PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
TALITA PIMENTA FÉLIX WOLKART
BASE DE CÁLCULO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA:
UM CAMINHO PARA SE AFERIR O BIS IN IDEM E A BITRIBUTAÇÃO.
MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
TALITA PIMENTA FÉLIX WOLKART
BASE DE CÁLCULO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA:
UM CAMINHO PARA SE AFERIR O BIS IN IDEM E A BITRIBUTAÇÃO.
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Direito Tributário, sob a orientação da
Profa. Dra. Clarice von Oertzen de Araujo.
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Banca Examinadora
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_______________________________
Que me perdoem aqueles que fazem dedicatórias com a
simplicidade e elegância dos grandes. Neste momento, seria
muito injusto não dedicar meus sinceros agradecimentos às
pessoas que dividiram comigo o peso e as dificuldades dos
últimos anos, não apenas deste trabalho, mas dele me
aproveito. E aqui, me refiro aos últimos 31 (anos). Com
exceção de pouquíssimos outros eventos, aproveito-me desta
bela oportunidade para dizer as minhas maiores e mais
simples verdades, que talvez se percam, muitas vezes, nos
supérfluos afazeres do dia a dia.
Ao Luiz Felipe e ao André Filho, pela alegria e renovação
constantes; ao Marcelo e à Paula, minha maior e mais rica
dupla de contradições, meus companheiros atemporais, meu 8
e minha 80 ou minha 8 e meu 80 (honestamente, não sei,
como também não saberia dizer a diferença entre ambos –
números e irmãos); à minha querida e amada mãe, pela
presença constante e irrestrita, pelo seu incomparável e
incomensurável amor, que tenhamos nombreux petites et
douces septembres pela frente; ao meu pai, querido e amado,
por tatuar em nossa pele a marca da honradez, pelos sábios e
amorosos conselhos e, principalmente, pela ternura que se
desenha a cada novo encontro; à família recém-chegada, à
Amélia e ao Christiano, por me receberem e se manterem de
abraços e, mais importante, corações abertos; ao Erik, por me
permitir descobrir o quão divina e real é a lapidação do amor;
a todos vocês, o meu mais sincero e visceral amor!
AGRADECIMENTOS
Aos meus amigos e professores do IBET de Goiânia (Mauritânia Mendonça,
Sérgio Araújo, Rogério Magalhães, Tennyson Vinhal, Frederico Medeiros, Vanessa Paula
e Gabriela Arantes).
À minha orientadora, esta, na mais pura e verdadeira acepção do termo, se não
fez mais, foi porque eu não viabilizei que o fizesse, verdade seja dita! E aqui, os
agradecimentos não podem e não devem limitar-se à orientação acadêmica, mas, também,
aos ensinamentos em sala, e não me refiro apenas aos jurídicos e semióticos. Mas, sim, às
nobres e elegantes lições sobre o papel do educador.
Aos mestres Eurico Marcos Diniz de Santi e Paulo de Barros Carvalho, meus
fios de Ariadne.
Os Próximos 200 anos
Queria ser uma tartaruga
E que você fosse uma também
Para que nosso tempo fosse longo
Já pensou meu bem?
Mas tartarugas modernas que somos
Botamos bermudas e óculos escuros
Ouvimos Nirvana, Guns e Metalica
E outros mais obscuros
Muito novos apreciaríamos Maiakovsky
E de olhos esbugalhados a revolução russa
Numa caverna vermelha observaríamos
As batalhas e escaramuças
Aos cem incomoda um pouco
O barulho dos aviões contra as torres de
Nova York
Mas não é estranho o velho ratara
Do cano quente das metralhadoras
Depois de querermos mudar o mundo
Vimos que tudo era relativo
E de Bayron triste e profundo
Fomos a Einsten redivivo
Os boêmios de Paris
Nós os conhecemos todos
Monmartre foi nosso chão de giz
Tomamos absinto a rodo!
Filosofia e poesia
Foi o que vivemos até os cinqüenta
Na maior parte do dia
Era isso o que nos redimia
Gostávamos dos românticos
E dos existencialistas
Mas nunca desprezamos
Concretistas e cubistas
O cinema tomou nosso tempo
Mas tempo, tínhamos muito
E de tanto tempo e tanto vento
Formou-se a nouvelle vague
Viramos surfistas dessa nova onda
Turtles listening the beach boys
Éramos como um velho que se apronta
For the festival: rock for choice
Agora fumávamos e ouvíamos Beatles
Tolstoy estava em Woodstoky
Da guerra fez-se a paz
Em caleidoscópios psicodélicos
É minha linda fêmea
Estamos na metade da vida
Será que nos próximos cem
Teremos Rimbaud, Bocage, Vicente, Truffaut
ou algo além?
Ou serão anos de esperança partida?
Franquistas,
hitleristas,
salazarista,
buchistas...
A dona morte fará ressoar seu bumbo?
Será a humanidade falida?
Não dá para saber, não é?!
Mas como somos tartarugas...
Dizem que a vida começa aos cento e
quarenta
Então espero que nos próximos cinqüenta
Nossa vida rodopie azul e desvairada
Entre poetas, músicos, trabalho e filosofia
Mas que acima de tudo permaneça essa
alegria
E esse nosso tesão imenso
Porque confesso que já ando tenso
Para me livrar dessa casca que aprisiona
Acho meu bem
Que somos tartarugas marinhas
E que navegaremos sempre
No nosso próprio mar
E colocaremos ovinhos na areia
Para que novas tartarugas
Possam olhar
Para o mundo
Pelos próximos duzentos anos.
Octagenários chegamos
Num mundo louco
À net não nos adaptamos
Rápida demais e baixo astral
Erik Navarro Wolkart
RESUMO
WOLKART, Talita Pimenta Félix. Base de cálculo em matéria tributária: um caminho
para se aferir o bis in idem e a bitributação. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito)–
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC, 2011.
O presente trabalho traz como objeto de estudo a dupla incidência tributária. Nesta tônica,
procederemos à sua classificação lógica, posteriormente, construiremos as espécies
jurídicas em compasso com o sistema do direito positivo e apontaremos as nuanças
atinentes a cada uma. Bem como, traçaremos o paralelo sintático da identidade de cada
uma das espécies e subespécies jurídicas conforme a semelhança do binômio hipótese de
incidência e base de cálculo. Ao final, analisaremos criticamente o posicionamento
adotado pela Corte Suprema na última década, propondo uma complementação à análise
jurídica atual.
Palavras-chave: Dupla tributação. Base de cálculo. Hipótese de incidência. Materialidade.
Identidade. Natureza jurídica. Súmula Vinculante n. 29. Supremo Tribunal Federal.
ABSTRACT
WOLKART, Talita Pimenta Félix. Basis of calculation in tax matters: a way to gauge
thebis in idem and double taxation. 2011. Dissertation (Master of Law)-Catholic
University of São Paulo. São Paulo: PUC, 2011.
This work aims to study the incidence of double taxation. In this keynote, we will proceed
to its logical classification, then build the species in step with the legal system of positive
law and will point out the nuances pertaining to each. As well, we will draw the syntactic
parallel of the identity of each legal species and subspecies according to the appearance of
the binomial incidence hypothesis and basis of calculation. At the end, we will review the
position taken by the Supreme Court in the last decade, offering a complement to current
legal analysis.
Key-words: Double taxation. Basis of calculation. Incidence hypothesis. Materiality.
Identity. Legal nature. Binding Precedent No 29. Supreme Court.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12
SEÇÃO I – ALGUMAS REFLEXÕES
1 Apontamentos Iniciais ................................................................................................ 17
1.1
1.2
Livre Arbítrio: temor ou liberdade? ....................................................................... 18
Entre a intenção do autor e o propósito do intérprete existe a intenção do texto .. 18
2 Base de Cálculo e a Alíquota no Sistema Constitucional Tributário ..................... 20
2.1
2.2
2.3
2.4
Notas Introdutórias ................................................................................................
Hipótese de Incidência Tributária ..........................................................................
Uma Perspectiva Geral da Base de Cálculo e da Alíquota ....................................
2.3.1
Da Base de Cálculo ..........................................................................
2.3.1.1 As Funções da Base de Cálculo .......................................
2.3.3
Da Alíquota ......................................................................................
A Base de Cálculo Distorcida Representa uma Desnaturação da Espécie
Tributária ...............................................................................................................
20
22
23
23
27
28
32
3 Descrição Material e Quantitativa das Espécies Tributárias ................................. 34
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
Impostos ................................................................................................................. 35
3.1.1
Impostos residuais ............................................................................ 36
3.1.2
Impostos extraordinários .................................................................. 37
3.1.3
Impostos nominados ......................................................................... 38
Taxas ...................................................................................................................... 40
3.2.1
Taxa cobrada em razão da prestação de serviço público,
específico e divisível, efetivamente utilizado ou colocado à
disposição do contribuinte ................................................................ 42
3.2.2
Taxa cobrada pelo exercício do poder de polícia ............................. 42
Contribuição de melhoria ...................................................................................... 43
Empréstimo compulsório ....................................................................................... 46
Contribuições ......................................................................................................... 49
3.5.1
Contribuição de intervenção no domínio econômico – CIDE .......... 51
3.5.2
Contribuição de interesse das categorias profissionais ou
econômicas – CIPE ............................................................................ 53
3.5.3
Contribuições sociais ........................................................................ 55
3.5.3.1 Contribuições destinadas ao financiamento da
seguridade social .............................................................. 55
3.5.3.2 Contribuições residuais: outras fontes de financiamento
destinadas à seguridade social ......................................... 56
SEÇÃO II – PLANO COMPARATIVO
1 Dupla Tributação: os reflexos gerados no critério quantitativo da regra-matriz
de incidência tributária .............................................................................................. 60
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
Eleição do Método de Abordagem ........................................................................
O Método Aplicado ao Objeto - Dupla Tributação ...............................................
1.2.1
Primeiro fundamento para dividir: ente competente ........................
1.2.2
Segundo fundamento para dividir: materialidade ............................
1.2.3
Terceiro fundamento para dividir: base de cálculo ..........................
1.2.4
Síntese Classificatória ......................................................................
Bis in idem .............................................................................................................
1.3.1
Primeira Espécie: bis in idem – duplicado pela materialidade e
base de cálculo ..................................................................................
1.3.2
Segunda Espécie: bis in idem – duplicado pela materialidade
(base de cálculo distinta) ..................................................................
1.3.3
Terceira Espécie: bis in idem – duplicado pela base de cálculo
(materialidade distinta) .....................................................................
1.3.4
Quarta Espécie: falso bis in idem – ausência de semelhança dos
critérios abordados ............................................................................
Bitributação (adequar o texto ao sumário) .............................................................
1.4.1
Primeira Espécie: bitributação – duplicada pela
materialidade e base de cálculo ........................................................
1.4.2
Segunda Espécie: bitributação – duplicada pela
materialidade (base de cálculo distinta) ...........................................
1.4.3
Terceira Espécie: bitributação – duplicada pela base de
cálculo (materialidade distinta) ........................................................
1.4.4
Quarta Espécie: falsa bitributação – ausência de
semelhança dos critérios abordados .................................................
Distinção entre dupla tributação e alargamento da base de cálculo ......................
60
63
64
65
68
71
72
73
75
80
84
85
86
89
91
93
95
2 Verificação da Existência de Integral Identidade Entre as Notas das Bases de
Cálculo ......................................................................................................................... 99
2.1
2.2
2.3
Imposto com Imposto ..........................................................................................
2.1.1
Imposto residual versus imposto residual .......................................
2.1.2
Imposto residual versus imposto extraordinário .............................
2.1.3
Imposto residual versus imposto nominado ...................................
2.1.4
Imposto extraordinário versus imposto extraordinário ...................
2.1.5
Imposto extraordinário versus imposto nominado .........................
2.1.6
Imposto nominado versus imposto nominado ................................
Imposto com Taxa ...............................................................................................
2.2.1
Imposto residual versus taxa pela prestação de serviço público ....
2.2.2
Imposto residual versus taxa pelo exercício do poder de polícia ...
2.2.3
Imposto nominado versus taxa pela prestação de serviço público .
2.2.4
Imposto nominado versus taxa pelo exercício do poder de polícia
Imposto com Contribuição de Melhoria ..............................................................
2.3.1
Imposto residual versus contribuição de melhoria .........................
2.3.2
Imposto extraordinário versus contribuição de melhoria ...............
102
102
106
108
109
110
111
114
118
119
120
121
123
124
125
2.4
2.5
2.6
2.7
2.8
2.9
2.10
2.11
2.12
2.13
2.14
2.15
2.16
2.3.3
Imposto nominado versus contribuição de melhoria ...................... 125
Imposto com Contribuição .................................................................................. 126
2.4.1
Imposto residual versus CIDE ......................................................... 127
2.4.2
Imposto residual versus CIPE ........................................................ 127
2.4.3
Imposto residual versus contribuição social ................................... 128
2.4.4
Imposto extraordinário versus CIDE .............................................. 128
2.4.5
Imposto extraordinário versus CIPE .............................................. 129
2.4.6
Imposto extraordinário versus contribuição social ......................... 129
2.4.7
Imposto nominado versus CIDE .................................................... 130
2.4.8
Imposto nominado versus CIPE ..................................................... 132
2.4.9
Imposto genérico versus contribuição social .................................. 133
2.4.9.1 Imposto nominado versus contribuição social residual . 133
2.4.9.2 Imposto nominado versus contribuição social destinada
à seguridade social ......................................................... 135
Imposto com Empréstimo Compulsório .............................................................. 136
2.5.1. Imposto residual versus empréstimo compulsório ......................... 138
2.5.2. Imposto extraordinário versus empréstimo compulsório ............... 139
2.5.3. Imposto nominado versus empréstimo compulsório ...................... 140
Taxa com Taxa .................................................................................................... 142
2.6.1. Taxa de prestação de serviço público versus taxa pelo poder de
polícia ............................................................................................. 143
2.6.2. Taxa de prestação de serviço público versus taxa de prestação de
serviço público. E, taxa pelo poder de polícia versus taxa pelo
poder de polícia .............................................................................. 143
Taxa com Contribuição de Melhoria ................................................................... 144
2.7.1
Taxa pela prestação de serviço público versus contribuição de
melhoria .......................................................................................... 145
2.7.2
Taxa pelo poder de polícia versus contribuição de melhoria ......... 146
Taxa com Contribuição ........................................................................................ 146
Taxa cobrada pela prestação de serviço público e taxa cobrada em
razão do exercício do poder de polícia versus: ............................... 147
2.8.1
CIDE ............................................................................................... 147
2.8.2
CIPE ............................................................................................... 147
2.8.3
Contribuições Sociais ..................................................................... 148
Taxa com Empréstimo Compulsório .................................................................... 148
2.9.1
Taxa pela prestação de serviço público versus empréstimo
compulsório .................................................................................... 149
2.9.2
Taxa pelo exercício do poder de polícia versus empréstimo
compulsório .................................................................................... 149
Contribuição de Melhoria com Contribuição de Melhoria .................................. 149
Contribuição de Melhoria com Contribuição ...................................................... 150
Contribuição de Melhoria com Empréstimo Compulsório .................................. 150
Contribuição com Contribuição ........................................................................... 152
Contribuição com Empréstimo Compulsório ...................................................... 153
2.14.1 CIDE versus Empréstimo Compulsório ......................................... 153
2.14.2 CIPE versus Empréstimo Compulsório .......................................... 154
2.14.3 Contribuições sociais versus Empréstimo Compulsório ................ 154
Empréstimo Compulsório com Empréstimo Compulsório .................................. 154
Considerações Preliminares ................................................................................. 156
SEÇÃO III - PROPOSTA DE UMA ABORDAGEM CRÍTICA ATRAVÉS
PLANOS SEMÂNTICOS
1 Semiótica e Direito Positivo: O Encontro ................................................................ 158
2 Plano Semântico: O Processo - Inferência Pautada Pela Natureza Jurídica do
Tributo ....................................................................................................................... 162
3 Plano Pragmático: O Produto – Decisão Jurídica Irrecorrível .............................. 166
SEÇÃO IV – ANOTAÇÕES FINAIS
Anotações Finais ............................................................................................................ 170
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 173
12
INTRODUÇÃO
[…] a consistência do saber científico depende do
quantum de retroversão que o agente realize na
estratégia de seu percurso, vale dizer, na
disponibilidade do estudioso para ponderar sobre o
conhecimento mesmo que se propõe construir.
Paulo de Barros Carvalho
O múltiplo é, naturalmente, mais complexo do que o não múltiplo, do que o único,
singular. Basta pensarmos nas contradições existentes nas duplicidades: bom e mal; céu e
inferno; Deus e o diabo; calor e frio; verdade e mentira; válido e não válido; licito e ilícito;
homem e mulher; claro e escuro, entre tantos outros. Talvez, possamos dizer que a
duplicidade permita a comparação, que habilita, constrói e conduz o referencial. Porque o
singular não possui seu inverso tão hábil e motivador como o duplo. É possível que a
chave do interesse esteja presente justamente pela existência de um hábil referencial.
Entendemos ser muito raso e simplório dotar as duplicidades de características tais
que, com uma simples análise, seja possível identificá-las ao longe. As relações, sejam elas
de que natureza forem (social, jurídica, emocional), não são ou são, simplesmente; elas
possuem um requinte maior e mais profundo.
Noutro giro, dizer que é verdade que Plutão não é um planeta, ou seja, negar que
Plutão seja um planeta requer uma pitada mais bem elaborada de linguagem, seja ela
científica ou informal. Afinal de contas, ele continua onde e como sempre esteve, até que a
comunidade científica resolvesse lhe atribuir outra nomenclatura. Assim, dizer que o bis in
idem é inconstitucional e a bitributação, regra geral, constitucional, é laborar sem
parâmetros científicos. É simplificar demasiadamente algo que requer notas mais bem
perquiridas.
Neste trabalho de pesquisa, debruçar-nos-emos sobre duas duplas que formam o
subsolo jurídico deste trabalho, que são representados pela (i) hipótese de incidência e base
de cálculo, e (ii) o bis in idem e a bitributação.
Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, fomos surpreendidos com a
descoberta que diz respeito ao fato de que as mais sólidas construções doutrinárias sobre o
tema base de cálculo foram empreendidas há uma, duas ou mesmo três décadas. Os
grandes mestres – Alfredo Augusto Becker, Geraldo Ataliba, Aires Barreto, Misabel de
13
Abreu Machado Derzi e Paulo de Barros Carvalho –, e aqui, quanto ao adjetivo
empregado, cremos haver consenso, permanecem presentes e pertinentes em toda e
qualquer obra que se refira a este assunto.
Desde então, o que se percebe é uma grande reprodução e aplicação destes
ensinamentos. Mas, quanto à inovação, criação e uma real continuidade destes trabalhos,
não há muito que ser dito. Talvez, uma reinvenção de algo, mas nada que mova o circuito
jurídico, como os grandes ainda movem. A base sólida e estrutural deste instituto foi
escrita há vários anos.
Pois bem. Findos os encontros acadêmicos, é chegado o momento de fazermos
nossa parte, através da apresentação deste trabalho. A partir deste momento,
empreendemos uma longa trajetória de seleções, do início ao fim. E, quanto maiores as
alternativas, mais difíceis as opções se apresentam. Pois bem. Escolhemos o tamanho de
nossa tela em branco. Imaginamos uma imagem. Optamos por cores. Elegemos os pincéis.
Separamos nosso cavalete. E selecionamos uma moldura. Pronto, todo o arcabouço foi
selecionado; agora, é hora de iniciar nossa pintura.
A moldura, o sistema do direito positivo. Nossa tela para pintura, o recorte
metodológico realizado no sistema eleito. Nossa imagem, o instituto da base de cálculo. As
cores, a linguagem da ciência jurídica falando sobre a linguagem do direito positivo, a
metalinguagem. Os pincéis, a lógica jurídica.
O tema nos move em razão de vários fatores, poderíamos citar, aqui, como riqueza
de suas consequências: a pouca percepção de nossos legisladores sobre como tratar a
necessidade de aumento da tributação, em razão do não conhecimento das nuanças das
espécies tributárias, o que ocasiona um emaranhando de tributos em descompasso com as
normas que lhe conferem fundamento de validade, desaguando em longas e caras
demandas judiciais.
E, em razão da ausência de parâmetros, seja em âmbito doutrinário ou
jurisprudencial, há enorme desordem e, consequentemente, ausência de ordem quando do
tratamento dos institutos que dizem sobre a dupla tributação, ou seja, o bis in idem e a
bitributação. Não localizamos um trabalho que se debruçasse sobre o tema, encontramos
menções curtas e esparsas sobre tais entes jurídicos.
14
Deste modo, além da doutrina tradicional e clássica, anteriormente mencionada,
laboramos sobre o substrato jurisprudencial existente, com o fito de estabelecer uma
normatização sobre o tema: suas espécies, suas características, o que deve ou não ser tido
como dupla tributação, quais notas dizem sobre a (in)constitucionalidade etc.
Ferramentas em mãos, procederemos à realização do trabalho em três distintas
partes, que chamaremos de seções: a primeira, denominada algumas reflexões; a segunda,
o plano comparativo; e a terceira: proposta de uma abordagem crítica através dos planos
semióticos.
Iniciamos com a abordagem e delineamento do que seja hipótese de incidência
tributária e base de cálculo, informações imprescindíveis e basilares à construção de todo o
trabalho.
Após, descrevemos os critérios materiais e quantitativos das espécies e subespécies
tributárias. A pretensão aqui, longe de dizer sobre cada uma das espécies, é de realçar a
materialidade e base de cálculo de cada uma. Noutras linhas, é deixar assente quais notas o
legislador constituinte primário utilizou para personalizar cada uma das exações
constitucionais. Sim, porque a cada imposição pertence uma série de características que a
distingue das demais, até mesmo, de suas subespécies. Por isto, há que se falar em
distinções.
Na segunda parte, construímos dois capítulos, no primeiro laboramos sobre a dupla
tributação: uma classificação jurídica amparada sobre os alicerces da lógica dos termos.
Com fundamento e auxílio na lógica, ciência que estuda os “métodos e princípios usados
para distinguir o raciocínio correto do incorreto”1, edificamos uma estrutura para
classificar a dupla tributação.
Para tanto, elegemos três fundamentos para dividir, os quais permitiram a
construção de 08 (oito) distintas espécies de classificação lógica, das quais 02 (duas) são
incompatíveis com as regras do sistema jurídico que dizem sobre a dupla tributação. Nesta
tônica, encontramos 06 (seis) diferentes espécies de dupla tributação. Para cada uma,
construímos a fundamentação teórica e, posteriormente, circunscrevemos um caso
empírico. Tudo com o intuito de construir uma ponte entre teoria e prática, visando superar
os obstáculos naturais e aclarar a compreensão do trabalho realizado.
1
COPI, Irving Marmer. Introdução à lógica. Tradução de Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978,
p. 19.
15
O capítulo seguinte, ainda pertencente à seção dois, descreve uma comparação
pormenorizada de todas as espécies e subespécies tributárias, umas em relação às outras,
sob a perspectiva da verificação de existência de integral identidade entre as notas das
bases de cálculo. Tendo como premissa primeira os dados prescritivos constantes da
Súmula Vinculante n. 29.
Encerrada esta, iniciamos a seção terceira e última deste trabalho com anotações
relativas à proposta de uma abordagem crítica através dos planos semióticos.
As decisões dos Tribunais Superiores buscam seu substrato linguístico,
primordialmente, no plano sintático. Situação que concluímos ser insuficiente, face ao
menosprezo do plano semântico e pragmático.
Deste modo, na última seção, faremos uma abordagem crítica das decisões
proferidas por estes Tribunais, na última década, que rompa com a supremacia do plano
sintático e adote como parâmetro o equilíbrio entre os três planos semióticos: sintático,
semântico e pragmático. Entendemos que, sob esta nova perspectiva, as decisões
primariam por uma análise e inferência sistematizada do direito positivo pátrio.
Ao apresentarmos os casos práticos, valer-nos-emos do sentido visual, utilizaremos
organogramas, para representar relações jurídicas postas em confronto. Acreditamos que os
dados visuais permitem melhor habilidade de retenção e facilitação nas abordagens.
16
SEÇÃO I – ALGUMAS REFLEXÕES
17
1 APONTAMENTOS INICIAIS
A diversidade das nossas opiniões não provém do
fato de uns serem mais racionais do que outros, mas
tão somente em razão de conduzirmos o nosso
pensamento por diferentes caminhos e não
considerarmos as mesmas coisas.
René Descartes
É possível desenvolver um trabalho científico, ou, pelo menos, que se assim se
proponha, sem que sejam estabelecidas premissas atinentes aos dados circundantes ao tema
central? Pensamos que não e, sem maiores dificuldades, acreditamos que não será fácil
encontrar vozes dissonantes.
Para isso, é precisar seguir um roteiro pré-estabelecido? Seguimos com a mesma
resposta, confiamos que não. Aqui, naturalmente, já não haverá tamanho consenso.
Pois bem. Mais uma indagação: podemos proceder ao estabelecimento das
premissas, de maneira breve, brevíssima e, se julgarmos necessário, abordá-las ao longo do
texto, para que possamos deixar espaço para outras reflexões? Ou mesmo, não deixar tais
espaços? É plausível que a discordância tenha aumentado à medida que expandimos as
linhas iniciais de nossas indagações, dantes mencionadas.
Valer-nos-emos notas pertinentes à Ciência do Direito e do direito positivo; de
alguns princípios constitucionais informadores da base de cálculo; da hipótese de
incidência, base de cálculo e alíquota; de dados da lógica dos termos, que permitem traçar
classificações alheias à falácia da divisão cruzada, ou seja, sem classes que se cruzem; da
regra-matriz de incidência tributária, grande contribuição de Paulo de Barros Carvalho,
com sua estrutura dividida em hipótese (critérios material, espacial e temporal) e
consequente (critério quantitativo: base de cálculo e alíquota, e critério pessoal: sujeito
ativo e sujeito passivo). E de algumas outras que se apresentarão ao longo do texto.
Mas, acima de tudo, nosso maior substrato será a linguagem, a linguagem falando
de si mesma. Noutro giro, a linguagem de sobrenível, a Ciência do Direito falando sobre o
direito positivo. Este o nosso subsolo, este nosso estrato.
18
1.1
Livre Arbítrio: temor ou liberdade?
Fizemos uma opção, mais uma vez, e sempre; as nossas escolhas determinando as
trajetórias que seguiremos. Neste trabalho, como em qualquer outro, os cortes e recortes
metodológicos eleitos e traçados impõem ritmo e direção à pesquisa, ao estudo e à redação.
O momento de optar por um aspecto do direito positivo, e sobre ele trilhar uma
pesquisa, causa uma dúbia sensação: o prazer pela possibilidade de uma ampla escolha e,
em contrapartida, o temor ocasionado por tamanha liberdade.
Pois bem. Traçado o objeto de estudo, neste caso a dupla tributação, e eleitas as
ferramentas necessárias ao desenvolvimento da pesquisa, o trabalho será por nós
conduzido e nos conduzirá. As premissas, podemos eleger todas; já, quanto às conclusões,
serão um resultado do apanhando ao longo do trabalho.
Para que permaneçamos firmes no propósito do labor científico, entendemos não
haver espaço para o direcionamento de possíveis conclusões, uma vez que elas deverão ser
a consequência lógica de um raciocínio estruturado. Aqui, não pode haver livre arbítrio.
Caso contrário, em algum momento se desconstruirá o raciocínio empreendido via
premissas lógico-jurídicas.
1.2
Entre a intenção do autor e o propósito do intérprete existe a intenção do texto
O título deste subitem foi tomado de empréstimo de Umberto Eco2, cujo trecho
também reproduziremos. Segue:
No decorrer de uma interação tão complexa assim entre meu
conhecimento e o conhecimento que atribuo a um autor desconhecido,
não estou especulando sobre as intenções do autor, mas sobre as
intenções do texto, ou sobre a intenção do autor-modelo que sou capaz de
reconhecer em termos de estratégia textual.
Aceitamos que o autor é o proprietário da redação de seu texto, pelo menos, quando
de sua produção. No entanto, assim como a brisa do mar, paulatina e lentamente entra nos
imóveis costeiros e corrói a mobília, o texto, a partir de determinado momento, que não
2
ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. Tradução MF, revisão da tradução e texto final
Mônica Stahel. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 81.
19
temos capacidade de dizer quando, assume pouco a pouco os contornos da redação, não a
corroendo, mas a orientando, a direcionando, assumindo a condução do trabalho.
Entendemos deste modo, mesmo a um trabalho que se propõe científico. E assim se
denomina – científico – porque, mais do que uma legítima pretensão de desejar se
enquadrar em um rol específico de produção jurídica, foi impelido pela necessidade de se
socorrer de sua já testada habilidade de evitar ambiguidades e vaguidades.
Noutro giro, é científico porque se baseia em leis lógicas? Ou é lógico porque se
baseia em leis científicas? Podemos responder da primeira ou da segunda maneira, a
depender do referencial eleito.
20
2 BASE DE CÁLCULO E A ALÍQUOTA NO SISTEMA CONSTITUCIONAL
TRIBUTÁRIO
Enveredar a senda da base de cálculo e da alíquota
pressupõe se desenevoem os antecedentes vitais ao
encontro da clareira ensolarada e da água que, no
regato, corre límpida.
Aires Barreto
2.1
Notas Introdutórias
Em sede de direito tributário, é comum nos depararmos com temas que possuam
distintos e conflitantes posicionamentos, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Isto
ocorre porque, em suma, não se alicerçam nas mesmas premissas do direito positivo,
consequentemente, suas conclusões são díspares, o que traz grande incerteza na condução
dos comportamentos jurídicos. Há ainda fundamentações que, apesar de partirem da
mesma perspectiva jurídica, chegam a resultados contrastantes.
Em meio a esse emaranhando, entendemos que um aspecto do instituto da base de
cálculo possua consenso3. Esta feição jurídica desprovida de divergência se traduz no
resultado do confronto oriundo do binômio: hipótese de incidência x base de cálculo. A
decorrência deste paralelo define, para a doutrina e a jurisprudência, a aferição das
espécies tributárias, eis a harmonia.
Alfredo Augusto Becker, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, construiu “uma
superlativa valorização dessa categoria jurídica, elevada à condição de único elemento
apropriado para exprimir o gênero do tributo” 4. No entanto, este autor critica respectivo
3
4
“Ostensiva vem sendo a evolução doutrinária sobre a base de cálculo. As obras de nível científico dão, a
cada instante, crescente prestígio às introspecções relativas ao tema, rendendo espaço a elogiáveis padrões
de aprofundamento teórico. Nas mais recentes obras de Direito Tributário encontramos a curiosidade
invulgar de autores europeus de grande influência, onde vemos essa entidade adquirir porte de
indiscutível significação para todo o estudo da matéria”. Ainda, “Estamos convictos no reconhecer à base
de cálculo toda a importância necessária a um fator imprescindível para a fisionomia de qualquer tributo.
Entretanto, não iremos ao limite de subtrair, com isso, à hipótese normativa, a enorme dimensão que
ocupa nos esquadros lógicos da regra-matriz”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito
tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 340-341).
Ibid, p. 340.
21
posicionamento, pois revela que tal afirmação diminui os demais componentes da norma
tributária, como se de menor importância fossem, o que entende indevido5.
Ao voltarmos nossa atenção para os elementos estruturais da regra-matriz de
incidência tributária (antecedente e consequente), percebemos que cada um de seus
critérios possui um papel muito claro e objetivo na compostura da norma jurídica. Neste
sentido, pensamos possível eleger um critério norteador em cada um dos elementos
estruturais, ou seja, uma nota que oriente a posição dos demais critérios. E este item
norteador de cada um dos elos da estrutura (um critério do antecedente e um do
consequente) constrói, juntamente com os demais, a espinha dorsal da norma jurídica de
incidência tributária.
Partindo deste pressuposto, analisaremos a importância da relação travada entre os
dois critérios (material e quantitativo), tidos como fundamentais à estrutura da norma
jurídica, essencial pelo fato de conduzirem diretamente todos os demais critérios, assim,
delimitando a construção de sentido da norma jurídica. Revelando a importância do
binômio constitucional6, Paulo de Barros Carvalho7 assinala que
Dois argumentos muito fortes recomendam a adoção desse critério: a)
trata-se de diretriz constitucional, firmada num momento em que o
legislador realizava o trabalho delicado de traçar a rígida discriminação
de competências tributárias, preocupadíssimo em preservar o princípio
maior da Federação e manter incólume a autonomia municipal; b) para
além disso, é algo simples e operativo, que permite o reconhecimento da
índole tributária, sem a necessidade de considerações retóricas e até
alheias ao assunto.
Para termos condições de pontuar as linhas que entrelaçam a hipótese de incidência
tributária à base de cálculo, torna-se imperativo trabalhar com maior precisão as
definições desses dois termos. É o que faremos.
5
6
7
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 340.
A expressão foi tomada como empréstimo do artigo de Paulo de Barros Carvalho, cujo valor segue: “Não
é por menos, aliás, que se atribui ao binômio constitucional ‘hipótese de incidência e base de cálculo’, a
propriedade definir a índole do tributo. E utilizei o adjetivo ‘constitucional’ para salientar o status desse
princípio de dualidade compositiva constando, como de fato consta, de preceito expresso da Lei
Suprema”. (Id. Base de cálculo como fato jurídico e a taxa de classificação de produtos vegetais. Revista
Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, out. 1998, p. 123).
“Finalizemos para dizer que, no direito brasileiro, o tipo tributário se acha integrado pela associação
lógica e harmônica da hipótese de incidência e da base de cálculo. O binômio, adequadamente
identificado, com revelar a natureza própria do tributo que investigamos, tem a excelsa virtude de nos
proteger da linguagem imprecisa do legislador”. (CARVALHO, 2007, op. cit., p. 29).
22
2.2
Hipótese de Incidência Tributária
Segundo as lições de Geraldo Ataliba8, fundadas na teoria geral do direito,
entendemos “hipótese de incidência tributária” como sendo a descrição hipotética e
abstrata do pressuposto normativo. Ao fazer sua opção, o legislador “pode arrecadar
inúmeros fatos e elementos de fato tirados do mundo pré-jurídico”9.
