pode ser credora e vice-versa”39. Ressalvou-se anteriormente que nem toda a obrigação alimentícia é oriunda de lei. Pode essa advir da vontade humana, bem como de ato ilícito40. A obrigação legal está adstrita aos sujeitos de direito integrantes da família. Ou seja, “são aqueles que devem por direito de sangue (ex iure sanguinis), por um veículo de parentesco ou relação de natureza familiar, ou em decorrência do matrimônio” 41. Pode-se ter a existência da obrigação alimentícia resultante de atos humanos, tais como os atos voluntários ou jurídicos. Por voluntário entende-se que são os alimentos decorrentes de uma declaração de vontade, seja “inter vivos” ou “mortis causa”, ou ainda, de cunho obrigacional, do qual se deriva de um contrato ou de disposição da ultima vontade42. Com relação à obrigação alimentar advinda de ato ilícito, essa objetiva o ressarcimento de um dano cometido pelo alimentante, ou seja, funciona como uma espécie de indenização ao alimentando que não pode se sustentar, em virtude do dano experimentado43. Visto as possíveis origens da obrigação alimentar pode-se afirmar que não é garantido a elas o mesmo tipo aplicação, ou seja, “se não se reconhece a existência de uma disciplina unitária para as obrigações alimentares resultante de diversas causas, admite-se pelo menos uma certa migração normativa entre os vários ramos do direito, com fulcro na analogia justificada pela unicidade na destinação do benefício”44. 38 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 783. 39 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 783. 40 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p.857. 41 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 20. 42 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. pp. 20-21. 43 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 859. 44 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2012. p. 23. 20 Inevitavelmente para se afigurar a obrigação de prestar alimentos serão necessários a comparência de quatro requisitos. Nas palavras de Maria Helena Diniz para existir a obrigação alimentar são necessários quatro pressupostos essenciais: a) vínculo de parentesco, conjugal ou de companheirismo; b) necessidade do alimentando; c) possibilidade econômica do alimentante; d) proporcionalidade da verba alimentícia entre necessidade e possibilidade45. Conforme já exposto, devem fornecer alimentos os parentes consanguíneos, ou seja, os ascendentes aos descendentes; os descendentes aos ascendentes; e os colaterais até segundo grau, quando inexistentes os parentes ascendentes e descendentes, bem como os excônjuges. Outrossim, há de se observar a necessidade da verba por parte do alimentando, “que, além de não possuir bens, está impossibilitado de prover, pelos seu trabalho, à própria subsistência, por estar desempregado, doente (RT, 819:210), inválido, portador de deficiência mental (RT, 830:321), idoso (Lei n 10.741/2003) etc.”46 Nesse sentido, é o que preconiza o art. 1.695 do Código Civil: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”. Portanto, de acordo com o dispositivo supramencionado, é necessário que o alimentante tenha possibilidade econômica para prestar a verba alimentícia, sem que isso prejudique o seu próprio sustento, sob pena de incorrer à injustiça de sacrificar seu sustento em prol de outrem. Com relação ao quarto pressuposto, deve existir uma proporcionalidade entre o binômio necessidade e possibilidade, para que haja a adequação desses dois fatores, sem que isso enseje um enriquecimento sem causa do alimentando nem onere demasiadamente o alimentante. Acerca do tema aqui enfocado traz-se à colação o excerto doutrinário de Washington de Barros Monteiro: Na fixação dos alimentos equacionam-se, portanto, dois fatores ou o seguinte binômio: as necessidades do alimentado e as possibilidades do alimentante. Trata-se, evidentemente, de mera questão de fato, a apreciar-se em cada caso, não se perdendo de vista que alimentos se concedem não ad utilitatem, ou ad voluptatem, mas ad necessitatem. 45 46 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. pp.631-632. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.631. 21 E quando se trata de alimentos devidos ao filho menor, há um trinômio a se examinar: as necessidades do alimentando, as possibilidades do pai e as possibilidades da mãe. Os dois genitores são obrigados a sustentar o filho, em 47 regime de igualdade, mas sempre consideradas as possibilidades de cada qual . Percebe-se que a obrigação de alimentar passa, mormente, pelos quatro requisitos apresentados, sendo que a falta de um desses não dá a oportunidade de perfectibilizar a relação jurídica entre alimentante e alimentando48. Washington de Barros Monteiro elenca a figura do trinômio na relação alimentar entre os pais e o infante, com foco na divisibilidade inerente aos alimentos prevista no art. 1.698 do Código Civil, o qual prevê que os parentes, em geral, têm o dever legal de sustentar os seus descendentes – respeitando-se o poder financeiro de cada um – para se chegar num valor final, que deverá ser entregue em prol do credor de alimentos. Aproveitando o ensejo do debate referente aos pressupostos da configuração da obrigação alimentar, com relação ao da necessidade, há de se ressalvar que a função primordial dos alimentos não é fomentar o ócio ou estimular o parasitismo. Nesse sentido, cita-se excerto do voto lavrado pelo Excelentíssimo Des. Monteiro Rocha, o qual cita a lição de Clóvis Beviláqua, transcrito em ortografia defasada: Aquelle que possue bens ou que está em condições de prover à sua subsistência por seu trabalho, não tem direito de viver à custa dos outros. O instituto dos alimentos foi creado para socorrer os necessitados, e não para fomentar a ociosidade ou estimular o parasitismo49. Diante disso, nota-se que os alimentos visam atender a manutenção do direito a vida digna daquele que não consegue se sustentar, sem que isso fomente o parasitismo e desvirtue o instituto. 2.2.2 Características dos alimentos Em se tratando de obrigação de cunho assistencialista, que visa prover necessidades subsistenciais para o direito à vida digna do credor, os alimentos possuem algumas peculiaridades que merecem ser vistas. 47 TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 42 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 535-536. 48 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.631. 49 BEVILÁQUA apud SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2002.011522-9. Relator: Des. Monteiro Rocha. Chapecó, 20 de março de 2003. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAABAACF1jAAC&cat egoria=acordao>. Acesso em: 5 jun. 2014. 22 Isso porque, segundo Rolf Madaleno, “esta sua natureza especial decorre do intrínseco propósito de assegurar a proteção do credor de alimentos, mediante um regime legal especifico, e cujo crédito visa a cobrir as necessidade impostergáveis”50, sendo mister, portanto, a criação de determinadas garantias que visem um escorreito pagamento da pensão alimentícia. Avigorando a necessidade de tutelar de forma específica os alimentos, tem-se da lição de Yussef Said Cahali que: Sendo o direito à vida uma emanação do direito da personalidade, que interessa precipuamente ao indivíduo, não se descarta a necessidade de uma estrutura jurídica inspirada no interesse social com vistas À preservação da vida humana e ao seu regular desenvolvimento; daí a identificação também do interesse do Estado, na disciplina e da sua regulamentação51. Logo, segundo Maria Berenice Dias52 há um interesse geral no adimplemento da obrigação, cujo enseja a criação de normas cogente e de ordem pública para regular a obrigação e com isso garantir a dignidade da pessoa humana do credor de alimentos. 2.2.2.1 Caráter personalíssimo O alimento é considerado direito personalíssimo, porquanto se trata de uma prestação dirigida exclusivamente à pessoa do alimentando. Com efeito, Orlando Gomes citado por Yussef Said Cahali alega que a titularidade desse direito não transpassa a outrem, seja por negócio jurídico, seja por fato jurídico53. Ademais, como já visto, o direito aos alimentos deflue de uma relação de parentesco única entre credor-devedor e que deverá levar em conta a necessidade de quem pleiteia alimentos, assim como a possibilidade financeira de quem os presta. Por fim, Rolf Madaleno pugna que os alimentos não têm por finalidade ser especificadamente patrimonial – em que pese o cumprimento da obrigação se reflita nisso. O real intuito, nesse caso, é prestar assistencialismo para que outrem realize o direito à vida de modo digno54. 50 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p.872. CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 50. 52 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 534. 53 GOMES apud CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 50. 54 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 872. 51 23 2.2.2.2 Imprescritibilidade Os alimentos têm como característica primordial ser imprescritível, uma vez que o fundamento básico para requerê-los é a necessidade e essa pode ser renovada a qualquer momento que for pertinente. Portanto, resta inviável suscitar a prescrição do direito alimentar55. Não obstante, Orlando Gomes leciona que: [...] há que distinguir três situações 1ª, aquela em que ainda não se conjuminaram os pressupostos objetivos, como por exemplo, se a pessoa obrigada a prestar alimentos não está em condições para ministrá-los; 2ª, aquela que tais pressupostos existem, mas o direito não é exercido pela pessoa que faz jus aos alimentos; 3º, aquela em que o alimentando interrompe o recebimento das prestações, deixando de exigir do obrigado a dívida a cujo pagamento está este adstrito. E acrescenta: Na primeira situação, não há cogitar de prescrição, porque o direito ainda não existe. Na segunda, sim. Consubstanciado pela existência de todos os seus pressupostos, seu exercício não se tranca pelo decurso do tempo. Diz-se, por isso, que é imprescritível. Na terceira, admite-se a prescrição, mas não do direito em si, e sim das prestações vencidas56. Diana Amato justifica tal entendimento: A aposição de um tempo prescricional – a par da dificuldade de estabelecer um termo inicial –, de um lado, provocaria uma espécie de pressão psicológica no sentido do pedido, e, de outra parte impediria que se buscasse resistir a essa pressão, 57 frustrando, desse modo a verdadeira função do instituto . Porém, ressalta-se que somente haverá a aplicação do prazo prescricional para execução nos casos em que já forem fixados os alimentos por decisão judicial. Nesse caso, a prescrição atingiria a pretensão executória da pensão alimentícia, e não propriamente o direito58. Elucidando sobre conjectura supra Yussef Said Cahali afirma que: A doutrina, no que então se mostrava uniforme em reconhecer a imprescritibilidade do direito aos alimentos, do mesmo modo afirmava que a prescrição quinquenal a que se referia o art. 178, §10, I do anterior CC só alcançava a prestação periódica de pensões alimentícia, fixada em sentença ou convencionadas mediante acordo, operando-se, nesse caso, com relação a cada prestação atrasada que se fosse tornando exigível; o inadimplemento do devedor e a falta de reclamação do credor 55 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 889. CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 94. 57 AMATO apud CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 95. 58 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p.792. 56 24 durante aquele período, faziam perecer paulatinamente a pretensão àquelas parcelas.59 Destarte, só ocorrerá a prescrição quando os valores atinentes aos alimentos não forem executados em tempo hábil. Tal premissa não se confunde com a imprescritibilidade de se pleitear alimentos. 2.2.2.3 Irrenunciabilidade Outra característica inerente aos alimentos é a irrenunciabilidade, disposta no art. 1.707 do Código Civil. O referido dispositivo apregoa o seguinte: “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.” Entende-se do art. 1.707 do Código Civil que o credor de alimentos jamais poderá renunciar o direito aos alimentos. O que se permite fazer, todavia, é a renuncia ao exercício temporário desse direito – por parte do sujeito considerado plenamente capaz para os atos da vida civil –, ou seja, os alimentos como direito ficarão incólumes, sendo aplicada a renunciabilidade apenas quanto ao seu exercício momentâneo. A outro passo, o exercício temporário do direito aos alimentos fica sobestado caso não exista o binômio necessidade/possibilidade – o que se revela lógico – podendo ser requerido a qualquer tempo – desde que se afigure o elemento necessidade. Ademais, mesmo que tenham sido prestados e cessada a necessidade do alimentando, nada impede que no futuro seja proposta uma nova ação de alimentos, por quanto não faz coisa julgada material, conforme o art. 15 da Lei de Alimentos60. Sobre essa renúncia, as teses jurisprudenciais vêm convalidando, costumeiramente, a eficácia das cláusulas que preveem a renúncia ao exercício temporário do direito aos alimentos. Sobre o tema colhem-se julgados do Superior Tribunal de Justiça: [...] A renúncia aos alimentos decorrentes do matrimônio é válida e eficaz, não sendo permitido que o ex-cônjuge volte a pleitear o encargo, uma vez que a prestação alimentícia assenta-se na obrigação de mútua assistência, encerrada com a separação ou o divórcio. [...]61 59 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 95. Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financei ra dos interessados.(BRASIL, 1968). 60 25 E: [...] A cláusula de renúncia a alimentos, constante em acordo de separação devidamente homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo [...].62 Comentando acerca dessa tese, Maria Berenice Dias afirma que depois de ter renunciado o direito aos alimentos, o cônjuge não poderá pleiteá-los devendo ser julgado extinto o processo por carência de ação. O referido pleito iria de encontro com o princípio da boa-fé objetiva, configurando o “venire contra factum propium”, uma vez que se criou uma expectativa de não exercício do direito e posteriormente agiu-se de maneira contrária63. A outro giro, Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, afirmam que “os alimentos são irrenunciáveis, apenas, quando fixados em favor de incapazes, como no exemplo dos alimentos devidos entre pais e filhos ou entre avós e netos”64. Aos incapazes é vedado renunciar ao exercício à verba alimentícia, tendo em vista que não estão aptos a exercer e entender os atos da vida civil – pois seu discernimento é incompleto65. Percebe-se que é inviável renunciar os alimentos em si, o que poderia ser almejado – e de fato tem sido aceito pela jurisprudência e pelo Código Civil – é a renuncia ao exercício temporário do direito, o qual não pode ser confundido com a hipótese de renúncia dos alimentos. Frisa-se que a renúncia ao exercício do direito está atrelada diretamente à capacidade civil daquele que o renuncia, sendo que para isso deverá ter pleno discernimento dos atos da vida civil. 61 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração em Recurso Especial nº 832.902, L V M e D M M. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Rio Grande do Sul, 06 de outubro de 2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=918612&sReg=200600497669&sData=200 91019&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014. 62 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 701.902, A L e I C L. Relator: Ministra Nancy Andrighi. São Paulo,15 de setembro de 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=579516&sReg=200401609089&sData=200 51003&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014. 63 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. pp. 544-545. 64 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 788. 65 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 788. 26 2.2.2.4 Impenhorabilidade Com o objetivo precípuo de ser uma verba de caráter subsistêncial, os alimentos tendem a ser impenhoráveis66. De fato, seria causador de estranheza se fosse permitido penhorá-los, uma vez que se estaria desvirtuando o fito do respectivo instituto e prejudicando diretamente um direito de natureza pessoal67. Nesse sentido, Yussef Said Cahali crê que a impenhorabilidade dos alimentos é, como regra geral, matéria consolidada na doutrina, ao passo que não permite que o alimentante possa privar o alimentando da verba destinada estritamente à sua mantença68. Evita-se, assim, causar algum tipo de deletério para com a manutenção do direito à vida. Reforçando essa lição, traz à colação o entendimento de Rolf Madaleno, o qual assevera que: Esta impenhorabilidade é uma exigência do fato de os alimentos serem imprescindíveis para a vida do credor da pensão, a quem não é dado privar dos meios que cobrem e asseguram a sua sobrevivência, e que seria injusto e desumano desapossar uma pessoa daquilo que é fundamental para a sua vida69. Em que pese os alimentos serem considerados impenhoráveis, essa característica comporta mitigações. Nas palavras de Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald seria possível penhorá-los nos casos em que a dívida decorre de um débito alimentar, ou seja, “admite-se a penhora de alimentos para pagamento de outra obrigação de mesma natureza (alimentícia). Assim, já se percebe a possibilidade de penhorar pensão previdenciária para o pagamento de verba alimentar”70. Outrossim, entende-se ser possível a penhora de bens adquiridos com a referida verba, salvo se estiverem protegidos pela Lei do Bem de Família (Lei n. 8.009/90)71. A impenhorabilidade encontra assento no art. 649, IV do Código de Processo Civil e dispõe que os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de 66 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 909. