Cadernos CEDES n.07 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO COMO INSTÂNCIA EXTRAJUDICIAL DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: MPT E SINDICATOS Rodrigo de Lacerda Carelli João Hilário Valentim ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE - IUPERJ Rio de Janeiro dezembro de 2006 Introdução A presente pesquisa foi originada do convênio realizado entre a ESMPU Escola Superior do Ministério Público do Trabalho e o CEDES – Centro de Estudos Direito e Sociedade do IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, que tem como fim o estudo de questões relevantes para o Ministério Público. Entender a natureza da relação dos sindicatos com o Ministério Público do Trabalho, constatando a existência ou não de superposição de atuações, tendo como objeto de observação a atuação extrajudicial do “parquet” trabalhista. Esta é a proposta do presente estudo. A pesquisa se dividiu em duas partes. Uma primeira, de natureza quantitativa, em que se buscaram dados relativos à matéria prevalente nas denúncias realizadas por entidades sindicais ao Ministério Público do Trabalho, o resultado das investigações originadas por essas denúncias e a categoria de trabalhadores representados pelas entidades sindicais. A partir desses dados, partiu -se para a parte de natureza qualitativa, realizada por intermédio de entrevistas com os principais sindicatos demandantes, conforme a parte quantitativa. O capítulo 1 apresenta a parte quantitativa da pesquisa, que foi realizada a partir de dados coletados na Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região (atuação em todo o Estado do Rio de Janeiro), com corte no período entre 2002 e 2004. Assim, foi feita a separação das investigações realizadas por iniciativa de entidades sindicais de todas as outras realizadas por movimentação própria do órgão ministerial ou por outro tipo de denunciante, como trabalhadores, órgãos públicos etc. Com essa separação, a partir dos dados quantitativos percebe-se quais matérias os sindicatos têm levado ao Ministério Público do Trabalho, bem como o resultado dessas investigações, além de quais categorias profissionais buscam mais a atuação do Ministério Público do Trabalho. 2 Com esses dados em mãos, passou-se à parte qualitativa, apresentada no Capítulo 2, que consistiu na realização de entrevistas com representantes das entidades sindicais que mais têm apresentado denúncias ao Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro. Foi elaborado um questionário, que serviu de base para as entrevistas. Com as entrevistas, buscou-se perceber a razão e motivos da busca da atuação do Ministério Público do Trabalho, a existência ou não de atuação conjunta e a percepção geral de como as entidades sindicais têm visto a atuação do “parquet”. Isso teve como objetivo a compreensão de como a sociedade civil, mais particularmente os sindicatos, têm entendido a natureza da atuação do Ministério Público, se como mero substituto dos sindicatos nos conflitos de interesses, ou nova arena de busca de direitos. O Capítulo 3 contém a análise crítica dos dados coletados nas partes quantitativa e qualitativa, separando-se metodologicamente os pontos importantes apresentados pelos dados. Por fim, apresenta-se uma conclusão da pesquisa realizada, apresentando possíveis soluções para a melhor compreensão da interface Ministério Público do Trabalho – sindicatos. Deve ser salientada a essencial participação do estagiário Bernardo Braga, que realizou o levantamento dos dados da pesquisa e realizou todas as entrevistas, com base em questionário formulado pelos pesquisadores. Sem sua participação e empenho esta pesquisa não teria sido realizada. 3 Capítulo 1. Dados Quantitativos – As Representações realizadas pelos Sindicatos 1. Metodologia A primeira tarefa realizada foi a obtenção dos dados relativos à parte quantitativa da pesquisa, tendo sido utilizado o sistema de controle dos procedimentos administrativos da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro), a partir do qual se selecionou uma amostra, relativa a todas as representações (denúncias) realizadas por entidades sindicais entre os anos de 2002 e 2004. A pesquisa quantitativa levou em conta os seguintes aspectos: sindicato demandante, atividade econômica à qual pertence o sindicato, matéria da denúncia e o resultado. Quanto às matérias demandadas, utilizou-se a tipologia de classificação da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro). -lide simulada1 -administração pública [terceirização, admissão sem concurso público e intermediação ilícita], -discriminação, -fraude a relação de emprego [trabalho temporário, cooperativas, intermediação ilícita, terceirização], -greve [greve, coação de trabalhadores para não participar], 1 Lide simulada é o nome que se dá à falta de conflito de interesses em um processo judicial, sendo este utilizado para um fim ilícito, como a redução de direitos do trabalhador. Na sua maior parte ocorre com a contratação pelo empregador de advogado para o trabalhador, entrando na Justiça do Trabalho com ação trabalhista para pagamento a menor de verbas rescisórias trabalhistas. 4 -liberdade sindical [liberdade sindical, liberdade de organização, homologação de Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho, contribuição, liberdade de filiação] -meio ambiente do trabalho [insalubridade, PCMSO, Norma Regulamentadora, recusa de emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho, acidente de trabalho, CIPA] -sem matéria definida ou especificada no registro da Procuradoria Regional do Trabalho; -sonegação [de direitos e verbas trabalhistas, férias, contratação irregular, atraso e retenção de salários, gratificação natalina, rescisão contratual irregular, falta de registro de contrato de trabalho, auxílio -alimentação - Programa Alimentação do Trabalhador - PAT, vale-transporte, atraso e retenção de salários, FGTS, descontos irregulares, inobservância de salário mínimo ou piso salarial, retenção de CTPS] -residual [proteção do trabalho da pessoa portadora de deficiência - PPD reserva de vagas, mediação, coação de trabalhadores, jornada de trabalho] 2. Análise dos dados Os dados levantados pela pesquisa são os seguintes: A – Total de representações, independentemente da natureza do denunciante: Representações autuadas em 2002: 1798 Representações autuadas em 2003: 1848 Representações autuadas em 2004: 2075 5 REPRESENTAÇÕES 2075 1848 1798 representações 2002 2003 2004 1798 1848 2075 representações B – Total de Representações que tiveram como denunciantes entidades sindicais: Representações com Denunciante Sindicato no ano de 2002: 169 Representações com Denunciante Sindicato no ano de 2003: 149 Representações com Denunciante Sindicato no ano de 2004: 214 REPRESENTAÇÕES REALIZADAS POR SINDICATOS 250 214 200 150 169 100 149 50 0 representações 2002 2003 2004 169 149 214 representações 6 Percebe-se, assim, que, apesar do aumento gradual das representações em número total, as denúncias dos sindicatos diminuíram no ano de 2003, coincidentemente ou não, o primeiro ano do governo Lula, quando grande parte dos integrantes do movimento sindical, principalmente cutista, passou a ocupar cargos no governo federal. Entretanto, no ano posterior, retomou-se o crescimento, podendo isso significar uma reorganização dentro do movimento ou incremento de falta de confiança na perspectiva de mudanças sociais até então desenhadas ou propagadas na propaganda eleitoral. As denúncias (representações) apresentadas foram, para fins de análise, classificadas e/ou agrupadas de diversos modos. As classificações e os resultados obtidos estão destacados abaixo. Analisando os sindicatos denunciantes por ramo de atividade, temos que elas foram percentualmente apresentadas pelos seguintes ramos: .serviços - 51% .comércio – 7% .indústria – 42% 7 Ramo de Atividade 7% 51% 42% comércio indústria serviços Discriminados segundo a natureza jurídica do setor ao qual se vinculam, chegou-se à seguinte distribuição das denúncias apresentadas pelos sindicatos: .serviço público – 5% .iniciativa privada – 95% O dado indica o novo leque de atividades realizadas pelo “parquet” laboral, pois, anteriormente ao novo perfil desenhado pela Constituição Federal de 1988, o MPT atuava, mesmo que na condição de órgão agente, exclusivamente quando envolvidos entes públicos na relação de trabalho. Por outro lado, importa destacar que o que pode justificar a pequena demanda do Ministério Público do Trabalho por sindicatos de trabalhadores do setor público, além da circunstância de serem naturalmente em menor número, é o fato de que o 8 seu regime jurídico, em grande parte, tem natureza estatutária, o que afastaria a atuação do Ministério Público laboral. Há outras possíveis variáveis para explicação do fenômeno: da competência da Justiça do Trabalho ser normalmente baseada na relação empregado x empregador, diferente da relação Estado x servidor; a ação sindical do setor público historicamente se estruturou de modo diverso do sindicalismo privado; garantia de emprego dos servidores públicos; maior politização dos embates servidores x estado; limitação de celebração de convenção coletiva de trabalho e acordo coletivo de trabalho, de instauração de dissídio coletivo. Considerando o local de prestação de serviço ou o local do dano ou onde a irregularidade denunciada foi cometida, tem-se a seguinte distribuição: .urbano – 99% .rural – 1% Tal porcentagem ínfima de participação dos sindicatos rurais evidencia alguns aspectos: a falta de interiorização do Ministério Público do Trabalho, localizando-se quase que exclusivamente na Capital do Estado, fazendo com que a maioria das demandas apresentadas esteja relacionada aos grandes centros urbanos, e, em especial, ao grande Rio de Janeiro; no mesmo diapasão, tal estrutura dificulta o recurso dos pequenos sindicatos rurais ao Ministério Público do Trabalho; e que ainda há certa incipiência do movimento sindical rural no Rio de Janeiro. Acerca do andamento das investigações na Procuradoria do Trabalho do Rio de Janeiro, constatou-se que as denúncias colacionadas no período, de origem sindical, estão: .arquivadas – 35% .arquivadas com ação – 4% .arquivadas com ação e com apensamento – 1% 9 .arquivadas com apensamento – 15% .arquivadas com termo de compromisso de ajustamento de conduta– 6% .arquivadas com termo de compromisso de ajustamento de conduta e ação – 1% .ativas – 36% .ativas com termo de ajustamento de conduta – 2% De certa forma, o índice de solução pode ser considerado elevado, pois, do total, somente 36% das denúncias apresentadas, após três anos, continuavam ativas sem conclusão. Por outro lado, infelizmente não há, a partir do sistema da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, como se buscar a razão da grande maioria dos arquivamentos, eis que somente são explicados aqueles realizados por ação ou por termo de compromisso, podendo estar neste número soluções espontâneas ou inexistência ou não comprovação da lesão na investigação. O índice de apensamento de denúncias demonstra que há certa confluência de representações com o mesmo objeto. Não é possível perceber, entretanto, as razões das repetências de denúncias, vez que os dados apurados não demonstram o motivo pelo qual isso acontece. Pode-se especular, por exemplo, que tal repetição está relacionada à falta de controle das denúncias apresentadas pelo sindicato; à falta de acompanhamento do andamento dos procedimentos pelo sindicato; à falta de comunicação entre as entidades sindicais e o “parquet”; ou mesmo à persistência no tempo de determinados tipos de lesões trabalhistas em certos grupos profissionais, sejam esses decorrentes de práticas localizadas naquele segmento profissional ou de práticas empresariais disseminadas, como por exemplo, precarização via terceirização ou cooperativas de mão-de-obra. Um outro recorte realizado foi agrupar as denúncias por matéria, conforme classificação interna da Coordenadoria de órgão agente do “parquet” – a CODIN – Coordenadoria de Defesa dos Interesses e Direitos Coletivos e Difusos - e, considerando os 10 sindicatos que mais denúncias apresentaram ao Ministério Público do Trabalho, verificar a quantidade em termos percentuais das denúncias apresentadas pelos sindicatos escolhidos sobre as matérias definidas. 