O legislador com o escopo de construir a hipótese de incidência, bem como a base de
cálculo, observa o fato-objeto e dele recolhe e estrutura seus enunciados prescritivos. No
entanto, este mesmo legislador realizará tal tarefa observando o fato-objeto sob pontos de
vistas distintos. Tal visualização não se apresenta como uma mera opção, uma vez que
hipótese de incidência e base de cálculo são critérios distintos, porém complementares de
uma mesma regra-mãe; esta diferença apresenta-se naturalmente na eleição das notas.
Assim, à hipótese de incidência cabe a responsabilidade de enunciar a materialidade
da RMIT, trazendo consigo as informações sobre tempo e espaço; quanto à base de
cálculo, sua empreitada é observar a materialidade contida na hipótese e dela extrair
elementos mínimos e suficientes à construção de uma expressão que, conjugada a outro
fator (alíquota), seja capaz de construir um valor que represente o montante de tributo
devido10.
O critério material da hipótese de incidência possui as perspectivas dimensíveis que
formam a base de cálculo. Nesta tônica, Aliomar Baleeiro11 relata que,
Por meio do aspecto material da hipótese ou da base de cálculo,
identifica-se a natureza jurídica de cada espécie (e de suas sub-espécies)
de tributo. Houve um longo caminho evolutivo, quer doutrinário, quer
jurisprudencial ou legal até que se chegou à separação e reconhecimento
daquelas notas ou predicados essenciais à configuração de cada espécie
8
9
10
11
O estudo de Geraldo Ataliba, cuja edição inicial data de 1973, traçou as distinções entre “a hipótese de
incidência do tributo e o fato material concretamente ocorrido em correspondência com o desenho
legalmente traçado”. Neste estudo, o autor diferencia a hipótese de incidência tributária (norma abstrata)
de fato imponível (norma concreta, ocorrida no tempo e no espaço). (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de
incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 13).
“Da perspectiva pré-jurídica, estes fatos compõem um todo complexo, integrado por diversos e variados
elementos. Juridicamente considerados, entretanto, são uma unidade, uma coisa só, uma categoria só, não
alterando esta sua feição, necessariamente unitária, a eventual multiplicidade de elementos do fato que
por ela é descrito”. (ibid., p. 65).
Nesse sentido, ver Paulo de Barros Carvalho. (Base de cálculo como fato jurídico e a taxa de classificação
de produtos vegetais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37,
out. 1998, p. 126).
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 510.
23
de tributo. Pôs-se de lado, definitivamente como irrelevantes para tal
finalidade, o nome dado pelo legislador ao tributo ou a destinação legal
do produto arrecadado, conforme estatui o art. 4º do Código Tributário
Nacional.
As consequências jurídicas oriundas da aplicação da hipótese de incidência tributária
afetam completamente a validade da instituição de suas normas. Por exemplo, quando
distintos entes federados instituírem tributos cujas hipóteses de incidência tributária sejam
semelhantes, respectiva situação permitirá que o Poder Judiciário seja provocado a declarar
a inconstitucionalidade da exação criada pelo membro da federação que a houver
constituído em desacordo com as normas constitucionais. Deste modo, o Ente Federado
que houver invadido a esfera de competência do outro deverá ter sua norma tributária
expurgada do sistema constitucional pátrio.
A ressalva a tal apontamento reside na Carta Política de 1988 que permitiu à União
Federal instituir “impostos”12 e “contribuições”13 sobre a mesma hipótese de incidência
tributária, a única exigência é que se refiram às hipóteses dos impostos federais, e não dos
impostos dos Estados e Municípios, sob pena de invasão de competência constitucional
tributária, o que suscitaria inconstitucionalidade.
No caso acima versado, dois tributos (imposto federal e contribuição) que possuam a
mesma hipótese de incidência podem ser considerados como exações idênticas, por
possuírem mesmo critério quantitativo (base de cálculo)? Ou seja, neste caso há que se
falar em analogia de bases de cálculo? O tema será abordado nas linhas que seguem.
2.3
2.3.1
Uma Perspectiva Geral da Base de Cálculo e da Alíquota
Da Base de Cálculo
Os cinco critérios da RMIT (regra-matriz de incidência tributária) formam o
complexo da norma padrão de incidência tributária. Cada qual, com suas inúmeras
particularidades, fornecem ao estudioso uma infinidade de objetos para análise. Com o
critério quantitativo, em seu subitem base de cálculo, não é diferente; existe uma
12
13
Artigos 153 e 154 da CF/88.
Artigo 149 da CF/88.
24
infinidade de discussões que partem do estudo deste instituto, que, conjugado à alíquota,
compõe os dois elementos integrantes de tal critério.
Compete a este critério informar aos sujeitos (ativo e passivo) da relação jurídicotributária o quantum será devido a título de tributo. A tarefa desempenhada por esse traço
dicotômico14 se apresenta como um dos fatores de maior relevância em matéria tributária.
Todas as discussões e, principalmente, a importância política e econômica impressa a cada
tema jurídico-tributário, discutida e rediscutida nos tribunais superiores, é maior ou menor
a depender da soma a ser arrecadada por cada tributo de nosso sistema.
Como relata Paulo de Barros Carvalho15, os conceitos são seletores de propriedades.
Com isso, nossa atenção se volta para o movimento de observação e seleção que o
legislador promove em determinado fato-objeto, para dele extrair notas relevantes e
suficientes para mensurar quantitativamente o fato-objeto eleito.
Neste movimento, naturalmente, alguns aspectos dessa situação (evento) não
participarão das notas escolhidas pelo legislador para compor a base de cálculo. Não é
crível imaginar que o legislador trará para o universo do direito positivo todas as
informações concernentes ao fato-objeto tido como fundamento da nova norma tributária.
Até porque de um mesmo objeto podem ser retiradas tantas e distintas informações a
depender do sujeito que o observa cuja percepção é (e sempre será) determinada pelo seu
contexto histórico-vivencial. Esta tarefa não apresenta condições para partir de um
parâmetro puramente científico, haja vista que é um ato realizado pelo homem, com todas
as nuances que a sociologia jurídica poderia auxiliar em sua compreensão.
Utilizaremos o octógono abaixo para representar um evento do mundo real, por
exemplo, uma operação de compra e venda internacional realizada entre um empresário
brasileiro, residente em Goiás, e um empresário chinês, residente em Wuhan (província
chinesa). Suponhamos que a transação comercial seja de painéis solares, cuja compra será
realizada pelo brasileiro. Pois bem, vejamos que uma única relação jurídica comercial
encadeará o pagamento de vários tributos, ou seja, de um mesmo evento (nosso octógono)
serão descritas distintas relações jurídico-tributárias. Ressalvando que o ora contribuinte
14
15
Expressão cunhada por Aires Barreto (Curso de direito tributário municipal. 1. ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 8).
CARVALHO, Paulo de Barros. Base de cálculo como fato jurídico e a taxa de classificação de produtos
vegetais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, out. 1998, p.
125.
25
brasileiro será sujeito passivo do Fisco Federal, Estadual e Municipal, cada qual com sua
parcela de competência impositiva exacional.
PIS/Cofins-Importação
Imposto de Importação
IRPJ
Queremos, com isto, demonstrar que as escolhas das notas do aspecto material, pelas
quais opta o legislador, serão responsáveis por traçar o contorno da base de cálculo16.
Complementa Aires Barreto:
Envolvendo a própria consistência da hipótese de incidência, haveria de o
aspecto material abrigar o caráter essencial dessa substância: a
possibilidade de mensuração, de transformação em uma expressão
numérica. É no seu aspecto material da hipótese de incidência que, por
seus atributos, encontramos a suscetibilidade de apreciação e
dimensionamento, com vista à estipulação do objeto da prestação. Aos
atributos dimensíveis do aspecto material da hipótese de incidência
designa-se base de cálculo.
Nesta seara, entendemos que o instituto da base de cálculo permite um número
indistinto de abordagens científico-jurídicas. Mas, neste momento, como em todo e
qualquer estudo, é imprescindível que se opte por um ponto de observação e análise, por
isso nosso estudo se deitará sob aspectos abstratos e pontuais da base de cálculo.
Como definição legal e conceptual, portanto, não ontológica17, desprovidas de
peculiaridade intrínsecas ao objeto (como todos os demais institutos jurídicos), a base de
cálculo, necessária e obrigatoriamente, deve retirar seus atributos da hipótese de incidência
tributária. Caso assim não aconteça, incorrerá o legislador infraconstitucional em
descumprimento de norma constitucional, o que permitirá a total invalidação da respectiva
exação.
16
17
BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad,
1998, p. 50.
“Doutrina do ser e das suas formas”. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução da 1ª
edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos novos textos
Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, s.v. ontologia).
26
Geraldo Ataliba, com maestria, relata as consequências que podem decorrer do ato
de recortar o fato-objeto. Assim, pontua o autor que pode: i) “abranger inteiramente as
perspectivas dimensíveis do fato objeto do conceito em que a h.i. se constitui”18; ii)
abranger apenas alguns aspectos presentes no “fato objeto do conceito”19; e iii) transfigurar
por completo as características jurídicas que possui20.
Posto isto, podemos informar que a base de cálculo é um signo cujas nuanças são
delineadas, primeiramente, pelo legislador constituinte, de modo breve e superficial, cujos
pormenores são tratados pelo constituinte derivado21 (competência legislativa). Essa
descrição legal revela qual(ais) elemento(s) da materialidade da exação representará(rão) o
objeto imediato apto a conceber quantitativamente as dimensões do dado tributável, ou
seja, retira suas possibilidades desse critério (material). Conhecida a nota22 abstrata, será
conjugada a outro componente, a alíquota, para, no plano da norma individual e concreta23,
obter o valor numérico pretendido24.
A expressão base de cálculo foi discutida e rediscutida pela principal doutrina
nacional, representando “‘fundamento para calcular’, ‘apoio para contar’, ‘estimar’ ou
‘avaliar’”25, “base de cálculo”26 pura e simplesmente.
Os
pormenores
dessa
descrição
legislativa
pautam-se
pelas
premissas
constitucionais estabelecidas para o instituto base de cálculo27, conjugadas às nuances
estabelecidas pela materialidade de cada tributo descrito na Constituição da República28.
18
19
20
21
22
23
24
25
26
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 110111.
Ibid., p. 111.
Ibid., loc. cit.
“Art. 146. Cabe à lei complementar: […] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação
tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes […]” (grifos nossos).
Aplicação jurídica, e não pré-jurídica.
“A base de cálculo nunca vem determinada no plano normativo. Lá teremos só uma referência abstrata –
o valor da operação, o valor venal do imóvel etc. É com a norma individual do ato administrativo do
lançamento que o agente público, aplicando a lei ao caso concreto, individualiza o valor, chegando a uma
quantia líquida e certa – a base de cálculo fáctica”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito
tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 348, grifos nossos).
“Consiste a base de cálculo na descrição legal de um padrão ou unidade de referência que possibilite a
quantificação da grandeza financeira do fato tributário. Espelha o critério abstrato uniforme e genérico de
mensuração das realidades que se pretende medir”. (BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e
princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 51). “Temos para nós que a base de cálculo
é a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a
dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se
à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.” (CARVALHO, op. cit., p. 342).
BARRETO, op. cit., p. 52.
“[…] inferimos ser plenamente apropriada a expressão base de cálculo”. (CARVALHO, op. cit., p. 349).
27
2.3.1.1
As Funções da Base de Cálculo
Em direito tributário, as funções da base de cálculo nos são ofertadas por Paulo de
Barros Carvalho, para quem respectivo critério quantitativo da regra-matriz de incidência
tributária possui três distintas funções, sendo elas: a) “medir as proporções reais do fato; b)
compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o
verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma”29.
A primeira função diz sobre a capacidade da base de cálculo de mensurar, “dentre
os múltiplos atributos valorativos que o fato exibe, aquele que servirá de suporte
mensurador do êxito descrito e sobre o qual atuará outro fator, nominado de alíquota”30.
A capacidade de compor a específica determinação da dívida, chamada de segunda
função da base de cálculo, representa o dado que deve ser acrescido à perspectiva
dimensível para “apontar que fator deve unir-se a ela para que apareça o quantum da
prestação que pode ser exigida pelo sujeito ativo”31.
Por último, a função comparativa, pois, uma vez que colocada em confronto com o
critério material da hipótese de incidência tributária, possuirá a capacidade de: (i)
confirmá-lo, isso ocorrerá quando “houver perfeita sintonia entre o padrão de medida e o
núcleo do fato dimensionado”32; (ii) infirmá-lo, “quando for manifesta a incompatibilidade
entre a grandeza eleita e o acontecimento que o legislador declara como a medula da
previsão fáctica”33; e (iii) afirmá-lo, “na eventualidade de ser obscura a formulação legal,
prevalecendo, então, como critério material de hipótese, a ação-tipo que está sendo
avaliada”34.
27
28
29
30
31
32
33
34
Relembrando que entendemos ter a Lei Maior pouco se referido sobre a base de cálculo, reservando tal
atributo ao legislador ordinário.
“O arsenal de opções de que dispõe o legislador ordinário para a escolha da base de cálculo, conquanto
vasto, não é ilimitado. Cumpre-lhe erigir critério dimensível consentâneo com o arquétipo desenhado pela
Excelsa Lei. Essa adequação é dela mesma extraível, antes e independentemente da existência da norma
legal criadora do tributo. As várias possibilidades de que dispõe o legislador ordinário para adoção da
base de cálculo já se contêm na Constituição”. (BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios
constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 52).
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 342.
Ibid., loc. cit.
Ibid., p. 344.
Ibid., p. 345.
Ibid., loc. cit.
Ibid., loc. cit.
28
2.3.2
Da Alíquota
Entendemos que, em razão de sua aparente simplicidade, a alíquota não tenha
merecido relevante atenção dos estudiosos do direito tributário. Honestamente, temos que
dar a mão à palmatória; inicialmente, também pensamos se tratar de algo pueril e
uniforme na doutrina e jurisprudência, ausente de questionamentos e curvas jurídicas.
Porém, para nossa grata surpresa, isso demonstrou ser uma inverdade, estímulo que aguçou
nossa curiosidade.
O elemento alíquota não pode mais ser retratado pela doutrina como um dado
simplório; se em algum momento isso representou a realidade do sistema jurídico positivo,
esse tempo já passou. A própria Constituição da República se refere à alíquota em mais de
10 (dez) distintas perspectivas35.
De modo preliminar, diremos que a alíquota pode ser entendida como o aspecto
que, conjugado à base de cálculo, compõe a dualidade presente no critério quantitativo da
regra-matriz de incidência tributária. O valor devido a título de tributo será alcançado após
o encontro dessas duas informações, que deverá lógica e necessariamente representar uma
expressão numérica36; esse será o objeto da prestação jurídica nascida da conversão do
evento em fato jurídico tributário.
Nosso estudo se pauta pelas premissas das ciências. Deste modo, entendemos
pertinente a abordagem terminológica do signo alíquota, com o intuito de conduzir uma
análise coerente, mas não apenas com a ciência jurídica (objeto principal), mas também
com as ciências das quais nos socorremos em vários momentos, seja para nos auxiliar com
suas ferramentas (lógica) ou mesmo para nos emprestar elementos e conceitos
imprescindíveis à condução do estudo do critério quantitativo da regra-matriz de
incidência.
35
36
As alíquotas enunciadas na Constituição da República: (1) alíquota mínima parametrizadora; (2) alíquota
mínima e mínima interna; (3) alíquota máxima e máxima interna; (4) alíquota do “Poder Executivo”; (5)
alíquota progressiva; (6) alíquota interestadual (diferencial de alíquota); (7) alíquota interna; (8) alíquota
uniforme; (9) alíquota diferenciada por produto; (10) alíquota em função do tipo e utilização do veículo
automotor; (11) alíquotas ad valorem e específicas para o ICMS combustíveis e lubrificantes; (12)
alíquota em razão da localização e utilização do imóvel; e, (13) alíquota para reduzir e restabelecer o
ICMS de combustíveis e lubrificantes.
Em detrimento da superada prescrição do art. 3º do CTN: “Tributo é toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nessa se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. (Grifo nosso).
29
Vale ressalvar que entendemos que a “exportação” de elementos de outras ciências
pela ciência jurídica não possui o condão de permitir que tal conceito seja juridicizado pelo
direito, sob pena de esvaziar sua estrutura e regramento. A riqueza da interdisciplinaridade
está em transportar e integrar unidades de uma ciência para a outra, sem desconstruí-la37.
Essa a nossa pretensão.
Etimologicamente38, alíquota significa “cota, percentual, porcentagem, taxa”39. O
sentido da palavra – naturalmente – conduziu muitos doutrinadores ao raciocínio de que a
alíquota seria, sempre e somente, uma parcela (percentual/cota) da base de cálculo.
Segundo a corrente doutrinária que adotamos40, divergimos de grande parte da doutrina e
da jurisprudência no tocante ao uso deste signo.
O esclarecimento inicial e necessário à introdução do tema – alíquota – reside no
fato de entendermos que o signo (originário das ciências exatas) não agrega todas as
nuances das espécies tributárias existentes em nosso sistema positivo41, como exemplo os
impostos e as taxas, pois tal situação nos conduziria a uma compreensão apenas parcial de
sua representação jurídica42.
Essa parcialidade pode ser facilmente percebida no fato de que nem sempre a
alíquota se apresentará expressa em percentual (“fração”), situação que poderá adotar a
feição numérica, assumindo o papel tradicionalmente ocupado pela base de cálculo.
37
38
39
40
41
42
“Não obstante, inclinamo-nos, decisivamente, por acolher entendimento de que a juridicização de dada
proposição se dá pelo acolhimento de todos os princípios a que se subordina e dos preceitos ou regras aos
quais se enlaça. […] Ora, recolhendo em si componentes de sistemas matemáticos, não pode prescindir da
aceitação de todas as regras, dos princípios enfim a que se subordinam. Logo, acolher expressões
indicativas de percentagem, ou unidades de sistemas de medida, importa o acolhimento, também, das
operações fundamentais e das regras que lhes dizem respeito”. (BARRETO, Aires. Base de cálculo,
alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 32).
“[…] vocábulo latino de primeira declinação, quer dizer parte, a parcela que se contém no todo um
número exato de vezes”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 352).
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss: sinônimos e antônimos. 2. ed. São
Paulo: Publifolha, 2008, p. 47.
“Os conceitos de alíquota têm sido formulados, ao que parece, apenas em átimos em que à mente acode a
espécie tributária imposto. A eiva de caracteres etimológicos também se faz presente a dificultar se
desenevoem, em definitivo, as funções desse fator auxiliar para a obtenção da dívida tributária. Demais
disso, sobremodo injusto se nos afigura relegá-la a plano secundário. […] A não ser obliquamente, não se
pode considerar que um número relativo (percentual) seja parte integrante de outro número absoluto”.
(BARRETO, Aires. Curso de direito tributário municipal. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 169-170).
Conforme informado, adotamos a corrente quinquipartite das espécies tributárias.
“A expressão alíquota pode ter duas acepções. A primeira delas, muito ampla e geral, significa a parte ou
cota-parte do sujeito passivo (renda ou capital), de que o pressuposto é fato-signo que a norma tributária
atribui ao sujeito ativo”. (DERZI, Misabel de Abreu Machado; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Do
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 287).
30
Abordando o tema, Aires Barreto43 relata que o signo alíquota “representa um
número que se contém noutro um número exato de vezes”, ou seja, “dois é uma parte
alíquota de oito”; porém, em matéria tributária não há essa adequação, como ocorre nas
ciências exatas. Por isso, informa este professor que melhor seria utilizarmos o signo
aliquanta, que revela o contrário, é “a parte que não está contida num todo um número
exato de vezes”, cinco não é parte aliquanta de oito.
Tal justificativa se explica porque as alíquotas, em matéria tributária, não são
pautadas em um mínimo de 0 e máximo de 100%. Deste modo, não é possível dizer que a
alíquota é um percentual cota/fração da base de cálculo44, uma vez que pode chegar a
150% para o IPI, por exemplo. Apesar de tal ressalva, seguiremos utilizando tal expressão
por ser a mais aceita semanticamente.
Caso a alíquota pudesse, realmente, ser compreendida como parte/fração, do
mesmo modo, deveríamos fazer valer a norma insculpida no artigo 3º do Diploma
Tributário, onde se lê que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir […]”. Se tal norma fosse validada pelo sistema
tributário, poderíamos conceber a utilização da alíquota como parte/fração/cota, mas não é
isso que ocorre.
Ainda embasada em Aires Barreto, precursor nos estudos da base de cálculo e
alíquota em matéria tributária, a alíquota nunca poderia ser tida como parte, porque a parte
não é o percentual expresso em lei (5%, 10%, por exemplo), mas, sim, o resultado obtido
pela multiplicação desse percentual pela base de cálculo eleita. Este resultado seria o que
mais se aproximaria do termo fração, parte ou cota. Ou seja, essas expressões poderiam
ser utilizadas quando da referência à norma individual e concreta, o que, ao final, se
confundiriam com o próprio montante do tributo a pagar.
Este ponto merece outra ressalva, relevante sob nossa perspectiva, pois, quando a
alíquota for expressa monetariamente, a base de cálculo representará um “percentual” da
materialidade, em uma nítida inversão de papéis. Neste momento, o binômio constitucional
padrão hipótese de incidência e base de cálculo deverá ser reconsiderado, posto que não
mais será essa dualidade a representativa e informadora da natureza jurídica do tributo,
43
44
BARRETO, Aires. Curso de direito tributário municipal. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 169.
“Vezes sem conta, as normas legais pátrias consignam critérios que importam atribuir ao Poder Público
quantias correspondentes ao todo (base imponível) ou a duas, três e mais vezes esse mesmo todo”. (Id.
Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 170).
31
mas, sim, a dupla hipótese de incidência e alíquota. É possível fazer tal afirmação. Para
fins meramente didáticos, nas situações que tal fato acontecer, abordaremos a alíquota
como se base de cálculo fosse45.
Função é “incumbência: atribuição, encargo, papel […], utilidade: emprego, uso,
serventia”46; será neste sentido que nos valeremos do signo função para descrever a
pertinência da alíquota em matéria tributária.
Um conceito (neste caso, a função) não se determina pela sua negação, ou seja, não
é dizendo o que um objeto não representa que o definiremos. Mas neste caso começaremos
pela negação. Melhor explicitando, confrontaremos a função da base de cálculo com a
função da alíquota para estabelecer, primeiramente, uma clara distinção entre ambos.
Assim, diferentemente da base de cálculo, a alíquota não é condicionada à hipótese
de incidência do tributo, vez que não revela notas da materialidade da exação, ou seja,
apesar de ser um dos elementos do critério quantitativo da norma de incidência, não aponta
os elementos da natureza jurídica das exações tributárias47. Resumindo, a alíquota não
possui a função de indicar a natureza jurídica do tributo, assim como o faz a base de
cálculo.
Seguindo este raciocínio podemos notar que, enquanto norma geral e abstrata, a
“base de cálculo x” e a “base de cálculo y” simbolizam díspares tributos; no entanto, a
“alíquota x” e a “alíquota y” não necessariamente informam exações distintas, mas, sim,
variações quantitativas (subitem: alíquota) de um mesmo tributo.
No tocante às funções da alíquota, julgamos pertinente, a título didático, dividi-las
em gerais e abstratas das individuais e concretas. Justifica-se tal ponderação, posto que se
modifica a perspectiva a depender da inexistência ou existência de relação jurídica: para a
primeira, não há ocorrência do fato jurídico; mas, para a segunda, o fato jurídico já
ocorreu.
45
46
47
Não enfrentaremos nestes estudos a distinção mencionada.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss: sinônimos e antônimos. 2. ed. São
Paulo: Publifolha, 2008, p. 424.
“A circunstância, portanto, de ser a base de cálculo aspecto quantitativo da norma tributária, assim como
a alíquota, não pode levar à conclusão que também a última se preste a distinguir e definir espécies
tributárias. Esse é erro que está a prejudicar a formulação científica dos conceitos jurídicos e aplicação
justa dos preceitos legais. Existe uma diferença radical com relação às funções de cada um desses
elementos. É que a alíquota não desempenha função tríplice, pois é indiferente à definição do tipo
tributário. Ela pode variar, em razão de diversas e múltiplas circunstâncias, que a espécie do tributo
permanecerá inalterada”. (DERZI, Misabel de Abreu Machado; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Do
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 287).
32
Assim, no que se refere às funções da alíquota para as normas gerais e abstratas,
primeiramente, há que se referir à parceria formada entre esta e a base de cálculo (em
abstrato), cuja composição, teoricamente, informa o quantum tributário.
Em âmbito de norma individual e concreta, estas são as funções da alíquota.
Seguem. A primeira função da alíquota é fornecer à relação jurídico-tributária, juntamente
com a base calculada, o valor pecuniário a título de crédito tributário do fisco ou, ainda,
crédito tributário do contribuinte (em caso de repetição de indébito).
A segunda função é permitir aos sujeitos da relação jurídica a aferição da correta
adequação do fundamento de validade da norma infraconstitucional à norma
constitucional, em respeito e observância às normas sistêmico-jurídicas.
A terceira função se justifica, posto que a alíquota é um excelente índice para se
aferir o respeito ou desrespeito ao princípio constitucional do não confisco.
2.4
A Base de Cálculo Distorcida Representa uma Desnaturação da Espécie
Tributária
A natureza jurídica dos tributos e seu consequente regime jurídico48 são
determinados pelo resultado do confronto da hipótese de incidência tributária à base de
cálculo.
Sob a perspectiva legislativa, num primeiro momento se escolhe a hipótese de
incidência49 com suporte nas linhas delineadas pela Constituição Federal, para
posteriormente designar quais de seus atributos serão utilizados como representativos da
base de cálculo. Tais acontecimentos enquadram-se no plano pré-jurídico, movimentação
que ainda não pertence ao direito posto. Percebe-se que, nesse percurso, a hipótese de
48
49
“[…] Tais regimes caracterizam-se por princípios e regras especiais, constitucionalmente estabelecidos”
e, “E estes regimes erigem-se sobre princípios constitucionais impostergáveis pela administração e pelo
próprio legislador. Daí a absoluta necessidade de sua estrita observância. De outro lado, esses regimes
próprios, específicos e exclusivos constituem um esquema balizador da tributação, que engendra direitos
públicos subjetivos dos contribuintes, que não podem ser, pelo legislador e pelo administrador, ignorados,
diminuídos, modificados, alterados, comprimidos ou deformados.” (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de
incidência tributária. 6. ed. 3. tir. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 124).
“Enquanto categoria jurídica, a hipótese de incidência é uma e indivisível. Trata-se de ente lógico-jurídico
unitário e incindível. O legislador ao erigi-la, pode arrecadar inúmeros fatos e elementos de fato tirados
do mundo pré-jurídico. Da perspectiva pré-jurídica, estes fatos compõem um todo complexo, integrado
por diversos e variados elementos. Juridicamente considerados, entretanto, são uma unidade, uma coisa
só, uma categoria só, não alterando esta sua feição, necessariamente unitária, a eventual multiplicidade de
elementos do fato que por ela é descrito”. (Ibid., p. 65).
33
incidência imprime os dados que serão afetos à base de cálculo, este é um elemento
derivado daquele, enquanto análise pré-jurídica, reiteramos.
Os traços enunciativos eleitos pelo legislador, tanto na hipótese (materialidade),
quanto no consequente (base de cálculo), devem apresentar recortes de uma mesma
situação fática.
Se perceptível a ocorrência de discrepância entre tais cortes, sendo necessário que se
confirme, infirme ou afirme50 as notas constantes no critério material, a ordem lógica
inverte-se, constituindo um novo fenômeno jurídico tributário. Ou seja, agora, quem
imprimirá o tom da constitucionalidade não mais será a hipótese de incidência, mas, sim, a
base de cálculo. Verificamos uma nítida inversão no fundamento de validade desta
premissa que atua como critério classificatório das espécies tributárias.
Paulo de Barros Carvalho51 ensina que,
[…] havendo distorções entre a hipótese de incidência e a base de
cálculo, esta última deve prevalecer, em face de hospedar aspectos
estruturais do fato previsto no antecedente da norma, ao passo que o
suposto apenas a ele se refere, muitas vezes até de maneira obscura e
imprecisa.
50
51
Função comparativa da base de cálculo, construção de Paulo de Barros Carvalho.
CARVALHO, Paulo de Barros. Base de cálculo como fato jurídico e a taxa de classificação de produtos
vegetais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, out. 1998, p.
124.
34
3 DESCRIÇÃO MATERIAL E QUANTITATIVA DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS
A ciência, por causa do seu método e dos seus
conceitos, concebeu um projeto de um universo no
qual a dominação sobre a natureza ficou ligada à
dominação sobre o homem.
Marcuse
A descrição dos traços informadores das espécies tributárias é elemento
imprescindível para que possamos, a posteriori, trabalhar o confronto de suas bases de
cálculo, espécie com espécie. Como nosso ponto central de interesse se concentra no
binômio constitucional hipótese de incidência/base de cálculo, não retrataremos aspectos
outros, como: seus critérios temporais, espaciais, pessoais e, no critério quantitativo, o
subitem alíquota.
Salientamos que não entraremos no embate sobre a classificação dos tributos52 no
sistema constitucional pátrio. Para tanto, valoremo-nos da classificação quinquipartite das
espécies tributárias, ou seja: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições e
empréstimo compulsório, confrontando umas às outras.
Para melhor acompanhamento da metodologia de estudo eleita, relatamos duas
premissas que informarão todo o trabalho que segue. A primeira, que, a cada simulação de
identidade de bases de cálculo, tomaremos uma das exações como elemento referencial
para a outra. Noutro giro, quando analisarmos a possibilidade de o tributo A possuir
identidade de base de cálculo com o tributo B, focaremos nossa atenção em A; após, a
comparação se inverte, e isso ocorrerá em todos os casos.
Segunda, nosso confronto apontará possibilidades de identidades entre bases de
cálculo, e, conforme já relatamos linhas atrás, concluímos que esta somente ocorre quando
há perfeita subsunção de uma base a outra. No entanto, entendemos que – abstratamente –
52
“Tributo é o objeto da prestação jurídica que satisfaz o dever jurídico tributário. Recorde-se: realizando-se
a hipótese de incidência, sobre ela incide a regra jurídica de tributação. Desta incidência irradia-se a
relação jurídica tributária em cujo pólo negativo situa-se o sujeito passivo (contribuinte legal) que a
relação vincula ao sujeito ativo situado no pólo positivo (Estado). O conteúdo desta relação jurídica é, no
pólo positivo: direito, à prestação, pretensão em obtê-la, coação para efetivá-la; no pólo negativo, os
correlativos: dever, obrigação, sujeição. A relação jurídica se realiza (extingue-se) o qual, lógica e
necessariamente, tem um objeto: aquilo que está (ou não está) sendo feito. O tributo é o objeto da
prestação jurídica que realiza a relação jurídica tributária.” (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do
direito tributário. São Paulo: Noeses, 2007, p. 391 et seq.).
35
não é possível afirmar se há ou não similitude de critérios quantitativos, por isso as
comparações que se seguirão possuem o condão de apresentar elementos que permitam ao
intérprete, no caso concreto, avaliar a existência ou não de identidade. Por esse motivo,
levantaremos informações indispensáveis a essa análise.
3.1
Impostos
A análise de possível identidade53 envolvendo o tributo da espécie imposto requer,
antes, o conhecimento prévio de suas subespécies54 na Constituição Federal. Isso porque,
para o estudo que empreenderemos, a simples menção a imposto pode gerar
inconsistências, uma vez que pode ser subdividido em algumas subespécies.
Essa necessidade surge pelo fato de que a Carta Republicana de 1988 prescreve, ao
longo do Capítulo da Tributação e do Orçamento, não apenas a existência de impostos de
competência dos entes federados (cada qual em um artigo distinto). Mas, também, revela a
possibilidade de instituição de impostos residuais, ou seja, não previstos na CF/88 (desde
que respeitados alguns limites por ela determinados), bem como a possibilidade de criação
de impostos ditos extraordinários, instituídos em razão de guerra externa ou sua iminência.
Posto este esclarecimento inicial, ao confrontarmos as bases de cálculo dos
impostos, referir-nos-emos aos: (a) residuais; (b) extraordinários; e (c) nominados,
nomenclatura que utilizaremos para os impostos de competência original da União Federal,
dos Estados e dos Municípios.
53
54
“Haverá identidade quando o adjunto adnominal do critério de mensuração for ínsito ao aspecto material
de outro imposto. Assim, por exemplo, se, relativamente, a imposto sobre a propriedade (esse adjunto
adnominal) for o valor da renda ter-se-á criado tributo sobre a renda, porque o valor da renda é ínsito ao
critério material deste imposto (e incompatível com o do imposto sobre a propriedade). Nesse caso,
teremos inconstitucionalidade por invasão de competência. Se o critério dimensível fosse imanente a
outro imposto do mesmo ente político constitucional, ocorreria o bis in idem. Este, consoante discorremos
em item específico, poderá ser, ou não, inconstitucional”. (BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e
princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 119).
“Das várias classificações de impostos que se conhecem (diretos e indiretos, pessoais e reais, que
repercutem e que não repercutem etc.) – a maioria boa apenas para a Ciência das Finanças e para a
Economia –, a mais útil, para os estudiosos do Direito Brasileiro, é a que a própria CF nos oferece, em
seus arts. 153, 155 e 156, que discriminam, respectivamente, as competências impositivas da União, dos
Estados e dos Municípios (o Distrito Federal, em seu território, tem competência para criar os impostos
que a Constituição outorgou aos Estados e aos Municípios).” (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de
direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57/2008. São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 533-534).
36
3.1.1
Impostos Residuais
À União Federal, ente federativo, mediante lei complementar55, foi autorizada a
possibilidade de inovar o sistema jurídico tributário criando novos impostos, art. 154, I, da
CF/8856, conhecidos como impostos residuais.
