UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito CRIME PASSIONAL: QUEM AMA MATA? CONTINGÊNCIAS QUE ENVOLVEM O COMETIMENTO DESSE CRIME. Autora: Daiene da Silva Oliveira Freitas Figueiredo Orientador: Professor Heli Gonçalves Nunes BRASÍLIA 2009 DAIENE DA SILVA OLIVEIRA FREITAS FIGUEIREDO CRIME PASSIONAL: QUEM AMA MATA? CONTINGÊNCIAS QUE ENVOLVEM O COMETIMENTO DESSE CRIME. Trabalho apresentado ao curso de Graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito Parcial para a Obtenção do Titulo de bacharel em Direito. Orientador: Esp. Gonçalves Nunes Brasília Heli 2009 Folha de Aprovação Monografia de autoria de Daiene da Silva Oliveira Freitas Figueiredo, intitulada “CRIME PASSIONAL: QUEM AMA MATA? CONTINGÊNCIAS QUE ENVOLVEM O COMETIMENTO DESSE CRIME”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em ________________________________________, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: ________________________________________ Professor Heli Gonçalves Nunes (orientador) Direito – UCB ________________________________________ Professor Membro da Banca Direito – UCB ________________________________________ Professor Membro da Banca Direito – UCB Brasília 2009 Dedico a presente monografia aos meus filhos, Beatriz e Felipe, e ao meu marido, Pedro Eduardo, que compreenderam as minhas omissões e aceitaram minhas ausências. A vocês dedico o mérito desta conquista, pois o amor, estímulo e carinho que me deram foram às armas desta vitória. AGRADECIMENTO Chegar até aqui não foi nada fácil e se hoje comemoro uma conquista, esta se deve àqueles que estiveram ao meu lado em todos os momentos. Agradeço à minha mãe, Luzia, pelo sacrifício em me manter em uma universidade particular e principalmente pelas intermináveis orações por mim e por minha família. Às minhas irmãs, Darlene e Sthéfane, que de diversas formas me apoiaram na concretização desse sonho. Aos meus familiares que de alguma maneira contribuíram para esta etapa da minha formação profissional. Ao meu marido, Pedro Eduardo, pelo incentivo e apoio. Aos meus filhos, Beatriz e Felipe, que tanto sofreram durantes as inúmeras noites em que estive ausente, mas principalmente obrigada pela lição de amor incondicional. Aos meus pastores, Pastor Hugo e Pastora Ana, que por muitas vezes foram como um escudo, em que despejei minhas frustrações, mas que se mantiveram presentes para me reerguer através do apoio e conselhos inspirados por Deus. Aos incontáveis amigos que fizeram parte desta caminhada, alguns não estão mais presentes, outros farão parte de minha vida para sempre, mas a todos o meu muito obrigado. Aos meus professores, pelo conhecimento partilhado, pelas horas de dedicação e principalmente pela inspiração profissional que conduzirá os meus passos em minha jornada jurídica. Acima de tudo, agradeço a Deus, pelo dom da vida... Pela oportunidade de fazer diferença, de impactar vidas e de ser testemunha viva de que para Deus nada é impossível. “O passionalismo que vai até o assassínio muito pouco tem a ver com o amor”. (Nelson Hungria) RESUMO O presente trabalho trata do crime passional, dos elementos que podem levar ao cometimento desse crime, e do perfil do criminoso passional. Analisou-se a evolução histórica do crime passional, as legislações brasileiras que trataram e tratam do tema. Mostrando que a tão utilizada tese da legítima defesa da honra, hoje não é mais aceita, e que o assassino passional vem sendo punido com um rigor outrora nem imaginado. O propósito deste trabalho é provar que quem ama não mata, pois os motivos que colaboram para a prática do crime passional são baseados nos sentimentos de ódio, vingança, rejeição, e principalmente no sentimento de posse em relação ao ser amado. Além disso, demonstrou-se porque a mulher comete menos crime passional. Alguns dos crimes passionais que mais impactaram a sociedade foram citados para provar que esta prática delituosa está longe de ser erradica. E por fim buscou-se retratar o “amor” que mata, provando que o que mata não é o amor, mas sim o sentimento de posse que o assassínio passional exerce ou crê exercer sobre a mulher amada. Palavras-chave: Crime passional. Motivo. Paixão. Amor. Posse. ABSTRACT This work deals with the delict of passion, the elements that can lead to the commission of that delict, and the profile of the criminal passion. We analyzed the historical evolution of delict of passion, the Brazilian legislation that dealt with and deal with the subject. Showing that the much used argument of legitimate defense of honor, today is no longer accepted, and that the killer of passion has been punished with a precision not previously imagined. The purpose of this paper is to prove that he loves does not kill, for the reasons that contribute to the delict of passion is based on hatred, revenge, rejection, and especially in the sense of ownership in relation to being loved. Moreover, it was shown because the woman commits less delict of passion. Some of the delict of passion that most influenced the society were cited to prove that this criminal practice is far from being eradicated. Finally we sought to portray the "love” that kills, proving that what kills it is not the love, but the sense of ownership that the murder of passion exercises, or believes bear on the woman he loves. Keywords: Delict of passion. Reason. Passion. Love. Possession. SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................ 10 1. CRIME PASSIONAL ............................................................................................ 14 1.1 DEFINIÇÃO..................................................................................................... 14 1.2 O CRIME PASSIONAL AO LONGO DA HISTÓRIA......................................... 15 1.3 O CRIME PASSIONAL E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ................................ 16 1.4 A MULHER COMETE MENOS CRIME PASSIONAL ...................................... 23 2. CONTINGÊNCIAS QUE ENVOLVEM O COMETIMENTO DESSE CRIME ......... 26 2.1 HONRA ........................................................................................................... 26 2.2 INDIFERENÇA ................................................................................................ 27 2.3 PAIXÃO........................................................................................................... 28 2.4 CIÚME............................................................................................................. 30 2.5 INFIDELIDADE................................................................................................ 32 2.6 CARACTERÍSTICAS PREDOMINANTES DOS AUTORES DE CRIMES PASSIONAIS................................................................................................... 33 3. CASOS DA VIDA REAL....................................................................................... 35 3.1 PONTES VISGUEIRO E MARIA DA CONCEIÇÃO ......................................... 35 3.2 EUCLIDES RODRIGUES PIMENTA DA CUNHA, ANNA DA CUNHA E DILERMANDO DE ASSIS ............................................................................... 36 3.3 AUGUSTO CARLOS EDUARDO DA ROCHA MONTEIRO GALLO E MARGOT PROENÇA GALLO.......................................................................................... 38 3.4 DOCA STREET E ÂNGELA DINIZ .................................................................. 38 3.5 LINDOMAR CASTILHO E ELIANE DE GRAMMONT ...................................... 39 3.6 UM CASO HOMOSSEXUAL ........................................................................... 41 3.7 IGOR FERREIRA DA SILVA E PATRÍCIA ÁGGIO LONGO ............................ 42 3.8 ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES E SANDRA FLORENTINO GOMIDE 44 3.9 UBIRAJARA DUTRA E MARIA CONCEIÇÃO CASAGRANDE ....................... 46 3.10 CARLOS MOACIR DOS SANTOS CAVALHEIRO E SALETE CAVALHEIRO ................................................................................................. 46 4. 3.11 EVANI GONÇALVES FONSECA E CENIR DE FREITAS ......................... 47 3.12 LINDEMBERG ALVES E ELOÁ CRISTINA PIMENTEL ............................ 48 3.13 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS CASOS ELENCADOS ................ 49 QUEM AMA MATA? ............................................................................................ 51 4.1 DEFINIÇÃO DE AMOR .................................................................................... 51 4.2 QUANDO O AMOR SE TRANSFORMA EM OBSESSÃO ............................... 52 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 54 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 58 ANEXO 1 - ACÓRDÃO QUE CONDENOU PONTES VISGUEIRO............................. 62 10 INTRODUÇÃO Os mais antigos registros da humanidade noticiam a ocorrência de crimes passionais, que continuam presentes em nossa sociedade até os dias de hoje, ceifando vidas em nome do amor. Mas será que aquele que ama é capaz de matar o objeto de seu amor. O termo passional vem da palavra paixão e nos remete ao sentimento arrebatador que pode levar ao cometimento do crime. Crimes passionais estampam os noticiários de nosso país diariamente, causam espanto, dor e envolvem aqueles que o acompanham como se fizessem parte daquela situação, basta lembrar o caso Eloá Pimentel, que ao passar 100 horas em cativeiro, teve seu sofrimento acompanhado em tempo real por todo o país através da mídia. Nossa cultura está baseada no sistema patriarcal há mais de cinco mil anos, e por quase todo esse tempo ao marido foi dado o direito de punir, bater e até matar sua mulher, caso julgasse que esta vinha se comportando de maneira inadequada. Com a evolução da condição da mulher perante a sociedade, o crime passional passou a ser intolerado na maioria das culturas. Durante muitos anos, o criminoso passional foi tratado com certa benevolência, muitos foram absolvidos sob o argumento de legítima defesa da honra ou alegavam ter agido sob violenta emoção. E quando condenados, o eram em uma pena tão branda, que era como se tivessem sido absolvidos. Essa cultura de impunidade só mudou quando, após várias manifestações principalmente realizadas pelos movimentos feministas, a visão patriarcal foi deixada de lado durante os julgamentos dos criminosos passionais. O marco desta evolução ocorreu no segundo julgamento de Doca Street, que mesmo tendo sido absolvido em seu primeiro julgamento e certo de que o mesmo se repetiria, foi condenado por 15 anos de reclusão. Caía por terra a frase por ele declarada “matei por amor”, e slogan proclamado por inúmeras pessoas durante o julgamento passou a fazer parte do pensamento social, a saber, “quem ama não mata”. 11 Entende-se por crime passional aquele cometido por paixão, desencadeada pelo ódio, ira, mágoa, rejeição, ciúme, pela frustração ao sentimento de posse, ou diante da infidelidade ou da possibilidade desta. Nesse mix de sentimentos não há espaço para o amor, enquanto sentimento belo, puro e divino. Por isso, não há que se confundir a paixão que motiva o crime passional com amor. A paixão que conduz ao crime passional é crônica, obsessiva, desmedida e sempre está baseada no sentimento de posse que o autor exerce sobre a vítima. Em dado momento até pode ter existido o amor, em sua mais bela concepção, mas este perdeu espaço para outros sentimentos menos nobres, acrescido de egoísmo, e principalmente do desejo de domínio e controle total sobre o ser amado. Nesse momento cabe ressaltar que não que se falar em inimputabilidade para o criminoso passional de maneira geral, pois autor do delito tem consciência e controle total sobre seus atos, sabem exatamente o que estão praticando um delito. A deficiência deles está no campo emocional. Geralmente são pessoas frias, calculistas, desprovidos de culpa ou remorso. Podem estar em qualquer classe social, raça, credo, ou sexo, mas é mais comum que seja homens. O homicida passional tem uma visão narcisista e supervaloriza seus sentimentos, pois crê que é o centro do universo, não só do seu, mas também de sua companheira. Por isso agem como se fossem superiores, como se as leis e regras sociais não valessem para eles, assim acham-se no direito de tirar a vida de suas companheiras. O objetivo deste trabalho é, após a análise de todos os dados levantados, refletir sobre o tema em questão, demonstrando se quem ama é capaz de matar, e quais os elementos que podem contribuir para o cometimento desse crime. Quer pela constante presença nos noticiários e no meio jurídico, quer pelo choque que o crime passional causa em toda a sociedade ou ainda no intuito de entender por que tantos homens, aparentemente normais reagem de forma brutal 12 e insana quando do término de seus relacionamentos ou quando são rejeitados, é que este tema