3. Principais sindicatos demandantes em relação a cada matéria denunciada Desta forma, pôde-se constatar o percentual de denúncias apresentadas pelos sindicatos sobre cada matéria definida, a saber: Matéria: meio ambiente do trabalho: Meio Ambiente do Trabalho - maiores demandantes 4% 2% 9% 12% 59% 14% Sind. Comunicação/Telecomunicação Sind. Ind. Construção Civil Sind. Transp. Rodoviários Sind. Comércio Sind. Ind. Alimentação Outros Deste gráfico extraem-se questões intrigantes, como a participação maior do sindicato do comércio do que o da construção civil, eis que neste último setor tem um ambiente do trabalho historicamente mais perigoso ao trabalhador do que o do comércio, tendo inclusive uma Norma Regulamentar de Segurança e Saúde do Trabalhador específica 11 para a atividade 2, além do que o setor da construção civil está classificado pelos órgãos governamentais como tendo grau 4 (máximo) de risco da atividade, para efeitos de insalubridade e que são vários os acidentes, inclusive fatais, que notoriamente ocorrem nessa atividade. Pode demonstrar, assim, uma pouca preocupação dos sindicatos dessa categoria com a questão da segurança e saúde do trabalhador, demandando uma maior atuação de ofício do Ministério Público do Trabalho. Matéria: administração pública Categoria profissional (sindicatos) x Administração Pública (matéria) Sind. Servidores Públicos 19,0% 42,9% 9,5% Sind. Servidores Terceirizados Sind. Ind. Beneficiamento/Petróleo 9,5% 19,0% Sind. Comércio Outros A terceirização na administração pública, com a conseqüente precarização das formas de contratação e das condições de execução do trabalho, vem se alastrando de tal forma que as demandas formuladas pelos sindicatos dos trabalhadores em empresas terceirizadas já representam quase a metade daquelas apresentadas pelos sindicatos dos típicos de servidores públicos. Vislumbra-se aqui o surgimento de um novo grupo 2 Norma Regulamentar nº 18 do Ministério do Trabalho e Emprego. 12 profissional, daqueles trabalhadores que se relacionam de forma atípica e precarizada com a administração pública, e que, na estrutura sindical legal atual, não são representados pelos sindicatos tradicionais do serviço público. Esse grupo, além das condições precárias de trabalho, convive no seu dia-a-dia com inúmeras irregularidades, o que tem levado a uma atividade de maior expressão do Ministério Público do Trabalho.3 Entretanto, não se consegue perceber a razão do que os sindicatos do comércio estarem demandando com o tema “administração pública”. Matéria: liberdade sindical Liberdade Sindical - Maiores Demandantes 12% 12% Sind. Comércio Sind. Turismo Sind. Transporte aéreos 52% 12% Sind. Educação Outros 12% Percebe-se que o tema está bem diluído entre as categorias, eis que quatro ramos estão juntos em primeiro lugar, com o mesmo percentual, e o restante das categorias representa mais da metade das denúncias. Hoje temos um sistema de liberdade sindical mitigada, destoando do preconizado pela legislação internacional, como a Convenção n° 87 da Organização Internacional do Trabalho, que não foi ratificada pelo governo brasileiro. Essa convenção, 3 As formas clássicas de contratação de servidores se davam pelo regime estatutário, celetista ou especial. A partir de 1988, o requisito do concurso público se tornou obrigatório, bem como a definição de um regime jurídico único em cada nível da federação. Porém, posteriormente, esta regra foi alterada pela Emenda Constitucional n° 19, ainda em discussão no Supremo Tribunal Federal. Não obstante tais formas de contratação, certo é que nos últimos anos se incrementou a contratação “de trabalhadores públicos” por meio de “prestação de serviços”, “cooperativas”, “terceirização”, “consultoria”, “ONG”, “OSCIP”, “fundações”, “falsos temporários”, dentre outras formas, para escape da regra constitucional do concurso público. 13 que está entre as fundamentais da OIT, prevê a plena liberdade sindical, o que não ocorre em nosso País, onde vige o sistema de sindicatos únicos nas categorias (unicidade sindical) e previsão de contribuição sindical compulsória. Por outro lado, há a liberdade de filiar-se ou não prevista na Constituição Federal de 1988. A liberdade sindical defendida pelo Ministério Público do Trabalho se estende à garantia do trabalhador filiar-se ou não, além do combate a prática de atos antisindicais, inclusive aqueles realizados pelos próprios sindicatos. Também há firme atuação na defesa do direito de greve, que vem sendo malferido pelos empregadores. Matéria: sonegação de verbas trabalhistas Categoria profissional (sindicatos) x Sonegação (matéria) Sind. Educação 17,1% Sind. Ind. Vestuário 13,0% 47,2% Sind. Comércio Sind. Ind. Construção Civil 8,9% 6,5% 7,3% Sind. Saúde Outros Corroborando a parte qualitativa da pesquisa, os sindicatos do ramo da Educação têm como maior preocupação a sonegação de direitos e verbas trabalhistas, seguida pelo vestuário, comércio, construção civil e saúde. Tais questões, típicas do direito do trabalho tradicional, envolvem questões pecuniárias e contratuais, classicamente defendidas pelos sindicatos. Assim, esses sindicatos atuam de forma mais clássica, na 14 defesa dos interesses em sentido estrito (ou mais imediatos) dos trabalhadores, e não da forma preconizada pelas novas diretrizes da Organização Internacional do Trabalho4. Matéria: fraude a relação de emprego Categoria profissional (sindicatos) x Fraude à relação de empregos (matéria) Sind. Serv. Bancários 23,5% 33,3% Serviços Terceirizados Sind. Comunicação/Telecomunicação 5,9% 5,9% Sind. Ind. Extrativista 13,7% 17,6% Sind. Saúde Outros A questão das fraudes à relação de emprego, que envolve os temas da terceirização e do fornecimento de mão-de-obra por cooperativas, atingiu principalmente os ramos bancários, saúde (principalmente com a contratação de “cooperativas” para o fornecimento de mão-de-obra sem garantia de direitos) e telefônicos. Interessante a ausência dos eletricitários entre os maiores denunciantes, eis que as atividades desse setor foram, após a privatização do segmento, altamente terceirizadas. Outro ponto a se destacar é a presença em segundo lugar dos próprios sindicatos dos terceirizados, demonstrando que esse segmento tem alto nível de demanda própria, ocasionada, muito provavelmente, pela falta de garantia dos direitos mais básicos a esses trabalhadores. Isto porque, como se sabe, a terceirização no Brasil nada mais é do que um mero fornecimento de mão-de-obra, que 4 Conforme o texto: ILO, Fight Poverty – Organize!. Genebra: 2005, ILO, os sindicatos devem atuar de forma mais abrangente na política nacional, inclusive quanto aos direitos dos não-sindicalizados, desempregados e subempregados. 15 traz consigo a redução de direitos e benefícios. Assim, além dessa redução já “natural” de direitos, esses pequenos benefícios que ainda mantêm lhe estão sendo sonegados. É a precarização da precarização. 4. Matérias demandadas As principais matérias que foram objeto de denúncia dos sindicatos junto ao MPT foram as seguintes: Principais matérias que foram objeto de denúncia para o Ministério Público Sonegação Lide Simulada 18,0% 35,1% Administração Pública Fraude à relação de emprego 15,7% 5,3% 4,2% 15,2% 6,5% Liberdade Sindical Meio ambiente Outros Em primeiro lugar, temos o não-cumprimento das obrigações contratuais pelo empregador com a conseqüente sonegação de verbas e direitos trabalhistas, irregularidades mais comuns no âmbito trabalhista, tanto em relação às apresentadas às Delegacias Regionais do Trabalho, à Justiça do Trabalho e, como não poderia deixar de ser, ao próprio Ministério Público do Trabalho. Constata-se que nem o mínimo que se espera de contraprestação da relação de trabalho é cumprida, em termos gerais, pelos empregadores. Demonstra também a ineficácia do Estado e das instituições de defesa dos direitos do trabalho em fazer valer o pagamento do mínimo na proteção dos trabalhadores, causando, 16 certamente, um sentimento de não-pertencimento à sociedade brasileira dessas pessoas largadas à própria sorte. A fraude à relação de emprego está intimamente ligada à questão da sonegação, porém sob a forma de um ardil.5 Espera-se com a fraude a redução dos direitos (ou mesmo a sua eliminação, como nos casos de falsas cooperativas e fraude por meio de criação de pessoas jurídicas) e quem sabe, como se verificou acima, ainda não é paga ao trabalhador a contraprestação mínima aos trabalhadores terceirizados. Em segundo lugar, encontramos a liberdade sindical. Assim, outro direito básico do trabalhador, que é a garantia da livre associação profissional, demanda grande preocupação nos sindicatos. De certa forma, o desrespeito no âmbito individual se projeta para o plano coletivo, de modo que não é de se espantar que aquele que não respeita os direitos mínimos da relação empregatícia não tem interesse que este se organize para a defesa de seus interesses. O meio ambiente do trabalho, típica atuação de defesa de direitos difusos, inata matéria de atuação do “parquet”, ficou em quarto lugar entre as representações realizadas pelos sindicatos. Pode demonstrar, por não estar entre os primeiros, que os sindicatos ainda estão mais preocupados em garantir o mínimo existencial dos trabalhadores, como verbas salariais e derivados. Assim, as questões relacionadas com a melhoria das condições de segurança no trabalho ficam postergadas, necessária também neste caso a atuação ex officio do Ministério Público do Trabalho nessa questão. 5. Principais sindicatos demandantes Considerando entre os sindicatos denunciantes, os 7 (sete) que mais denúncias apresentaram ao MPT, chegou-se à distribuição apresentada no gráfico abaixo: 5 Como afirmou Cícero, “quanto à injustiça é cometida de duas maneiras; pela violência e pela fraude. Uma pertence à raposa, outra ao leão. Todas as duas são indignas do homem, mas a fraude é mais odiosa. De todas as injustiças, a mais abominável é a desses homens que, quando enganam, procuram parecer homens de bem”. 17 Principais Sindicatos que demandaram o Ministério Público Sind. trab. - Comunicação e telecomunicação Sind. trab. - Bancário 11,3% 10,8% Sind. trab. - Estab. Ensino 41,1% Sind. trab. - Ind. Construção 10,0% 5,1% 9,4% 5,1% 7,2% Sind. trab. - Serviços Sind. trab. - Beneficiamento/petróleo Sind. trab. - Comércio Outros Quase sessenta por cento das demandas por sindicatos estão relacionados a somente sete segmentos profissionais. Qual a razão? São os grupos profissionais mais precarizados ou mais pelegos? Ou onde o movimento do trabalhador mais organizado? Os dois primeiros maiores demandantes são as categorias com maior nível de precarização ocasionado pela terceirização, inclusive com esvaziamento em alto grau da categoria em termos numéricos, eis que passaram, pelo sistema sindical brasileiro, a serem representados legalmente pelos sindicatos de empregados dos prestadores de serviço, que em sua maior parte não pertencem à categoria das empresas tomadoras de serviço, evidenciando o fenômeno da fragmentação da organização sindical, com o conseqüente enfraquecimento do coletivo trabalhador. Neste contexto, se pode intuir que a ação sindical realizada diretamente pelas organizações representativas dos trabalhadores não têm tido eficiência no combate à precarização, buscando, por conseqüência, o envolvimento de outras instituições nesta luta, em especial, o Ministério Público do Trabalho. 