Entretanto, a observância de algumas condições é inarredável, ou seja, requer: (1)
sejam impostos que não pertençam a sua esfera de competência (da União); (2) não
possuam incidência cumulativa; (3) não tenham fato gerador de impostos já listados na
CF/88; e também57, (4) que não possuam base de cálculo de impostos discriminados na
CF/88.
Com anotação peculiar, Paulo de Barros Carvalho58 ensina que
[…] a autorização delimita apenas o ponto de partida: impostos não
previstos no artigo anterior. A contar daí, a área a ser explorada pela
entidade tributante fica indeterminada, expandindo-se até onde puder ir o
talento criativo do seu legislador. […] não sobeja repisar que tais
limitações têm por destinatário o legislador infraconstitucional,
encontrando-se fora de sua abrangência o poder constituinte derivado.
Outro ponto imprescindível é o respeito ao princípio constitucional da capacidade
contributiva, indispensável à instituição e validação de cobrança dos impostos. Noutro
giro, deverá o imposto residual revelar notas de capacidade econômica dos contribuintes
que pretende colocar na posição de sujeito passivo da relação jurídico-tributária59.
Utilizando-nos dos instrumentos fornecidos pela Semiótica do Direito, através dos
eixos de organização da linguagem: paradigma e sintagma do Direito Positivo, entendemos
55
56
57
58
59
“Não é possível no plano jurisprudencial e doutrinário ignorar a diferenciação entre lei complementar de
normas gerais e lei complementar para a instituição de tributos. O art. 146, III da Constituição, invocado
pela parte-agravante, refere-se ao campo reservado às normas gerais em matéria tributária”. Ag. Reg no
RE 351.332 de SP, sob relatoria do Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe n. 96, Divulgação 27/05/201.
“A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior,
desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos
discriminados nesta Constituição”.
“Para efeito de demarcação do espaço jurídico de competência residual, entretanto, o binômio hipótese de
incidência/base de cálculo aparece como pressuposto indeclinável, não podendo a nova exação utilizar
qualquer das hipóteses ou bases de cálculo arroladas para a competência dos estados, dos Municípios ou
do Distrito Federal. Respeitando esses limites e empregado o instrumento próprio – lei complementar –, a
União poderá criar o imposto que bem lhe aprouver”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário,
linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 245).
Ibid., 2011, p. 244.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 652.
37
que a competência residual é ofertada ao legislador ordinário mediante uma operação de
seleção.
Clarice Von Oertzen de Araujo60, em termos semióticos, define respectivo
momento da seguinte forma:
Este será um momento de grande liberdade do legislador (em sentido
amplo: o editor normativo), pois ele poderá escolher quaisquer fatos
sociais para imputar à sua ocorrência o nascimento de relações jurídicas.
[…] A liberdade do editor normativo nas operações de seleção dos fatos
sociais cuja descrição normativa fará constar na hipótese das normas
jurídicas, entretanto, não é absoluta. A limitação foi imposta pelo Poder
Constituinte Originário, que, na Constituição Federal de 1988, proibiu, no
artigo 60, parágrafo 4º, as propostas de emendas constitucionais que
tencionem abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto,
universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias
individuais. No eixo sintagmático teremos o “domínio da sintaxe”.
3.1.2
Impostos Extraordinários
A exceção61 à regra geral da inconstitucionalidade na bitributação62 reside no artigo
154, II, da Constituição Federal de 198863. Nesse caso, estabeleceu-se uma restrição à
competência constitucional tributária exclusiva dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. Assim, consoante a reserva prescrita para os casos que especifica, a União
Federal poderá instituir impostos “compreendidos ou não em sua competência tributária, os
quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação”.
60
61
62
63
ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 29-30.
“Tenho para mim que a privatividade é insustentável levando em conta disposição expressa da Lei das
Leis que, bem ou mal, é o padrão empírico para a emissão de proposições descritivas sobre o direito
posto. A União está credenciada a legislar sobre seus impostos e, na iminência ou no caso de guerra
externa, sobre impostos ditos ‘extraordinários’, compreendidos ou não em sua competência tributária,
consoante o que prescreve o art. 154, II. Dir-se-á que se trata de exceção, mas é o que basta para derrubar
proposição afirmativa colocada em termos universais, de tal sorte que impostos privativos, no Brasil,
somente os outorgados à União. A privatividade fica reduzida, assim, à faixa de competência do Poder
Público Federal”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 233).
Satisfeito o pressuposto, o legislador federal poderá editar normas jurídicas que venham a instituir
impostos, dentro ou fora de seu âmbito de competência, isto é, poderá servir-se daquelas exações que
foram concedidas, inicialmente, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, o que caracterizaria
hipótese de bitributação constitucionalmente autorizada; como também de sua própria competência,
resultando na constitucionalidade de específicas situações de ‘bis in idem’. (Id. Direito tributário,
linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 246).
“Art. 154. A União poderá instituir:
[…]
II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua
competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.”
(grifo nosso).
38
Conclui o Professor Emérito da USP e da PUC-SP que,
Em decorrência, justamente, deste enunciado, a privatividade,
característica atribuída pela doutrina tradicional às competências
legislativas, não se sustenta. Autorizada a União a legislar sobre
competências de outros entes políticos, confere-se-lhe aptidão legislativa
concorrente aos Estados, Distrito e Municípios. Daí dizer-se privativos,
no Brasil, somente os impostos outorgados à União. Em outros termos, a
privatividade fica reduzida tão só à faixa de competência do Poder
Público Federal.64
Esta possibilidade, extraordinária, se justifica mediante o enfrentamento de
situações de guerra externa, ou sua iminência, apenas65; caso em que poderá a União
Federal instituir imposto que guarde, em seu critério mensurador, perfeita identidade com
qualquer outro imposto descrito na Carta Maior.
De tal modo, quando e se ocorrer de a União Federal criar um imposto
extraordinário com suporte na ocorrência de uma guerra externa (por exemplo), cuja
materialidade seja a operação relativa à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, não haverá que se
questionar a constitucionalidade do critério material, muito menos do critério quantitativo
(base de cálculo), ou seja, nesse caso o bis in idem será constitucional. Posto isso, podemos
falar em identidade de bases de cálculo, ou seja, a instituição de tal imposto possuirá
fundamento66 de validade na Lei das Leis67.
3.1.3
Impostos Nominados
Denominamos por impostos nominados as exações delimitadas pela Carta Política
de 1998, quanto à materialidade e quanto ao ente competente para instituir, fiscalizar e
64
65
66
67
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 245.
Carrazza sustenta a impropriedade das medidas provisórias para a edição dos impostos extraordinários,
alegando ser “[…] razoável sustentar que, na vigência do estado de sítio, decretado com fundamento no
art. 137, II (declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira), da CF, poderão ser
tomadas medidas que levem a exigir, das pessoas, ‘impostos extraordinários’.” (CARRAZZA, Roque
Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda
Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 300).
“Causa ou razão de ser. Esta é uma das significações principais do termo ‘causa’, graças à qual a
explicação e justificação racional da coisa da qual é causa”. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e
tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 553).
Expressão cunhada por Paulo de Barros Carvalho. (Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 233).
39
arrecadar o tributo68. Sob essa perspectiva, podemos classificar os impostos em: “sobre a
importação, sobre a exportação, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, sobre a
propriedade territorial urbana, sobre doações, sobre operações mercantis, sobre serviços de
qualquer natureza etc.”.69
Se o imposto possuir base de cálculo de outro imposto, cujos entes políticos de
direito público interno sejam distintos, ocorrerá inconstitucionalidade por invasão de
competência (desrespeito ao princípio do pacto federativo), uma vez que a hipótese de
incidência tributária eleita é a mesma. Nesse caso, um dos dois entes tributantes
impreterivelmente terá invadido campo de atuação tributária exclusiva70.
Não há como ocorrer “coincidência” na eleição de hipóteses de incidência, uma vez
que nossa Carta Política de 198871 foi taxativa e radical72, delimitando quais impostos73
poderiam ser instituídos por cada um dos membros federados.
As competências tributárias exclusivas dos Estados e dos Municípios não podem
ser tomadas reciprocamente, ou pela própria União Federal, sob pena de ser declarado
inconstitucional o tributo criado. A exceção foi abordada linhas acima, item (ii).
Caso o imposto possua base de cálculo de outro imposto cuja competência seja do
mesmo ente tributante, a análise da (in)constitucionalidade precisará averiguar outros
68
69
70
71
72
73
Ressalvamos que a fiscalização e a arrecadação podem ser delegadas a terceiro, como no caso do ITR; já
a instituição é indelegável.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 535.
Fundado nas lições de Amílcar de Araújo Falcão, Roque Antônio Carrazza e Paulo de Barros Carvalho,
Tácio Lacerda Gama afirma que “[…] inexiste consenso quanto ao atributo de privatividade das
competências legislativas, em virtude das circunstâncias excepcionais que autorizam a criação de
impostos extraordinários. Todavia, não há dúvida quanto à concorrência entre diversos sujeitos
competentes para editar normas relativas à mesma matéria no plano infralegal.” (GAMA, Tácio Lacerda.
Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p.
269. Ainda, “A diferença que se faz entre competência exclusiva e competência privativa é que aquela é
indelegável e esta é delegável. Então, quando se quer atribuir competência própria a uma entidade ou a
um órgão com possibilidade de delegação de tudo ou de parte, declara-se que compete privativamente a
ele a matéria indicada.” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 482). E, “Competência privativa é diferente de competência exclusiva.
Designa-se privativa a competência passível de delegação. Quando vedada esta, a competência é
exclusiva.” (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 1002).
Competência tributária privativa dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, artigos. 155 e 156 da
Carta Política de 1988.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, item
85.4, p. 201 e item 85.6, p. 202.
A afirmação sobre a espécie “imposto” se deve ao fato de que apenas nessa espécie ocorre a delimitação
de competências constitucionais tributárias.
40
aspectos dessa relação74. Por exemplo, não ultrapassado o valor máximo da alíquota
estipulada por lei, teremos um adicional de imposto, e, não haverá que se falar em
inconstitucionalidade. Em sentido contrário, o segundo tributo estará em desacordo com a
norma, portanto, inconstitucional.
Ainda no mesmo confronto, entendemos que há mais um limite a ser estabelecido.
Para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, atualmente75, não há possibilidade de
instituição de imposto cuja base de cálculo possua perfeita consonância76 com outro
imposto do mesmo ente, simplesmente porque todos os impostos de competência desses
membros federados já foram expressamente descritos na Constituição Federal77,
inexistindo permissibilidade jurídico-constitucional de um deles “criar” novo imposto. Por
isso, não é pertinente que nos depararemos com uma identidade desses critérios
mensuradores.
3.2
Taxas
Axioma de nosso sistema jurídico, a Carta Política de 1988 estabeleceu limites à
normatização tributária das condutas sociais, através do arcabouço material prescrito na
CF/88. Estas fronteiras devem ser observadas e, principalmente, respeitadas pelo legislador
ordinário.
Em seu estudo sobre a classificação constitucional dos tributos, Márcio Severo
Marques78 relata que
[…] o aspecto material da hipótese tributária que veicula as taxas é
determinado
pela
análise
da
competência
administrativa
constitucionalmente estabelecida para atividade concernente ao exercício
do poder de polícia ou à prestação de serviços púbicos correspondente ao
gravame. E isto porque tal competência administrativa é fixada, dentre
outros critérios constitucionais, por matéria, visando o exercício de
funções específicas atribuídas aos distintos entes políticos que
conformam a federação.
74
75
76
77
78
Lembra-se de que nosso recorte se limita ao critério quantitativo; nesse ponto, não analisaremos a
materialidade dos impostos.
De acordo com as normas prescritas em nossa Constituição Federal.
Ou mesmo semelhança.
Artigos 155 e 156.
MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000,
p. 169.
41
A determinação da competência da pessoa política de direito público interno para
tributar por meio do exercício do poder de polícia e da prestação serviços públicos
específicos e divisíveis, é ditado pela competência administrativa para realizá-los79. Em
outras linhas, este determina a competência daquele.
A outorga administrativa para realizar tais atribuições foi distribuída pela Carta
Republicana entre todos os entes federados, através dos artigos 21 (União Federal), 25
(Estados), 29 e 30 (Municípios) e 32 (Distrito Federal). Afere-se que a instituição das taxas
reclama a existência de outra competência, denominada administrativa, que se dirige a
cada um dos entes em particular.
Roque Carrazza80 faz uma importante menção, no que toca à competência
administrativa dos Estados. Segue:
[…] nos tributos vinculados, a competência residual pertence aos Estados
e ao Distrito Federal, uma vez que eles é que, em matéria administrativa,
podem fazer tudo o que não foi, neste setor, expressamente deferido pela
Carta Fundamental à União e aos Municípios.
Posto isto, verificamos seu embasamento prescrito no artigo 25, § 1º c/c o artigo 32,
§ 1º, ambos, da Carta Política de 1988.
Luiz Alberto Pereira Filho81, quando tece comentário sobre a possibilidade de o
fato descrito na hipótese normativa ser insuficiente para identificar o tipo tributário,
conclui que,
Como a base de cálculo da taxa deve espelhar, necessariamente, o efetivo
custo que teve o ente que realizou a atuação pública, a receita obtida com
o pagamento da taxa tem uma única finalidade: o ressarcimento do ente
público pelo gasto efetuado com a prestação do serviço público, ou com o
exercício do poder de polícia.
79
80
81
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 657.
“Ora, como a competência administrativa é o pressuposto da competência para criar tributos vinculados,
temos que os Estados-membros e o Distrito Federal – justamente por terem competência administrativa
residual – possuem competência residual para criar taxas (de polícia e de serviço) e contribuição de
melhoria”. (Ibid., p. 660-661).
PEREIRA FILHO, Luiz Alberto. As taxas no sistema tributário brasileiro. Curitiba: Juruá, 2003, p. 44.
42
3.2.1
Taxa cobrada em razão da prestação de serviço público, específico e divisível,
efetivamente utilizado ou colocado à disposição do contribuinte
Esta taxa82 pode ser instituída por qualquer ente da federação e deve ser exigida em
contraprestação a uma ação estatal. Ressalvando que a atividade a ser tributada não é de
livre escolha do ente (União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios), deve ser
respeitada a competência administrativa descrita na Carta Política83.
3.2.2
Taxa cobrada pelo exercício do poder de polícia
A taxa exercida em razão do poder de polícia, cuja competência foi atribuída a
todos os entes políticos de direito interno, diferentemente da subespécie anterior (taxa pela
prestação de serviço público), demanda a efetiva concreção do ato-produto exarado pelo
órgão responsável para executar o poder de polícia84, cuja retratação, elaborada por
Geraldo Ataliba85, configura-se
[…] numa série de atos jurídicos e materiais. Ou seja: explicita-se em
atos de agentes públicos. Estes desempenham exames, vistorias, perícias,
verificações, averiguações, avaliações, cálculos, estimativas, confrontos e
outros trabalhos, como condição de preparo do ato propriamente de
polícia, consistente em autorizar, licenciar, homologar, autorizar, permitir
ou negar, denegar, proibir etc.
82
83
84
85
Adotamos a classificação de Luiz Alberto Pereira Filho, para quem “as taxas têm três critérios materiais:
i) pôr o serviço público, específico e divisível à disposição do contribuinte; ii) utilizar serviço público,
específico e divisível; e iii) exercer o poder de polícia”. (PEREIRA FILHO, Luiz Alberto. As taxas no
sistema tributário brasileiro. Curitiba: Juruá, 2003, p. 170). No entanto, ressalvamos que neste estudo,
para a finalidade a que nos propusemos, não diferenciaremos o confronto da base de cálculo da taxa no
primeiro e no segundo itens apontados. Por isso, mencionaremos os dois em conjunto, como se de uma
espécie se tratasse.
Ver Márcio Severo Marques (Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000,
p. 169).
“Em se tratando de taxas de polícia, interessa é o ato concreto e específico do órgão competente para a
execução da atividade de polícia, efetivado com o intuito de obstaculizar o pleno desempenho da
atividade do particular que vá de encontro aos fins públicos. Evidente que, se o poder de polícia deve ser
efetivamente exercido, é porque o que é relevante é o ato concreto do órgão administrativo”. (PEREIRA
FILHO, Luiz Alberto. As taxas no sistema tributário brasileiro. Curitiba: Juruá, 2003, p. 99).
ATALIBA, Geraldo. Considerações em torno da teoria jurídica da taxa. Revista de Direito Público, São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 09, jul./set. 1969, p. 488-489.
43
3.3
Contribuição de Melhoria
Vale ressalvar que os requisitos necessários à sua criação ou aumento não podem
ser confundidos com a presumível materialidade. Motivos autorizadores à instituição86 e
hipótese de incidência tributária são fatores completamente distintos87. Melhor elucidando,
os primeiros não integram a regra-matriz de incidência tributária desta exação.
As prescrições positivas inaugurais, CF/88 e CTN88, em síntese, informam que o
tributo pode ser instituído pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos
Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições89, decorrente de obra pública.
Antes de retratarmos as minudências deste tributo, repetimos o entendimento de
Roque Carrazza90, já registrado nas taxas, mas que também se aplica a esta exação, cujo
teor revela que nos tributos vinculados, como o é a contribuição de melhoria, a
competência administrativa dos Estados é aferida por exclusão, ou seja, tudo o que não foi
outorgado à União e aos Municípios, compete aos Estados. Verificamos, com isso, uma
subespécie de contribuição de melhoria residual91.
Quanto às peculiaridades constitucionais que norteiam esta exação, vejamos, nas
palavras de Paulo Ayres Barreto92, quais são elas:
Os requisitos para a instituição válida de contribuição de melhoria são (i)
obra pública e (ii) valorização imobiliária. O conectivo lógico é o
conjuntor. Não é suficiente que se tenha obra pública. A sua realização é
condição necessária, porém não suficiente, para a exigência do tributo
contribuição de melhoria.
86
87
88
89
90
91
92
“Parece-nos que tais circunstâncias – que autorizam a instituição de tributo – não compõem,
efetivamente, a norma tributária que veicula o empréstimo compulsório, porque antecedem a sua própria
criação, pelo legislador infraconstitucional. Dizem respeito a eventos que devem se suceder em fase
anterior à da existência da própria norma tributária”. (MARQUES, Márcio Severo. Classificação
constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 187).
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 573.
Geraldo Ataliba critica a definição trazida pelo CTN quando aponta que fará “face ao custo da obra
pública”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 171).
Este apontamento foi mencionado quando nos referimos às taxas, mas, como a outorga administrativa é a
mesma, pensamos conveniente repetir, mesmo que em nota de rodapé. Assim, atribuições foram
distribuídas pela Carta Republicana entre todos os entes federados, da seguinte forma: através do artigo
21 (União Federal), artigo 25 (Estados), artigos 29 e 30 (Municípios) e artigo 32 (Distrito Federal).
CARRAZZA, op. cit., p. 660-661.
Verificar art. 25, § 1º c/c o art. 32, § 1º, ambos, da Carta Política de 1988.
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,
2006, p. 67.
44
O tributo somente pode ser exigido em decorrência da realização de obra pública,
que suscite valorização imobiliária93 ao suposto contribuinte94. Os dois requisitos (obra
pública e valorização imobiliária95) são indispensáveis à válida instituição da exação.
A valorização é considerada por alguns autores como fator intermediário; por este
motivo, a contribuição de melhoria é considerada um tributo indiretamente vinculado a
uma atuação do estado96, sendo imprescindível que exista uma relação causal entre
valorização e obra pública. Geraldo Ataliba97 classifica as contribuições de melhoria como
contribuições especiais, em razão do particular benefício que gera a um grupo de pessoas,
beneficiadas com a obra pública realizada pelo Estado.
É válido mencionar que o produto da arrecadação da contribuição de melhoria não
está, constitucionalmente, vinculado ao custeio da obra pública que lhe deu causa, uma vez
que esta despesa já foi paga com outros recursos públicos. Mesmo porque, tal imposição
tributária somente pode ser exigida uma única vez e após o término da obra. Neste sentido,
Roque Antônio Carrazza: “só depois de pronta a obra pública e verificada a existência da
valorização imobiliária que ela provocou é que se torna admissível a tributação por via de
contribuição de melhoria”.98
93
94
95
96
97
98
“Este Supremo Tribunal assentou que a valorização do imóvel é imprescindível à existência do fato
gerador da contribuição de melhoria, na vigência da atual Constituição e da anterior”. AI 750117 – Rio
Grande do Sul. Agravo de Instrumento. Relatora: Min. Carmen Lúcia. Julgamento realizado em
07.04.2011.
Se da realização de obra pública não resultar valorização imobiliária para o contribuinte, não há que se
falar na instituição e consequente cobrança da contribuição de melhoria. “Contribuição de melhoria.
Recapeamento de via pública já asfaltada, sem configurar a valorização de imóvel, que continua a ser
requisito ínsito para a instituição do tributo, mesmo sob a égide da redação dada, pela Emenda n. 23, ao
art. 18, II, da Constituição de 1967”. RE 116148/SP – São Paulo. Recurso Extraordinário. Relator Min.
Octávio Galotti. Julgamento em 16.02.1993. Órgão Julgador: Primeira Turma. E “A base de cálculo da
contribuição de melhoria é a efetiva valorização imobiliária, a qual é aferida mediante a diferença entre o
valor do imóvel antes da obra ser iniciada e após a sua conclusão, inadmitindo-se a sua cobrança com
base tão-somente no custo da obra realizada”. REsp 1076948/RS. Relator Min. Luiz Fux. Órgão Julgador:
Primeira Turma. Data do julgamento: 04.11.2010.
“A valorização imobiliária pode ser vista de quatro perspectivas distintas: (i) pressuposto constitucional,
associado à realização de obra pública, para a instituição de contribuição de melhorias; (ii) pressuposto
fático para cogitação da exigência de tal tributo; (iii) limite quantitativo na determinação da base de
cálculo da contribuição; (iv) possível materialidade de imposto”. (BARRETO, Paulo Ayres.
Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 68). Roque Antônio
Carrazza afirma que “sem obra pública não pode haver contribuição de melhoria, já que não se pode falar,
no caso, em valorização imobiliária potencial”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito
constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 567).
Ibid., p. 562.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 173.
CARRAZZA, op. cit., 2009, p. 567.
45
No tocante à base de cálculo da contribuição de melhoria, alguns fatores devem ser
observados: (i) sua prescrição deve – obrigatoriamente – ser realizada mediante lei
ordinária99; (ii) o legislador constituinte ordinário necessita limitar-se ao gasto máximo
autorizado para a conclusão da obra, ou seja, o montante arrecadado pelo Estado (tributo
pago por todos os contribuintes) não deve superar o custo total da obra; e (iii) a exação
imputada ao contribuinte não pode ultrapassar o benefício por ele auferido, devendo, na
realidade, representar um percentual (alíquota) desse acréscimo100.
A Suprema Corte101, sob Relatoria do Min. Joaquim Barbosa, decidiu que
A contribuição de melhoria destina-se a recuperar despesas públicas com
obras que aumentem o valor dos imóveis por elas beneficiados; sua base
de cálculo é a diferença entre a avaliação do bem antes do início da obra e
o que for apurado após a conclusão desta, tendo como limite global o seu
custo, e como parâmetro inibidor a mais valia que acarretar ao imóvel.
O mesmo Tribunal consolidou entendimento de que a “contribuição de melhoria
incide sobre o quantum da valorização imobiliária”102. Nessa tônica se afere que a base de
cálculo da contribuição de melhoria somente pode ser a valorização imobiliária103. O
Estado primeiro realiza a obra, somente após institui, fiscaliza e arrecada a contribuição de
melhoria.
99
100
101
102
103
Não é válida sua instituição mediante portarias etc.
“A valorização imobiliária é erigida como a vantagem obtida pelo particular, mas em contrapartida o
custo da obra não poderá nunca ser superado pelo somatório das contribuições de melhoria cobradas dos
proprietários. Noutras palavras, a contribuição de melhoria é cobrada para cobrir o custo da obra
valorizadora e não para captar a mais-valia imobiliária (uso extrafiscal), vez que as valorizações somadas
poderiam superar o custo da obra valorizadora […]”. (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de
direito tributário brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 538, grifos do autor). Informativo
STJ n. 0454, período de 1º a 5 de novembro de 2010. Primeira Turma. “In casu, a cobrança da
contribuição de melhoria estabelecida em virtude da pavimentação asfáltica de via pública considerou
apenas o valor total da obra sem atentar para a valorização imobiliária. É uníssono o entendimento
jurisprudencial neste Superior Tribunal de que a base de cálculo da contribuição de melhoria é a efetiva
valorização imobiliária, a qual é aferida mediante a diferença entre o valor do imóvel antes do início da
obra e após a sua conclusão, sendo inadmissível a sua cobrança com base somente no custo da obra
pública realizada”.
AI 826521/RS - Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Julgamento
realizado em 07.06.2011. (grifos nossos).
AI 694836 AgR/SP – São Paulo. Relatora Min. Ellen Gracie. Julgamento em 24/11/2009.
“Já, na contribuição de melhoria, a base imponível não está em nenhuma dimensão da atuação estatal,
mas sim na medida de sua conseqüência, a valorização imobiliária. Efetivamente, o critério da
contribuição de melhoria é a medida da valorização e não qualquer dimensão da obra pública. Em outras
palavras: o tributo se proporciona à valorização e não à obra”. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de
incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 150).
46
3.4
Empréstimo Compulsório
Quando da prescrição do empréstimo compulsório, informa a Constituição da
República de 1988104, em seu art. 148, que
A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos
compulsórios:
I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade
pública, de guerra externa ou sua iminência;
II – no caso de investimento público de caráter urgente e relevante
interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b.
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo
compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.
Sob a mesma nota da competência tributária dos impostos residuais e
extraordinários, regidos, respectivamente, pelo art. 154, I e II, da CF/88, os empréstimos
compulsórios somente podem ser exigidos pela União Federal105. Ainda, este e aquele
(residuais) somente poderão ser instituídos por lei complementar, a Carta Política se
silencia quanto aos extraordinários, o que é facilmente compreensível dada a sua finalidade
(guerra externa ou sua iminência).
Reescrevendo os motivos ensejadores de sua instituição e acrescendo menção a
prazo e condições de resgate do valor pago pelo contribuinte, preceitua o art. 15 da Lei n.
5.172 de 1966 – CTN, que
Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir
empréstimos compulsórios:
I – guerra externa, ou sua iminência;
II – calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender
com os recursos orçamentários disponíveis;
III – conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo.
Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e
as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto
nesta Lei.
104
105
Ricardo Lobo Torres, ao se referir à natureza jurídica deste tributo, informa que “podem se agrupados em
três correntes principais: a do empréstimo coativo, a da requisição de dinheiro e a da equiparação aos
tributos. […] A teoria que defende a assimilação dos empréstimos compulsórios aos tributos tem duas
vertentes principais. A primeira delas compartilha da teoria mista, segundo a qual o ingresso é uma figura
híbrida entre o imposto e o mútuo. A corrente que atribui natureza tributária aos empréstimos
compulsórios, sem hibridismo, floresceu especialmente no Brasil, até mesmo pela necessidade de evitar
os constantes abusos do legislador, cercando o ingresso das garantias constitucionais do tributo; seu
principal defensor foi Amilcar de Araújo Falcão”. (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro
e tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 378).
Competência privativa da União Federal.
47
Desde a promulgação da República Constitucional de 1988 não foi instituído
nenhum tributo da espécie empréstimo compulsório no país106.
Entendemos que o contexto que permeia a sistemática dos empréstimos
compulsórios desestimula os governantes a instituí-los. Relataríamos alguns possíveis
motivos, por exemplo: aumento da carga tributária; problemática ocasionada pela
devolução dos valores; desinteresse dos governos em razão do lapso de tempo e pessoal
que, possivelmente, essa situação demandaria etc. No entanto, essa análise não nos
compete, por isso paremos por aqui.
Os itens diferenciadores desta para as demais espécies tributárias, especialmente
dos impostos, é a obrigatoriedade de possuir (i) destinação específica e (ii) de ser
restituível.107
Ainda que tais requisitos não componham a regra-matriz de incidência tributária do
empréstimo compulsório e mesmo sendo “princípio geral de direito tributário que a
destinação do produto da arrecadação do tributo não lhe altera a natureza jurídica”108, se a
legislação que instituir o tributo não informar sobre forma e prazo de sua integral
devolução, estaremos diante de ilegalidade por descumprimento de preceito complementar,
art. 15, do CTN.
Com isso, aferimos que três distintas normas jurídicas devem informar o
empréstimo compulsório. Primeira, que veiculará a instituição do tributo; segunda, que
determinará a destinação do produto arrecadado. Essa implicação normativa (finalidade
arrecadatória) traz em seu bojo uma distinção entre esse tributo e os impostos, visto que
nestes não há que se falar em “destinação específica”; muito pelo contrário, tal fato é
expressamente vedado pela CF/88, art. 167, § 4º. A terceira norma encerra diferenciação
106
107
108
Verificamos a existência de pouquíssimos empréstimos compulsórios ao longo do tempo. Desde a década
de 40, mediante consulta no site dos Tribunais Superiores, localizamos a implementação dos seguintes
empréstimos compulsórios: incidente sobre o consumo de energia elétrica em favor da Eletrobrás, Lei
4.156/62; exigido dos consumidores de gasolina ou álcool para veículos automotores, bem como dos
adquirentes de automóveis de passeio e utilitários, Decreto-Lei 2.288/86; o empréstimo compulsório
decorrente do Decreto-Lei 2.047/83; arrecadado sobre o encargo financeiro decorrente de emissão de
passagem aérea e aquisição de moeda estrangeira, Resolução n. 1154/86 do Banco Central do Brasil; o
artigo 2º do Decreto-lei nº 1.782/80, que estabeleceu que a pessoa física estaria obrigada a recolher o
empréstimo compulsório calculado sobre o ingresso de bens não tributáveis ou tributáveis exclusivamente
na fonte pelo IR que excedesse Cr$ no exercício financeiro de 1980, ano-base de 1979.
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,
2006, p. 74.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 579.
48
que decorre da obrigatoriedade de a União restituir ao contribuinte o montante por ele
pago, ao fim de determinado período prescrito na norma.109
O aspecto que mais nos interessa nesse momento110 refere-se às materialidades
possíveis do empréstimo compulsório, consequentemente conhecido este, saberemos quais
são as notas que podem delinear as bases de cálculo.
Após o registro constitucional e infraconstitucional informado em linhas pretéritas
(CF/88 e CTN), percebemos que não há qualquer informação – explícita – do legislador
originário (para o legislador complementar) sobre qual materialidade adotar. Por isso,
inicialmente, entendemos que a hipótese de incidência dessa espécie impositiva pode ser
tanto (i) uma atividade estatal, quanto (ii) um ato lícito do particular, desprovido de
qualquer nexo com o ente público.
Ricardo Lobo Torres111, ao se referir à ausência de prescrição que revele,
explicitamente, a hipótese de incidência deste tributo, desenvolve o seguinte raciocínio: “A
Constituição Federal não indicou explicitamente o fato gerador do empréstimo
compulsório. De modo que a lei pode eleger um fato específico ou escolher a mesma base
de imposição dos outros tributos.”
Na linha desse autor, lembramos que o direito positivo pertence a um sistema, e,
como tal, deve se valer de regras outras não pertencentes à direta prescrição do objeto em
estudo. Com isso, somos impelidos a fazer uma série de inferências, tais como: (i) em
razão do princípio federativo, à União Federal é vedado invadir esfera de competência
tributária alheia; exceções são, objetivamente, registradas112; (ii) como não há autorização
constitucional permissiva à quebra dessa regra pela União, quando da instituição do
empréstimo compulsório, a temos como proibitiva. Assim, (iii) percebemos que a
109
110
111
112
MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000,
p. 191-192.
A discussão, já superada, sobre a natureza jurídica tributária dos empréstimos compulsórios e a
consequente aplicação das regras tributárias a esta espécie não serão expostas nesse trabalho. Para mais
informações, pesquisar: Carrazza (Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual.
até a Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 571 a 582), Paulo Barreto
(Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 73), Valdir de
Oliveira Rocha (Determinação do montante do tributo. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1995, p. 74), entre
outros.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p. 377.
“[…] por força do princípio federativo (art. 1° da Constituição), pode-se afirmar que a União, no
exercício da competência que lhe foi outorgada pelo art. 148 em questão, não pode utilizar-se de
materialidades de tributos de competência impositiva das demais pessoas políticas de direito público
interno.” (MARQUES, op. cit., p. 188).
49
materialidade dos impostos de competência dos Estados e dos Municípios não pode se
submeter ao empréstimo compulsório; (iv) com isso, autorizada encontra-se a União a
instituir o tributo em comento sobre hipótese de incidência de seus próprios impostos, bem
como (v) permitida está a criar empréstimo compulsório sobre materialidade inexistente no
sistema, já que não há previsão proibitiva nesse sentido.
O mesmo raciocínio vale para o critério material das taxas de competência dos
Estados e dos Municípios, cuja elaboração será mais bem detalhada quando de seu
confronto de bases de cálculo, em item específico.
Vale ressalvar que os requisitos necessários à sua criação ou aumento não podem
ser confundidos com a presumível materialidade. Motivos autorizadores à instituição113 e
hipótese de incidência tributária são fatores completamente distintos114. Melhor
elucidando, os primeiros não integram a regra-matriz de incidência tributária dessa exação.
Mesmo porque a ocorrência de uma calamidade pública não poderia ser tida como
materialidade possível à incidência de norma impositiva. Se admitíssemos em sentido
contrário, o legislador derivado elegeria como critério material, por exemplo, o fato de o
sujeito haver sofrido uma tragédia ocasionada pela natureza, como foi o caso dos
desabamentos de casas ocorridas na região serrana do Estado do Rio de Janeiro em 2010,
em razão, também, das fortes chuvas registradas no período. Após esse exemplo, fica claro
perceber a diferença entre requisito necessário à instituição da exação e materialidade.
3.5
Contribuições
A Constituição Republicana de 1988 delegou a competência para a instituição das
contribuições à União Federal, com a ressalva de que os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios podem cobrá-la de seus servidores.