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 909. 68 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.86. 69 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 910. 70 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 808. 71 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 808. 67 27 aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal são impenhoráveis. 2.2.2.5 Divisibilidade Ante a conveniência de se destacar a importância do caráter divisível da obrigação alimentar, é necessário frisar que o aludido caráter não se confunde com o instituto da solidariedade (a solidariedade decorre de lei ou das vontades das partes – art. 265 do Código Civil). Por isso, diante da falta de hipótese legal prevista no Código Civil, “o dever de prestar alimentos não seria solidário, mas subsidiário e de caráter complementar, condicionado às possibilidades de cada um dos obrigados”72. Sendo divisível, a obrigação não pode decair sobre apenas um daqueles que a lei elege como obrigados a prestar alimentos. Assim, todos os obrigados deverão concorrer na extensão de seus recursos, sob pena de apenas um dos obrigados suportar o ônus73. Nesse diapasão o art. 1.698 do Código Civil, entabula que: Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. Tentando explicar o dispositivo Rolf Madaleno alega que: “Em outras palavras, débito alimentar se divide em tantas partes quantos forem os alimentantes devedores, o que não significa dizer, com precisão, que cada um dos devedores deve atender uma mesma cota alimentar, mas deve sim acatar em conformidade com sua respectiva possibilidade”74. Essa disposição vem a respeitar a possibilidade financeira do devedor durante a prestação sem que isso gere óbice ao seu sustento ou de sua família. Ainda nessa linha de intelecção, insta frisar que pelo caráter divisível do dever de alimentar – caso o credor de alimentos intente a ação contra apenas um dos obrigados – corre 72 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 535. 73 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 878 74 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 878. 28 o risco da prestação jurisdicional condenar o obrigado a pagar a quota parte que sua saúde financeira permite75. A outro giro, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald tratando a respeito da formação de litisconsorte passivo na ação de alimentos elucidam que: “Essa convocação é positiva, ‘também para o alimentando, autor da ação’, pois será ampliado o objeto cognitivo da demanda, podendo resultar, no final, em um leque maior de possibilidades para o próprio beneficiário da pensão”76. Então, o caráter divisível importa, no “fracionamento” da obrigação com os demais obrigados, objetivando respeitar a possibilidade financeira de cada um deles, sem que isso lhes cause prejuízo. Entretanto, há uma conjectura prevista no art. 12 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003) que excepciona o caráter por ora discutido, transformando a obrigação divisível em solidária. Neste caso, caberá ao ancião a escolher de cobrar a pensão alimentícia. A respeito do tema Rolf Madaleno entabula que: A solidariedade convoca cada membro da comunidade familiar e importa na convergência de esforços individuais para responderem pelo bem-estar do outro, tendo como pressuposto que os alimentos do idoso têm caráter de urgente necessidade, e ao permitir que ele possa reclamar integralmente os alimentos de um só dos diversos devedores [...], quis o legislador criar uma exceção à norma geral da divisibilidade alimentar ao configurar como solidários os alimentos do idoso 77. Perfaz-se que o caráter divisível dos alimentos disposto no art. 1.698 do Código Civil consegue consubstanciar um equilíbrio, no qual o credor de alimentos conseguirá receber os valores pertinentes a exercer o direito à vida e os devedores pagarão na medida de sua possibilidade, sem que isso signifique prejuízo ao próprio sustento. 2.2.2.6 Irrepetibilidade A irrepetibilidade eleva-se a característica mais importante em matéria de alimentos quando se analisa a possibilidade de ajuizamento da ação de prestação de contas em pensão alimentícia, uma vez que não se permite que a verba já paga seja reembolsada. 75 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 878. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 803. 77 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 884. 76 29 Entende-se por irrepetível “a não autorização de repetir o despendido com alimentos, pois quem satisfaz a obrigação não desembolsa soma suscetível de reembolso”78. No mesmo sentido ensina Arnoldo Wald que os alimentos têm a necessidade de serem irrepetíveis “porque os alimentos, por sua natureza, são prestados para a subsistência do alimentando, presumindo-se, portanto, que são eles imediatamente consumidos”79. Com efeito, a irrestituibilidade tem por cerne salvaguardar a urgência que o necessitado tem em relação à verba, pois não conseguiria se manter se não fosse por meio dessa80. Além disso, presume-se que todo o valor entregue a ele, a título de alimentos, serve para suprir integralmente as necessidades básicas81. Malgrado o firme posicionamento de que os alimentos sejam irrepetíveis a prática tem demonstrado que em alguns casos tal preceito tem se revelado injusto, mormente, naqueles em que se haja a desnecessidade do credor em aferir os alimentos82. Seria injusto e estar-se-ia a prestigiar o enriquecimento sem causa, se o credor de alimentos agisse com dolo ou má-fé e escondesse sua desnecessidade em receber a verba, com o intuito de tirar proveito83. Sobre o tema enfocado traz-se à colação exemplificação de Yussef Said Cahali, o qual obtempera que: Não será, porém, de excluir-se eventual repetição de indébitos se, com a cessação ope legis da obrigação alimentar, a divorciada oculta dolosamente seu novo casamento, beneficiando-se ilicitamente das pensões que continuarem sendo pagas: com o novo casamento, a divorciada perde, automaticamente, o direito à pensão que vinha recebendo do ex-marido, sem necessidade de ação exoneratória; as pensões acaso recebidas a partir do novo casamento deixam de ter caráter alimentar e, resultando de omissão dolosa, sujeitam-se à repetição84. Nesse mesmo sentido reitera Maria Berenice Dias citando Rolf Madaleno: Em nome da irrepetibilidade, não é possível dar ensejo ao enriquecimento injustificado (art. 884 do Código Civil). É o que se vem chamando de relatividade da não restituição. Conforme Rolf Madaleno, soa sobremaneira injusto não restituir alimentos claramente indevidos, em notória infração ao princípio do não 78 TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 42 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 553. 79 WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de família. 18 ed. São Paulo: Saraiva 2013. p. 80. 80 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 541. 81 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 891. 82 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 892. 83 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 892. 84 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 107. 30 enriquecimento sem causa. A boa-fé é um princípio agasalhado pelo direito (art. 113 85 e 422 do Código Civil), a assegurar a repetição do indébito . Não se pode olvidar, pois, que o paradigma é a aplicação da irrepetibilidade nas relações alimentícias e que em casos excepcionais poder-se-ia mitigar essa aplicação para evitar a incorrência do enriquecimento sem causa – nos casos em que for devidamente comprovado. 2.2.2.7 Incompensabilidade A incompensabilidade é outra característica disposta no art. 1.707 do Código Civil, sendo que “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”. Tal razão assiste em virtude do caráter essencialmente alimentar que detém a verba, no sentido de garantir o direito à vida do credor de alimentos, que não pode por fruto de seu trabalho exercê-lo86. O escopo do referido caráter é evitar a extinção da obrigação através do instituto da compensação. Sendo assim, “o devedor deve pagar integralmente os alimentos fixados por provimento judicial provisório ou regular, e não pode deixar de cumprir seu dever com a desculpa de compensá-lo com outros créditos, ou por conta de dívidas do alimentado que foram pagas pelo devedor”87. Se não bastasse evitar a extinção da obrigação, a incompensabilidade também tem por objetivo evitar a violação do modo em que o devedor empregaria a verba. Seria altamente nocivo à preservação do direito à vida do alimentando se esse dependesse da analise subjetiva do devedor em verificar como seria gasto a verba, ou até mesmo a possibilidade de compensar a verba com outras coisas inúteis para a subsistência88. Sobre o tema, o Egrégio Sodalício Tribunal de Justiça de Santa Catarina já decidiu em caso análogo que: Segundo dispõe o art. 1.707 do Código Civil, são insuscetíveis de compensação os alimentos. Tal regra decorre da própria natureza da verba alimentar, que tem por precípua finalidade garantir a subsistência do alimentando. Evita-se, com isso, que 85 MADALENO apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. pp. 542-543. 86 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense,2013. p. 894. 87 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense,2013. p. 894. 88 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense,2013. p. 895. 31 seja o alimentando surpreendidos com abrutos cortes em seu orçamento, que reduziriam os recursos que dispõe para administrar sua vida e débitos em determinado período. Eventuais depósitos de valores em favor do alimentando que excederem o devido para o pagamento de pensão alimentícias em determinado mês devem ser considerados como mera liberalidades e não podem ser compensados com parcelas referentes às verbas alimentares de meses que estejam para vencer. Como bem ressalta Rolf Madaleno, "Admitir a compensação suporia deixar sem meios de vida o credor até a extinção da próprio dívida com o devedor de alimentos e, logicamente, não cumpriria a finalidade alimentar" (Curso de direito de família. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.896). 89 Logo, seria cristalino o desvio de finalidade caso fosse aceito a compensabilidade dos alimentos. Todavia, esse caráter não deve ser encarado com algo imutável, pois “em certos casos, com o propósito de evitar o enriquecimento sem causa do credor que recebeu uma determinada parcela alimentícia a maior, é possível a compensação do valor pago indevidamente nas parcelas vincendas [...]”.90 2.2.2.8 Periodicidade, Atualidade e Futuridade Como a necessidade do alimentando não se exaure em curto lapso, revelou-se necessário criar um marco no qual o credor poderia adimplir a obrigação e o devedor pudesse ter a expectativa de recebê-la. Daí entende-se que são prestações periódicas91. Essa periodicidade tem a ver com a atualidade e futuridade da verba, pois quando arbitrada pelo juiz merece ser respeitada. Por atualidade, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald entendem que a pensão alimentícia deve ser fixada com a indicação de um critério de correção de valor, para que, consequentemente, mantenha seu caráter atual, evitando-se que o valor da verba fique obsoleto com o passar do tempo92. Com relação à futuridade, os mesmos autores entendem que a verba deve ser destinada ao futuro e presente, não se prestando a verba a garantir o passado do sujeito. 89 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2013.086900-2. Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato. Braço do Norte, 18 de feveiro de 2014. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000QJSD0000&nuSeqProcessoMv=null&ti poDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=6540489&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014. 90 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p. 807. 91 Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 538. 92 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p.790. 32 Atente-se aqui o fato de que os alimentos atrasados não se confundem com aqueles que não foram cobrados judicialmente93. Portanto, os alimentos devem ser prestados periodicamente, podendo ser de mês em mês ou outro tipo de lapso periódico. Devem ser fixados a partir de uma data para que possa haver a correção desse valor94. Superada a apresentação do instituto alimentos, serão discutidos na sequência os aspectos relativos à figura do procedimento especial de prestação de contas, especialmente no que se refere ao breve histórico da prestação de contas. Também será tratada a ação de prestação de contas analisando-se suas nuances, seu cabimento e, por fim, será trabalhada a dicotomia de obrigatoriedade e facultatividade da sua cumulação com repetição. 93 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito Civil: Direito das Famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2013. v. 6. p.790. 94 Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 538. 33 3 PRESTAÇÃO DE CONTAS No presente capítulo será abordada a espécie do procedimento especial de prestação de contas, mormente no que se refere ao breve histórico da prestação de contas, a conceituação e cabimento da ação de prestação de contas e por fim, será trabalhada a dicotomia entre obrigatoriedade e facultatividade da cumulação com a repetição de eventual débito encontrado na apresentação das contas. 3.1 HISTÓRICO A prestação de contas, como procedimento, é advinda do direito romano e germânico e à época possuía rito comum, ou seja, naquele tempo não havia especificidades no seu procedimento quando se pretendia a prestação de contas95. Após paulatina transformação jurídica, a prestação de contas passou a ter procedimento específico, depois da Idade Média, onde passou a ser disposta em estatutos legais, como por exemplo, o de Castiglione di Lago, datado de 157196. Tratando sobre a problemática do fato de a prestação de contas ser considerada um procedimento comum nas legislações alienígenas épicas, Antonio Carlos Marcato assevera que: “O direito comum deixava ao juiz certa margem de arbítrio para decidir se as contas estavam ou não prestadas, merecendo destaque as regras ditadas por Menocchio, destinadas a guiar o procedimento e as decisões judiciais”97. Sendo assim, continua tecer o autor que essas regras foram fundamentais para a criação da Ordenança de 1667, donde se reservou um título especial para o processo de prestação de contas, a qual mais tardar foi acoplado ao Código Civil de Napoleão98. No direito pátrio, através das Ordenações, havia a praxe de pedir contas pelo processo de preceito cominatório, o qual mais tardar foi acoplado ao Código de Processo Civil de 193999. Hodiernamente, a ação de prestação de contas está disposta no livro de procedimentos especiais do Código de Processo Civil brasileiro e objetiva a apresentação de 95 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135. MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135. 97 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135. 98 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 135. 99 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 136. 96 34 contas em juízo de pessoas que tenha confiado a administração de um bem, interesse ou direito a outrem. 3.2 AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS A ação de prestação de contas assume um papel instrumental extremamente importante para as relações jurídicas que derivam da lei ou de contrato e que se consubstanciam na administração de bens, valores e interesses feitos por alguém que não seja o titular desses100. Tal medida garante ao titular a ciência do modo em que estão sendo geridos seus bens pelo administrador. Por isso, afirma-se que o grande escopo da aludida ação é “liquidar dito relacionamento jurídico existente entre as partes no seu aspecto econômico, de tal modo que se determine com exatidão a existência ou não de um saldo, fixando, no caso positivo, o seu montante, com efeito de condenação judicial”101 em detrimento da parte considerada devedora. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou acerca do que seja a prestação de contas: I - A ação de prestação de contas consubstancia a medida judicial adequada para aquele que, considerando possuir crédito decorrente da relação jurídica consistente na gestão de bens, negócios ou interesses alheios, a qualquer título, para sua efetivação, necessite, antes, demonstrar cabalmente a existência da referida relação de gestão de interesses alheios, bem como a existência de um saldo (como visto, a partir do detalhamento das receitas e despesas), vinculado, diretamente, à referida relação; II - In casu, nos termos exarados, ainda que se possa reconhecer, pelos elementos constantes dos autos, a existência de gestão de bens alheios pelos réus, em razão de outorga de mandatos (escrito e verbal), é certo inexistir qualquer vinculação entre os valores transferidos a um dos réus (bem como a um terceiro, estranho à lide, ressalte-se) aos mandatos referidos, ilação que somente poderá ser reconhecida na ação própria, qual seja, a ação de prestação de contas; [...]102 100 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1065257, Bernabe Santiago Estefania Sunnah e outro e Fernanda M. S. Figueiredo e outros. Relator: Ministro Massami Uyeda. Rio de Janeiro, 20 de abril de 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=961423&sReg=200801271729&sData=201 00514&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014. 101 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 81. 