foi escolhido como objeto deste trabalho. Para tornar possível esse trabalho, o método utilizado foi predominantemente a pesquisa bibliográfica em livros doutrinários, jornais e pesquisa jurisprudencial. A fim de proporcionar um melhor entendimento do tema, no primeiro capítulo foi definido o crime, a paixão e o crime passional. Em seguida foi feito um relato acerca da evolução histórica do crime passional e sobre a evolução da legislação brasileira que trata do tema em questão. Também foram analisados dados que provam que a mulher comete menos crimes desta natureza do que os homens, e algumas explicações para esta diferença foram dadas. No segundo capítulo foram levantados os principais motivos que podem levar ao cometimento do crime passional, tais como a defesa da honra, a indiferença, a paixão, o ciúme e a infidelidade. Após esse levantamento foram elencadas as principais características do criminoso passional, porém cabe ressaltar que esse rol não é taxativo, muitas outras características podem fazer parte do caráter do autor desse delito, aquelas aqui elencadas foram escolhidas por serem mais fáceis de identificação. No terceiro capítulo foram selecionados alguns casos de crimes passionais, a escolha foi feita em decorrência do impacto social que causaram na época de seu cometimento. Alguns desses crimes foram relatados com base nos dados do livro A paixão do banco dos réus, outros foram selecionados em noticiários nacionais, com o objetivo de demonstrar a evolução do tratamento dado a aqueles que praticaram tal ato, e principalmente para mostrar que os estes crimes ainda continuam presentes em nossa cultura. Por fim, antes da conclusão, o amor foi definido, não de maneira absoluta, pois enquanto sentimento, muitas podem ser as definições a ele agregadas, mas 13 apenas com o intuito de provar que o “amor” que mata não é aquele idealizado e almejado pela humanidade. Além da definição de amor, dados foram levantados para tratar do amor que se transforma em obssessão, e pode levar ao cometimento do crime passional. 14 1. CRIME PASSIONAL 1.1 DEFINIÇÃO Segundo Houaiss, crime é “todo ato ilegal, toda ação condenável.”1 Podendo ser definido também como a ofensa de um bem jurídico tutelado pela lei penal. Para a doutrina crime é o todo fato típico e antijurídico. Ensina Plácido e Silva, em seu livro Vocabulário Jurídico (1990, p. 586), que o vocábulo crime advém do latim crimen, expressa acusação, queixa, injúria, significando, portanto, toda ação dolosa, ou infração que atente contra os costumes, à moral e à lei, passível de punição prevista em lei. Passional é, ainda segundo Houaiss, aquilo próprio de ou regido por paixão, que é definida como “grande sofrimento; martírio; afeto ou entusiasmo muito intenso por algo ou por alguém”.2 Para Plácido e Silva (1990, p.326), passional é o termo empregado para designar o que se faz por paixão, isto é, por impulso irrefletido ou exaltado, em decorrência de um amor desmedido. No campo doutrinário, Luiza Nagib Eluf (2002, p. 111) conceitua crime passional como o “delito derivado da paixão, é o crime cometido por paixão”. Para Eluf, paixão exprime algo intenso, perturbador, que resulta do sofrimento, de uma mágoa profunda, da cólera. Assim, seria passional o crime, fundado em uma paixão baseada no ódio, no sentimento de posse, no ciúme desmedido, na vingança, no sentimento de frustração, na mistura de desejo sexual com rancor. Para a autora, o delito passional tem natureza psicológica, uma vez que a paixão avassaladora transtorna a mente humana. Todavia, o crime passional é um homicídio com uma particularidade, que é o elo afetivo e sexual entre as partes. Assim, apesar de ligado à “paixão”, não 1 HOUAISS, Antônio. Mini Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. p 201. 2 HOUAISS, Antônio. Mini Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. p 543. 15 pode se confundir com “amor”, pois o que leva ao cometimento do crime são sentimentos de cunho negativo, como o desejo de vingança, o sentimento de posse, o ciúme desmedido e descontrolado. Enrico Ferri divide a paixão em duas espécies, a saber, a paixão social e a paixão anti-social. Para ele, paixão social está ligada aos sentimentos de amor, de honra, afeto materno, patriotismo; e paixão anti-social remete aos sentimentos de vingança, de ódio, de cólera, de cobiça, de inveja, de posse. Para Ferri, o crime passional pode ser em decorrência dos dois tipos de paixão, porém caso o crime fosse cometido movido pela paixão social o autor deveria ser isento de penalidade, pois era justificável, aceito. No entanto, caso fosse fundado na paixão anti-social, deveria ser punido, uma vez que é repugnado. Segundo Ferri, crime passional é aquele cometido pela privação dos sentidos e da inteligência, em decorrência da paixão. Assim, a paixão seria um sentimento incontrolável que levaria os indivíduos domados por sua força arrebatadora a cometerem o delito passional. Diante de tudo isso, cabe ressaltar que a paixão por si só não é responsável pelo delito. Por mais avassaladora que seja a paixão é necessário um fato que instigue o indivíduo a praticar o delito. Assim, resta claro que o crime se dá pelo contexto como um todo e não apenas pela paixão, ou amor. 1.2 O CRIME PASSIONAL AO LONGO DA HISTÓRIA O crime passional esteve presente em todas as épocas da humanidade, e sempre estará, pois não se trata de um mal social ligado a padrões culturais, mas sim uma questão subjetiva envolvida em uma paixão, geralmente, perturbadora. A afirmação de que este tipo penal sempre existirá funda-se na certeza de que sempre haverá indivíduos, alguns com mais, outros com menos, dificuldades em administrar perdas, traições, ódio, rancor, sentimentos esses que, por serem inerentes aos seres humanos, são elencados como impulsionadores do crime passional. 16 O tema em questão há muito faz parte de nosso cotidiano, seja pelos noticiários, com histórias reais, seja pelos escritores, com suas estórias envolventes e instigantes. O mais antigo registro de crime passional remonta à Bíblia3 com o relato de Caim que matou Abel por ciúmes e inveja. No entanto, nenhum autor se destacou mais neste campo do que William Shakespeare que tem marcado gerações com suas tragédias passionais como, por exemplo, Otelo, escrito no século XVI. Otelo historia a vida de um homem que matou sua esposa após concluir que ela o traía, mas somente após o cometimento do crime percebeu que havia se enganado quanto à suposta infidelidade de sua mulher. Não podemos nos esquecer do autor Machado de Assis, que de tantas maneiras tratou do tema em questão, como por exemplo, no livro “A Cartomante”, que relata o crime passional cometido por Vilella, um marido traído duplamente, uma vez que sua esposa, Rita, se envolvera com seu melhor amigo, Camillo. Em sociedades onde o homem se sentia dono da mulher, como se esta fosse um mero objeto passível de posse, era mais comum o cometimento do crime passional. Para Luiza Nagib Eluf esse sentimento de posse se dava não só em decorrência do relacionamento sexual, mas também em virtude do fator econômico, uma vez que as mulheres dependiam exclusivamente de seus maridos. 1.3 O CRIME PASSIONAL E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Quando o Brasil passou a ser colônia portuguesa as suas leis passaram a ser as mesmas, assim, o primeiro registro de lei sobre crime passional é desta época e declara que ao homem era permitido matar a mulher e seu amante se provado o adultério, no entanto a mesma prerrogativa não era dada às mulheres. Em 1830, com o primeiro Código Penal do Brasil, denominado Código Criminal do Império, a penalidade para a esposa adúltera era a prisão de um a 3 A Bíblia da Mulher. Almeida Revista e Atualizada. Editora Mundo Cristão. Gêneses Capítulo 4 versículo 8. p. 14. 17 três anos onde seria submetida a trabalhos forçados, para o marido que mantivesse relação extraconjugal pública e estável a pena seria a mesma. Com o advento do Código Penal Republicano, no final do século XIX, surge o argumento de privação dos sentidos ou da inteligência durante a execução do crime, tornando possível a absolvição ou diminuição das penas atribuídas aos criminosos passionais. Contudo, os dias de impunidade dos criminosos passionais cessaram com a chegada do Código Penal de 1940, pois eliminava a possibilidade de perdão ao crime passional, tratando-o como homicídio privilegiado, por ser movido por motivo de relevante valor moral ou social, e o agente tomado de violenta emoção, o que acarretaria na atenuação da pena imposta. No entanto, essa mudança se deu apenas na teoria, pois o sentimento patriarcal ainda imperava em nossa cultura, e os homicidas passionais eram perdoados sob o argumento de legítima defesa da honra. Nesse período, a honra masculina era depositada em sua esposa, assim se esta procedia de maneira inadequada era maculada a imagem de seu marido que poderia lavá-la com o sangue de sua companheira. Sobre a tese de legítima defesa da honra, alguns julgados dos tribunais nacionais merecem serem citados: Candente, como é de seu vezo, o ilustre e saudoso penalista Nélson Hungria, dizia: ‘o amor que mata, amor-Nemésis, o amor açougueiro, é uma contrafação monstruosa do amor... O passionalismo que vai até o assassínio, muito pouco tem a ver com o amor. Efetivamente, não é amor, não é honra ferida, esse complexo de concupiscência e ódio, de torvo ciúme e estúpida prepotência que os Otelos chamam sentimento de honra, mas que, na realidade, é o mesmo apetite que açula a uncia tigris para a caça e a carnagem. (TJSP, Rec, Rel. Camargo Sampaio, 4 RJTJSP 53/312). A legítima defesa da honra não tem o mínimo cabimento quando 5 acoberta uma vingança ou extravasamento de ódio (RT 487/304). O uxoricida passional, que pratica o crime em exaltação emocional, pode apenas invocar a causa de redução de pena prevista no § 1º do art. 121 4 TJSP, Rec, Rel. Camargo Sampaio, RJTJSP 53/312 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 168. 5 RT 487/304 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 168. 18 do CP, não porém a legítima defesa da honra (TJSP, AC, Rel. Humberto 6 da Nova, RT 486/265) Porém, na década de 70, os movimentos feministas se fortalecem e a impunidade diminui. Isto fica evidente quando em um segundo julgamento Raul Fernando do Amaral Street, Doca Street, acusado de matar sua esposa Ângela Diniz, foi condenado a 15 anos de reclusão. Assim, o slogan “matei por amor” era derrubado pelo “quem ama não mata”. Em 1984 o Código Penal defasado passa por uma reforma em sua parte geral, tendo como base a ratificação da Convenção sobre Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, almejando a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. Desde então, o homicídio passional passou a ser denominado como homicídio qualificado por motivo torpe, tipificado no artigo 121, § 2º, inciso I do Código Penal, ou seja, por motivo vil, repugnante, contrário aos bons costumes. Em 1994, a Lei 8.072/90 que versa sobre Crimes Hediondos foi modificada, em decorrência do movimento realizado pela autora Glória Perez que teve sua filha brutalmente assinada com golpes de tesoura por Guilherme de Pádua e sua então esposa Paula Thomaz, e o crime de homicídio qualificado passou a ser considerado crime hediondo. Para o autor João José Leal, hediondo é: Todo crime que causa profunda e consensual repugnância por ofender, de forma acentuadamente grave, valores morais de indiscutível legitimidade, como o sentimento comum de piedade, de fraternidade, de solenidade e de respeito à dignidade da 7 pessoa humana. Desde que passou a integrar o rol de crimes hediondos, o homicídio qualificado passou a receber um tratamento mais severo, sem direito a indulto, graça ou anistia, sem fiança e com progressão de regime diferenciada, a saber, 2/5 da pena se primário e 3/5 da pena se for reincidente, pena que deverá ser cumprida em regime inicialmente fechado. 6 TJSP, AC, Rel. Humberto da Nova, RT 486/265 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 168. 7 LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político-jurídicos da Lei 8.072/90. Rio de Janeiro: Editora Atlas, 1996.p 7. 