Uma vez adotada a classificação quinquipartite para as espécies tributárias,
consideramos as contribuições como um tributo autônomo. Diferentemente do
113
114
“Parece-nos que tais circunstâncias – que autorizam a instituição de tributo – não compõem,
efetivamente, a norma tributária que veicula o empréstimo compulsório, porque antecedem a sua própria
criação, pelo legislador infraconstitucional. Dizem respeito a eventos que devem se suceder em fase
anterior à da existência d própria norma tributária”. (MARQUES, Márcio Severo. Classificação
constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 187).
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 573.
50
posicionamento adotado por renomados mestres e juristas115, que ora lhe atribuem a
natureza jurídica de imposto, ora de taxa. E assim classificam as contribuições, por
entenderem irrelevante, sob essa perspectiva, a destinação ao objetivo específico para a
qual foram criadas.
Agora, vale ressalvar que o critério utilizado para diferençá-lo das demais exações
é a exigência antevista na Carta Constitucional de “previsão legal de destinação do produto
de arrecadação à finalidade para o qual sua instituição tenha sido autorizada”.116
Roque Carrazza117 faz um excelente apanhado da finalidade e da hipótese de
incidência desta exação. Segue:
Notamos, pois, que as ‘contribuições’ ora em exame não foram
qualificadas, em nível constitucional, por suas regras-matrizes, mas, sim,
por suas finalidades. Parece-nos sustentável que haverá este tipo de
exação sempre que implementada uma de suas finalidades
constitucionais.
Segundo informa Márcio Severo Marques,
a estrutura normativa dessas contribuições também é absolutamente a
mesma das demais: enquanto não há previsão de vinculação da
materialidade da hipótese tributária a uma atividade do Estado referida ao
contribuinte, exige-se destinação específica para o produto de sua
arrecadação.118
Acresceríamos, à explicação deste autor, o fato de que a atividade estatal aludida ao
contribuinte não é direta, ou seja, não é específica nem divisível. Mas, entendemos que não
há como negar que em algumas subespécies (CIDE e CIPE) há uma contraprestação
estatal, mesmo que indireta, ou melhor, sugestionada.
Pois bem. Há que ficar clara a distinção entre hipótese de incidência das
contribuições e finalidade da tributação por meio desta espécie tributária. Esta é a ideia de
115
116
117
118
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 590;
MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000,
p. 210.
“Em conseqüência, tal vinculação, longe de ser vedada, é imprescindível, até porque é ela que vai
confirmar a natureza da contribuição, possibilitando o controle de constitucionalidade”. (CARRAZZA,
op. cit., 2009, p. 592).
MARQUES, op. cit., 2000, p. 197.
51
causa, não a ideia informadora do tributo. “A idéia informadora é a idéia de fim, de
resultado, de objetivo”119.
Quadro Resumo das Características das Contribuições
CIDE – Contribuição
de Intervenção no
Domínio Econômico
CIPE – Contribuição de
Interesse das Categorias
Profissionais ou
Econômicas
Contribuições Sociais
1 Fundamento de
Validade
Art. 149 da CF/88.
Art. 149 da CF/88.
Art. 149 e 195 da
CF/88.
2 Materialidade
(i) art. 153 da CF,
(ii) novas
materialidades a
escolha do legislador.
Obs.: respeitar as
demais competências.
(iii) art. 153 da CF,
(iv) novas materialidades a
escolha do legislador.
Obs.: respeitar demais
competências.
3 Base de
Cálculo
Deve ser fixada sobre
um fato referido à
intervenção.
Motivos
Autorizadores
4
da Instituição/
Finalidades que
devem atingir
Visa prover recursos
necessários ao custeio
da atuação estatal em
determinada atividade
econômica.
O “benefício especial
auferido pelo contribuinte
que participa do grupo
profissional em favor do
qual se desenvolve a
atividade indivisível do
Estado”.120
Previsão de
5 Destinação do
Produto da
Arrecadação
Sim, em razão da
“implementação e
efetivação de gastos
e/ou investimentos
pertinentes a setores
específicos do
mercado”.121
Sim, uma vez que haverá
uma atuação estatal
vinculada ao produto
arrecadado.
Espécie
Tributária
Deve refletir os custos
decorrentes da atuação
estatal.
Prescrita no art. 195 da
CF/88.
Prescrita pela CF/88.
Sim, sendo condição de
validade da norma sua
destinação à seguridade
social.
3.5.1 Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE
A contribuição de intervenção no domínio econômico é devida em função da
ingerência do Estado na economia. Neste momento, não há como não mencionar o estudo
119
120
121
GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000, p. 38.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p. 374.
MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000,
p. 194.
52
realizado por Ricardo Lobo Torres122, por entendermos que permitirá melhor compreensão,
contextualização histórica e jurídica deste tributo através da influência da intervenção do
Estado na economia. O autor faz o relato mediante dois distintos e decisivos momentos
para a instituição destas contribuições, que podem ser definidos como:
[…] do Estado-Empresário ou Estado do bem-estar Social, até o final dos
anos 80, aproximadamente, que promove a intervenção direta (por suas
empresas) ou indireta (por excesso de regulamentação da atividade dos
particulares); a do Estado Democrático de Direito ou Estado Subsidiário,
que simplesmente regula e garante as condições da concorrência e do
consumo e que aparece a contar dos anos 90. Na primeira fase, do
intervencionismo paternalista, inúmeras foram as contribuições
econômicas instituídas e que já começam a desaparecer: taxa de
renovação da marinha mercante […], taxa de melhoramento dos portos
[…], contribuição para o desenvolvimento da indústria cinematográfica e
contribuição ingresso-padrão para cinema […]. Na outra fase, do período
da privatização e da desregulamentação […], revogam-se diversas
contribuições e criam-se outras, agora destinadas a controlar o abuso do
poder econômico, zelar pela concorrência, estabilizar preços, transformar
em consumidores as populações marginalizadas, promover o avanço
tecnológico da economia, de que são exemplos: […] FUST, […]
FUNTEL […], Programa de Estímulo à Interação Universidade –
Empresa para o Apoio à Inovação, […] a CIDE do Petróleo […].
Tácio Lacerda Gama, em profundo estudo realizado sobre esta específica
contribuição, relata que seu critério material “deve ser escolhido entre atividades
relacionadas ao setor da economia que sofrerá intervenção. Escolher fato alheio a esse seria
violar o princípio da referibilidade, que informa a criação desse tributo”.123 Conclui,
portanto, que sua base de cálculo “deve ser fixada sobre um fato referido à intervenção”.124
Posição com a qual concordamos.
O autor entende que não há restrições à União Federal, que a impossibilidade de
criar contribuições interventivas sobre materialidades referidas aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios. Noutro giro, entende que há permissão constitucional sistêmica
que autorize a União a criar contribuições interventivas sobre materialidade de impostos
122
123
124
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p. 372.
GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin,
2003, p. 206.
Ibid., p. 221.
53
dos demais entes federados125. A única ressalva que aponta diz com os princípios e
imunidades prescritas na Carta Republicana126.
No entanto, este raciocínio não prevalece entre a maioria dos doutrinadores127, que
entendem preponderar a restrição cominada à União Federal, sendo lhe possível instituir
contribuições interventivas somente sobre as materialidades referidas aos impostos.
Nesta perspectiva, Paulo Aires Barreto revela ser necessário informar que a
“Constituição Federal não autoriza sejam criadas contribuições sociais com materialidade
de impostos conferidos à competência privativa de Estados, Distrito Federal e
Municípios”. Opinião com a qual concordamos.
3.5.2
Contribuição de Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas –
CIPE
Estas contribuições são devidas pelo contribuinte que participa de um grupo
profissional ou econômico, em benefício do qual se realiza a atividade do Estado128. Deste
modo, o montante devido por esta categoria deve corresponder ao custo da realização dos
atos de fiscalização, ainda que próximos.129 O Informativo n. 331 do STF130 ressalta que
125
126
127
128
129
No tocante à natureza das contribuições, bem como sob a competência para instituí-las, o STF firmou
entendimento, sob Relatoria do Min. Moreira Alves, que, “[…] a par das três modalidades de tributos (os
impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são
competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149
aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o
empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e
de interesse de categorias profissionais ou econômicas”. Recurso Extraordinário n. 146.733/SP, Tribunal
Pleno, publicado no DJ de 06.11.1992.
Justifica afirmando que quem defende posição diversa deve ter como parâmetro as seguintes premissas:
“i. as contribuições não são espécies tributárias autônomas; ii. o artigo 164, IV, da Constituição Federal
não impede que uma contribuição assuma natureza de imposto; iii. o regime jurídico da destinação
daquilo que se arrecada é irrelevante como forma de controle da constitucionalidade dos tributos; iv.
Desprezem-se as decisões reiteradas dos Tribunais Superiores”. (GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de
intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 208-209).
O autor explica que, entendendo-se que o legislador goza de ampla competência, “tal interpretação
implicaria afirmar: a) que as competências tributárias não são exclusivas; b) que a repartição de
competência não é rígida; e que c) contribuição não é tributo”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de
direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57/2008. São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 599).
Ricardo Lobo Torres afirma, em relação à contribuição de interesse das categorias profissionais ou
econômicas, que é “o velho imposto sindical agora trazido para o corpo da Constituição Tributária”.
(TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p. 374).
CARRAZZA, op. cit., 2009, p. 607.
54
As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas
destinam-se ao custeio de entidades que têm por escopo fiscalizar ou
regular o exercício de determinadas atividades profissionais ou
econômicas, bem como representar, coletiva ou individualmente,
categorias profissionais, defendendo seus interesses. Evidente, no caso, a
necessidade de vinculação entre a atividade profissional ou econômica do
sujeito passivo da relação tributária e a entidade destinatária da exação.
Paulo Aires Barreto131, em obra de fôlego, Contribuições: regime jurídico,
destinação e controle, ensina que,
Em apertada síntese […] as contribuições são tributos que se
caracterizam por haver uma ingerência da União (interventiva) sobre a
atividade privada, na sua condição de produtora de riquezas (domínio
econômico). Tal forma de intervenção deve ser adotada em caráter
excepcional se, e somente se, for detectado um desequilíbrio de mercado,
que possa ser superado com a formação de um fundo que seja revertido
em favor do próprio grupo alcançado pela contribuição interventiva.
Além disso, a Constituição Federal não autoriza sejam criadas
contribuições dessa natureza cujo critério material seja de imposto
conferido à competência privativa de Estados, Distrito Federal e
Municípios. (grifo nosso).
Afere-se ante o exposto, que o critério quantitativo desta subespécie impositiva
deve refletir os custos decorrentes da atuação estatal.
130
131
“Considerando que a contribuição instituída em favor do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas – SEBRAE possui natureza de contribuição social de intervenção no domínio econômico – não
exigindo, portanto, a vinculação direta do contribuinte ou a possibilidade de que ele se beneficie com a
aplicação dos recursos por ela arrecadados, mas sim a observância dos princípios gerais da atividade
econômica (CF, arts. 170 a 181) –, e afastando, de outro lado, a necessidade de lei complementar para a
sua instituição, o Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra
acórdão do TRF da 4ª Região, em que se sustentava a inconstitucionalidade da citada contribuição, da
qual estariam desvinculadas micro e pequenas empresas, por não participarem dos benefícios auferidos na
arrecadação. Vencido o Min. Marco Aurélio que, embora reconhecendo na mencionada contribuição a
natureza de intervenção no domínio econômico, conhecia e dava provimento ao recurso, para declarar a
inconstitucionalidade formal do § 3º do art. 8º da Lei 8.029/90, na redação dada pela Lei 8.154/90, por
entender que fora criada contribuição nova sem a observância da exigência de lei complementar (CF, art.
146, III)”. RE 396266/SC, rel. Min. Carlos Velloso, 26.11.2003. (RE-396266).
“As leis instituidoras de contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas elegem
sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, no caso a União, atribuindo aos próprios sujeitos ativos a
disponibilidade do montante arrecadado, para a consecução das atividades de organização, regulação e
fiscalização dessas categorias profissionais ou econômicas, bem como na representação e defesa de seus
interesses coletivos. Os custos decorrentes dessa atuação deverão ser suportados por específica
contribuição de interesse de categoria profissional ou econômica”. (BARRETO, Paulo Ayres.
Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 111).
55
3.5.3
Contribuições Sociais
As chamadas contribuições sociais podem ser divididas em duas subespécies: (i)
contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social e (ii) as genéricas,
propriamente ditas contribuições sociais. Assim, “embora consubstanciem espécies de um
mesmo gênero – contribuições sociais–, são disciplinadas de forma diferenciada pela
Constituição”.132 Fabiana Tomé arremata, afirmando que as contribuições destinadas ao
financiamento da seguridade social possuem um peculiar direcionamento constitucional.
3.5.3.1
Contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social
Assim, em relação a estas, cujo custeio é direto, o art. 195, I, da Carta Política de
1988, delimitou expressamente as materialidades atinentes à sua instituição, as quais
incidem sobre: (i) folha de salários (e demais rendimentos do trabalho pago ou creditados a
qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício);
(ii) receita ou o faturamento; (iii) lucro; e (iv) receita de concursos de prognósticos133. Estes e,
apenas estes, são os critérios materiais da contribuição em tela.
Paulo de Barros Carvalho134 ensina que,
Com tal prescrição, traça o modelo da regra-matriz de incidência das
contribuições para a seguridade social, vinculando a atividade do
legislador ordinário da União. Este, no exercício da competência
tributária, não pode distanciar-se dos termos constitucionalmente
estabelecidos, quer no que diz respeito ao sujeito passivo, quer no tocante
à hipótese de incidência ou base de cálculo.
Valemo-nos, ainda, das lições de Luis Eduardo Schoueri135, que assim se manifesta
sobre a materialidade das contribuições:
132
133
134
135
(TOMÉ, Fabiana Del Padre. Contribuições para a seguridade social: à luz da Constituição Federal.
Curitiba: Juruá, 2002, p. 115-116).
“Relativamente às destinadas à seguridade social, há referência expressa no Texto Constitucional – art.
195, I a IV – às materialidades que especificamente devem ser colhidas pelo legislador ordinário federal
para criar contribuições que objetivem financiar a atividade estatal. […] Noutro dizer, há contribuições
cuja materialidade já vem predefinida na outorga da competência”. (BARRETO, Paulo Ayres.
Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 105).
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 804.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Algumas considerações sobre a contribuição de intervenção no domínio
econômico no sistema constitucional brasileiro. A contribuição ao programa universidade escola. In:
56
Enquanto no caso das contribuições sociais destinadas à seguridade
social, o próprio constituinte tratou de delimitar que toda a sociedade
deveria assumir tal incumbência (art. 195, caput), no caso das demais
contribuições inexiste aquela indicação.
Delimitada constitucionalmente as hipóteses de incidência tributária das
contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social, afere-se que seu antecede
normativo não exige qualquer vínculo entre o comportamento estatal e do particular.
3.5.3.2
Contribuições residuais: outras fontes de financiamento destinadas à
seguridade social
Outra fonte de manutenção apontada pela Constituição Republicana para
financiamento da seguridade social é denominado por contribuição residual, portadora de
um leque muito mais amplo e cuja materialidade não foi expressamente delimitada
constitucionalmente, ficando à imaginação do legislador ordinário.
A segunda espécie de contribuição social possui sua materialidade revelada pelo
campo de atuação, também, da União Federal, a qual abriga o direito à educação, cultura e
habitação, prescrita constitucionalmente nos artigos 195, 212, § 5º, 239 e 240.
Paulo Aires Barreto136 constrói sistematicamente espaço para as contribuições
residuais destinadas à seguridade social, ao mencionar que
As contribuições destinadas à seguridade social têm materialidades
definidas constitucionalmente, existindo ainda a outorga de uma
competência residual, cujo exercício é condicionado à observância das
restrições postas no art. 154, I da Constituição Federal.
Fabiana Del Padre Tomé137 esclarece que o artigo em comento não se refere a
impostos com a específica finalidade de custear a seguridade social, conformando uma
exceção ao preceito constitucional que proíbe que a receita dos impostos seja destinada a
qualquer órgão, fundo ou despesa, art. 167, § 4º. Assim, registra:
136
137
GRECO, Marco Aurélio (Coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins.
São Paulo: Dialética, 2001, p. 362.
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,
2006, p. 107.
Continua: “Ademais, embora as hipóteses de incidência dessas novas fontes de custeio da seguridade
social descrevam critérios identificadores de circunstâncias alheias a qualquer atividade estatal, não se
mostram caracterizados ‘impostos’, haja vista a existência de específica destinação legal do produto
arrecadado, qual seja: a manutenção ou expansão da seguridade social”. (TOMÉ, Fabiana Del Padre.
Contribuições para a seguridade social: à luz da Constituição Federal. Curitiba: Juruá, 2002, p. 115-116).
57
[…] entendemos que a referência ao art. 154, I, da Carta Maior significa
tão-somente a necessidade de observância dos mesmos requisitos
exigidos para a instituição de impostos residuais. Não há que se falar na
criação de impostos residuais com a específica destinação de custeio da
seguridade social, posto que esta é vedada pelo art. 167, IV, inexistindo
qualquer ressalva a essa proibição, exceto aquelas elencadas no corpo do
próprio dispositivo.
O Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria do Min. Arnaldo Esteves Lima138,
informa que a disposição constante no artigo 195, § 4º, da CF/88, a qual faz remissão ao
artigo 154, I, do mesmo diploma, “somente se aplica à hipótese de instituição de
contribuição ‘nova’, ou seja, não prevista no texto constitucional, não sendo esta, por
óbvio, a situação da COFINS-importação e da Contribuição para o PIS-importação […]”.
Ainda no que diz respeito aos critérios constitucionais presentes no artigo 154, I, da
CF/88, André Mendes Moreira139, após analisar o voto do Min. Moreira Alves140, concluiu
que
[…] os tributos (impostos e contribuições) residuais somente serão nãocumulativos quando também forem plurifásicos. É o que se dessume da
assertiva do Min. MOREIRA ALVES, ao sustentar que a nãocumulatividade se aplica a ‘impostos como o ICMS e o IPI’, e não a
contribuições ‘cujo ciclo de incidência é monofásico’. […] Se o critério
material da hipótese de incidência da exação residual não consistir em
uma operação com bem ou serviço, não será possível exigir a observância
da não-cumulatividade na hipótese.
Dentre estas duas subespécies, apenas as últimas não estão sujeitas à regra
constitucional da anterioridade prescrita pelo art. 150, III, b, da Constituição. Noutro giro,
está o legislador ordinário autorizado a exigi-la após o transcurso de 90 dias, contados da
data de sua publicação, nos termos do art. 195, § 6º, da CF/88.
Por fim, ainda, o arremate fornecido por Paulo de Barros Carvalho141:
Não restam dúvidas, portanto, de que o Texto Constitucional, nos termos
estabelecidos em seu artigo 195, § 4º, só permite a criação de
contribuições residuais para a seguridade social cujas hipóteses de
incidência e bases de cálculo sejam diversas daquelas já expressamente
previstas em seu texto. A União pode instituir, com base na competência
que lhe é outorgada pelo artigo 195 do Diploma Maior, contribuições
para a seguridade social incidentes […]. Desejando criar outras
138
139
140
141
STJ, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, REsp n. 1161486, Data da Publicação 30.08.2010.
MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 227.
STF, Primeira Turma, RE n. 258.470/RS, Relator Min. MOREIRA ALVES, DJ 12.05.2000, p. 32.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 802.
58
contribuições para essa finalidade, deve eleger novas manifestações de
riqueza, onerando fontes de custeio diversas para, desse modo, não gravar
de forma exorbitante, mediante múltiplas incidências, um mesmo fato
jurídico tributário. (grifos nossos).
Posto isto, qualquer nova instituição de contribuição social residual, deve cumprir
os requisitos presentes no art. 154, I142. Noutro giro, é imprescindível que sejam criados
por lei complementar, não cumulativos e, não possuam base de cálculo e hipótese de
incidência de outras contribuições sociais ou impostos discriminados na CF/88143.
142
143
“Ocorre que a necessidade de se observar as restrições do art. 154, I da Constituição Federal é posta
apenas para as contribuições de seguridade social. Tais restrições não se aplicariam às demais
contribuições sociais”. (BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle.
São Paulo: Noeses, 2006, p. 108).
Confira-se, a propósito, o voto proferido pelo Relator Min. Carlos Velloso143: “[…] quando o § 4º, do art.
195, da CF, manda obedecer a regra da competência residual da União - art. 154, I - não estabelece que as
contribuições não devam ter fato gerador ou base de cálculo de impostos. As contribuições, criadas na
formado § 4º, do art. 195, da CF, não devem ter, isto sim, fato gerador e base de cálculo próprios
das contribuições já existentes. É que deve ser observado o sistema. E o sistema é este: tratando-se de
contribuição, a Constituição não proíbe a coincidência da sua base de cálculo com a base de cálculo do
imposto, o que é vedado, expressamente, relativamente às taxas. (CF, art. 145, § 2º)”. (Julgamento do RE
228.321. Tribunal Pleno, DJ 30.5.2003, grifo nosso).
59
SEÇÃO II – PLANO COMPARATIVO
60
1 DUPLA
TRIBUTAÇÃO:
OS
REFLEXOS
GERADOS
NO
CRITÉRIO
QUANTITATIVO DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA
É decididamente indispensável aos homens
atribuírem-se leis e viverem conforme essas leis.
Platão
1.1
Eleição do Método de Abordagem
O corte metodológico144 que promoveremos se limitará ao estudo da dupla incidência
jurídico-tributária, conhecida através dos institutos do bis in idem e da dupla tributação. A
doutrina nacional, há longa data, já diferencia145 tais entes jurídicos146. Entretanto, apesar
de parecer haver uma clara distinção, por vezes nos deparamos com julgados, tratando
ambos como se uma única situação fosse, bem como, algumas vezes, lhe conferindo
outro(s) significado(s), desprovido(s) de rigor técnico-científico.
O estudo destes dois institutos jurídicos exige, naturalmente, que tracemos um
paralelo, consequentemente, uma comparação entre ambos, uma vez que retrataremos dois
entes muito próximos. Para tanto, será imprescindível que fixemos algumas definições147 e
144
145
146
147
“E esses cortes arbitrários, isolando parcelas que coexistem em unidade indissolúvel, é recurso
epistemológico de que o homem não pode abrir mão, sob pena de perder-se no emaranhado das
construções prescritivas.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Base de cálculo como fato jurídico e a taxa de
classificação de produtos vegetais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 37, out. 1998, p. 120).
“A D. implica uma determinação: a é diferente de b na cor ou na forma etc. isso significa: as coisas só
podem diferir se têm em comum a coisa que diferem: por exemplo, a cor, a configuração, a forma etc.
segundo Aristóteles, que estabeleceu claramente essas distinções, as coisas diferem em gênero se têm a
matéria em comum e não se transformam uma na outra (p. ex., se são coisas que pertencem a diferentes
categorias); diferem em espécie se pertencem ao mesmo gênero”. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e
tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 325).
“Sucede, no entanto, que para o estudioso do Direito é sumamente importante distinguir o ente jurídico –
isto é, a figura que resulta de um sistema de normas – daquele ser diverso, que lhe serviu de engaste, mas
cuja realidade é apreensível fora do raciocínio jurídico. Com efeito, a lamentável confusão entre os dois
ocasiona procedimentos metodológicos defeituosos, inviáveis para se alcançar os fins a que se propõem”.
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1968, p. 52).
A operação de “definição” é uma das atribuições da Lógica dos Termos, juntamente com as operações de
classificação e divisão.
61
premissas148 atinentes ao tema abordado, o que nos permitirá maior substrato linguístico e
jurídico.
Assim, é necessário escolher e apontar o método de abordagem que utilizaremos,
sob pena de edificarmos nossa construção sob um terreno pantanoso. Por isso, com o
objetivo de facilitar a compreensão do assunto, evitando-se erros que embaracem nosso
entendimento, optamos pelo emprego da Lógica dos Termos149 (Lógica dos Predicados ou
Teoria das Classes) para dividir e classificar os processos jurídicos que dão origem ao
nosso estudo.
Para explicar um pouco sobre a teoria das classes, vejamos o que diz Paulo de
Barros Carvalho150, se não o precursor de sua utilização para o direito, no mínimo, seu
grande divulgador, conforme se depreende a seguir:
Ao examinar a estrutura interna do enunciado, a Lógica dos Termos se
ocupa, além da definição, das operações de classificação e de divisão.
Classificar é distribuir em classes, é dividir os termos segundo a ordem de
extensão ou, para dizer de modo mais preciso, é separar os objetos em
classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendoos em posições fixas e exatamente determinadas em relação às demais
classes. Os diversos grupos de uma classificação recebem o nome de
espécies e de gêneros, sendo que espécies designam os grupos contidos
em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o grupo mais extenso que
contém as espécies.
Pois bem, ressalvamos que a lógica é uma ferramenta que exige um objeto sobre o
qual se debruçar, o qual, em nosso caso, será o direito vigente. Nestes termos, Celso
Antônio Bandeira de Mello151:
Para o Direito – vale repetir – são válidos apenas os critérios que se
abroquelem em a natureza jurídica do instituto e que visem discernir
espécies identificáveis segundo características dedutíveis a partir da
intimidade estrutural de suas formas.
148
149
150
151
“Toda proposição da qual se infere outra proposição”. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.
Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução
dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 925).
A Escola jurídica construída ao longo dos anos por Paulo de Barros Carvalho, entre tantas outras
contribuições, ensinou os estudiosos (e os aspirantes) dos estudos jurídicos (em particular, do direito
tributário) a utilizar as ferramentas da lógica na construção dos raciocínios jurídicos, o que permite que a
linguagem se aproxime da ciência, apresentando um estudo desprovido de ambiguidade e vagueza.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 117-118.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1968, p. 360.
62
Eurico Marcos Diniz de Santi152, com a perspicácia que lhe é peculiar, revela
interessante diferença:
Dois são os níveis, ou tipos, possíveis de classificações jurídicas: (i)
aquelas construídas no direito positivo e (ii) as descritas na Ciência do
Direito. As classificações no direito positivo têm cunho nitidamente
prescritivo e o fim precípuo de outorgar regimes jurídicos e definir
situações jurídicas específicas aos produtos dessas classificações. De
outra parte, as classificações da Ciência do Direito caracterizam-se por se
apresentar em linguagem descritiva e, justamente, têm por objeto
descrever as proposições prescritivas do direito positivo.
Ainda quanto à teoria das classes, importante nos determos na informação trazida
por Paulo Aires Barreto153, que, ao se referir à classificação e divisão154 no direito, relata
que,
Se partirmos da parte para o todo, classificamos; se, diversamente, o
caminho é do todo para a parte, procedemos à divisão lógica. Na divisão
lógica, as classes coordenadas devem ser formadas a partir da eleição de
um, e somente um, fundamento para divisão (fundamentum divisionis).
Trata-se de regra ou fundamento aplicável a toda classificação jurídica ou
de qualquer outra natureza. É fundamento próprio da teoria das classes,
que não pode ser descurado nas classificações jurídicas. A eleição, de
forma concomitante, de mais de um fundamento para dividir implica
a chamada falácia da divisão cruzada. (grifo nosso).
Em razão do fundamento para dividir, segundo Tárek Moysés Moussallem155, as
classificações devem seguir as seguintes regras:
[…] (a) deve haver somente um fundamentum divisionis em cada
operação; (b) as classes coordenadas devem se excluir mutuamente; (c) as
classes coordenadas devem esgotar coletivamente a superclasse; (d) as
operações sucessivas da divisão devem ser efetuadas por etapas graduais;
(e) as diferenças devem resultar da divisão da definição do dividido.
Esta diferença também deriva da lógica. Vejamos os ensinamentos de Paulo de
Barros Carvalho156 sobre isso:
152
153
154
155
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 210211.
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,
2006, p. 52.
“Em primeiro lugar, a D., como D. lógica, distingue-se da partição, que é a decomposição de um todo em
suas partes, porquanto é a distinção de objetos diferentes que podem ser significados pelo mesmo nome”.
(ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista
por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 343).
BARRETO, op. cit., p. 53.
63
A presença de atributos ou caracteres que distinguem determinada
espécie de todas as demais espécies de um mesmo gênero denomina-se
‘diferença’, ao passo que ‘diferença específica’ é o nome que se dá ao
conjunto das qualidades que se acrescentam ao gênero para a
determinação da espécie, de tal modo que é lícito enunciar: ‘a espécie é
igual ao gênero mais a diferença específica (E= G + De)’.
Concluímos, a priori, que este estudo classificatório deverá se fixar sobre duas
sólidas bases: (i) a ferramenta da divisão lógica necessitará respeitar os postulados
atinentes à teoria das classes e (ii) nossa classificação será elaborada no plano da Ciência
do Direito, cuja estruturação se fundamenta sobre as normas do sistema do direito
positivo157.
De posse destas informações, sentimo-nos aptos a iniciar o processo de
classificação e divisão, cujo corte metodológico será realizada com fins a perscrutar a
dupla tributação.
1.2
O Método Aplicado ao Objeto – Dupla Tributação
Por serem artificiais, as classificações são consideradas manifestações culturais. Em
outro giro, é uma realização humana, empregada única e exclusivamente com o fito de
facilitar a compreensão sobre o objeto que classifica158, o qual se ambiciona conhecer. Por
isto, afirma Paulo de Barros Carvalho159:
Com os recursos da classificação, o homem vai reordenando a realidade
que o cerca, para aumentá-la ou para aprofundá-la consoante seus
interesses e suas necessidades, numa atividade sem fim, que jamais
alcança o domínio total e a abrangência plena. E salientamos esse caráter
reordenador porque assim como a classificação pressupõe a existência de
classe a ser distribuída em subclasses, o aumento ou aprofundamento da
realidade, como algo constituído pela linguagem, antessupõe também a
afirmação da própria realidade enquanto tal.
Propomo-nos, agora, o desafio de aplicar os conceitos – dantes delineados – ao
direito tributário, especificamente às normas que dizem sobre a dupla tributação. Para isto,
156
157
158
159
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 118.
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. As classificações no sistema tributário brasileiro. In: I Congresso
Internacional de Direito Tributário – IBET, “Justiça tributária”, Vitória. São Paulo: Max Limonad, 1998,
p. 123.
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógicosemântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 320.
CARVALHO, 2011, op. cit., p. 121.
64
trabalharemos o processo classificatório em distintos e contínuos momentos, com o fito de
chegar ao conjunto mínimo de elementos prudentes à determinação das possíveis espécies
de dupla tributação. Segue.
1.2.1
Primeiro fundamento para dividir: ente competente
Sendo o gênero “o grupo mais extenso que contém as espécies”, ou seja, “denota
mais que a espécie ou é predicado de um número maior de indivíduos”160, procederemos à
primeira classificação adotando como único elemento deste conjunto ou, fundamento para
dividir, o ente competente.
Lembrando que nosso objeto de estudo é a dupla tributação, a classificação inicial
cuja propriedade é pautada pelo ente competente apresenta duas espécies, as quais serão
divididas entre os tributos que devem ser instituídos por um único ente, que chamaremos
de bis in idem, e as imposições tributárias que podem ser instituídas por mais de um
membro federativo, denominado bitributação.
Importante informar que a dupla tributação, gênero, à qual nos referimos, não há
que se confundir com as situações de incidência reiterada. Naquela temos duas diversas
legislações, prescrevendo imposições jurídico-tributárias, até então distintas; nesta, temos
uma mesma norma geral e abstrata sendo aplicada mais de uma vez.
Assim, os tributos que forem instituídos pela mesma pessoa jurídica de direito
público interno se adéquam à primeira espécie (bis in idem). Já, os tributos fundados por
membros federativos distintos se amoldam à segunda espécie (bitributação), sabendo que
os sujeitos aptos juridicamente a instituir tributos são a União, os Estados Federados, o
Distrito Federal e os Municípios; neste caso, é fácil conotar a totalidade de membros que
pertencem às duas classes161. Vejamos:
160
161
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 118.
Não mencionaremos o Distrito Federal nesta situação, mas, para visualizar a situação ao qual se enquadra,
basta que o intérprete observe se a competência tributária é dos Estados Federados ou dos Municípios e
adequá-lo às situações apresentadas.
65
Aqui teremos duas espécies: a primeira será designada pela característica de que os
elementos de sua classe conotam a instituição de mais de um tributo pelo mesmo ente
federado, cujos elementos denotativos são: UU (União Federal x União Federal); EE
(Estado Federado x Estado Federado); e MM (Município x Município). Neste ponto, vale
lembrar que a relação entre Estados Federados e entre Municípios deve se pautar pela
identidade entre as pessoas jurídicas, ou seja, devem ser postos nesta comparação os
mesmos Estados e os mesmos Municípios, por exemplo, tributos instituídos pelo: Estado
do Tocantins x Estado do Tocantins; Município do Rio de Janeiro x Município do Rio de
Janeiro.
Quanto à segunda espécie, retrataremos a propriedade de seu conjunto ser composto
pela instituição de mais de um tributo de competência de distintos membros federados.
Neste caso, teremos os seguintes elementos denotativos: EU (União Federal x Estado
Federado), UM (União Federal x Município) e EM (Estado Federado x Município).
Como o pressuposto é fraco para iniciarmos nossa análise empírica, uma vez que
somente com esta característica não estaremos aptos a compreender o instituto jurídico da
dupla tributação, e como desejamos alcançar o choque de incidências, é necessário
prosseguir com o processo classificatório até possuirmos os elementos mínimos à
satisfação desta análise.
1.2.2
Segundo fundamento para dividir: materialidade
Nesta etapa, o fundamento da divisão será a materialidade, conforme sejam
semelhantes ou distintas. Noutro giro, subdividiremos as duas espécies anteriores (bis in
idem e bitributação), agora gênero, em face de retratarem ou não uma mesma
materialidade; este será o fundamento desta divisão.
Pois bem. Nova tela nos é apresentada; agora, além do fundamento da divisão
pautado sobre o fato de as exações haverem ou não sido instituídas pelo mesmo ente
competente, foi acrescida a divisão de as hipóteses de incidências serem ou não as mesmas.
