UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL IVO TERNUS O PODER DE POLICIA E O ABUSO DE AUTORIDADE NO ÂMBITO DA BRIGADA MILITAR Ijui (RS) 2013 IVO TERNUS O PODER DE POLICIA E O ABUSO DE AUTORIDADE NO ÂMBITO DA BRIGADA MILITAR Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DEJ- Departamento de Estudos Jurídicos. Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser Ijui (RS) 2013 2 Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada. AGRADECIMENTOS À minha família, que sempre esteve presente e me incentivou com apoio e confiança nas batalhas da vida e com quem aprendi e dividi que os desafios são as molas propulsoras para a evolução e o desenvolvimento. À minha orientadora Ester Eliana Hauser, com quem eu tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade, me guiando pelos caminhos do conhecimento. Aos meus colegas e amigos, que sempre colaboraram quando solicitados, com boa vontade e generosidade, enriquecendo o meu aprendizado. “O começo da sabedoria é encontrado na dúvida; duvidando começamos a questionar, e procurando podemos achar a verdade.” Pierre Abelart RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso propõe-se a analisar o poder de polícia e o abuso de autoridade no âmbito da Brigada Militar, avaliando o papel desempenhado pelos órgãos responsáveis pela segurança pública no Brasil. Busca analisar o poder de polícia conferido ao policial militar para o exercício das funções relativas a garantia da ordem pública, com vistas a segurança e a tranquilidade social em todo território brasileiro, demonstrando que este, enquanto representante estatal, deve atuar seguindo as normas legais para que os objetivos de sua presença e ação sejam cumpridos. Também analisa os excessos cometidos que, por não encontrarem respaldo legal, caracterizam-se como abuso de autoridade, o que possibilita a responsabilização administrativa, civil e penal do agente público. Para realizar suas funções, especialmente as relacionadas a segurança pública, o Estado possui um poder legitimo de atuação, que se bem utilizado assegura a realização das necessidades do povo e o desenvolvimento do estado democrático de direito. Mas sempre que ocorre abuso do poder o Estado, por intermédio de seus agentes, extrapola os limites de controle estabelecidos em lei o que coloca em risco os direitos de liberdade dos cidadãos e torna o poder de polícia um poder abusivo e ilegítimo. Palavras-Chave: Segurança Pública. Policial Militar. Poder de Polícia. Abuso de autoridade. Responsabilização. ABSTRACT This work of completion is proposed to analyze the police power and abuse of authority under the Military Brigade, assessing the role played by the agencies responsible for public security in Brazil. Analyzes the police power conferred to the military police for the exercise of functions relating to guarantee public order, with a view to social security and tranquility throughout the Brazilian territory, demonstrating that while state representative, must act according to the legal the goals of their presence and action are met. It also examines the excesses that not finding legal support, characterized as abuse of authority, which allows the administrative accountability, civil and criminal public official. To perform its functions, especially those related to public safety, the state has a legitimate power of action, which is well used ensures the realization of the needs of the people and development of the democratic rule of law. But whenever there is abuse of power the state, through its agents, extends beyond the control limits established in the law that endangers the rights of freedom of citizens and the police power becomes a power abusive and illegitimate Keywords: Public Safety. Military Police. Police Power. Abuse of authority. Accountability. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 1 SEGURANÇA PÚBLICA, PODER DE POLICIA E A ATUAÇÃO DA BRIGADA MILITAR .................................................................................................................... 11 1.1 Segurança publica e atividade policial na Constituição Brasileira de 1988. 13 1.2 A polícia militar e suas atribuições ................................................................ 17 1.3 Poder de polícia ................................................................................................ 23 1.4 O poder de polícia no âmbito da Brigada Militar ........................................... 25 2 O ABUSO DE AUTORIDADE NO AMBITO DA BRIGADA MILITAR ................. 30 2.1 O abuso de autoridade segundo a lei 4.898/65 ............................................... 30 2.2 A responsabilidade Penal, Civil e administrativa decorrente do abuso de autoridade ............................................................................................................... 37 2.3 A competência para julgamento do crime de abuso de autoridade – Súmula 172 do STJ ............................................................................................................... 39 2.4 As garantias individuais, os limites do poder de polícia e o abuso de autoridade no âmbito da Brigada Militar ............................................................... 42 2.5 Violência policial e o papel da polícia Militar no Estado Democrático de direito ...................................................................................................................... 50 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 55 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59 8 INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 define o Brasil como um Estado Democrático de Direito e estabelece um rol de direitos civis, políticos, sociais e coletivos, que são garantias fundamentais do cidadão e da sociedade. Dentre os direitos fundamentais encontram-se os direitos de liberdade, também conhecidos como direitos de primeira geração, que visam proteger o homem contra abusos ou intervenções arbitrárias praticadas pelo Estado através de seus agentes no exercício do poder. Apesar dos limites estabelecidos pelo texto da constituição e pela legislação infraconstitucional não são raras as situações que os direitos de liberdade sofrem violações, colocando o cidadão em uma situação de fragilidade perante o poder do Estado, que deve buscar controlar sua ação para consolidar um verdadeiro Estado Democrático de direito. Tendo como referência esta realidade, o trabalho apresenta um estudo acerca do poder de policia estatal, notadamente aquele conferido à polícia militar, enfocando o agir do agente policial, bem como os limites impostos a sua atuação que, quando respeitados, asseguram legitimidade a ação, mesmo quando esta é coercitiva e necessária para a manutenção da ordem e da segurança pública. O objetivo geral do estudo é analisar o poder de policia e o abuso de autoridade no âmbito militar e identificar alguns aspectos destacados quanto sua ocorrência e possibilidades de prevenção para a proteção dos direito e garantias individuais dos cidadãos. Busca-se também demonstrar qual o papel da Brigada Militar, enquanto órgão encarregado pela segurança pública, avaliando, a partir da 9 Constituição Brasileira de 1988, quais os principais aspectos da atividade policial militar, distinguindo as atribuições da polícia militar e dos demais órgãos encarregados da segurança pública. Pretende-se, por fim, avaliar as consequências do uso da arbitrariedade policial, a aplicabilidade da lei de abuso de autoridade e juízo competente, bem como as sanções cabíveis aos servidores militares diante da prática do crime de abuso de autoridade, buscando demonstrar a relevância dos órgãos de segurança pública num estado democrático de direito e a importância destes atuarem de acordo com a legalidade estabelecida. Para a realização do trabalho foram efetuadas alem de pesquisas bibliográficas, pesquisas pelo meio eletrônico, analisando conteúdos que tratam do poder de policia, a atuação da policia no Brasil e em especifico no Estado do Rio Grande do Sul, a fim de enriquecer a pesquisa que não esgota o assunto em função de sua complexidade e sua abrangência. Na vida social contemporânea, baseada em preceitos básicos de cidadania e que tem centrado no Estado o dever de agir para garantir uma vida social harmônica, respeitando as garantias individuais, e os direitos do homem o debate desta temática se mostra sempre relevante. O primeiro capítulo trás uma abordagem da segurança pública, poder de policia e a atuação da brigada militar no Estado do Rio Grande do Sul, com base na ordem constitucional de 1988 e demais normas infraconstitucionais. Buscou-se, neste capítulo, focar a Segurança pública e atividade policial na Constituição Brasileira de 1988, a Polícia Militar e suas atribuições, finalizando com um estudo sobre o poder de policia, especificamente no âmbito da Brigada Militar. No segundo capítulo é analisado o abuso de autoridade no âmbito da Brigada Militar, com enfoque na lei 4.898/65, as sanções decorrentes desta prática, bem como a competência para julgamento do crime de abuso de autoridade fundamentado pela Súmula 172 do STJ, relacionando as garantias individuais, os limites do poder de policia e o abuso de autoridade no âmbito da Brigada Militar, para então finalizar com uma análise do retrato da violência policial existente e o papel da policia Militar no Estado Democrático de Direito. 10 Com este estudo buscaremos destacar, a essencialidade da Segurança Pública para o desenvolvimento da sociedade, e se esta deve ser efetivada a partir de métodos que viabilizem, simultaneamente, a realização do controle social estatal, de modo a garantir uma sociedade pacífica e organizada. E, as garantias e direitos individuais do cidadão, estão sendo respeitados e assegurados especialmente pelos agentes estatais, sem que coloque em risco a ideia de dignidade humana. 11 1 SEGURANÇA PÚBLICA, PODER DE POLÍCIA E A ATUAÇÃO DA BRIGADA MILITAR Nos primórdios da civilização o homem abandonou a vida isolada, formando os primeiros grupos comunitários. Nesta forma de organização primitiva, os mais fortes integrantes eram destacados para manter a defesa dos grupos sociais, que eram regulados por regras que foram evoluindo gradativamente. Ao evoluir do tempo o homem encontrou por meio do Estado a melhor forma de se organizar socialmente. Sendo que este termo (Estado) originou-se inicialmente com o famoso opúsculo de Nicolau Maquiavel, O Príncipe (Maquiavel 1996). Assim, o Estado passa a ser concebido como uma sociedade política e juridicamente organizada para atender o bem comum do seu povo. Para manter a sociedade organizada, garantindo o acesso a direitos fundamentais a todos, o Estado assumiu competências que são fundamentais para o alcance das expectativas propostas. E nesta organização, compete ao Estado garantir a proteção dos direitos individuais e assegurar ao seu povo o pleno exercício da cidadania. Buscando assegurar tais direitos o Estado, por meio da instituição de forças de segurança, comportamentos deve empreender criminosos, ações inibindo, de prevenção neutralizando e práticas repressão antissociais aos e assegurando a proteção coletiva e dos bens na sua totalidade. Também, estas forças possuem a responsabilidade de oferecer estímulo ativo para que o povo possa conviver harmonicamente e desenvolver sua vida dentro dos preceitos sociais. No Brasil, entre as forças que integram a segurança pública, estão as Polícias militares, que são forças auxiliares das forças armadas, as quais têm por função primordial o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública no âmbito dos Estados e do Distrito Federal. As polícias militares são subordinadas diretamente aos governadores dos Estados Federativos do Brasil, e por esse motivo 12 são denominados de Polícias Militares Estaduais que será a instituição alvo deste trabalho, com ênfase a Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul. A Constituição Brasileira de 1988, buscando assegurar as garantias individuais, estabelece no titulo V, que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, em seu capitulo III, que trata da segurança pública, um conjunto de diretrizes aos agentes do Estado que devem garantir a segurança dos indivíduos. Sendo órgão da estrutura governamental a polícia tem por funções, a prevenção da criminalidade e também auxiliar o poder judiciário para que os infratores da lei sejam devidamente processados. Neste sentido a polícia atua no âmbito administrativo, quando objetiva assegurar as limitações impostas a bens jurídicos individuais, ação realizada por agentes de fiscalização, e em atividades de segurança, quando realiza funções de polícia ostensiva e policia judiciária. No Estado de Direito a administração pública precisa ter meios próprios para atingir seus objetivos, previstos em Lei e na Constituição, os quais são vistos como verdadeiros poderes ou prerrogativas especiais de Direito Público. Sendo que, um desses poderes é o do poder de polícia, por meio do qual o Estado age na órbita do interesse privado, visando satisfazer o interesse público e restringindo, assim, direitos individuais. Incumbidos da realização da polícia ostensiva e atuando preventivamente na preservação da ordem pública, os órgãos policiais, em especial as polícias militares, gozam do poder de polícia inerente a administração pública, uma vez que sua atividade se realiza em prol do interesse público, e se caracteriza pela discricionariedade, auto-executoriedade e pela coercibilidade. Assim como os demais estados federados do Brasil, o Estado do Rio Grande do Sul possui sua polícia Militar Estadual denominada Brigada Militar que atua com a missão primordial de preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, sendo que sua história confunde-se com a própria história do Estado, que é marcada com participações históricas de revoluções no cenário nacional. 