19 Hoje, não há mais que se falar em legítima defesa da honra, e as jurisprudências atuais entendem que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade do criminoso passional. Apesar de todas as tentativas de coibir os crimes passionais, estes ainda fazem parte de nossa realidade, o que mudou foi apenas o enfoque dado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Em alguns casos, os julgados entendem que o marido ou amante que mata a companheira por vingança, ciúme ou ódio age movido por um sentimento torpe o que torna a conduta ainda mais reprovável. Por ser narcisista, o homicida passional, estando enamorado de si mesmo, vislumbrado apenas por suas qualidades e virtudes, não admite a possibilidade de ser deixado pela mulher amada, ser traído, e sempre responsabilizará sua amada por seus fracassos. Para o passional, se a amada não age de acordo com suas expectativas receberá apenas seu ódio implacável. Segundo alguns julgados podemos aferir que: Caracteriza motivo torpe o fato de o marido, desprezado pela mulher que com ele não mais quer conviver, resolver vingar-se, desejando matá-la. O motivo é o antecedente psíquico da ação. No caso, a força que colocou em movimento o querer do agente ativo, que o levou ao gesto de matar a sua companheira, que somente não se consumou pelo fato de a vítima ter fingido que já se encontrava morta (TJRJ, AC, Rel. Paulo 8 Sérgio Fabião, RT 733/659). É certo que a vingança, por si só, não torna torpe o motivo do delito, já que não é qualquer vingança que o qualifica. Entretanto, ocorre a qualificadora em questão se o acusado, sentindo-se desprezado pela amásia, resolve vingar-se, matando-a (TJSP, AC, Rel. Jarbas Mazzoni, 9 RT 598/310). A vingança e o ódio reprimido, que levam o agente à prática do crime, configuram o motivo torpe a que alude o art. 121, § 2a, I, do CP (TJSP, 10 AC, Rel. Weiss de Andrade, RT 560/323). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRONÚNCIA. CRIME PRATICADO POR MOTIVO DE CIÚME, POR MOTIVO TORPE. MOTIVO FÚTIL EXCLUÍDO, POR ESTAR DIVORCIADO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. LIBERDADE PROVISÓRIA MANTIDA. 1. 8 TJRJ, AC, Rel. Paulo Sérgio Fabião, RT 733/659 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 142. 9 TJSP, AC, Rel. Jarbas Mazzoni, RT 598/310 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 142. 10 TJSP, AC, Rel. Weiss de Andrade, RT 560/323 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 142. 20 Comprovadas a materialidade e autoria de homicídio qualificado, praticado mediante recurso que impossibilitou a defesa do ofendido, eis que foi assassinado com quatro disparos de arma de fogo no interior de seu veículo quando conversava com a namorada do réu, sendo surpreendido pelo acusado, a sentença de pronúncia é medida que se impõe para submeter o réu a julgamento perante o Júri Popular. 2. Tendo o crime sido praticado por motivo de ciúme, ou seja, por motivo torpe, segundo ficou esclarecido no conjunto probatório, correta a decisão que excluiu a qualificadora do motivo fútil, eis que divorciada da verdade dos fatos. 3. Embora o §1º do art. 408 do Código de Processo Penal preveja o recolhimento do acusado a estabelecimento prisional quando da pronúncia, permite-se liberdade provisória ao mesmo se assim esteve durante a instrução processual, não havendo motivo que justifique a sua custódia cautelar. Na hipótese, o acusado manteve-se em liberdade provisória durante toda a instrução processual e não há notícia de ter, em qualquer momento, atentado contra a ordem pública ou contra a tramitação do feito. 4. Recurso conhecido e não provido, mantendo-se incólume a r. sentença que pronunciou o acusado por homicídio qualificado praticado mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima, assegurando-lhe liberdade provisória até o julgamento perante o Júri Popular, não sobrevindo motivo para sua custódia cautelar. (20040310003253RSE, Relator ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 1ª Turma Criminal, julgado em 07/12/2006, DJ 11/04/2007 p. 11 101) RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO NA SUA FORMA TENTADA. QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. AFASTAMENTO. INVIABILIDADE. Motivo torpe. Indícios de ciúme excessivo e injustificado, motivado pelo sentimento de posse que o acusado mantinha em relação à vítima, e que já motivara diversas discussões entre o casal. A circunstância qualificadora descrita na denúncia se apresenta viável, em face dos elementos de prova produzidos na instrução processual, devendo ser acolhida, para levar à apreciação dos jurados. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70021856216, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jaime Piterman, 12 Julgado em 14/02/2008). TRIBUNAL DO JURI. PROVA DOS AUTOS. QUALIFICADORAS: MOTIVO TORPE E CRUELDADE. ART. 593, III, "D", DO CPP. INOCORRENCIA. SE O CONSELHO DE SENTENÇA ENTENDEU CONFIGURADAS AS e QUALIFICADORAS DO MOTIVO TORPE E DO MEIO CRUEL EM SIMETRIA COM OS FATOS REGULARMENTE COMPROVADOS, NÃO HA COGITAR DE REFORMA DO VEREDICTUM POPULAR PARA LEVAR O CONDENADO A NOVO JURI. NO CASO, OCORREU O MOTIVO TORPE (MORTE POR CIUME E VINGANÇA) COM A QUALIFICAÇÃO DA CRUELDADE (REPETIDOS 13 GOLPES DE FACA). - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 11 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de justiça. 20040310003253RSE, Relator ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 1ª Turma Criminal, julgado em 07/12/2006, DJ 11/04/2007 p. 101. (grifo nosso) 12 DISTRITO FEDERAL. TRIBUNAL DE Justiça. Recurso em Sentido Estrito Nº 70021856216, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jaime Piterman, Julgado em 14/02/2008. (grifo nosso) 13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 97.012/DF, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, julgado em Brasília, 18 de fevereiro de 1997, DJ 07.04.1997 (grifo nosso) 21 No entanto, para outros Tribunais, aquele comete crime passional fundado em ciúme age motivado por sentimento fútil, vão, frívolo, insignificante. Como demonstrado abaixo: Quando o agente atua impulsionado, premido, pressionado pelo sentimento do ciúme, fundado ou não, não se pode dizer que se cuida de motivo irrelevante, insignificante, fútil (TJSP, Rec, Rel. Diwaldo Sampaio, 14 RT 595/349). O homem que, embora esteja separado da mulher, a encontra em sua casa juntamente com as filhas, na companhia de outro, não age por motivo fútil, podendo o motivo ser até injusto, mas sua injustiça, embora desconforme com a ética ou com o direito, não é desconforme com o 15 antecedente psicológico (TJMG, AC, Rel. Costa Loures, RT 676/322). É cristalina a inadequação da qualificadora do motivo fútil. Quem discute por interesse no reatar uma relação conjugal interrompida e, vendo-se rejeitado, pratica um crime, não age por móvel insignificante. (TJSP, 16 Rec, Renato Nalini, RJTJSP 141/362). Não se deve confundir motivo fútil com motivo injusto. Aliás, a injustiça da motivação do agente é elemento integrante do crime. Para que se reconheça a futilidade da motivação é necessário que, além de injusto, o motivo seja insignificante. Isso, contudo, não se pode dizer quando entram em jogo a separação de um casal e o crime. Se tais motivos justificassem a motivação do réu, corresponderiam a causas excludentes de criminalidade, que, evidentemente, não são. (TJSP, Rec, Rel. Geraldo 17 Arruda, RJTJSP 62/356). O fato de ser a vítima prostituta e desejá-la o acusado só para si, por estar com ela envolvido afetivamente, afasta o motivo fútil do homicídio por ele perpetrado ao vê-la em companhia de outro homem. (TJSP, Rec, 18 Rel. Prestes Barra, RT 554/347). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. GOLPES DE FACA NA COMPANHEIRA POR MOTIVO DE CIÚME. MOTIVO FÚTIL. MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. INEXISTÊNCIA DE PROVA INCONTESTE DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. IMPOSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ANIMUS NECANDI EVIDENCIADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÕES CORPORAIS OU PERIGO PARA 14 TJSP, Rec, Rel. Diwaldo Sampaio, RT 595/349 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 145. 15 TJMG, AC, Rel. Costa Loures, RT 676/322 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 145. 16 TJSP, Rec, Renato Nalini, RJTJSP 141/362 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 145. 17 TJSP, Rec, Rel. Geraldo Arruda, RJTJSP 62/356 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 146. 18 TJSP, Rec, Rel. Prestes Barra, RT 554/347 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 146. 22 A VIDA. IMPOSSIBILIDADE POR FALTA DE PROVAS. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. 1. Estando a materialidade demonstrada e havendo indícios suficientes de autoria, impõe-se a pronúncia do réu para que seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri. 2. A hipótese de legítima defesa só pode ser reconhecida para autorizar a absolvição sumária, quando houver prova inconteste da sua existência. 3. De igual modo, havendo evidências do animus necandi, não cabe, na fase do iudicium accusatione, a desclassificação para lesões corporais ou perigo para a vida, devendo a dúvida ser dirimida no Tribunal Popular. No caso, os autos informam que a vítima ficou quatro dias internada em hospital e oito meses sem poder trabalhar, em razão dos golpes de faca que recebeu do réu. 4. Somente as circunstâncias qualificadoras manifestamente improcedentes, e sem qualquer apoio na prova dos autos, podem ser subtraídas do Conselho de Sentença. Sendo assim, caberá ao Júri decidir se o crime foi praticado por motivo fútil, pois, segundo a acusação, o réu teria golpeado a vítima por motivo de ciúme. 5. Recurso conhecido, mas improvido, mantendo incólume a sentença de pronúncia para que o réu seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri. (20010310088657RSE, Relator ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, julgado em 05/06/2008, DJ 02/07/2008 p. 19 136) APELAÇÃO CRIMINAL - JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO - ARTIGO 121, § 2º, II E IV, DO CP - ARTIGO 61, II, "E", DO CP - OCULTAÇÃO DE CADÁVER - ARTIGO 211, DO CP - MATERIALIDADE DELITIVA E AUTORIA COMPROVADOS - QUALIFICADORAS - MOTIVO FÚTIL RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - AGRAVANTE CRIME PRATICADO CONTRA CÔNJUGE - ATENUANTE CONFISSÃO ESPONTÂNEA - MÍNIMO LEGAL - NOVO JÚRI IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM AS PROVAS DOS AUTOS - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Comprovadas materialidade e autoria deve o agente que esfaqueou sua esposa e, depois, escondeu o cadáver enterrando-o no quintal de sua casa, responder pelas penas dos artigos 121, § 2º, II e IV, e 211, ambos do CPB, consideradas a agravante do artigo 61, II, "e", do CPB e a atenuante da confissão espontânea (artigo 65, III, "d", do CPB). O ciúme injustificado, considerado pelo Júri Popular como motivo fútil, insignificante e desproporcional frente à vida humana, com base nas provas dos autos e em versão que considerada mais correta configura a qualificadora do artigo 121, § 2º, II, do CP. Resta caracterizada qualificadora de recurso que dificultou a defesa da vítima se o agente, de madrugada, encurralou sua esposa no interior do banheiro da casa, esfaqueando-a. O crime de ocultação de cadáver (artigo 211, do CPB) não exige, para sua configuração, dolo específico, bastando que cadáver tenha sido escondido pelo agente, em seu quintal, pois o resultado independe de o acusado ter confessado o delito e a localização do corpo da vítima. A determinação de novo Júri somente é cabível se comprovado que a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária às provas dos autos, em consonância com a orientação da 20 Súmula n. 28, aprovada pelo Grupo de Câmaras Criminais do TJMG. 19 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. 20010310088657RSE, Relator ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, julgado em 05/06/2008, DJ 02/07/2008 p. 136 (grifo nosso) 20 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. 1.0079.00.018128-3/001(1). Relator: Armando Freire. Julgado em: Belo Horizonte, 10de maio de 2005. (grifo nosso) 23 Nos casos em que o ciúme é mencionado como circunstância qualificadora, sempre é enquadrado como motivo fútil e não como motivo 21 torpe” (TJSP, Rec, Rel. Luiz Betanho). A ausência de motivo equipara-se, para os devidos fins legais, ao motivo fútil, porquanto seria um contra-senso conceber que o legislador punisse com pena maior aquele que mata por futilidade, permitindo que o que age sem qualquer motivo receba sanção mais branda (TJMG, Rec, Rel. 22 Costa e Silva, RTJE 45/276) Cabe ressaltar que a jurisprudência dominante não admite a cumulação das qualificadoras, motivo torpe e motivo fútil. Assim o crime só pode ser praticado por motivo torpe ou por motivo fútil. Inadmissível no homicídio o reconhecimento de dúplice qualificadora fundada em motivo simultaneamente fútil e torpe, uma vez que ambos 23 são de caráter subjetivo” (TJSP, AC, Rel. Renato Nalini, RT 657/282). Diante dos julgados ora relatados, resta evidenciado que a matéria está longe de ser pacificada. 1.4 A MULHER COMETE MENOS CRIME PASSIONAL Para Eluf, a paixão homicida é uma conduta tipicamente masculina, segundo ela as mulheres, geralmente, não matam. Existem alguns casos, mas em geral elas são menos dadas à violência. Na história quase não há registrados casos de mulheres ou amantes que mataram seus companheiros por se sentirem traídas ou desprezadas. 