102 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1065257, Bernabe Santiago Estefania Sunnah e outro e Fernanda M. S. Figueiredo e outros. Relator: Ministro Massami Uyeda. Rio de Janeiro, 20 de abril de 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=961423&sReg=200801271729&sData=201 00514&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014. 35 Outrossim, a mero título de reforço argumentativo, conclui-se que o sujeito ativo processual desse procedimento pode ser tanto aqueles querem que “sejam prestadas as contas devidas em razão de uma determinada relação de direito material” 103 quanto aqueles que estiverem obrigados a prestar as contas. Nota-se também, que o conceito de prestação de contas engloba outro importante preceito de direito processual, qual seja a “res in inducium deducta”, a coisa deduzida em juízo. É dela que nasce a análise da existência ou não de uma relação de direito material abstrata, a qual passa anteriormente, pela afiguração da causa de pedir e também pela legitimação das partes104. Inexistindo a relação de direito material abstrata na ação de exigir contas – a qual será examinada adiante – a medida que deve ser tomada pelo magistrado é o indeferimento da inicial105. Por outro lado, o próprio procedimento permite que essa etapa de verificação da relação jurídica de direito material seja presumida, no caso em que o obrigado a prestar contas vem a juízo cumprir o seu papel. Outra peculiaridade que se faz mister apontar para um correto entendimento da prestação de contas é o fato de ser considerada uma ação dúplice, donde “ambas as partes da relação material podem assumir posição de autor e ou de réu e, por isso mesmo, a tutela jurisdicional pode ser prestada em favor de qualquer um deles”106. Aclarando sobre a natureza dúplice da ação, tem-se que a apuração de existência de saldo não está atrelada diretamente a relação processual entre autor ou réu, ou seja, deverá ser averiguada a existência de débito, seja por parte do autor ou do réu podendo, inclusive ser criado um título executivo judicial em favor do réu107. Com o escopo de ilustrar o tema da ação dúplice traz-se a colação o excerto doutrinário de Frédie Didier Júnior o qual leciona que: 103 FELIX, Vanessa de Oliveira Cavalieri. Ação de prestação de contas. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/10/processocivil_292.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2014 104 FELIX, Vanessa de Oliveira Cavalieri. Ação de prestação de contas. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/10/processocivil_292.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2014 105 FELIX, Vanessa de Oliveira Cavalieri. Ação de prestação de contas. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/10/processocivil_292.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2014 106 FELIX, Vanessa de Oliveira Cavalieri. Ação de prestação de contas. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/10/processocivil_292.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2014 107 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 11ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2009. v. 1. p. 210. 36 As ações dúplices são as ações (pretensões de direito material) em que a condição dos litigantes é a mesma, não se podendo falar em autor e réu, pois ambos assumem concomitantemente as duas posições. Esta situação decorre da pretensão deduzida em juízo. A discussão judicial propiciará o bem da vida a uma das partes, independentemente de suas posições processuais. A simples defesa do réu implica exercício de pretensão; não formula pedido o réu, pois a sua pretensão já se encontra inserida no objeto de uma equipe com a formulação do autor. É como uma luta em cabo de guerra: a defesa de uma equipe já é, ao mesmo tempo, também o seu ataque. São exemplos: a) as ações declaratórias; b) as ações divisórias; c) as ações de acertamento, como a prestação de contas e oferta de alimentos108. Portanto, a persecução do débito que ocorre na prestação de contas pode atingir tanto o administrador quanto aquele que dispõe deu seus bens e interesses à administração. No caso de eventual saldo será formulado título judicial executivo a ser executado por aquele for considerado credor. 3.2.1 Cabimento O procedimento de prestação de contas afigura-se no livro de procedimentos especiais – mais especificadamente no art. 914 ao art. 919 do Código de Processo Civil – e, ao teor do que já fora exposto, competirá ajuizá-la aquele que se julgar no direito de exigi-las ou ainda aquele que terá obrigação de prestar contas, seja em virtude de vinculo contratual ou legal. De fato, revela-se que o art. 914 do CPC caracteriza esse procedimento como um caminho de mão dupla, uma vez que a iniciativa da propositura da ação pode se dar por meio daquele que tem direito de exigir as contas, como em função daquele que tem obrigação de prestá-las. O âmago do referido procedimento é a sua “[...] destinação específica de compor litígios em que a pretensão, no fundo, se volte para o esclarecimento de certas situações resultantes no geral da administração de bens alheios”109. Verifica-se que o que dá azo a sua propositura é a simples pretensão de se ter as contas prestadas, decorrente de uma administração de interesse, bem ou direito, pouco importando a motivação que se levou a propor da ação. Ou seja, o eventual débito é 108 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 11ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2009. v. 1. p. 210. 109 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 83. 37 considerado mera consequência da análise da prestação e não pode ser confundido com a causa de pedir principal110. Indo ao encontro disso, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart afirmam que “não há a necessidade de que o autor da demanda invoque algum suposto crédito existente ou desfalque efetuado pelo requerido. Basta que ostente o direito a ter as contas prestadas, para que a demanda seja procedente”111. Contudo, esse não revelou ser o mesmo entendimento de Ugo Rocco citado por Humberto Theodoro Júnior, o qual pugna que a função precípua da prestação de contas é a condenação ao pagamento do débito da parte que deu causa, seja essa a parte autora ou a ré, para se lograr êxito com o acertamento de contas112. Portanto, de modo geral, será cabível a ação de prestação de contas nos casos que envolvam “o puro levantamento de débitos e créditos gerados durante a gestação de bens e negócios alheios”113. As relações jurídicas que legitimam a propositura da aludida, devem ser vistas de forma ampla permitindo que seja aplicada a sua específica finalidade. Porém, a legislação traz alguns casos em que se pode utilizar do procedimento, por exemplo, no Código Civil tem-se: o sucessor provisório do ausente que não seja descendente, ascendente ou cônjuge (art. 33, “caput”); o mandatário (art. 668); os administradores nas sociedades em geral (art. 1.020); o síndico do condomínio (art. 1.348, VIII); os tutores (art. 1.755) e os curadores (art. 1.781)114. 3.2.2 Ação de exigir contas Passados os conceitos introdutórios, foca-se na análise do procedimento em si, começando através da ação de exigir contas, a qual se refere o art. 914, I do CPC e que também é denominada por Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Arenhart como “prestação de contas ativa”. 110 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 82. 111 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 82. 112 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 81. 113 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p.85. 114 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimentos especiais do Código de Processo Civil. Juizados Especiais, tomo II. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2. p. 60. 38 Nas causas em que o autor exige a prestação de contas haverão duas fases, sendo que a primeira cinge-se a condenação do réu em prestá-las e a segunda, em apurar suposto débito decorrente da relação jurídico-econômica entre as partes. Corroborando a explanação, Humberto Theodoro Júnior leciona que nesse momento: [...] se traça um procedimento composto de duas fases, com objetivos bem distintos: na primeira busca-se apurar se existe ou não a obrigação de prestar contas que o autor atribui ao réu; na segunda, que se pressupõe solução positiva no julgamento da primeira, desenvolvem-se as operações de exame das diversas parcelas das contas, com o fito de alcançar-se o saldo final do relacionamento econômico discutido entre as partes115. O procedimento em questão, agasalhado pelo art. 915 do CPC e seus parágrafos, inicia através da angularização da relação processual com a citação válida do réu, o qual no prazo de cinco dias deverá apresentar as contas e/ou contestar a ação. Desse modo, a primeira fase do procedimento é instaurada e passará analisar a existência ou não de uma relação jurídica entre autor e réu, para que por conseguinte o juiz condene o réu a apresentar as contas. Frisa-se que essa fase foca “exclusivamente na existência ou não do direito a exigir essas contas, sem que seja necessário que se invoque alguma desconfiança sobre o trabalho exercido pelo administrador ou algum saldo supostamente existente em razão da atuação deste”116. Ou seja, “basta que ele identifique a obrigação de onde se origina o dever de prestar contas para que se tenha como suficiente a indicação da causa de pedir”117. Contudo, quando citado, o réu poderá se posicionar de cinco maneiras, sendo três delas previstas pela legislação processual. a) Prestar as contas solicitadas pelo autor. Tal medida está disposta no §1º do art. 915 e prevê que em caso de apresentação das contas por parte do réu assim que for citado, o autor, caso queira, terá cinco dias para se manifestar acerca do que fora acostado pela parte adversa. 115 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 92. 116 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p.83 117 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p.83 39 Cassio Scarpinella Bueno acrescenta o fato que caso haja necessidade de produção de provas, o juiz poderá determinar a produção de prova ou ainda designar audiência de instrução e julgamento para a colheita de prova oral118. Ademais, seguindo essa linha de raciocínio, não havendo a necessidade de produção de provas o juiz deverá julgar antecipadamente o feito, nos termos do art. 330 do Código de Processo Civil. b) De acordo com o art. 915, §2º o réu poderia se manter silente – o que acarretaria os efeitos da revelia – e, consequentemente ensejaria ao magistrado – nos moldes do art. 330 do CPC – julgar antecipadamente a lide para condenar o réu a prestar as contas solicitadas em um prazo de 48 horas, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar, ou ainda: c) Apresentar as contas dentro do prazo de 48 horas e com isso o feito prosseguiria para o seu deslinde, como opção possível decorrente do caso do item b. d) O réu poderia apresentar as contas e contestar o feito, mais precisamente o seu conteúdo. Com isso, o réu traria ao debate processual o seu descontentamento com o fato de o autor ter recusado que as contas fossem apresentadas extrajudicialmente. Dessa forma, pleitearia a aprovação de suas contas e a condenação do autor ao pagamento de honorários e sucumbência119. Essa é uma alternativa proposta por Adroaldo Furtado Fabrício – o qual fora citado por Humberto Theodoro Junior – que prevê além do diploma legal o fato de o réu poder contestar o feito como forma de evitar a condenação ao pagamento dos encargos sucumbênciais120. Por fim, e) como subespécie daquilo previsto pelo §2ª, o réu poderia contestar a ação sem impugnação da obrigação de prestar contas, o que ensejaria o julgamento antecipado e o oportuno afastamento das preliminares aventadas por ele121. Com efeito, conforme prevê Luiz Guilherme Marinoni e Ségio Arenhart, o réu poderá apresentar defesa e não prestar contas, o que faria com o que o procedimento especial de prestação de contas assumisse o rito ordinário, “de modo que, diante da controvérsia 118 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimentos especiais do Código de Processo Civil. Juizados Especiais, tomo II. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2. p.61 119 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p.93. 120 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 93. 121 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 93. 40 instalada, seguirá para a fase instrutória e, posteriormente, decisória, em que o juiz avaliará a existência ou não de motivos para a recusa na prestação das contas”122. Superado esses possíveis atos, o procedimento poderá, em caso de acolhimento da pretensão do autor, seguir para a segunda fase, donde o processo focará na examinação das contas apresentadas, podendo ou não a vir apurar algum débito. 3.2.3 Ação de dar contas Sob a ótica do que expõe o inciso II do art. 914 do CPC, não há motivo para se dividir este procedimento em duas fases. O ajuizamento da ação de prestação de contas por parte daquele que é obrigado a prestá-las traz à tona o liame existente entre as partes, restando cristalino a existência da relação jurídica, donde o autor é administrador de um interesse, direito ou bem do réu. De fato, “essa ação se inicia com a exibição das contas elaboradas pelo autor, seguida da convocação do credor para aceitá-las”123 sendo, portanto, desnecessária a cognição judicial sobre a existência de relação jurídica entre os sujeitos processuais. Nesse sentido, traz-se a colação excerto doutrinário de Antonio Carlos Marcato, o qual disserta sobre o tema: Diferentemente do procedimento de exigir contas, que comporta as duas fases distintas já examinadas, o rito da ação sob exame apresenta unidade estrutural, dispensando a decisão que condena o réu a prestar contas (art. 915, §2º, parte final), pois estas são apresentadas pelo próprio autor na petição inicial 124. Logo, a ação de dar contas – ou prestação de contas passiva – assume outros contornos em relação à de exigir contas, pois não há a necessidade de se condenar o administrador do bem, interesse ou direito a prestar contas. Caberá ao autor da ação, no procedimento em análise, requerer a citação do réu para no prazo de cinco dias aceitar as contas acostadas e/ou contestar a ação, conforme a inteligência do art. 916, “caput” do Código de Processo Civil. Citado, o réu poderá tomar certas providências, sendo as quais: 122 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 84. 123 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 82. 124 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 142. 41 a) Se não contestar a ação ensejará o julgamento antecipado do feito (art. 330, II c/c art. 916, § 1º), presumindo-se como verdadeiro (art. 319 do CPC) as contas apresentadas pelo o obrigado. Importante ressalvar que o efeito da revelia não merece ser confundido com o da aceitação expressa das contas, isto pois, “embora havendo como verdadeiros os fatos narrados pelo autor, pode ocorrer que os efeitos desses mesmos fatos não sejam, no plano jurídico, aqueles que a parte pretendeu extrair”125. b) O réu aceita expressamente as contas apresentadas pelo autor, hipótese em que a lide deverá ser julgada pelo juiz em prazo de dez dias, “pois caracterizado o reconhecimento da procedência do pedido, a ensejar a extinção do processo com resolução de mérito (art. 269, I, c/c art. 916 §1º)”126. c) O réu poderá contestar a ação. Esse ato importa no inconformismo do réu quanto ao fato de o autor ajuizar a medida judicial para prestar contas, ou ainda seu desapontamento com relação aos vícios advindos do próprio procedimento127. De fato, o réu não impugna as contas, mas sim a ação em si. d) Poderá impugnar as contas. Nesse caso o réu discorda das contas prestadas e vai discuti-las em juízo, podendo essa impugnação ser parcial ou total. A impugnação deverá ser feita de modo específico, atacando aquilo que o réu entende como errôneo, sendo que a mera impugnação geral não importa no reconhecimento de uma contestação válida128. Não obstante, o réu poderá impugnar – segundo Antonio Carlos Marcato – no que tange ao seu conteúdo ou forma129. Segundo o mesmo autor, caso essa medida se limite a atacar o conteúdo das contas, cabe à parte apresentar suas próprias contas130. Todavia, limitando-se a atacá-las em seu aspecto meramente formal, o juiz fixará prazo para que se corrijam os defeitos existentes. Não se fazendo mister a extinção do processo sem resolução de mérito, porquanto trata-se de nulidade relativa. 125 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 101. 126 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 143. 127 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 87. 128 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 100. 129 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 144. 130 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 144. 