18 Os sindicatos com mais demandas são aqueles da área de telecomunicações, justamente o segmento profissional que mais tem sofrido com extrema precarização das condições de trabalho, tendo inclusive sido encontradas diversas situações de trabalho degradante, inclusive veiculadas na imprensa. Outro setor econômico com alto nível de terceirização é o segundo maior denunciante, representante da categoria dos bancários, historicamente de lutas e vitórias tanto no âmbito legislativo quanto negocial, que viu o enxugamento da base em função do processo de automação combinado com formas de precarização com terceirização, seja sob forma de “correspondentes bancários” e desvirtuamento do contrato de estágio. A próxima categoria a se apresentar é aquela sobre a construção civil. As matérias que mais levaram esse sindicato a procurar o Ministério Público do Trabalho foram o meio ambiente do trabalho, sonegação de verbas trabalhistas (não somente no curso da relação trabalhista, bem como no fim do contrato de trabalho) e, por fim, a contratação de trabalhadores, em fraude aos direitos dos trabalhadores, por sociedades formalmente constituídas como cooperativas. Em primeiro lugar, foi encontrado o meio ambiente do trabalho. Esse dado não é de se assustar, eis que a atividade econômica traz por sua natureza grandes riscos à saúde e à vida dos trabalhadores, fato que é corroborado pela existência de uma norma regulamentar específica para esse setor, a Norma Regulamentar nº 18, altamente detalhada. Tais riscos são potencializados pela falta de respeito às normas de proteção ambiental, tanto individual quanto coletiva, ocorrente na categoria, que tem o maior nível de mortalidade de todos os setores da economia6. As denúncias relativas à contratação de trabalhadores de forma precária, como as cooperativas, têm como sentido primeiro a redução de custos do empregador na contratação de mão-de-obra, mesma lógica que se verifica na falta de aporte de recursos pelo patronato na proteção do meio ambiente do trabalho. Formas precárias de trabalho, na 6 Conforme estatística do Ministério do Trabalho e Emprego, relativa ao ano de 2003, em 14/08/2006, <<http://www.mte.gov.br/Empregador/segsau/estatisticas/acidentes/estatistica/2003/UF12grupos.pdf>> 19 maior parte das vezes, também querem dizer falta de treinamento, piores condições de trabalho e tentativa do real empregador de fugir da responsabilidade, inclusive quanto à proteção ambiental7. Quanto à supressão de direitos trabalhistas, a política de enxugamento de custos se completa com o não pagamento dos direitos definidos na legislação. Tornaram-se comuns denúncias de falta de pagamento de verbas rescisórias e de outros direitos assegurados pela legislação laboral. Com relação às verbas rescisórias, virou prática costumeira o seu simples não pagamento, deslocando o acerto para as comissões de conciliação prévia ou para a Justiça do Trabalho, onde há possibilidade de redução do custo se implementa pela facilidade da celebração de “acordos” nos quais, regra geral, as verbas não são pagas em sua totalidade realmente devidas. O quarto setor sindical que mais movimentou, no período pesquisado, o Ministério Público do Trabalho, foi aqueles da categoria empresarial de serviços, compreendida pelos setores de serviço público, empresas de terceirização e profissionais liberais. Quanto à terceirização, acima já falamos, que é a fonte, ou canal, de quase toda precarização atual, sendo explicável assim ser parte importante nos demandantes do Ministério Público. Já os sindicatos dos servidores públicos, que, como visto acima, apesar da pouca implicação no número total das demandas, são notoriamente de alta organização e atuação, decorrente da estabilidade que detêm os trabalhadores na maior parte dos casos. Esse setor tem sofrido, a partir do consenso de Washington, um desmonte de sua estruturação básica, pela contratação precarizada, sem concurso público, de diversos trabalhadores, ao contrário do que ocorria anteriormente, não obstante a orientação da Constituição de 1988 sobre a obrigatoriedade do certame público. Assim, natural a busca do Ministério Público do Trabalho para a tentativa de impedir o desmonte da máquina, eis que as portas negociais políticas se encontraram quase que totalmente fechadas, principalmente no período pesquisado. Além disso, convém lembrar a existência de um 7 Sobre a questão, ver relatório que demonstra a existência, em nível mundial, da tentativa de fuga da responsabilidade sobre os trabalhadores: INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. The Employment Relationship. Genebra: ILO, 2005. 20 núcleo especializado em irregularidades na administração pública, de grande atividade e competência junto aos diversos níveis de governo, o que incentiva a procura ao “parquet”8. A mesma lógica é encontrada no setor petroleiro, que é, em sua maioria, ligado à empresa estatal Petrobras, na qual se verificou, nos últimos anos, grande troca de empregados diretos por trabalhadores terceirizados, ocasionando altos níveis de insegurança no meio ambiente do trabalho, com ocorrência de diversos acidentes com os trabalhadores9. Capítulo 2. Dados Qualitativos - As entrevistas com os sindicatos Na presente parte da pesquisa, buscou-se ouvir diretamente os sindicatos para verificar a razão da busca do Ministério Público para a solução de problemas dos trabalhadores pertencentes à categoria respectiva, a fim de se constatar a visão do meio sindical sobre o Ministério Público e de pensar a natureza da própria atividade do “parquet” laboral. 1. Metodologia Para a eleição das entidades sindicais a serem ouvidas, foi realizada a elaboração de uma tipologia dos sindicatos, levando-se em conta a estrutura legal sindical brasileira, que é realizada a partir das categorias econômicas das empresas empregadoras. Para tanto, tomou-se como referência o disposto no art. 577 da CLT e anexos, tendo sido realizados alguns agrupamentos, e o resultado foi o seguinte: 1- Cooperativa 8 Promovido pelo Jornal de concursos públicos “Folha Dirigida”, junto com a UNESCO, o prêmio Personalidade Cidadania foi entregue, nos últimos dois anos, a Procuradores do Trabalho, Cássio Casagrande e João Batista Berthier. 9 DRUCK, Maria da Graça. Terceirização: Desfordizando A Fábrica - um estudo do Complexo Petroquímico. Salvador/São Paulo: Edufba/Boitempo, 1999 e CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e Intermediação de Mão-de-obra. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 21 2- Transporte 3- Telecomunicação 4- Educação 5- Indústria 6- Serviços Públicos 7- Serviços 8- Petroleiro 9- Bancários 10- Comércio 11- Turismo 12- Saúde 13- Agricultura Definidos os grupos profissionais, promoveu-se a identificação dos sindicatos que mais têm demandado o Ministério Público do Trabalho e, posteriormente, definiu-se o critério para identificar as lideranças sindicais a serem entrevistadas. Identificaram-se, então, os maiores demandantes e, a partir daí, partiu-se para a entrevista dos dirigentes sindicais das entidades que mais têm demandado o MPT, conforme relação a seguir: I – eletricitários II - telefônicos III – bancários IV – construção civil V – serviços - prestadores de serviços de limpeza (asseio e conservação) VI – petroleiros 22 VII – da área de ensino Para a realização das entrevistas, na medida do possível, foram contatados os dirigentes sindicais que tinham conhecimento das denúncias apresentadas ao MPT ou das questões denunciadas. Nem sempre isso foi possível. Entre os sindicatos selecionados, o dos eletricitários foi o único com o qual não se conseguiu contato e, portanto, não foi entrevistado. Para as entrevistas foi elaborado um questionário-base, que serviu de roteiro para todos os encontros. Os dados coletados no MPT foram utilizados para a formulação do questionário, com o objetivo de: a – identificar por sindicato as matérias objeto das denúncias; b – levar em conta o resultado da atuação do MPT por sindicato, dando especial atenção às soluções extrajudiciais (celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta). No período de 16.12.05 até 10.02.06 foram entrevistados os dirigentes sindicais, obtendo-se os seguintes resultados, em ordem das entrevistas. 2. Entrevista com o sindicato SINPRO-RIO 2.1 – Apresentação O Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro – SINPRO-RIO representa os interesses de todos os professores da iniciativa privada, da educação básica, do ensino superior, dos cursos livres, dos preparatórios de ensino complementar ou profissional, inclusive os não seriados, dos cursos de línguas, tendo como base territorial os municípios do Rio de Janeiro, Paracambi, Itaguaí e Seropédica. Este sindicato tem 75 anos de atuação, fundado em 1931 (o primeiro sindicato de professores do Brasil), criado no dia 31 de maio, 23 após o decreto de Vargas de regulamentação da atividade sindical, sendo atualmente filiado à Central Única dos Trabalhadores – CUT. Foram entrevistados o coordenador jurídico e diretor jurídico, estando ambos há pouco tempo no sindicato, após a vitória de sua chapa nas eleições sindicais. O sindicato apresentou no período investigado dezessete denúncias ao Ministério Público do Trabalho, sendo o objeto com maior número de ocorrências a “sonegação de direitos trabalhistas”. 2.2 – A entrevista Os entrevistados, dado o pouco período de tempo no qual estavam no sindicato (menos de três meses), afirmaram não ter pleno conhecimento da relação da entidade com o Ministério Público do Trabalho, nem mesmo conhecendo profundamente a própria história do sindicato, tendo inclusive sido realizada a entrevista na sala improvisada na qual estava alocado o departamento jurídico. Afirmaram os entrevistados que realmente a principal preocupação da categoria é a falta ou atraso de pagamento de salários, descumprimento de itens da convenção coletiva e outras verbas trabalhistas. Inicialmente, afirmaram que a entidade sindical tenta resolver os problemas de forma negociada, diretamente com as instituições de ensino, e somente no caso de não solucionado o problema, são procurados a Delegacia Regional do Trabalho, e, posteriormente, como último recurso, o Ministério Público do Trabalho. Por diversas vezes na entrevista foi salientado como principal problema do relacionamento com o Ministério Público do Trabalho a demora na obtenção de resultados. Alegaram os entrevistados que o Ministério Público do Trabalho é ineficiente, pois “não cumpre o que a Constituição determina, ele não observa prazo, não observa nada, você entra com um requerimento e demora de dois a três anos para obter uma resposta mínima. Os procedimentos prévios demoram muito”. Acreditam que as falhas e o atraso se devem ao fato de ser o “aparato público (...) inexpressivo para atender a crescente demanda”. 24 Perguntados se realizavam, com relação ao fato denunciado, alguma atividade após a representação, os sindicalistas responderam de forma negativa, eis que a busca do Ministério Público do Trabalho “é a última via, quando a via negocial já está esgotada. (...) Quando existe uma reclamação que chega ao nosso conhecimento, nós tentamos resolver o problema pela via da negociação, geralmente indo até a própria escola. Caso não obtenhamos sucesso nessa empreitada inicial, marcamos uma espécie de “mesaredonda” junto à DRT e solicitamos que esta venha a intermediar uma solução para a composição desta situação. Caso a DRT também não obtenha sucesso, restam duas opções: ingressar com uma ação trabalhista ou pedir a interveniência do MPT”. Afirmaram que não participam na coleta de provas pelo “parquet”, pelo fato de ser “difícil acompanhar as investigações, pois estas são essencialmente documentais, quando muito as partes são intimadas para audiência”. A fala dos dirigentes, no entanto, deixam maiores pistas para os propósitos da presente pesquisa, ao afirmar que “os metalúrgicos possuem questões ambientais muito mais agudas e, dessa forma, existe a necessidade de diligências emergenciais. Este não é o caso do sindicato dos professores, o que acaba reduzindo o papel investigativo do MPT”. Assim, devido à própria natureza dos problemas da categoria, a atuação interativa entre sindicato e Ministério Público não seria tão intensa. Acerca das questões que porventura não são levadas ao Ministério Público do Trabalho, informa o sindicato entrevistado que são justamente aqueles casos que seriam “mais facilmente resolvidos via ação individual direta na Justiça do Trabalho. Na maioria dos casos trata-se de pequenos descumprimentos da legislação trabalhista a nível individual”. Acredita que tais problemas, no entanto, tornam-se mais dispersos e constantes devido à demora dos órgãos que deveriam coibir tais atitudes, como a Justiça do Trabalho, a Delegacia Regional do Trabalho e o próprio Ministério Publico do Trabalho. Afirmou o sindicato que “o empregador, percebendo que tanto a ação perante a Justiça do Trabalho quanto a fiscalização são muito lentas, acaba se favorecendo deste fato. (...) Uma solicitação de fiscalização pode levar até mesmo um ano para que seja realizada, além de não haver muita atuação de ofício, ou seja, se parte do pressuposto que 25 está tudo muito bem. Bom, essa fiscalização é muito demorada, por exemplo, chega essa época do ano e o décimo -terceiro salário não é pago, nós encaminhamos uma solicitação de denúncia e esta só é realizada em setembro. Quando a fiscalização chega o assunto já esfriou completamente, os professores já fizeram um acordo para, pelo menos receber alguma coisa, o que nunca significa o que realmente era devido e, ainda por cima, aparenta que o sindicato nada fez para efetivamente resolver o problema. Toda essa gama de burocracia estatal que o empresariado conhece, eles acabam valendo-se disto. Existem escolas que tem atraso no pagamento de salários como hábito e, até mesmo, incentivando que os professores venham a recorrer à Justiça do Trabalho. Eles fazem isto, pois sabem que irá demorar por volta de quatro ou cinco meses e, dessa forma, ele terá tempo para se capitalizar”. Acredita que “uma ação coletiva do MPT seria uma solução a se pensar, hoje isso se tornou um problema crônico, devemos pensar em uma solução que venha a impedir que a conduta prejudicial aos trabalhadores torne novamente a ocorrer”. Por fim, informa que o sindicato pretende buscar uma parceria com o Ministério Público do Trabalho, pois acredita que, após a Constituição de 1988, os sindicatos “ganharam um aliado e um aliado de peso, tendo em vista que agora este ator adquiriu várias funções, já que ele atua, investiga, participa efetivamente da lide em questão”. Perguntado se houve uma mudança de relacionamento das empresas após a investigação pelo Ministério Público do Trabalho, respondeu o sindicato que sim, eis que “os empregadores passam a negociar conosco de maneira mais respeitosa. Até mesmo pelo fato deles já terem notado que a nossa postura é combativa e que nós vamos sempre estar ‘em cima’, eles passam a nos respeitar mais”. 