21 TJSP, Rec, Rel. Luiz Betanho apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 146. 22 TJMG, Rec, Rel. Costa e Silva, RTJE 45/276 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 146. 23 TJSP, AC, Rel. Renato Nalini, RT 657/282 apud ELUF, Nagib Luiza. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Saraiva, 2002 p. 145. 24 Por questões intrínsecas as mulheres não têm a mesma agressividade que os homens, a maneira que a mulher expressa essa agressividade, quando existente, se dá de forma menos física, passando a exigir mais dinheiro, mais bens do que o homem pode lhe oferecer ou agindo com certo desprezo sexual. Já o homem se vale sempre de sua superioridade física. Cabe ressaltar ainda, que a mulher comete menos crimes passionais porque ela tem uma capacidade maior de suportar as intempéries da vida, muito mais do que o homem. Isso porque o ego da mulher não está em seu companheiro, mas sim em si mesma, a mulher tem mais consciência de seu valor. Além disso, não podemos deixar de levar em consideração a influência que a cultura exerce sobre as mulheres, que desde muito cedo são ensinadas a aceitar ou pelo menos compreender e fingir não ver a traição masculina, enxergando esta traição como uma necessidade natural do homem. Isso fica evidente, conforme bem lembra Eluf (2002, p.116), quando vemos ainda hoje religiões e grupos sociais que permitem e incentivam a poligamia, ou seja, a união de um homem com diversas mulheres, exigindo da mulher a passividade frente a essa situação. Historicamente o homem tem sido educado para ser possessivo e dominador, essas características também presentes nos crimes passionais, fazem com que o homem, mais facilmente que a mulher, cometa um crime passional. A mulher delinqüe menos que o homem por que tem um caráter mais afável, mais meigo, por ter domínio de si mesma e por ter consciência de seu valor (Eluf, 2002, p.191). A história traz poucos relatos de mulheres que mataram seus companheiros movidas pela paixão. Dificilmente nos defrontamos com casos de mulheres possessivas e vingativas que por não suportarem a rejeição ou a dor da traição se acharam no direito de matar. O livro “A paixão no banco dos réus” traz o relato de quatorze crimes passionais que marcaram uma época, destes apenas dois foram praticados por mulheres. Em 1950, Zulmira Galvão Bueno por estar convencida da infidelidade de seu companheiro Stélio Galvão Bueno, matou-o com dois tiros. O outro caso ocorreu em 1980, e trata do crime cometido pela atriz Dorinha Durval, que após 25 ser traída, humilhada e rejeitada pelo seu marido Paulo Sérgio Garcia Alcântara, matou-o com três tiros. 26 2. CONTINGÊNCIAS QUE ENVOLVEM O COMETIMENTO DESSE CRIME Diante de situações inesperadas qualquer um pode ser acometido por sentimentos que transtornam a mente, porém nos indivíduos equilibrados socialmente há um bloqueio para que as atitudes destrutivas não passem do campo mental. Abaixo seguem alguns dos elementos que podem levar a prática do delito passional, porém devemos ter em mente que os fatores que contribuem para a consumação do crime passional estão sempre ligados a situações multifatoriais, e não podem ser analisados de maneira isolada. 2.1 HONRA O Minidicionário Houaiss define “honra” como sendo “sentimento de dignidade e honestidade moral; marca de distinção; privilégio; motivo de admiração, de glória”.24 Desde os tempos antigos, o caráter subjetivo da honra permeia a mente dos homens, constituindo até um direito assegurado por lei. O código Penal protege a honra quando define tipos penais e penas para os crimes contra a honra, como por exemplo, calúnia, difamação e injúria. A ofensa à honra inicia no ser ofendido uma avalanche de sentimentos e emoções, principalmente se relacionado à honra conjugal, pois o ofendido depositou confiança e anseios naquele que maculou sua honra. Para o criminoso passional, a honra masculina pode ser manchada e até mesmo destruída pelo comportamento inadequado da mulher, e só poderá ser lavada com o sangue de sua companheira. Para tanto, a honra masculina é considerada externa ao homem e repousa na mulher que forma o seu círculo familiar. Neste caso, os atos femininos devem 24 HOUAISS, Antônio. Mini Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. p 392. 27 ser vigiados cuidadosamente, uma vez que qualquer deslize comprometerá a honra masculina e sua aceitação social, o que demonstra uma relação de hierarquia entre homem-mulher.25 A razão que leva o indivíduo a praticar o crime passional motivado pela honra é o receio de ser julgado, ser motivo de chacotas e difamação em decorrência do mal comportamento de sua companheira. Neste cenário, a sanção penal é vista como menos grave do que a social. Neste tipo de delito, fica evidenciada a característica egoísta do autor do crime passional, pois comete o delito por convicção de que de algum modo sua honra antes manchada se tornará alva novamente. Para o criminalista Valdir Troncoso Peres (Eluf, 2002, p178), a honra é inerente ao homem, e quando esta é arrancada dele é como se o matassem, então ele mata por entender que está se defendendo legitimamente. A honra é bem personalíssimo e não pode ser afetada pela conduta de outrem. Não há desonra para o marido na conduta da esposa ou de seu amante. A honra está em cada um de nós e não em outra pessoa.26 2.2 INDIFERENÇA Para Houaiss, “indiferença” é “a falta de interesse ou de sensibilidade; despreocupação, desprendimento.” 27 A indiferença contribui para a concretização do crime passional quando o desinteresse pelo sentimento do outro ou o desdém da pessoa amada acarreta em desequilíbrio no sujeito contrariado. Neste cenário, o autor deste delito é uma pessoa excessivamente apaixonada, que em decorrência da rejeição, sente-se infeliz, humilhada, com seu 25 BORELLI, Andrea. Matei por amor: representações do masculino e do feminino nos crimes passionais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999. 26 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 60. 27 HOUAISS, Antônio. Mini Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. p 412. 28 orgulho ferido, e de maneira geral passa a idealizar a possibilidade de conquista ou reaproximação da pessoa amada. Caso a rejeição persista, o sentimento ora denominado de amor transforma-se em ódio, em desejo de vingança, e a única solução encontrada pelo sujeito rejeitado é a eliminação da pessoa que o feriu. De maneira geral, o autor do crime passional motivado pela indiferença do companheiro ou companheira age de maneira premeditada e com requintes de crueldade. Vale ressaltar, que em muitos casos a vítima não tem nenhuma ligação com o autor do crime, por desconhecer seu sentimento ou por crê que o mesmo já foi superado. É inadmissível pautar-se na rejeição para tirar a vida de outrem, cabe àquele que está sofrendo por conta da indiferença do ser amado, respeitar a escolha do outro e dar tempo ao tempo, pois como bem lembra o filósofo argentino Mário Augusto Bunge (Eluf, 2002, p.54) “não há paixão que não se cure com o tempo e com o espaço”. 2.3 PAIXÃO Houaiss define a paixão como “grande sofrimento; martírio; afeto ou entusiasmo muito intenso por algo ou por alguém.” 28 Para Plácido e Silva, qualquer fato que produza na pessoa emoção intensa e prolongada, diz-se paixão, com caráter crônico. Enquanto sentimento eufórico, arrebatador, a paixão faz com que o sujeito perca sua individualidade em decorrência do fascínio exercido pelo outro, o que gera sentimento de obsessão e egoísmo. A paixão não se confunde com violenta emoção. O termo “passional” vem da paixão, não do amor ou da emoção. 28 HOUAISS, Antônio. Mini Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. p 543. 29 Uma grande paixão cria no homem uma segunda natureza, fazendo com que todas as regras sociais e emocionais que permeiam sua mente percam o sentido e valor. A paixão desmedida tem características peculiares, como angústia, desespero, desinteresse pelas demais coisas que não estejam ligadas à pessoa amada, obsessão e idéia fixa pelo sentimento cultivado. Quando chega a este nível a paixão se torna um transtorno psíquico que pode levar ao cometimento do crime. A paixão homicida resultado do somatório de emoções e sensações que acarretam na infelicidade, gera no apaixonado reações inesperadas e inexplicadas, é como se uma nova criatura tomasse conta de sua vida o tornado um ser agressivo, que deixa de avaliar os seus atos de acordo com os valores sociais imperantes. Para Luiza Nagib Eluf (2002, p. 111) “paixão não é sinônimo de amor.” Diante dessa afirmação, resta evidenciado que amor e paixão não se confundem. O que pode ocorre é a paixão saudável transformar-se em amor passado a euforia inicial da relação. Benedito Ferri (Eluf, 2002, p. 113) diferencia duas espécies de paixão: as sociais e as anti-sociais, à medida que sejam úteis ou danosas, favoráveis ou contrárias à ordem e aos valores sociais. Para ele, são sentimentos que representam as paixões sociais o amor, a honra, o afeto materno, o patriotismo. E as paixões anti-sociais são aquelas que envolvem o ódio, a vingança, a cobiça, a inveja. Isso revela a característica arriscada que a paixão possui, uma vez que o apaixonado só se satisfaz quando tem o objeto de sua paixão sob o seu poder ou controle absoluto, no entanto só a paixão não leva ao cometimento do crime. 30 2.4 CIÚME O ciúme é um sentimento que pode interferir no relacionamento conjugal, em maior ou menor grau, produzindo angústia, raiva, desconfiança, prejudicando o relacionamento amoroso. O ciúme em decorrência do estado de perturbação emocional que o envolve foi considerado por Willian Shakespeare29 como um demônio, um monstro de olhos verdes, que intoxica a vida afetiva da humanidade. Antônio Mourão CAVALCANTE descreve com excelência o ciúme e suas conseqüências: (...) uma perturbação total, um transtorno afetivo grave. O ciumento sofre em seu amor: em sua confiança, em sua tranqüilidade, em seu amor próprio, em seu espírito de dominação e em seu espírito de posse. O ciúme corrói-lhe o sentimento em sua base e destrói, com uma raiva furiosa, suas próprias raízes. Propicia a invasão da dúvida que perturba a alma, fazendo com que ame e odeie ao mesmo tempo, a pessoa objeto de sua afeição. O maior sofrimento do ciumento é a incerteza em que vive, pela impossibilidade de saber, com segurança, se o (a) 30 parceiro (a) o engana ou não. Para Léo Rabinowcz (2000, p.67) “ciúme é o medo de perder o objeto para o qual se dirigem os nossos desejos. O ciúme destrói, instantaneamente, a tranqüilidade da alma.” Surge da insegurança, do medo, e do sentimento de inferioridade. Esse medonho sentimento que rodeia as mentes torna as pessoas paranóicas, fazendo com que simples olhares, gestos de amizade, alguns elogios, passem a incomodar e inquietar as mentes, o que acarreta no medo da perda do ser amado. Em decorrência do seu instinto de sobrevivência, o ser humano tem enraizado em si a idéia de exclusividade e posse, tais sentimentos se estendem as relações amorosas o que acarreta no ciúme. 29 SHAKEASPEARE, Willian. Otelo, o Mouro de Veneza. São Paulo: Editora Martin Claret, 2003. CAVALCANTE, Antônio Mourão. O ciúme patológico. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997 p. 24. 30 31 Cabe ressaltar que alguns autores defendem que há duas espécies de ciúmes: o ciúme fisiológico, aquele natural ao ser humano, e o ciúme patológico, ou seja, o doentio que perturba a lucidez mental. A autora Luiza Nagib Eluf (2002, p. 114) declara que o ciúme nasce de um complexo de inferioridade profundo, e denota imaturidade afetiva. O que leva ao crime passional é ciúme decorrente da idéia de posse, uma vez que o agente vê a pessoa amada como um objeto pessoal e intransferível. Eluf, em referência a Roque de Brito Alves (2002, p.114), menciona que o ciumento sente-se incapaz de manter o amor, de vencer, ou de afastar um rival, mas, sobretudo, sente-se humilhado e ferido de morte em seu amor próprio. Para alguns, o ciúme é prova da existência do amor e que este não existe sem aquele. Para o autor Léon Rabinowcz (2000, p. 71) o ciúme pode até proceder do amor, mas quando desmedido destrói o sentimento que o originou. Rabinowcz cita em seu livro, O Crime Passional, uma declaração do autor Roland Barthes, que descreve com brilhantismo o ciúme: Como ciumento, sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo em sê-lo, porque temo que meu ciúme magoe o outro, porque me deixo dominar por uma banalidade. Sofro por ser excluído, por ser 31 agressivo, por ser louco e por ser comum. Para Willy Passini,32 o ciúme pode ser dividido em quatro graus: 1º grau: ciúme normal, aquele que gera o desejo de ter apenas para si a pessoa amada; 2º grau: é a forma mais séria de ciúme, implica em verificações contínuas acerca da vida do parceiro, almejando toda atenção do companheiro; 3º grau: é a forma obsessiva do ciúme, geralmente baseada na suspeita, por vezes infundada, de infidelidade do cônjuge, nesse estágio é comum ocorrer espionagem e invasão à privacidade em emails e outros documentos; 4º grau: é o ciúme patológico, nasce do delírio da imaginação, é inútil discutir, pois o ciumento nesta fase crê somente em seus delírios. Diante deste relato, fica evidente que o homem tomado por esse sentimento, pode cometer um delito motivado pelo ciúme. 