Antes de enfrentarmos a pertinência ou não desta classificação sobre a perspectiva
da Ciência do Direito, utilizemos um elemento visual para melhor esclarecer o momento
66
em que nos encontramos no processo classificatório, haja vista ser um dos sentidos mais
desenvolvidos no homem. Segue:
Posto o organograma, percebemos que este segundo critério classificatório nos
oferta as seguintes possibilidades: (i) bis in idem com materialidades idênticas; (ii) bis in
idem com materialidades distintas; (iii) bitributação com materialidades idênticas; e (iv)
bitributação com materialidades distintas.
As espécies registradas nos itens i e iii, ou seja, a dupla incidência sobre mesma
hipótese de incidência alcança as subsunções que – possivelmente – destoem das regras
constitucionais aplicáveis às espécies tributárias, tendo em vista que, conforme as
magistrais lições de Geraldo Ataliba162,
A conseqüência imediata e necessária do caráter unitário da hipótese de
incidência está, em cada caso, na identificação de cada hipótese de
incidência só consigo mesma no plano epistemológico-jurídico. Como
decorrência necessária, cada hipótese de incidência só é igual a si mesma
e, portanto, inconfundível com todas as demais. Vale dizer – como a
hipótese de incidência é o núcleo do tributo – cada tributo só é igual a si
mesmo (Isto é, aliás, que permite classificar os tributos em espécies e
subespécies).
Portanto, se a materialidade é um elemento imprescindível à determinação da
espécie tributária, sua duplicidade, no mínimo, exige relevante investigação sistêmicojurídica.
Noutra perspectiva, as espécies ii e iv informam que, caso duas ou mais incidências
ocorram sobre distintas materialidades, aparentemente, estaremos diante de uma
corriqueira situação de incidência jurídica tributária. Tendo em vista que o legislador
constituinte originário previu tributação sobre situações sociais díspares, conforme registro
feito pelo Autor anteriormente referenciado.
162
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 65.
67
Entendemos que maior parte da doutrina aborda a questão sobre este ponto de vista,
ou seja, classifica tais institutos mediante a utilização dos critérios da (i) dupla cobrança
(por entes iguais ou distintos), afetos a uma (ii) mesma hipótese de incidência tributária.
Pensamos que os juristas163 que optaram pelas propriedades – entes federativos
(ente único ou distintos) e materialidade (iguais) como característica geral da classe dupla
tributação – avaliaram que a prioridade dos mandamentos constitucionais tributários para
re(conhecer) a natureza jurídica de um tributo localiza-se na materialidade das exações.
Pensamos que, deste modo, tal fundamentação deva levar em consideração –
obrigatoriamente – o fato de as bases de cálculo representarem suas hipóteses de
incidência, não deixando espaço para incoerência entre tais critérios (material e
quantitativo/ base de cálculo).
Sobrevém que neste ponto visualizamos uma incompletude sistêmica, face à nossa
compreensão de que apenas estas duas qualidades não possuem aptidão para englobar
todas as nuanças circunspectas ao tema, situação que será mais bem desenvolvida nas
linhas que seguem.
Acreditamos que a eleição destas características se justifica mediante abordagem
constitucional somente, desprezando-se a base de cálculo, como se acessório fosse, uma
vez que a maior parte de sua normatização é regida e estatuída por lei complementar164,
diferentemente da materialidade, cujo regramento é constitucional.
Caso somente a materialidade fosse o fator determinante para ditarmos se um
tributo pode se enquadrar na bitributação ou no bis in idem, concluiríamos facilmente que
nosso sistema constitucional tributário estaria permeado por eles. Afirma-se, neste sentido,
em razão de o objeto hegemônico da tributação repousar sobre o patrimônio, a renda e os
serviços, de modo direto ou indireto. Ou seja, toda imposição exacional é construída sobre
estas relações sociais, portanto, em vários momentos, a materialidade das exações recortará
notas de um mesmo objeto/relação fática.
163
164
Para Roque Carrazza: “[…] em matéria tributária, dá-se o bis in idem quando o mesmo fato jurídico é
tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa política. Já, a bitributação é fenômeno pelo qual o
mesmo fato jurídico vem a ser tributado por duas ou mais pessoas políticas”. (Curso de direito
constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 596).
“Art. 146. Cabe à lei complementar: […] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação
tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes; […]”. (Grifos nossos).
68
Com o intuito de melhorar a compreensão do tema, procederemos a uma nova
separação para sanar o problema apontado no parágrafo anterior.
1.2.3
Terceiro fundamento para dividir: base de cálculo
Sustentamos que, aos atributos apontados anteriormente, deve ser acrescida –
obrigatoriamente – a propriedade: base de cálculo. Nossa percepção desta inclusão parte
da verificação empírica de que não necessariamente este critério apresenta notas da
materialidade que deveria representar. Neste caso, havendo discrepância, toda a relação
deve ser revista. Com isso, pode ser que uma situação que se apresente como dupla
tributação não o seja, e, em contranota, situações que não aparentem sê-lo o sejam.
Em parecer sobre a Base de cálculo como fato jurídico e a taxa de classificação de
produtos vegetais, Paulo de Barros Carvalho165, no sentido de confirmar a insuficiência do
critério material para dizer sobre a natureza jurídica da espécie tributária, aponta:
Nota-se, pelo que foi dito até aqui, a inaptidão da hipótese para,
sozinha, dizer qualquer coisa de definitivamente valiosa sobre a
composição intrínseca do fato colhido pela incidência (como pretendeu
fazê-lo o art. 4 do CTN), sobre sugerir a necessidade premente de
consultarmos sempre a base de cálculo se o objetivo é conhecer a
natureza jurídica da exação. (grifo nosso).
A nota atinente à base de cálculo deverá informar se os elementos contidos em seu
critério quantitativo – realmente – aferem a hipótese de incidência tributária, confirmandoa. Neste passo, teremos classes em que a base de cálculo denota a materialidade, e outras
em que isso não advém. Mais uma vez, socorremo-nos dos recursos gráficos para
exemplificar nossa divisão, agora completa. Neste aspecto:
165
CARVALHO, Paulo de Barros. Base de cálculo como fato jurídico e a taxa de classificação de produtos
vegetais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, out. 1998, p.
123.
69
O último critério de divisão nos trouxe oito distintas espécies em relação às
materialidades, vejamos as possibilidades:
1. se a dupla tributação for instituída pelo mesmo ente federativo, sob idêntica
materialidade, com base de cálculo que represente a hipótese de incidência tributária,
teremos um bis in idem duplicado pela materialidade e base de cálculo;
2. se a dupla tributação for criada pelo mesmo ente federado, sob idêntica
materialidade, cuja base de cálculo não reflita sua materialidade, teremos bis in idem
duplicado pela materialidade (com distinta base de cálculo);
3. se a dupla tributação for instituída pelo mesmo ente federado, sob materialidade
distinta, cuja base de cálculo represente sua materialidade, teremos bis in idem duplicado
pela base de cálculo (com distinta materialidade);
4. se a dupla tributação for instituída pelo mesmo ente federado, sob diversa
materialidade, cuja base de cálculo não represente sua materialidade, teremos bis in idem
com materialidade e base de cálculo distintos do tributo ao qual se confronta. Neste caso,
de antemão, informamos que é espécie lógica que não se adéqua às prescrições atinentes à
dupla tributação, uma vez que nenhuma das duas últimas características se assemelha. Este
caso representa o clássico formato de incidência tributária desprovido de traços de dupla
cobrança tributária. Seria, por exemplo, a adequação para a instituição de ISS, ITPU e ITBI
pelo Município de Palmas, Tocantins;
5. se a dupla tributação for instituída por ente público diverso, sob idêntica
materialidade e base de cálculo que representa a hipótese de incidência tributária, teremos
bitributação duplicada pela materialidade e base de cálculo;
70
6. se a dupla tributação for instituída por ente federado diverso, sob mesma
materialidade e base de cálculo com elementos que não representem sua hipótese de
incidência, teremos bitributação duplicada pela materialidade (com distinta base de
cálculo);
7. se a dupla tributação for instituída ente federado diverso, sob materialidade
distinta, cuja base de cálculo possua elementos que representem sua hipótese de incidência,
teremos bitributação duplicada pela base de cálculo (materialidade diversa);
8. se a dupla tributação for instituída por diverso ente federado, sob distinta
materialidade, cuja base de cálculo possua elementos que não representem sua
materialidade, estaremos diante de situação similar à apresentada no item 4. A diferença
entre ambas reside no fato de que aqui teremos incidência por distintos entes jurídicos de
direito público interno. Assim, como exemplo, citamos a instituição de imposto sobre a
renda pessoa jurídica pela União Federal e a criação de imposto sobre veículos
automotores pelo Estado Federado ou Distrito Federal.
Ressalvamos que, para elaborar estas espécies, construímos uma classificação
lógica para a qual utilizamos elementos intrínsecos da norma de dupla tributação, ou seja,
estruturais166.
Vale ressalvar que nossa abordagem, para averiguação da ocorrência ou não de uma
dupla incidência, ocorre do seguinte modo: (i) conhecido o tributo que se pretende
desnudar, ou seja, a exação que desejamos saber se assemelhar ou não a outra já prevista
pelo sistema, (ii) verificaremos se há sua adequação a uma das espécies construídas pelo
processo divisório lógico; existindo, estaremos diante de uma dupla tributação, caso
contrário, o tributo em foco se adequará à espécie 4 ou 8, anteriormente registradas.
Após a construção de todas estas possibilidades, vejamos quais, por que e em que
proporções podem interessar ao nosso estudo.
166
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 207 et
seq.
71
1.2.4
Síntese Classificatória
Procedemos à classificação do gênero superior (primeiro), cujo conjunto
denominamos dupla tributação, que contém duas espécies: bis in idem e bitributação,
ambos com atributos definidos pelo gênero, mais as diferenças peculiares a cada uma das
duas espécies. Ou seja, seu fundamento para dividir repousa sobre o aspecto de os tributos,
objetos da dupla tributação, haverem sido instituídos pelo mesmo ente federado ou por
entes distintos, respectivamente.
Face à insuficiência desta classificação, continuamos decompondo; agora, as duas
espécies acima especificadas se transformam em gênero. O novo fundamento para dividir
será a materialidade. Teremos novas espécies em razão de as hipóteses de incidência
serem ou não idênticas, ou seja, referirmo-nos ou não à mesma situação fática.
Por último, procedemos à classificação das materialidades em face da confirmação
de sua natureza jurídica através da verificação dos elementos constantes na base de cálculo.
Em outras linhas, como a base de cálculo deve representar o corte promovido pela hipótese
de incidência, pensamos indispensável tê-la como critério importante à distinção das duas
espécies de dupla tributação.167
Posto isto, para retratar, pormenorizadamente, cada espécie que classificamos,
utilizaremos o conceito de diferença específica, sobre o que menciona Eurico Marcos
Diniz de Santi168:
Com efeito, diferença de uma espécie é aquela parte da conotação do
nome específico, ordinário, especial ou técnico que distingue a espécie
em questão de todas as outras espécies de dado gênero a que em
determinada ocasião nos referimos.
Nesta tônica, utilizaremos a fórmula: (E = G + De), ou seja, “a espécie é igual ao
gênero mais a diferença específica”169.
167
168
169
Seguindo as linhas traçadas pelas categorias semióticas (objeto dinâmico e objeto imediato), o nosso
objeto de estudo imediato será a regra-matriz tributária, responsável pela construção das normas que se
originam do gênero “dupla tributação”. Como o objeto dinâmico pode ser real ou imaginário e levando-se
em conta que o conhecimento somente existe mediante a linguagem, somente temos acesso ao objeto
dinâmico por intermédio do objeto imediato. (ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do direito.
São Paulo: Quartier Latin, 2005).
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 206207.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 118.
72
Assim, nossa primeira – grande – espécie será representada pelo bis in idem
(espécie), que será igual à dupla tributação170 (gênero) mais o atributo de que, nesta
situação, apenas um ente federado institui as duas exações (diferença específica).
A segunda – grande – espécie será a bitributação (espécie), que será igual à dupla
tributação171 (gênero) mais a característica de dois tributos haverem sido instituídos por
mais de um ente federado (diferença específica).
Com o objetivo de facilitar a compreensão, visando respeitar a conexão do
raciocínio firmado neste estudo, as duas espécies anteriormente mencionadas serão
subdivididas, cada uma delas, em três novas espécies. Essa nova separação preza por
coerência, tanto na separação dos termos, quanto na nomenclatura eleita. Ou seja, cada
uma das novas espécies do bis in idem mantém analogia com uma das novas espécies da
bitributação, como uma relação de paridade, cujo aspecto diferenciador é justamente a
“dupla tributação”.
Deste modo, promovemos o processo de separação dos “objetos em classes de
acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e
exatamente determinadas em relação às demais classes”172.
Ressalvamos que, no momento em que realizamos o processo classificatório, nos
ocupamos com a construção do esqueleto lógico; posteriormente, faremos a inserção das
veias, órgãos, membros oferecidos pelo corpo do direito positivo ao esqueleto da divisão.
1.3
Bis in idem
Segundo anuncia o dicionário de latim forense173, em sua literalidade, bis in idem
significa “duas vezes no mesmo assunto”. Assim, restou consagrado na doutrina nacional
que este instituto representaria a incidência tributária ocorrida duas vezes no mesmo
assunto, ou seja, uma dupla ocorrência sobre um mesmo fato.
Vale mencionar que todo processo que se orienta pela lógica dos termos, com o
intuito de dividir, classificar e definir enunciados, somente persiste porque visa aclarar a
170
171
172
173
Cuja qualidade geral é (i) a instituição de mais de um tributo.
Cuja qualidade geral é (i) a instituição de mais de um tributo.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 117.
CARLETTI, Amilcare. Dicionário de latim forense. 10. ed. rev. São Paulo: Leud, 2011, p. 113.
73
compreensão e evitar erros que viciem o trabalho científico realizado, por isso a opção por
sua utilização.
Ponderamos linhas atrás a divisão do bis in idem174, agora gênero, em três novas
espécies. Neste caso, a qualidade geral (gênero) será delineada pela situação de que em
todas as três espécies encontraremos: a instituição de mais de um tributo pelo mesmo ente
federativo.
Assim, entendemos que dividir o instituto em três espécies traz maior clareza, o que
contribuirá para uma melhor compreensão de seus resultados afetos à base de cálculo,
sempre em virtude dos cortes realizados em nosso objeto de observação.
1.3.1
Primeira Espécie: bis in idem – duplicado pela materialidade e base de
cálculo
Denominaremos a primeira por “bis in idem – duplicado pela materialidade e base
de cálculo” 175 (espécie), que é igual ao bis in idem (gênero) mais a identidade (nos dois
tributos) das notas contidas no critério material e no critério quantitativo – base de cálculo
(diferença específica). Essa espécie não traz dificuldades na sua compreensão, nem em sua
aferição.
Momento oportuno para utilizar a função comparativa da base de cálculo,
informada por Paulo de Barros Carvalho, como “confirmação”, ou seja, representativa da
situação que “toda vez que houver perfeita sintonia entre o padrão de medida e o núcleo do
fato dimensionado”176.
174
175
176
Respectiva nomenclatura também é utilizada pelo direito penal.
Nesse ponto, criamos uma nomenclatura para designar as diferentes espécies de bis in idem (bem como o
faremos na bitributação), para que possamos identificar, com o fito de melhor abordar e classificar o
tema. Vide, “Essa possibilidade de inventar nomes para as coisas chama-se ‘liberdade de estipulação’. Ao
inventar nomes (ou aceitar os já inventados), traçamos limites na realidade, como se a cortássemos
idealmente em pedaços e, ao assinalar cada nome, identificássemos o pedaço que, segundo nossa decisão,
corresponderia a esse nome”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método.
São Paulo: Noeses, 2008, p. 122).
Id. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 345.
74
A Primeira Seção177 do Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no
sentido de ser devido PIS/PASEP e COFINS, incidentes sobre os valores recebidos pelas
empresas fornecedoras de mão de obra, direcionados ao pagamento de salários e demais
encargos sociais, advindos dos serviços prestados pelos trabalhadores por elas
disponibilizados. Ou seja, as duas contribuições incidem sobre a mesma base de cálculo.
Neste compasso, Fabiana Del Padre Tomé178, em estudo que menciona a
materialidade das contribuições previstas no artigo 195 da CF/88, particularmente, o
PIS/PASEP e a COFINS, confirma que representam exceção à proibição de ocorrência do
bis in idem, porque possuem “fundamentos de validade diversos”; sendo assim, “é possível
termos mais de uma contribuição social incidente sobre a mesma base de cálculo […]”.
Vejamos a aplicação do caso empírico, representado pelo julgado mencionado, à
classificação lógica da primeira espécie de bis in idem:
177
178
Recurso Especial 971066/SC. 2007/0173024-9. Relatora Ministra Denise Arruda. Relator para Acórdão
Ministro Benedito Gonçalves. Órgão Julgador T1 – Primeira Turma. Data do Julgamento 22.06.2010.
Data da Publicação/ Fonte DJe 18.08.2010.
TOMÉ, Fabiana Del Padre. Natureza jurídica da “não-cumulatividade” da contribuição ao PIS/PASEP e
da COFINS: conseqüências e aplicabilidade. In: FISCHER, Octavio Campos; PEIXOTO, Marcelo
Magalhães (Coords.). PIS-COFINS. Questões atuais e polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 539.
75
Noutro giro, a Corte firmou entendimento de que é devida a contribuição social
sobre o montante pecuniário que transita pelas contas bancárias do contribuinte, cujo valor
é destinado ao pagamento da mão de obra contratada por terceiro. Em razão de nosso corte
metodológico cingir-se, particularmente, na análise da dupla tributação via critério material
e quantitativo, não desceremos aos pormenores desta questão atinente ao PIS/PASEP e à
COFINS.
Esta é a espécie que, juntamente com a nomenclatura “incidência tributária
duplicada pela materialidade e pela base de cálculo”, definiremos como “bis in idem puro”,
uma vez que somente nessas condições teremos verdadeira identidade entre seus critérios
informadores, autêntica similitude de tributos.
1.3.2
Segunda Espécie: bis in idem – duplicado pela materialidade (base de cálculo
distinta)
Esta divisão será definida da seguinte forma: teremos o “bis in idem – duplicado
pela materialidade” (espécie), que é igual ao bis in idem (gênero) mais o fato de que, nesta
espécie, a base de cálculo apresentará conotações179 distintas. Este recorte elege diferentes
notas no modo de apurar o aspecto dimensível da mesma materialidade180 (elemento que
compõe a diferença específica), mas que a afirma181. Este o esquema lógico hipotético:
179
180
181
Stuart Mill utilizou a palavra conotação para “[…] exprimir ‘o modo pelo qual um nome concreto geral
serve para designar os atributos que estão implícitos no seu significado’. (ABBAGNANO, Nicola.
Dicionário de filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão
da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
p. 216).
Não localizamos na doutrina nacional nenhum autor que diga nesse mesmo sentido, ou seja, que diga ser
possível “efetuar diferentes notas no modo de se apurar o aspecto dimensível da mesma materialidade”.
Mencionada situação, com todo o respeito devido e guardada as devidas proporções, nos remete à menção
feita por Misabel de Abreu de Machado Derzi na introdução de seu livro, onde relata que “A consciência
da extensão e dificuldade do tema levou-me a tomar a decisão de abandonar a questão relativa à
competência das pessoas estatais na Federação brasileira, uma vez que indagações preliminares (como
que são os tipos? a que servem?) deveriam ser cuidadosamente respondidas num contexto mais amplo. É
que críticas a noções tão sedimentadas no Direito exigem reflexões e demonstrações mais acuradas, num
esforço extraordinário”. (DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 17).
O “afirmar”, nesse caso, é utilizado no sentido proposto por Paulo de Barros Carvalho, quando aborda as
funções da base de cálculo. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 341).
76
Amparando-nos em um caso empírico (jurisprudencial e doutrinário) muito rico
argumentativamente, faremos um organograma explicando as nuanças desta espécie de bis
in idem, com o fito de construir uma ponte entre a classificação lógica e o direito positivo
tributário, conforme se depreende a seguir:
A Suprema Corte, em três decisões monocráticas, proferidas no primeiro semestre
de 2011, sob Relatoria dos Ministros Ellen Gracie182, Joaquim Barbosa183 e Dias Toffoli184,
negou pedido de extensão de isenção fiscal do IRPJ à CSLL, concedido às empresas
localizadas na região da SUDENE. As argumentações se fundamentam, regra geral, nos
seguintes fatos:
No tocante a questão relativa à identidade entre a contribuição social
sobre o lucro (CSLL) e o imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ), esta
Corte possui entendimento no sentido de que não procede a alegação de
igualdade entre esses tributos, sendo que a própria Constituição
182
183
184
Recurso Extraordinário 555257/PR. Relatora Ministra Ellen Gracie. Julgamento: 16.05.2011. Segunda
Turma. DJe 16/05/2011.
Recurso Extraordinário 577492/PE. Relator Ministro Joaquim Barbosa. Julgamento: 25.05.2011.
Publicação DJe divulgado 31.05.2011. Publicado 01.06.2011.
“[…] decidiu-se pela impossibilidade da extensão de isenção concedida às empresas localizadas na área
de abrangência da SUDENE referente ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ aos valores
relativos à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, ante a não identidade destes tributos”. (Recurso
Extraordinário 633226/DF. Relator Ministro Dias Toffoli. Julgamento: 15.06.2011. Publicação Processo
Eletrônico DJe-117 divulgado 17.06.2011. Publicado 20.06.2011, grifos nossos).
77
Federal autoriza a instituição de contribuição social sobre o lucro em
capítulo próprio da Seguridade Social. Assim, eventual semelhança
entre as bases de cálculo das exações não implica necessariamente em
unicidade de tratamento fiscal. (grifos nossos).
In casu, não há que se falar em isenção da Contribuição Social sobre o
Lucro, com base na isenção concedida para o Imposto de Renda Pessoa
Jurídica, tendo em vista que são tributos de espécies distintas vez que,
embora tenham a mesma base de cálculo, seus fatos geradores não se
assemelham. […] Esta Corte já afastou expressamente a identidade entre
a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL e o Imposto de
Renda e Proventos de Qualquer Natureza – IRPJ, por serem tributos
classificados em espécies próprias e diferentes. Assim, eventual
semelhança entre as bases de cálculo das exações não implica
necessariamente unicidade de tratamento fiscal. (grifo nosso).
Três argumentos principais foram empregados pelo Supremo Tribunal Federal para
justificar a ausência de identidade/igualdade entre a CSLL e o IRPJ, são eles: (i) a própria
autorização constitucional à instituição de CSLL em capítulo da Seguridade Social; (ii)
tributos de espécies distintas que, embora tenham a mesma base de cálculo, possuem “fatos
geradores” distintos; e (iii) a semelhança entre suas bases de cálculo não implica,
necessariamente, unicidade de tratamento fiscal.
Em contrapartida, entendemos que (i) o fato de a CF/88 prescrever que a CSLL e o
IRPJ podem incidir sobre a mesma materialidade (obtenção de rendimentos), ainda que em
capítulos distintos, não é argumento minimamente adequado às prescrições do direito posto
para alegar não identificação entre ambos. Se assim o for, o STF haverá adotado como
premissa, para aferir a identidade entre tributos de distintas espécies, a localização física
dos dispositivos na Carta Política.
Neste passo, como procederia este Tribunal caso fosse instado a se pronunciar
sobre a possível equiparação entre dois tributos, caso um deles não possua materialidade
delimitada pela Carta Republicana, como é o caso das contribuições sociais genéricas185?
Aqui, claro, além de não termos resposta, somos incapazes de imaginar uma possível. Mas,
dispensando maiores reflexões, cremos ser insustentável a manutenção do posicionamento
atual da Corte mencionada.
185
“Uma das distinções que merece relevo é o fato de não ter o constituinte indicado as materialidades
passíveis de ser oneradas pela criação de contribuições genéricas, deixando a cargo do legislador
infraconstitucional […]”. (TOMÉ, Fabiana Del Padre. Natureza jurídica da “não-cumulatividade” da
contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS: conseqüências e aplicabilidade. In: FISCHER, Octavio
Campos; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coords.). PIS-COFINS. Questões atuais e polêmicas. São
Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 537, grifos nossos).
78
A segunda (ii) alegação diz que não são idênticos porque são de espécies próprias e
diferentes, ainda que possuam mesmas bases de cálculo, e, materialidades distintas. Outro
critério objetivo foi estabelecido: tributos que possuam a mesma base de cálculo, mas que
sejam de diferentes espécies e materialidades, não são idênticos. Vejamos que foram
registrados três distintos elementos.
Seguindo esta premissa, e invertendo-a, seria possível concluir que tributos com
mesmo critério quantitativo, de mesma espécie e materialidade, seriam idênticos? Segundo
a linha tracejada, a afirmação deste questionamento nos parece a resposta mais coerente.
Neste passo, cabe outro questionamento: seria possível crer que a premissa firmada nos
leva a imaginar que somente os tributos que pertencem à mesma espécie (como os
impostos residuais, extraordinários e nominados) seriam idênticos? O que o STF pretendeu
ao utilizar esta expressão?
Os tributos que pertencem à mesma espécie possuem conotações semelhantes,
como no caso dos impostos; as três espécies possuem características comuns que os
permitem participar de uma mesma classe. Assim, temos muita segurança em alegar que
isso não os torna idênticos, ou seja, os tributos de uma mesma espécie jurídica não são
iguais entre si, apenas possuem notas que os permitem qualificá-los como espécies de um
mesmo gênero. Porém, em contranota, o Superior Tribunal de Justiça186 sintetiza seu
posicionamento do seguinte modo:
[…] 3. A jurisprudência desta Corte entende que é legítima a incidência
do PIS e da Cofins tendo como base de cálculo o faturamento das
empresas locadoras de mão de obra, nele incluídos os salários dos
funcionários e os encargos sociais repassados pela tomadora de serviços à
recorrida. 4. Com relação ao IRPJ e à CSLL cobrados pela sistemática
do lucro presumido das empresas, aplica-se o mesmo entendimento
definido para os casos do PIS e da Cofins, tendo em vista a
identidade dos fatos geradores. (grifos nossos).
Nota-se, aqui, claro descompasso entre o posicionamento dos Tribunais Superiores
no que se refere às suas posições sobre a identidade das materialidades destes tributos.
Ainda, será impossível nos furtarmos a mencionar a incompatibilidade jurídica
sistêmica existente entre o posicionamento do STF, no que toca à análise da semelhança
entre o IRPJ e a CSLL (caso em tela), e as inferências – reiteradamente – realizadas por
este Tribunal quando do confronto de exações da espécie imposto com taxa. Neste último
186
RE nos EDcl no REsp 971066 Relator(a) Ministro FELIX FISCHER Data da Publicação 17/03/2011.
79
caso, foi produzida a Súmula Vinculante n. 29, para solidificar o entendimento de que
somente haverá analogia entre tais tributos quando seus elementos quantitativos possuírem
integral identidade.
No primeiro caso (IRPJ versus CSLL), a premissa utilizada diz que, ainda que dois
tributos possuam mesma base de cálculo, se forem de espécies diversas, não haverá
identidade. Já no segundo caso (impostos versus taxas), a premissa é a inversa da primeira,
ou seja, se entre imposto e taxa houver integral identidade da base de cálculo, os tributos
serão idênticos. E neste caso sequer foi cogitada a distinção ou similitude entre espécies,
mesmo porque o fundamento já parte do axioma de que são distintos; portanto, seria
incabível falar em espécies distintas, neste caso. Verifica-se que uma fundamentação nega
a outra, as duas não são passíveis de coexistir no mesmo plano de licitude jurídica e não
validade.
Dois pesos, duas medidas. Em outras palavras, tratamento desigual para institutos
jurídicos que se encontram em situações de igualdade.
Em relação à (iii) última argumentação, alega o STF que a semelhança de suas
bases de cálculo não implica, necessariamente, unicidade de tratamento fiscal. Isto quer
dizer que, em alguns casos, pode implicar? Neste caso, como pautar o tema, sendo que em
determinado momento a igualdade de bases de cálculo determina identidade de tratamento
fiscal entre os tributos, mas, em outros momentos, não? Esta é nossa compreensão, e
imaginamos que não há muito como discordar desta interpretação. Tendo presente, em
outras palavras, que a Suprema Corte diz que (a unicidade de tratamento fiscal) em um
momento pode ser equiparado, mas, em outro, não o pode, sem que para isto tenha
apontado a diferença entre tais momentos.
Estas eram as nossas ponderações sobre a posição do STF.
Façamos uma ressalva à espécie acima retratada, que chamamos de “bis in idem –
duplicado pela materialidade”, em que a base de cálculo dos dois tributos apresentam notas
distintas da mesma hipótese, ou seja, apesar de recortarem distintos aspectos do real, não
negam sua materialidade. Hipótese que, também, entendemos representante do bis in idem.
Falar sobre “incidência” forte, fraca e baixa.
Ainda nesta espécie, vislumbramos a possibilidade de ocorrência de uma falsa
situação de bis in idem duplicado pela materialidade. Noutro giro, seria o fato de o ente
80
federativo instituir dois tributos, com materialidades idênticas, mas cujo critério
mensurador de um deles não representa as notas de sua hipótese de incidência. Vide
quadro abaixo:
Neste caso, se a base de cálculo não refletir o “núcleo do fato jurídico tributário”187,
há que se falar em bis in idem? Antes de responder a indagação, é necessário rememorar a
premissa de que, havendo descompasso entre o binômio “hipótese de incidência tributária
e base de cálculo”, esta última deve prevalecer. Pois bem, se o critério de mensuração
infirmar188 a hipótese, então aquele oferecerá o tom da natureza jurídica do tributo, em
descompasso com a menção do caput do art. 4 do CTN189.
Se a natureza jurídica for alterada com base nas premissas esboçadas, entendemos
que essa nova exação – que possuía foros de bis in idem – se desnatura, perdendo tal
designação e, consequentemente, negando possível duplicidade.
No entanto, qual a diferença entre este modelo hipotético e o modelo anterior, cuja
distinção reside no fato de que, naquele, as bases de cálculo, mesmo distintas entre si,
representam notas da hipótese de incidência? No primeiro modelo retratado, apesar da
distinção entre as notas do critério quantitativo, o bis in idem persiste; neste segundo caso,
como a base de cálculo destoa da materialidade, há claro distanciamento entre os tributos
comparados, inexistindo possibilidade de traçar paridade; esta, após a verificação da
natureza jurídica do tributo.
187
188
189
Expressão cunhada por Paulo de Barros Carvalho. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito
tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 342).
“Infirmando, quando for manifesta a incompatibilidade entre a grandeza eleita e o acontecimento que o
legislador declara como a medula da previsão fáctica”. (Ibid., p. 345).
“Art. 4. A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação,
[…]”.
81
1.3.3
Terceira Espécie: bis in idem – duplicado pela base de cálculo (materialidade
distinta)
Esta análise exige interpretação diferenciada, que chamaremos de “interpretação às
avessas”, ou seja, de trás para frente. Expliquemos melhor.
Esta espécie não “nasce” como um instituto do bis in idem, ou seja, num primeiro
momento, não percebemos nela as características gerais deste instituto, mas, após o
processo de percurso da construção de sentido dos textos jurídicos, ela se “transfigura”
para o intérprete.
À espécie delineada chamaremos de “bis in idem – duplicado pela base de cálculo”
(espécie), que é igual ao bis in idem (gênero) mais a nota de que, (i) sob uma primeira
perspectiva, possuem distintas materialidades, com consequente distinção das marcas de
espaço (critério espacial) e tempo (critério temporal); porém, (ii) possuem identidades de
base de cálculo, ou seja, os elementos da enunciação selecionados pelo legislador são os
mesmos (diferença específica).
Vejamos o caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal, sob Relatoria do Ministro
Ilmar Galvão190, cuja ementa segue transcrita:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. TAXA DE LICENCIAMENTO DE
IMPORTAÇÃO. ART. 10 DA LEI 2.145/53, REDAÇÃO DADA PELO
ART. 1. DA LEI N. 7.690/88. Tributo cuja base de calculo coincide
com a que corresponde ao imposto de importação, ou seja, o valor da
mercadoria importada. Inconstitucionalidade que se declara do
dispositivo legal em referência, em face da norma do art. 145, par. 2, da
Constituição Federal de 1988. Recurso não conhecido. (grifo nosso).
No caso sob exame, afirma o Relator que o tributo em foco se refere à taxa em
razão do poder de polícia. Porém, afirma que seu critério quantitativo não corresponde a
uma perspectiva dimensível da atividade estatal desempenhada, como deveria, caso
respeitasse os postulados do direito positivo191. Afirma corresponder sim, consoante
190
191
Recurso Extraordinário 167992/ PR. Relator Ministro Ilmar Galvão. Julgamento em 23.11.1994. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 10.02.1995.
O imposto de importação, ao longo dos anos, foi objeto de algumas discussões pertinentes à similaridade
de sua base de cálculo em comparação a tributos vinculados a situações fáticas de desembaraço
aduaneiro. O STF, em seção Plenária de 13.12.1963, proferiu a Súmula 309, cujo teor segue: “A taxa de
despacho aduaneiro, sendo adicional do imposto de importação, não está compreendida na isenção do
imposto de consumo para automóvel usado trazido do exterior pelo proprietário”. E, a Súmula 308, de
mesma data, que se expressa no mesmo sentido: “A taxa de despacho aduaneiro, sendo adicional do
imposto de importação, não incide sobre borracha importada com isenção daquele imposto”.
82
informado pela legislação e alterações, ao quantum constante do documento de
importação, ou seja, ao valor do bem ou produto importado. Vejamos o organograma:
Resumindo o exemplo acima, estabelecemos que o gênero “dupla tributação” se
refere à dúplice incidência jurídica exacional, cuja espécie bis in idem representa a
instituição de mais de uma exação pelo mesmo ente. E, nesta subespécie que ora
retratamos, ocorre a diversidade materialidade mais a identidade de bases de cálculo.