13 1.1 Segurança pública e atividade policial na Constituição Brasileira de 1988 A partir da consolidação dos Estados de Direito modernos a convivência entre as pessoas passou a ser regulada essencialmente pela lei. Logo, este Estado que se organiza através da ordem jurídica, e com a participação popular, passa a dar respaldo legal aos cidadãos, que além de serem sujeitos de direitos, tem a seu dispor mecanismos jurídicos para se defender contra eventuais abusos da organização estatal. Cria-se, assim, o Estado democrático. Neste sentido é a explicação de José Lauri Bueno de Jesus (2004, p. 37) sobre o estado moderno: As leis surgem no corpo político para assegurar as liberdades públicas e a autoridade do governo, ao mesmo tempo em que protegem os membros da comunidade, restabelecendo, pelo viés do Direito a liberdade natural dos Homens. Ainda, pela lei, é assegurado ao estado o exercício dos poderes que lhe foram conferidos respeitando a vontade geral. A lei ao mesmo tempo em que obriga o cidadão, vincula o estado, por ser uma declaração da vontade geral, não somente enquanto sua obrigatoriedade deriva do pacto social, mas sim, sobre o todo, pois os homens, mediante o pacto, se dão leis para não se darem amo. Assim, passamos às concepções de estado absolutista, e liberal no estado moderno. Com a união do Estado de Direito e do Estado Democrático cria-se o Estado Democrático de Direito que tem como principal princípio norteador, o principio da legalidade. Ou seja, o Estado Democrático de Direito surge de duas idéias, o Estado limitado pelo direito e o poder do estado legitimado pelo povo. E nestes estados os poderes estão limitados pela lei e devem estar a serviço da defesa dos direitos fundamentais, como nos ensina José Joaquim Gomes Canotilho (1998, p. 227) quando discorre que: [...] a vertente do estado de direito não pode ser vista senão a luz do principio democrático, também a vertente do Estado Democrático não pode ser entendida senão na perspectiva de Estado de Direito. Tal como só existe um Estado de direito Democrático, também só existe um Estado Democrático de Direito, isto é sujeito as regras jurídicas. 14 Com o Estado Democrático de Direito, avança-se em relação ao Estado liberal, onde a ordem econômica e social não possui mais a capacidade de produzir justiça livremente. Neste sentido, o Estado Democrático de Direito possui em sua essência, conforme Lenio Luiz Streck (2003, p. 93): [...] um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentor da participação pública, quando a Democracia qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, sobre a ordem jurídica. No Estado Democrático de Direito, ocorre à junção do controle do arbítrio do Estado, através da lei e a participação social com direitos fundamentais, em que o Estado e o seu povo se inserem numa relação de igualdade material garantidos pelo direito. Ou seja, é a eliminação da rigidez formal, prevalece a supremacia da vontade do povo, e a preservação da liberdade e da igualdade. E é neste sentido que Norberto Bobbio (1992, p. 100) descreve a evolução do Estado contemporâneo. Primeiro liberal, no qual os indivíduos que reivindicam o poder soberano são apenas uma parte da sociedade; Depois democrático, no qual são potencialmente todos a fazer tal reivindicação; E finalmente, social no qual os indivíduos, todos transformados em soberanos sem distinções de classe, reivindicam – alem dos direitos de liberdade – também os direitos sociais, que são igualmente direitos do individuo [...] Assim, o Estado Democrático de Direito, adotado pela constituição de 1988, traz as características que são fundamentais para uma sociedade democrática: A soberania popular, exercida através dos representantes políticos; pela sociedade politicamente organizada, com base na Constituição escrita que estabelece um contrato social para a coletividade; pelo respeito ao principio da separação dos poderes, com limitação dos poderes governamentais; pelo reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana, que são inalienáveis; pela igualdade de todos perante a lei; pela pluralidade partidária e pela imperatividade da lei, em que a legalidade se sobrepõe a vontade governamental. (STRECK E MORAIS, 2003). 15 Dentre os direitos fundamentais consagrados no texto da Constituição, encontra-se a segurança pública. Tal direito está previsto no artigo 144, que diz: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; e V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. No caput do artigo 5º, desta mesma constituição encontra-se positivados os direitos individuais e coletivos. Nele se elenca a segurança como direito fundamental a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no solo brasileiro, sem distinção de qualquer natureza. Mas para que se possa melhor entender este direito, se faz necessário compreender o termo “segurança” no seu sentido exato. Conforme Amauri Meirelles e Lucio Emilio Espírito Santo (2003, p. 32): Em relação à segurança entendemos que, em seu sentido amplo, é também um ambiente, um estado, uma situação em que objetivamente as ameaças estão controladas. É uma situação ideal, porque o ser humano não dispõe ainda de meios eficazes para o controle total das ameaças. [...] insegurança, que podemos definir como inexistência, insuficiência, deficiência ou ineficiência de proteção nacional ou de proteção social, o que pode ensejar um estado permanente de tensão, medo, descrença, revolta, desgaste emocional, ansiedade, em que vive o homem moderno, diante das ameaças que o rondam permanentemente. A insegurança em seu sentido amplo, é um clima, um ambiente, em estado, uma situação, em que ameaças permanecem sob precário controle e há a percepção da precariedade desse controle [...] Maria Victoria Mesquita Benevides (1996, p. 75) discorre sobre o direito à segurança observando que: [...] Ora, o direito a segurança pressupõe, evidentemente, o risco da insegurança – risco esse não apenas patrimonial, como infelizmente tem sido tão valorizado, mais do que, até mesmo, o direito à vida, mas o risco da insegurança no plano da integridade física. E se o direito à segurança é um direito essencial a todo ser humano, faz parte do conjunto de direitos fundamentais da pessoa humana, faz parte dos Direitos Humanos. Como já visto, a segurança é essencial a todo ser humano e a Carta Constitucional brasileira, em seu artigo 144, especifica a segurança pública como 16 atribuição (dever) do ente estatal, reportando-se a uma responsabilidade de todas as pessoas, poderes e instituições, sejam elas públicas ou privadas. Também determina que a segurança pública deve ser exercida para preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, não excluindo a idéia de garantia dos direitos fundamentais elencados no artigo 5º, caput da CF. E é neste sentido que o conceito de segurança publica é descrito por José Afonso da Silva (2002, p. 754): A segurança pública consiste numa situação de preservação ou restabelecimento dessa convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, salvo nos limites de gozo e reivindicação de seus próprios direitos e defesa de seus legítimos interesses. Na sua dinâmica, é uma atividade de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas. Conclui-se, portanto, que a segurança pública realiza-se mediante um conjunto de ações e processos administrativos, jurídicos e judiciais, em que cada poder tem funções que interagem, complementam e dão continuidade ao esforço dos demais, para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, o que depende da harmonia entre os poderes, das ligações entre os instrumentos de coação, da justiça e da cidadania e do comprometimento dos agentes públicos, objetivando a paz social. Para uma melhor compreensão da segurança pública e da ordem pública, José Lauri Bueno de Jesus (2004, p. 65) observa que: [...] a segurança pública e a ordem pública são necessidades dos ser humano e cabe ao estado propiciar a segurança almejada pela sociedade, atuando, juridicamente, na sua vertente normativa estabelecendo as leis que a disciplinarão; na sua vertente jurisdicional, aplicando a lei aos casos concretos; e na sua vertente administrativa, aplicando a lei de forma discricionária e executória, para preservar a ordem e restabelecê-la, quando a mesma for violada. Visando uma melhor organização da segurança pública o artigo 144 da carta constitucional atribui funções específicas para cada um dos seis órgãos elencados como responsáveis pela segurança pública. Tais funções que serão detalhadas no próximo tópico são desempenhadas pelo critério de interesse, ou seja, os assuntos 17 de interesse nacional estão sujeitos ao policiamento da União e os assuntos de interesse regional sujeitam-se à polícia estadual; e os assuntos de interesse locais são tratados pela polícia municipal. 1.2 A polícia militar e suas atribuições Para discorrer sobre a polícia e necessário que se saiba o significado deste termo. Nas palavras de Marco Antônio Azkoul (1998, p. 7). A polícia remonta os primórdios da civilização, uma vez que tipos atividades assemelhadas revelam que o homem, ao abandonar a vida isolada das cavernas, consequentemente formou as primeiras comunidades e sentiu de destacar os mais fortes e jovens para a defesa dos primeiros grupos sociais. [...] Polícia do grego politéia" é um conjunto de leis ou regras impostas ao cidadão, com a finalidade de assegurar a moral, a ordem e a segurança pública. No Brasil, a criação da polícia se iniciou na época da colonização, quando D. João III adotou o sistema de "capitânias hereditárias," delegando a Martins Afonso de Souza a carta régia para criar o sistema judiciário e um serviço para manter a ordem pública. Naquele momento ficaram os meirinhos sob um juramento com o dever de polícia subordinados aos juízes (AZKOUL, 1988). Com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, o legislador constitucional elencou atribuições distintas dentre as várias polícias existentes no Brasil, conforme redação do artigo 144. São elas, Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal, além das Guardas Municipais, criadas pelos municípios. Artigo 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I- polícia federal; II- polícia rodoviária federal; III- polícia ferroviária federal; IV- polícias civis; V- polícias militares e corpos de bombeiros militares. 18 O Estado, diante das forças de segurança elencadas no artigo 144 da CF/88, atribui para a polícia federal e polícias civis as funções de polícia judiciária. Ou seja, estes são os órgãos da segurança com a função de apurar as infrações penais e a sua autoria através da investigação policial. Sem relação de subordinação quanto a órgão ou instituição do poder, a polícia judiciária auxilia o poder judiciário, por meio da coleta de provas e do esclarecimento da autoria e da materialidade do crime. As atribuições das Polícias Militares estão elencadas no artigo 144, § 5º, que determina ser incumbência destas instituições “a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.” Logo no § 6º do mesmo dispositivo constitucional, estabelece que as polícias Militares subordinam-se aos governadores dos seus respectivos estados. Também o Decreto Federal 88.777/83 que regulamenta as polícias militares e corpos de Bombeiros no Brasil, menciona as atribuições das polícias militares quando determina em seu art. 2º, número 27, que: O policiamento ostensivo é ação exclusiva das Polícias Militares em cujo emprego o homem ou fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública. São tipos desse policiamento, a cargo das Polícias Militares ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, os seguintes: - ostensivo geral, urbano e rural; - de trânsito; - florestal e de mananciais; - rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais; - portuário; - fluvial e lacustre; - de radiopatrulha terrestre e aérea; - de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado. A Brigada Militar do Rio Grande do Sul, instituição estadual que atua de forma ostensiva e que é responsável pela preservação da ordem pública, incolumidade das pessoas e do patrimônio é uma das forças da segurança pública elencadas na Constituição Estadual, no Titulo IV – que trata da ordem Pública – e no art. 124 dispõe: Art.124 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem 19 pública, das prerrogativas da cidadania, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - Brigada Militar; II - Polícia Civil; III - Instituto-Geral de Perícias Por força do disposto no parágrafo 7º, do art. 144 da Constituição Federal, a Constituição Estadual gaúcha, ratifica em seu art. 125 que uma lei específica disciplinará a organização, estrutura, o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública no nível do Estado. Art. 125 - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a assegurar-lhes a eficiência das atividades. No que tange a organização básica da Brigada Militar do Estado, a lei Estadual nº 10.991 de 18 de Agosto de 1997, traz nos artigos 1º e 2º sua atuação no tempo, sua organização militar, sua missão específica e sua vinculação ao território gaúcho: Art. 1º - A Brigada Militar, Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul, é uma Instituição permanente e regular, organizada com base na hierarquia e na disciplina, destinada à preservação da ordem pública e à incolumidade das pessoas e do patrimônio. Artigo 2º - A Brigada Militar vincula-se, administrativa e operacionalmente, à Secretaria de Estado responsável pela Segurança Pública no Estado do Rio Grande do Sul. As atribuições da Brigada Militar encontram-se descritas no rol de incisos do art. 3º da referida lei, onde juntamente com o corpo de bombeiros militar estão representados em uma mesma instituição. Art. 3º - Compete à Brigada Militar: I - executar, com exclusividade, ressalvada a competência das Forças Armadas, a polícia ostensiva, planejada pela autoridade policial-militar competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; II - atuar preventivamente, como força de dissuasão, em locais ou área específicas, onde de presuma ser possível a perturbação da ordem pública; III - atuar repressivamente, em caso de perturbação da ordem pública e no gerenciamento técnico de situações de alto risco; IV - exercer atividades de investigação criminal militar; 20 V - atuar na fiscalização e controle dos serviços de vigilância particular no Estado; VI - executar o serviço de prevenção e combate a incêndio; VII – Planejar, organizar, fiscalizar, controlar, coordenar, instruir, apoiar e reconhecer o funcionamento dos serviços civis auxiliares de bombeiros; VIII - realizar os serviços de busca e resgate aéreo, aquático e terrestre no Estado; IX - executar as atividades de defesa civil no Estado; X - desempenhar outras atribuições previstas em lei. XI – planejar, estudar, analisar, vistoriar controlar, fiscalizar aprovar e interditar as atividades, equipamentos, projetos e planos de proteção e prevenção contra incêndios, pânicos, desastres e catástrofes em todas as edificações, instalações veículos, embarcações e outras atividades que ponham em risco a vida, o meio ambiente e o patrimônio, respeitada a competência de outros órgãos; XII – realizar a investigação de incêndios e sinistros; XIII – elaborar e emitir resoluções e normas técnicas para disciplinar a segurança contra incêndios e sinistros; XIV – ativar e autorizar a instalação de sistemas ou centrais de alarmes privados contra incêndios, nos órgãos de Polícia Militar (OPM) de Bombeiros, mediante a cobrança de taxas de serviços não emergenciais, determinadas na Lei 10.987, de 11 de agosto de 1997, aplicando-se-lhes as penalidades previstas em Lei. Parágrafo único - São autoridades políciais-militares o ComandanteGeral da Brigada Militar, os Oficiais, e as Praças em comando de fração destacada, no desempenho de atividade policial-militar no âmbito de suas circunscrições territoriais. Neste sentido, a Brigada Militar exerce praticamente funções de polícia administrativa, sendo responsável pelo policiamento ostensivo, preventivo, e pela manutenção da ordem pública, nos mais diversos setores da comunidade gaúcha. Inclusive quando setores do estado não conseguem cumprir com suas obrigações a Brigada Militar o passa a exercer. Caso típico é o serviço de custódia nas casas prisionais, onde o órgão encarregado é a Susepe. Para realização de tais atividades, historicamente, realizou-se uma preparação baseada no disciplinamento militar. Devido a isso os policiais eram treinados com técnicas utilizadas para o combate, para a guerra, para o extermínio do inimigo, que na prática cotidiana da atividade policial era, em verdade, o cidadão. Com esta forma de preparação, era difícil separar prática policial da ação de violência, e isso fez com que, nem sempre, a segurança pública fosse entendida como direito e dever da cidadania (MARIANTE. 1972). 21 Com a efetivação da democracia no Brasil, a polícia militar, embora seja considerada força auxiliar das forças armadas, necessitou reestruturar-se para compatibilizar a atividade policial com as políticas públicas constituídas e para que pudesse atender aos fins sociais a que se propõe o Estado Brasileiro, que como Estado Democrático e Social de Direito, passou a fundamentar-se nas idéias de dignidade humana e da cidadania. Ao longo da história da Brigada Militar verificou-se que ocorreram mudanças significativas na formação dos profissionais de segurança pública. A Brigada precisou atender às novas exigências, voltadas ao atendimento e à proteção ao público, atentando para que os direitos assegurados pela Constituição não fossem violados. Na formação dos profissionais da Brigada Militar, estes recebem instrução baseada na hierarquia e disciplina como militares, e um profundo ensinamento das legislações vigentes para que saibam como agir diante das missões que lhe são atribuídas como profissionais da segurança pública. Atualmente, a Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul conta com um efetivo de cerca de 26.300 homens, que é insuficiente para a crescente demanda. Isso faz com que os policiais tenham jornada de trabalho excessiva, que vai alem daquela recomendada para este tipo de profissionais. Logo, o serviço perde em qualidade uma vez que exige muito preparo psicológico, pois não são raras às vezes quando decisões devem ser tomadas em frações de segundos e que, se são mal decididas podem implicar em perda de uma vida, seja do profissional ou do infrator. Dados (ABANF. 2013). Associação Beneficente Antonio Mendes Filho. Atualmente a estrutura hierárquica da Brigada Militar possui dois quadros, com base na lei complementar Nº 10.990 de 18 de Agosto de 1997, que trata do Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar. O quadro dos oficiais formado pelos Coronéis que é o posto mais alto dentro da corporação, seguido do de Tenente-Coronel e Major, Capitão e 1º Tenente. Sendo os integrantes do último posto mencionado, considerados oficiais subalternos. O segundo quadro, 22 considerado de nível médio, é formado por praças e pelos postos de 1º Sargento, 2º Sargento, 3º Sargento em extinção e Soldados. O policial militar está sujeito a normas mais rígidas, visto que o militarismo é pautado por normas rigorosas e baseado em dois pilares fundamentais que mantêm viva a instituição Brigada Militar: a hierarquia e a disciplina. Por meio da hierarquia, é feita a distribuição e o escalonamento das funções executivas diversas; e por meio da disciplina é feito o controle do desempenho das funções e da conduta interna dos policiais, responsabilizando-os pelas faltas cometidas. Entre as demais normas da instituição militar, que tratam da Hierarquia e Disciplina, aplica-se aos militares infratores, o Decreto estadual nº 43.245/2004 que é o Regulamento Disciplinar da Brigada Militar do estado do Rio Grande do Sul. Diante da questão de hierarquia, Hely Lopes Meireles (1989, p. 100) diz que: “Pela hierarquia se impõe ao subalterno a estrita obediência das ordens e instruções legais superiores e se define a responsabilidade de cada um.” Em função do pilar da disciplina, o militar está sujeito às sanções advindas de transgressões disciplinares que caso venha cometer. Sanções administrativas impostas que muitas vezes funcionam como uma penalização em função do desvio de conduta ou transgressão disciplinar. Atualmente é apontado pela assessoria dos Direitos Humanos da Brigada Militar que, ainda existem questões que devem ser revistas para que se tenha uma Brigada Militar melhor preparada para acompanhar a evolução da sociedade. A instituição policial deve continuar evoluindo, deve extirpar os resquícios ditatoriais e preparar seus recursos humanos voltados ao atendimento, dos anseios da sociedade e não preparar ou tratar seus integrantes como se estes fossem máquinas de um mundo aparte, prontos apenas para reprimir ou matar. Pois, o policial militar é fruto da sociedade e também deve ser tratado como humano com direitos e garantias. Além das responsabilidades administrativas o servidor policial militar poderá ser responsabilizado penalmente nos Tribunais da Justiça comum conforme a 23 súmula 172 do STJ, bem como na justiça militar que julga os crimes de competência militar. Ainda, diante da responsabilidade cível este poderá ser alcançado de forma regressiva quando se exige esta reparação por parte do estado. Logo, o § 2° do art. 35 da Lei Complementar n° 10.990/97 estabelece que a responsabilidade disciplinar do servidor da Brigada Militar, é independente das responsabilidades civil e penal. Presente em toda parte do Estado, a Brigada Militar não se limita a policiar, para garantir a segurança e o bem-estar da sociedade gaúcha, mesmo com a limitação de recursos humanos ou logísticos. Para isso, conta com as unidades de policiamento ostensivo, rodoviário, ambiental, aéreo, operações especiais, atendimento a turistas, bombeiros, entre outros. É neste sentido que a presença brigadiana diuturnamente em todo o Estado é lembrada nas palavras de Helio Moro Mariante (1972, p. 284-285) quando diz que: [...] Profissionais plenamente conscientes de suas obrigações, auxiliares indormidos dos poderes executivo, legislativo e judiciário e da sociedade gaúcha, sem distinções de credo político ou religioso, por mais dura que seja a missão que lhes é confiada, sempre estão a postos, com o supremo objetivo do bem estar comum, mesmo que, para a consecução deste, tenham de por em risco a própria vida, o que acontece não raramente. Ainda em relação às atribuições da Brigada Militar, Jesus (2004, p. 121) diz: A Brigada Militar, em suas atribuições constitucionais e legais, no atual contexto social, de criminalidade e violência altíssimas, passa a ser indispensável para o estabelecimento da ordem e da segurança pública, pois, nos mais longínquos e inóspitos lugares do estado, lá está um policial militar, onde, muitas vezes, é a única e presente autoridade à disposição da comunidade nas vinte quatro horas do dia. No entanto, nenhuma de suas missões será realizada a contento se o governo não assumir e estabelecer, com firmeza, as suas políticas no tocante à segurança pública, [...] Neste sentido verifica-se que a Brigada Militar é indispensável com sua atribuição constitucional no contexto social do nosso estado, para que se mantenha a ordem e a segurança pública. 1.3 Poder de polícia 24 Quando o Estado, por meio de seus agentes, buscar restringir, limitar ou frear a ação do particular em nome do interesse público, com o objetivo de buscar o bem estar social, estará investido de poder de polícia. Por meio deste, o Estado busca a compatibilização do interesse público com o interesse particular. Assim o poder de polícia serve como fundamento para todas as modalidades de intervenção do Estado sobre o particular, exceto a desapropriação. O conceito de poder de polícia, que é bem amplo, foi positivado no ordenamento jurídico brasileiro através do artigo 78 da lei nº 5172, de 25 de outubro de 1966. Mais conhecido por Código Tributário Nacional (CTN): Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Para ser válido, e na visão dos doutrinadores do direito administrativo, o poder de polícia deve obedecer aos limites estabelecidos pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Sendo que este último é de fundamental importância, pois exige que os direitos individuais sejam apenas restritos na medida considerada indispensável para a satisfação do interesse público. Segundo Hely Lopes Meirelles (2000, p. 122): O poder de policia é a faculdade de que dispõe a administração pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais em beneficio da coletividade ou do próprio estado. Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a administração pública para conter os abusos do direito individual. 