3. Entrevista com o sindicato Sindipetro-RJ 3.1 – Apresentação O Sindipetro-RJ, fundado em 1959, representa os trabalhadores da indústria do petróleo do estado do Rio de Janeiro, exceto os de Duque de Caxias (Sindipetro-Caxias) 26 e os da Bacia de Campos. Estes últimos estão em processo de sindicalização no SindipetroNF, criado em 1996, por desmembramento da base do Sindipetro-RJ. Por isso, os petroleiros do Norte Fluminense ainda estão legalmente sindicalizados no Sindipetro-RJ. Este sindicato é filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Foi entrevistado o diretor da área de saúde do sindicato. No período investigado, o sindicato entrevistado realizou vinte e duas representações, em sua maioria relativas ao meio ambiente do trabalho, mas também constando temas como inserção da pessoa portadora de deficiência e falta de concurso público para o provimento de cargos na Petrobrás. 3.2 – A entrevista Por ocasião da entrevista, o dirigente confirmou que os maiores problemas vivenciados pela categoria profissional coincidem com os temas que foram apresentados em maior número ao Ministério Público do Trabalho. Afirmou que “o problema da terceirização ilícita é o maior desafio que nós enfrentamos. (...) Este problema tornou-se rotina na Petrobrás, que passou a terceirizar vários setores da empresa, muitos deles que não podem ser considerados como atividade meio. É o caso, por exemplo, da área ligada a análise de sistemas, eu sou concursado desde 1985 como analista de sistemas, mas hoje a maioria dos trabalhadores desta área são terceirizados que não possuem vínculo de emprego direto com a Petrobrás. Este quadro cria uma série de problemas, uma vez que o trabalhador terceirizado é um trabalhador que tem o seu posto de trabalho sempre ameaçado, ele não goza da mesma garantia que os concursados têm em relação à continuidade do seu contrato de trabalho. Nesta perspectiva, torna-se um trabalhador sem voz ou reivindicação, interessado apenas em manter seu posto de trabalho face as dificuldades impostas pelo desemprego à realidade do país”. 27 Continua: “Esse quadro, além de criar uma maior instabilidade no ambiente de trabalho, aumenta também as chances de se verificarem acidentes de trabalho. Eu explico: um trabalhador que realizou concurso e, portanto, goza de estabilidade prevista na própria Constituição, pode, em conformidade com a nossa convenção coletiva, se recusar a adotar determinado procedimento solicitado pelo seu superior hierárquico desde que esta solicitação venha a pro em risco a sua integridade física ou a dos demais colegas e que ele fundamente as razões que o levaram a recusar à adoção daquela tarefa específica. Agora, eu pergunto: será que um trabalhador terceirizado poderá adotar comportamento semelhante? E, em caso afirmativo, continuará este nos quadros de funcionários que prestam serviços a Petrobrás após a próxima renovação de contrato? Em relação a este problema especificamente, como você bem observou, existem vários procedimentos ativos investigando o problema, mas a empresa se nega em entrar em acordo com o MPT e o sindicato, optando pela via litigiosa. Ainda não há TAC assinado nem qualquer perspectiva de resolver o problema, embora haja interesse e atuação do MPT no sentido de resolver a questão”. Sobre o outro problema trazido ao Ministério Público do Trabalho, que é o relativo ao meio ambiente do trabalho, o sindicalista ressalta a atuação tanto do Ministério Público do Trabalho quanto o Ministério Público Estadual, afirmando que “a atuação do MPT bem como a atuação do MPE fez com que a empresa começasse a se importar mais com esta questão, agora, o fator diferencial foi a questão do “Marketing Social”, as questões ligadas a acidentes ambientais possuem uma magnitude muito grande, não são questões localizadas, mas sim, questões que tem amplitude em escala mundial e, sobretudo, arranham por demais a imagem da empresa”. Salienta outros casos que o sindicato tem procurado o “parquet” laboral, como a discriminação de trabalhadores, por meio de restrições na hora da empresa estatal de petróleo contratar. Exemplifica: “trabalhadores com idade avançada eram aprovados nos concursos públicos nos testes gerais para seleção, mas, posteriormente, eram reprovados durante o exame médico sob o pretexto de um pretenso desvio de coluna. Ora, esse é um problema que, em maior ou menor grau, atinge grande parte da população. Outro exemplo que posso citar foi a criação de um exame para aferir a densidade corporal dos trabalhadores, a fim de se evitar que fossem contratados trabalhadores de massa corporal 28 muito alto. No linguajar popular o que se pretendia era se evitar a contratação de trabalhadores obesos, pois estes ocupariam teoricamente dois lugares nos helicópteros que levam e buscam os trabalhadores para as plataformas e também ocupariam dois lugares nas barcas designadas para socorrer os funcionários em caso de acidente. O MPT é muito importante nestas questões, pois nos ajudam a configurar as hipóteses como também atuam impedindo a continuidade deste tipo de prática”. O sindicalista também apresenta mais um caso encaminhado ao MPT que entende ser de relevância: “Outro exemplo pode ser constatado no caso das empresas prestadoras de serviço que ganham um adicional de 3% a 5% em suas faturas, caso consigam executar a respectiva prestação de serviços sem que seja verificada a ocorrência de acidentes de trabalho. Esta política estimula estas empresas a ocultar eventuais acidentes para aferir lucro máximo em relação aos contratos celebrados com a Petrobrás. O MPT atua ao lado do sindicato, adotando uma postura contrária a essa política empresarial. Como eu já falei anteriormente, acidentes sempre podem ocorrer, o que uma empresa consciente de sua responsabilidade deve fazer é adotar todas as medidas preventivas necessárias para minimizar ao máximo a possibilidade de acidentes ocorrerem. O MPT já ingressou com uma Ação Civil Pública para discutir judicialmente esta questão e esta sendo muito importante para ajudar-nos a resolver este assunto”. Respondendo se há temas ou problemas que não são levados ao Ministério Público, o sindicalista, em resposta, afirmou que a maior parte dos assuntos não são encaminhados ao “parquet”, realizando-se uma triagem prévia, procurando “levar ao MPT questões que tenham amplitude, maior relevância e, sobretudo, dimensão coletiva. Neste sentido, estão excluídas as questões de cunho eminentemente individual ou que sejam consideradas muito pontuais. Além disso, estão descartadas as controvérsias nas quais a vítima se nega a depor sobre o fato, uma vez que o ônus da prova incumbe àquele que alega o fato e a ausência da prova testemunhal dificulta bastante comprovarmos aquilo que estamos alegando, e também as questões relacionadas ao assédio moral, já que esta normalmente se resolve através da ouvidoria da própria empresa.” 29 Quanto às providências tomadas pelo sindicato antes da denúncia do caso ao “parquet”, afirmou que o sindicato, pela sua experiência, já sabe quais questões há possibilidade de negociação direta com a empresa. Perguntado sobre a participação do sindicato nas investigações, respondeu que depende do procurador, havendo a necessidade de maior interação entre sindicato e Ministério Público. Exemplifica: “Quando a demanda é sorteada para um procurador que adota esta postura que acabei de descrever, o sindicato consegue ter uma atuação pró-ativa durante todo o desenrolar do inquérito, ou seja, tendo uma atuação incisiva na sua configuração. Nestes casos, o nosso papel passa a ser muito maior do que o de simples denunciante, nós levamos e encorajamos testemunhas a depor, municiamos o MPT com uma série de informações de que ele necessita e ajudamos esta entidade a constituir prova. Contudo, existem procuradores que nem sequer nos recebem, penso que eles não querem relacionar a sua imagem com o sindicalismo. Na minha opinião, os procuradores devem receber e ouvir ambas as partes, tanto os empresários quanto os sindicalistas, sempre mantendo a sua postura neutra e eqüidistante diante da questão. Já nestes casos, é muito difícil receber informações de como anda o procedimento, quanto mais participar das investigações”. Salientou a conquista de um aliado com o novo perfil do Ministério Público, preocupando, no entanto, com a falta de estrutura para atendimento do enorme número de demanda ofertada pela sociedade. Quanto à postura da empresa após a atuação do Ministério Público, o dirigente sindical afirmou que “em alguns casos a empresa passa a nos respeitar mais, ou, melhor ainda, passa a tomar uma série de precauções a fim de evitar que o problema torne a se repetir e, conseqüentemente, gere uma nova denúncia de igual teor. Um exemplo positivo é o da Transpetro que retirou cartazes que estimulavam a prática de ocultamento de acidentes os substituindo por outros que estimulavam os trabalhadores a reduzir os riscos de acidentes (a ação contempla outros pedidos além da substituição dos cartazes, tendo prosseguido em relação aos pedidos residuais não contemplados). Um exemplo negativo é o caso da terceirização ilícita, pois, embora já existam vários procedimentos prévios e, até mesmo, algumas ações, não houve ainda qualquer tentativa por parte da empresa em 30 negociar uma solução para o impasse, ao revés, esta se mostra relutante em compor à lide amigavelmente, preferindo a demorada via judicial para solucionar a questão”. Afirmando que a maioria dos Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta são respeitados pela empresa, ressalta, no entanto, que a maioria das investigações ainda estão em curso no MPT, e que o ônus da demo ra é suportado pelos trabalhadores. 4. Entrevista com o sindicato Sintraconst-RJ (Construção civil) 4.1 – Apresentação O sindicato (Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil no Rio de Janeiro) foi fundado em 01/01/1931, com o nome de “Aliança dos Operários nas Indústrias da Construção Civil do Rio de Janeiro”, de acordo com o decreto nº 19.770 de 19/03/1931, Em 1939 a Aliança foi transformada em Sindicato, por decreto baixado pelo na época Presidente da República do Brasil, Getúlio Dornelles Vargas, sendo Ministro do Trabalho Lindolfo Boeckel Collor. A atual diretoria encontra-se na gestão desde 2001. O diretor sindical entrevistado foi o vice-presidente do sindicato, que representa, na cidade do Rio de Janeiro, além dos trabalhadores da Construção Civil, aqueles de outros segmentos, quais são: trabalhadores em empresas de mármores e granitos e montagem industrial. As questões que mais foram denunciadas por este sindicato foram a rescisão irregular de contrato de trabalho e falta de cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalhador (meio ambiente de trabalho). O sindicato tem uma base de cento e vinte mil trabalhadores, tendo cinqüenta e um mil associados. 4.2 – A entrevista 31 Inicialmente, perguntado sobre as maiores questões trazidas para o Ministério Público do Trabalho, informou que, atualmente, o principal problema enfrentado é o da terceirização, indicando que cerca de 90% de uma obra, hoje em dia, é composta de trabalhadores terceirizados, resultando em má qualidade nos trabalhos, pelo pouco investimento nos trabalhadores e alta rotatividade. Por outro lado, informa que, em seu setor, já foi extirpada a fraude à relação de emprego por meio de cooperativas de mão-deobra, que havia em grande número, reputando fundamental a atuação do Ministério Público e o combate que foi realizado pelo próprio sindicato. Que em todos os casos que denunciou ao Ministério Público, anteriormente o sindicato havia comparecido à empresa e tentou solucionar a questão, não tendo sido possível. Quanto à relação com a empresa após a denúncia ao “parquet”, o sindicalista informa que a empresa passou a tratar o sindicato “com mais respeito”. Informou que pequenos problemas, como falta de pagamento de verbas rescisórias, são tratados no próprio sindicato, ou na comissão de conciliação prévia que mantém. Afirmou que somente as questões que não conseguem solucionar, que são poucas, são encaminhadas ao Ministério Público. Diante da pergunta referente às providências tomadas pelo sindicato após a denúncia, afirmou o dirigente que “diariamente estamos no canteiro, independentemente do retorno dado pelo MPT. Nós continuamos a acompanhar a situação denunciada e, caso seja uma questão mais grave, que envolva mais responsabilidade à nível de segurança, nós intervimos imediatamente, independentemente da atuação do MPT ou não”. Prossegue dizendo: “nós municiamos o MPT com muitas informações, tudo o que está contido no nosso arquivo. O trabalho efetivo na base gera uma relação próxima entre trabalhador e sindicato e, desta forma, cria uma espécie de vínculo de confiança entre ambos. Sendo assim, os trabalhadores se sentem encorajados para depor, pois confiam no nosso trabalho. Conseguimos, então, cooperar com o MPT neste sentido, na produção de provas testemunhais, pois a categoria confia plenamente no seu sindicato e, dessa maneira, se revelam estimulados e confiantes para depor quando nós assim solicitamos”. 