31 32 RABINOWCZ, Léon. O crime passional. São Paulo: Albuquerque Editores Associados, 2000. PASSINI, Williy. Ciúme: a outra face do amor. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. 32 É preciso ressaltar, que nem todo ciumento é capaz de cometer um delito, caso o fosse, o mundo seria uma grande penitenciária. A manifestação do ciúme se dá de maneira diferente nos homens e nas mulheres, apesar de serem igualmente ciumentos. As mulheres, em sua maioria, desejam compromisso sério, amor, homens maduros e com certo status financeiro. Os homens anseiam por variedade sexual, priorizando a beleza física. Assim, para as mulheres é mais perturbadora a possibilidade da infidelidade emocional, enquanto os homens ficam aflitos diante da possibilidade da infidelidade sexual de suas companheiras. As manifestações de ciúme podem variar desde ameaças de violência, ocorrências de espancamentos até a consumação de assassinatos. O ciumento não perdoa e não confia. Se lhe faltam motivos no presente, busca-os no passado e até no imprevisível futuro, ainda que ilusórios, frutos de sua imaginação atormentada.33 2.5 INFIDELIDADE Conforme define Houaiss (2002, p. 415) infidelidade é a qualidade ou característica ou caráter de infiel, de traidor, de desleal. Para Luiza Nagib Eluf (2002, p. 116) a infidelidade, enquanto elemento impulsionador do crime passional está ligada ao desejo sexual pela mesma pessoa por um longo período, que não se mantém e não é fiel, ou pelo menos se duvida desta fidelidade. Para a pessoa traída, ou supostamente traída, a infidelidade acarreta na perda da auto-estima, do status e respeito social. Então, na tentativa de preencher o vazio gerado pela traição ou suposta traição, o homicida passional pratica o crime, crendo que assim não será alvo das más-línguas da sociedade, mas não exclusivamente por medo de perder a pessoa amada ou pelo receio de ver esta com outra pessoa. 33 ROSA, Ubiratan. Mais amor, menos ciúme: 450 reflexões para amar mais e melhor. São Paulo: Idéia e Ação, 2005, p. 19. 33 Os homens de maneira geral figuram mais no pólo ativo de crime passional que as mulheres, principalmente quando o fator ocasionador do crime é a infidelidade. Isso por que para o homem a fidelidade de sua companheira é um dado que o faz respeitado perante o meio social em que vive, e a traição mancharia sua honra, que como já foi dito só poderá ser alva novamente se lavada com o sangue da pessoa que a manchou, nesse caso sua companheira, para que toda a sociedade saiba que ele se vingou. 2.6 CARACTERÍSTICAS PREDOMINANTES DOS AUTORES DE CRIMES PASSIONAIS O criminoso passional não tem como característica predominante a raça, credo, classe social, porém quase sempre está presente a diferença de idade, e na maioria dos casos são sempre do sexo masculino.34 De maneira geral os criminosos passionais são pessoas ciumentas, inseguras, depressivas, motivadas pelas mais diversas causas: defesa da honra, sentimento de posse, ciúme, infidelidade, paixão desmedida, infidelidade e outros mais. Luiza Nagib Eluf define o perfil do homicida passional da seguinte forma: É homem, geralmente de meia idade, é egocêntrico, ciumento e considera a mulher um ser inferior que lhe deve obediência ao mesmo tempo em que a elegeu o “problema” mais importante de sua vida. Tratase de pessoa de grande preocupação com sua imagem social e sua respeitabilidade de macho. Emocionalmente é imaturo e descontrolado, presa fácil da “idéia fixa”. Assimilou os conceitos da sociedade patriarcal 35 de forma completa e sem crítica. Os indivíduos que cometem crime passional são em geral pessoas que não sabem perder, que não sabem como viver sem o que possuíam ou sem o que queriam. É acima de tudo um narcisista, ou seja, tem uma vaidade exarcebada e autoconfiança exagerada. 34 Conforme Regina Navarro Lins, psicóloga, em entrevista ao jornal O DIA, em 25 de junho de 2009. ELUF. Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 198. 35 34 O autor do crime passional, em geral, é uma pessoa em estado de extrema emoção, sem senso crítico, que sem referência age como um animal. Na maioria das vezes, o homicida passional nunca matou ninguém, e seu furor violento é em relação a uma mulher específica.36 Para o criminoso passional a vida conjugal é composta apenas por ele e seu sentimento de superioridade em relação ao ser amado, denotando o seu desejo de subjugar o outro. A autora Eluf, continua (2002, p. 117): Os homicidas passionais trazem em si uma vontade insana de auto-afirmação. O assassino não é amoroso, é cruel. Ele quer, acima de tudo, mostrar-se no comando do relacionamento e causar sofrimento a outrem. O assassino não vê limites e apenas se satisfaz com a morte do suposto traidor. Os homicidas passionais padecem de amor obsessivo, de desejo doentio, de insensatez. São narcisistas, querem ver na outra pessoa o engrandecimento de seus próprios egos, transformando o ser amado em idéia fixa, em única razão de existir. O criminoso passional raramente se arrepende, (Eluf, 2002, p. 197), e em alguns casos, perante o juiz, se diz arrependido objetivando apenas alcançar a compaixão dos julgadores e a diminuição da pena. O homicida passional, na maioria dos casos, confessa o crime, pois para ele de nada valeria matar a mulher que o traiu se a sociedade não soubesse que sua “honra” fora lavada com sangue. Dominado pelo ódio, sede de vingança, rancor, intolerância, egoísmo e preocupação exacerbada com sua imagem perante o grupo social, o autor do crime passional mata para exercer o poder que crê ter sobre a pessoa amada. Para Ferri,37 o delinqüente passional é, antes de tudo, movido por uma paixão social, normalmente trata-se de um jovem, que pratica o ato criminoso ao ar livre, sem cúmplices ou testemunhas, com espontânea apresentação à autoridade policial impelido pelo remorso – sincero ou não. É um criminoso momentâneo, não volta a delinqüir. 36 ELUF. Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002. 37 FERRI, Enrico. O delito passional na civilização contemporânea. Campinas: LZN Editora, 2003. 35 3. CASOS DA VIDA REAL Ao longo dos anos, o tratamento dado ao criminoso passional evoluiu, porém nunca deixou de causar grande interesse e comoção social, basta observar como os meios de comunicação dão espaço para as manchetes de crimes passionais. Em seu livro “A Paixão no Banco dos Réus”, a procuradora de justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, elenca os casos de crimes passionais mais célebres de nossa sociedade, que nos permitem elucidar como estes crimes continuam presentes em nossa história. A citação de alguns crimes relatados no livro supracitado e de outros noticiados pela mídia em geral, permite perceber o perfil comum dos criminosos passionais, além de revelar detalhes que nos levam a concluir que tais crimes não foram cometidos por amor, mas sim por outros sentimentos menos nobres. 3.1 PONTES VISGUEIRO E MARIA DA CONCEIÇÃO Sem levar em consideração as regras sociais de sua época, José Cândido de Pontes Visgueiro, desembargador - do que hoje seria o Tribunal de Segundo Grau, assumiu publicamente sua relação amorosa, com uma mulher 45 anos mais nova que ele, Maria da Conceição, conhecida por “Mariquinhas Devassa”, que era prostituta. Seu relacionamento com Mariquinhas foi conturbado, permeado de manifestações públicas de paixão e surtos de ciúmes.38 Em 14 de agosto de 1873, Visgueiro atraiu Mariquinhas para sua casa com o intuito de matá-la, movido por ciúme e principalmente pela frustração gerada diante da impossibilidade em obter a fidelidade da moça. 38 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 4. 36 Assim, atormentado pela infidelidade de Mariquinhas, Visgueiro comprou previamente dois caixões, um de zinco e um de madeira, e com um punhal matou Mariquinhas, colocando seu corpo primeiro no caixão de zinco e após soldá-lo com ajuda de um amigo, guardou-o no caixão de madeira e em seguida decidiu enterrar sua amada no quintal de sua casa. As investigações policiais começaram logo, pois como era prostituta, Mariquinha era muito conhecida, e não tardou para que a polícia desvendasse os fatos ocorridos naquela noite. Quando interrogado Visgueiro assumiu ter matado Mariquinhas porque a amava muito. A sua defesa sustentou a tese de desarranjo mental, provocado pelo “mais violento ciúme inspirado por uma mulher perdidíssima”.39 A acusação repeliu essa alegação baseando-se no fato de que após Visgueiro ter cometido o crime mostrava-se calmo, e pediu a pena de morte para o acusado. No julgamento a tese de desarranjo mental foi afastada, a pena de morte não foi acolhida e decidiu-se pela pena de galés perpétua – onde o condenado deveria pedir esmolas em praça pública para o seu sustento, essa pena foi substituída pela pena de prisão perpétua com trabalho, por ser o réu maior de sessenta anos, devendo ser cumprida na Casa de Correção da Corte no Rio de Janeiro. Diante desta condenação Visgueiro perdeu seu cargo de 40 desembargador. 3.2 EUCLIDES RODRIGUES PIMENTA DA CUNHA, ANNA DA CUNHA E DILERMANDO DE ASSIS No dia 15 de agosto de 1909, no Rio de Janeiro, Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, professor de lógica e autor do livro Os Sertões, tentou matar Dilermando de Assis, tenente do Exército, crendo ser este amante de sua mulher, Anna da Cunha, mas acabou sendo morto. 39 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 7. 40 Análise de acordo com o livro A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres de Luiza Nagib Eluf. 37 No ano de 1905, Dilermando, aos 17 anos, envolveu-se com Anna, uma mulher casada, cujo marido estava sempre ausente, que tinha três filhos e 30 anos de idade. Alguns meses depois de iniciado seu romance com Anna, Dilermando decidiu afastar-se de sua amada, a fim de evitar cenas de ciúmes desta com seu marido, recolhendo-se numa escola militar. A esta época Euclides já desconfiava do relacionamento extraconjugal de sua esposa. Não mais suportando viver longe de seu novo amor, Anna pediu a separação ao escritor. Euclides recusava-se a conceder a separação, e Anna decidiu deixá-lo indo morar na casa de Dilermando. Diante da recusa da mulher em voltar para casa, Euclides da Cunha resolveu ir à casa de Dilermando para vingar-se do homem que roubara o amor de amada. Portando uma arma de fogo, Euclides invadiu o quarto de Dilermando e desferiu um tiro em sua virilha direita, percebendo que Euclides estava transtornado, Dilermando entrou em luta corporal com seu algoz com o objetivo de desarmá-lo. Foi nesse momento que Euclides desferiu o segundo tiro, agora no peito do tenente, no entanto mesmo ferido e após presenciar Euclides atirar em seu irmão, Dilermando reuniu todas as suas forças e pegou sua arma que se encontrava em cima de uma prateleira, e uma troca de tiros teve início. Dilermando, com o objetivo de mostrar-se em condições de resistir, atirou em direção oposta a que se encontrava Euclides, para revidar o escritor atirou novamente contra o tenente atingindo-lhe as costelas, nesse momento Dilermando atira contra seu algoz ferindo-lhe no pulso e diante da possibilidade de um novo disparo por ele, Dilermando acerta-lhe o ombro. Euclides morreu e Dilermando sobreviveu. Dilermando foi preso e julgado, e diante da tesa de legítima defesa contra agressão injusta e traiçoeira, fora absolvido. Depois da morte de Euclides, Anna e Dilermando casaram-se e tiveram mais cinco filhos.41 41 Análise de acordo com o livro A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres de Luiza Nagib Eluf. 38 3.3 AUGUSTO CARLOS EDUARDO DA ROCHA MONTEIRO GALLO E MARGOT PROENÇA GALLO No dia 7 de novembro de 1970, Augusto Carlos Eduardo da Rocha Monteiro Gallo, procurador de justiça, suspeitando que sua mulher, Margot Proença Gallo, era infiel, matou-a com onze facadas. Gallo era membro do Ministério Público havia 17 anos, e quando o crime ocorreu morava em Campinas com a mulher e três filhos. No dia do crime, o casal Proença iniciou uma discussão acerca da separação pedida por Margot. Segundo o depoimento do procurador, ele exigia que os filhos ficassem com ele, alegando que a mulher não tinha condições morais para cuidar deles e impondo ainda que Margot deveria deixar a cidade, pois havia manchado o seu nome e sua honra. Margot recusou-se a aceitar a separação naqueles termos, e uma discussão teve início. Foi nesse momento que Gallo apanhou uma faca que estava sobre o armário e desferiu o primeiro golpe em Margot Proença. Nesse ínterim, Margot e Gallo entraram em luta corporal e Gallo a feriu outras dez vezes, o que ocasionou sua morte. Gallo deixou o local do crime levando consigo a faca usada para tirar a vida de sua mulher. Eduardo Gallo foi julgado por duas vezes, mas predominaram os padrões machistas da época, e Gallo foi absolvido nos dois julgamentos.42 3.4 DOCA STREET E ÂNGELA DINIZ Raul Fernandes do Amaral Street teve um relacionamento emocional com Ângela Diniz por aproximadamente quatro meses e após uma discussão desencadeada por uma crise de ciúmes, Doca matou Ângela com três tiros no rosto e um na nuca, o que a deixou transfigurada. 