42 Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Arenhart afirmam que a contestação do feito e a impugnação das contas por conta por parte do réu que um instituto não se confunde com o outro, isto pois, a impugnação tende a recair tão somente com relação aos cálculos apresentados, enquanto a defesa propriamente dita opera os mesmos efeitos de uma contestação apresentada sob o rito ordinário, donde enfocará na conduta do autor em ajuizar a medida judicial, ou ainda nos vícios intrínsecos do procedimento131. Independentemente de qual ato o réu venha a tomar, o procedimento irá seguir até a apuração de eventual débito, o qual poderá recair tanto sobre o autor quanto o réu, tendo em vista o caráter dúplice inerente a ação. 3.2.4 Forma de apresentação das contas O Código de Processo Civil é claro através de seu art. 917, que as contas serão apresentadas sob a forma mercantil, onde se especificará as receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo, além da instrução das contas com os referidos documentos justificativos. Sobre a forma mercantil explicita Humberto Theodoro Júnior que: Essa forma mercantil ou contábil exige a organização das diversas parcelas que compõem as contas em colunas distintas para débito e crédito, fazendo-se todo o lançamento por meio de histórico que indique e esclareça a origem de todos os recebimentos e o destino de todos os pagamentos. Outro dado importante é a sequência cronológica dos dados lançados132. Nessa linha de intelecção, as irregularidades formais da organização das contas não são aptas a gerar nulidades no processo e competirá ao magistrado ordenar o saneamento de eventuais disparidades formais ou diligências necessárias para o efetivo levantamento de possível débito133. A outro giro, Cassio Scarpinella Bueno traz à baila entendimento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que: “As contas apresentadas de forma não mercantil podem ser 131 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. pp. 86-87. 132 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 90. 133 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 90. 43 consideradas diante da apresentação de justificativa pela parte e da possibilidade de realização de perícia contábil”134. Em outra oportunidade mais recente, o STJ também se manifestou nesse sentido, através do voto do Ministro João Otávio de Noronha: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADA. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. NECESSIDADE DE FORMA MERCANTIL. AUSÊNCIA DE RIGOR. APRESENTAÇÃO DE CONTAS DE MANEIRA INTELIGÍVEL. HARMONIZAÇÃO COM A CONCEPÇÃO FINALÍSTICA DO PROCESSO. 1. A apresentação de contas em forma mercantil é uma necessidade do processo, uma vez que o exame, a discussão e o julgamento devem ser facilitados para os sujeitos processuais. 2. As contas apresentadas de forma não mercantil podem ser consideradas se forem apresentadas de maneira clara e inteligível de forma a atingir as finalidades do processo. Deverão, portanto, ser aproveitadas e julgadas, após confrontadas com as impugnações da parte adversa. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.135 Sendo assim, em que pese a necessidade de apresentação da planilha de contas, de forma mercantil, nada obsta que as contas sejam demonstradas de outra forma, mesmo que não obedeça o art. 917 do CPC. Sobre o tema colhe-se excerto do voto lavrado pelo Ministro João Otávio de Noronha: Se as contas são apresentadas por outra forma que não a mercantil, mas de modo inteligível e que apresentem os dados necessários, não podem ser simplesmente desconsideradas, com a devolução ao autor do direito de prestá-las e a presunção de sua veracidade. Situações assim podem ensejar, eventualmente, a distorção ou exagero de parcelas, e inclusive a criação, em tese, de crédito em favor de quem não o possui. Há sempre que se buscar solução que se harmoniza com a concepção finalística do processo. Se o ato possui aptidão para expor as contas exigidas, levando o julgador a exame seguro do seu conteúdo, deve ser aproveitado; se não possui, é possível a determinação de diligências complementares para que as deficiências sejam supridas de modo a possibilitar a conclusão segura acerca das contas expostas. Assim, a ausência da forma contábil pode ser suprida, desde que tenha havido apresentação de contas e justificada a razão por não apresentarem forma mercantil136. 134 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimentos especiais do Código de Processo Civil. Juizados Especiais, tomo II. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2. p. 63 135 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1344102, Denice Viel e Gisele Teixeira de Moraes e outros.Relator: Ministro João Otávio de Noronha. São Paulo, 17 de setembro de 2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1264352&sReg=201201934504&sData=20 130923&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014. 136 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1344102, Denice Viel e Gisele Teixeira de Moraes e outros.Relator: Ministro João Otávio de Noronha. São Paulo, 17 de setembro de 2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1264352&sReg=201201934504&sData=20 130923&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014, p. 3 44 Trilhando o mesmo caminho do entendimento judicial, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini afirmam que “caso não seja possível a forma mercantil, poderão ser aceitas as contas prestadas de outro modo, desde que alcancem sua finalidade, ou seja, a exata demonstração da administração dos bens”137. Portanto, caso os documentos acostados aos autos – mesmo que desrespeitem a formalidade do art. 917 do CPC – sejam capazes de garantir o supedâneo cognitivo por parte do magistrado, devem ser utilizados como objeto de apuração de eventual débito. De fato, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald citando Humberto Theodoro Júnior, ao tratarem sobre o cabimento da ação de prestação de contas, obtemperaram que é possível a apresentação de um balanço de despesas, ainda que não fosse contábil. Senão veja-se: A ação de prestação de contas consiste no relacionamento e na documentação comprobatória de todas as receitas e de todas as despesas referentes a uma administração de bens, valores ou interesses de outrem. Portanto, segue lecionando o referido autor, é cabível o seu manejo sempre que uma pessoa mantiver com outra uma relação jurídica através da qual seja necessária a apresentação de um balanço de despesas (descritivo, ainda que não contábil, quando não for possível apresentar as 138 contas dessa maneira) . Apresentada a planilha de despesa por forma mercantil ou diante de sua impossibilidade de forma descritiva o juiz irá apurar suposto débito para então declarar o saldo em sentença, o qual poderá posteriormente ser cobrado em execução forçada, de acordo com o que dispõe o art. 918 do CPC. Tem-se aí a criação de um título executivo judicial, que poderá servir como pressuposto para o cumprimento de sentença com base no art. 475-J do Código de Processo Civil. Importantíssimo ressaltar que essa apuração de débito poderá atingir tanto o autor da ação quanto ao réu, ou seja, “a cobrança do saldo credor, hipótese expressamente prevista no art. 918, peculiariza, de sua parte, a ação de prestação de contas. O réu sem pedido seu, pode vir a ter reconhecido um direito em seu favor”139, afigurando-se o caráter dúplice da ação, o qual já fora previamente dissertado. 137 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, volume 3: processo cautelar e procedimentos especiais. 11 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2011. p. 257. 138 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.Curso de direito civil: direito das famílias. 4 ed. Salvador: JusPODIVM, 2012. v. 6 p. 891. 139 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimentos especiais do Código de Processo Civil. Juizados Especiais, tomo II. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2. p. 60. 45 Outro fato que se faz mister salientar, tendo como base o art. 917 do CPC, é que as contas, seja qual for o meio que fora apresentada – mercantil ou descritivo – deverão ser “instruídas com os documentos justificativos”. Por documentos justificativos leia-se provas das contas. Isso não impede, todavia, que a prova seja colhida durante o processo. Destarte, o legislador quis determinar o momento correto da produção da prova documental pelo prestador de contas, e não limitá-lo a ser produzido antes do processo140. Outrossim, para Humberto Theodoro Júnior, “a parte deverá, seguir as regras do procedimento próprio da prova por documentos, e especialmente deverá cuidar para que seus elementos de prova escrita sejam produzidos juntamente com as contas”141. O dispositivo não poderá ser óbice para a apresentação das contas, que não estiverem acompanhadas da prova documental, até porque é previsto nos art. 915, §§1º e 3º, bem como art. 916, § 2º do CPC, a possibilidade da parte se utilizar da perícia contábil como forma de comprovação das contas142. Portanto, a apresentação das contas seja por balanço mercantil ou descritivo deverá ser instruída com a respectiva prova. Porém, nada impede que as contas possam ser objeto de perícia contábil. 3.3 CUMULAÇÃO COM REPETIÇÃO COMO FATOR FACULTATIVO Para a discussão da problemática vertente é necessário recapitular o escopo mor desse procedimento, que é a prestação de contas analisada em juízo. Sendo assim, nota-se que “a ação de prestação de contas é uma ação especial de conhecimento com predominante função condenatória, porque a meta última de sua sentença é dotar aquele que a se reconhecer a qualidade de credor, segundo o saldo final do balanço aprovado em juízo[...]”143. Embora a lição supra de Humberto Theodoro Júnior afirme que a função precípua da ação de prestação de contas como um todo é a apuração de eventual débito, a melhor alternativa parece ser outra, tendo em vista que essa apuração é mera consequência da má 140 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 91. 141 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 91. 142 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 91. 143 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 83. 46 administração ou ainda de uma inadimplência do dono dos objetos administrados, o que revela que antes de qualquer coisa, a prestação jurisdicional passa pela análise da relação jurídica econômica entre as partes, exclusivamente ao acertamento de contas. É nesse sentido que explana Ernani Fidélis dos Santos: Na prestação de contas, o objetivo é o acertamento, sem importar com o resultado. Poderá até ocorrer que aquele que pede contas ou aquele que pretende prestá-las, a final, tenha contra si saldo devedor, não importa. O objetivo que limita e caracteriza a lide, é a prestação de contas. O interesse do autor poderá também se revelar no simples fato de uma das partes não ter aceitado as contas extrajudicialmente prestadas pela outra. Prestadas as contas, por exemplo, fora das vias judiciais a parte contrária impugna. A pretensão deverá ser deduzida em juízo para a solução144. Ademais, seguindo a mesma linha, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart afirmam que a legitimidade do autor em ter as contas prestadas se dá pelo fato de apenas querê-las, não havendo o porquê se invocar algum suposto crédito da má administração.145 O mesmo ocorre com relação a ação de dar contas, donde o autor da ação tem como objetivo apresentar as contas em juízo. Pois caso contrário ajuizar-se-ia ação de cobrança em virtude da inadimplência do réu. Com isso, delimita-se o cerne desse procedimento, que é a prestação de contas judicial e meramente ela. Surge aí, a possibilidade de durante o aludido procedimento ficar cristalina a má administração dos valores destinados ao menor incapaz e com isso a prestação jurisdicional declarar, apenas a incorreta aplicação dos valores, sem que isso esbarre na inviável restituição dos valores. Para aclarar de forma eficaz esse questionamento devem-se destacar dois dos elementos da ação, os quais estão intimamente ligados a possibilidade de afiguração dessa hipótese. Sendo assim, verifica-se se a causa de pedir está de acordo com aquilo que a parte almeja e com o que o procedimento dita. Além disso, a análise tem que englobar o pedido do autor, que deverá estar adstrito a causa de pedir para que não haja inépcia da inicial. Tratando sobre a causa de pedir Araken de Assis diz: 144 SANTOS, Ernani Fidélis. Manual de Direito Processual civil: procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 11 ed. São Paulo: Saraiva. v. 3. p. 36. 145 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Procedimentos especiais. 3 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p. 82. 47 Dentre os elementos individualizadores da ação material, a causa de pedir constitui o mais delicado e problemático. Paradoxalmente, à primeira vista, se afigura ideia razoável de clareza, porque a própria designação expressa o título, a razão da demanda. Na demanda, além de invocar a prestação jurisdicional do Estado, o autor afirma o motivo pelo qual almeja o bem da vida perante o adversário, que somente se viabiliza através da tutela estatal. Neste motivo “pulsa” a causa de pedir 146. Por isso, é importante ressaltar as duas teorias que estão ligadas a esse instituto e que por via das vezes podem implicar em diferentes consequências práticas e são elas: a teoria da individualização e da substancialização147. Por teoria da individualização entende-se que a causa de pedir se consubstancia na simples “identificação, na inicial, da relação jurídica da qual autor extrai certa consequência jurídica”148. Sendo assim, de acordo com essa teoria, o autor deverá cingir-se a identificar o “fundamento da pretensão exercida” que, nas palavras de Schönke citado por Araken de Assis, não se confunde necessariamente com os motivos pelos quais levou o autor a ajuizar a demanda, mas a pretensão jurídica que se baseia a relação jurídica149. Já na teoria adversa da substancialização não basta que o autor indique a relação jurídica. Deverá o autor, fundamentar a demanda com todos os fatos que cercam sua pretensão150.. Sendo assim, indo ao encontro do art. 282, III do Código de Processo Civil, essa teoria é admitida em nosso ordenamento, tendo em vista que na inicial o autor deverá apresentar e explicar os “fatos e os fundamentos jurídicos do pedido”. Reforçando isso, Araken de Assis leciona que: Nesta teoria, portanto, a indicação completa dos fatos se afigura fundamental para particularizar a ação. De conseguinte, a narração de mais de um fato, suficiente de per si para originar o efeito jurídico consubstanciado no pedido, implica a existência de pluralidade de ações151. Logo, as duas teorias demonstram a mesma realidade sob enfoques jurídicos distintos. Enquanto uma fixa-se sobre o suporte fático (substancialização), a outra se fixa nos efeitos correspondentes (individualização)152. 146 ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 135. ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 135. 148 ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 136. 149 ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 136. 150 ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 139. 151 ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 139. 152 ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 139. 147 48 Dissertando ainda sobre a causa de pedir Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart lecionam que é possível o autor trazer na inicial mais de uma causa de pedir, quando: são invocados fatos de igual estrutura, cuja repercussão se dá na esfera jurídica da mesma pessoa; também são invocados fatos de uma mesma estrutura, só que os efeitos se rechicoteiam em esferas jurídicas distintas; e por fim são invocados fatos de estrutura diferente, a qual a mesma causa de pedir pode ser fundamentada em mais de um fato jurídico153. Mesmo que a causa de pedir englobe os fatos jurídicos, esse não é o seu único elemento. Há outros, como o fundamento legal e o fundamento jurídico. Por fundamento legal entende-se como “nomem iuris”, utilizado pelo autor como título da ação. Nesse caso, resta consolidado através da jurisprudência do STJ que essa rotulação é irrelevante, e atende apenas as questões de ordem prática154. Por fatos jurídicos são nada mais do que os acontecimentos que geraram a pretensão jurídica do autor, o qual deverá narrar o seu desencadeamento. Já por fundamento jurídico, entende-se como elemento que caminha concomitantemente com a indicação dos fatos e que esteja ligado aos pedidos do autor. Se afastando disso, o autor correria o risco de ter sua inicial tida como inepta, nos termos do art. 295, parágrafo único, II do CPC155. Depreende-se através do exposto, que a causa de pedir, como um todo, deve estar minimamente ligada com a conclusão que venha se ter da exordial. Logo, a causa de pedir deve estar coadunada com os pedidos do autor. Juntamente com a causa de pedir, o pedido assume grande importância quando se descobre um débito na prestação de contas. Isso se explica pelo fato de o magistrado ficar adstrito ao provimento judicial solicitado pelo autor na exordial. Ou seja, o juiz só pode condenar a parte à restituição do débito, caso haja pedido expresso nesse sentido. Sobre o pedido, melhor explicando, conceitua-se como “ato pelo qual o autor formula a ação material que o juiz efetivará, no caso de procedência, em face do réu. Ele declinará todas as consequências decorrentes do direito material pretendidas pelo autor”156. 153 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 75. 154 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.193.892, Maria Rita Capone e Distrito Federal. Relator: Ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva, Distrito Federal, 06 de fevereiro de 2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1294802&sReg=200900930030&sData=20 140224&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014 155 ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 149. 156 ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 154. 