32 Acredita que os principais problemas quanto ao relacionamento do sindicato com o Ministério Público são a demora na resolução das questões e a falta de retorno quanto ao resultado e andamento. Quanto à primeira falha, entende que é causada por falta de pessoal e infra-estrutura. Outra falha, em seu ponto de vista, é que muitas vezes o Ministério Público se limita a chamar a empresa para depor, sendo que entende que deveria fazer como o sindicato e ir ao canteiro de obras. Entende haver a falta de interlocução com a entidade sindical. Informa que com relação aos termos de compromisso de ajustamento de conduta (TAC), quando são firmados, as empresas os cumprem. Porém, entende que o MPT deveria tratar a questão de forma mais abrangente, pois as empresas, geralmente, atuam em todo o Estado, enquanto que a base do sindicato se limita ao município do Rio de Janeiro. Entende que a nova atuação do Ministério Público é positiva, porém critica a falta de integração com os sindicatos, as federações e as confederações. Acrescenta: “Nós denunciamos a empresa e para ela esquivar-se da nossa denúncia, muda a sua base territorial, migra para outro município. Eu acho que o MPT devia continuar as suas investigações com base nos dados extraídos da denúncia que nós produzimos e não arquivá-la pela perda do seu objeto. Cada um tem a sua opinião de acordo com aquilo que pensa ser melhor para si e para a sua categoria, eu sempre me manifesto a nível do estado do Rio de Janeiro, a empresa hoje está no Rio, mas amanhã pode estar em São Paulo, não pode? O MPT não tem o alcance exato destas questões, acho que deveria ser feita uma grande parceria entre MPT, Ministério do Trabalho, todos os níveis do segmento sindical e, inclusive, o setor patronal, para discutirmos estas questões que eu estou levantando. Eu acho, ainda, que nós devíamos ter um atendimento especial por parte do MPT devido a nossa questão ambiental ser mais aguda e envolver de forma muito acentuada a segurança do trabalhador”. 5 – Entrevista com o sindicato Seac-RJ – Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Rio de Janeiro 33 5.1 – Apresentação Trata-se do sindicato patronal que representa o segmento das empresas de asseio e conservação, tendo sido entrevistado o presidente do sindicato. A entidade foi criada em 1963. A maioria de suas representações se relacionava com o tema de fraude com utilização de cooperativas de mão-de-obra. 5.2 – A entrevista Acerca da matéria mais denunciada pelo sindicato, informou que “além de enfrentarmos o problema da competição predatória, pois apenas no estado do Rio de Janeiro o segmento congrega cerca de 1100 empresas, sendo, portanto, um segmento altamente competitivo, enfrentamos também o problema da concorrência desleal das cooperativas de trabalho que por terem isenções fiscais e tributárias nas licitações, conseguem obter uma vantagem competitiva em relação as nossas empresas e praticar preços muito inferiores. Porém, o MPT já atentou para esta questão e tem sido um aliado muito importante no combate a estas cooperativas de fachada. Na verdade, apesar de se auto-entitularem cooperativas de trabalho, elas nada mais são que empresas irregularmente constituídas”. Informa, entretanto, que “o problema envolvendo cooperativas deixou de ser, nos últimos anos, a nossa principal questão. Tal fato se deve principalmente a atuação do MPT que tem desenvolvido um belo trabalho reprimindo a ação das cooperativas que atuam de forma fraudulenta e também tem atuado junto aos tomadores do serviço para que estes venham a se abster de contratar estas cooperativas para desempenharem serviços nos quais estejam presentes os requisitos previstos na CLT para a configuração da relação de emprego. Os tomadores já estão se conscientizando de que, muitas vezes, os cooperados são empregados que não possuem os benefícios previstos na legislação decorrentes de uma relação de emprego e, no final das contas, os próprios tomadores terão que suportar este custo”. 34 Perguntado sobre a relação das empresas após a atuação do Ministério Público, aduziu que, “sem dúvida, houve uma mudança na mentalidade dos tomadores, a atuação do MPT junto a empresas como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Fundação Oswaldo Cruz e Petrobrás, entre outras, foi muito eficaz. Todos estas, embora de forma diferentes, sofreram algum tipo de interpelação por parte do MPT e modificaram a sua conduta em relação ao que tange a contratação de cooperativas irregulares. Destaco, ainda, que esta modificação de postura não aconteceu somente a nível do estado do Rio de Janeiro, mas também, em âmbito nacional”. Outro problema levantado é a inadimplência das empresas contratantes, o que geraria falta de pagamento de salários dos trabalhadores, principalmente quando quem contrata é ente público, em particular destaca o município do Rio de Janeiro, o estado do Rio de Janeiro e hoje, até mesmo, a União, através das autarquias e das empresas públicas. “Todos, infelizmente, estão pagando mal”, assevera. Entende que “a postura do MPT é a de buscar a parceria, o entendimento, a efetiva solução do problema. Acrescento, também, que eles têm sido nossos parceiros também nas novas questões, com as cotas para deficientes físicos e também a questão do menor aprendiz. Importante frisar, ainda, que o MPT entende os nuances do mercado, ele é capaz de interpretar a lei e buscar a razoabilidade. Já a DRT é muito mais positivista, cobra dos sindicatos o conteúdo estrito do texto legal, sem considerar as peculiaridades e especificidades atinentes ao caso concreto. Neste ponto, posso afirmar que o MPT busca o equilíbrio na relação capital-trabalho, ele consegue entender melhor as necessidades de cada parte envolvida na questão e, sobretudo, busca uma conciliação que seja benéfica para ambas as partes.” Como os outros sindicatos, reclamou da falta de celeridade do Ministério Público na resposta aos problemas trazidos. 6 – Entrevista com o sindicato Seebm-RJ e Feeb-RJ/ES (segmento dos bancários – federação e sindicato) 35 Neste caso, foram entrevistados diretores da Feeb-RJ/ES (Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários no Rio de Janeiro e Espírito Santo) e do Seebm-RJ (Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos bancários do Rio de Janeiro). A Federação tem 47 anos de história e 13 sindicatos filiados no Rio de Janeiro e Espírito Santo. Dentre eles, o Seebm-RJ, que iniciou suas atividades como “Associação dos Funcionários de Bancos do Rio de Janeiro”, fundada em 05 de novembro de 1929, sendo transformada, em 17 de janeiro, em Federação dos Bancários do Brasil, com sede na Avenida Rio Branco, 151. Em 1931, a Federação dos Bancários do Brasil passa a chamarse Sindicato Brasileiro de Bancários. O Decreto 19.770, de março, regulamenta a Lei de Sindicalização que impõe a unicidade sindical. Em 1941, passa-se a chamar “Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Distrito Federal”. Teve em sua história diversos casos de intervenções governamentais, inclusive sob força policial. Atualmente, são filiados à Central Única dos Trabalhadores – CUT. As maiores demandas dos sindicatos no Ministério Público do Trabalho foram a terceirização ilícita e coação de trabalhadores, em desrespeito ao exercício do direito de greve. 6.2 – A entrevista Sobre os temas que mais demandaram perante o “parquet” laboral, as entidades sindicais disseram que realmente a terceirização veio, junto com a automação, reduzir “drasticamente” a categoria que representam, sendo que, no seu entender, “no caso da terceirização ilícita, o MPT tem atuado brilhantemente, ressalto que na categoria bancária não existe terceirização lícita, exceto nas áreas de asseio e conservação e vigilância. Todas as outras atividades bancárias são consideradas atividades fins e, portanto, não podem ser terceirizadas”.10 10 O entendimento no Poder Judiciário brasileiro sobre a licitude ou não da terceirização está baseado na súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho: “I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03-01-74). 36 E continuaram: “O MPT coopera à medida que o sindicato faz as denúncias, e posso dizer, o MPT tem atuado efetivamente em relação a elas. Eu diria que o único problema que existe nesta parceria entre sindicato e MPT é a morosidade da justiça que, obviamente, foge ao controle de ambas as partes. O MPT traz uma resposta rápida, apresentando uma alternativa para a solução do caso concreto, mas a lentidão judicial impede que o resultado venha a ser alcançado. Por exemplo, uma denúncia feita em 1998 contra a terceirização do “City-Phone”, que é o atendimento telefônico do CityBank. Neste caso, a matriz do banco fica em São Paulo e as nossas denúncias são encaminhadas para lá. É necessário lembrar que, excetuando-se o HSBC cuja matriz é em Curitiba, todas as outras matrizes situam-se em São Paulo. Isso poderia ser modificado na estrutura do MPT, pois, até o processo chegar lá e ser nomeado um procurador para atuar junto à denúncia demora muito, o melhor seria que se o processo tivesse sido iniciado aqui no Rio de Janeiro, este também fosse concluído aqui. (...) No caso que eu relatei do City-Phone o MPT conseguiu que fosse revogada a terceirização ilícita em relação aos trabalhadores que não haviam sido contratados na qualidade de bancários e conseguiu também que todos fossem contratados pelo próprio banco, totalizando, na época, cerca de 150 trabalhadores no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador”. Quanto ao outro ponto de maior procura do Ministério Público do trabalho, que é o direito de greve, que representa 35% das denúncias, o sindicato explicou o problema enfrentado: “Com relação à greve, o nosso maior problema é o direito de propriedade. Explico: os banqueiros com base nos dispositivos legais que regulamentam a posse, passaram a utilizar o instrumento do Interdito Proibitório (IP) para impedir e cercear o direito constitucional do sindicato mobilizar-se para realizar uma greve. No final da II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (Art. 37, II, da Constituição da República). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993)”. (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000) 37 ditadura a mobilização sindical era muito maior, o nosso sindicato fez grandes greves no final da década de 80. Por exemplo, em março de 1987, salvo engano, realizamos uma greve nacional durante oito dias, na qual paralisamos cerca de 900 mil trabalhadores. Em 1988 e 1989 repetimos a dose só que em menores proporções, ou seja, a década de 80 teve um nível de mobilização, especificamente em relação ao sindicato dos bancários, muito maior do que o atual. Entretanto, na década de 80 a rotatividade que existia não retirava o emprego definitivamente do bancário, ele saía de um banco e ia trabalhar em outro. Com o advento da automação, já na década de 90, este fato simplesmente deixou de existir, se o bancário é demitido de determinado banco é muito difícil ele conseguir retornar ao segmento bancário. Este processo enfraquece a mobilização da categoria para o enfrentamento da classe patronal, sobretudo no que tange as campanhas salariais. Nesta perspectiva, além do panorama desalentador, os banqueiros passaram a utilizar o instrumento do IP tanto nas paralisações pontuais em determinados bancos bem como nas paralisações de caráter geral decorrentes da campanha salarial e que abrangem toda a categoria. Eles ingressam perante o judiciário com o pedido de IP com antecipação de tutela e o juiz concede na hora, meia hora depois está o oficial de justiça junto com a polícia na porta do banco para retirar o sindicato, sob pena de multas pesadas e, até mesmo, prisão. O pior aspecto não pode ser considerado nem a prisão, mas, sim, a imposição de multas que consideramos impagáveis, como, por exemplo, vinte, cinqüenta, e até cem mil reais”. E foi mais claro ainda em seu interesse na atuação do Ministério Público do Trabalho: “Existe uma ação do MPT, até porque nós levamos ao conhecimento deles muitas denúncias acerca desta má utilização do IP. Porém, o que salvou realmente a situação foi a promulgação da emenda constitucional n.