42 Análise de acordo com o livro A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres de Luiza Nagib Eluf. 39 Doca Street abandonou sua mulher, perdendo a mordomia que esta lhe proporcionava uma vez que vinha de família rica, para viver com Ângela Diniz. Doca e Ângela se conheceram em agosto de 1976 em um jantar, um mês depois Doca deixou sua mulher e foi viver com Ângela na casa dela em Búzios. Em depoimento Doca alegou que Ângela sempre o comparava com outros homens o que certamente gerou nele certa insegurança emocional. Quando do seu primeiro julgamento Doca Street fora condenado a dois anos de reclusão com sursis – suspensão condicional da pena, havia sido praticamente absolvido, e horas depois dizia à imprensa da época “matei por amor”. Como Doca, inúmeros homens foram absolvidos valendo-se do argumento de legítima defesa da honra, sendo perdoados por executarem suas mulheres. No entanto, a promotoria recorreu da decisão, os movimentos feministas que se fortaleciam fizeram grandes protestos, e no segundo julgamento Doca foi condenado a 15 anos de reclusão, sob o argumento de que ele não agiu em legítima defesa de nenhum direto, muito menos de sua honra ferida. Logo um novo slogan surgiu “quem ama não mata” e diante dessa nova realidade social os crimes passionais passaram a ser julgados com um olhar menos machista.43 3.5 LINDOMAR CASTILHO E ELIANE DE GRAMMONT Eliane Aparecida de Grammont era cantora e tinha 26 anos de idade quando foi assassinada. No dia 30 de março de 1981, ela cantava no bar “Belle Epoque”, em São Paulo, quando seu ex-marido Lindomar Castilho, portando arma de fogo, surgiu de repente, em estado visivelmente alterado, aproximou-se e disparou cinco tiros contra ela.44 Lindomar, que praticou o ato na presença do público e depois tentou fugir, foi agarrado e dominado pelo dono do bar e pelos freqüentadores do local. A 43 Análise de acordo com o livro A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres de Luiza Nagib Eluf. 44 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 75. 40 Polícia chegou algum tempo depois e encontrou o assassino com os pés e mãos amarrados, caído na calçada. Ele foi autuado em flagrante e recolhido à Casa de Detenção.45 Eliane havia conhecido Lindomar na gravadora RCA, na qual ambos gravaram discos. O cantor estava bem de vida, já tendo constituído um patrimônio pessoal. Casaram-se em 10 de março de 1979, depois de morar um tempo juntos, e tiveram uma filha. Fixaram o regime nupcial de separação de bens por exigência de Eliane, que não queria dar a impressão de estar interessada no patrimônio do consorte. Ela afirmava que realmente gostava dele. O casamento nunca andou bem. O cantor era agressivo, ciumento, tinha conduta violenta e costumava fazer uso de bebidas alcoólicas sem nenhuma moderação. Espancava a esposa e, em episódio anterior, tentara estrangulá-la.46 Eliane teve de abandonar sua profissão de cantora, que somente retomou depois da separação do casal. Quando morreu, fazia seis meses que tinha voltado a cantar e apenas vinte dias que o desquite havia sido formalizado. Lindomar se dizia apaixonado e traído pela mulher por conta do fato desta ter retomado sua carreira como cantora. Foi um crime premeditado. Quando Lindomar entrou naquele bar, ele entrou para fuzilar Eliane. Em 24 de abril de 1979, a Lindomar foi cendido o direito de aguardar o julgamento em liberdade. Por 4 votos a 3, o Júri decidiu ter ocorrido homicídio qualificado pelo meio que impossibilitou a defesa da vítima, e a pena fixada foi de doze anos e dois meses de reclusão. Era 25 de agosto de 1984 e Lindomar tinha 46 anos. O condenado apresentou-se para ser preso e foi levado para Goiânia. Em 1986, conseguiu progredir para o regime semi-aberto e em 1988 recebeu o benefício do livramento condicional. Em São Paulo, por iniciativa da Prefeita Luiza Erundina, em 9 de março de 1990, criou-se a “Casa Eliane de Grammont”, que dá amparo às mulheres vítimas de violência e promove debates sobre o tema.47 45 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 76. 46 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 77. 47 Análise de acordo com o livro A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres de Luiza Nagib Eluf. 41 3.6 UM CASO HOMOSSEXUAL Na noite do dia 11 de outubro de 1986, em São Paulo, J. G. E. D. (que recebeu o nome fictício de José) foi à casa de seu companheiro, A. J. M. (a quem foi dado o nome fictício de Armando), advogado de 43 anos, a pretexto de buscálo para irem ao teatro. Na realidade, porém, tinha outra intenção. Estava com ódio do companheiro, que queria deixá-lo para se casar com uma mulher e constituir família. Não suportava a idéia da separação e pretendia vingar-se. José havia preparado tudo para acertar as contas do modo mais radical possível. Não foram ao teatro. Em vez disso, ele agrediu Armando com várias facadas. Não satisfeito, decapitou-o. A cabeça foi deixada ao lado do corpo. José também machucou-se, apresentando ferimentos no nariz e nas mãos, como resultado da luta corporal que antecedeu a morte da vítima. A cena do crime era chocante: poças de sangue sobre os lençóis da cama, um corpo sem cabeça no chão do quarto, uma cabeça a pouca distância do corpo, arrumada no chão, voltada para a porta. Diante dos enormes ferimentos causados na vítima, a quantidade de sangue no local era proporcionalmente pequena. Supuseram os peritos que o agressor estancou parte das hemorragias usando seus conhecimentos técnicos. José tinha 42 anos e era cirurgião-dentista. Não admitia ter assassinado o seu companheiro, e apesar de tê-lo negado até o fim, foi desmentido pelas muitas provas que o mostravam como único culpado. José foi denunciado como autor do crime. Inicialmente, o Ministério Público atribuiu-lhe a prática de homicídio simples. Em virtude da troca dos promotores do caso, foi pedida a condenação do réu não mais por homicídio simples, cuja pena mínima é de seis anos de reclusão, mas por homicídio qualificado pelo motivo fútil e pelo meio cruel, para o qual a pena mínima é de doze anos. Em sua manifestação, o promotor asseverou que o motivo do crime era torpe, repugnante, alegando “A vítima foi morta por tentar desligar-se de relacionamento anormal e 42 imoral.”48 O meio utilizado para matar foi cruel: “A vítima recebeu diversos pontaços, tendo sido decapitada. Revelou o agente, desta forma, brutalidade fora do comum, contrastando com o mais elementar dos sentimentos humanitários.”49 Uma das testemunhas ouvidas nos autos informou que, na religião muçulmana, as pessoas castigadas são mortas por decapitação. José era de origem árabe-muçulmana e talvez por essa razão tenha cortado a cabeça da vítima. Mas nem por isso sua conduta foi considerada menos grave. Aos 49 anos de idade, passados quase sete anos do cometimento do crime, José foi levado a julgamento pelo Júri e acabou condenado a treze anos de reclusão, maspor conta de um recurso a pena foi aumentada para quinze anos de reclusão. O acusado aguardou a decisão final do processo em liberdade, no dia em que soube de sua condenação definitiva, em virtude de o Tribunal de Justiça não ter anulado a decisão condenatória do Júri e, ainda, ter aumentado sua pena para quinze anos, José estava sozinho. Suicidou-se. Era dia 7 de julho de 1995. Sua certidão de óbito deu como causa mortis “intoxicação por monóxido de carbono”. José morreu sem nunca ter admitido a prática do crime pelo qual foi julgado e condenado.50 3.7 IGOR FERREIRA DA SILVA E PATRÍCIA ÁGGIO LONGO No dia 4 de junho de 1998, em Atibaia/SP, Patrícia Ággio Longo, então grávida de sete meses, foi assassinada por seu marido, o Promotor de Justiça Igor Ferreira da Silva. 48 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 82. 49 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 83. 50 A história de José e Armando é verdadeira e está baseada no processo-crime referente ao caso Processo 1.658/86, da 1ª Vara do Júri da Capital. Segundo Luiza Nagib Eluf, a pesquisa não foi feita em matérias de imprensa e sim diretamente nos autos, os nomes das partes, réu e vítima, aqui mencionados são todos fictícios. 43 A versão do Promotor era de que o casal fora vítima de um assalto e sua esposa havia sido morta pelos assaltantes por motivos ignorados. Porém, em suas afirmações, Igor se contradisse várias vezes e o depoimento das testemunhas demonstrou que, em nenhum momento, o veículo do Promotor foi seguido. Por isso e pelas demais evidências - não houve qualquer subtração de bem, o caminho escolhido para retorno à residência do casal foi justamente o mais longo e difícil; houve demora na entrega da roupa que o Promotor usava no dia do crime para os devidos exames – chegou-se à conclusão que a versão oferecida pelo Promotor de Justiça não era a verdadeira. O fato é que, diante dessas constatações, em 2001, Igor Ferreira da Silva foi condenado, por unanimidade, a dezesseis anos e quatro meses de reclusão pela morte de Patrícia Ággio Longo e do filho que ela carregava em seu ventre.51 O motivo do crime até hoje permanece envolto em mistério. Foram levantadas várias hipóteses, como, por exemplo, queima de arquivo, homicídio passional, etc., sendo a última hipótese a mais provável, uma vez que, no decorrer do processo, foi descoberto, por meio de exame de DNA, que o filho que Patrícia esperava não era de Igor. Sobre o motivo do crime, o Acórdão52 trouxe a seguinte ponderação: “O motivo não é circunstância elementar do tipo penal. Em tese, o motivo pode ser causa de diminuição da pena ou de qualificação do delito. Pode ser sopesado como circunstância agravante ou atenuante... (mas) o motivo não é figura elementar do delito nem tampouco exclui o dolo. (...) Na verdade, a prova dos autos não permite detectar qual o motivo do crime. Por certo que ele existe, como sempre existe em qualquer crime. Mas permaneceu oculto, nos recônditos insondáveis da alma humana. A própria defesa, aliás, foi além e chegou a admitir, em certa passagem, que ‘hoje em dia mata-se por qualquer ou nenhum motivo’. O fundamental é que a prova dos autos — ainda que não detectado o motivo — não deixa dúvida sobre a autoria do crime.”53 51 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 94. 52 Segundo dados colhidos no site do Superior Tribunal de Justiça, em consulta ao Processo REsp 509324. 53 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 98. 44 O promotor Igor foi condenado a 16 anos e 5 meses de reclusão. Após cinco anos da decisão judicial que o condenou, Igor perdeu o cargo de Promotor de Justiça. Foragido desde 2001, na tarde do dia 19 de outubro de 2009, Igor Ferreira da Silva foi preso no Estado de São Paulo.54 3.8 ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES E SANDRA FLORENTINO GOMIDE No dia 20 de agosto de 2000, em um haras em São Paulo, o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, 63 anos, tomado de ciúme e rancor pela ex-namorada Sandra Gomide, 32 anos, disparou dois tiros à queima-roupa contra ela, levando-a a morte. Havia uma diferença de idade entre eles de trinta e dois anos. Pimenta Neves conheceu Sandra em 1995, quando se tornou diretor-chefe do jornal Gazeta Mercantil. Sandra era repórter deste jornal havia sete anos, e por conta do trabalho, houve uma aproximação entre eles, o namorou começou um ano depois, durando quatro anos.55 O relacionamento foi marcado por muitas brigas e reconciliações. Diante de cada rompimento, Pimenta Neves pedia a Sandra que lhe entregasse todos os presentes que ele havia lhe dado, para ele não havia sentido algum em a moça ficar com os objetos depois do rompimento. Para Pimenta Neves tudo o que Sandra possuía e havia conquistado (o emprego nos jornais, o salário que recebia, o amigos que tinha, a vida que levava) era fruto do relacionamento deles, nada havia sido conquistado por mérito de Sandra.56 Quando o crime ocorreu, Pimenta Neves trabalhava no jornal Estado de São Paulo e havia levado Sandra para trabalhar com ele. Diante da posição de 54 Análise de acordo com o livro A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres de Luiza Nagib Eluf. 55 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 104. 