49 O pedido poderá ser estudado pela sua acepção imediata, que tem a ver com a medida judicial solicitada ao magistrado. Essa medida é aquela que o autor escolhe como mais adequada a garantir o bem da vida157. Por sua vez, o pedido mediato está relacionado com aquilo que o autor quer satisfazer como bem da vida, ou seja, aquilo que o autor pretende da medida judicial. A fim de elucidar, pedido imediato e mediato, Araken de Assis leciona que: O tipo de tutela revela claramente o agir privado, ou seja, aquilo que o cidadão realizaria pelas próprias forças e independentemente da vontade de outrem, a fim de impor o direito subjetivo contestado. E o bem da vida que, com esta ação se alcançaria, constitui o outro lado do pedido. Em última análise, o bem da vida constitui o objeto da prestação do direito subjetivo material 158. Transpassado essa distinção entende-se que o pedido imediato pode ser exteriorizado como pedido declaratório, constitutivo, condenatório, executivo lato sensu e mandamental. Uma vez que se tem por escopo a espécie da sentença a ser obtida.159 Essa postulação feita pela parte deve respeitar o nexo de causa e efeito, no que se trata à causa de pedir e superado isso. Superado isso, o juiz deverá proferir sentença, nos moldes em que o pedido foi postulado. Nesse sentido aduz o art. 460 do CPC que: “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado”. Esse dispositivo vem agasalhar um dos princípios marcantes do processo civil: o da congruência ou adstrição. Princípio esse, que deve ser respeitado pelo juiz, sob pena de se ter um julgamento extra, ultra ou ainda infrapetita160. Corroborando o dispositivo normativo alhures o art. 128 do CPC assim dispõe: “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”. Com efeito, em regra, o juiz é obrigado a ficar adstrito ao pedido do autor sob pena de romper a isonomia processual. Porém, há casos em que ele poderá decidir fora daquilo que fora postulado. Essas conjecturas estão dispostas no art. 461 do Código de 157 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p.76. 158 ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 155 159 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p.76. 160 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p.76. 50 Processo Civil 161 e no art. 84 do Código de Defesa do Consumidor162, onde o juiz está autorizado legalmente a “conceder a tutela específica ou o chamado ‘resultado prático equivalente ao do adimplemento’”163. Outrossim, reforçando a formalidade estabelecida pelo Código de Processo Civil acerca da congruência entre pedido e decisão judicial, o encarte legal ainda entabula no seu art. 293 que “os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais”. Pugnando aquilo que fora exposto, Antonio Carlos Marcato afirma que: Deve o juiz, em regra, julgar o pedido formulado pelo autor (art. 128 e 459, conjugados), pois a defesa do réu amplia apenas o âmbito de cognição do processo, não o de decisão. E na sentença o juiz limitar-se-á à apreciação e julgamento do pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o.164. Ao afirmar que a ação de prestação de contas esbarraria no caráter irrepetível dos alimentos, estar-se-ia a vislumbrar que há um pedido expresso para haver a restituição do débito. Porquanto, inexistindo pedido expresso não poderá o juiz de ofício assim proceder, sob pena violar o principio da isonomia processual. Sem sombras de dúvidas, a ação de prestação de contas não precisa inevitavelmente desaguar na repetição de saldo devedor, caso o pedido se limite a declarar a má administração. Outro fator que corrobora a hipótese alhures é a cotitularidade do poder familiar – concedida pelo art. 1589 do Código Civil – a qual garante a legitimidade para que o genitor não detentor da guarda exerça a sua pretensão fiscalizatória em juízo. É nessa esteira de pensamento que Yussef Said Cahali165 afirma que a ação de prestação de contas em alimentos é um procedimento de cunho cautelar, a qual se limita a declaração da má administração do guardião. Sendo o caso de desvio de finalidade das pensões, poder-se-ia ajuizar uma ação principal de mudança de guarda, revisão de pensão, entre outras. 161 Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994). (BRASIL, 1973). 162 Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento (BRASIL, 1990). 163 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. 9 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p.82. 164 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 137. 165 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002. p. 573. 51 Sob o tema enfocado aqui, cabe ressaltar o do excerto escrito por Yussef Said Cahali: A prestação de contas não tenha por finalidade a apuração de crédito ou débito, com vistas a uma eventual restituição ou execução forçada (do art. 918 do CPC), uma vez que, embora assim prestados por intermediação da genitora ou de terceiro, os alimentos são irrepetíveis; a pretensão, assim, terá natureza cautelar, esvaindo-se a ação cominatória em sua primeira fase (art. 915 do CPC), objetivando apenas a verificação e comprovação da exata e correta aplicação das pensões recebidas do autor166. Em decorrência do que fora discutido nesse capítulo, perfaz-se que a ação de prestação de contas é um procedimento especial que se consubstancia em ação de exigir contas – quando o obrigado a presta-las figura no polo passivo – e ação de dar contas – quando o obrigado a prestar contas é o autor da demanda. Não obstante, embasando-se no estudo da causa de pedir e do pedido, tem-se que a repetição de eventual débito possui um caráter facultativo, uma vez que somente o pedido do autor para tanto é que ensejará tal medida, caso contrário o juiz julgará a lide tão somente para a apresentação das contas e consequente análise judicial da aplicação dos valores. De fato, não há o que se falar em inépcia da inicial, diante da inexistência de pedido expresso no sentido de condenar o devedor a restituição dos valores. Isso porque, não incorreria em nenhuma das hipóteses do art. 295, parágrafo único do Código de Processo Civil, sendo que a demanda teria causa de pedir bem definida – a prestação das contas em juízo por falta de apresentação extrajudicial ou por não concordância das contas apresentadas – e pedido agasalhando a causa de pedir, no qual o pedido imediato visaria a apresentação de contas e o pedido mediato seria o acertamento das contas, sem se importar com o resultado. No próximo capítulo será debatida a problemática principal desse trabalho, qual seja a possibilidade ou não de o genitor não detentor da guarda ajuizar ação de prestação de contas com o intuito de fiscalizar a correta aplicação dos valores para o menor incapaz. Para o estudo do capítulo, será necessária a digressão sobre os argumentos favoráveis e desfavoráveis ao seu cabimento, assim como uma análise dos posicionamentos dos tribunais estudais e do Superior Tribunal de Justiça. 166 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 573. 52 4 PRESTAÇÃO DE CONTAS EM AÇÃO DE ALIMENTOS Este capítulo trará o enfoque da problemática do presente trabalho monográfio, sendo esse o cabimento ou não da ação de prestação de contas em pensão alimentícia. Para tanto, serão analisados os argumentos favoráveis e desfavoráveis ao manejo da ação fiscalizatória em alimentos, assim como os julgados dos Tribunais Estaduais pátrios e do Superior Tribunal de Justiça. Antes de adentrar, propriamente, à verificação da conjectura de manejo da ação de prestação de contas em pensão alimentícia, se faz necessário explicitar o cenário jurídico na qual a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consolidou no Direito de Família hodierno. Com o advento da Carta Magna optou-se por estabelecer a isonomia no que tange aos direitos e deveres oriundos da sociedade conjugal, os quais passaram a ser exercidos de modo igual pelo homem e pela mulher167. Sendo assim, as decisões que envolvam a sociedade conjugal – especialmente as que tratem sobre os filhos – são exercidas de forma igual pelo pai e pela mãe, na constância do casamento ou união estável. Dessa feita, os pais devem garantir aos filhos – por meio do exercício do poder familiar – o desenvolvimento sadio para uma vida digna. É nesse sentido que o art. 227 da CRFB afirma que compete à família da criança ou do adolescente assegurar-lhe os direitos fundamentais, de modo a garantir a sua proteção integral. Não obstante, caberá a família como um todo e, principalmente, aos pais assegurar os direitos fundamentais dos filhos, de modo que alcancem a proteção integral dos interesses inerentes a eles segundo estabelece o art. 229 da CRFB. Portanto, para aclarar os deveres referentes à proteção integral da criança, traz-se à colação a integra dos arts. 227, “caput” e 229 da CRFB: Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 167 Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] §5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.(BRASIL, 1988). 53 Com efeito, verifica-se que o poder familiar é atribuído de forma igual aos genitores com relação aos filhos, devendo zelar pelo melhor interesse dos filhos da forma mais efetiva. Conceito muito diferente daquele em que era imposto ao instituto na sua origem, no qual competia tão somente ao pai reger os interesses do filho. Ademais, como já visto, independentemente das circunstâncias que se encontrem os pais – desde que ainda detentores – esses estão aptos a exercer o poder familiar. Isso quer dizer que a não convivência dos pais não pode representar uma sanção – leia-se perda do poder familiar – ou até mesmo uma diminuição desse exercício para aquele que não tiver para si a guarda168. Sobre o poder de fiscalização do genitor que não detém a guarda lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: De fato, a não convivência dos pais não pode representar para aquele que não detiver a guarda uma sanção ou mesmo uma diminuição do exercício do pode familiar. Assim, o poder de fiscalização da manutenção e educação de filhos menores que estejam sob a guarda de outrem é de alto significado na ótica civil-constitucional169. Para corroborar essa afirmativa, basta a simples interpretação sistemática dos art. 1.589170, 1.630171, 1.632172, 1.634173 e 1.689174 do Código Civil à luz do que está disposto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. É em decorrência do dever de fiscalização, atribuído pelo poder familiar, que 168 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 889. 169 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 889. 170 Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. (BRASIL, 2002.) 171 Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. 172 Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos. (BRASIL, 2002). 173 Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 2002). 174 Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I - são usufrutuários dos bens dos filhos; II - têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade. 54 surgiu o hodierno conflito forense acerca do interesse do genitor prestador de alimentos em fiscalizar a correta aplicação dos valores em benefício do seu filho-alimentando, o qual se encontra sob a guarda doutro genitor a quem lhe atribuído o dever de administração dos valores175. Outro ponto discutido é o fato de essa fiscalização se dar através do procedimento especial de prestação de contas, regulado pelos art. 914 a 919 do Código de Processo Civil, o qual prevê a restituição de eventual débito que esbarraria na irrepetibilidade inerentes aos alimentos176. Transpassada essa apresentação inicial, indubitavelmente diversas motivações levam a discussão sobre a prestação de contas dos alimentos a juízo, seja pelo receio de malversação do emprego dos valores do detentor da guarda para com o alimentando ou pelo ônus suportado pelo alimentante para sua capacidade financeira, a qual seria prejudicada para a mantença de despesas supérfluas e que não dizem respeito a proteção integral do filho177. De todo modo esse debate se faz importante, porquanto visa a consubstanciação do exercício da proteção integral constitucional do menor, da dignidade do alimentante em fiscalizar a vida do filho e da possibilidade de posteriormente, em ação própria, buscar a revisão dos valores pagos por ele a maior, se for o caso178. Portanto, do que fora exposto, urge analisar como a doutrina pátria e a jurisprudência vêm se manifestando acerca da viabilidade de se utilizar o procedimento especial de prestação de contas para alcançar a declaração da correta aplicação dos valores em prol do menor. O estudo da viabilidade da pretensão será – a mero título de elucidação e didática – dividido entre argumentos favoráveis e desfavoráveis. 4.1 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS AO SEU CABIMENTO Aos que pugnam pela inviabilidade de se solicitar em juízo a apresentação das contas – por meio do procedimento especial outrora estudado – fundamentam-se pela falta de interesse de agir do alimentante em discutir a aplicação de uma verba, a qual já saiu da esfera 175 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 886. 176 WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de família. 18 ed. São Paulo: Saraiva 2013. p. 80. 177 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 886. 178 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. pp. 890-891. 55 patrimonial do alimentante e entrou na do filho. Ademais, defendem pela inviabilidade da utilização da prestação de contas, uma vez que o procedimento em questão desaguaria necessariamente na repetição do débito, o que, de fato, é inviável à luz das características inerentes ao instituto dos alimentos179. Além desses dois aspectos, Rolf Madaleno traz outro fundamento – de aspecto prático – que é a “[...] dificuldade e o constrangimento de o genitor guardião e administrador dos recursos alimentares do filho apresentar, periodicamente, e na forma contábil um balancete das despesas realizadas em nome do filho e com a apresentação das respectivas notas fiscais”180. Fundamentando-se nessas argumentações, a jurisprudência majoritária vem rechaçando de pronto a possibilidade de se propor a prestação de contas de pensão alimentícia contra genitor guardião do filho pelos argumentos já expostos181. Para dar ares mais firmes à essa inviabilidade, traz-se à colação entendimento de Rolf Madaleno, o qual refuta essa tese diante da irrepetibilidade: Tratando-se de alimentos, reiteradamente a jurisprudência tem decidido não ser exigível a prestação de contas do guardião de filho credor de pensão alimentícia, em razão da irrepetibilidade dos alimentos não havendo como o alimento pretender a eventual restituição de alimentos desviados ou mal empregados182. Assim como, de Maria Berenice Dias: Sistematicamente, a justiça vem rechaçando essas ações em seu nascedouro, por impossibilidade jurídica do pedido. O alimentante não tem relação jurídica com o guardião do alimentado. Como os valores se destinam ao filho e não a quem detém sua guarda e está a exercer o poder familiar, não pode responder por crédito que não lhe pertence. Assim, flagrante a ilegitimidade passiva de quem é acionado. Ao depois, falta interesse processual ao autor, pois os alimentos pagos são irrepetíveis. Assim estão presentes todas as hipóteses configuradoras da carência de ação (CPC 267 VI). Se tudo isso não bastasse, foge a razoabilidade pretender que o genitor que exerce o poder familiar venha periodicamente a juízo prestar contas de forma contábil, quando desempenha sozinho mister que não é só seu183. 179 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 970.147, Miguel Â. L. Sansígolo e Noélia dos Santos P. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Relator para Acórdão: Ministro Marco Buzzi. São Paulo, 04 de setembro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1114032&sReg=200701722920&sData=20 121016&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014. 180 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 937. 181 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 886. 182 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 1ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2008. p. 689. 183 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. pp. 519-520. 56 Ressalta-se, todavia, que Maria Berenice Dias mudou seu posicionamento acerca do tema. Hodiernamente, ela entende que é possível o ajuizamento da ação de prestação de contas pelo genitor não guardião para fiscalizar a mantença do infante, porém os argumentos trazidos por ela serão tratados em momento oportuno. Citados os fundamentos que engajam essa refutação jurisprudencial, passa-se à análise de cada um deles, especialmente neste primeiro momento a irrepetibilidade. Acerca da irrepetibilidade dos alimentos, como já anotado anteriormente, é inimaginável que essa verba possa ser devolvida após o período de necessidade184. Desse modo, os alimentos são prestados com o fito de serem imediatamente consumidos, em virtude da imprescindibilidade que representa ao alimentando, por isso diz-se que uma vez prestados, presumem-se os alimentos consumidos, independentemente se foram ou não185. Contudo, há uma exceção que pugna pela devolução dos alimentos quando comprovadamente o credor se beneficiou da verba de má-fé, ou seja, quando não precisava186. Essa hipótese não vem ao caso para análise do esclarecimento do não cabimento da prestação de contas em alimentos, isso porque, a verba pertence ao filho e a má-fé, caso comprovada cingir-se-ia à má administração por parte do guardião, o que por si só, não dá ensejo à repetição. Com efeito, a ação de exigir contas prevê duas fases, donde na primeira há a condenação do réu para a apresentação das contas em juízo e a segunda que condena a parte ao pagamento do saldo credor já apurado187. Como a irrepetibilidade é a regra, não haveria como proceder a prestação de contas, porquanto segundo o posicionamento majoritário a ação de prestação de contas necessariamente desaguaria na segunda fase e inexistiria interesse do alimentante em ter restituídos os valores pagos. A outro giro, a ilegitimidade ativa “ad causam” é também outro fator que foi levantado como empecilho para a propositura da ação de prestação de contas, pois pugna-se que a verba é pertencente ao infante – tão somente a ele. 184 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 541. 