Assim, como o binômio “hipótese de incidência x base de cálculo” relega a esse
último a força motriz para a constituição da natureza jurídica do tributo, mesmo que possua
nomenclatura equivocada192, pode ocorrer de a base de cálculo do novo tributo instituído,
coincidindo com o critério dimensível de um tributo válido no sistema, atuar como um
adicional da exação existente, conferindo-lhe ares de pertinência ao sistema. Neste
momento ocorrerá uma inversão da interpretação construída na primeira observação do
intérprete, para que se construa uma relação jurídica de bis in idem, que poderá ser ou não
constitucional193. Nesse tocante, Geraldo Ataliba registra que,
Conforme um tributo se configure como inserto numa ou noutra
categoria, as conseqüências serão diferentes. No Brasil, é de fundamental
importância proceder com rigor na tarefa de identificar as peculiaridades
de cada espécie, porque a rigidez do sistema constitucional tributário (v.
nosso Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, Ed. RT, 1990,
192
193
“São bem comuns e muito conhecidas, entre nós, figuras de tributos cujos nomes sugerem realidades
completamente distintas, mas que o legislador utiliza para burlar a rígida discriminação das competências
impositivas”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 28).
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 3. tir. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 124.
83
Capítulo 1) fulmina de nulidade qualquer exação não obediente
rigorosamente aos moldes constitucionais estritos.
Neste processo inverso, constrói-se uma nova estrutura de interpretação jurídica,
que resulta numa reconstrução da terceira espécie, ou seja, é uma incidência tributária
duplicada pela base de cálculo às avessas (espécie), que é igual ao bis in idem (gênero),
mais a (i) desconstrução da natureza jurídica primitiva da norma, “transformando”-a em
uma materialidade compatível com seu critério dimensível, e (ii) a identidade de bases de
cálculos. Segue demonstração gráfica:
Como arremate desta espécie, vejamos nota de Alfredo Augusto Becker194:
Demonstrar-se-á que o critério objetivo e jurídico é o da base de cálculo
(base imponível). Este, sempre e necessariamente, é o único elemento que
confere o gênero jurídico do tributo. Noutras palavras, ao se investigar o
gênero jurídico do tributo, não interessa saber quais elementos que
compõem o pressuposto material ou quais as suas decorrências
necessárias, nem importa encontrar qual o mais importante daqueles
elementos ou decorrências. Basta verificar a base de cálculo; a natureza
desta conferirá, sempre e necessariamente, o gênero jurídico do tributo.
Ante todo o exposto, justificamos a eleição de uma espécie de bis in idem que, a
priori, não possui semelhança com o tributo ao qual se contrapõe. Tendo em vista que as
características iniciais desta espécie funcionam à semelhança de um casulo de lagarta, é
necessário desnaturar um para nascer o outro, e assim conseguir reconhecer a borboleta – o
bis in idem.
194
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4 ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 394.
84
1.3.4
Quarta Espécie: falso bis in idem – ausência de semelhança dos critérios
abordados
A quarta espécie originada da classificação lógica representa, em seu melhor
estado, a incidência tributária desprovida de qualquer similaridade, ou seja, entendemos
que é a tributação em seu estado genuíno, bruto, conforme pretendido pelo legislador
constituinte originário, haja vista, possuir dados materiais e quantitativos completamente
desvinculadoss da exação a qual se confronta.
Visualizemos sua feição gráfica:
Ente Federado
Tributo alfa
Tributo beta
Materialidade
de alfa
Materialidade
de beta
Base de cálculo
de alfa
Base de cálculo
de beta
Nada mais norteador do que adequar, a um exemplo teórico abstrato, um fato
(jurídico). Nestes termos, utilizar-nos-emos
utilizar
de julgamento realizado pela Suprema Corte
de Justiça195, quando de sua eleição sobre o tributo devido nas operações mistas de
serviços de conserto e manutenção de refrigeradores com fornecimento de peças
empregadas.
Registremos que nesta específica situação, distinta, portanto, do exemplo fornecido
na espécie anterior, a legislação infraconstitucional (Decreto-Lei
(Decreto Lei 406/68 e a Lei
Complementar 116/2003) faz expressa menção quanto à exceção ao fornecimento de
peças, prescrevendo que deverá incidir ICMS sobre elas.. Nesta tônica, vejamos:
195
Recurso Especial 1239018/PR. 2011/0035386-7.
2011/0035386 7. Relator Ministro Humberto Martins. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Data do julgamento: 05.05.2011. Data da publicação/Fonte DJe: 12.05.2011.
85
Ente federado: Estado do Tocantins
ICMS
IPVA
Realizar operação de circulação de
mercadorias.
Ser proprietário de veículo
automotor.
Base de cálculo: valor da operação de
circulação da mercadoria.
Base de cálculo: valor do veículo.
Nota-se
se que as notas das materialidades e das bases de cálculos não se tocam, não
há identidade. Por isto, não há que se cogitar de hipótese de bis in idem.
1.4
Bitributação
Abordada a espécie bis in idem,, passemos à espécie bitributação, conhecida pela
doutrina como o instituto que representa a incidência duplicada, cuja instituição tributária
decorra de duas diferentes pessoas políticas de direito público interno, agindo ou não
dentro de sua esfera de competência tributária. Ou seja, ambos os legisladores ordinários
promovem o mesmo
esmo recorte fático no mundo fenomênico e, a partir de então, elegem notas
que julguem relevantes para compor a norma de incidência padrão.
Ponderamos, linhas atrás,
atrás a divisão da bitributação, agora gênero, em três novas
espécies. Neste caso, a qualidade geral (gênero) será delineada pela situação de que em
todas as três espécies encontraremos: a instituição de mais de um tributo por distintas
pessoas jurídica de direito
ito público interno.
Vale pontuar que, uma vez que a bitributação, consoante nossa classificação,
somente se opera mediante a instituição de mais de dois tributos por distintos entes
competentes, caso ocorra a instituição de um tributo sob a forma de adicional,
adic
regra geral,
o mesmo será inconstitucional. Porém, quando o ente federado atuar fora de seu campo de
competência196, mas com respaldo na exceção prevista no artigo 154197, II, da Constituição
Federal de 1988, a exação será pertinente ao sistema.
196
“O termo ‘competência tributária’ será
será aqui definido como a aptidão, juridicamente modalizada como
permitida ou obrigatória, que alguém detém, em face de outrem, para alterar o sistema de direito positivo,
mediante a introdução de novas normas jurídicas que, direta ou indiretamente, disponham
disponh
sobre a
instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária:
tributária
fundamentos para uma teoria da nulidade. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 218).
86
Quanto à constitucionalidade, regra geral198, a bitributação é inconstitucional.
Assim sendo, pode e deve ser provocada sua declaração de inconstitucionalidade. Neste
sentido, Tácio Lacerda Gama199 sustenta:
A natureza da norma inconstitucional é tema recorrente entre aqueles que
litigam acerca do tema. A relevância prática da disputa estaria no efeito
no tempo que se poderia imputar à decisão de inconstitucionalidade. A
pergunta central seria: a norma inconstitucional é nula, inexistente ou
anulável. Se nula, seus efeitos retroagiriam à data de edição do ato
viciado. Se inexistente, não seria possível considerar qualquer dos seus
efeitos jurídicos. Se anulável, é a decisão do STF que a anula, logo seus
efeitos se projetariam apenas para o futuro, num caso clássico de eficácia
ex nunc.
Explicadas as premissas que norteiam a bitributação, promoveremos uma nova
operação de classificação e a dividiremos em três espécies, que possuirão como qualidade
geral a instituição de dois tributos por dois distintos entes federados, ou seja, os dois
tributos objetos de comparação devem ter sido instituídos, cada qual, por um membro
federativo distinto. A partir dessa nova classificação, possuiremos elementos para rubricar
as espécies nas quais entendemos se dividir a bitributação. Vejamos.
1.4.1
Primeira Espécie: bitributação – duplicada pela materialidade e base de
cálculo
Nominando a primeira etapa por “bitributação – duplicada pela materialidade e
base de cálculo” (espécie), tem-se que será igual à bitributação (gênero), mais a
semelhança das materialidades da hipótese de incidência e dos critérios dimensíveis, nos
dois tributos (diferença específica); espécie que não exige maiores explicações, em face da
paridade de seus dois elementos.
197
198
199
“Art. 154. A União poderá instituir: […] II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos
extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos,
gradativamente, cessadas as causas de sua criação”.
O Min. Aliomar Baleeiro, em julgamento realizado em 18.09.1974, Tribunal Pleno do STF, no RE
77131/AM, relata: “Taxa de estatística do Amazonas – inconstitucionalidade. 1. A bi-tributação é
sempre inconstitucional no Brasil, mas o bis in idem poderá ser constitucional em alguns casos e em
outros não. 2. O bis in idem, por meio do I.C.M. é inconstitucional, porque a 2A. exigência, acumulada
com a 1A., ultrapassa a alíquota máxima fixada pelo senado nos termos do art. 23, parágrafos 5., da C.F.
3. A taxa de estatística das leis 698/67, do Amazonas, e inconstitucional porque mascara bis in idem do
ICM e não se enquadra no art. 18, I, da emenda 1/69, nem nos arts. 77 e 79, do C.T.N.” (grifo nosso).
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 1. ed. São
Paulo: Noeses, 2009, p. 330.
87
Esta é a espécie que, juntamente com a nomenclatura “bis in idem – duplicada pela
materialidade e base de cálculo”, também definiremos como “bitributação pura”, uma vez
que somente nestas condições tem-se verdadeira identidade entre seus critérios
informadores, autêntica similitude de tributos.
Entendemos possível sua ocorrência, quando uma pessoa jurídica de direito público
interno crie uma exação, cuja materialidade e critério quantitativo (base de cálculo) sejam
iguais ao de um tributo pertencente a ente federativo de competência distinta, neste caso,
seria um adicional ao tributo já existente.
Para que seja considerado constitucional, portanto, pertinente com as normas que
lhe prescrevam fundamento de validade, deverá ser instituído em consonância com as
regras atinentes ao imposto extraordinário – única situação possível. Qualquer outra
situação, de acordo com o ordenamento jurídico vigente, será apta à declaração de
inconstitucionalidade.
Laboremos sobre um caso empírico para melhor aclarar a espécie em comento. O
Estado do Paraná instituiu a taxa de anotação de responsabilidade técnica, cuja
competência fiscalizatória e arrecadatória foi delegada ao CREA/PR, que, segundo o artigo
1 da Lei n. 6.469/77, incide sobre “Todo contrato, escrito ou verbal, para a execução de
obras, ou execução de quaisquer serviços profissionais referentes à Engenharia, à
Arquitetura ou à Agronomia […]”, ficando sujeitos à Taxa de Anotação de
Responsabilidade Técnica (ART).
Nesta tônica, o contribuinte200 alega que a respectiva taxa, além de ser cobrada em
dois distintos momentos, quando da aprovação do projeto em caso de obras, bem como
200
Recurso Especial n. 478.812/PR, sob Relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado em 03.06.2004, Primeira
Turma. Informativo n. 0211.
88
quando da fabricação de produtos de edificação, tais como vigas, viguetas de concreto prépré
fabricado e lajotas cerâmicas. Alega, também, que sob respectiva relação jurídica já incidiu
ICMS e IPI, este último será nosso objeto de estudo201.
Estado do Paraná
Taxa de anotação de
responsabilidadade técnica
cobrada pelo CREA/PR
União Federal
IPI - Imposto sobre produtos
industrializados
Idêntica Materialidade: fornecimento de
matéria prima para a construção civil
Idêntica Base de Cálculo: valor do produto
fornecido/ produzido.
Manifestou-se,
se, no voto, o Ministro Relator Luiz Fux no sentido de que,
que
In casu,
casu é fato incontroverso que a atividade-fim
fim da empresa constitui-se
constitui
na fabricação de componentes industriais utilizados na construção civil,
tais como vigas e viguetas de concreto e lajes de cerâmica. Não há
qualquer contrato firmado entre a empresa recorrente e o comprador dos
materiais por ela fabricados. A taxa de anotação
ação de responsabilidade
técnica pressupõe execução de serviços de engenharia e não
fornecimento de matéria-prima
matéria prima para a construção civil. (grifo nosso).
No caso acima referido, ocorre uma inconstitucional bitributação, em razão da
cobrança duplicada pela incidência da taxa estadual arrecadada pelo CREA/PR e pelo IPI
sobre o fornecimento dos respectivos materiais. Noutras linhas, a cobrança da taxa estadual
pela CREA/PR é indevida por extrapolar a materialidade compatível com a espécie em
comento.
201
Pensamos que o exemplo relatado demonstra a complexidade da dupla tributação, quando da incidência
de fatos muito próximos
imos ou mesmo, semelhantes. Noutro giro, neste exemplo empírico, alega-se
alega
no
recurso especial a existência de bis in idem,, uma vez que a taxa é exigida na fabricação e na aprovação do
projeto assinado pelo responsável técnico. No entanto, entendemos que somente
somente há que se falar em bis in
idem,, nos casos em que, a mesma empresa que produza os produtos, também, ofereça a prestação de
serviço de realização do projeto. Caso contrário, nos referiremos a distintos sujeitos passivos. Vale
ressalvar ainda que não aquiescemos
aquiescemos com a respectiva cobrança em situações que a fabricação e
realização do projeto sejam realizadas por pessoas distintas, a ilegalidade/inconstitucionalidade tem o
foco alterado, esta a diferença nos dois casos.
89
1.4.2
Segunda Espécie: Bitributação – duplicada pela materialidade (base de
cálculo distinta)
Seguindo a Teoria das Classes, onde a fórmula (E = G + De), ou seja, “a espécie é
igual ao gênero mais a diferença específica”, realizamos a classificação em que teremos a
“bitributação – duplicada pela materialidade” (espécie), que é igual à bitributação (agora
gênero202) mais o fato de que, nesta espécie, a base de cálculo apresentará conotações
distintas. Ou seja, apesar de as bases de cálculos aferirem a mesma situação fática, fazemno mediante distintos critérios de eleição. Vide quadro explicativo:
Neste caso, é importante informar que adotamos como premissa o fato de que,
apesar de as bases de cálculos, numa aferição inicial, se apresentarem diferentes uma da
outra, o critério dimensível de ambas é retirado do mesmo objeto dinâmico. Assim, desde
que as notas das bases de cálculos sejam representativas do fato, entendemos correta a
utilização da expressão dupla tributação, ou seja, para tanto, não é necessário que as bases
de cálculos sejam idênticas.
202
Qualidades gerais do gênero bitributação: (i) instituição de dois ou mais tributos por mais de um membro
federativo; (ii) instituem de dois ou mais tributos sobre a mesma hipótese de incidência tributária; e (iii)
cujas notas das bases de cálculos representem suas respectivas hipóteses.
90
União Federal
Estados ou Distrito
Federal
II - Imposto de
Importação de
Produtos
Estrangeiros.
ICMS - Importação
Idêntica Materialidade:
Materialidade importar bens ou
mercadorias do exterior.
Base de cálculo: valor da
operação de circulação de
bens ou mercadorias
importados acrescidos de
outros fatores.
Base de cálculo: valor da
operação de circulação de
bens ou mercadorias
importados.
Na mesma tônica registrada na segunda espécie de bis in idem,
idem aqui também se
apresenta uma nota, já que pensamos possível sua ocorrência. Noutro giro, é a situação em
que a exação tributária (em foco) teria como termos de sua base de cálculo elementos
alheios ao seu critério material, o qual deveria informar.
Nestee caso, inexistindo relação entre critério mensurador e hipótese de incidência,
há que se falar em bitributação na espécie em estudo? Entendemos que não, uma vez que,
que
sendo a base de cálculo o critério norteador da natureza jurídica da exação e inexistindo
nexo entre este e a materialidade (binômio constitucional), o tributo “sofre” alteração de
sua natureza e regime jurídicos, o que o retira do campo de análise da bitributação, para o
caso em tela. Veja nova configuração:
Verifica-se,
se, nessa ilustração, que a materialidade e a base de cálculo do tributo b
não se tocam, não há intersecção entre os elementos, uma vez que a base de cálculo não
possui critérios que conotam a materialidade do fato que deveria nortear. Neste sentido,
senti
entendemos ser uma falsa espécie de bitributação, sendo mencionada apenas a título de
registro, uma vez que, segundo entendemos, sua análise preliminar pode induzir a erro.
91
1.4.3
Terceira
Espécie:
bitributação
–
duplicada
pela
base
de
cálculo
(materialidade distinta)
Esta espécie destoa um pouco das duas anteriores, uma vez que, a priori, possui
ares de não pertinência com o instituto em estudo, tendo em vista que, além de os tributos
em confronto serem instituídos por distintos entes federados, possuem distinta
materialidade. Neste caso, faremos uma análise da terceira espécie de maneira invertida,
como se partíssemos do final para o início, maneira ilustrativa de explicar. Vejamos.
Esta espécie não “surge” como um instituto da bitributação, ou seja, num primeiro
momento, não percebemos nela as características gerais desse instituto, tendo em vista que
é necessário investigar a natureza jurídica da exação, para, somente após, se reconhecer a
pertinência com a bitributação. Noutro giro, somente após o processo de percurso da
construção de sentido dos textos jurídicos, ela se “transfigura” para o intérprete.
A nomenclatura adotada será informada como “bitributação – duplicada pela base
de cálculo” (espécie), que é igual a bitributação (gênero) mais a nota de que (i) possuem
distintas materialidades e (ii) possuem identidades de base de cálculo, ou seja, os
elementos da enunciação selecionados pelo legislador são idênticos (diferença específica).
Segue quadro explicativo:
Como exemplo deste item, citaremos o clássico conflito de competência ocasionado
entre o ICMS e o ISS. Cuja materialidade, do primeiro, é a descrição de uma operação
relativa à circulação de mercadorias203; e do ISS, prestação de serviços de qualquer
natureza, ressalvado que, neste particular, adotaremos a posição dominante no STF de que
a lista é taxativa; portanto, o que não estiver prescrito é defeso aos municípios tributar.
203
“Saliente-se que, para fins de ICMS, os conceitos de operação, circulação e mercadorias se interligam e
complementam, de modo que, se os três não se apresentam concomitantemente, não há falar, sequer em
tese, em incidência do gravame”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Reflexões sobre a obrigação tributária.
São Paulo: Noeses, 2010, p. 93).
92
Vale ponderar que, teoricamente, não há maiores dificuldades na distinção entre
tais imposições constitucionais; os problemas surgem quando nos deparamos com questões
fáticas e complexas, como o são grande parte das relações econômicas do presente, que
envolvem vários procedimentos em suas cadeias produtivas, como as operações mistas204.
Percebe-se que a regulamentação desta matéria ocorre em plano infraconstitucional,
dada a reserva constante nos artigos 155, § 2º, XII, 156, III, e 146, II, da Constituição.
Assim, a LC 87/96, que dispõe sobre o ICMS, determina, em seu artigo 2º, IV, que o
imposto incida sobre o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não
compreendidos na competência tributária dos Municípios. E, a LC 116/03, que dispõe
sobre o ISS, estabelece, em seu artigo 1º, que tem como fato gerador a prestação de
serviços constantes da sua lista anexa e, no § 2º, esclarece que os serviços nela
mencionados não ficam sujeitos ao ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento
de mercadorias.
Posto isto, o Supremo Tribunal Federal205 concedeu liminar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 4.389 - MC/DF, autorizando os fabricantes de embalagens a
recolherem o ICMS sobre suas operações, em detrimento do ISS. Haja vista que o ISS não
incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, sendo, assim,
excludentes206. Vejamos como se apresenta o organograma empírico:
204
205
206
O Ministro Teori Albino Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão que relatou, bem
sintetizou a questão: “DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ENTRE ESTADOS E
MUNICÍPIOS. ICMS E ISSQN. CRITÉRIOS. 1. Segundo decorre do sistema normativo específico […],
a delimitação dos campos de competência tributária entre Estados e Municípios, relativamente à
incidência de ICMS e de ISSQN, está submetida aos seguintes critérios: […]; e (c) sobre operações
mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, incide o ISSQN sempre que o
serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incide ICMS sempre que
o serviço agregado não estiver previsto na referida lista.” (STJ, Primeira Seção, REsp 1092206/SP,
Relator Ministro Teori Albino Zavascki, mar/2009). (Grifamos).
“[…] De acordo com ela (Luciana Pellegrino, diretora executiva da Abre), as empresas do setor sempre
recolheram o ICMS e decidiram entrar com a Adin para evitar a bitributação com o imposto municipal”.
(MAGRO, Maíra. Venda de embalagens está sujeita ao ICMS. Seção Legislação e Tributos. Valor
Econômico, São Paulo: Valor Econômico, 14 abr. 2011).
“No que diz respeito ao ICMS e ao ISS, fez com que fossem excludentes um do outro: ou a situação
enseja a instituição de ICMS ou de ISS, jamais dos dois simultaneamente. […] No caso dos autos, o
objeto principal do contrato é a produção e a entrega de embalagens. Este o fim colimado. […] Mas o
objetivo final é a produção e a circulação das embalagens como um todo, em grande número, para
utilização pela contratante em seu próprio processo produtivo”. Trecho do voto da Ministra Ellen Gracie.
93
Entendemos pertinente um questionamento: em qual aspecto dos fundamentos para
dividir (ente federado, materialidade e base de cálculo) se apresenta a característica da
bitributação? Quanto ao ente federado, é notória sua exclusão desta reflexão. Mas, e quanto
à materialidade e a base de cálculo, suas distinções são perceptíveis?
Antes de trabalharmos nestas indagações, reproduziremos trecho do voto do Relator
Ministro Joaquim Barbosa, cuja ponderação reflete que,
Nesta etapa histórica, os conceitos civilistas de serviços e de mercadorias
servem de ponto de partida, mas não são suficientes. O fato gerador
deve ser interpretado de acordo com a expressão econômica da base
de cálculo e com o contexto da cadeia produtiva. […] Contudo,
conforme transparece nos julgados, a distinção entre a prestação de
serviços e as operações de circulação de mercadorias é sutil. […] Neste
momento de juízo inicial, tenho como densamente plausível a
caracterização desse tipo de atividade como circulação de mercadorias
(“venda”), ainda que fabricadas as embalagens de acordo com
especificações do cliente, e não como a contratação de serviço.
Quanto ao exemplo apresentado, nossas premissas se coadunam com a
manifestação da Corte Suprema. Tendo em vista que, apesar da aparente similaridade de
suas materialidades, as mesmas são distintas, o que já não se passa com suas bases de
cálculo, cujo ponto de recorte e tributação é o mesmo, a realização de produção de
embalagens com informações gráficas.
1.4.4
Quarta Espécie: falsa bitributação – ausência de semelhança dos critérios
abordados
A quarta espécie que construímos, via processo lógico classificatório, é a
representação da autêntica tributação. Em outras linhas, é autêntica no sentido de informar
94
a incidência jurídico-tributária consoante os parâmetros prescritos pelo legislador
constituinte originário.
Afirma-se, nesse sentido, pois, os tributos – teoricamente em confronto de
constitucionalidade – são criados por entes federativos diversos, cujas materialidades e
bases de cálculo, também, não se identificam.
Visualizemos sua feição gráfica:
Nada mais norteador do que adequar, a um exemplo teórico abstrato, um fato
(jurídico). Nestes termos, utilizar-nos-emos de julgamento realizado pela Suprema Corte
de Justiça207, quando de sua eleição sobre o tributo devido nas operações mistas de
serviços de conserto e manutenção de refrigeradores com fornecimento de peças
empregadas.
Registremos que nesta específica situação, distinta, portanto, do exemplo fornecido
na espécie anterior, a legislação infraconstitucional (Decreto-Lei 406/68 e a Lei
Complementar 116/2003) faz expressa menção quanto à exceção ao fornecimento de
peças, prescrevendo que deverá incidir ICMS sobre as mesmas. Nesta tônica, vejamos:
Nota-se que, apesar da aparente e forte similaridade, as notas das materialidades e
das bases de cálculos não se tocam, não há identidade.
207
Recurso Especial 1239018/PR. 2011/0035386-7. Relator Ministro Humberto Martins. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Data do julgamento: 05.05.2011. Data da publicação/Fonte DJe: 12.05.2011.
95
1.5
Distinção entre dupla tributação e alargamento da base de cálculo
Pensamos que, além de imprescindível, soaria um pouco irresponsável não nos
manifestarmos sobre a distinção existente entre dupla tributação e alargamento da base de
cálculo. Isto porque são comuns e reiteradas as manifestações jurisprudenciais pertinentes
a estes dois aspectos.
Com o decorrer da pesquisa empírica (jurisprudencial), deparamo-nos com uma
riqueza de divergências e desencontros na utilização das expressões bis in idem,
bitributação e dupla tributação, que pensamos válido lhe conferir um tópico exclusivo para
detalhar esse estudo.
Os Tribunais Superiores, quando da citação dos institutos, os quais denominamos
por “dupla tributação”, utilizam a mesma nomenclatura (bis in idem, bitributação e dupla
tributação) indistintamente para se referir a situações jurídicas diversas, ou seja, utilizam o
mesmo nome para diferentes relações jurídico-tributárias. Desse modo, é uma decorrência
mais do que natural que surjam confusões e discrepâncias de entendimento, haja vista que
as premissas adotadas destoam umas das outras, para conclusões que são retratadas pelo
mesmo nome.
Um dos maiores problemas que visualizamos, além da nomenclatura pura e simples
(utilizada indistintamente para se referir a diferentes situações), é que se pretenda adotar as
mesmas consequências para soluções que possuem o mesmo “nome”, mas que possuam
premissas díspares, as quais não permitiriam o mesmo arremate.
A dupla tributação já foi amplamente discutida nos itens anteriores; agora,
abordaremos o que chamamos de alargamento da base de cálculo. Consoante as premissas
lógicas estabelecidas linhas acima, entendemos que qualquer dado que represente aumento
do quantum a pagar, mas que não se refira à incidência de um novo tributo, criado ou não
pelo mesmo ente tributante, (e/ou) sobre a mesma materialidade, (e/ou) mesma base de
cálculo, não é pertinente ao instituto da dupla tributação.
Citaremos alguns casos empíricos que pensamos pertinentes ao alargamento da
base de cálculo, e não à dupla tributação. Vejamos algumas acepções utilizadas pelos
membros dos tribunais superiores, para se referirem ao bis in idem, como:
96
(a) inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo208;
(b) Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS209;
(b) ausência de atualização da correção monetária dos créditos fiscais de ICMS210;
(c) descumprimento do princípio da não cumulatividade211;
(d) exclusão de todo e qualquer índice inflacionário, com exceção da taxa Selic212;
(e) procedimento de reautuação, ou seja, “novo procedimento para apuração dos
mesmos fatos”213;
208
209
210
211
212
213
RE 582.461/SP, Min. Cezar Peluso.
E, “A inclusão dos valores provenientes da transferência de saldo credor do ICMS, obtido em razão do
benefício fiscal concedido às empresas exportadoras, a fornecedores ou terceiros, na base de cálculo da
contribuição ao PIS e da COFINS, consoante entendimento manifestado pelo Fisco, ofende a regra de
imunidade prevista no art. 155, § 2º, inciso X, da Constituição Federal e regulamentada pelo art. 25, §§ 1º
e 2º, da Lei Complementar n.º 87/96, o princípio federativo e o da proibição do bis in idem. Precedentes
desta Corte”. (TRF4, Relator Otávio Roberto Pamplona, Segunda Turma, Apelação em Mandado de
Segurança, AMS 12480 RS 2005.71.08.012480-1, julgamento em 16.01.2008, grifo nosso).
Em julgamento sobre a possibilidade de se corrigir monetariamente os créditos escriturais de ICMS, o
Min. Relator Marco Aurélio, entende que: “Se, ao término do mês, o contribuinte não tem débito, não tem
imposto a recolher, mas crédito alusivo ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, a ser
transportado na conta, para o mês seguinte, essa quantia não pode ser lançada simplesmente pelo valor
nominal. Em assim procedendo-se, o princípio da não-cumulatividade fica solapado, ferido de morte. Na
verdade, teremos um bis in idem em tributação, um locupletamento indevido por parte do Estado,
da Fazenda Pública, e seria muito interessante que esta adotasse, quanto aos interesses do contribuinte, a
mesma diligência notada na cobrança dos respectivos tributos e créditos”. (grifo nosso). No entanto, por
maioria de votos, a Turma decidiu que, uma vez que a correção monetária não esta prevista na legislação
estadual, não há que se falar em seu deferimento através do Poder Judiciário, sob pena de substituição do
legislador ordinário. (RE 278284/PR – Paraná, Relator Min. Marco Aurélio, julgamento realizado em
13.02.2001, publicado no D.J. em 20.09.2002, Segunda Turma. Nesse mesmo sentido, ver, (i) RE 261534
AgR/MG – Minas Gerais, Relator Min. Maurício Corrêa, julgamento realizado em 10.10.2000, Segunda
Turma; (ii) RE 191652/SP – São Paulo, Relator Min. Marco Aurélio, julgamento realizado em
21.03.2000, Segunda Turma; (iii) RE 213583/RS – Rio Grande do Sul, Relator Min. Maurício Corrêa,
18.11.1997, Segunda Turma).
O Min. Marco Aurélio, Segunda Turma do STF, em julgamento realizado em, no RE 290.436-8/ES, se
refere ao bis in idem como descumprimento do princípio da não cumulatividade, segue: “Se, ao término
do mês, o contribuinte não tem débito, não tem imposto a recolher, mas crédito alusivo ao Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços, a ser transportado na conta, para o mês seguinte, essa quantia não
pode ser lançada simplesmente pelo valor nominal. Em assim procedendo-se, o princípio da nãocumulatividade fica solapado, ferido de morte. Na verdade, teremos um bis in idem em tributação, um
locupletamento indevido por parte do Estado, da Fazenda Pública, e seria muito interessante que esta
adotasse, quanto aos interesses do contribuinte, a mesma diligência notada na cobrança dos respectivos
tributos e créditos”. (grifo nosso).
“Suspensão adstrita a determinadas condições não demonstradas pelo executado - Possibilidade de
aplicação da taxa SELIC, excluída a aplicação de todo e qualquer índice inflacionário, para que não
ocorra um indevido 'bis in idem”. (TJSP, Relator Des. Samuel Júnior, 2ª Câmara de Direito Público Apelação: APL 994081691987 SP, julgamento em 31.08.2010, grifo nosso).
O Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma do STF, em julgamento realizado em 19.10.2010, no RE
578248 AgR/SE, retrata o bis in idem como sinônimo do procedimento de reautuação, ou seja, “novo
procedimento para apuração dos mesmos fatos”. Vide ementa: “Processual civil. Agravo regimental.
Tributário. Anulação administrativa de auto de infração por vício formal. Reinício da fiscalização.
97
(f) na tributação conjunta do IR no final do exercício e no momento do resgate, ou
seja, aqui ocorre a dupla tributação pelo bis in idem quando se tributa a mesma base de
cálculo no fechamento do balanço (fato gerador normal do IR) e novamente no resgate da
variação cambial214;
Agora, passemos às acepções utilizadas pelos membros dos tribunais superiores,
para se reportarem à bitributação, como exemplo:
(a) o décimo terceiro salário acrescido à base de cálculo da contribuição
previdenciária215;
(b) gratificação
natalina
acrescida
à
base
de
cálculo
da
contribuição
previdenciária216.
As situações acima referidas possuem o condão da retratar as desordens existentes
entre a dupla tributação, seja ela na modalidade de bis in idem ou de bitributação, com a
relação jurídica que denominamos “alargamento da base de cálculo”. Além de expressarem
distintos contextos relacionais, suas consequências não são idênticas, deve-se adotar uma
postura analítica de acordo com cada uma das entidades jurídicas retratadas.
Quando nos referimos às relações jurídico-exacionais compatíveis com a dupla
tributação, devemos analisar a pertinência jurídica do ente competente hábil a instituir o
tributo; a materialidade do fato, de acordo com a espécie tributária que representa; e, por
fim, aferir se a base de cálculo é compatível com a materialidade que denota; essas, as
características da dupla tributação.
Agora, ao nos debruçarmos sobre relações jurídicas que digam sobre uma única
incidência jurídica, ou seja, um único tributo, cuja base de cálculo entenda-se não
representar a realidade material da espécie jurídica que conota, como nos casos acima
anotados, estaremos face à ampliação da base de cálculo. Bem como, sobre os casos em
214
215
216
Inexistência de motivação idônea. Proibição de novo procedimento para apuração dos mesmos
fatos (‘bis in idem’). Coisa julgada administrativa.” (grifo nosso).
REsp 1050054/SP, sob relatoria da Min. Eliana Calmon. Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento
realizado em 14.10.2008.
Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 212.845/SP, sob Relatoria do Ministro Dias Tofolli,
julgado em 31.05.2011, Órgão Julgador Primeira Instância, cujo voto, apesar de entender não ser uma
dupla incidência, se refere à questão como se fosse a negação de uma bitributação, segue: “[…] é
remansosa a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal quanto à não existência de incorporação do
décimo terceiro salário à base de cálculo da contribuição social”.
Embargos de declaração em agravo regimental em recurso extraordinário n. 385884/SE, sob Relatoria do
Ministro Eros Grau, julgado em 22.06.2005, Primeira Turma.
98
que ocorre uma dupla cobrança impositiva, porém ambas possuem como materialidade a
mesma ocorrência fática, como é o caso da reautuação e a tributação conjunta do IR no
final do exercício e no momento do resgate, como exemplos.
Graficamente, valerr-nos-emos do julgamento do ICMS “por dentro”, ou seja, o
tributo incidindo sobre sua própria base de cálculo, cujo julgamento foi realizado pelo
Plenário da Corte Suprema217, em 18.05.2011; a situaçãoo poderia ser representada do
seguinte modo:
Estado de São Paulo
ICMS - Imposto sobre operações relativa
à circulação de mercadorias e prestação
de serviços.
Base de cálculo: valor da operação ou
valor da prestação de serviços.
+ Inclusão do valor do
ICMS em sua própria
base de cálculo
Inferimos, com a representação gráfica, na quão destoam as relações jurídicas
pertinentes à dupla tributação e ao alargamento da base de cálculo. Ressalvamos, mais uma
vez que, nesta última perspectiva,
perspectiva não há que se falar em dupla incidência jurídica, sob o
atributo da existência de duas distintas exações, ou seja, duas diferentes regras-matrizes
regras
de
incidência tributária.
