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NATALIA SOUZA DOS SANTOS
AFINAL, POR OUE
OS CONSCRITÕS NÃO VOTAM?
"NaAssembleia Nacional Constituinte de 8 7/8 8, prevaleceu o entendimento da maioria,
que julgou correto que os militares conscritos estivessem prontos para defender a
população (e por que não a própria democracia?) caso fosse preciso utilizar sua força
ante qualquer uma das normas que legitimam a sua propositura:'
O impedimento de conscritos exercerem o direito-dever
de votar encontra -se no § 2° do art. 14da Constituição Federal
de 1988 e merece análise sob o ponto de vista da Assembleia
Nacional Constituinte de 87/88, momento mais expressivo
dos debates em torno da questão. A partir das discussões
tecidas pelos constituintes é possível entender o motivo pelo
qual mantiveram o postulado já levantado em outras constituições brasileiras!, reproduzindo com letra fria a restrição,
ao invés de promoverem a abertura democrática, que era o
maior anseio da população brasileira.
O serviço militar obrigatório é retratado em nossas
Constituições desde a Carta de 1824, que já trazia, em seu
art. 145, esse imperativo. O alistamento, que já se deu de
diversas formas, inclusive por sorteio, atualmente é realizado em etapas, e o número de jovens selecionados a servir
é sempre proporcional à população do País no ano de cada
recrutamento.
Antes de tratar do tema propriamente dito, necessário se
faz traçar o conceito da expressão "conscrito", que, segundo
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, é o recrutado
para servir o Exército, não o integrando na condição de profissional, mas sim na condição de cidadão em cumprimento
com o ônus constitucional de prestação de serviço militar
pelo tempo devido. Ou seja, conscrito será a pessoa incorporada às Forças Armadas, enquanto durar essa situação.
Durante esse período, lhe serão vedados tanto o alistamento
eleitoral quanto o voto, e, como consequência lógica, sua
elegibilidade para qualquer cargo eletivo no País.2
Dois últimos detalhes relativos ao conceito exposto dizem
respeito aos demais integrantes das Forças Armadas, os
quais guardam seus direitos políticos ativos, devendo ser
observadas as normas específicas quanto à possibilidade
de exercício de direitos políticos em sua esfera passiva3,
bem como à interpretação dada ao termo "conscrito" pelo
Tribunal Superior Eleitoral, que na Consulta nO 10.471/89,
formulada pelo então Ministro do Exército Leônidas Pires
Gonçalves, o qual questionava a abrangência da expressão
segundo os termos insculpidos no § 2° do art. 14 da Constituição Federal, consignou estarem incluídos no conceito
os convocados à prestação de serviço militar obrigatório, os
alunos matriculados em órgãos de formação de reservas e os
médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários4•
No que pertine à ANC de 87/88, deve-se dizer que o
tema em análise foi debatido de forma calorosa em alguns
momentos, abarcando constituintes simpatizantes a uma e
outra posição, quais sejam, à manutenção de vedação dos
votos dos conscritos e à desnecessidade de tal limitação,
fazendo com que essa norma imperativa, constante de
Constituições passadas, fosse superada.
Exemplo de debate pode ser trazido com a fala de Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR), o primeiro a externar a questão
durante a ANC, tendo levantado o tema mesmo antes de a
votação do Regimento Interno da Constituinte ter sido concluída. Em 17 de fevereiro de 1987, o constituinte assumiu
a tribuna para discursar sua tese favorável à permissão dos
votos dos conscritos, sustentando ser uma afronta ao direito
de igualdade a permanência infundada de tal proibição, no
intuito de que a Constituição que estava por vir efetivasse
a verdadeira democracia.
Farabulini Júnior (PTB-SP), em 12 de março de 1987,
juntou-se à causa, demonstrando simpatia à tese de permissão do voto dos conscritos. Depois foi a vez de Mendes
Ribeiro (PMDB-RS)se pronunciar a favor do voto dos conscritos, fazendo com que sua posição constasse dos anais
da Constituinte, em 10 de abril de 1987. Na mesma data,
Gonzaga Patriota (PMDB-PE) apresentou proposta em
Plenário bastante interessante, e que fazia crer cumprir os
anseios da população da época.
Propôs o nobre constituinte que os militares seriam
alistáveis, independentemente
do posto que ocupassem.
Nesses termos, trazia ao exercício da democracia indireta
um contingente imenso de pessoas privadas de exercer a
democracia por meio do voto. Gonzaga Patriota afirmou,
em sua justificativa, não entender o motivo pelo qual os
cabos e soldados não podiam exercer o direito do voto, já
que esta é a forma de se exercer a cidadania, e ser cidadão
era uma das exigências para que a pessoa pudesse desempenhar o ofício de cabo ou soldado. Por esta razão, entendia
que a restrição constitucional ao direito de voto seria, no
mínimo, incongruente.