25 O poder de polícia significa, portanto, uma limitação, um condicionamento ao exercício dos direitos do cidadão. Ele se faz necessário para permitir a vida em sociedade, de modo a garantir que as pessoas não abusem dos seus direitos. A polícia administrativa é encontrada em vários setores da administração pública, e pode atuar sobre bens, direitos e atividades, sendo que quando houver um desrespeito à legislação esta irá atuar com o poder de polícia que detém. Já a polícia judiciária incide sobre pessoas, portanto quando ocorrer um ilícito penal quem deve atuar é a polícia judiciária. Nestes termos são os ensinamentos de Jesus (2004, p. 80): O objeto da Polícia administrativa é a propriedade e a liberdade, enquanto o da polícia judiciária é a pessoa. A polícia administrativa predispõe-se a impedir ou paralisar atividades anti-sociais, enquanto a judiciária preordena-se à apuração de infrações penais. Por fim, a Polícia administrativa rege-se por normas administrativas, e a judiciária, por normas processuais, como auxiliar da justiça. A maioria dos doutrinadores defende a ideia de Hely Lopes Meirelles (2002 p. 127) que define ser, “Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado.” E assim, esse poder é inerente a toda a administração. O poder de polícia, por ser atividade exclusiva do Estado, é exercido na área administrativa e na área judiciária, a primeira de caráter preventivo, a segunda de caráter repressivo, sendo que este poder não pode ser delegado a particulares. Mas é possível sua outorga a entidades de Direito Público da Administração Indireta. 1.4 O poder de polícia no âmbito da Brigada Militar Buscando entender a atuação da polícia como encarregada de manter a ordem pública, faz-se necessário analisar como esta pode atuar e valer-se do poder de polícia para desenvolver suas atividades sem depender diretamente do poder judiciário. 26 O Estado, que é uma formação social do homem, adquire uma formação jurídica, para organizadamente, por meio de normas jurídicas, atender o bem comum. Para atingir os fins a que se destina o Estado, em sua administração, precisa garantir a segurança da organização social, o que faz por meio da polícia conforme os ensinamentos de Azkoul (1998, p. 03) quando diz que: [...] a polícia como atividade da administração pública em beneficio do individuo, coletividade e do próprio Estado. Tudo com a máxima subordinação ao ordenamento jurídico. Assim sendo não conseguimos dissociar a segurança pública exercida pelos órgãos policiais como um dos elementos constitutivos do próprio Estado e também na sua razão teleológica ou finalistica que é, senão outra, a do bem comum e o respeito á vida e a dignidade da pessoa humana. José Cretella Júnior (1972, p. 229) em seus ensinamentos observa que: Ao passo que a polícia é algo em concreto, é um conjunto de atividades coercitivas exercidas na prática dentro de um grupo social, o poder de polícia é uma facultas, faculdade, um possibilidade, um direito que o Estado tem de através da polícia que é uma força organizada, limitar as atividades nefastas dos cidadãos, (...) O poder de polícia legitima a ação da polícia e sua própria existência. Com relação ao poder de polícia, Álvaro Lazzarini (1999, p. 103) discorre que todo policial militar investido na função possui o poder de polícia para preservar a ordem pública, quando menciona que: Polícia Ostensiva é atribuição com extensão ampla, abrangendo todas as fases do poder de polícia, onde o militar estadual no exercício de sua autoridade pública, identificada de relance, quer pela farda, quer pelo equipamento, ou viatura, visa ilidir condutas ilícitas, protegendo a integridade de pessoas, bens e serviços. Jesus (2004, p. 80) quando discorre sobre o poder de polícia da polícia, diz que: Para poder realizar suas atividades de polícia, com o exercício do poder de polícia, a administração pública possui a policia administrativa (polícia militar) e a polícia judiciária a (polícias civil e federal). A administrativa tem por missão a ordem pública em geral. Ela tende, no âmbito da segurança pública, principalmente, prevenir 27 os delitos e as desordens, embora algumas vezes seus agentes ajam repressivamente. O policial militar deve ser conhecedor da lei em nível adequado para desempenhar suas funções, uma vez que age em nome do Estado. Assim, é obrigação do policial conhecer a natureza jurídica de sua autoridade, para que sua ação esteja respaldada nos princípios administrativos elencados no artigo 37 da Carta Magna. Investido na sua função o policial militar representa o Estado. Seus atos devem ser autorizados pela lei para legitimar o poder diferencial que possui em relação ao cidadão comum. Pois, o poder de polícia legítima a sua ação dentro dos princípios, conforme nos ensina Lazzarini (1999, p. 203): A Polícia é a realidade do Poder de Polícia, é a concretização material deste, isto é, representa em ato a este. O Poder de Polícia legitima a ação e a própria existência da Polícia. Ele é que fundamenta o poder da polícia. O Poder de Polícia é um conjunto de atribuições da Administração Pública, indelegáveis aos particulares, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem-comum e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades. As atividades desenvolvidas pela Brigada Militar são atualmente de grande relevância em função da constante transformação econômica e social, que exigem um órgão responsável para que os direitos do cidadão brasileiro sejam garantidos. Um grande avanço conquistado pela Brigada Militar, com o seu poder de polícia, foi a lavratura do Termo Circunstanciado, criado pela Lei Nº. 9099/95, e posteriormente alterado pela lei nº 10.259/2001, conquista esta que trouxe para a Brigada Militar do Rio Grande do Sul o status de pioneira entre as polícias militares do Brasil a confeccionar este tipo de documento. Embora tenha gerado certo atrito entre a polícia judiciária e a administrativa, quem saiu ganhando foi a população gaúcha, que passou a contar com a possibilidade de buscar satisfazer parte de seus anseios de forma mais célere e menos burocrática. Questionou-se muito a sua legalidade quanto ao órgão competente, até que o Supremo Tribunal Federal, ao se posicionar a respeito do assunto através do 28 julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 2862, proposta pelo ex Partido da República (PR), julgou por unanimidade a improcedência do pedido, reconhecendo que os policiais militares são autoridades competentes para elaboração do Termo Circunstanciado. A Brigada Militar, assim como as demais polícias militares, atua por meio de ações predominantemente coercitivas. Isto se faz necessário para que o objetivo da ação seja positivo e possa satisfazer a necessidade de atuar do Estado, o qual deve visar a satisfação do interesse público. Esta é a ideia de Meirelles (2000, pg. 130) quando diz que “o poder de policia seria inane e ineficiente se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência à ordem legal da autoridade competente.” Diante da atuação da Brigada Militar muitas vezes se discute o uso da força alegando que esta foi usada de forma indiscriminada e que tal atitude estaria ao alcance do chamado abuso de autoridade. Sabe-se que o uso da força muitas vezes se faz necessário numa ocorrência policial. Porem esta deve ter limites para situar a ação dentro da legalidade. Conforme o risco a força poderá variar da simples presença policial, como inibidor do delito, até o uso da arma de fogo, em último caso, como força letal. É importante que o policial tenha este amparo do uso da força para desempenhar sua função, porem esta deve ser usada com critérios, conforme a força de agressividade do oponente ou suspeito da ação policial. Neste sentido algumas precauções são fundamentais para justificar o uso da força. É importante que esta força seja usada de forma gradativa e que seja proporcional a necessidade de atendimento da ocorrência. O policial investido na sua função deve ser um controlador das tensões que possam abalar o equilíbrio social, e deverá agir dentro da legalidade e fazer somente o que a lei lhe permite ou lhe respalde. Isto é fundamental, visto que tem respaldo de autoridade (autorização), para em nome do Estado até mesmo tirar a vida de um cidadão, quando estiver agindo em legitima defesa. O policial estará legitimado a 29 matar quando para defender a sua vida ou a vida de terceiros, quando estas estão na iminência de serem ceifadas. Diante da vasta legislação que regula os atos da administração pública e seus agentes, é possível sintetizar que o agir conforme os diplomas legais não é uma faculdade do policial militar, mas sim um dever, pois o poder de policia que detém nunca respalda a ação violenta, ilegítima e criminosa de quem tem o dever de manter a ordem, e a tranquilidade social. Também, o uso da força quando necessário e respaldado pelo poder de polícia, não pode ser confundido com a violência, sendo que a violência enseja ilegitimidade, arbitrariedade que configura abuso de autoridade pelo qual o agente público poderá ser responsabilizado nas esferas administrativa, penal e cível. O crime de abuso de autoridade possui rito próprio e caracteriza-se pelo excesso praticado pela autoridade no exercício da função, cuja responsabilidade administrativa, civil e penal é regulamentada pela lei n. 4.898/65. No abuso de autoridade a representação do ofendido não é condição de procedibilidade da ação, pois esta é uma ação penal pública, e o órgão do ministério público possui a legitimidade na promoção da ação penal pelo crime de abuso de autoridade. Neste sentido, as condutas praticadas por policiais militares que se desvirtuam de suas funções constitucionais, quais sejam "a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio," elencadas no art. 144, "caput" da Constituição Federal são incompatíveis com a Nova Ordem Constitucional brasileira. 30 2- O ABUSO DE AUTORIDADE NO ÂMBITO DA BRIGADA MILITAR No decorrer do tempo a administração pública, no que tange a Brigada Militar, passou por diversos estágios com a missão de garantir a proteção da sociedade e realizar a segurança pública. Mas, todavia o uso do poder é indiscutivelmente um tema que ainda gera polêmica quando defrontado pelo agente público. Pois infelizmente permaneceu um ranço, e o sistema de lei e ordem ainda não é o que se almeja e o que a sociedade espera. Neste sentido, busca-se uma instituição que esteja comprometida em uma constante adequação para com o ideal que a sociedade almeja. Regulando suas ações baseado na lei, e banindo as ações obscuras que desvirtuam os preceitos constitucionais do Estado Democrático de Direito, elencados no art. 37, caput, da constituição Federal de 1988. Ou seja, o poder administrativo concedido a autoridade Pública deve ter limites certos e deverá obedecer a forma legal para sua utilização. Quando ocorre um excesso por parte do servidor público militar, ele estará abusando do poder que lhe é atribuído, visto que ele não tem carta branca para o cometimento de arbitrariedades e para agir fora do amparo da lei. Assim, em caso de abuso de autoridade o servidor deve ser responsabilizado estando sujeito as sanções previstas na lei 4.898/1965 que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. 2.1 O abuso de autoridade segundo a Lei 4.898/65 A Constituição Federal Brasileira de 1988, para garantir a consolidação dos direitos e garantias constitucionais por ela previstas, recepcionou a lei 4898/1965 que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. Garantindo neste prisma o direito do cidadão de peticionar aos poderes públicos para defender-se contra ilegalidades ou abusos de poder, cometido pelo agente público que atua em nome do Estado. 31 Com base nesta lei, deverá o interessado peticionar a autoridade superior Civil ou Militar que tiver atribuição legal para apurar e sancionar o agente que incorreu no excesso de poder, ou então direcionar a petição ao Ministério Público que representará no processo-crime contra o agente infrator, conforme previsto no artigo 2º desta lei: Art. 2º O direito de representação será exercido por meio de petição: a) dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar, à autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção; b) dirigida ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada. Parágrafo único. A representação será feita em duas vias e conterá a exposição do fato constitutivo do abuso de autoridade, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e o rol de testemunhas, no máximo de três, se as houver. A vítima pode ser qualquer pessoa física ou jurídica, capaz ou não, sendo que o acusado responderá alem do abuso, também pelas peculiaridades processuais de cada vítima. Quando houver concurso do crime de abuso de autoridade com o de homicídio o agente quando militar será julgado perante o Tribunal de Júri, como já sumulado pelo STJ. O abuso de autoridade é marcado pela dupla subjetividade passiva. Ou seja, o sujeito passivo mediato que é o estado, e o imediato que é o cidadão. E por ter um grande efeito reprovável, só admite o elemento subjetivo doloso, não existindo a forma culposa. Neste condão o crime de abuso de autoridade, no dizer de Damásio Evangelista de Jesus (2001, p. 13), só pode ter como elemento subjetivo o dolo: Reclama um ânimo próprio, que é o elemento subjetivo do injusto: vontade de praticar as condutas sabendo o agente que está exorbitando do poder. Esse elemento se liga a culpabilidade e à antijuricidade. Não se trata de dolo especifico, em face de não encontrarmos frente àquele fim ulterior, extrínseco ao fato. O abuso de autoridade existe quando o agente age ou se omite com o propósito de atingir liberdades individuais de forma