217
Recurso extraordinário n, 582,461/SP, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes. O tribunal, por maioria,
entendeu pertinente a inclusão do tributo “por dentro”, em sentido contrário votaram os Ministros Marco
Aurélio e Celso de Mello.
99
2
VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE INTEGRAL IDENTIDADE ENTRE AS
NOTAS DAS BASES DE CÁLCULO
Uma teoria é científica ou positiva quando é real,
isto é, quando deriva da observação da realidade,
não da fantasia dos homens.
Augusto Comte
As lições de Aires Barreto218 sobre a identidade existente entre as bases de cálculo
dos tributos, em sua obra clássica, nos inspiraram a mergulhar neste estudo, possivelmente,
mais do que poderíamos imaginar.
Empiricamente, verificamos que a jurisprudência e a doutrina são ricas em
discussões cujo mérito se refira à comparação entre diferentes tributos219. E, após a análise
de inúmeros julgados, do Supremo Tribunal Federal, promovendo o confronto da base de
cálculo dos tributos, verificamos que, ao longo de pouco mais de uma década220, a
premissa eleita consolidou-se no teor exposto na Súmula Vinculante n. 29221, cuja
prescrição revela que “É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou
mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja
integral identidade entre uma base e outra.” (Grifo nosso).
218
219
220
221
“É freqüente a impugnação, pelo Judiciário, de dada base de cálculo sob a asseveração de ser ela privativa
deste ou daquele tributo. Assim, é sobremodo importante analisar a questão, assaz controvertida. Onde há
identidade de bases de cálculo? Tem sido demarcada por inúmeros descompassos a posição da doutrina”.
(BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad,
1998, p. 118).
“[…] o Supremo Tribunal Federal tem sido constantemente provocado a manifestar-se sobre a repartição
da competência tributária como salvaguarda imanente à autonomia dos entes federados, a evolução social
e técnica que coloca em cheque a tributação fundada em conceitos arraigados de industrialização,
comércio e serviços e, por fim, sobre o perigoso entrave causado pela incerteza excêntrica ao
desenvolvimento econômico e pessoal. Ao invés de adotar modelo harmônico de tributação pelo valor
agregado, o sistema tributário atribuiu distintamente a cada ente federado competência para cobrar
impostos com base nos aspectos industrial (União), comercial (estados e Distrito Federal) e de prestação
de serviços (municípios e Distrito Federal) da atividade econômica. Trata-se de concepção fortemente
arraigada nas noções mercantilistas e industriais que dividem a atividade econômica em setores primário,
secundário, terciário e quaternário”.
As decisões neste sentido remontam à época do Ministro Ilmar Galvão. Após sua aposentadoria, em 1999,
a Corte Suprema começou a adotar outro posicionamento. Inclusive, o primeiro precedente da Súmula
Vinculante n. 29 remonta ao ano de 1999, na ADI 1926, Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade, sob Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, publicado no DJ em
10.09.1999.
Data de Aprovação. Sessão Plenária de 03/02/2010. Fonte de Publicação DJe nº 28 de 17.02.2010, p. 1.
DOU de 17.02.2010, p. 1.
100
O raciocínio da maioria222 dos membros do Pleno do STF, utilizada para determinar
se dois tributos possuem ou não idênticas bases de cálculo, traduz-se na comparação dos
elementos contidos em seus critérios quantitativos. Noutro giro, o objetivo jurídico é
conhecer o tributo para saber se foi instituído ou não em descompasso com a norma
fundamental.
Ressalvamos que o balizamento jurídico adotado se refere às espécies de taxa e
imposto. No entanto, quando da comparação da natureza jurídica das demais espécies e
subespécies tributárias, o raciocínio aplicado é o mesmo. Em outras linhas, existindo
integral identidade entre todos os elementos das bases de cálculo analisadas, consideram-se
similares os tributos.
Com o conhecimento das características que indicam qual a materialidade e,
consequentemente, o critério quantitativo de cada espécie impositiva223, esta relação
ocorrerá de forma quase que matemática. Para exemplificar esta perspectiva, socorrer-nosemos da relação de identidade proposta pela Lógica dos Termos, mencionada por Paulo de
Barros Carvalho224:
Entre os conceitos lógicos não pertencentes ao cálculo proposicional,
como ensina Alfred Tarski, o de maior importância é, provavelmente, o
conceito de relação de identidade. Sua definição foi formulada por G.
Leibniz (1646-1716), aproximadamente nestes termos: ‘x=y se, e
somente se, x tiver toda a propriedade que y tenha, e y tiver toda a
propriedade que tenha x’.
No primeiro plano do capítulo em estudo, analisaremos a comparação dos
elementos das bases de cálculo de todas as espécies tributárias, uma em confronto com a
outra. E, para as situações que entendermos prudente, também faremos a contraposição em
face das subespécies impositivas. Este passo será o mais detalhado e demorado deste
capítulo, em razão das peculiaridades atinentes a cada um dos tributos, e, sempre que
possível, registraremos as especificidades de suas materialidades.
Conhecimento preliminar e indispensável à viabilidade desta abordagem se refere
às particularidades materiais e quantitativas das espécies e de suas subespécies tributárias.
Já assinalamos, em capítulo pretérito, uma vez que somente através do conhecimento da
222
223
224
À exceção dos Ministros Marco Aurélio de Mello e Eros Roberto Graus.
Especificações mencionadas na Seção Introdutória, capítulo que trata da descrição material e quantitativa
das espécies tributárias.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 106.
101
hipótese de incidência nos capacitaremos a inferir a pertinência ou não dos elementos
apontados pelo legislador ordinário, como hábeis a compor a base de cálculo de cada um
dos tributos do sistema constitucional pátrio.
Iremos do imposto ao empréstimo compulsório. Em alguns momentos, deparar-nosemos com vários exemplos presentes na doutrina e jurisprudência nacional. No entanto,
para outros casos, a checagem nos parecerá tão distante que sequer conseguiremos
encontrar exemplos jurídicos, mas, em virtude da metodologia eleita, não podemos nos
furtar a mencioná-los.
Para tanto, também, é inescusável à compreensão do entendimento as duas
seguintes premissas: (i) ao nos referirmos à identidade entre bases de cálculo, nossa
abordagem se referirá à paridade absoluta. A simples semelhança, sem que isto indique
igualdade, para nós, não gerará identidade. Neste aspecto, vale relembrar o conceito lógico
sobre a relação de identidade225.
E, (ii) abordaremos em todos os confrontos o elemento material como ponto de
contato das espécies tributárias. Noutro giro, partiremos da premissa de que as bases de
cálculo representam exatamente notas de sua hipótese de incidência, ou seja, não faremos
menção às situações em que as bases de cálculo destoam de sua materialidade, uma vez
que este ponto será abordado pelos próximos planos de análise.
Em alguns casos, veremos que é expressamente vedado que um tributo possua
identidade material com outro, como o é a distinção entre impostos e taxas; noutros casos,
a possibilidade de analogia fica ao alvedrio da interpretação do legislador ordinário, como
o é a comparação entre o imposto residual e a contribuição interventiva, por exemplo. Por
isso, apesar das vedações constitucionais, não nos imiscuiremos de traçar qualquer
paralelo.
225
“A forma lógica é a do bicondicional (se, e somente se), como convém a uma definição bem composta.
Nela, o sinal ‘=’, que se pretende definir, está empregado unicamente no definiendum, não aparecendo no
definiens, aspecto que a recomenda”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e
método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 106).
102
2.1
Imposto com Imposto
A perspectiva do encontro das materialidades, ou mesmo, de notas das hipóteses de
incidência de impostos, mediante bases de cálculo em comum, nos exige conhecimento
prévio das características de cada subespécie impositiva.
Com fundamento na Carta Federativa de 1988, descrevemos a espécie tributária
imposto, dividindo-a em três novas subespécies: residuais, extraordinários e nominados.
Assim, em face do desmembramento desta exação, entendemos ser cientificamente
pertinente abordar subespécie a subespécie, com o fito de melhor conhecer as
particularidades que orientam e, consecutivamente, limitam cada uma.
Pensando os prováveis encontros de bases de cálculos dos e entre os impostos,
concluímos que podem ocorrer de seis distintas maneiras: (2.1.1) residual com residual;
(2.1.2) residual com extraordinário; (2.1.3) residual com nominado; (2.1.4) extraordinário
com extraordinário; (2.1.5) extraordinário com nominado; e (2.1.6) nominado com
nominado. As situações mais costumeiras se passam nos itens 2.1.3 e 2.1.6. Vejamos.
2.1.1
Imposto residual versus imposto residual
A identidade entre estes dois tributos somente se frutificará se forem instituídos
pela União Federal, cuja materialidade e base de cálculo sejam distintas de todos os demais
impostos prescritos na CF/88 e desde que sejam não cumulativas. Sendo criados desta
maneira, um à semelhança do outro, será possível que tenhamos similaridade de impostos
residuais.
Conforme depreendemos da obra de Paulo de Barros Carvalho226:
Ajeita-se aqui uma observação de cunho histórico, mas que nos parece
procedente: há muito que a União dispõe de faixa residual de
competência tributária. Em vez de movimentá-la, nas ocasiões em que
necessitou, preferiu servir-se de expedientes desaconselháveis, como a
singela mudança de nomes (chamando impostos pela designação de
taxas, empréstimos compulsórios, contribuições e uma sorte de epítetos
extravagantes). E a competência residual permaneceu inativa, decorando
a tábua de possibilidade legiferantes do ente federal.
226
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 244-245.
103
Neste caso, possivelmente, o segundo imposto residual introduzido no ordenamento
seria passível de declaração de inconstitucionalidade227, por possuir base de cálculo de
outro imposto já pertencente ao sistema (agora, referimo-nos ao primeiro imposto
residual), cujo preceito que lhe concedeu fundamento de validade foi, também, a norma do
imposto residual. Para esclarecer o tema, vejamos o organograma que segue:
Quando da constituição do imposto residual “Y”, já existia um imposto residual
“X” no sistema, cujos dados materiais e quantitativos são idênticos. Nesta situação, a
análise da duplicidade da materialidade/quantificação indicará que a segunda exação é
igual à primeira. Aqui se interroga: poderia o imposto residual, espécie do gênero imposto,
possuir um imposto residual adicional? Ainda, há diferença entre a instituição de um
imposto residual adicional e a majoração de um imposto residual, para efeitos de
constitucionalidade? Se sim, qual(is)?
Em relação ao primeiro questionamento, entendemos possível a existência de um
imposto residual adicional. Sob outra perspectiva, acreditamos que o sistema jurídico
admite tal imposição adicional, desde que – claro – sejam respeitadas as normas
pertinentes aos impostos, como o regramento “que veda a transferência de parcela
excessivamente alta do patrimônio do particular para o Fisco”228, mais conhecido como
princípio do não confisco tributário.
Porém, Renato Lopes Becho229, sobre a relação do princípio do não confisco com o
critério quantitativo da regra-matriz de incidência, complementa que
227
228
229
Vale mencionar que nossa análise de constitucionalidade limita-se à identidade entre as bases de cálculo,
nesse estudo desprezamos quaisquer outros fatores, que não os expressamente mencionados e debatidos.
BECHO, Renato Lopes. Filosofia do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 469.
Ibid., p. 472.
104
Não basta utilizar o binômio base de cálculo e alíquota para identificar
uma tributação confiscatória. Esses dois componentes do critério
quantitativo da regra-matriz tributária são úteis para a definição da
natureza jurídica dos tributos (imposto, taxa ou contribuição de
melhoria), mas são insuficientes, por si sós, para definir uma exação
confiscatória. (grifo nosso).
Em face às menções acima expostas, nossa pretensão não é soar, muito menos ser
contraditório, mas apenas registrar que um fato é entendermos pertinente a existência de
imposto residual adicional. Outro, distinto, diz respeito à adequação deste imposto in
concreto ao sistema tributário. Em outras linhas, a avaliação de pertinencialidade de um
tributo ao direito positivo demanda uma análise ampla de toda sua estrutura normativa aos
postulados que lhe conferem fundamento de validade.
Quanto à segunda indagação (sobre existir ou não diferença entre a instituição de
um imposto residual adicional e a majoração de um imposto residual, para efeitos de
constitucionalidade, e, se houver, qual seria), julgamos pertinente proceder a alguns
recortes metodológicos com o fito de aclarar a compreensão do tema.
Assim, pensamos que neste caso é imprescindível que se avalie, por exemplo, que
sendo a análise realizada entre tributos da mesma espécie, no caso, os impostos residuais,
excluiremos – de antemão – (i) a discussão sobre a destinação do produto da arrecadação;
(ii) a vinculação do critério material a uma atividade realizada pelo Estado; e a (iii)
restituição da devolução do valor pago. Afirma-se, nesse sentido, uma vez que tais
características nos remetem à taxa, ao empréstimo compulsório e às contribuições230, ou
seja, não se aplicam aos impostos, que é um tributo “não vinculado, não destinado e não
restituível”231. Nestes termos, até então, não vislumbramos distinção entre o adicional e a
majoração, de impostos residuais.
No entanto, creditamos à espécie de veículo introdutor da norma utilizada a
diferença entre tais institutos. Explicamos. A instituição de imposto somente pode ser
realizada mediante a existência de lei232, não há possibilidade de descumprimento do
230
231
232
“Um tributo será destinado se o produto de sua arrecadação estiver atrelado a uma finalidade
constitucionalmente determinada, independentemente dessa destinação defluir do critério material da
regra-matriz de incidência ou da atribuição de competência para sua instituição. Inexistente o liame, o
tributo será não destinado”. (BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e
controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 75).
Ibid., p. 78.
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; […]”.
105
princípio da estrita legalidade233. Já a majoração de impostos, apesar de sua regra geral ser
prescrita pelo mesmo comando normativo que determina sua criação por meio de lei,
possui exceção constitucional, que autoriza a alteração de alíquotas (critério quantitativo)
através de ato do Poder Executivo234, o que é proibido para o estabelecimento dos
impostos.
Apesar de os registros realizados linhas acima se referirem ao imposto residual,
entendemos que as premissas podem ser aplicáveis a todas as espécies do gênero imposto.
Com o objetivo de tornar mais palpáveis as premissas acima registradas,
colacionaremos caso fundado no Acordo de Implementação do artigo VI do GATT (ou
Acordo Antidumping), aprovado pelo Decreto n. 1.355/94, cuja Lei n. 9.019/92, instituiu a
aplicação dos direitos antidumping e as chamadas medidas compensatórias.
Tais direitos e medidas foram instrumentalizadas mediante a cobrança de um
adicional ao imposto de importação, que determina a aplicação de uma alíquota ad valorem
ao produto importado, cuja incidência recai sobre distintos produtos235, e a cada um
compete um veículo introdutor distinto, uma portaria ministerial específica. Antes de nos
manifestarmos, vejamos o que diz a jurisprudência.
A Suprema Corte foi instada a se manifestar, em abril de 2011, sobre a
constitucionalidade do adicional ao imposto de importação de leite em pó oriundo da
Comunidade Econômica Europeia, posicionamento o qual entendemos servir como
parâmetro para todos os demais produtos sujeitos a esta incidência. No entanto, a Relatora
Ministra Carmem Lúcia negou seguimento ao recurso extraordinário236, alegando ofensa
indireta à CF.
233
234
235
236
“Ao prescrever a legalidade como princípio que informa os tributos, a Constituição impõe um limite
objetivo ao exercício da competência. A limitação constitucional é clara: a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios são proibidos de ‘exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça’ (art. 150,
I). É uma referência específica ao processo de produção dos enunciados prescritivos”. (GAMA, Tácio
Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 147).
Artigo 153, parágrafo I, da CF/88.
As seguintes portarias, expedidas pelo Ministério da Fazenda, instituíram adicionais ao imposto de
importação dos produtos que menciona: Portaria nº 792/92, adicional ao policloreto de vinila (PVC);
Portaria nº 569/92, adicional ao leite em pó importado da Comunidade Econômica Europeia; Portaria nº
711/92, adicional ao grão de trigo originário dos EUA; Portaria nº 50/94 Tecidos artificiais e sintéticos
oriundas da República da Coreia; Portaria nº 611/93, importação de cocos. Portaria Interministerial
MDIC/MF nº 19/99 instituiu adicional de imposto de importação incidente sobre produtos classificados
como brinquedos e congêneres.
RE n. 634977/SP, sob Relatoria da Ministra Carmen Lúcia, julgado em 18.04.2011.
106
Deste modo, o tema ainda não foi enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal, e as
decisões dos Tribunais Regionais Federais se posicionam no sentido de que respectivo
adicional ao imposto de importação é legal237.
Pois bem, uma principal indagação jurídico-tributária circunda a exigência desta
cobrança: o adicional ao imposto de importação é instituto que se adéqua ao regramento
de um imposto adicional ou à majoração de impostos? Opinando pelo adicional ao imposto
de importação como majoração da exação, uma vez que a nomenclatura não lhe determina
a natureza, é possível a coexistência de duas distintas e complementares alíquotas para um
mesmo tributo? Ou seja, a segunda indagação se funda no fato de que, neste adicional,
existe uma primeira alíquota percentual (imposto de importação) e uma segunda alíquota
(ad valorem).
Caso se opine pelo enquadramento como imposto adicional, entendemos
indispensável que sua instituição seja realizada mediante lei, conforme determina o artigo
153, parágrafo I, da CF/88. Em sentido contrário, entendendo tratar-se de majoração ao
imposto de importação, suas alíquotas podem ser alteradas por ato do Poder Executivo.
Em outras linhas, conforme as premissas que estabelecemos, pensamos que, no
primeiro caso, a exigência tributária será inconstitucional, mas, no segundo, constitucional.
Seguindo essa linha de raciocínio, entender válido o estabelecimento de duas distintas
alíquotas, percentual e ad valorem, vinculadas ao imposto de importação e a majoração ao
respectivo imposto, respectivamente, nos parece incoerente.
2.1.2 Imposto residual versus imposto extraordinário
Os impostos extraordinários são altamente raros em nosso sistema pátrio; sob esta
perspectiva, é muito difícil imaginar que venhamos a enfrentar a situação descrita neste
tópico.
Imaginando-a possível e respeitando a linha lógico-jurídica desenvolvida, devemos
assentir a possibilidade de confronto entre esses dois impostos. E, se fossem, poderiam sê237
TRF 3 Região. Processo: AMS 41571 SP 95.03.041571-3. Relatora: Juíza Convocada Eliana Marcelo.
Julgamento: 26/07/2007. Órgão Julgador: Turma Suplementar da Segunda Seção. E, TRF 4 Região.
Processo: AMS 31549 RS 2001.71.00.031549-4. Relator: Dirceu de Almeida Soares. Julgamento:
04/05/2004. Órgão Julgador: Segunda Turma. TRF 1 Região. Processo: AMS 1456 BA 95.01.01456-8.
Relator: Juiz Convocado Lindoval Marques de Brito. Julgamento: 19/06/2001. Órgão Julgador: Segunda
Turma Suplementar. Publicação: 22/01/2002.
107
lo sob duas diversas abordagens, as quais se referem à ordem de instituição das exações no
sistema jurídico a qual se fundamenta, ou seja: (i) sob a perspectiva, primeiro, da criação
do imposto residual, posteriormente, da instituição do imposto extraordinário; e (ii) viceversa, primeiro a concepção do imposto extraordinário, após, do imposto residual.
Importante essa análise, já que cada uma delas apresentará resultado divergente da outra,
uma vez que se altera a perspectiva do objeto em estudo.
Uma premissa deve ser tatuada antes de enfrentarmos a primeira possibilidade de
identidade de materialidades (bases de cálculo), sob pena de tornar insustentável nossa
conclusão. Vejamos.
O imposto extraordinário, segundo a CF/88, reproduz a materialidade e a base de
cálculo de imposto previsto no sistema constitucional. Pois bem. Já o imposto residual é o
inverso, ou seja, para ser corretamente instituído pela União Federal, necessita obedecer
alguns requisitos constitucionais, que são: possuir base de cálculo e materialidade distintos
de outro imposto prescrito e ser não cumulativo (art. 154, I).
Posto isto, registramos nossa dúvida: o sistema constitucional tributário pátrio
permite que o imposto extraordinário seja criado com fundamento em um imposto
residual? Em outras palavras, pode o imposto extraordinário basear-se em um imposto
indiretamente previsto na Carta Republicana?. Por indireto, referimo-nos ao fato de que o
imposto extraordinário se fundamentaria em um imposto não previsto diretamente nos
artigos 153, 155 e 156 da CF/88238, ou seja, se apoiaria em um imposto instituído pelo
legislador constituinte complementar. Isso é juridicamente possível?
Entendemos que sim. Que é pertinente com as normas constitucionais brasileiras a
inauguração de um imposto extraordinário que replique a materialidade e base de cálculo
constantes em um imposto residual, desde que respeitados os mandamentos constitucionais
para seu nascimento jurídico. Noutra linguagem, que tenha sido criado em razão de
iminência ou caso de guerra externa (art. 154, II).
238
“E a autorização delimita apenas o ponto de partida: impostos não previstos no artigo anterior. A contar
daí, a área a ser explorada pela entidade tributante fica indeterminada, expandindo-se até onde puder ir o
talento criativo do seu legislador.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e
método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 244).
108
Superado o questionamento e firmada a premissa, podemos concluir que, na
primeira situação (imposto residual instituído primeiro que o extraordinário), a identidade
entre as materialidades será constitucional239.
No tocante à análise inversa (imposto extraordinário e residual), ocorre exatamente
o oposto, já que a fundamentação apresentada vai de encontro a este confronto de critérios
materiais. Caso assim não entendêssemos, desconstruiríamos o ponto firmado. Em outras
linhas, juridicamente nega a possibilidade constitucional de identidade entre as
materialidades.
O imposto extraordinário somente pode ser instituído à paridade de outro imposto
já previsto no sistema constitucional, sob nossa perspectiva, tanto do imposto diretamente
prescrito (nominado), quanto do imposto indiretamente prescrito (residual e o próprio
extraordinário). Mas, para que isso ocorra, deve ser criado posteriormente ao imposto
residual. Caso contrário, em que tributo ele espelharia?
Lembrando que os tributos em análise são de competência privativa do mesmo ente
federado, ou seja, devem ser instituídos pela União Federal, sob pena de alegação de
impertinência com as normas de competência240.
2.1.3
Imposto residual versus imposto nominado
A exação de competência da União Federal, imposto de competência residual, não
pode ter base de cálculo de outro imposto discriminado na Carta Política de 1988,
conforme prescreve o artigo 154, I, da CF/88.
Percebe-se que a perspectiva de análise já esta posta, ou seja, o imposto residual
será levado à comparação com o imposto nominado. Segundo as atuais normas
constitucionais, não há como ser diferente, uma vez que todos os impostos nominados já se
encontram prescritos na Carta Política, o que não ocorre, claro, com os impostos residuais.
A conclusão deste raciocínio é que, caso haja alguma incompatibilidade, será do residual
para com o nominado, e não o inverso, a não ser que ocorra alguma grande mudança na
Constituição Republicana.
239
240
Ressalvando, mais uma vez, que nosso critério de aferição de constitucionalidade aponta única e
exclusivamente para a análise da base de cálculo e da materialidade do tributo sob investigação,
desprezando-se todas as demais possíveis análises.
Não encontramos exemplo na doutrina e na jurisprudência.
109
O encontro dos elementos das bases de cálculo (informados pela materialidade) de
um imposto residual com um imposto nominado representa a exata proibição da regra
prescrita na CF/88. Portanto, incompatível com o ordenamento positivo.
Neste caso, o imposto nominado tanto pode ser de competência da própria União
Federal, situação em que ambos teriam a exação constituída pelo mesmo ente federativo
(bis in idem), como poderiam ter sido instituídos por membros federativos diversos
(bitributação)241, circunstância em que o imposto nominado tanto pode ser instituído pelos
Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios.
Tônica realçada por Paulo de Barros Carvalho242:
Satisfeito o pressuposto, o legislador federal poderá editar normas
jurídicas que venham a instituir impostos, dentro ou fora de seu âmbito
de competência, isto é, poderá servir-se daquelas exações que foram
concedidas, inicialmente, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, o que caracterizaria hipótese de bitributação
constitucionalmente autorizada; como também de sua própria
competência, resultando na constitucionalidade de específicas situações
de ‘bis in idem’.
Nesse encontro, caso exista identidade de bases de cálculo, o imposto residual
deverá ser declarado inconstitucional, sendo, portanto, indevida sua cobrança.
2.1.4
Imposto extraordinário versus imposto extraordinário
De todas as relações abordadas neste item, entendemos que esta ocorrência é a mais
improvável de todas as relatadas, haja vista que seria necessário, primeiro, que o país
estivesse envolvido em uma guerra externa ou sua iminência; segundo, que o segundo
imposto extraordinário possuísse a mesma base de cálculo do primeiro imposto
extraordinário, hipótese que nos autorizaria a falar em identidade de bases de cálculo entre
impostos extraordinários.
241
242
“Parece decisivo concluir ser vedado adotar-se base imponível de imposto que a própria Lei Magna haja
reservado – embora implicitamente – a Estados e Municípios. É que adotar determinada base implica
(necessidade lógica) colocar certo fato, ou circunstância de fato, na materialidade de hipótese de
incidência. Se isto é constitucionalmente vedado, aquilo, ipso facto, também o será”. (ATALIBA,
Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 199).
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 246.
110
Ainda, tal proposição demandaria uma dupla análise de aferição de bases de
cálculo, uma vez que o segundo imposto extraordinário, além de ter seu critério
quantitativo confrontado com o primeiro imposto extraordinário, deveria ser aferido em
face do imposto original no qual se baseou o primeiro imposto extraordinário.
Exemplificando para melhor esclarecer:
Esta situação
hipotética abre margem
à
discussão
de duas
possíveis
inconstitucionais relações de identidades de bases de cálculo: a primeira, entre B e C
(objeto da análise atual); a segunda, entre A e C. Relembramos que a relação de identidade
entre A e B se adéqua aos moldes do sistema constitucional estabelecido para a instituição
do imposto extraordinário.
2.1.5
Imposto extraordinário versus imposto nominado
A mesma premissa utilizada no item 1.3 será aplicada neste caso, ou seja, somente
há possibilidade de compararmos o extraordinário ao nominado, e não este àquele, pelo
fato de que todos os impostos nominados encontram-se prescritos. Assim, já existem antes
da instituição de qualquer imposto extraordinário, que pela própria peculiaridade
constitucional, neste se baseia. Há que se entender e respeitar a ordem cronológica
existente neste específico caso.
Havendo guerra externa ou sua iminência, a União Federal possui autorização
constitucional para cunhar o chamado imposto extraordinário, cuja base de cálculo e
materialidade devem ser compatíveis com a de outros tributos existentes no sistema.
Mas, neste caso, o novo imposto (denominado extraordinário) se pautará na Lei das
Leis para que sua instituição seja idêntica, em quantificação e materialidade, a de outro
imposto (chamado nominado) presente no ordenamento, em perfeita sintonia com as
prescrições do legislador constitucional genuíno.
111
2.1.6
Imposto nominado versus imposto nominado243
No tocante a esta exação, abordaremos o encontro de materialidades,
consequentemente, de bases de cálculo, realizado entre os impostos nominados, cuja
competência é conferida a cada um dos entes federados.
Um primeiro e relevante aspecto deve ser firmado, ou melhor, relembrado: o
confronto da base de cálculo pode e ocorrerá entre tributos do mesmo ente (bis in idem) ou
de membros federativos distintos (bitributação). Isso não quer significar que estejam, ou
não, em acordo com as normas máximas.
A próxima premissa é relevante face aos questionamentos que seguem. Se todos os
impostos já foram previstos pelo constituinte originário, figurando claramente no texto
magno (diferentemente das demais espécies tributárias), como há que se falar em dupla
tributação via identidade de bases de cálculo, já que todos os impostos – teoricamente e in
abstrato – surgiram no mesmo momento histórico-cronológico, ou seja, da promulgação da
constituinte? Se a resposta for positiva, há que se falar que estes impostos já teriam
“nascido” com o critério quantitativo e material idênticos? Se sim, devem ser considerados
constitucionais, visto que foram instituídos pelo legislador constituinte originário?
Excluindo-se essas opções, há outra possibilidade para o surgimento de identidade
entre impostos nominados? Se sim, qual(ais)? Se o legislador constituinte derivado inovar
a Carta Política acrescendo imposto nominado com base de cálculo de outro imposto
nominado, já previsto constitucionalmente, este último há que ser considerado compatível
com as regras do sistema positivado244?
Sob nossa perspectiva, as dúvidas acima expostas podem ter suas respostas,
partindo-se da tese de que a CF/88 não criou os tributos, mas, sim, estabeleceu a
discriminação de competência tributária para que os entes federados o façam245. Nesta
243
244
245
Em sua mais recente obra, Carrazza relata a impossibilidade jurídica de conflitos de competência
tributária entre: ICMS e ISS, ISS e IPI, IPTU e ITR, ITCMD e ITBI e, IOF e ISS. (CARRAZZA, Roque
Antônio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010).
“Toda outorga de competência tem como contrapartida a vedação de exercício dessa competência fora
dos limites autorizados”. (GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de intervenção no domínio econômico.
São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 282).
“Poderia, é certo, tê-lo feito, já que o poder constituinte é soberano. Preferiu, todavia, permitir que cada
pessoa política, querendo, institua os tributos de sua competência. […] Para nós, porém, o tributo só
nasce a partir do átimo em que uma pessoa pode ser compelida a pagá-lo, por haver acontecido, no
mundo fenomênico, o fato hipotetizado na norma jurídica tributária. […] Tais exações, porém, só
surgirão, in abstracto, quando editada, por meio de lei, a norma jurídica tributária e, in concreto, quando
112
seara, mesmo não tendo criado os impostos, a Constituição Republicana informa como
deverá ser formada a norma jurídica instituidora do tributo. Nesta mesma linha, aponta
Roque Antônio Carrazza que
A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu –
ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de
liberdade para o legislador – a norma-padrão de incidência (o arquétipo,
a regra-matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese
de incidência possível, o sujeito ativo possível, a base de cálculo possível
e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos.246
Esta nota nos permite rematar que o confronto das bases de cálculos entre os
impostos surge, não com a apreciação restrita e exclusiva da Carta Política, mas da
legislação ordinária que – agora sim – cria a exação in concreto. Daí os dizeres de Roque
Antônio Carrazza247:
Não pode a lei, por meio de ficções, presunções ou equiparações levar a
imposições que a Constituição não autoriza. Menos ainda pode fazê-lo o
aplicador. […] portanto, nem a lei complementar pode, neste ponto,
redefinir os campos impositivos, rigidamente plasmados pela
Constituição. Dúvidas que possam surgir, diante de questões concretas,
são dirimíveis, em última instância, pelo Supremo Tribunal Federal, que
é, como não se questiona, o garante da Constituição da República.
Registrada a premissa, responderemos as indagações acima formuladas, em que se
conclui, primeiro, que a dupla tributação em matéria de confrontação de impostos ocorre
após a edição da legislação ordinária. Assim, os impostos não surgem no mesmo momento
histórico-cronológico, como supostamente sugerimos. Cada qual surge após o transcurso
completo de seu processo legislativo, que culmina com a publicação248 da norma de
comportamento, dirigida ao contribuinte.
Caso a resposta fosse positiva, haveríamos, sim, que assumir que tais impostos
teriam nascido com idêntico critério quantitativo e material. Os quais deveriam, segundo
246
247
248
acontecer, no mundo físico, o fato imponível”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito
constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 514).
Ibid., p. 516.
Id. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 90-91.
“Ao cabo do processo legislativo, temos a imprescindível publicação oficial da lei ordinária exatamente
para torná-la conhecida por seus destinatários. Apenas com a publicação (que torna possível a todos o
conhecimento da lei), a lei passa a realmente fazer parte do ordenamento jurídico estatal (que, como
sabemos, se funda nos princípios do direito escrito e da certeza jurídica).” (CARRAZZA, 2009, op. cit., p.
332).
113
pensamos, ser declarados constitucionais, apesar das identidades apontadas, visto que esta
seria uma determinação do legislador constituinte primário, que tudo pode.
Entendemos que, além da possibilidade acima registrada, que se resume na
identidade de bases de cálculo dos impostos surgida após a edição da legislação ordinária
que institui e regulamenta os impostos, cremos que há que se falar em identificação do
subcritério base de cálculo dos e entre os impostos quando o legislador constituinte
reformador, por meio de Emenda Constitucional, inova a Carta Política.
Nesta perspectiva, entendemos que ocorre uma gritante inconstitucionalidade, uma
vez que sobrevém grave desrespeito ao princípio da separação dos poderes. Vejamos as
palavras de Roque Carrazza249:
Como, em termos estritamente jurídicos, só podemos falar em hierarquia
de normas quando umas extraem de outras a validade e a legitimidade
(Roberto J. Vernengo), torna-se onipotente que as leis nacionais (do
Estado Brasileiro), as leis federais (da União) e as leis estaduais (dos
Estados-membros) ocupam o mesmo nível, vale consignar, umas não
preferem às outras. Realmente, todas encontram seu fundamento de
validade na própria Carta Magna, apresentando campos de atuação
exclusivos e muito bem discriminados. Por se acharem igualmente
subordinadas à Constituição, as várias ordens jurídicas são isônomas, ao
contrário do que proclamam os adeptos das ‘doutrinas tradicionais’.
249
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 147.
114
2.2
Imposto com Taxa
A maior riqueza de exemplos jurisprudenciais, dentre as comparações realizadas
neste capítulo, se encontra, indiscutivelmente, no cotejo entre as bases de cálculo do
imposto com a taxa, e vice-versa. Por oportuno, citamos o comentário de Aliomar
Baleeiro250:
Desde a Constituição Federal de 1934 até a Emenda Constitucional nº 18,
de 1965, que firmou um conceito constitucional de ‘taxas’, pulularam os
abusos de Estados e Municípios que batizavam com esse nome os
impostos estranhos à respectiva competência. Noutro livro, levantamos
rol de dezenas delas, que foram declaradas inconstitucionais pelo
Supremo Tribunal. Na Emenda nº 1, de 1969, além do conceito
constitucional de taxa, do art. 18, I, estatui-se que ‘para cobrança de taxas
não se poderá tomar como base de cálculo a que tenha servido para a
incidência dos impostos’. […] Essas cautelas do legislador nacional
conseguiram reduzir, embora não suprimissem de todo, a tentação
das falsas taxas, que mascaram impostos de competência alheia.