Em 7 de maio de 1987,Michel Temer (PMDB-SP)assumiu
a tribuna e, com breves palavras, comunicou a apresentação
de projeto que estendia aos conscritos o direito de votar,
o que legitimaria o exercício da cidadania, argumentando
que as normas que restringem tal exercício devem ser,
sempre, excepcionais.
A proposta do constituinte Paulo Delgado (PT-MG),
submetida à votação no dia 3 de março de 1988, trazia a
possibilidade de os conscritos votarem, conferindo-lhes
o exercício democrático indireto. Após ser submetida à
votação em Plenário, no entanto, do total de 434 constituintes, contando apenas dez abstenções dentre o total de
votantes, 295 foram contrários à proposta, negando aos
conscritos o exercício do direito de vàto durante o período
de serviço militar obrigatório.
Tal emenda deu-se por encerrada em virtude da tese
levantada de que cabe aos militares conscritos a manutenção e a promoção da paz e da ordem no caso de haver
alguma manifestação no dia das eleições. Outra tese que
fundamentou a decisão tomada pela ANC defendia que
não chegariam informações necessárias ao exercício do
voto aos jovens conscritos, já que estes estariam incomunicáveis, ou seja, distantes de quaisquer informações sobre
os candidatos a cargos eletivos. O constituinte Del Bosco
Amaral (PMDB-SP) foi à tribuna antes de a emenda ser
submetida à votação e discursou nesse sentido, para que
o Plenário rejeitasse "a emenda que é bem-intencionada,
é democrática, mas virá mais adiante, quando nós purificarmos o sistema do serviço militar obrigatório".
Nesse ponto, faz-se necessário dizer que, embora fossem
nítidos os anseios dos constituintes, e aqui incluímos os
anseios da população como um todo, já que esta teve participação direta no processo, a proposta que daria aos militares
conscritos o direito de exercer seu voto e, por conseguinte,
a sua cidadania não foi aprovada em virtude de a maioria
dos constituintes entenderem por bem recusar tal emenda,
embora ela fosse necessária ao correto exercício da democracia. O País buscava, naquele momento, desvencilhar-se
de todo e qualquer resquício ditatorial e que não assegurasse
o exercício correto e pleno da democracia, por isso autorizar o voto de tais militares seria a medida mais ajustada
para que a máxima participação popular fosse observada.
No entanto, podemos dizer que o que imperou, naquela
ocasião, foi o bom-senso geral, já que os constituintes
visaram salvaguardar, em última instância, a integridade
física da população. Prevaleceu o entendimento da maioria,
que julgou correto que os militares conscritos estivessem
prontos para defender a população (e por que não a própria democracia?) caso fosse preciso utilizar sua força ante
qualquer uma das normas que legitimam a sua propositura.
Nesse sentido, embora grande parte das pessoas, ainda
hoje, ou talvez mais ainda hoje, julgue o § 2° do art. 14 da
Constituição Federal norma descabida e sem razão de existir,
já que há muito tempo não enfrentamos traços ditatoriais
no sistema, e que a informação poderia chegar aos militares
conscritos sem que existisse clara influência alheia, devemos
pensar que a ordem democrática deve ser salvaguardada por
alguém, e que os militares impedidos de votar podem ser
essenciais ao exercício democrático cumprindo seu papel
frente à sociedade e ao Estado Democrático de Direito. 11
NOTAS
1 As Constituições anteriores à de 1988 (como as de 1946, 1967 e 1969) impediam também o alistamento de praças, cabos e soldados.
2 BASTOS,Celso Ribeiro; MARTINS,Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. 3. ed. V. 11. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 583.
3 Entende-se por direitos políticos ativos aqueles que incluem a capacidade eleitoral ativa, qual seja, a de exercer o voto; ser alistável, portanto. A capacidade eleitoral passiva compreende o direito de ser votado, ou seja, a elegibilidade.
4 A Lei n° 5.292/67 dispõe sobre a prestação do serviço militar obrigatório por estudantes e profissionais das áreas de Medicina, Odontologia, Farmácia e Medicina Veterinária.
Esta coluna é de responsabilidade
do Instituto Brasiliense de Direito Público.
NATALIA SOUZA DOS SANTOS é graduanda em Direito e compõe o subgrupo Direitos Políticos do grupo de pesquisa Reconstrução Histórico da Canstituinte do
Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
REVISTA JURíDICA CONSULEX
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