56 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 103. 45 hierarquia que havia entre eles, em decorrência do trabalho, Pimenta Neves manipulava a vida profissional de Sandra de acordo com andamento de seu namoro com ela. Quando brigavam, Pimenta Neves transferia Sandra para uma função de menor importância, mas quando tudo ia bem, ele sempre concedia a Sandra uma promoção. Após várias idas e vindas, Sandra rompeu definitivamente o relacionamento com Pimenta Neves, e não sucumbiu a nenhuma de suas chantagens ou ameaças, o que fez com que Pimenta Neves acreditasse que ela estava apaixonada por outro homem. No dia do crime, Sandra foi ao haras para tentar se distrair e esquecer os problemas com o ex-namorado. Pimenta Neves já esperava por ela, pois queria esclarecer algumas atitudes de Sandra durante o relacionamento com ele. No decorrer da discussão Pimenta Neves tentou obrigar Sandra a entrar em seu carro, e diante da recusa da moça, desferiu dois tiros contra ela, que morrera no mesmo instante. Depois de cometer o crime, Pimenta Neves fugiu do local, e se escondeu em um apartamento em São Paulo, e passados alguns dias ingeriu grande quantidade de comprimidos antidepressivos, tendo que ser internado às presas para tratamento de saúde. Quando de sua saída do hospital foi conduzido ao 13º Distrito Policial onde confessou detalhadamente o crime, permanecendo detido até 23 de março de 2001, quando foi beneficiado com um habeas corpus, e aguardou seu julgamento em liberdade. O julgamento só ocorreu em 3 de maio de 2006 e durou três dias, Pimenta Neves fora condenado a dezenove anos, dois meses e dozes dias de reclusão, no entanto essa pena foi reduzida para quinze anos de prisão, com o direito de recorrer da decisão em liberdade. Hoje57, com 72 anos, Pimenta Neves continua em liberdade, e no conforto de sua residência desfruta de uma vida mansa e discreta, como se nada tivesse acontecido. 58 57 Fonte: Revista Veja. Edição 2131 – 23 de setembro de 2009. Reportagem: Quase uma década de impunidade. 58 Análise de acordo com o livro A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres de Luiza Nagib Eluf. 46 3.9 UBIRAJARA DUTRA E MARIA CONCEIÇÃO CASAGRANDE Em 26 de novembro de 2000, na cidade de Sorocaba, interior de São Paulo, a funcionária pública municipal, Maria Conceição Casagrande, 27 anos, foi assassinada por seu ex-marido, o aposentado Ubirajara Dutra, então com 56 anos. O casal estava separado há três meses, e, por não conformar-se com a separação, Ubirajara matou sua esposa, com cinco tiros e depois se suicidou com um tiro no ouvido.59 3.10 CARLOS MOACIR DOS SANTOS CAVALHEIRO E SALETE CAVALHEIRO Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Salete Cavalheiro foi morta, a facadas por seu ex-marido, Carlos Moacir dos Santos Cavalheiro. O crime ocorreu em 10 de junho de 2001, quando a vítima comemorava o aniversário da filha mais nova do casal. Segundo Paula Cavalheiro, filha mais velha do casal, seus pais brigavam muito, principalmente devido ao constante estado de embriaguez do seu pai, que se mostrava sempre bastante agressivo. Por não agüentar mais as agressões do companheiro, a vítima se viu impelida a sair de casa, porém seu marido não aceitava a separação e começou a persegui-la, insistindo em uma possível reconciliação. O crime foi friamente planejado por Carlos Moacir, valendo-se do fato de ser aniversário de sua filha, convenceu sua ex-mulher a ir a uma festinha que ele havia preparado para a criança. Na festa o homicida desferiu golpes de faca na vítima e fugiu, permanecendo seis meses desaparecido. Por fim, Carlos Moacir foi 59 Conforme reportagem Sorocaba tem três crimes passionais em uma semana. Disponível no site http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u18494.shtml. Acesso em 23 de outubro de 2009, as 11h. 47 tido como louco, e terminou internado no Hospital Psiquiátrico Forense de Porto Alegre.60 3.11 EVANI GONÇALVES FONSECA E CENIR DE FREITAS Em 8 de abril de 2002, em Minas Gerais, Cenir de Freitas foi encontrada morta em sua própria cama com um tiro no rosto desferido por Evani Gonçalves Fonseca, seu ex-marido. Segundo relatos o casal vivera em união durante nove anos. Dois anos antes da morte da vítima, Evani perdeu seu emprego e por conta da dificuldade em voltar ao mercado de trabalho passou a fazer uso de bebidas alcoólicas diariamente. Diante desse quadro, o sustento da família ficou a cargo de Cenir, que possuía uma loja, de onde tirava o sustento para a família e para o vício do marido. Por conta do alcoolismo do marido, não agüentando mais conviver com Evani, Cenir pediu a separação. Após um mês da homologação do divórcio, não conformado, Evair matou a vítima com um tiro no rosto. Depois do crime, Evani fugiu não mais sendo localizado.61 60 Conforme reportagem da Revista Marie Claire, sob o tema Essas mulheres foram assassinadas por seus companheiros. Disponível no site http://revistamarieclaire.globo.com/Marieclaire/0,6993,EML831416-1740-1,00.html. Acesso em 23 de outubro de 2009, às 11h 61 Conforme reportagem da Revista Marie Claire, sob o tema Essas mulheres foram assassinadas por seus companheiros. Disponível no site http://revistamarieclaire.globo.com/Marieclaire/0,6993,EML831416-1740-1,00.html. Acesso em 23 de outubro de 2009, às 11h 48 3.12 LINDEMBERG ALVES E ELOÁ CRISTINA PIMENTEL Após cem horas de cativeiro, no dia 17 de outubro de 2007, em Santo André, Lindemberg Alves de 22 anos matou sua ex-namorada Eloá Cristina Pimentel, 15 anos, com dois tiros, um em sua virilha e outro na cabeça, o motivo: ciúme e vingança. Lindemberg e Eloá namoraram por dois anos e sete meses. Foi um relacionamento permeado de ciúmes, brigas, e agressões por parte de Lindemberg, que se revelara ciumento e possessivo, proibindo Eloá de sair de casa, de ir a festas e até mesmo de manter contato com os amigos. Diante do comportamento de Lindemberg, após muitos rompimentos seguidos de promessas de mudanças, que nunca aconteceram, Eloá decidiu romper definitivamente o namoro com Lindemberg. Inconformado, Lindemberg decidiu que deveria matar Eloá e em seguida se matar. Para ele, se ela não ficasse com ele não deveria ficar com mais ninguém. No dia 13 de outubro de 2007, Eloá havia retornado da escola e fazia um trabalho escolar com alguns amigos, Nayara, Vitor e Iago, quando Lindemberg invadiu sua casa. Ele não esperava que Eloá estivesse acompanhada, mas isso não o fez retroceder em seu plano de vingança, decidiu transformar todos em reféns. O cárcere privado durou cinco dias, durante esse período Lindemberg libertou alguns reféns, e nas últimas horas de cativeiro manteve apenas Eloá e sua amiga Nayara presas. Já nas primeiras horas de cárcere tiveram início as negociações com o Grupo de Ações Táticas Especiais – GATE, na tentativa de convencer Lindemberg a desistir de matar Eloá e de tirar sua própria vida. Durante os dias de cativeiro Lindemberg apareceu duas vezes na janela sozinho, era a chance que a polícia precisava para neutralizá-lo e acabar com aquele tormento, mas a polícia escolheu não atirar. Em outros momentos ele se exibiu na janela ameaçando Eloá com a arma, tudo era exibido em tempo real pela mídia, o país parou para acompanhar o sofrimento de Eloá Pimentel. 49 Lindemberg estava obcecado por matar Eloá, ele não queria dinheiro, não temia por sua integridade física, não tinha interesse em fugir, por isso as negociações não evoluíam. Cansada e esgotada emocionalmente, Eloá em um surto destrói alguns objetos de sua casa, e implora para que Lindemberg a liberte ou a mate logo, mas que acabe com todo aquele sofrimento, somente se controlando quando seu exnamorado ameaça matar Nayara em sua frente. Após cinco dias de fracassadas negociações a polícia decidiu invadir o local em que Lindemberg mantinha Eloá e Nayara como reféns. Na iminência da invasão Lindemberg atirou em Nayara ferindo-a no rosto e ainda disparou duas vezes contra Eloá, uma na virilha e outra na cabeça. Nayara sobreviveu e Eloá morreu um dia depois no hospital. Lindemberg não se matou como disse que faria quando da invasão ao apartamento. Foi preso em flagrante e aguardará seu julgamento preso.62 Lindemberg irá a julgamento no Tribunal do Júri que tem previsão para ocorrer no primeiro semestre de 2010.63 3.13 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS CASOS ELENCADOS Todos os casos elencados neste trabalho serviram para elucidar o crime passional e principalmente os sentimentos que movem seu autor. Tendo em vista que os crimes relatados remontam a diferentes épocas de nossa história, resta evidenciado que o crime passional está ainda enraizado em nossa sociedade, com muita força e freqüência, estando presente em qualquer tipo de relacionamento, seja namoro, casamento ou mesmo em um relacionamento já rompido. 62 O relato do caso Eloá Pimentel foi feito segundo dados apresentados pela mídia durante o fato. Conforme reportagem da Revista Veja. Disponível no site http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/jurilindemberg-deve-ocorrer-primeiro-semestre-2010-505296.shtml. Acesso em 23 de outubro de 2009, às 11h 63 50 O mais estarrecedor é que o autor do crime passional é sempre uma pessoa muito próxima da vítima, que se vale da confiança e da proximidade emocional para subtrair a vida da pessoa amada. Cabe mencionar ainda que todos esses crimes poderiam ter sido evitados, se os autores destes delitos tivessem agido de forma mais sensata e menos violenta. Devemos ter em mente que sempre há outra saída, que não a morte.64 64 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 200. 51 4. QUEM AMA MATA? Grandes amores com finais trágicos atraem o interesse de pessoas de diferentes classes sociais, raças, sexo, crenças e religiões. É inevitável questionar como um sentimento belo se transmuda em algo inaceitável. Será que o amor, nobre sentimento, que permeia nossos sonhos e fantasias desde a mais tenra idade, que exprime perdão, generosidade, é o mesmo “amor” que destrói e mata? Será que o mesmo amor que traz a vida, também leva à morte? Todas estas indagações passeiam no campo dos mais variadas ciências como o direito penal, a psicologia e a literatura. Na tentativa de elucidar o sentimento que envolve o cometimento do crime passional, é que definiremos o amor, discutindo a mutação sofrida pelo amor, enquanto sentimento nobre que constrói, em um “amor” que é capaz de destruir, e matar a pessoa amada. 4.1 DEFINIÇÃO DE AMOR O termo amor advém do latim amore, e pode ter inúmeros significados. O minidicionário Houaiss (2002,0 p. 39) explica que amor é “atração afetiva ou física; adoração, veneração, afeto, carinho, ternura; dedicação; demonstração de zelo, de fidelidade; apego a algo ou a alguém.” O amor definido como sentimento que impulsiona o indivíduo para o belo, digno ou grandioso; como afeição de uma pessoa por outra e até mesmo como desejo sexual, vem sendo descrito e estudado há muitos séculos. Enquanto sentimento sublime, o amor não deve causar destruição ou sofrimento; deve ser fonte de afeto e respeito, não uma justificativa para a morte. Para Luiza Nagib Eluf (2002, p. 114) o verdadeiro amor é denominado de amor-afeição, e não origina idéia de morte uma vez que perdoa sempre. Assim, o 52 verdadeiro amor pode ser resumido em resignação e auto-sacrifício, ternura, perdão e cumplicidade. O autor Léon Rabinowcz (2000, p. 53) classifica o amor em: platônico, afetivo e sexual. Para ele o amor platônico é o amor que satisfaz só em pensar na pessoa amada, ocorre em sujeitos doces e românticos, incapazes de cometer um crime passional. O amor afetivo, também chamado de “amor normal” é a forma mais sã do amor, a forma mais feliz, é a mistura de atração e amizade, é a forma menos egoísta do amor, excepcionalmente pode ser fundo para um crime passional. Já o amor sexual, é a forma mais primitiva e natural de amor; é profundo e egoísta, pode alimentar o ódio e o desejo de vingança; fornece a imensa maioria dos crimes passionais, se não a totalidade deles, conforme o autor. 