185 WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de família. 18 ed. São Paulo: Saraiva 2013. p. 80. 186 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 542. 187 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forensen. 2013. v. 3. p. 92. 57 A verba paga pelo alimentante entra na esfera patrimonial do infante, servindo para o seu sustento. O infante, por não ter o discernimento completo para a prática dos atos civis, tem seu patrimônio administrado pelo seu representante legal – guardião. Com base nisso, não poderia o alimentante se valer da ação de prestação de contas para fiscalizar verba que não lhe pertence. Faltaria, nesse caso, legitimidade para se buscar o acolhimento da pretensão. Nesse sentido, tem-se que não se pode exigir a prestação de contas: o pai, contra a mãe, em relação à pensão alimentícia, paga ao filho; no caso, cabe ao alimentante apenas fiscalizar a aplicação dos valores pagos, ressalvado o direito de o próprio filho exigir contas da mãe quanto à pensão paga pelo pai, o que pode ser feito através do MP (JTJ 239/164)188. O que se poderia ocorrer é o filho exigir as contas por meio do Ministério Público ou ainda representado pelo genitor não detentor da guarda. Sobre essa hipótese, José Carlos Teixeira Giogis, citado por Rolf Madaleno afirma que além da impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista que o crédito é do filho e não do seu guardião, tem-se que esse genitor é parte ilegítima para responder à ação de prestação de contas, exceto se o próprio infante demandar contra a própria mãe através do Ministério Público189. Oportuno trazer a baila julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que abordam a temática aqui enfocada e assentam posicionamento desfavorável: APELAÇÃO CÍVEL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. Tratando-se de verba alimentar, destinada para filho, sua guardiã possui, tão-só, o poder de administração de tal verba, que pertence ao alimentando. Desta forma, somente este poderia, eventualmente, requerer a prestação de contas de quem a administra, e não o alimentante, carecendo este, pois, de legitimidade para tanto. PROVERAM PARCIALMENTE. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA) 190 De outra Câmara se extrai: 188 GOUVÊA, José Roberto Ferreira; NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação em vigor. 41 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, nota nº 6. p. 1041. 189 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 936 190 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70018606368. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Porto Alegre, 11 de abril de 2007. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_ comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_ comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70018606368%26num_processo%3D70018606368%26codEme nta%3D1829864+&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF8&numProc=70018606368&comarca=Porto+Alegre&dtJulg=11-042007&relator=Luiz+Felipe+Brasil+Santos>. Acesso em: 5 jun. 2014 58 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. DESCABIMENTO. Acertada a decisão que extinguiu a ação de prestação de contas que o alimentante move contra a genitora das alimentadas, com fundamento no art. 267, VI do CPC, por carecer o recorrente do direito de ação e pela impossibilidade jurídica do pedido. Não se perquire de declaração de crédito ou débito entre os litigantes, ante a irrepetibilidade dos alimentos. Precedentes do Tribunal. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO MONOCRATICAMENTE. 191 E por fim: PRESTAÇÃO DE CONTAS. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. A genitora, que detém a guarda do filho, não tem o dever de prestar contas acerca da destinação da verba alimentar que recebe em seu nome, sendo carecedora de interesse de agir a parte que busca provimento jurisdicional nesse sentido. Negado provimento. (SEGREDO DE JUSTIÇA)192 Quando chamado para resolver o conflito, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um norte para a solução da problemática, a qual rejeita veemente a possibilidade da utilização de prestação de contas em alimentos, uma vez que haveria a carência de ação pelos motivos já expostos. Assim, colhem-se os seguintes julgados da Corte Superior: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FISCALIZAÇÃO DE DESPESAS ALIMENTÍCIAS. DEMANDA QUE OBJETIVA A FISCALIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DA VERBA ALIMENTAR. AÇÃO INADEQUADA AO FIM COLIMADO. 1.- Segundo a jurisprudência desta Corte, o alimentante não detém interesse de agir quanto a pedido de prestação de contas formulado em face da mãe do alimentando, filho de ambos, sendo irrelevante, a esse fim, que a ação tenha sido proposta com base no art. 1.589 do Código Civil, uma vez que esse dispositivo autoriza a possibilidade de o genitor que não detém a guarda do filho fiscalizar a sua 191 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70019287127. Relator: José Ataídes Siqueira. Comarca de Taquara, 11 de junho de 2007. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_ comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_ comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70019287127%26num_processo%3D70019287127%26codEme nta%3D1907476+&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF8&numProc=70019287127&comarca=Comarca+de+Taquara&dtJulg=11-062007&relator=Jos%E9+Ata%EDdes+Siqueira+Trindade>. Acesso em: 5 jun. 2014. 192 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70018200444. Relator: Maria Berenice Dias. Rio Grande, 28 de março de 2005. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_ comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_ comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70018200444%26num_processo%3D70018200444%26codEme nta%3D1804628+&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF8&numProc=70018200444&comarca=Rio+Grande&dtJulg=28-03-2007&relator=Maria+Berenice+Dias>. Acesso em: 5 jun. 2014 59 manutenção e educação, sem, contudo, permitir a sua ingerência na forma como os alimentos prestados são administrados pela genitora. 193 Da 4ª Turma: RECURSO ESPECIAL - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - ALIMENTOS - AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR DO ALIMENTANTE EM DEFLAGRAR, EM FACE DA GENITORA DO ALIMENTADO, DEMANDA NOS MOLDES DO ART. 914 E SEGUINTES DO CPC.INSURGÊNCIA DO AUTOR. 1. A ação de prestação de contas, consubstanciada nos artigos 914 a 919 do CPC, segue procedimento especial de jurisdição contenciosa, e volta-se a compelir aquele que administra patrimônio alheio ou comum a demonstrar em Juízo, e de forma documentalmente justificada, a destinação/exploração desses bens e direitos. Visa, sobretudo, a evidenciação do resultado da administração, à qual deve se dar por meio mercantil, escriturando-se contabilmente os lançamentos a título de receita e despesa, aplicações, frutos e rendimentos, tudo a fim de permitir a certificação sobre a existência de saldo em favor de quaisquer das partes ou mesmo, a ausência de direito de crédito ou débito entre os litigantes, fixando-se exatamente a dimensão econômica do relacionamento jurídico existente entre as partes. 2. Ausência de interesse processual daquele que presta alimentos a compelir o detentor da guarda do menor a prestar contas nos moldes dos aludidos artigos legais, porquanto o exercício do direito de fiscalização conferido a quaisquer dos genitores em relação aos alimentos prestados ao filho menor, vai muito além da mera averiguação aritmética do que foi ou deixou de ser investido em prol do alimentando. Toca mais intensamente na qualidade daquilo que lhe é proporcionado, a fim de assegurar sua saúde, segurança e educação da forma mais compatível possível com a condição social experimentada por sua família (CC, art. 1.694, caput). Ademais, o reconhecimento da má utilização das quantias pelo genitor detentor da guarda não culminará em qualquer vantagem ao autor da ação, ante o caráter de irrepetibilidade dos alimentos, e, ainda, em face de a obrigação alimentar, e seus respectivos valores, restarem definidos por provimento jurisdicional que somente pode ser revisto através dos meios processuais destinados a essa finalidade. 3. Recurso especial conhecido e desprovido.194 E novamente da 3ª Turma: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. - No procedimento especial de jurisdição contenciosa, previsto nos arts. 914 a 919 do CPC, de ação de prestação de contas, se entende por legitimamente interessado aquele que não tenha como aferir, por ele mesmo, em quanto importa seu crédito ou 193 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1378928, S V M C e K A B M. Relator: Ministro Sidnei Beneti.Paraná, 13 agosto de 2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1252319&sReg=201301006198&sData=20 130906&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014 194 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 970.147, Miguel Â. L. Sansígolo e Noélia dos Santos P. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Relator para Acórdão: Ministro Marco Buzzi. São Paulo, 04 de setembro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1114032&sReg=200701722920&sData=20 121016&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014. 60 débito, oriundo de vínculo legal ou negocial, nascido em razão da administração de bens ou interesses alheios, realizada por uma das partes em favor da outra. - O objetivo da ação de prestação de contas é o de fixar, com exatidão, no tocante ao aspecto econômico de relacionamento jurídico havido entre as partes, a existência ou não de um saldo, para estabelecer, desde logo, o seu valor, com a respectiva condenação judicial da parte considerada devedora. - Aquele que presta alimentos não detém interesse processual para ajuizar ação de prestação de contas em face da mãe da alimentada, porquanto ausente a utilidade do provimento jurisdicional invocado, notadamente porque quaisquer valores que sejam porventura apurados em favor do alimentante, estarão cobertos pelo manto do princípio da irrepetibilidade dos alimentos já pagos. - A situação jurídica posta em discussão pelo alimentante por meio de ação de prestação de contas não permite que o Poder Judiciário oferte qualquer tutela à sua pretensão, porquanto da alegação de que a pensão por ele paga não está sendo utilizada pela mãe em verdadeiro proveito à alimentada, não subjaz qualquer vantagem para o pleiteante, porque: (i) a já referenciada irrepetibilidade dos alimentos não permite o surgimento, em favor do alimentante, de eventual crédito; (ii) não há como eximir-se, o alimentante, do pagamento dos alimentos assim como definidos em provimento jurisdicional, que somente pode ser modificado mediante outros meios processuais, próprios para tal finalidade. Recurso especial não conhecido.195 Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não resta dúvida quanto ao entendimento formado – no sentido contrário ao manejo da ação em estudo – bem como dos fundamentos que embasam esse. Para elucidar o rígido entendimento cita-se trecho do inteiro teor do voto-vista lavrado pelo Ministro Marco Buzzi: O não conhecimento do apelo extremo se deve à falta de dialeticidade de suas razões, na medida em que o acórdão recorrido enunciou três (3) fundamentos autônomos para reconhecer a carência de ação, não havendo a impugnação de todos eles. Serviram como lastro à extinção da demanda de prestação de contas os seguintes fundamentos: (1) o autor não é parte legítima para figurar no polo ativo, eis que a titular exclusiva da pensão é a alimentada; (2) a ré é parte ilegítima para responder ao pleito autoral, porquanto na condição de guardiã e titular do poder familiar detém a prerrogativa de deliberar sobre como administrar os alimentos, observado o bem-estar da infante; e, (3) o proponente não tem interesse em promover a ação de prestação de contas para satisfazer seu direito-dever de fiscalizar a aplicação da verba alimentar, tendo em conta: (3.1) a via processual é inútil, porque eventual constatação de malversação da verba não ensejaria repetição do indébito em seu favor, modificação do valor da pensão ou mesmo, alteração da guarda; e, (3.2) o rito processual não é apropriado, vez que, em se tratando de pensão alimentícia, inviável a exibição judicial das contas em forma mercantil ou então 195 BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 985.061, J A P P e J A P. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Distrito Federal, 20 de maio de 2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=782063&sReg=200702124420&sData=200 80616&formato=PDF>. Acesso em 5 jun. 2014 61 mesmo, a condenação da acionada ao pagamento de eventual saldo por má gestão da verba196. Ante toda a argumentação exposta, verifica-se que o posicionamento majoritário ainda deságua na carência de ação e consequente inviabilidade de manejar a ação de prestação de contas em matéria de alimentos. Malgrado a isso, se vislumbra ares de mudança de posicionamento, tendo como principais argumentos a proteção integral do infante e o respeito à dignidade da pessoa humana do alimentante em obter o direito de fiscalização da vida da sua prole. Para tanto, passa-se à análise dos argumentos sob o ponto de vista favorável à utilização do procedimento especial. 4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO SEU CABIMENTO Conforme explicitado anteriormente a corrente desfavorável ganhou força através do posicionamento que o Superior Tribunal de Justiça firmou. A carência de ação, pelos motivos já expostos, tem se afigurado como corolário na ação de prestação de contas em alimentos quando julgados por essa Corte Superior. Contudo, parte da doutrina e, principalmente, a jurisprudência catarinense não compartilham do mesmo entendimento quando o assunto de fiscalização da verba alimentar é trazido à discussão judicial. Isso porque, os defensores dessa tese se debruçam sobre a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, além de fazerem uma interpretação da obrigação alimentar à luz dos princípios constitucionais, em especial o da dignidade da pessoa humana. Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha norteado a questão como inviável, os juristas aos quais se remetem neste tópico elencam o melhor interesse do infante como bojo para resolução judicial dos conflitos que envolvam a malversação dos alimentos por parte do seu guardião, o qual não estaria a lhe garantir uma vida digna. Com relação à proteção integral do infante – a qual engloba necessariamente a busca pelo melhor interesse dos menores – entende-se como um princípio que norteia as 196 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 970.147, Miguel Â. L. Sansígolo e Noélia dos Santos P. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Relator para Acórdão: Ministro Marco Buzzi. São Paulo, 04 de setembro de 2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1114032&sReg=200701722920&sData=20 121016&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014. 62 relações quem envolvam crianças e adolescentes, com objetivo de se respeitar os direitos e anseios daqueles que não podem, por si mesmos, alcançá-los197. Desse modo, ao analisar a problemática proposta por esse trabalho monográfico, sob o foco da proteção integral, busca-se nada mais do que a dignidade da pessoa humana dos menores que estão em um dos polos da relação jurídica familiar. Sobre o que se pretendeu falar até então, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam: Eleito como princípio fundamental da República, a dignidade da pessoa humana modela uma nova feição da família, garantindo proteção isonômica (igualdade substancial, que significa tratar desigualmente aquele que reclama proteção diferenciada) a todos os seus membros. Em concreto, implica em afirmar uma tutela jurídica diferenciada para a criança e o adolescente, a quem deve ser dispensada pela família, pela sociedade e pelo Estado, proteção integral e prioridade absoluta, como reza o art. 227 da Constituição da República198. De fato, a proteção integral, da qual a Carta Magna institui, serve como ponto de partida para que os operadores do direito analisem as situações jurídicas que envolvam menores sob o enfoque do melhor interesse desses. Pensando sempre em buscar a medida do caso concreto que se julgue mais adequada e efetiva para se consubstanciar esses interesses199. Portanto, quando se analisa a relação jurídica alimentar buscando a proteção integral da criança e do adolescente concomitantemente com a dignidade humana, vislumbrase que os alimentos devem garantir uma vida digna para o alimentando, por meio da boa aplicação dos valores feita pelo guardião – levando-se em conta os interesses do infante. Além disso, de modo secundário, deve-se respeitar a dignidade do alimentante que presta os alimentos, uma vez que o pagamento de prestações pecuniárias à maior acarretaria um sacrifício desnecessário e prejudicial200. Em outras palavras, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald dizem que “fixá-los, em percentual aquém do mínimo imprescindível à sobrevivência do alimentando ou 197 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 887. 198 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 887. 199 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 887. 200 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 888. 