º 45, porque a partir da sua vigência o sindicato pleiteou que essas ações passassem a ser julgadas na Justiça do Trabalho e não na justiça comum como ocorria outrora. Destaco que na Justiça do Trabalho temos um acolhimento muito maior em relação a justiça comum, é muito difícil para o juiz de uma vara cível aferir a legalidade de uma greve. Desde que se iniciou este processo, que já virou uma verdadeira indústria, em 1995, tivemos cerca de cem IPs, logo, a emenda n.º 45 irá servir para frear este processo. Penso que o MPT tem o papel de intervir perante a Justiça do Trabalho para impedir a indústria do IP e, é com esta finalidade, que o sindicato demanda o MPT nesta questão. Reitero que o desencadeamento do processo grevista deriva 38 diretamente das nossas próprias ações sindicais, o auxílio do qual necessitamos é que o MPT não deixe que este nosso direito, garantido pela constituição, seja violado”. O sindicato dos bancários, segundo os dados estatísticos da amostra pesquisada, tem nas suas denúncias a maior porcentagem de resultado das investigações com ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho. Demandado sobre esse resultado, afirmaram da dificuldade de acompanhamento das ações por parte das entidades sindicais, o que seria uma falha tanto do “parquet” quanto da entidade sindical. Acreditam existir falta de comunicação e transparência na atuação do Ministério Público, sugerindo “da mesma forma que podemos consultar o “site” da Justiça do Trabalho para verificar o andamento de determinado processo, seria conveniente que pudéssemos realizar o mesmo procedimento no “site” do MPT. Poderia, então, ser criado um sistema que propiciasse-nos a realização de consultas virtuais, esta é uma deficiência que poderia ser corrigida.” Continuando a sugestão: “Ainda sobre este assunto, como se discute muito o sigilo dos PPs11 para garantir o seu êxito final, poderia se pensar em trabalhar com áreas reservadas dentro do próprio site do MPT, cada sindicato teria uma senha e, dessa forma, ele poderia consultar os processos nos quais tivesse interesse”. Quanto às ações com resultado positivo, os diretores sindicais avaliam: “Posso afirmar que inicialmente eles começam a cumprir, mas, depois, arrumam um jeito de burlar a decisão imposta pela justiça. Por exemplo, nós ganhamos uma ação em face do Banco Morada e após a sua aquisição pelo Bradesco a situação voltou a ser como era antes. Em relação ao caso Finasa, ocorreu à mesma situação descrita anteriormente. Já o caso da Losango consiste num dos processos mais “emperrados” aqui dentro, como ela já foi propriedade de três instituições diferentes, dificulta muito a ação do MPT. Posso sintetizar, afirmando que é inegável que houve avanços, muitas decisões em sentido favorável, agora, existem também muitos casos nos quais os bancos acabam encontrando uma forma de descumprir a decisão judicial”. Perguntado acerca da existência de questões que não são levadas ao “parquet”, informaram que: “Posso afirmar que, de uns dois anos para cá, raros são os problemas mos quais nós não compartilhamos com o MPT. Todas as nossas questões são 11 PP - Procedimentos Preparatórios de Inquérito Civil, forma de procedimento de investigação do Ministério Público do Trabalho, também chamado de Procedimento Investigatório. 39 levadas a ele, até mesmo questões novas, como é o caso do assédio moral. Por exemplo, nós trouxemos a questão do Itaú ter obrigado todos os seus gerentes a cederem o seu direito de imagem para o banco, também estamos denunciando o fato de muitos bancos utilizarem programas que favorecem ao primeiro emprego em atividades fins, ou seja, nós trazemos quase todas as nossas questões. Outras vezes, apesar de não se tratar de um grupo significativo de trabalhadores, mas consistem em transgressões tão ilícitas e imorais que, apesar de consideramos pontuais, nós trazemos à cognição do MPT”. Salientaram ainda que grande parte do movimento sindical ainda desconfia da Justiça, tendo-a como uma opositora ao invés de aliada, preferindo a ação sindical às ações políticas, como a greve. Sobre as providências tomadas pelos sindicatos antes da denúncia ao Ministério Público do Trabalho, informaram que realizam “a mobilização dos trabalhadores e a greve. Nosso objetivo é tornar pública esta ação do empregador que consideramos nociva aos trabalhadores. Muitas vezes, tentamos também algum tipo de via negocial com o próprio banco que dificilmente obtém algum resultado prático devido à disparidade das forças colocadas em disputa”. Acreditam que não participam muito das investigações do “parquet”, às vezes juntando provas e realizando diligências conjuntas. Quanto ao novo perfil do Ministério Público, em particular de seu ramo trabalhista, afirmaram que “o MPT, da década de 90 para cá, mudou bastante a sua feição. Logicamente, o seu corpo também foi mudando gradativamente, entrou uma equipe nova, com novos paradigmas. As modificações foram muito boas, o que acho que ainda falta é melhorar a relação de comunicação com os sindicatos e também nós passarmos a levar as questões que estamos pensando, mas, que por diferentes motivos, não levamos ao conhecimento do MPT”. Perguntados sobre se há mudança no relacionamento entre a empresa e os sindicatos após a atuação do Ministério Público, afirmaram que “Depende, essencialmente, do resultado obtido após esta intervenção do MPT a qual você se referiu. Quando o resultado é positivo, apesar da empresa ficar mais “braba” conosco, notamos uma modificação de postura. Já se esta intervenção não surte nenhum resultado prático, as 40 empresas ficam mais incisivas em relação àquelas posturas que nós combatemos. Casos práticos são os da Losango e do Banco Morada”. Com relação aos Termos de Compromisso firmados, responderam: “Eu tive experiência com dois TACs12. Um foi celebrado com o Banco Real e, em relação a este TAC, a decisão foi cumprida efetivamente. Já o ABN foi diferente, celebramos um TAC e após várias mudanças em relação aos controladores da financeira, o problema permaneceu.” E: “Os bancos, de uma forma geral, costumam cumprir os TACs até conseguir modificar a relação de trabalho. Eles acabam arrumando um jeito de descumprir a decisão”. E aduziram: As denúncias que o sindicato oferece ao MPT e este por algum motivo dá vazão à imprensa sobre os fatos ocorridos, muda completamente a postura das empresas transgressoras, elas buscam rapidamente uma maneira de eliminar o problema. Quando a imprensa fica sabendo, nós notamos uma significativa melhora no resultado prático da questão e, sobretudo, maior empenho da própria empresa denunciada em resolver o problema. Entretanto, como a maioria das denúncias não segue este caminho, a resposta é quase sempre muito dura por parte das empresas”. 7 – Entrevista com o sindicato Sinttel-RJ O Sinttel-RJ – Sindicatos do Empregados em Empresas de Telecomunicações do Rio de Janeiro tem sua base territorial todo o Estado do Rio de Janeiro. O Sinttel/Rio tem sua origem no Centro Operário dos Empregados da Light e Companhias Associadas, criado em 1926. Em outubro de 1930, obedecendo às determinações do governo Getúlio Vargas, o Centro foi desmembrado, dando origem ao Sindicato de Carris Urbanos e outras entidades. Já em outubro daquele mesmo ano foi fundada a Associação Profissional dos Trabalhadores em Empresas Telefônicas, tendo como presidente da Junta Governativa encarregada de organizar a nova entidade, a telefonista Ângela da Costa Leite, funcionária da Companhia Telefônica Brasileira (CTB). 12 Abreviatura de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta, instrumento que dispõe o Ministério Público para resolver a questão no âmbito administrativo, podendo ser executado na Justiça caso não sejam cumpridas as obrigações nele previstas. 41 Em 1º de agosto de 1941 o Departamento Nacional do Trabalho concedeu a Carta Sindical, transformando a Associação em Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Telefônicas do Rio de Janeiro. É filiado à CUT – Central Única dos Trabalhadores. Foi entrevistada a Diretora da área de saúde e condições de trabalho da entidade sindical. A maior parte das suas denúncias se refere a terceirização ilícita e a meio ambiente do trabalho. 7.2 – A entrevista Perguntada sobre os pontos que mais denunciam ao “parquet”, afirmou a dirigente sindical: em relação à terceirização trata-se de um problema mais antigo, intimamente relacionado com a questão da privatização das empresas telefônicas. Todavia, hoje esse quadro foi nivelado, são poucos os trabalhadores que não são terceirizados nas grandes empresas. Gostaria de ressalvar que esses casos eu não realizo um acompanhamento muito de perto. Para te dar um exemplo, realizamos uma denúncia contra a terceirização do atendimento 102 da Telemar, a empresa resolveu, então, transferir o serviço para o estado da Bahia. É aquele velho dilema, ou você se adapta ou fica de fora. E qual foi o resultado prático deste quadro que eu acabei de relatar? A denúncia foi arquivada, perdeu o seu objeto, não existem mais os postos de trabalho que eram o alvo da denúncia que oferecemos”. Quanto ao meio ambiente do trabalho, afirmou a sindicalista que “essas denúncias são oriundas de demissões quando a empresa utiliza o exame médico “periódico” e o “de retorno”. Ou seja, eles utilizam este exame do trabalhador para mandá-lo embora. Ressalto, ainda, que o trabalhador tem poucas chances de acesso a este exame, tem uns que nem fazem, é muito complicado”. 42 Com relação à atuação do Ministério Público do Trabalho, criticou: “as respostas são muito, muito, muito demoradas, resposta objetiva ainda não existiu em relação a estas denúncias que você tem aí”. Com relações às falhas que vê no “parquet”, aduziu: “eu observo que o MPT podia ter uma integração maior com os sindicatos. Eu sou representante da classe junto à Codin,13 mas a minha participação era muito reduzida, são vários segmentos representados nestas reuniões (CREA, DRT, Feema, entre outros). Observei, ainda, que o MPT não gosta da presença do sindicato nestas reuniões, ele prefere pessoas com condições e formação acadêmica. Já na minha opinião acho que a participação do sindicato é muito importante, mas, muitas vezes, a preocupação é com o discurso, com o embate, parece que eles acham que o sindicalista é aquela pessoa que não possui discernimento”. Afirma que deveria haver uma integração maior, citando um exemplo: “uma vez eu fui em uma fiscalização, após muita insistência, com o MPT para que eu pudesse participar. Neste caso específico, tive participação ativa, pois tinha conhecimento de quais eram os locais físicos do estabelecimento fiscalizado nos quais poderiam estar ocorrendo abusos contra os trabalhadores”. Como auxílio ao trabalho do “parquet”, informou que o sindicato costuma prestar informações e ajudar na colheita de provas. Disse ainda que previamente às denúncias, por medo de expor os trabalhadores e devido à “intransigência” das empresas atualmente, não costuma tentar negociação direta com os empregadores. Reclamou também do excesso de formalismo e da distância mantida pelos membros do Ministério Público, bem como a dificuldade em acompanhar as investigações, sugerindo inclusive a existência de um número de protocolo para localização das denúncias, como acontece na Delegacia Regional do Trabalho. Concluiu dizendo que tanto os trabalhadores quanto o sindicato sentem-se “desamparados” nesse momento, pois não vêem os problemas sendo resolvidos. 13 CODIN – Coordenadoria de Defesa de Direitos e Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, divisão interna da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, cujos procuradores são responsáveis pelas investigações e ações civis públicas. 