4.2 QUANDO O AMOR SE TRANSFORMA EM OBSESSÃO A atitude de fixar atenção e cuidados em relação ao companheiro é esperada em qualquer relacionamento amoroso saudável. Todavia, quando ocorre falta de controle e de liberdade de escolha sobre essa conduta, de modo que ela passa a ser prioritária para o indivíduo em detrimento de outros interesses antes valorizados65, está caracterizado um problema denominado “amor patológico”. O amor patológico, nada mais é do que a manifestação da obsessão em torno da pessoa amada. Esse sentimento pode estar associado a sintomas depressivos e a ansiedade desmedida, é mais freqüente em pessoas com baixa auto-estima e tomadas por sentimentos de rejeição, abandono, raiva, ciúme, e sede de vingança, sentimentos esses direcionados sempre à pessoa amada. Normalmente está presente em relacionamentos tensos e conturbados. Em estágio primário o amor patológico proporciona o alívio para a angústia que 65 Conforme dados constantes no site http://recantodasletras.uol.com.br/mensagens/256094. Acesso em 10 de outubro de 2009, às 11h 53 acomete alguns enamorados, pois crêem que o parceiro traz significado para sua vida. A essência desse relacionamento não é o amor, mas sim sentimento de posse e o medo, que pode ser de estar ou ficar só, de não ser valorizado, de não merecer ou ter o amor do outro, de ser abandonado. De maneira geral, os acometidos por amor patológico mantêm atitudes nocivas no relacionamento, mesmo quando resta evidenciado que tais atitudes prejudicam o seu vínculo afetivo com o ser amado, e por vezes o relacionamento, a sua vida ou a de outras pessoas.66 Normalmente apresentam, diante do distanciamento (físico ou emocional) do parceiro ou perante ameaça de abandono, episódios de insônia, taquicardia, tensão muscular; costumam se queixar do distanciamento e do déficit de atenção do parceiro; desperdiçam muito tempo controlando as atividades de seus parceiros com o objetivo único de mantê-los sob total controle, o que os tornam obcecados pelo parceiro. É nesse tipo de amor que ocorrem as oscilações entre o real e o ilusório, levando o acometido por esse sentimento a sensação de insegurança, passando a ter certeza da traição ou indiferença ou da iminência do abandono pelo ser amado, mesmo quando não há motivos para alimentar esses sentimentos. Tomado por atitudes egoístas e violentas, marcados pela instabilidade emocional, quer a todo custo eliminar o ser que lhe causa tantos dissabores, ou seja, a pessoa a quem ama. Esse amor constitui-se por um sentimento de posse, e não mais como algo terno e bonito idealizado outrora. É a forma brutal, primitiva e animal do amor, é o amor que mata.67 66 Revista Brasileira de Psiquiatria. Reportagem Amor patológico: um novo transtorno psiquiátrico? Disponível no site http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151644462007000100016&lng=pt&nrm=iso Acesso em 10 de outubro de 2009, às 10h. 67 LEAL, João José. Cruzada doutrinária contra o homicídio passional: análise do pensamento de Leon Rabinowicz e de Nelson Hungria. Disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/view/12072/11637. Acesso em 10 de agosto de 2009, as 15h. 54 CONCLUSÃO A impulsividade é uma das características mais marcantes do ser humano. Em decorrência desta impulsividade muitas vezes o indivíduo é levado a agir sem pensar, e por isso pode ter atitudes boas ou ruins. Por isso, o crime passional mantém-se presente na história da humanidade. O crime passional se distingue dos demais delitos por conta das particularidades que o envolve e por ter como pano de fundo uma das áreas mais importantes na vida dos seres humanos: o relacionamento conjugal. O amor é o sentimento que move todas as áreas de nossas vidas, por ser inerente ao ser humano, traz com ele uma gama de sentimentos: alegrias, tristezas, angústias, desespero, esperança, equilíbrio, medo, ciúme, dor... além de muitos outros. Quando amor chega, vem acompanhado do desejo de ter apenas para si o ser merecedor de todo seu afeto. É nesse momento que surge o sentimento de posse, em decorrência do medo de perder a pessoa amada. A esse temor reagimos de maneira diferente, uns de forma mais romântica, a fim de manter viva a chama do amor e interesse do ser amado, outros porém agem de forma mais intensa, com rigor e obsessão... Pronto, está montado o cenário perfeito para que o crime passional possa acontecer. Para que o crime passional se torne uma realidade, basta que uma fagulha seja lançada, que poder ser o ciúme, paixão, a infidelidade – concretizada ou não, o ódio, o desejo de vingança, a indiferença, e até mesmo o desejo de defender a honra outrora maculada. No ato criminoso do passional há uma pressão social para que ele não aceite a autodeterminação da mulher. Uma vez desprezado, o passional passa a se preocupar em mostrar para o meio social em que vive que continua no comando de sua relação e que se preciso for punirá todos aqueles que ousarem contestá-lo. Os assassinos passionais normalmente são pessoas calmas, que nunca cometeram outro delito antes, mas que praticam esse ato por não saberem lidar com o fim da relação, não por amor, mas por sentirem-se donos da pessoa 55 amada e não admitindo a possibilidade que esta possa esquecê-lo ou trocá-lo por outro. A desculpa “matei por amor” não convence mais... A legítima defesa da honra também não... Quando decide matar a pessoa amada, o único pensamento que habita a mente do assassino passional é que “se não for meu, não será de mais ninguém”. O crime passional tem fundamentos sócio-culturais. No decorrer da história da humanidade temos visto a supervalorização dos pensamentos patriarcais, onde a mulher é subjugada em relação ao homem, assim desde pequenas as mulheres aprendem a perdoar e fazer vistas grossas para as traições de seus maridos, já aos maridos era ensinado que no caso de traição, a mulher deveria sofrer pena de morte, homem teria sua honra lavada e ainda tal fato serviria de exemplo para que outras mulheres não cometessem o mesmo erro. Por muitos anos, o crime passional era justificado como um meio de defesa da honra maculada pela mulher infiel, mesmo quando haviam apenas indícios desta infidelidade, pois a honra do homem estava depositada no comportamento de sua mulher. Hoje, não se admite mais este tipo de argumento, a sociedade evoluiu e enfim entendeu que a honra do marido não está em sua esposa ou em seu comportamento. A honra é bem personalíssimo, somente as nossas próprias atitudes é que têm poder para denegrir o engrandecer nossa honra. Alguns casos passionais, aqueles que mais impactaram a sociedade, foram elencados com o objetivo de demonstrar como este delito está impregnado em nossa realidade, mas principalmente por revelarem suas motivações e ainda por permitir analisar algumas características predominantes nos criminosos passionais. Os autores dos delitos passionais são, em geral, homens, a classe econômica não é fator determinante, são egocêntricos, ciumentos, tem vaidade exarcebada e autoconfiança exagerada. No momento em que cometem o crime são invadidos por um mix de sentimentos, e por não saberem lidar com eles agem de maneira irrefletida. Todo o seu potencial assassino é voltado para uma única pessoa, a mulher amada. Normalmente, o criminoso passional não se arrepende, e quando o declara o faz apenas almejando a diminuição de sua pena. 56 Movido pelo rancor, desejo de vingança, ciúme, o homem mata para limpar sua imagem perante a sociedade, pois não admite ser trocado ou abandonado pela amada, pois crê que sobre esta tem direito exclusivo de posse, e pode fazer dela o que bem entender. Geralmente, os assassinos passionais agem de maneira premeditada, decidida, fria e calculada, com o objetivo de por fim ao ser que não soube dar valor ao amor que lhe fora devotado. Cabe ressaltar, que diante dos dados colhidos, restou evidenciado que a mulher comete menos crime passional porque é mais madura, mais preparada para lidar com as perdas e dificuldades da vida. Por ter sido educada para a passividade perante o comportamento agressivo e hostil do homem, a mulher apresenta um caráter mais afável, tem consciência de seu valor, é menos agressiva, por isso raramente nos deparamos com um crime passional cometido por uma mulher. Analisar os diversos dados recolhidos para tornar possível a execução deste trabalho permitiu concluir que não é o amor, enquanto sentimento belo, que impulsiona a prática do crime passional. O amor ora declarado pelo assassino passional é o amor a si mesmo, sentimento egoísta, que não aceita que o outro o contrarie. Não é amor, é posse. Quando crê que a mulher amada lhe pertence, não admite que esta tome as rédeas de sua própria vida, para ele, a amada é um objeto exclusivo, que lhe deve obediência, fidelidade e respeito eternos. Deveríamos repensar a nomenclatura do delito criminal passional, permitir que este seja denominado “crime de amor” não conduz com a com a nobreza que esse sentimento revela. O amor não mata, não destrói, não traz dor... O Amor, o autêntico, gera alegria, esperança... É paciente, benigno, não arde em ciúmes, não se envaidece, não procura seus interesses (...) tudo crê, espera e suporta68. Aquele que mata está enamorado de si mesmo, e apenas nutri pelo outro um sentimento de posse. Sentimento esse que quando frustrado, gera ódio, rejeição, raiva, humilhação e desespero. Para o criminoso passional somente quando eliminar a fonte de seus tormentos, a mulher amada, é que poderá se libertar desses sentimentos. 68 A Bíblia da Mulher. Almeida Revista e Atualizada. Editora Mundo Cristão. I Coríntios Capítulo 13 versículos 4 a 7 p. 1453. 57 A todos é dada a opção de delinqüir ou não. Todos estamos sujeitos a traições, crises de ciúmes infundadas ou não, a temer diante a possibilidade de ser abandonado pelo ser amado, a sofrer ante a indiferença do ser que amamos. Mas tudo isso não nos torna criminosos passionais, caso contrário precisaríamos de uma grande penitenciária, pois nesse instante há inúmeras pessoas tomadas pelos mais diferentes sentimentos, bons e ruins, que abandonadas pelo ser amado continuam sua vida... É preciso saber perder, perdoar... O presente trabalho não teve a pretensão de esgotar o tema abordado, serve apenas como um sinal de alerta para um tema tão atraente, instigante e mais presente do que nunca em nossa sociedade. Visa apenas saciar o desejo de melhor compreender o crime passional, o comportamento do autor deste delito e os sentimentos que podem levar a prática deste ato. Porém, espera-se principalmente contribuir para a construção de uma sociedade melhor. Por isso reafirmo: Não!!! Quem ama não mata. 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A Bíblia da Mulher. Almeida Revista e Atualizada. Editora Mundo Cristão. BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. BITENCOUR, Cezar Roberto. 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Acesso em 23 de outubro de 2009, às 11h 62 ANEXO 1 - ACÓRDÃO QUE CONDENOU PONTES VISGUEIRO “Vistos, etc. Attendendo a que por taes provas, e até pela confissão livre e expontânea do réo, está plenamente provado ter elle matado no dia 14 de agosto último a Maria da Conceição, pela fórma articulada no libello a fls...; Attendendo a que, entre o desígnio, formado pelo réo, de cometter o crime e o acto de comettel-o mediaram mais de 24 horas, o que é evidente em face dos depoimentos e declarações de fls. e fls.; Attendendo a que o réo para vencer a repugnancia e receio que Maria da Conceição mostrava de ir á sua casa, procedeu com fraude, empregando affagos e excitando-lhe o interesse por promessas falsas, como se vê de fls.; Attendendo a que o réo havia superioridade de sexo, forças e armas, de maneira que a offendida não podia repelir a ofensa; Attendendo a que o réo foi impellido por um motivo reprovado, considerada a natureza torpe de suas relações com Maria da Conceição; Attendendo a que o delicto foi cometido com surpresa, lançando-se o réo e seu cumplice sobre Maria da Conceição, e ferindo-a o réo quando ella descuidosa entrava no quarto, onde lhe dissera o mesmo réo estarem os presentes que elle lhe promettêra; Attendendo, finalmente, a que pelos mesmos depoimentos e interrogatorios, está plenamente provado que entre o réo e a assassinada tinha deixado de existir a confiança mutua que naturalmente se presume entre dois entes, que se amam ou prezam, manifestando ella, aliás, mêdo e receio de que elle a quisesse ofender, em vingança de não lhe guardar fidelidade em suas relações ilicitas e consequentemente que não podia o réo abusar de uma confiança que já não existia; Attendendo igualmente a que o convite feito a Guilhermino para dar uma surra em Maria da Conceição, sem nunca lhe revelar o designio de matal-a, não pode ser considerado ajuste para cometter este delicto, nos termos do art. 16, § 17: 63 Julgam o réo incurso no art. 193 do Codigo Criminal e o condenam na pena de galés perpetuas, gráo maximo, por concorrerem as circunstâncias aggravantes mencionadas no art. 16, §§ 42, 62, 82, 9a e 15, pena que será substituída pela prisão perpetua com trabalho, nos termos do art. 45, § 2°, do mesmo Codigo, por ser o réo maior de sessenta annos, e nas custas. Rio de Janeiro, 13 de maio de 1874.”69 69 ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus: casos passionais célebres. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 12 e 13.