indevida. Em geral ocorre em razão de vingança ou de prepotência do agente Público, que não raras vezes, torna 32 esta conduta rotineira, numa espécie de vicio, realizado em torno do seu interesse ou sentimento particular e não por interesse da defesa social. O art. 3º e 4º da lei 4898/65 trás um rol exemplificativo de situações que configuram o abuso de autoridade, dentre as quais pode se destacar a conduta descrita na alínea “i” do art. 3º que trata da, “a incolumidade física do individuo” um item relevante por ser polêmico e de notória abordagem pelos meios de comunicação. Necessário e importante destacar que não se pode confundir o uso da violência coercitiva que é legitimado pela lei, da violência coercitiva ilegítima que não tem função social. Pois, o Estado deve estar autorizado ao uso da força para quando a resistência a ordem for ilegítima. Neste prisma, nem toda violência praticada por funcionário público, incumbido na função será caracterizada como abuso de autoridade. Para elucidar o exposto acima cita-se o entendimento de Waldemar César da Silveira, (apud Freitas 1999, p.54) quando este diz; (...) a violência contra as pessoas na execução de leis ou imposições de justiça é legítima, na medida onde ela seja necessária. Sem o emprego da força, a lei e a justiça se tornariam impotentes e desarmadas. De sorte que a acusação deve estabelecer, contra o funcionário que usou voluntariamente de violência, não somente a existência do fato material que lhe imputado, mas também sobre a ilegitimidade desse fato, porque se o emprego da violência é sempre ilegítimo por parte dos particulares, não o é sempre por parte dos funcionários. Ao lançarmos os olhos ao art. 3º da lei em comento, verifica-se que este dispositivo no caput, nos traz a ideia do que é abusar do poder quando a autoridade agir ou se omitir na função pública, por meio da expressão “qualquer atentado.” Logo esta expressão genérica não deve ser interpretada de forma tão abrangente para que ao bem jurídico tutelado não falte a taxatividade, que é essencial para a definição da conduta criminosa, respaldando o principio da legalidade. 33 Fernando Capez (2004, p. 9) nos traz este entendimento, quando crítica a definição genérica dizendo: A reserva legal impõe que a descrição da conduta criminosa seja detalhada e especifica, não coadunando com tipos genéricos, demasiado abrangentes. O deletério processo de generalização estabelece-se com utilização de expressões vagas e sentido equivoco, capazes de alcançar qualquer comportamento humano e por conseguinte, aptas a promover a mais completa subversão no sistema de garantias da legalidade. De nada adianta exigir a prévia definição da conduta na lei se fosse permitida a utilização de termos muito amplos, tais como:”qualquer conduta contrária aos interesses nacionais”, “qualquer vilipêndio à honra alheia”, ou “qualquer atentado...”. A garantia, nesses casos, seria meramente formal, pois, como tudo pode ser enquadrado na definição legal, a insegurança jurídica e social, seria tão grande como se lei nenhuma existisse. Por essa razão, o dispositivo em foco não prima pela clareza, nem pelo adequado cumprimento das exigências constitucionais derivadas da reserva legal. Apesar de vago e impreciso, entretanto, o tipo acabou não sendo reconhecido inconstitucional pela jurisprudência nem pela doutrina. Não são raras às vezes em que a atuação da Brigada Militar se dá de forma distorcia, em que esta age com excesso quando do atendimento do conflito a ser pacificado. Muitas vezes, ao desempenhar de forma coercitiva o poder de polícia que a ampara em agir para garantir o restabelecimento da ordem social, ocorrem abusos, pois como o conflito é inerente ao ser humano, as divergências também surgem principalmente em relação aqueles que resistem à atuação do Estado, o que permite que se confunda o uso da força coercitiva legitimada com a violência não legitimada. A conduta da autoridade para configurar o abuso deve ter a tipicidade elencada na lei, configurando o excesso, o não estar autorizado em lei, sendo lícita toda a atuação realizada nos limites estabelecidos pela lei. Neste sentido deverá o agente público responder pelos excessos tipificados nos art.3º e 4º da lei 4.898/65, que dispõe: Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; 34 f) à liberdade de associação; g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. O art. 4º em seu dispositivo, de forma objetiva e detalhada informa com clareza as situações em que acontece o crime de abuso de autoridade. Não restando dúvidas para interpretação genérica. Ou seja: Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. Da leitura do art.4º pode-se, em síntese, concluir que falta de observação de formalidades legais por parte da autoridade pública, no conteúdo que trata da privação da liberdade do individuo configura a tipicidade do crime de abuso de autoridade. A lei Nº 4.898/65 teve sua força reconhecida pelo constituinte de 1988 quando este positivou, no texto da Constituição as garantias de liberdade mencionadas nos artigos acima. Ao assegurar os direitos de liberdade do cidadão, o art. 5º da Constituição Federal de 1988, recepcionando integralmente a lei, 35 proporcionando uma evolução social no que se refere ao respeito a liberdade e dignidade humana. Assim, por meio destas ferramentas busca fortificar a atuação do Estado para o interesse da coletividade sem os resquícios de atuação obscura, negativa e arbitrária, tão comuns em Estados de Exceção ou em Estados autoritários. Para melhor compreensão desta evolução da norma constitucional, interessa-nos reportar as seguintes garantias de liberdade trazidas pelo texto da constituição no art. 5º, e cuja violação por parte dos agentes públicos representam formas de abuso de autoridade, quando; O art. 5º, em seu inciso II, preconiza a liberdade de autodeterminação, determinando que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” No inciso XV está estabelecido o direito a liberdade de locomoção no território nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer e dele sair com seus bens. No inciso LIII do referido artigo está determinado que ninguém será privado de sua liberdade e de seus bens sem o devido processo legal. Trata-se de uma importante garantia aos direitos de liberdade uma vez que exige que a supressão ou restrição desta deverá se dar após o devido processo legal. Já no inciso LXI do mesmo artigo está determinado que ninguém será preso, salvo em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. No caso de haver prisão, determina o inciso LXII, que esta deverá ser informada imediatamente ao Juiz competente e à família do preso ou qualquer pessoa por ele indicada. Também deriva do direito de liberdade, o direito a privacidade de domicílio, previsto inciso XI: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo nela penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro ou durante o dia, por determinação judicial.” Outra importante proteção ao direito de liberdade encontra-se do art. 5º, XII, que assegura ser inviolável “o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas 36 hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.” Todos estes preceitos constitucionais relativos à proteção da liberdade, colocados no capítulo relativo aos direitos individuais foram motivados pelo período dos governos militares, em que eram comuns as ofensas as liberdades individuais, como prisões ilegais, invasões de domicílio, negativa de informações, negativa de assistência de advogado e da família, incomunicabilidade de pessoas presas, entre outros. Aquele período histórico, marcado pelo emprego abusivo da força estatal, vários direitos de liberdade foram violentamente agredidos, o que deu ensejo a consagração de inúmeras garantias no texto da constituição. Se observarmos a história do país, é possível concluir que muitos foram os caminhos já percorridos para que tivéssemos uma norma reguladora sobre o excesso de ação do Estado sobre seu povo, e a positivação dos direitos de liberdade na Constituição representou um grande avanço para a proteção da dignidade da pessoa humana e para a limitação da atuação do Estado em suas atividades, especialmente aquelas relacionadas aos órgãos de segurança pública. Neste sentido para a caracterização do abuso de autoridade, é necessário que a ação ou omissão tenha como sujeito ativo um agente que exerça qualquer função pública, percebendo remuneração ou não. Pois o crime do abuso de autoridade é crime próprio, conforme previsto no art. 5º da lei 4898/65. Esta é uma condição fundamental para a averiguação da responsabilidade administrativa civil e penal, por parte daquele que deixou de observar uma conduta mínima exigível para proteção dos direitos e garantias individuais dentro de um Estado de direito. Senão vejamos o texto literal do art. 5º da lei em comento: “Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.” Para Meirelles (2000, p.380) a função pública é [...] a atribuição ou conjunto de atribuições que a Administração confere a cada categoria profissional, ou comete individualmente a 37 determinados servidores para a execução de serviços eventuais, sendo comumente remunerada atreves de pro labore. Celso Antônio Bandeira de Mello (2003 p. 233) em sua explicação define a expressão cargo público dizendo que; cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, prevista em numero certo, com denominação própria, redistribuídas por pessoas jurídicas de Direito público e criadas por lei. Em suma, as pessoas que englobam diretamente ou indiretamente a administração pública, devem ter como espelho a legislação que norteia a legalidade dos atos, para uma eficiência e satisfação do interesse público. 2.2 A responsabilidade penal, civil e administrativa decorrente do abuso de autoridade O conceito de agentes públicos emerge diretamente do âmbito do direito Administrativo. Deste modo não é possível falar em autoridade pública sem adentrar o campo do direito administrativo que está diretamente ligado por meio da administração pública, regulando o agir do servidor, da autoridade que deve desenvolver a sua função voltada ao interesse da coletividade. Neste sentido o art. 37 da Constituição estatui que: A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: Isto significa que os servidores da administração pública desde o ingresso na carreira pública devem pautar sua conduta pelo mais absoluto respeito a legalidade instituída, observando rigidamente os Princípios Constitucionais. Pois os seus direitos e deveres, devido à função pública que exercem, são norteados diretamente pela ordem constitucional, a qual confere a administração pública o dever de apurar as infrações e aplicar as devidas penalidades aos servidores públicos que estão sujeitos à disciplina administrativa. 38 Diante do conhecimento de falta praticada por servidor, a administração tem o dever de instaurar o procedimento adequado para que seja apurada a irregularidade e quando for o caso, aplicar a sanção cabível que poderá ser de natureza civil, penal e administrativa. Sendo possível um só ato ensejar a responsabilidade nas três esferas. O art. 6º da lei 4.898/65 prevê que quando a autoridade agir com abuso, logo estará sujeito às sanções de natureza administrativa, civil e penal. O parágrafo primeiro do referido artigo estabelece as sanções administrativas que podem ser advertência, repreensão, suspensão do cargo até 180 dias, destituição de função, demissão e ou então, demissão a bem do serviço público. O procedimento administrativo obrigatoriamente deverá ser instaurado através de uma Portaria, sendo que a responsabilidade administrativa é independente da responsabilidade civil e da criminal. Porém a decisão do juízo criminal penal deverá prevalecer fazendo neste sentido coisa julgada na área cível e na esfera administrativa, conforme disposição do art. 935 do Código Civil. In verbis: Art. 935- A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Diante da dupla subjetividade passiva do crime, ou seja, o Estado e a vítima direta, que será o terceiro, exige-se a condição de agente público investido na função por parte do sujeito ativo, conforme definido no art. 5º da Lei 4898/65. Visto que, pela função que exerce representa uma ação do Estado. E neste sentido, Freitas, (1999 p. 89) diz que: [...] não é imprescindível que o indivíduo seja funcionário público, necessário é que exerça uma função pública, a qual é qualquer atividade que realiza fins próprios do estado, ainda que exercida por pessoas estranhas á Administração Pública ou gratuitamente. A responsabilidade civil elencada no parágrafo 2º do art. 6º da lei 4.898/65 tem por base normativa o Código Civil que prevê em seu art. 186 que "aquele que, 39 por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." Deverá por obrigação repará-lo. E diante do crime de abuso de autoridade, o ilícito civil se caracteriza com a ação ou omissão antijurídica que podem atingir a ordem material ou moral, onde o dano reflete contra o Estado ou contra terceiros. Quando o lesado é o Estado, este será apurado pela própria administração através de um processo administrativo, em que o servidor que cometeu o dano terá o direito da ampla defesa e do contraditório que são garantias constitucionais. Logo, quanto aos danos causados a terceiros civis, o Estado responderá objetivamente independente da culpa ou dolo. Mas o Estado poderá buscar esta reparação por meio da ação regressiva contra o servidor causador do dano. As sanções de natureza criminal, estabelecidas no parágrafo 3º do diploma específico, se baseiam nos arts. 42 a 56 do Código Penal, sendo possível aplicação de: multa, detenção por 10 dias a 6 meses, e perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública pelo prazo de até 3 anos. 2.3 A competência para julgamento do crime de abuso de autoridade – Súmula 172 do STJ Uma questão que ainda nos dias atuais provoca polêmica é a questão relativa à competência para processar e julgar os crimes praticados com abuso de autoridade, quando o agente está no exercício da função por militar. Questiona-se se este seria de competência da Justiça Comum ou da Justiça Militar, Com o objetivo de assegurar a tutela Jurídica da Hierarquia e da Disciplina, a Justiça Militar brasileira, atua com rigor sendo uma de suas principais características a severidade de suas penas. Fato este, que a leva a constantes acusações de afronta à nova ordem Constitucional de 1988, tendo, inclusive, alguns dispositivos de sua ordem normativa sido declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. 