63 além das possibilidades econômico-financeiras do devedor, ofende de maneira direta, o princípio da dignidade humana”201. Logo, como instrumento para atender os anseios de ambas as partes, extrai-se o dever de fiscalização periódica oriunda do poder familiar, que permite ao ascendente não guardião e prestador de alimentos verificar a correta aplicação dos valores em benefício do infante, com o fito de atender a vida digna, cuja criança é merecedora. Essa fiscalização nada mais é do que o âmago do princípio da proteção integral, quando tratada em matéria de alimentos, porquanto é dessa vigilância que se tenta evitar a incorrência de ameaça aos interesses indisponíveis da criança e do adolescente202. De fato, a ratificação desse preceito fiscalizatório se deu através do art. 1.589 do Código Civil, o qual aduz que “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e sua educação”. Avigorando o que já fora descrito, Joel Dias Figueira Júnior afirma que o dever de fiscalização é advindo do poder familiar, o qual não se modifica, muito menos se extingue, com o a separação judicial e/ou divórcio. Logo, o que se deve prevalecer é a livre iniciativa do alimentante exigir do Poder Judiciário, a verificação da correta aplicação dos valores que são pagos203. Surge aqui – após destrinchar os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e o da proteção integral, passando pelo direito de fiscalização atribuído pelo poder familiar e confirmado pelo art. 1.589 da Lei Substancial Civil – o que Yussef Said Cahali afirma ser a medida judicial da qual poderá ser exercida em nome da fiscalização, senão vejase: No direito de fiscalização da guarda, criação, sustento e educação da prole atribuída ao outro cônjuge, ou a terceiro, está ínsita a faculdade de reclamar em Juízo a prestação de contas daquele que exerce a guarda dos filhos, relativamente ao numerário fornecido pelo genitor alimentante 204. 201 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 888. 202 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 888. 203 DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em: <http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>. Acesso em 3 ago. 2013. p. 1. 204 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002. p. 572. 64 Dessa feita, percebe-se que a prestação de contas é um instrumento processual apto para se verificar o escorreito atendimento aos interesses dos filhos, o qual se dá pela boa aplicação dos valores para a sua criação, sustento e educação. O procedimento especial de prestação de contas, conforme já anteriormente denotado, busca o esclarecimento das relações jurídicas, que envolvam a administração de bens alheios. Tal premissa se aplica no caso vertente, onde a gestão se dá através do genitorguardião, uma vez que o menor não possui capacidade civil para administração e o bem é a prestação pecuniária paga a título de alimentos ao filho205. A outro giro, Joel Dias Figueira Júnior apesar de concordar com o exercício do poder de fiscalização em juízo, entende que a ação de prestação de contas não é a mais adequada para se buscar essa pretensão: Ressalta-se que a “ação de fiscalização” fundada no art. 1.589 do Código Civil não tem qualquer pertinência ou conotação com a “ação de prestação de contas” delineada no art. 914 do Código de Processo Civil e, muito menos pretende atingir escopos revisionais dos alimentos ou modificativo de guarda do alimentando. O objeto mediato da “ação de fiscalização” enquadra-se perfeitamente no modelo traçado pelo art. 1.589 da Lei Substantiva Civil, pois o bem da vida tutelado é a “pessoa do filho” a ser protegido, conforme assinalado pelo legislador ao enquadrar o dispositivo citado no Capítulo XI, assim denominado; por sua vez o objeto imediato dessa demanda é a verificação por parte do alimentante, de que a verba destinada ao sustento do filho menor encontra-se bem administrada pelo genitor que recebe em nome do menor seja a guarda compartilhada ou unilateral206. Para justificar o argumento trazido à baila, o autor alega que não se pode confundir a ação de prestação de contas com a ação de fiscalização, porquanto essa possui peculiaridades as quais não se encaixam com a pretensão daquela, mas que em razão do princípio da elasticidade processual poder-se-ia transcender os limites do procedimento especial, adequando-o as necessidades materiais207. Trata-se de uma adequação do procedimento especial à ação de direito material naquilo que cerne a satisfação da pretensão do autor. Apesar da tentativa esforçosa de fundamentar a ação de fiscalização por outro meio, senão o do procedimento especial de 205 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 891. 206 DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em: <http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>. Acesso em 3 ago. 2013. p. 2. 207 DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em: <http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>. Acesso em 3 ago. 2013. p. 6. 65 prestação de contas, Joel Dias Figueira Júnior traz os elementos da ação de prestação de contas e aplica em via ordinária208. Contudo, o que se percebe é que se tem uma ação de prestação de contas “mascarada”, tendo em vista que o alimentante pediria a prestação jurisdicional no sentido de apresentação das contas por parte do réu (genitor-guardião), com a consequente declaração da má administração dos valores em relação à prole. Nesse sentido, tem-se a opinião de Vera Lúcia de Oliveira Fernandes: [...] o alimentante fiscalizar a boa aplicação do numerário em favor dos filhos, não apenas por constituir um dever de quem se preocupa pela formação moral e intelectual do menor, mas porque igualmente exsurge de um comando jurídico pelo qual os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação (art. 15 da Lei 6.515/77). É preciso atentar para o seguinte: a ação de prestação de contas tem duas fases. (a) a do julgamento da legalidade do pedido de prestação (neste ponto existe fundamento legal para a prestação de contas em alimentos); (b) no final, o julgamento da existência de um crédito ou débito (o que não é possível em se tratando de alimentos, que são irrepetíveis). Mas nada impede que o pedido seja modificado de modo a que não se elenque crédito ao final da apuração, mas sim excesso ou desvio de verbas alimentares. A ação de prestação de contas segue rito especial até a sentença declaratória das contas, de sorte que, nos termos dos artigos 3º e 4º do CPC, o interesse do alimentante pode ser pela declaração pura e simples de malversação da pensão, o que implica nos pedidos únicos de prestação de contas e julgamento da utilização da pensão de acordo com as necessidades do alimentando, ou seja, pedido declaratório da adequação, ou não, da conduta da responsável legal do alimentando ao suprimento das necessidades deste209. Superada essa nuance que em nada interfere na análise da viabilidade de o alimentante exercer o direito da fiscalização – conquanto em virtude da proteção integral do menor e do respeito da dignidade humana do alimentante e do alimentando – verifica-se a possibilidade de se utilizar “quaisquer medidas judiciais que se façam necessárias para a prioritária e integral do menor, dentre as quais, por lógico, a prestação de contas”210. É nesse ínterim que Maria Berenice Dias reviu seu entendimento e se manifestou à favor da ação de prestação de contas como medida judicial para fiscalizar a mantença do infante de acordo com os seus interesses: 208 DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em: <http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>. Acesso em 3 ago. 2013. p. 6. 209 FERNANDES, Vera Lúcia de Oliveira.Prestação de contas da pensão alimentícia. Disponível em: <http://www.fonsecaefernandes.com.br/M4.asp?id=439>. Acessado em: 2 jun. 2014. 210 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. p. 890. 66 Sistematicamente a justiça vinha rechaçando essas ações em seu nascedouro, proclamando a impossibilidade jurídica do pedido. O equívoco de tal posição está em que não atenta a que o direito à prestação de contas decorrente do exercício da fiscalização é inerente ao poder familiar quanto à manutenção e educação dos filhos (CC 1.589. Assim, quando alegada a malversação dos recursos pagos ou suspeita de desvio de finalidade, não há falar em carência de ação (CPC 267 VI) já que é reconhecida a ação fiscalizadora de quem paga os alimentos, quer seja o genitor, quer sejam os avós211. Com efeito, é inequívoco o entendimento de que o poder de fiscalização decorrente do art. 1.589 do Código Civil é fruto do poder familiar e dá azo a qualquer tipo de fiscalização, inclusive a judicial naquilo que cerne a mantença do menor. Não obstante, é cediço que nem mesmo a lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Por isso, é possível concluir que existe ação que assegura o direito de fiscalização por parte do pai – que tem o dever legal de zelar pela manutenção da proteção da prole, uma vez que este também é detentor do poder familiar e busca a proteção integral dos filhos (trata-se do bem da vida buscado pela ação) –, não podendo ficar a mercê de uma má administração, sob pena de ferir a prevalência dos interesses dos filhos menores212. Desta feita, em virtude da grandeza de interesses do imbróglio, mormente, o da criança, entende-se que o alimentante – por si, ou representando ou assistindo o menor – pode vir a se socorrer das vias judiciais para ter as contas apresentadas em razão da administração do guardião da prole, cuja pretensão está harmonicamente ligada com o ordenamento jurídico213. Corroborando o entendimento supra, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald entabulam que existe o interesse de agir por parte do alimentante em verificar as despesas e gastos acerca da mantença de seu filho menor, porquanto, mais uma vez, está agasalhado pelo escorreito exercício do poder familiar, cumulado com a proteção avançada da criança214. 211 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 625. 212 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha. Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014. p. 6. 213 DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em: <http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>. Acesso em: 3 ago. 2013. p. 7. 214 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das Famílias. 4 ed. Salvador : JusPODIVM, 2012. v. 6. pp. 890-891. 67 Se tiver interesse de agir, bem como a possibilidade jurídica do pedido, outra coisa não se pode falar da legitimidade ativa para a propositura da ação. Essa ação poderá ser ajuizada diretamente pelo alimentante, como pelo menor, representado por seu genitor não guardião. É nesse sentido que explana Yussef Said Cahali, ao trazer os elementos consubstanciadores para se ajuizar a ação de prestação de contas em alimentos: Também o alimentante-genitor tem legitimidade para exigir [daquele que administra o numerário alimentar] a prestação de contas, desde que: a) o beneficiário dos alimentos seja exclusivamente o filho posto sob guarda, afastada, assim, a hipótese de terem sido concedidos os alimentos englobadamente, para a genitora e filhos sob sua guarda; pois, como foi visto antes, a concessão nesses termos terá sido “intuitu familiae”, e com a cisão da sociedade conjugal, cada um dos cônjuges terá assumido de maneira autônoma a direção e chefia do fragmento societário que lhe foi atribuído, não se sobrepondo a antiga autoridade marital à autoridade da mulher; b) a prestação de contas não tenha por finalidade a apuração de crédito ou débito, com vistas a uma eventual restituição ou execução forçada (do art. 918 do CPC), uma vez que, embora assim prestados por intermediação da genitora ou de terceiro, os alimentos são irrepetíveis; a pretensão, assim, terá natureza cautelar, esvaindo-se a ação cominatória em sua primeira fase (art. 915 do CPC), objetivando apenas a verificação e comprovação da exata e correta aplicação das pensões recebidos do autor. É que, de outro modo, estaria frustrada a própria fiscalização da manutenção e educação dos filhos, direito que o art. 15 da Lei do Divórcio assegura em termos incontroversos, sem limitação [semelhante ao art. 1589 do Código Civil vigente]. Esse entendimento assim se fundamenta: a) se incontroverso o direito do próprio filho de reclamar as contas daquele que o tem sob sua guarda (outro genitor ou terceiro), a legitimidade do genitor decorre da sua condição de co-titular do pátrio poder, pois 'o desquite não altera as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos' (CC, art. 381; novo Código Civil, art. 1632); b) a mãe ou a pessoa que tem e sua companhia os filhos do alimentante (titular do pátrio poder) administra, reconhecidamente, bens e valores, inclusive as pensões recebidas, que não lhe pertencem, mas sim aos filhos do alimentante, que os representa e tem sobre eles o pátrio poder. Portanto, como titular do pátrio poder, de cujo exercício não está inteiramente excluído, investido do direito de fiscalizar a manutenção e exigir a verificação judicial da correta administração dos bens e valores pertencentes à prole de que não detém a guarda, inclusive quanto à correta aplicação, a benefício dos alimentados, das importâncias recebidas a título de pensão alimentícia 215. Verificado a existência das condições da ação, passa-se a análise da outra alegação usada como óbice, qual seja, a apresentação das contas sob a forma mercantil. Aqueles que advogam pela corrente desfavorável, alegam que seria difícil apresentar as contas em juízo, assim como de certa forma seria constrangedor216. Porém, isso não parece ser a melhor solução. A questão deve ser analisada à luz do art. 227 da CRFB, além do que o formalismo processual não pode ser óbice, no sentido de comprometer toda a efetividade de um ato processual que cumpre o objetivo imposto pela lei. 215 216 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002. p. 573. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 937. 68 Para tanto, resta oportuno repisar os argumentos trazidos pelo Ministro João Otávio de Noronha, o qual propalou em seu voto, que se as contas forem apresentadas de modo inteligível e organizadas, no sentido de conter os dados necessários, essas não podem ser desconsideradas, sob pena de se frutar a concepção finalística do processo217. De fato, o balanço contábil não pode ser escusa para a não apresentação das contas, de modo que basta o simples balanço descritivo gere a cognição necessária ao magistrado para decidir sobre o a correta aplicação dos valores. Nesse ponto há de se aplaudir o que escreve Joel Dias Figueira Júnior, explicitando que essa ação de prestação de contas teria uma natureza meramente declaratória, e que “se esgotaria sua finalidade com a simples demonstração das contas de maneira singela, sem qualquer conotação contábil, no confronto da verba percebida e administrada (crédito) e as principais despesas suportadas (débito)”218. E é embasado nesses argumentos que a jurisprudência catarinense vem acolhendo o pedido de fiscalização da verba alimentar pelo alimentante ou pelo alimentando, representado ou assistido pelo genitor a quem incumbe o pagamento da verba alimentar. Cita-se o julgado de lavra do Des. Trindade dos Santos: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS PAGOS PELOS AVÓS PATERNOS À NETA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL EM PRIMEIRO GRAU. DIREITO DO ALIMENTANTE EM FISCALIZAR A MANUTENÇÃO E EDUCAÇÃO DA ALIMENTANDA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.589, DO CÓDIGO CIVIL. CABIMENTO DA AÇÃO FISCALIZADORA NOS CASOS EM QUE HÁ INDÍCIOS DA MALVERSAÇÃO DOS RECURSOS PAGOS À MENOR. SUSPEITA DE DESVIO DE FINALIDADE. SENTENÇA CASSADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2010.015120-5, de Joinville, rel. Des. Odson Cardoso Filho , j. 12-04-2012) PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. ACOLHIMENTO. CONTAS CONSIDERADAS BOAS. 'DECISUM' CORRETO. CONFIRMAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO APELATÓRIA DESATENDIDA. I O prestador de alimentos tem legitimação para ingressar com pedido de prestação de contas, na modalidade rendição de contas, não com o desiderato de obter uma apuração de débito ou de crédito, diante da irrepetibilidade da verba, mas, apenas, para fiscalizar a exatidão e a correteza das aplicações dos valores recebidos pela representante legal da alimentária. Isso porque, ainda que dissolvido o casamento dos litigantes, o pai não perde o poder familiar sobre a filha menor, poder esse do qual continua ele cotitular. É a compreensão que, segundo os intérpretes, resulta do art. 1.589 do CC/02, 217 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração em Recurso Especial nº 832.902, L V M e D M M. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Rio Grande do Sul, 06 de outubro de 2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=918612&sReg=200600497669&sData=200 91019&formato=PDF>. Acesso em: 5 jun. 2014 218 DIAS, Joel Figueira. Ação de fiscalização de pensão alimentícia. Disponível em: <http://www.joelfigueira.com/artigos/Acao%20de%20fiscalizacao%20de%20pensao%20alimenticia.rtf>. Acesso em: 3 ago. 2013. p. 6. 69 que confere aos pais que não tenham os filhos sob sua guarda o direito de fiscalizar a manutenção e a educação dos mesmos. 