43 Capítulo 3. Considerações Críticas 1. O Ministério Público do Trabalho, em seu novo perfil institucional, ainda é um ente a ser descoberto pela sociedade e por si próprio. Entretanto, com base nos dados qualitativos levantados, pode-se dizer que as entidades sindicais já começam a perceber seu sentido e finalidade, bem como suas diferentes áreas de atuação e motivações de agir Inicialmente, demonstram as respostas fornecidas pela totalidade dos entrevistados que as questões postas ao “parquet” são aquelas que atingem uma coletividade de trabalhadores determinada ou mesmo indeterminada, resolvendo em seu próprio âmbito sindical os casos individuais trazidos pelos trabalhadores, como afirmou, por exemplo, o sindicato da construção civil. Ao trazerem ao Ministério Público principalmente questões como a terceirização e o meio ambiente de trabalho, problemas que atingem uma coletividade indeterminada de trabalhadores, que inclusive transcendem a própria categoria, sendo, destarte, de natureza difusa, demonstram que estão começando a perceber certa natureza diversa na defesa pelo “parquet” dos direitos dos trabalhadores. Alguns sindicatos já percebem plenamente a natureza da forma e motivação de atuação do “parquet”, como afirmou o representante da Federação dos Bancários: “Penso que o MPT tem o papel de intervir perante a Justiça do Trabalho para impedir a “indústria” do Interdito Proibitório e, é com esta finalidade que o sindicato demanda o MPT nesta questão. Reitero que o desencadeamento do processo grevista deriva diretamente das nossas próprias ações sindicais, o auxílio do qual necessitamos é que o MPT não deixe que este nosso direito, garantido pela constituição, seja violado”. Ou seja, quanto aos direitos e demandas dos trabalhadores que originaram a greve, caberá ao próprio sindicato tentar resolver, por meio de suas ações sindicais, na disputa de interesses com o empregador. Agora, a demanda formulada ao Ministério Público do Trabalho é de outra natureza, tendo por objetivo assegurar o exercício do direito fundamental de greve pela categoria (ou pelo coletivo de trabalhadores). Até um dos sindicatos que têm como denúncia principal ao Ministério Público do Trabalho a falta de pagamento de verbas trabalhistas, matéria historicamente típica de tutela pelos sindicatos, percebe o verdadeiro papel do “parquet”, como afirmou o 44 dirigente sindical dos professores: “os metalúrgicos possuem questões ambientais muito mais agudas e, dessa forma, existe a necessidade de diligências emergenciais. Este não é o caso do sindicato dos professores, o que acaba reduzindo o papel investigativo do MPT”. Assim, este sindicato reconhece que, se a sua categoria tivesse problemas que ultrapassassem a questão individual ou coletiva da categoria representada, ou mesmo se fossem mais complexas, a atividade do Ministério Público do Trabalho teria maior papel, não somente pela perspectiva diferente na tutela de direitos e interesses, como também por conta do instrumental diferenciado existente nas mãos do “parquet”, como o inquérito civil e suas prerrogativas legais de livre trânsito, tomada de depoimentos e requisição de documentos de entidades públicas ou privadas. Mesmo questões citadas que não foram objeto de denúncia dos sindicatos demonstram a diversidade na natureza de defesa de direitos entre os sindicatos e o Ministério Público, como afirmou o representante dos bancários: “a questão racial dentro dos bancos, a qual o sindicato não denuncia, o MPT só está ciente porque uma ONG realizou esta denúncia14”. A própria constatação do fato de que um sindicato patronal, o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação, é um dos que mais denunciam perante o “parquet” laboral, demonstra que o Ministério Público não defende interesses classistas ou corporativos específicos do denunciante, mas sim busca proteger a ordem jurídica justa trabalhista, e conseqüentemente, o trabalhador, sob a ótica e a perspectiva dos direitos humanos e fundamentais. Isto porque, se o interesse que leva o sindicato patronal a denunciar é que, por exemplo, cooperativas de mão-de-obra não tomem o mercado das empresas as quais ele representa, o Ministério Público do Trabalho recebe e processa a denúncia não para a defesa do interesse das empresas, mas sim, objetivando com sua atuação a defesa dos direitos sociais dos trabalhadores, que são lesados pela prática da precarização via pseudocooperativas, com negação da dignidade do trabalhador pela ausência total de direitos. Então, não importa o móvel do denunciante, mas a constatação da 14 O Ministério Público do Trabalho, mesmo sem a participação das entidades sindicais dos bancários, realiza, por meio Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho / CORDIGUALDADE, um programa de inserção racial nos bancos, com o ajuizamento de diversas ações civis públicas em face de entidades bancárias, demonstrando a não contratação de pessoas de raça negra e requerendo a criação de vagas para tais trabalhadores em desvantagem. 45 possibilidade de existência de lesão aos direitos fundamentais dos trabalhadores subjacente à denúncia. Numa outra perspectiva, as entidades sindicais também passam a perceber a diferença de atuação entre o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Delegacia Regional do Trabalho. É o que se depreende dos depoimentos do sindicato das empresas de asseio e conservação, que afirma a posição “positivista” da DRT, de estrito cumprimento legal, e a abertura do Ministério Público do Trabalho para a discussão e implantação de novas questões, como a inserção da pessoa portadora de deficiência e o menor aprendiz. Depreende-se também das entrevistas que quase todos os sin dicatos percebem no novo perfil constitucional e legal do Ministério Público do Trabalho como mais um espaço público de atuação na defesa dos trabalhadores, já o vendo como um verdadeiro parceiro, como se verifica na fala do representante dos professores, já citada acima: “ganharam um aliado e um aliado de peso, tendo em vista que agora este ator adquiriu várias funções, já que ele atua, investiga, participa efetivamente da lide em questão”. Nesse sentido, é a opinião do diretor do sindicato dos petroleiros: “sem dúvida que ganhamos um aliado para ajudar a resolver nossas questões. Tanto o MPT quanto o MPE são sempre muito solícitos aos anseios sindicais, sempre nos recebendo com toda a deferência e preocupados em dar uma resposta efetiva para a controvérsia que levamos ao seu conhecimento”. A exceção se deu pela categoria dos telefônicos, cuja visão frente ao Ministério Público é amplamente negativa. A razão deste entendimento pode ser deduzida pelo cenário que está a frente de seu sindicato: a categoria veio a ser dizimada pela terceirização avassaladora de todas as atividades pela principal empresa de telefonia que atua no Estado do Rio de Janeiro, acarretando precarização total das condições de trabalho, inclusive de saúde e segurança do trabalhador, quadro até então não resolvido mesmo com as dezenas de ações civis públicas ajuizadas pelo “parquet” laboral em face da empresa15. 15 Cabe explicitar, igualmente, que, à época da entrevista, o Ministério Público do Trabalho havia com diversas ações rescisórias e intervenções em acordos judiciais em ações coletivas ajuizadas por esse sindicato, que no entender do “parquet” vieram a lesar milhares de trabalhadores, estando em clara posição de conflito institucional. 46 Outro ponto diz respeito à importância da atuação do Ministério Público do Trabalho quando as questões ultrapassam a base territorial de atuação do sindicato. Essa questão é ressaltada pelo representante do sindicato dos trabalhadores da construção civil, já citada acima, que acredita ser necessária uma atuação conectada nacionalmente, não somente dentro do MPT, mas com relação às entidades sindicais superiores, como as federações e confederações. A mesma preocupação é exposta na entrevista da sindicalista representante dos telefônicos, quando, ao denunciar certa questão, informou que toda a área da empresa fora transferida para outro Estado, tendo sua denúncia sido arquivada, ao invés de ter sido encaminhada para o novo estado onde a atividade passou a ser desenvolvida. Este último fato demonstra a necessidade de um novo modo de percepção do membro do Ministério Público sobre a sua própria atuação, quanto à sua natureza ou forma de agir, aprimorando os instrumentos e a integração e sintonia entre os órgãos em todo o território nacional. O início da procura do Ministério Público para a resolução de novas questões, que envolvem os direitos fundamentais da pessoa humana no trabalho, como assédio moral, discriminação a obesos e idosos, o próprio meio ambiente do trabalho, denota essa chave diferenciada da atuação do “parquet”, que o faz se diferenciar da defesa clássica realizada pelo sindicato. Como afirmou a categoria dos bancários, apesar de não atingirem grande quantidade de trabalhadores, certos casos, pela lesão a direitos fundamentais de alguns trabalhadores, devem ser levados ao Ministério Público. Assim, independe a extensão quantitativa do dano, mas sim, a sua natureza de ofensa a direitos fundamentais. 2. Passando a outro tema recorrente nas entrevistas, é importante destacar a relação entre o “parquet” e os veículos de imprensa16. Percebe-se pelas entrevistas que quando as atuações e ações do Ministério Público do Trabalho são apresentadas na imprensa, os resultados são mais efetivos, como afirmou o representante dos bancários: “As 16 Sobre a questão das instituições judiciárias e a imprensa, sob chave positiva a opinião de Ronald Dworkin em BADINTER, Robert. BREYER, Stephen.. (org.) Les Entretiens de Provence. Le Role du Juge dans la Société Contemporaine . Paris: Fayard/Sourbonne, 2003. Na mesma obra, ver opiniões que percebem a questão com mais reservas, pelo poder resultante da união da mídia e as instituições jurídicas, principalmente quanto a possíveis lesões ao princípio da presunção de inocência. A questão também vem sendo discutida na sociedade brasileira, inclusive existindo projeto de lei, chamado pejorativamente de “lei da mordaça”, que pretende restringir a divulgação de investigações do Ministério Público para a imprensa. 47 denúncias que o sindicato oferece ao MPT e este por algum motivo dá vazão a imprensa sobre os fatos ocorridos, muda completamente a postura das empresas transgressoras, elas buscam rapidamente uma maneira de eliminar o problema. Quando a imprensa fica sabendo, nós notamos uma significativa melhora no resultado prático da questão e, sobretudo, maior empenho da própria empresa denunciada em resolver o problema”. Tal fato é corroborado pelo discurso do representante dos petroleiros, quando afirmou que “a atuação do MPT bem como a atuação do MPE fez com que a empresa começasse a se importar mais com esta questão”. Destaca, ainda, o entrevistado que, no entanto, “o fator diferencial foi a questão do ‘Marketing Social’. As questões ligadas a acidentes ambientais possuem uma magnitude muito grande, não são questões localizadas, mas sim, questões que tem amplitude em escala mundial e, sobretudo, arranham por demais a imagem da empresa”. Assim, segundo os sindicatos, quando há a notícia da atuação do Ministério Público quanto a determinada questão, e a repercussão na sociedade é ou pode ser negativa, buscam as empresas de mais rapidamente resolver a questão. 3. As entrevistas demonstraram que houve uma mudança de atitude das empresas frente ao sindicato após a investigação da questão pelo Ministério Público do Trabalho. Conforme afirmou o representante dos trabalhadores da Construção Civil, após as denúncias e a conseqüente investigação pelo órgão ministerial as empresas passaram a respeitar mais o sindicato, opinião da qual concorda o sindicalista representante dos professores, quando disse que “as empresas passam a negociar (...) de forma mais respeitosa”, mesmo que não ocorra a resolução da questão. Ou seja, a atividade investigatória do Ministério Público do Trabalho, e o novo espaço público aberto pela ação extrajudicial do "parquet", trazem como conseqüência colateral o fortalecimento das tradicionais ações sindicais. Assim, pode-se afirmar que a mera existência desse espaço público de resolução de conflitos, ou ainda, de defesa e resguardo de direitos, acaba por refletir positivamente na atuação sindical, ao invés de tomar seu espaço e suas funções. 4. Por outro lado, os sindicatos entrevistados apontaram vários defeitos e falhas na organização e atuação do Ministério Público do Trabalho. O primeiro deles, que aparece em todas as entrevistas, é a questão da lentidão. 