40 Seja de nível estadual ou federal a Justiça Militar, também é conhecida como Justiça Castrense, que é um adjetivo que se refere a casa militar ou acampamento militar. Deriva do latim castrorum, onde no período romano os homens eram julgados sumariamente quando cometiam falhas nas batalhas. (Barroso Filho, 1999). A Justiça Militar Estadual atua conforme a competência definida pelo art. 125 §3º e §4º da CF/88, e está presente nos Estados onde o número de militares for maior de vinte mil homens. Com a emenda Constitucional 45, a Justiça Militar atua por meio de conselhos, que são formados por um Juiz de Direito o qual será o presidente e quatro oficiais Militares, que, depois de recebida a denúncia, o JuizAuditor militar providencia a instalação do conselho de justiça. Vejamos: § 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. §4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvadas a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. § 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares. O militar que comete crime inerente à função militar, ressalvado os crimes dolosos contra a vida, em regra deve ser submetido à Justiça Militar, para que seja processado e julgado neste tribunal em razão da função que exerce, a qual se baseia sobre o principio da hierarquia e disciplina, basilares do militarismo. Sobre a competência de julgar os crimes de abuso de autoridade praticados por servidor militar a muitos anos discutia-se nos tribunais superiores sobre a competência, e até mesmo a natureza jurídica do crime de abuso de autoridade 41 cometido por policial militar no exercício da função, pois, a legislação militar é omissa a cerca do tema Diante da omissão da legislação militar, os tribunais superiores foram provocados, e o Superior Tribunal de Justiça se manifestou em várias ocasiões, sendo seu posicionamento sumulado através da Súmula 172 do STJ, in verbis: STJ Súmula nº 172 - 23/10/1996 - DJ 31.10.1996 Competência - Militar - Abuso de Autoridade - Processo e Julgamento. Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço. Após a superação da questão quanto ao tribunal competente é importante destacar que diante do excesso cometido e havendo concurso material de crimes, como por exemplo, um abuso de autoridade e uma lesão corporal é perfeitamente cabível ao militar ser processado e julgado no Tribunal Militar pela lesão, e o crime de abuso de autoridade perante a Justiça Comum. Este é o entendimento expresso no julgado do STJ que assim determinou: Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço, e não para por aí: "Policiais militares denunciados perante a Justiça Comum e Militar. Imputações distintas. Competência da primeira para o processo e julgamento do crime de abuso de autoridade, não previsto no Código Penal Militar, e da segunda para o de lesões corporais, porquanto os mesmos se encontravam em serviço de policiamento. Unidade de processo e julgamento excluída pela incidência do art. 79, I, do CPP" (STJ – RT, 663/347). Nesta senda, conclui-se com o entendimento jurisprudencial de que compete à Justiça Comum, justiça ordinária estadual conhecer e julgar o militar que comete crime de abuso de autoridade contra cidadão civil capitulado na lei 4.898/65. Este entendimento é fundamentado com base de que não há previsão legal deste crime na legislação penal Militar (Código Penal Militar). E ainda, a lei que regula o processo de responsabilização dos crimes de abuso de autoridade, dispõe que este crime será julgado pela Justiça Comum. Diante da definição de competência da Justiça Comum, aplicam-se, quanto a competência jurisdicional o art. 69 e seguinte do Código de Processo penal, que determinam que para definição da competência deve-se levar em conta, 42 sucessivamente: o lugar da infração, o domicílio do réu, a natureza da infração, a distribuição, a conexão ou continência, a prevenção e a prerrogativa de função. Art. 69. Determinará a competência jurisdicional: I - o lugar da infração: II - o domicílio ou residência do réu; III - a natureza da infração; IV - a distribuição; V - a conexão ou continência; VI - a prevenção; VII - a prerrogativa de função. Diante do exposto, é possível concluir, que enquanto não se elabore disposição em contrário pelo Poder Legislativo, o militar que praticar crime de abuso de autoridade contra um civil, no exercício da função, deverá ser submetido à Justiça Comum para ser processado e julgado, observando-se as ressalvas e especificidades da legislação militar brasileira. 2.4 As garantias individuais, os limites do poder de policia e o abuso de autoridade no âmbito da Brigada Militar Inicialmente a sociedade primitiva resolvia seus conflitos de forma direta, entre as partes, pela força. Essa forma, além de se caracterizar essencialmente pela violência, seja de um indivíduo ou do grupo, muitas vezes acabava pelo extermínio ou expulsão do adversário. Isso deixava em permanente alerta a todos, pois, não tinham um amparo imparcial, nem uma análise se sua causa era justa. Ficavam a mercê de um confronto, onde a lei era determinada pelo mais forte. Essa estrutura evoluiu, na busca de segurança e equilíbrio nas relações primitivas, quando surgiu o Estado como o centralizador do poder de polícia, cabendo somente a ele exercer a violência para fins de controle social. A sociedade é submetida ao poder do Estado, que se torna o responsável pela segurança e a organização social. E Celso Antonio Bandeira de Mello, ao abordar a função do Estado (2003 p. 27) nos traz este entendimento quando diz que [...] a função pública, no Estado democrático de Direito, é a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica. 43 Os conflitos, as transgressões das regras sociais são inevitáveis, e o Estado por meio de seus órgãos desenvolve um controle sobre a organização social, enfocando o resultado positivo em proveito da coletividade, sob pena de, na falta de controle, a sociedade se tornar uma terra de ninguém, onde a segurança e a garantia da justiça não prevaleçam. Diante desta necessidade de controle surgem as instancias formais formadas pela polícia, o judiciário, o sistema penitenciário etc. e do outro lado o sistema informal formado pela família, escola, clube, a opinião pública, igreja etc. E pela regra é que a instância formal atuando quando a instancia informal falhar dentro da estrutura social. Este também é o ensinamento de João Ricardo Wanderlei Dornelles (2003 p. 20) De qualquer forma, o modelo social que se implantou a partir dos anos oitenta do século XX utiliza novos instrumentos e estratégias de controle social com mecanismos defensivos da ordem, resultando em um modelo desintegrador que produz uma sensação de insegurança e medo. A ordem social, segundo este paradigma neoconservador, se neutraliza, de acordo com as necessidades impostas pela nova forma de acumulação de capital, reproduzindo relações sociais compatíveis e funcionais com o novo modelo. É justamente aqui que os novos mecanismos de controle social são formulados e passam a ser aplicados. Para Stanley Cohen, por controle social pode-se entender um conjunto de meios pelos quais uma sociedade responde aos indivíduos ou grupos sociais que, de alguma maneira, colocam em risco a ordem estabelecida. [...]. Ainda segundo o autor Stanley Cohen, o controle social pode se expressar como uma parte do aparato coercitivo do Estado ou como parte oculta da polícia social. Dessa maneira, os mecanismos do controle social buscam a acomodação das ações para a manutenção e reprodução de uma determinada ordem social. Como regulador do controle social, o estado por meio dos órgãos competentes busca a contenção de impulsos e tendências prejudiciais ao bem comum, atribuiu um poder discricionário ao órgão da polícia para ter uma maior garantia de obter resultado positivo neste controle. Mas este controle social não é invenção da sociedade moderna, e sim, deste os tempos em que o ser homem iniciou sua organização em grupos, onde se busca equilibrar os impulsos individuais, adequando-os aos interesses do grupo todo, recebendo apenas um formato variável ao longo do tempo, a exemplo do mencionado por Dornelles. 44 O Estado como patrocinador do controle social possui legislação reguladora para o êxito da vida em sociedade. Legislação esta que confere a todo ser humano a titularidade de direitos e que se transformam num bem jurídico que deve ser respeitado. E quando houver ofensa a esse bem jurídico o Estado deve agir para corrigir de forma educativa e restabelecer a ordem social. Ou seja, o Estado chama para si o poder/dever de agir através da polícia competente, conforme o §5º art. 144 da Constituição Federal, atuando de forma imparcial e impondo as regras/decisão a qual as partes devem adequar-se dentro da legalidade e de forma pacífica buscar o convívio social. Em outras palavras Lazzarini (1989, p. 235-236) nos ensina que: [...] no tocante à preservação da ordem pública, às polícias militares não só cabe o exercício da polícia ostensiva na forma retroexaminada, como também a competência residual de exercício de toda atividade policial de segurança pública não atribuída aos demais órgãos. A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública, engloba, inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como verdadeiro exército da sociedade. Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema da ‘ordem pública’ e, especificamente, da ‘segurança pública’. Logo, para que haja uma harmonia entre o Estado e a Sociedade é necessário que cada parte se comprometa com suas responsabilidades. Ou seja. as instâncias formais não funcionam sem a participação positiva da instancia informal. Neste sentido buscamos este entendimento nas palavras de Ana Sofia Schmidt De Oliveira (1998 p. 157) onde diz que: Sem um diálogo entre as diversas instâncias formais e informais, sem uma crítica e autocrítica constante, sem buscar enxergar o todo, o nosso sistema penal e a policia dentro dele vão continuar combatendo a criminalidade que eles próprios reproduzem e reproduzindo a criminalidade que pretendem combater. Se dá para acreditar na polícia é porque dá para acreditar no homem e não na arma que ele carrega. Em respeito às garantias individuais, a ação da Brigada Militar sempre se legítima quando sua intervenção se pautar nas garantias e observados os direitos 45 fundamentais dos cidadãos, vinculando sua ação num ordenamento que concretize a plenitude de direitos postulados em um Estado Democrático de Direito. Como já mencionado compete a Brigada Militar como símbolo coercitivo do Estado preservar a ordem pública, e como instância formal, assegurar o exercício dos direitos outorgados ao cidadão. Diante do exercício de suas atribuições, a Brigada Militar possui o poder de polícia, que a autoriza a empregar a força necessária para o restabelecimento da paz e da tranqüilidade pública limitando neste sentido os direitos daqueles que contrariem a ordem legal estabelecida. Os servidores militares no desempenho das suas funções encontram-se atrelados aos limites da lei. Embora suas atividades possuam aspectos discricionários, que são fundamentais para o exercício das funções de segurança pública, o seu ato de polícia que é um ato administrativo não pode ser praticado com excesso ou desvio de poder, sob pena de ser invalidado pela justiça, alem de ser responsabilizado pelo excesso nas esferas civil administrativa ou penal. Sobre isso, Hely Lopes Meirelles (2000 p.104) ensina que O excesso de poder ocorre quando a autoridade competente para praticar o ato vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas. Excede, portanto, sua competência legal e, com isso, invalida o ato, porque ninguém pode agir em nome da Administração fora do que a lei lhe permite. O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. A atuação da Brigada Militar se justifica pelas garantias constitucionais existentes uma vez que a sociedade sofre quando as regras sociais não são cumpridas. Neste caso os órgãos responsáveis da segurança pública não poderão ser omissos, reestabelecendo a ordem e a paz social e o desenvolvimento do estado, empregando quando necessário a força, a coação administrativa. E como os demais órgãos da administração pública, a Brigada Militar igualmente se sujeita as regras do art. 37 da Constituição Federal, que trata dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, princípios estes que regem a administração pública. 