Maria, João e a crise
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de S.Paulo, 12.1.2009
Greenspan não foi um dos causadores da crise porque baixou os
juros em 2001, mas porque apoiou a desregulação
A partir de dezembro, passei a escrever esta coluna semanalmente e -dada minha
condição de professor- vou aproveitar a maior frequência para partilhar com os leitores
um pouco da teoria econômica que aprendi. Eu serei o professor, e Maria e João, meus
alunos e interlocutores. O professor adota a teoria econômica "estruturalista", associada
à estratégia "desenvolvimentista"; a alternativa é a teoria macroeconômica
"neoclássica", associada à política "ortodoxa". As duas escolas partilham de um
conjunto de conceitos comuns, inclusive boa parte da microeconomia, mas suas
divergências são grandes porque a teoria econômica é uma ciência social e porque é
influenciada por ideologias.
Os estruturalistas (também keynesianos, institucionalistas) usam o método históricodedutivo e, assim, preveem comportamento econômico não a partir de um hipotético
"homo economicus", mas a partir dos comportamentos anteriores observados
empiricamente; limitam fortemente o uso da matemática porque é incapaz de explicar
sistemas econômicos tão complexos, dinâmicos e imprevisíveis; consideram os
mercados um excelente mecanismo de coordenação dos sistemas econômicos, mas um
sistema imperfeito que precisa ser permanentemente regulado. Já os neoclássicos usam
o método hipotético-dedutivo para, assim, poderem criar modelos matemáticos
"irrefutáveis" porque lógicos, nos quais o mercado coordena com quase perfeição o
sistema econômico. Quando o modelo não explica a realidade, a culpa não é do modelo,
mas da realidade que está "errada" devido a falhas de mercado.
"Mas, em termos práticos", pergunta-me Maria, "como as duas escolas explicam a crise
atual?" Nos primeiros modelos neoclássicos, as crises não podiam existir, pois os
mercados seriam autorregulados. Entretanto, como isso se chocava com a realidade,
encontraram explicação externa ao sistema econômico: os "choques exógenos" geralmente erros de política econômica. A crise atual, por exemplo, teria sido causada
porque Alan Greenspan manteve os juros em nível baixo em 2001 -o que teria impedido
que os mercados se autorregulassem.
Já os estruturalistas supõem que os sistemas econômicos são intrinsecamente instáveis e
cíclicos, porque os agentes econômicos estão longe de serem racionais, de forma que os
mercados não têm a possibilidade de evitar as crises. Não há o "homo economicus", mas
agentes meio-racionais meio-emocionais que, na busca de maiores ganhos, especulam,
deixando-se guiar reflexivamente por suas profecias autorrealizadas (conforme mostrou
George Soros) que produzem distorções nos mercados. A regulação microeconômica
dos mercados e a política macroeconômica existem para evitar, ainda que
incompletamente, as crises e, quando elas acabam se desencadeando, para diminuir suas
durações e gravidades.
"Com base nessa explicação", observa João, "parece que a teoria estruturalista é mais
realista." Não é só mais realista, responde o professor, é mais modesta e menos
ideológica. Os neoclássicos, com a arrogância dos seus modelos matemáticos, são em
parte responsáveis pela gravidade da crise. Greenspan não foi um dos seus causadores
porque baixou os juros em 2001 evitando naquele momento a recessão, mas porque,
como pateticamente confessou, apoiou sempre a desregulação do mercado financeiro.
Nesse ponto, ele foi neoliberal e neoclássico. Ora, neoliberalismo é uma ideologia
fundamentalista -é a radicalização do liberalismo econômico-, e a teoria econômica
neoclássica, ao lhe servir de sustentação "científica", acabou desempenhando o papel de
metaideologia (de ideologia da ideologia).
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