219 Do referido julgado, é possível perceber a linha tênue existente entre os que se manifestam contra e os a favor de se proceder a ação de prestação de contas. A interpretação sistemática entre a Constituição da República Federativa do Brasil e Código Civil foi feita no aludido julgado, fato esse que possibilitou o acolhimento da pretensão. É possível vislumbrar isso nos elementos trazidos no excerto do voto do Des. Trindade dos Santos, o qual asseverou: [...] Destarte, conclui-se que a doutrina e a jurisprudência pátria sempre se posicionaram pela impossibilidade do manejo da ação de prestação de contas pelo alimentante em razão da ausência das condições da ação, ou seja, pela falta do interesse de agir, de legitimidade passiva 'ad causam' da guardiã do alimentando e da possibilidade jurídica do pedido, culminando sempre com a extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inc. VI do Código de Processo Civil. Contudo, o entendimento acerca da impossibilidade da proposição da ação de prestação de contas pelo alimentante contra a guardiã do filho credor dos alimentos vem sendo revista tanto pelos juristas como pelos Tribunais do País. [...] Assim, o alimentante que não esteja com a guarda do filho menor tem o direito de fiscalizar sua manutenção, ou seja, detém ele legitimidade e interesse para verificar se os recursos da verba alimentar estão sendo empregados no atendimento das necessidades do alimentando220. Através desse trecho do voto é possível exprimir a importância do melhor interesse do infante, como fundamento ensejador para afigurar as condições da ação, na propositura da ação de prestação de contas, sendo: a legitimidade ativa do alimentante, ou legitimidade ativa do alimentando representado pelo seu ascendente não detentor da guarda; interesse de agir; e, a possibilidade jurídica do pedido, fundada no art. 1.589 do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina também se manifestou em outra oportunidade acerca da possibilidade da prestação de contas em alimentos: DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - ALIMENTOS DESTINADOS À FILHA PRESTAÇÃO DE CONTAS - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E INTERESSE DE AGIR - INDEFERIMENTO DA INICIAL - INSURGÊNCIA FISCALIZAÇÃO - DIREITO PROTETIVO DA MENOR - LEGITIMIDADE 219 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2007.028489-6. Relator: Des. Trindade dos Santos. São Miguel do Oeste, 26 de junho de 2008. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=010009ZS00000&nuSeqProcessoMv=null&ti poDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=1190168&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014 220 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2007.028489-6. Relator: Des. Trindade dos Santos. São Miguel do Oeste, 26 de junho de 2008. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=010009ZS00000&nuSeqProcessoMv=null&ti poDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=1190168&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014 70 ATIVA E INTERESSE PROCESSUAL DO PAI ALIMENTANTE - RECURSO PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA. Porque a má administração de numerário destinado à manutenção e educação de filho alimentando pode acarretar severas sanções legais ao mau administrador (arts. 1637 e 1638, IV, do CC), a lei assegura ao alimentante a fiscalização da respectiva verba alimentar.221 Nesse julgado de lavra do Des. Monteiro Rocha, foi-se além, entendeu-se que a suspensão do poder familiar poderia ser corolário da má administração, quando verificada na prestação de contas. Outrossim, poderia falar ainda em perda do poder familiar, na ocasião de o guardião incorrer reiteradamente na falta que ensejou a suspensão222. De fato, como já visto, a prestação de contas em matéria de alimentos é importante, pois verifica se o detentor da guarda está atendendo os interesses do melhor através da escorreita aplicação da verba paga pelo alimentante. Ademais, é importante frisar quais são as sanções para aquele que não emprega corretamente e desvia a finalidade do instituto dos alimentos. Nesse sentido, entabulou o eminente Des. Monteiro Rocha que: Entendo que se deve permitir o prosseguimento do feito, no tocante à verba alimentar da filha M. C. S., por duas razões distintas: a primeira delas, já mencionada, porque a todo direito (e o direito à fiscalização existe) corresponde uma ação que o assegure, pois nem mesmo a lei afastará do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; a segunda, porque a boa administração da verba alimentar destinada ao filho, pelo administrador da pensão, deve ser rigorosa, pois a má administração dos bens de filhos menores é algo gravíssimo na relação entre pais e filhos, tanto que o legislador permite a suspensão e até mesmo a destituição do poder familiar em caso de seu desrespeito223. Corroborando o que já fora transcrito, o Des. Relator Monteiro Rocha, afirmou que o alimentante tem interesse em saber como está sendo administrada a verba paga por ele em prol de sua prole, o alimentando tem interesse ver a correta aplicação dos alimentos destinados a ele, assim como o guardião que administra a verba em prol do menor tem 221 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha. Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014 222 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha. Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014 223 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha. Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014 71 interesse em demonstrar que vem aplicando corretamente os alimentos pagos, sob pena de incorrer a suspensão ou destituição do poder familiar224. Por isso, o genitor detentor da guarda, não pode abusar de sua autoridade de administração – ao desviar a finalidade da a verba alimentícia pertencente ao filho menor –, uma vez que essa administração está coadunada à obrigação de “prestar contas”, pois caso não o faça, enseja possível suspensão do poder familiar, conforme assevera o art. 1.637, e no caso de reiteradas faltas nesse sentido, poderá perder o poder familiar de acordo com o art. 1.638. Outrossim, fica claro, mais uma vez, a proteção integral da criança e adoslescente revela-se ser a espinha dorsal para se acolher a pretensão, e nesse prisma traz-se a lição de Edgard de moura Bittencourt citado pelo Des. Monteiro Rocha em seu voto: Sem embargo da separação, pode o cônjuge culpado exercer distante mas permanente controle, inclusive por via judicial, sobre a educação dos filhos. Aí surge a tarefa do magistrado, com penetração psicológica e moral nos fatos, evitando abusos, auscultando o amor pelos filhos e afastando os golpes de vingança dirigidos ao outro cônjuge, por intermédio de criaturas inocentes225 Outro fator importante que se pode extrair dessa lição, é que a ação de prestação de contas visa evitar os eventuais abusos que podem ocorrer na administração e os quais o ordenamento civil repudia (art. 187). Todavia, é importante ressaltar que pode haver abuso por parte do devedor de alimentos, quando esse se valer da ação de prestação de contas como um instrumento de incomodo ao ex-cônjuge, através de reiteradas admoestações processuais226. Com efeito, o magistrado deverá ter o cuidado de perceber tais propósitos e evitar que eles se propagem. Avigorando isso, Rolf Madaleno afirma que além da prestação de contas poder-se-ia fazer uma demanda alternativa de inspeção judicial, a qual seria realizada por assistentes sociais em visitas aos locais onde o alimentando convive, com o intuito de apurar e avaliar a realidade que os cerca, assim como da dimensão da pretensão processual de rendição de contas, tudo isso correria por custos do interessado227. 224 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha. Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014 225 BITTENCOURT, 2002 apud SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2010.057483-6, Relator: Des. Monteiro Rocha. Capital – Continente, 01 de março de 2012. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000H1HK0000&nuSeqProcessoMv=null&t ipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=4239400&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014 226 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 939. 227 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio do Janeiro: Forense, 2013. p. 939 72 Ressalvados esses casos excepcionais, a ação de prestação de contas pode ser aplicada para se aferir a boa administração dos interesses da criança através do emprego direcionado da verba para atender esse fim. Nesse sentido, para por uma pá de cal na problemática o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, demonstra, através deste julgado recente, que firmou posicionamento nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS RELACIONADA AO EMPREGO DE VERBA ALIMENTÍCIA RECEBIDO POR FILHO MENOR. PEDIDO LIMITADO À DEMONSTRAÇÃO DE DESPESAS, NÃO HAVENDO UTILIDADE EM SE APURAR EVENTUAL SALDO CREDOR OU DEVEDOR, DADA A IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS. POSSIBILIDADE DE O GENITOR QUE NÃO EXERCE A GUARDA DO DESCENDENTE, FISCALIZAR O EMPREGO DO QUANTUM DESTINADO AO SUSTENTO DO FILHO EM COMUM. EXEGESE DO ART. 1.589 DO CC. SATISFATÓRIA DEMONSTRAÇÃO, PELA ADMINISTRADORA DOS RECURSOS, DAS DESPESAS HABITUAIS DO ALIMENTANDO, COM A EFETIVA UTILIZAÇÃO DO BENEFÍCIO EM PROVEITO DA SUBSISTÊNCIA DO MENOR. CARÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A PRETENDIDA REFORMA DA DECISÃO DE 1º GRAU, SOBRETUDO QUANDO ATINGIDO O OBJETIVO ESSENCIAL DA DEMANDA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO DO RECORRENTE EM PENA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, DEDUZIDO PELA EX-CÔNJUGE EM SEDE DE CONTRARRAZÕES. CONDUTAS ELENCADAS NO ART. 17 DO CPC NÃO EVIDENCIADAS. PRETENSÃO REJEITADA. RECLAMO CONHECIDO E DESPROVIDO. 228 Portanto, percebe-se, por meio dos julgados colacionados, que o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, mostra-se um passo a frente no atendimento dos anseios e resoluções de conflitos que envolvam o direito de família, especialmente no que tange à fiscalização da pensão alimentícia em detrimento da proteção integral do infante. Ademais, é obvia a percepção nos aludidos julgados que a criança e/ou adolescente assumem papel vital para a composição judicial da problemática, ou seja, as decisões não seriam as mesmas se o ator principal da questão não fossem os infantes. Destarte, resta cristalino que há a possibilidade do manejo da ação de fiscalização de alimentos por parte do alimentante, pois o que importa na referida ação é a mera prestação de contas, sem qualquer interesse na execução forçada dos valores que não foram bem aplicados. Demais disso, importa salientar que essa serve como instrumento para exercer o poder familiar do genitor alimentante – o qual não convive diuturnamente com o alimentando por não deter a guarda – a fim de resguardar os melhores interesses (tanto pessoal quanto 228 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2013.018438-2. Relator: Des. Luiz Fernando Boller. Presidente Getúlio, 20 de junho de 2013. Disponível em: <http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000OD0T0000&nuSeqProcessoMv=null&ti poDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=5739549&pdf=true>. Acesso em: 5 jun. 2014 73 patrimonial) da criança e do adolescente contra os atos arbitrários de uma má administração, consubstanciando, então, o tão almejado princípio da proteção integral entabulado no art. 227 da nossa Constituição Federal. 74 5 CONCLUSÃO O trabalho em questão trouxe a discussão acerca da viabilidade de o alimentante se proceder à ação de prestação de contas para verificar a administração da pensão alimentícia paga para o menor alimentando, que em virtude da sua incapacidade civil tem essa verba administrada pelo seu genitor guardião. A aludida discussão ganhou destaque no cenário jurídico, por meio da grande quantidade de ajuizamento de ações nesse sentido, em que o ascendente visava fiscalizar judicialmente a manutenção dos filhos. Como forma de resolução desse conflito, a doutrina e a jurisprudência apresentaram duas correntes, sendo uma favorável à fiscalização das contas judicialmente e outra desfavorável. A corrente que defende a impossibilidade tem sido considerada por muitos a majoritária, tendo em vista que o STJ recorrentemente vem se manifestado nesse sentido. Um dos fundamentos trazidos por essa corrente é a falta de interesse de agir do alimentante, que em virtude da irrepetibilidade dos alimentos não permite que esses sejam restituídos através da ação da prestação de contas. Não obstante, ainda entendem que esse rito processual é inviável, pois as contas devem ser apresentadas de forma mercantil – de acordo com o art. 917 do CPC. Tal premissa ensejaria o constrangimento e a dificuldade na apresentação das contas. Por derradeiro, os aspirantes dessa corrente pugnam pela falta de legitimidade das partes para figurar nos polos da ação. Isso porque, a verba pertence ao infante (alimentando) e, somente ele teria legitimidade ativa para fiscalizar a verba. Enquanto o guardião não teria legitimidade para figurar no polo passivo diante da prerrogativa de administração que o poder familiar lhe atribui. A outro giro, há quem entenda ser possível o referido manejo, porquanto a lei garante esse direito de fiscalização através do art. 1.589 do CC. Ademais, estar-se-ia a consolidar os princípios do melhor interesse do infante e proteção integral. Outrossim, aduzem que a irrepetibilidade não pode ser considerada óbice para se intentar a ação de prestação de contas, uma vez que o escopo desse medida judicial é atender unicamente a apresentação das contas, limitando-se a resposta judicial nesse fim específico. Ou seja, não se objetiva a repetição de eventual débito. 75 Com efeito, assim como o guardião tem a prerrogativa de administrar a verba do modo que bem entender ser necessária a prole, o alimentante, por ser ascendente possui a prerrogativa – leia-se poder familiar – de fiscalizar a mantença dos filhos. Por isso, entende-se que a apresentação das contas em juízo, quando utilizado o procedimento especial, poderia ser feito de modo que não fosse comprometida sua efetividade, ou seja, as contas podem ser apresentadas de forma não mercantil desde que atendam a sua finalidade. Ao se perquirir essas hipóteses, indaga-se a possibilidade de o genitor não guardião se valer da ação de prestação de contas para fiscalizar a correta aplicação dos alimentos em prol do infante. O objetivo precípuo desse trabalho monográfico é analisar os argumentos doutrinários e jurisprudências que tangenciam a discussão acerca da possibilidade de o alimentante se utilizar da prestação de contas com o fito de fiscalização da verba paga ao alimentando e administrada pelo seu guardião. Para lograr êxito com o objetivo central, percebeu-se a necessidade de traçar metas secundárias para que o aclaramento do principal seja possível. Para tanto, se fez mister explicar o que são alimentos, como se dá o seu cabimento e quais são suas características essenciais. Ademais, foi importante explicitar as peculiaridades que circundam a ação de prestação de contas, principalmente, sua conceituação, cabimento, bem como, analisar a repetição do procedimento como um fator facultativo. Tentando responder a problemática, verificou-se que do enfrentamento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema a posição majoritária se mostrou desfavorável à utilização medida judicial de fiscalização das contas. Contudo, essa não é a melhor solução, pois a reiterada aplicação desse posicionamento em decisões judiciais vai contra o escopo Magno do nosso Direito, qual seja: a dignidade da pessoa humana. Neste caso, estar-se-ia a privilegiar o melhor interesse da criança e do adolescente, através da sua proteção integral. Há de se ressaltar ainda, que o Egrégio Tribunal de Santa Catarina vem acolhendo a tese de possibilidade do pedido de fiscalização de verba alimentar pelo alimentante, demonstrando que não há empecilho em se proceder a respectiva ação, pois a lei confere ao genitor o direito de fiscalização – o qual advém do poder familiar. A interpretação sistemática entre a Constituição da República Federativa do Brasil e o Código Civil é capaz de trilhar uma solução para a problemática, tendo em vista que essa 76 análise é feita a partir dos preceitos constitucionais e levando em conta os anseios dos sujeitos de direito envolvidos na relação jurídica. O que se pretende aferir disso, é que a solução jurídica mais adequada passa, primeiramente, pelo melhor interesse para a criança e do adolescente, o qual se afigura pela correta aplicação da pensão alimentícia em beneficio desses. E por outro lado, visa-se o atendimento da dignidade da pessoa humana do genitor em ter sua pretensão fiscalizatória acolhida, nos casos de suspeita de malversação da administração da verba. Também se revela justo, que o alimentante preste alimentos em valor adequado a fim de evitar eventual abuso e desvio de sua finalidade. Se não bastasse isso, trata-se de um tema que está em constante discussão e evolução e que ainda não ganhou contornos de pacificidade social por que não vem sido bem interpretado pela Corte Superior. É valido reforçar que por ser um trabalho monográfico, não fora possível esgotar todo o conteúdo, porém dentro daquilo que fora proposto como meta principal seu resultado foi positivo e logrou-se êxito para com ele. Foram analisados os argumentos de ambas as correntes e foi possível despontar uma solução jurídica positiva para eventual resolução do conflito. Dessa solução jurídica positiva, tem-se que o Direito não pode ficar a mercê de paradigmas e decisões que não acompanhem a evolução da sociedade, devendo sempre que possível, questionar os atuais entendimentos com o intuito de criar novos padrões que atendam, de forma cada vez mais efetiva, os interesses dos sujeitos de direito envolvidos na lide, através da afiguração da dignidade humana e da proteção do melhor interesse do infante. 77 REFERÊNCIAS ASSIS, Araken. Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 7 out. 2013. ______. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 7 out. 2013. ______. 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