46 Nesta senda, toda vez que o servidor militar atuar de forma contrária as suas atribuições o sujeitará a pratica de abuso de sua autoridade, algo que não contribui para o combate a violência e a diminuição da criminalidade. Expondo a sociedade ao risco da insegurança, algo contrário do que a sociedade precisa e espera do policial que deve ser atuante, mas sempre respeitando os direitos e as garantias assegurados ao cidadão. A sociedade busca na Brigada Militar o apoio necessário para o exercício dos direitos e garantias que lhe são conferidos pela Constituição Federal. Em resposta a Brigada Militar deverá assegurar o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança, por meio de servidores preparados e capacitados para exercerem suas funções, de forma positiva ao interesse da sociedade. Mas, infelizmente, assim como nas demais áreas, ainda existem na Brigada Militar do Estado do Rio Grande Do Sul, servidores Militares que se desvirtuam de suas funções constitucionais, e praticam o abuso e o desrespeito à lei, manchando a instituição. Diante desta realidade de violência e de abusos praticados por servidores da Brigada Militar somente a lei não será ferramenta suficiente para sanar os vícios, mas também se faz necessária uma melhor preparação e capacitação dos profissionais, para que os mesmos exerçam suas funções em prol da cidadania, observando o principio da dignidade humana. Se o Brasil intitula-se como um Estado Democrático de Direito que tem por base o princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser este o foco da preparação dos militares estaduais da Brigada Militar. Mas como mudar uma cultura autoritária dos servidores se a própria administração se usa de irregularidades em seus atos administrativos que, muitas vezes se mostram contrários à ordem constitucional? Pode-se citar como exemplo de arbitrariedade a aplicação do regulamento disciplinar (RDBM) instituído pelo Decreto Estadual 43.245/2004. Em função do princípio da reserva legal, não pode o poder executivo disciplinar por meio de decreto, questões relativas ao regulamento disciplinar, o qual versa sobre garantias e direitos fundamentais. Logo a competência é exclusiva do Poder Legislativo que o deverá fazer por meio de lei. 47 Não são raras às vezes em que superiores hierárquicos se utilizam do RDBM para punir seus subordinados por não gostar daquele, ou para satisfazer um ato de vontade e assim assegurar seu poder de comando com prepotência e arbitrariedade. E são vários os dispositivos do regulamento disciplinar que garantem a submissão dos subordinados aos caprichos dos superiores, mesmo que essa ordem não contribua para uma evolução social, ou dignidade da administração. Para melhor ilustrar esta inconstitucionalidade buscamos embasamento legal no próprio art. 5º, inc. LXI da Constituição Federal: LXI- ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. Não bastasse a inconstitucionalidade quanto à origem do Decreto 43.245/2004, seu conteúdo gera muita polêmica quando a administração se baseia nos basilares da hierarquia e disciplina, na solução de atos administrativos disciplinares que nem sempre respeitam os direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal. É imperativo que a autoridade Militar desperte para a aplicação da Constituição e de seus princípios e garantias, buscando um Regulamento Disciplinar compatível com a ordem jurídica vigente, a qual esteja ancorada, convictamente no Estado Democrático de Direito. Pois a instituição Brigada Militar não é uma área onde a constituição não vigora. Enquanto as mudanças desejadas não acontecem, temos que quando ocorre a prática do abuso de autoridade por parte de servidor militar, previsto na Lei no 4.898/65, este é severamente punido por meio da legislação vigente. E não são raros os casos em que servidores foram responsabilizados e que ensejou a sua demissão do quadro de servidores militares, após o devido processo legal, pois suas atitudes desrespeitaram os direitos do cidadão, as prerrogativas individuais ou as liberdades públicas elencadas na ordem constitucional e nas leis, que são os limites do poder de polícia conferido a instituição Brigada Militar. 48 Neste sentido é valido de forma contributiva, os ensinamento de Lazzarini (1998 p. 21) quando este observa que: A não observância dos limites aos quais está sujeito o poder de polícia, é não observar os direitos do cidadão, é não observar as prerrogativas individuais, é não observar os dispositivos constitucionais e as leis, e o desvio da missão reservada aos agentes policiais conduz a prática do abuso de autoridade. O crime de abuso de autoridade tem como função principal resguardar os direitos constitucionais de liberdade, integrantes da cidadania contra as arbitrariedades cometidas por servidores militares, devendo o Estado agir de forma imparcial e severa para extirpar estas mazelas que prejudicam a administração pública e a sociedade como um todo. Entre as condutas que, rotineiramente, configuram o abuso de autoridade dentre as elencadas nos arts. 3º e 4º da lei 4.898/65, o servidor militar está mais propenso a realizar as ações elencados nas letras “b” (à inviolabilidade de domicílio), e letra “i” (à incolumidade física do indivíduo), por serem estas mais próximas da função que exerce o militar estadual. O policial militar no exercício de sua função, em algumas situações, se torna mais suscetível ao cometimento do excesso, por atuar, cotidianamente em situações de conflito e de violência que, em geral, geram extrema tensão ou agressividade. Mas é necessário que o mesmo esteja preparado para atuar de forma racional e proporcional, pois ao agir de forma arbitrária acaba praticando o capitulado crime de abuso de autoridade previsto pela lei 4.898/65 e em nada contribuiu para o estabelecimento da paz social. Como se viu anteriormente o atentado à inviolabilidade de domicílio do art. 3º, letra “b”, tipifica o abuso de autoridade, visto que a casa é inviolável sem o consentimento do morador, salvo nas hipóteses previstos na ordem constitucional do art. 5º XI da Constituição Federal que assim estatui: Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País [...], nos termos seguintes: [...] 49 XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; Não são poucos os casos em que servidores militares despreparados agem na emoção ou na prepotência e cometem este delito, conforme jurisprudências dos nossos Tribunais de Justiça, o que gera desgaste para a administração pública, que tinha a função de reestabelecer a ordem, e acabou inflando a desordem. Vejamos: Ementa: Delitos de abuso de autoridade (atentado a inviolabilidade do domicílio e a incolumidade física do individuo) atribuídos a policiais militares e delito de lesão corporal. Positivada ofensa à integridade corporal da vítima, o atentado a incolumidade física (abuso de autoridade) cometido por policial militar e absorvido pelo delito de lesão corporal, com incidência da agravante do art. 61, II, "f", do C. Penal. Competência da Justiça Militar para julgamento do delito de lesão corporal por policiais militares no exercício de suas funções, por não admitida conexão ou continência, conforme regra do art. 79, I, CPP, e da Justiça Comum para julgamento do delito de abuso de autoridade por atentado a inviolabilidade do domicílio. Nulidade do processo, desde o recebimento da denúncia, quanto ao fato que constitui, em tese, delito de lesão corporal, por incompetência absoluta da Justiça Comum quanto ao delito militar. Condenação mantida quanto ao delito de abuso de autoridade, com redução dos apenamentos. (Apelação Crime Nº 694066697, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 08/09/1994) O atentado à incolumidade física do indivíduo previsto no art. 3º, letra “i” da lei nº 4898/65 é um crime marcado pela prepotência, pelo desrespeito a cidadania, em que o servidor se faz valer de um autoritarismo ilegal e arbitrário para com a vítima. Neste delito quando resultar em lesão no indivíduo, o servidor militar estará diante de um concurso de crimes, levando o infrator as sanções judiciais conforme jurisprudências dos tribunais que já enfrentaram este tipo de crime que ocorre com a ação desproporcional do servidor militar, e que gera muita polêmica na sociedade. Ementa: processual penal. Conflito de competência. Em se tratando de concurso de infrações- lesão corporal e abuso de autoridade praticada por policial militar, competente e a justiça comum para a analise do abuso de autoridade, visto que tal delito não esta previsto no código penal militar. A justiça militar caberá a analise do crime de lesões corporais. Por outro lado, não ha o que se falar em absolvição do delito de abuso de autoridade pelo de lesões, mormente quando aquele esta fundamentando, também, em atentado a inviolabilidade 50 de domicilio. Deram provimento ao recurso a fim de que fosse recebida a denuncia quanto ao delito de abuso de autoridade, ficando com a justiça militar o exame do crime de lesão corporal. (recurso crime nº 70000141945, terceira câmara criminal, tribunal de justiça do RS, relator: José Domingues Guimarães Ribeiro, julgado em 07/10/1999) Convém destacar, por fim, que não é toda lesão que configura o crime, é necessário que haja a ação desproporcional com a necessidade. 2.5 Violência policial e o papel da polícia militar no Estado Democrático de Direito Como se viu até aqui, a Polícia Militar é um dos órgãos encarregados da segurança pública que integra o braço repressivo do Estado. Deste modo a mesma está autorizada a utilizar a violência de forma legítima, quando necessário para o cumprimento de suas funções. Mas a violência legítima deve estar ancorada na função prevista na lei sem violar os direitos e garantias do cidadão. Todavia não é essa a realidade absoluta da polícia brasileira que, em muitos casos, age com excesso, demonstrando uma postura de autoritarismo herdada de culturas totalitárias que, muitas vezes, é aceita e aplaudida pela sociedade. A violência policial, que consiste no uso intencional de força desproporcional e desnecessária, gera graves violações à cidadania, bem como aos direitos do homem, fragilizando o Estado Democrático de direito, tornando o sistema de justiça e segurança muito vulnerável. E essa violência deixa transparecer a ineficácia do sistema policial vigente. Preciso, portanto que o Estado e sociedade reformulem seu sistema de polícia, para que se tenha uma organização estatal voltada a garantir a ordem e paz social dentro dos preceitos constitucionais. Diante do aumento da conflitividade e da violência e frente a precariedade de políticas públicas de inclusão e de afirmação plena da cidadania, atribui-se aos órgãos de segurança, exclusivamente, a responsabilidade pela resolução dos conflitos sociais. Frente ao quadro preocupante da sensação de insegurança somase outra mazela social, que é a dificuldade de uma grande parte da população não ter acesso a renda, para seu sustento e de sua família e que inflam o perfil daqueles que buscam por meio do ilícito amenizar esta falta de renda. 