48 De fato, a demora em certos casos na resposta do Ministério Público parece ser a questão que mais aflige as entidades sindicais. E essa falta de agilidade é somada com aquela já conhecida morosidade da Justiça, sendo motivo de até de desesperança para os dirigentes sindicais, como é o caso da representante dos telefônicos. Outros sindicalistas chegaram a afirmar de forma peremptória a ineficiência da instituição, justamente face à demora de respostas nos procedimentos investigatórios, como no caso do representante dos professores, ao exemplificar a demora de dois ou três anos para uma simples resposta das investigações. Realmente, a maioria das questões que envolvem a atuação do Ministério Público do Trabalho não tem condições de aguardar muito tempo para a sua solução. Seja no meio ambiente do trabalho, onde em jogo está a vida ou integridade física dos trabalhadores, seja na sonegação de salários e consectários, onde a capacidade de sobrevivência do trabalhador e de sua família ou fruição de bens materiais são ameaçadas, as questões decorrentes da relação de trabalho têm uma urgência intrínseca. E a falta de agilidade traz consigo, como afirmaram alguns sindicalistas, o incentivo aos empregadores ao descumprimento das normas laborais. Ou seja, além da não resolução do problema colocado, há o reforço do sentimento de que vale a pena descumprir a legislação, podendo acarretar novas lesões aos trabalhadores. Como salientado nas entrevistas e demonstrado pelos dados levantados, hoje o Ministério Público do Trabalho vem recebendo uma quantidade crescente de demandas, não somente dos sindicatos, mas de toda a sociedade. E, apesar dos esforços recentes da Procuradoria Geral do Trabalho, as condições materiais, seja em relação a espaço físico ou de servidores, ainda deixam muito a desejar, tornando tarefa bastante difícil a finalização de todas as investigações que são distribuídas a cada membro. Soma -se ainda, no caso do Rio de Janeiro, o grande número dos procuradores que atuam exclusivamente na função interventiva em ações de terceiros, que é realizada ainda nos moldes pré-Constituição de 1988. Apesar das dificuldades estruturais, as respostas não podem sofrer delongas inaceitáveis, sob pena de descrédito e esvaziamento da própria instituição. 49 A solução poderia estar em uma construção de juízo discricionário da instituição, com base em uma definição de política institucional, que tenha por foco a atuação somente na existência de lesão a direitos fundamentais dos trabalhadores que, pela sua natureza ou abrangência, adquiram relevância social. Além disso, há a necessidade de uma regulamentação do inquérito civil e do procedimento investigatório, com imposição de prazos e conseqüente fiscalização pelos órgãos competentes. A demora ou decurso do prazo imposto pela regulamentação deveriam ser justificados pelo membro, podendo com isso haver um controle da própria sociedade sobre a atuação do procurador. 5. Ao lado do problema do vagar das investigações, foram ressaltados problemas de falta de transparência e de falha na interlocução e comunicação dos membros do “parquet” laboral com os sindicatos. A falta de transparência está relacionada com a dificuldade de acompanhamento dos sindicatos no andamento das investigações às quais deram origem. Várias sugestões foram colocadas, como a aposição de número de protocolo nas representações para futuro acompanhamento e possibilidade de verificação do andamento pela Internet. De fato, o sistema de acompanhamento processual ainda é incipiente na Procuradoria Regional da 1ª Região, originado do pouco tempo da atuação do “parquet” na tutela de direitos difusos e coletivos, e deve ser aperfeiçoado, com vistas a oferecer à sociedade a transparência que uma instituição democrática exige17. Neste sentido, importa destacar as providências que vêm sido tomadas, tanto a nível nacional quanto regional, na construção de um sistema de informática que permita melhor fruição das informações dos procedimentos investigatórios. Com a ressalva do exclusivo interesse da investigação e dos sigilos legais e constitucionais, todos os procedimentos investigatórios são públicos e a publicidade e a transparência devem ser a regra. Somente com transparência que a instituição será realmente democrática, em seu sentido mais amplo, de órgão estatal que existe em função e com participação e controle da sociedade. 17 DURKHEIM, Émile. Lições de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 50 6. Outro ponto negativo ressaltado foi o excesso de formalismo exigido por certos membros, o que afastaria as entidades sindicais e seus dirigentes de um contato que rendesse mais frutos. Ressaltou-se, também, a necessidade dos membros do Ministério Publico do Trabalho de não se aterem a tomar depoimentos e expedição de ofícios, havendo a necessidade de realização de inspeções nos locais de trabalho, para conhecimento e resolução de problemas, como, por exemplo, afirmou o representante dos trabalhadores na Construção Civil. A diferença entre “promotores de gabinetes” e “promotores de fatos” (funciona este último como articulador político, atuando mais em proximidade dos fatos) como estratégias ou tendências antagônicas de atuação do Ministério Público já foi levantado pela literatura18, sendo apontada a maior aproximação entre a comunidade e os membros que optam pelo segundo tipo, que se entendem como fator de transformação da sociedade. 18 SILVA, Cátia Aida. Justiça em Jogo. São Paulo: Fapesp/Edusp, 2001 51 Conclusão A principal constatação derivada do presente estudo é a existência de naturezas diversas da atuação do Ministério Público do Trabalho daquela realizada pelas entidades sindicais. Essa conclusão se extrai a partir da percepção do presente estudo da existência de pautas, objetivos e preocupações distintas entre o Ministério Público e os sindicatos. Enquanto o “parquet” se volta para questões que abrangem direitos fundamentais dos trabalhadores, atingindo, às vezes, questões de interesses difusos na sociedade trabalhadora ou mesmo na sociedade em geral, as entidades sindicais se voltam para a defesa de interesses próprios da categoria representada, dentro do limite da representação. Ou seja, enquanto o Ministério Público do Trabalho, com sua missão constitucional de defesa da sociedade e do regime democrático, defende os trabalhadores sob a ótica dos direitos fundamentais dos trabalhadores ou direitos humanos, independentemente de qual categoria ou localidade onde estes habitem ou trabalhem, os sindicatos defendem os trabalhadores de acordo com seus interesses em jogo, às vezes até negociando direitos e conquistando outros, por meio de negociação coletiva com as empresas ou seus representantes sindicais. Essa diferença de atuação é fundamental para se definir os limites de atuação do próprio Ministério Público. Ao se perceber como defensor da sociedade trabalhadora sob a ótica de direitos fundamentais ou direitos humanos, a defesa de interesses ou direitos de natureza meramente pecuniária é mais propriamente defendida pelos sindicatos. Esses limites devem ser esclarecidos para serem evitados alguns problemas apontados pelos próprios sindicatos, como a demora na resposta aos problemas trazidos, ocasionados pela enorme demanda de investigações realizadas simultaneamente pelo Ministério Público do Trabalho. Também é importante essa delimitação para evitar problemas de concorrência na competência, com certa racionalização no trato e no enfrentamento das questões enfrentadas, o que parece que a pesquisa aponta na prática estar se desenhando, 52 tendo em vista que os sindicatos estão buscando o Ministério Público justamente para a defesa de direitos difusos e mais amplos do que os meros interesses da categoria, na ótica de direitos fundamentais ou humanos dos trabalhadores. Outro ponto evidente resultado da pesquisa é a premente necessidade de regulamentação da atividade extrajudicial ministerial, nos inquéritos civis e demais procedimentos investigatórios. A demora na resolução dos problemas pode significar a perda total do direito que deveria ser resguardado, sendo que seus ônus não pode ser suportados pela comunidade defendida, ou seja, os trabalhadores e seus direitos fundamentais. Assim, na necessária regulamentação deve constar prazos para o fim das investigações. A falta de regulamentação ainda tem levado à adoção pelos procuradores de metodologias variadas para enfrentamento de problemas por vezes idênticos ou similares, contribuindo, em muitos casos, para o retardamento desnecessário de soluções das investigações. Isso ficou evidente nas entrevistas, ao ser afirmado que a boa solução dependeria de qual procurador fosse responsável pela investigação. O problema da desorganização, também ressaltado na pesquisa, tem levado, por vezes, mais de uma investigação sobre o mesmo objeto e o mesmo denunciado tramitando simultaneamente, sob a responsabilidade de procurados distintos, ocasionando, além do problema de possibilidade de soluções diversas, perda de tempo e desperdício de recursos já escassos. Também evidente a necessidade de uma desburocratização da atuação extrajudicial, mais informal e com incremento dos canais de comunicação entre o Ministério Público e a sociedade. Muitas vezes o excesso de formalismo tem comprometido, como verificado, o trabalho conjunto dos sindicatos com o Ministério Público. Há a necessidade, também, de aprimoramento da publicidade dos atos ministeriais, com o fito de propiciar melhor acompanhamento pelo denunciado do andamento das investigações, possibilitando ainda, eventualmente, que o denunciante ou outros interessados possam contribuir, ou mesmo fiscalizar, para o deslinde dos procedimentos investigatórios. 53 A maior publicidade da atuação do Ministério Público também deve ocorrer por meio dos órgãos de imprensa, sendo estes grandes aliados quando de graves lesões aos direitos humanos dos trabalhadores, fazendo com que a solução, como foi visto na pesquisa, seja alcançada de forma mais rápida e eficaz. Há a necessidade de incremento de articulação do Ministério Público com a imprensa, sendo um caminho que deve ser incentivado e aprimorado. Na busca dessa aproximação, é importante ter o cuidado para que essa articulação não ofenda direitos dos investigados, e que não implique em condenação sumária desses. Ao contrário, devem ser salientados e demonstrados os fatos e a visão do Ministério Público sobre a situação. A maior transparência e publicidade do Ministério Público favorecem transformar, o que já vem ocorrendo, o “parquet” em novo espaço público a ser utilizado pelas entidades sindicais para a defesa dos direitos dos seus representados, desde que esses direitos estejam na ótica dos direitos fundamentais. Assim, quando um direito de sua categoria ultrapassar a questões de direitos pecuniários ou condições de trabalho, podem os sindicatos buscar a defesa desses direitos, sem a necessidade de se buscar a Justiça do Trabalho, em um espaço público mais veloz e menos burocrático, como deve ser o Ministério Público do Trabalho. O Ministério Público do Trabalho deve ser órgão de solução rápida de direitos fundamentais que transcendem o mero interesse patrimonial, para tanto deve a instituição compreender que o bem realizar seu papel constitucional implica no exercício de um juízo discricionário tendente a escolher para solucionar assuntos de relevância social. A compreensão pela instituição da necessidade do exercício dessa discricionariedade é, de certa forma, condição sine qua non de sua própria vitalidade, enquanto órgão ou agência estatal capaz de efetivamente contribuir para a solução de lesões a direitos fundamentais no trabalho de grande monta. Neste contexto, a compreensão da efetiva atuação ministerial se pode depreender um papel educativo que tem, dentre outras possibilidades ou funções, capacidade de inibir novas lesões. Ao revés, caso não seja compreendida/percebida essa necessidade, corre-se o risco do Ministério Público perder credibilidade pela tentativa de agasalhar e resolver todo e qualquer tipo de lesão trabalhista, transformando-o em arremedo de substituto da Justiça do Trabalho, o que não é nem deve ser o caso. 54 O novo papel ministerial deve ser apreendido dentro de um contexto de seletividade e de especialização, mecanismos indispensáveis para coibir a lesão de grande monta aos direitos fundamentais dos trabalhadores. 55 BIBLIOGRAFIA BADINTER, Robert. BREYER, Stephen. (org.) Les Entretiens de Provence. Le Role du Juge dans la Société Contemporaine. Paris: Fayard/Sourbonne, 2003 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Terceirização e Intermediação de Mão-de-obra. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. DRUCK, Maria da Graça. Terceirização: Desfordizando A Fábrica - um estudo do Complexo Petroquímico. Salvador/São Paulo: Edufba/Boitempo, 1999 DURKHEIM, Émile. Lições de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. INTERNATIONAL LABOR OFFICE. Fight Poverty – Organize! Genebra: 2005, ILO. ______________________. The Employment Relationship. Genebra: ILO, 2005. SILVA, Cátia Aida. Justiça em Jogo. São Paulo: Fapesp/Edusp, 2001 56