51 Cabe destacar também a cobrança cada vez maior da sociedade, que necessita e pressiona para que a polícia traga soluções rápidas para os atos considerados criminosos, que demonstre a sensação de vitória do bem sobre o mal. Neste contexto a atuação violenta e/ou abusiva da polícia é vista como a melhor saída para o controle do crime e da violência na sociedade. Dentre seus objetivos, convém destacar que a Brigada Militar deve estar preparada para a solução dos conflitos, por meio da uma mediação que é um remédio imprescindível numa sociedade que está cada vez mais carente de pacificação em função da propagação de uma cultura conflitiva. Percebe-se, contudo, que o diálogo está cada vez mais sendo posto de lado e o individualismo toma lugar do coletivismo. A solução de conflitos, realizada de forma consensual, tem abrangido um grande número de indivíduos de forma eficaz, face à construção dos caminhos a serem trilhados de forma conjunta pelas partes. Neste sentido buscamos demonstrar a importância da pacificação nas palavras de Cintra, Grinover, Dinamarco (2003, p. 25-26): [...] vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através de formas do processo civil, penal ou trabalhista. A incorporação de uma filosofia da mediação na atuação da Brigada Militar, pode contribuir para o rompimento com posturas violentas e arbitrárias, dentro de uma lógica de inclusão e de paz social. Pois com a mediação é o vínculo afetivo entre as partes conflitantes, que interfere na racionalidade. Neste sentido buscamos os ensinamento de Marcos Rolin (2006 p. 73) que nos contribui dizendo: De fato, em um Estado Democrático de Direito, a polícia não pode se furtar a desempenhar um papel de mediador entre vários interesses muitas vezes conflitantes. A sensibilidade necessária para este tipo de abordagem pode ser decisivo para a afirmação de um novo 52 equilíbrio social, mesmo que provisório como convém a uma democracia. A competência do mediador é fundamental para o êxito da solução do conflito. E como indivíduo que desempenha a função de mediador o servidor militar deve possuir uma qualificação para exercê-la. Daí decorre a necessidade de se buscar um novo método de formação dos profissionais que atuam na segurança pública, especialmente os policiais militares, que atuam cotidianamente junto a sociedade. Marcos Rolin (2006 p. 96) destaca que parte da ineficiência policial é devido a falta de profissionais preparados e, capazes de medir o grau de ação que deverão desenvolver, conduzindo as partes para que consigam visualizar o problema, a fim de que consigam também encontrar a solução com celeridade e economia evitando muitos litígios judiciais. Na verdade, quando tratamos do trabalho policial estamos nos referindo a uma das funções mais complexas e difíceis que há, cujo desempenho exige um grau de especialização e conhecimentos seguramente bem superior a várias outras atividades laborais contemporâneas que, já há muito tempo, só podem ser exercidas por profissionais de nível superior. Entretanto, como sabemos, na maior parte dos países o ingresso nas polícias não depende de formação de nível superior. Quando essa exigência é feita – e apenas para algumas funções policiais –, o que se tem é o pré-requisito de um diploma universitário, quase sempre de formação específica em direito ou, mais amplamente, na área de ciências humanas. Para ser policial, então, não se exige formação superior em segurança pública, uma condição tão rara quanto as oportunidades de especialização oferecidas na área. José Lauri Bueno de Jesus (2008 p. 127) nos ensina dizendo: É certo que a polícia militar precisa ser eficaz naquilo que lhe cabe, e para isso, deve e necessita melhorar muito, e também sair de uma situação genérica de capital humano pouco qualificado para alcançar o patamar de profissões especializadas, pois sua contribuição no processo ocorre, favoravelmente, pela qualidade dos serviços prestados e não pela quantidade de pessoal distribuído nas ruas. Neste novo modelo, também é necessário o comprometimento da sociedade e do Estado para que o sistema funcione, para que cada indivíduo assuma seu papel com responsabilidade e entenda que a segurança pública engloba a todos. Esta responsabilidade coletiva deriva do comando constitucional, quando no art. 144 53 caput da Constituição Federal menciona que; “A segurança pública dever do estado, direito e responsabilidade de todos.” José Lauri Bueno de Jesus (2008 p. 127) aponta o entendimento de que é preciso mudar a cultura da segurança pública quando diz que: A sociedade, ao cobrar somente da polícia o controle da criminalidade e violência, vê, nessa instituição, um certo despreparo. Entretanto, na verdade, ela (sociedade) não quer preocupar-se com as verdadeiras causas que motivam a insegurança. Isto se deve à cultura do uso da polícia para sustentar a elite econômica e política que começou deste a chegada dos portugueses ao Brasil. Não há mais espaço para posturas individualistas, e não se pode continuar atribuindo a função de segurança pública como responsabilidade exclusiva da polícia. Pois de nada adianta termos um aparato policial implacável se tivermos uma cultura social voltada a infringir as regras e se os fatores que originam a violência não forem enfrentados. Para ilustrar melhor esse entendimento, valem as palavras de Ana Sofia Schmidt De Oliveira (1998 p. 157) quando aborda a idéia da participação de todos no convívio social. O crime é um problema da comunidade e tem que ser resolvido na comunidade. É problema de todos e não da policia. Uma comunidade que não se interessa pelo problema do crime, que pensa que sua segurança será maior na medida que for maior o número de criminosos atrás das grades, que não consegue desenvolver sentimentos de solidariedade, que permanece indiferente, que só se manifesta para criticar a ineficiência das instâncias formais, é cruel, hipócrita, e merece a taxa de criminalidade que tem. Se as relações sociais sofrem constantes adequações e alterações, é porque cada indivíduo possui o seu espaço, onde deve desempenhar a sua função social para que o conjunto social num todo esteja em harmonia. Quando alguma parte não desempenha bem o seu papel no conjunto, surge um conflito. E quando estes conflitos contrariam as normas surge o Estado através do órgão coercitivo para que se restabeleça a ordem harmônica. O policial que se precisa na atualidade é aquele servidor que está capacitado, para desempenhar o papel de terceiro imparcial e conduzir os conflitos 54 de modo a favorecer o diálogo entre as partes conflitantes a fim de construírem em conjunto a solução pacífica. Ou seja, embora tenha atuação coercitiva o servidor deve se valer de virtudes positivas como; ser paciente, inteligente, criativo, confiável, humilde, objetivo, hábil na comunicação e ser imparcial com relação ao conflito e ao resultado, virtudes estas, que o respaldam na lei, moral e eticamente quanto a sua atuação. Deve procurar trabalhar num prisma que visa o comprometimento de cada parte com sua responsabilidade conforme seu comprometimento no conflito gerado, que certamente elevará o nível de satisfação da sociedade. 55 CONCLUSÃO Para manter a sociedade organizada, garantindo o acesso a direitos fundamentais à todos, o Estado assumiu competências que são fundamentais para o alcance das expectativas propostas. E nesta organização, compete ao Estado garantir a proteção dos direitos individuais e assegurar ao seu povo o pleno exercício da cidadania. Como o conflito e as transgressões das regras sociais são uma questão inevitável, o Estado desenvolveu um sistema de controle sobre a organização social, na busca de resultados positivos em proveito da coletividade. As instâncias de controle social são fundamentais, pois na falta delas a sociedade se tornaria uma terra de ninguém, onde a segurança e a garantia da justiça não prevaleceriam Diante desta necessidade de controle surgem as instancias formais formadas pelas polícias, o judiciário, sistema penitenciário etc. e do outro lado o sistema informal formado pela família, escola, clube, a opinião pública, igreja etc. Em geral as instâncias formais atuam quando as instâncias informais falham dentro da estrutura social. Entre as forças que integram a segurança pública estão as Polícias Militares, que são forças auxiliares das forças armadas, as quais têm por função primordial o policiamento ostensivo, atuando na prevenção da criminalidade e auxiliando o Poder Judiciário para que os infratores da lei sejam responsabilizados, além de garantir a preservação da ordem pública, buscando assegurar as garantias individuais, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal. 56 Para que a polícia possa atingir seus objetivos o Estado lhe atribuiu poderes ou prerrogativas especiais de Direito Público, onde se destaca o poder de polícia, uma vez que, sua atividade se realiza em prol do interesse público, restringindo assim, direitos individuais, caracterizando-se pela discricionariedade, auto- executoriedade e pela coercibilidade. A administração Pública deve estar comprometida buscando agir pelo interesse da coletividade, se sobrepondo ao particular, regulando suas ações baseado na lei, e banindo as ações obscuras que desvirtuam os preceitos constitucionais do Estado Democrático de Direito, elencados no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988. Ou seja, o poder administrativo concedido a autoridade pública deve ter limites certos e deverá obedecer a uma forma legal de utilização. Como Estado Democrático Constitucional de Direito, onde a dignidade da pessoa humana é um valor fundamental constitucional, para uma eficácia dos princípios constitucionais, deverá a administração pública controlar e inibir qualquer ato atentatório aos direitos individuais. E neste sentido, a lei que trata do abuso de autoridade, é uma ferramenta que objetiva a proteção material, e que norteia a correta atividade do agente público e a defesa das garantias individuais. Dando ao crime de abuso de autoridade um rito próprio visto que se caracteriza pelo excesso praticado pela autoridade no exercício da função, cuja sanção poderá implicar em responsabilidade administrativa, civil e penal conforme regulamentado pela lei n. 4.898/65. Em função da gravidade constitucional lesiva compete à justiça comum atuar no feito, ainda que praticado por servidor militar. Pois diante da omissão da legislação militar, a súmula 172 do STJ, atribuiu a competência à justiça comum processar e julgar o militar que no exercício da função praticar crime de abuso de autoridade. A representação não depende do ofendido, pois como é uma ação penal pública incondicionada esta tem como titular da ação o representante do Ministério Público. Ainda, é pacífico o entendimento do judiciário, que quando em concurso material de crimes, o crime de abuso de autoridade será julgado na justiça comum e o outro na justiça castrense. 57 Para a caracterização do abuso de autoridade, é necessário que a ação ou omissão tenha como sujeito ativo um agente que exerça qualquer função pública, percebendo remuneração e estabilidade ou não. Exigência esta, que é condição fundamental para a averiguação da responsabilidade administrativa civil e penal, por parte daquele que deixou de observar uma conduta mínima exigível para proteção dos direitos e garantias individuais dentro de um estado de direito. Diante da atuação da Brigada Militar muitas vezes se discute o uso da força alegando que esta foi usada de forma indiscriminada e que tal atitude estaria ao alcance do chamado abuso de autoridade. Sabe-se que o uso da força muitas vezes se faz necessário numa ocorrência policial. Porem esta deve ter limites para respaldar a ação dentro da legalidade. Conforme o risco pode a força poderá variar da simples presença policial, como inibidor do delito, até o uso da arma de fogo, em último caso, como força letal. O agir conforme os diplomas legais não é uma faculdade do policial militar, mas sim um dever, pois o poder de polícia que detém nunca respalda a ação violenta, ilegítima e criminosa de quem tem o dever de manter a ordem, e a tranquilidade social. Também, o uso da força não pode ser confundido com a violência, sendo que a violência enseja ilegitimidade, arbitrariedade que configura abuso de autoridade pelo qual o agente público poderá ser responsabilizado nas esferas administrativa, penal e cível. O Militar que comete crime inerente à função militar, ressalvado os crimes dolosos contra a vida, em regra deve ser submetido à justiça Militar, para que seja processado e julgado neste tribunal em razão da função que exerce como Militar, a qual se baseia na tutela jurídica da hierarquia e disciplina. Embora com acusações de afronta à nova ordem constitucional, atua com rigor e severidade na aplicação de sanções aos servidores que nela são processados e julgados. A violência policial, que consiste no uso intencional e desproporcional da força, que gera graves violações inevitáveis à cidadania, bem como aos direitos do 58 homem, fragilizando o Estado Democrático de direito, torna o sistema de justiça e segurança muito vulnerável. Precisamos uma nova estrutura e um maior comprometimento da sociedade e do Estado para que o sistema funcione, onde cada indivíduo assuma seu papel com responsabilidade e entenda que a segurança pública engloba a todos. Pois a segurança pública, pela ordem constitucional é uma responsabilidade de todos. Nesse contexto, o policial que se precisa na atualidade é aquele servidor que está capacitado para desempenhar o papel com todas as virtudes que se possa exigir na sua profissão e assim, assegurar os direitos de cidadania. 59 REFERÊNCIAS ASSIS, Jorge Cesar. Lições de direito para a atividade das Polícias Militares e das Forças Armadas. 6. ed. Revista e Ampliada. Curitiba: Editora Juruá. 2005. AZKOUL, Marco Antonio: A policia e sua função constitucional. São Paulo: Ed. Oliveira Mendes LTDA, 1998. BENEVIDES, Maria Victoria Mesquita. O papel da polícia no regime democrático. Ed. Mageart, 1996. Disponível em < HTTP://www.acors.org.br/donload.php?id=12 BRASIL, Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal: Brasília, 2011. ______, Superior Tribunal.Justiça Súmula 172. Competência: Superior Tribunal. Justiça. abuso de autoridade Militar.1996 BOBBIO, Roberto. 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