(grifo nosso).
Entendemos que uma série de circunstâncias favorece esta conjuntura, por exemplo,
o fato de as taxas serem instituídas para fazer face às despesas estatais251, por poderem ser
instituídas por quaisquer dos membros federados252, cuja cobrança e arrecadação pode ser
delegada (parafiscalidade)253, desprovida da necessidade de repartição de suas receitas com
250
251
252
253
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 508.
No voto da PSV n. 39 (proposta de súmula vinculante), o Min. Marco Aurélio, posicionando-se em
sentido contrário aos demais membros da Corte, relatou o seguinte: “Presidente, quanto a este verbete,
peço vênia para entender que não devemos fechar em definitivo a discussão sobre a matéria. Faço-o
porque todos sabemos que há sempre deficiência de caixa e que a tendência é buscar-se, passo a
passo, novas receitas no campo normativo”. (grifo nosso). PSV 39/DF – Distrito Federal. Proposta de
Súmula Vinculante. Relator Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 03.02.2010. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno.
União Federal, Estados Membros, Distrito Federal e Municípios.
“[…] Os tributos ditos parafiscais são instituídos, não para obtenção de Receita, mas para regular ou
modificar a distribuição da riqueza nacional, para equilibrar os níveis de preços de utilidades ou de
salários, e para outras finalidades econômicas ou sociais semelhantes. Incluem-se ainda na mesma
categoria as receitas diretamente atribuídas a certas entidades criadas pelo poder público para o
desempenho de determinadas atividades, cujas características técnicas exigem autonomia administrativa e
financeira, sem subordinação aos regulamentos e normas burocráticas e orçamentários aplicáveis às
repartições públicas propriamente ditas”. (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário.
4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 408). “A não coincidência entre a titularidade da competência
impositiva e a indicação do sujeito ativo da relação jurídica não desnaturam o caráter tributário da
exigência. Da mesma forma, a disponibilidade do recurso ao eleito para figurar no pólo ativo dessa
mesma relação jurídica, com o objetivo de aplicação nos propósitos que motivaram a sua exigência, não
modifica a sua natureza tributária. A parafiscalidade harmoniza-se plenamente com o conceito de
tributo.” (BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo:
Noeses, 2006, p. 99).
115
os demais entes federados (o que se torna um grande atrativo). Assim, para que ocorra a
devida instituição da taxa, é imprescindível que o ente tributante ampare sua materialidade
“em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua
disposição”254.
A título de complementação (e inquietação) ressaltaremos algumas feições préjurídicas de possíveis causas de identidade desses critérios mensuradores. Ainda que tais
fatores sejam irrelevantes para a ciência jurídica, permite-nos maior compreensão das
semelhanças ocasionadas pelo legislador ordinário.
Em breves palavras, pensamos que a análise não jurídica poderia ser explicada,
partindo-se do imperativo de que uma vez que os entes federados são responsáveis
financeiramente por grande parte de seus custos na prestação de serviços à população e
face ao crescente e complexo desenvolvimento das atividades socioeconômicas (novas
atividades comerciais, industriais, novas demandas de prestação de serviço etc.), ocorre,
naturalmente, maior demanda de atuação estatal, seja mediante o poder de polícia, seja
através da prestação de serviços. Tudo isto contribui para o aumento da necessidade de
regulamentação das relações sociocomerciais por parte do Estado; isso, sem mencionar a
incapacidade de bem gerir os recursos públicos, o que torna latente o interesse público pelo
aumento das receitas.
Outro aspecto, agora jurídico, reside na dificuldade do legislador ordinário que, ao
promover os recortes na realidade social que pretende ver tributado, excede os limites
autorizados pelo ordenamento jurídico, invadindo competência de outro ente.
No entanto, quando o legislador ordinário promove o corte abstrato na realidade
fática, via imposto ou taxa, é provável que o objeto de observação e abordagem seja o
mesmo. Por isto, as fronteiras entre as bases de cálculo destes dois tributos, em várias
exações, localizam-se muito próximas uma da outra. Porém, não queremos dizer, com isso,
que tal situação permita que as bases de cálculo sejam idênticas, mas, sim, que possuam
notas em comum. São observações díspares, mas não excludentes; nesse aspecto, reside a
permissibilidade de bases de cálculo próximas, mas não análogas.
254
Artigo 145, II, da CF/88.
116
Vale mencionar, também, que em razão de todos os entes federados possuírem
competência constitucional para a instituição, fiscalização e arrecadação das taxas, outro
limite pontuado refere-se à competência administrativa constitucional estabelecida para o
exercício do poder de polícia e, para a prestação de serviços públicos, já anotados em
linhas pretéritas255.
Verifica-se que não será qualquer atividade a validar a exigência da cobrança da
taxa (seja pelo poder de polícia, seja pela prestação de serviço público), há que se
observarem os parâmetros traçados pela CF/88. Mais uma vez, lembramos que o objeto
(acontecimento fenomênico), do qual será extraída a suposta situação fática apta a
viabilizar a instituição da cobrança de taxa, deve guardar consonância com a
contraprestação ao exercício de uma atividade desempenhada pelo Estado. Esse aspecto é
inafastável.
Por exemplo, se nos referirmos à taxa de coleta de lixo e ao IPTU, o ponto de
partida do legislador ordinário será exatamente o mesmo, ou seja, o imóvel de propriedade
do possível contribuinte.
Nesta seara, surgem as paridades entre os elementos em comum, uma vez que a
característica do imóvel concederá notas à composição da base de cálculo, tanto de um,
quanto do outro tributo. A diferença deve residir, justamente, na formação dos elementos
da base, no sentido de que o imposto aferirá um fato lícito, enquanto a taxa, uma prestação
de serviço público ou o exercício de seu poder de polícia.
Uma análise um pouco mais detida dos julgados dos Tribunais Superiores (STJ e
STF) revelou um padrão de comportamento do posicionamento dos Ministros, no que toca
à análise da constitucionalidade da base de cálculo das taxas, quando do confronto de sua
identidade com o imposto.
Aferimos que até meados de 1999, principalmente, nos votos do Min. Ilmar Galvão,
todo questionamento sobre a (in)constitucionalidade da base de cálculo da taxa, quando de
sua comparação com o imposto, restou decidido de modo a declarar inconstitucional a taxa
que possuísse em sua base de cálculo qualquer elemento pertinente à espécie tributária
255
Capítulo da “Descrição das Espécies Tributárias”.
117
imposto. Com a saída deste Ministro, os votos começaram a adotar outra premissa,
desaguando na Súmula Vinculante n. 29 do STF256.
Segundo as lições – sempre presentes – de Aires Barreto, a identidade entre tais
exações ocorrerá quando: (i) o “imposto tiver por base de cálculo o valor da atuação
estatal, porque este só é compatível com a taxa”257; e, (i) “inversamente, será imposto a
‘taxa’ que erigir por base de cálculo um fato lícito, que não uma atividade estatal”258.
Ocorrendo uma das duas situações descritas, o tributo deverá ser declarado
inconstitucional; fundamentado na afronta à CF/88, artigo 145, § 2º, “as taxas não poderão
ter base de cálculo própria de impostos”.
Aliomar Baleeiro259, ao confrontar a taxa ao imposto, revela que
O test básico da taxa está na vinculação do serviço acaso prestado a um
proveito, ou interesse direto do contribuinte ou a um ato provocado por
atividade deste, condições essas indiferentes ao imposto. Se o alegado
serviço nada tem a ver com quem vai pagá-lo, porque lhe não interessa ou
porque não foi instituído para prover a necessidade de serviço público por
ele suscitadas na estrutura da Administração – não há taxa. Esse test, a
nosso ver, é utilizável tanto na análise das taxas resultantes do exercício
do poder de polícia, quanto nos decorrentes da utilização efetiva ou
potencial de serviço público específico e divisível, prestado ao
contribuinte ou posto à sua disposição. Não basta que a Administração
exercite poder de polícia, definido no art. 78 do Código Tributário
Nacional para que se legitime a taxa sob essa inovação. É indispensável
um vínculo no exercício daquele poder.
Realizaremos o confronto da base de cálculo existente entre: (2.2.1) imposto
residual versus taxa pela prestação de serviço público; (2.2.2) imposto residual versus taxa
pelo exercício do poder de polícia; (2.2.3) imposto nominado versus taxa em razão da
prestação de serviço público; e, por fim, (2.2.4) imposto nominado versus taxa em razão do
exercício do poder de polícia.
256
257
258
259
“É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo
própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra”. Súmula
Vinculante 29, publicada no DOU em 17.02.2010.
BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad,
1998, p. 119.
Ibid., loc. cit.
Id. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 509.
118
2.2.1
Imposto residual versus taxa pela prestação de serviço público
O imposto residual, conforme mencionamos, somente pode ser instituído pela
União Federal. Assim, caso a identidade de sua base de cálculo seja checada a uma taxa em
razão da prestação de serviço público, ou vice-versa, esta àquele, poderemos estar diante
de a uma situação de bis in idem (competência do mesmo ente) ou de bitributação (tributo
de competência de entes distintos).
Atualmente, não possuímos nenhum imposto residual presente em nosso sistema
jurídico.
Entretanto,
em
vários
momentos
de
aferição
de
constitucionalidade
material/quantitativa de uma taxa, os Tribunais Superiores a abordam em comparação com
um imposto. Porém, este tal imposto não existe em nosso sistema, seria apenas um tributo
hipotético, mas que seria permissivo em face das normas que o regem. Com isso, quando
nos
referirmos
a
estes
impostos
que
não
possuem
materialidade
descrita
constitucionalmente, o chamaremos de residual e, quando a materialidade for conhecido
por todos, descrita nos artigos 153, 155 e 156, o denominaremos por nominado.
Justificamos tal premissa sob a fundamentação de que, por muitas vezes, os
julgados alegam que uma taxa x possui base de cálculo de imposto. Porém, este imposto
não existe nem abstrata, nem concretamente no nosso sistema positivo, seja em termos
constitucionais (normas de estrutura) ou infraconstitucionais (normas de comportamento).
A identidade entre estas duas exações sobrevirá quando a taxa, instituída pela
prestação de serviço público, específico e divisível, possuir base de cálculo que aponte –
exclusivamente – elementos de uma atividade lícita, diretamente referida ao contribuinte
que não possua qualquer vínculo com uma contraprestação estatal.
A identidade de bases de cálculo analisada sob a perspectiva comparativa inversa,
do imposto residual para com a taxa cobrada em razão da prestação de serviço público,
existirá quando aquele possuir como representação quantitativa o valor da atuação estatal,
e não potencialidade para aferir uma atividade promovida pelo contribuinte, sem qualquer
vínculo com uma ação do Estado.
119
2.2.2
Imposto residual versus taxa pelo exercício do poder de polícia
Quando a motivação da cobrança da taxa for o poder de polícia, mas sua base de
cálculo representar notas de uma atividade completamente desvinculada de qualquer
imposição de “limites ou restrições ao exercício do direito de liberdade ou propriedade do
particular”260, mas, em contrapartida, representar uma atividade diretamente vinculada ao
contribuinte, porém, alheia ao rol das materialidades prescritas para os impostos previstos
na Carta Republicana, estaremos em face de um imposto residual.
Ao passo que a identificação inversa (o imposto residual possuíra base de cálculo
da taxa em razão do poder de polícia) sucederá quando o imposto, não previsto na
Constituição Federal, instituído pela União261, possuir perspectiva quantitativa pertinente
com atividade estatal oriunda do exercício do poder de polícia.
Os próximos dois confrontos de bases de cálculo são mais facilmente encontráveis
na jurisprudência, face à analogia com as materialidades existentes em nosso ordenamento
constitucional-tributário. Continuemos.
2.2.3
Imposto nominado versus taxa pela prestação de serviço público
Dentre as quatro espécies em que dividimos este item, a que mais apresenta casos
práticos262 é a que abordaremos nas linhas que seguem. Isto se deve ao fato de que,
primeiro, estamos no campo dos impostos prescritos na CF/88, tributos cuja materialidade
engloba uma série de constantes relações jurídico-comerciais, e, segundo, porque no que se
refere à espécie tributária taxa (subespécie prestação de serviços públicos, específicos e
divisíveis, colocados à disposição ou efetivamente utilizados pelos contribuintes), esta
260
261
262
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p.
101.
Caso não seja por esse ente instituído, teremos uma primeira inconstitucionalidade. Visto que somente à
União foi atribuída competência para criar impostos residuais.
ADI 1926 MC / PE – PERNAMBUCO. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Julgamento: 19/04/1999. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
Publicação DJ 10-09-1999. “I. Taxa Judiciária: sua legitimidade constitucional, admitindo-se que tome
por base de cálculo o valor da causa ou da condenação, o que não basta para subtrair-lhe a natureza de
taxa e convertê-la em imposto: precedentes (ADIn 948-GO, 9.11.95, Rezek; ADIn MC 1.772-MG,
15.4.98, Velloso). II. Legítimas em princípio a taxa judiciária e as custas ad valorem afrontam, contudo, a
garantia constitucional de acesso à jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) se a alíquota excessiva ou a omissão de
um limite absoluto as tornam desproporcionadas ao custo do serviço que remuneraram: precedentes”.
120
modalidade representa a maior parte das atividades taxadas pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, cada qual com seu rol administrativo competencial.
Posto isto, passemos às paridades. O imposto nominado possuirá identidade com a
taxa pela prestação de serviço público quando sua base de cálculo/materialidade
apresentar dados de contraprestação estatal, ou seja, quando não se referir a ato
diretamente praticado pelo contribuinte, sem qualquer liame com atuação estatal.
Contrariamente, a taxa cobrada em razão da prestação de serviço público possuirá
base de cálculo de imposto nominado no momento em que suas notas, mensuradoras do
quantum do tributo devido, indicar uma atividade referida ao contribuinte, sem qualquer
nexo com uma contraprestação estatal relativa à prestação de serviço.
Um caso clássico que se emoldura nesta situação é a taxa de coleta de lixo
domiciliar instituída por municípios brasileiros. Neste momento, retrataremos a taxa
cobrada pelo Município de São Carlos, cujo requisito é que a alíquota da taxa denote a
metragem do imóvel do contribuinte. Nota-se que essa taxa elegeu como critério
mensurador para sua cobrança, não o valor da prestação do serviço de coleta de lixo, mas,
sim, a quantidade de metros que o proprietário do imóvel possui. Noutro giro, um dado
lícito diretamente vinculado ao contribuinte e desprovido de qualquer relação com a
atividade estatal realizada.
No julgado acima apontado, a taxa de coleta domiciliar não utiliza um ou alguns
elementos da materialidade do IPTU; o único elemento por ela eleito pertence à
materialidade do imposto predial e territorial urbano. E, sendo um imposto, não retrata uma
prestação de serviço municipal, por isso não deveria ser tido como um elemento, ou
mesmo referência263, a contraprestação por uma atividade realizada pelo governo
municipal. O elemento escolhido pela taxa se enquadra dentro do campo de materialidade
do imposto, como na demonstração abaixo:
263
Os Ministros do STF, favoráveis à tese da integral identidade das bases de cálculo, utilizam o signo
referência como dado diferenciador dos elementos constantes nos critérios quantitativos. Assim, ao invés
de afirmarem que o fator “X” pertence à base de cálculo de determinado tributo, eles dizem que tal fator
atua apenas como referência, distinguindo-a como se não compusesse a quantum tributário.
121
O diagrama de Venn demonstra as relações de sobreposição dos elementos das
bases de cálculo do IPTU e da taxa de coleta de lixo, ambos, instituídos pelo mesmo ente
federado.
Quando elaboramos linhas acima a circunstância de que é – extremamente – natural
que vários tributos retirem os elementos de sua materialidade e base de cálculo de um
mesmo objeto, referimo-nos à situação acima apresentada. Porém, quando um tributo traz
para sua RMIT elementos compatíveis, exclusivamente, com outra exação, essa cobrança
não poderá permanecer válida após algumas confrontações com as normas constitucionais.
Outros exemplos que se enquadram nesta relação comparativa, julgados pelas
Cortes Superiores: IPTU x taxa de coleta de lixo (remoção e tratamento ou destinação
de lixo ou resíduos provenientes de imóveis) do Município de Londrina264, Curitiba265,
Campinas266; e IPTU e ITBI x taxa de serviços notariais e registros do Estado de São
Paulo267.
2.2.4
Imposto nominado versus taxa pelo exercício do poder de polícia
A paridade da materialidade destes dois tributos se verifica quando, no primeiro
caso, o imposto nominado revelar quantitativamente noções de um ato realizado pelo poder
público relativo, por exemplo, a vistorias, perícias, cálculos, estimativas, autorizações etc.
Percebe-se, com isso, que tais atos não são compatíveis com as normas materiais dos
264
265
266
267
AI 570956/ PR. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Relator Ministro Ayres Britto.
Julgamento: 01/03/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe-092.
AI 632531/ PR. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Relator Ministro Ayres Britto.
Julgamento: 01/02/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma.
RE 557957/ SP. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Relator Ministro Ricardo Lewandowski.
Julgamento: 26/05/2009. Órgão Julgador: Primeira Turma.
ADI 3887/SP. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator Ministro Menezes Direito. Julgamento:
15/10/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
122
impostos, que devem refletir uma cobrança tributária originada pelo comportamento lícito
e desvinculado de qualquer atitude estatal. É um ato praticado pelo contribuinte,
independente de qualquer conduta do Estado.
Ao contrário, a taxa exercida pelo poder de polícia possuirá base de cálculo de
imposto nominado, ao indicar subsídios compatíveis com uma atitude inteiramente
relacionada ao contribuinte, dentre as previstas na CF/88, por exemplo: industrializar
produtos, importar mercadorias, ser proprietário de imóvel urbano ou rural268 etc.
Sob relatoria do Min. Eros Grau269, o STF julgou constitucional a taxa de
fiscalização, localização e funcionamento, instituída pelo Município de Itu-SP, cuja base
de cálculo possua um ou mais critérios norteadores do IPTU, em virtude de não possuir
integral identidade com todos os elementos deste tributo. Porém, os dados do critério
quantitativo não representavam o valor de uma atividade de exercício de polícia, mas, sim,
de características atinentes ao imposto urbano de propriedade.
Situação semelhante se passou com o julgamento da mesma taxa cobrada pelo
Município de Belo Horizonte270, Guarulhos271, bem como (i) pela taxa de autorização para
uso de fogo sob a forma de queimada, sob relatoria deste Ministro, cuja decisão segue a
mesma linha272, e pela taxa de fiscalização de obras do Município de Belo Horizonte273,
que utiliza como parâmetro da base de cálculo a extensão da obra. No entanto, antes da
saída dos Ministros Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Octávio Galotti, o posicionamento
adotado pela Suprema Corte era o inverso do atual274.
268
269
270
271
272
273
274
Súmula n. 595 do STF, com data de aprovação de 15.12.1976. “É inconstitucional a taxa municipal de
conservação de estradas de rodagem cuja base de cálculo seja idêntica à do imposto territorial rural”.
AI 730565/SP. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Relatoria do Ministro Eros Grau.
Julgamento realizado em 16.12.2008. Órgão Julgador: Segunda Turma.
AI 654292/MG. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Julgamento realizado em
30.06.2009. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator Ministro Ricardo Lewandowisk.
RE 501876/SP. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Relator Ministro Ricardo Lewandowski.
Julgamento: 01/02/2011. Órgão Julgador: Primeira Turma.
RE 503350/AL. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Relator Ministro Ricardo Lewandowski.
Julgamento: 25/08/2009. Órgão Julgador: Primeira Turma.
RE 214569/ MG. Recurso Extraordinário Ministro Ilmar Galvão. Julgamento: 13/04/1999. Órgão
Julgador: Primeira Turma.
“[…] por haverem violado a norma do art. 145, § 2o, ao tomarem para base de cálculo das taxas de
limpeza e conservação de ruas elemento que o STF tem por fator componente da base de cálculo do
IPTU, qual seja, a área do imóvel e a extensão deste no seu limite com o logradouro público. Taxas que,
de qualquer modo, no entendimento deste Relator, têm por fato gerador prestação de serviço inespecífico,
não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, não sendo de ser
custeado senão por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais. Recurso conhecido e provido”.
RE 199969/SP. Recurso Extraordinário. Relator Ministro Ilmar Galvão. Julgamento: 27/11/1997. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. E, “1. Impossibilidade de a taxa de conservação e serviços de estradas
123
Estas decisões se adéquam – perfeitamente – à premissa (objetiva) estabelecida pela
Corte Suprema, a qual informa que somente haverá identidade entre tributos de distintas
espécies quando seus critérios quantitativos se adequarem exatamente um ao outro.
2.3
Imposto com Contribuição de Melhoria
Assim como nos impostos e nas taxas, a competência tributária para a instituição de
contribuições de melhoria foi dividida entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Com a simplicidade e sabedoria que lhe são peculiares, Geraldo Ataliba275 relata que
Contribuição de melhoria não se confunde com imposto. A hipótese de
incidência deste é um fato qualquer, presumivelmente indiciador de
capacidade contributiva da pessoa que é, pela lei, posta na situação de
sujeito passivo. […] Juridicamente distingue-se do imposto e da taxa
porque sua hipótese de incidência não é a obra (h.i. da taxa) nem o mero
enriquecimento do contribuinte (h.i. do imposto) mas a diferença do valor
de uma propriedade antes e depois de uma obra.
A probabilidade de nos depararmos com tal situação fática é um tanto incomum, em
face da inexistência da instituição da contribuição de melhoria pelos nossos governos.
Como a destinação dos recursos auferidos com a arrecadação da contribuição de
melhoria se assemelha à destinação dos valores recebidos com os impostos, ou seja, ambos
estão desvinculados de qualquer despesa pública. Diferença há no quesito normativo, uma
vez que esse último possui expressa previsão constitucional registrando tal impedimento,
ao passo que respectiva situação não ocorre com a contribuição de melhoria. No entanto,
anotamos que “nada impede que a legislação infraconstitucional venha a fazê-lo”.276
275
276
municipais ter como base de cálculo o número de hectares e outros fatores básicos usados para o cálculo
do Imposto Territorial Rural. 2. Inconstitucionalidade declarada por esta Corte (Súmula 595). Recurso
extraordinário conhecido e provido”. RE 116577/SP. Recurso Extraordinário. Relator Ministro Maurício
Corrêa. Julgamento: 07/05/1996. Órgão Julgador: Segunda Turma. Por fim, “Taxa de Segurança contra
Incêndio do Estado. Sua inconstitucionalidade, por identidade de base de cálculo (valor unitário do metro
quadrado) com a do Imposto Predial e Território Urbano (art. 18, § 2º, da Constituição de 1967 - Emenda
nº 1-69)”. RE 120954/ES. Recurso Extraordinário. Relator Ministro Octávio Gallotti. Julgamento:
14/03/1996. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 173.
MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000,
p. 185.
124
Apontadas em linhas pretéritas as normas que regulamentam os impostos e as
contribuições de melhoria277, traçaremos o necessário paralelo entre suas bases de cálculo.
2.3.1
Imposto residual versus Contribuição de Melhoria
De modo sucinto, a materialidade destes dois tributos será similar quando: (a) “para
o imposto o critério de mensuração previsto for o da valorização imobiliária, causada por
obra pública”278; e, para a contribuição de melhoria, (b) “for eleita base de cálculo
consistente apenas no fato lícito (valorização), sem vinculá-lo à obra pública”279. Não há
contribuição sem obra pública, nem contribuição sem melhoria.
Uma vez que não possuímos um imposto, cuja hipótese de incidência seja,
especificamente, a valorização imobiliária, adequamos estes dados ao imposto residual.
Mas, ressalvamos que não há que se confundir um possível imposto residual (cuja
materialidade foi acima registrada) com o imposto de renda sobre o ganho de capital.
Há que se notar que, em nosso específico exemplo, existem nuances que permitem
sejam impostos distintos. Um incidiria sobre a valorização imobiliária, cabendo ao alvedrio
do legislador, dentro de limites constitucionais pré-estabelecidos, apontar como seria
aferido seu critério quantitativo. E o outro adviria de ganho de capital realizado entre a
compra e venda do imóvel. Agora, registramos, é claro, que, se o legislador apontar
mesmos elementos para a base de cálculo, estaremos diante de uma dupla tributação, a
depender da modalidade: bis in idem ou bitributação.
277
278
279
“É de conhecimento comum que a referida Contribuição de Melhoria é tributo cujo fato imponível
decorre de valorização imobiliária causada pela realização de uma obra pública. Nesse passo, sua
exigibilidade está expressamente condicionada à existência de uma situação fática que promova a referida
valorização. Este é o seu requisito ínsito, um fato específico do qual decorra incremento no sentido de
valorizar o patrimônio imobiliário de quem eventualmente possa figurar no pólo passivo da obrigação
tributária”. Processo Ag 1369101-STJ. Relator Min. Hamilton Carvalhido. Data da publicação
03/02/2011.
BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max Limonad,
1998, p. 119.
Ibid., loc. cit.
125
2.3.2
Imposto extraordinário versus Contribuição de Melhoria
Para que um (a) imposto extraordinário assuma os contornos quantitativos de uma
contribuição de melhoria, será imprescindível que sua base de cálculo aponte notas de uma
valorização imobiliária, acarretada por obra estatal.
No entanto, ressaltamos que a característica de um imposto extraordinário, além
dos requisitos do artigo 154, II, da Carta Política, é o fato de reproduzir a regra-matriz de
outro imposto presente na CF/88. Queremos, com isso, dizer que, para que seja possível a
instituição em foco, seria necessário ainda que houvesse ou um imposto residual, ou um
imposto nominado, cuja materialidade fosse valorização imobiliária. Nesse caso, se bem
ficou claro, teríamos três tributos com mesma materialidade/base de cálculo.
Em sentido inverso, (b) a contribuição de melhoria terá a forma de um imposto
extraordinário quando seu critério material representar um fato do contribuinte,
desvinculado de qualquer atividade estatal, que ocasione valorização em imóvel de sua
propriedade.
2.3.3
Imposto nominado versus contribuição de melhoria
A identificação entre as bases de cálculo dessas duas exações ocorrerá quando: (a)
para que o imposto nominado tenha forma de contribuição de melhoria, seu critério
previsto for a valorização imobiliária, gerada por obra pública; e, (b) para a contribuição de
melhoria, eleja o constituinte derivado materialidade que represente um fato lícito qualquer
(valorização), desde que não o vincule à obra pública.
Em razão da ausência de localização de um caso específico, de identidade de bases
de cálculo na jurisprudência dos Tribunais Superiores, criamos uma possibilidade na qual
imaginamos viável que referida analogia ocorresse.
Em nosso caso fictício, para que sobreviesse a identidade de bases de cálculo entre
a contribuição de melhoria e o imposto nominado, aquele tributo deveria possuir como
base de cálculo, pelo contribuinte beneficiado com a valorização imobiliária, única e
exclusivamente, o ganho de capital realizado com o imóvel (urbano ou rural). Sob essa
126
perspectiva, a contribuição de melhoria haveria sido instituída à semelhança da base de
cálculo do imposto de renda (imposto nominado); portanto, inconstitucional.
2.4
Imposto com Contribuição
Na confrontação destes dois tributos, bem como, na comparação do imposto com a
taxa (item anterior), temos uma riqueza de doutrinas e julgados que abordam estes casos.
As justificativas serão abaixo delineadas.
As circunstâncias que distinguem os impostos das contribuições podem ser
minutadas pelos contornos que seguem: para o primeiro, é constitucionalmente proibido
destinar o produto da arrecadação tributária, art. 167, § 4º. Já para o segundo, esta é a nota,
constitucional, que os permite assumir característica de espécie autônoma. Em outras
linhas, as prescrições jurídicas axiomáticas, no que pertine a este mencionado aspecto, são
exatamente opostas.
Neste sentido, Roque Antônio Carrazza280: “A destinação em tela é também
fundamental, porque permitirá, em determinados casos, que a mesma hipótese de
incidência seja concomitantemente utilizada para um imposto da União e para uma das
‘contribuições’ a que alude o art. 149 da CF.”
Criticando as contribuições instituídas pela União, Geraldo Ataliba281 revela que,
Dando o legislador ordinário federal, a institutos que crie, a designação
de contribuição, poderá, na verdade, ter adotado a figura de imposto, ou
poderá ter realmente criado uma verdadeira contribuição. Pode-se dizer
que, até hoje, todos os tributos a que se atribuiu legislativamente a
designação de contribuição, no Brasil, revestiram natureza de impostos
(PIS, FUNRURAL, FGTS, FINSOCIAL, contribuições para SESC,
SESI, SENAI, SENAC, contribuição previdenciária do empregador, etc.)
[…].
Vejamos os elementos que permitem a alegação de identidade destes tributos via
materialidade/base de cálculo.
280
281
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 596.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 199.
127
2.4.1
Imposto residual versus CIDE
A identificação entre estes tributos se passará quando, para que (a) o imposto
residual possua forma de contribuição interventiva, sua materialidade282 apresentar notas a
um fato referido à intervenção estatal no domínio econômico.
Em sentido oposto, (b) para que a contribuição interventiva possua forma de
imposto residual, bastará que reproduza a materialidade eleita pelo imposto residual na
qual se baseia. Conforme aponta Roque Antônio Carrazza283:
Se as contribuições interventivas tiverem hipótese de incidência de algum
imposto da chamada ‘competência residual’ da União (art. 154, I, da CF),
deverão ser instituídas por lei complementar, não poderão ter hipótese de
incidência ou base de cálculo iguais às de qualquer dos impostos
elencados nos arts. 153, 155 e 156 da CF e precisarão observar o
princípio da não-cumulatividade.
2.4.2
Imposto residual versus CIPE
Teríamos paridade tributária quando, (a) do imposto residual para a contribuição
profissional, sua hipótese de incidência apontasse notas do custo decorrente da atuação do
Estado, resultante de ato praticado em interesse das categorias profissionais ou
econômicas.
Em posição contrária, (b) para que a contribuição profissional seja idêntica ao
imposto residual, sua hipótese de incidência necessita representar a mesma base de cálculo
de um imposto previsto no artigo 154, I, da CF/88, ou seja, de um imposto não prescrito,
diretamente, na Carta Política.
282
283
“A EC nº 33/01 não retirou a exigibilidade das contribuições ao INCRA e ao SEBRAE, pois as bases
econômicas enumeradas não afastam a possibilidade de utilização de outras fontes de receita.
Interpretação restritiva não se ajustaria à sistemática das contribuições interventivas, pois o campo
econômico, no qual o Estado poderá necessitar intervir por meio de contribuições, sempre se mostrou
ágil, cambiante e inovador, não sendo recomendável limitar, a priori, os elementos sobre os quais a
exação poderá incidir”. (grifo nosso). AI 756508/SC – Santa Catarina. Agravo de Instrumento. Relatora
Min. Cármen Lúcia. Julgamento: 25.06.2009.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 600.
128
2.4.3
Imposto residual versus contribuição social
O (a) imposto residual possuirá identidade com a contribuição social nos casos em
que sua base de cálculo apontar uma das (a.1) materialidades presentes no artigo 195,
incisos I a IV da CF/88 (contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social),
ou (a.2) quando sua hipótese de incidência tiver elementos de uma contribuição residual284,
ou seja, distintas das demais contribuições cuja materialidade está presente no Texto
Supremo, bem como diferentes dos impostos prescritos constitucionalmente.
Invertendo a (b) comparação, para que a (b.1) contribuição social destinada ao
financiamento da seguridade e a (b.2) contribuição social residual possuam analogia com o
imposto residual, é indispensável que suas materialidades sejam de imposto não
discriminado constitucionalmente.
Neste último caso, tomemos como exemplo a contribuição previdenciária cobrada
do empregador (destinada ao financiamento da seguridade social), enquanto representante
da empresa285, e um imposto residual fictício, cuja materialidade poderia ser representada
pelo fato de o empregador “remunerar pessoa ligada à Previdência Social”286.
2.4.4
Imposto extraordinário versus CIDE
Antes de procedermos ao comparativo proposto, vale lembrar que o imposto
extraordinário é a exação que possui maior abrangência material constitucional. Noutras
linhas, é o tributo que pode ser instituído à semelhança de todos os impostos existentes no
sistema tributário pátrio, incluindo os impostos dos Estados, Distrito Federal e Municípios,
uma vez que é de competência exclusiva da União, ou seja, as suas materialidades já se
inscrevem neste rol, lembrando que o motivo autorizador de sua criação é a existência de
guerra externa ou sua iminência.
Quanto à contribuição interventiva, apesar de sua hipótese de incidência não estar
especificamente descrita na CF/88, o legislador infraconstitucional deve optar para que
284
285
286
Ver as características desta subespécie de contribuição em item específico retratado linhas pretéritas.
Art. 195, I, da CF/88.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 611.
129
incida sobre as atividades relacionadas ao setor da economia que sofrerá intervenção, única
e exclusivamente sob pena de extrapolar limites constitucionais.
Assim, podemos afirmar que (a) o imposto extraordinário terá a forma de
contribuição interventiva, quando sua materialidade/base de cálculo historiar fatos
diretamente referidos à intervenção no domínio econômico.
No tocante à relação inversa, na qual analisaremos a possibilidade de (b) a
contribuição interventiva possuir características de um imposto extraordinário, pensamos
ser juridicamente inviável. Expliquemos melhor. Uma vez que o extraordinário não possui
materialidade própria, ou seja, sempre que existir será à semelhança de outro imposto
presente no sistema, caso haja embate entre uma contribuição interventiva e um imposto,
somente o será nas subespécies residual ou nominado.
2.4.5
Imposto extraordinário versus CIPE
Ressalvando as premissas relativas ao imposto extraordinário (já registradas),
entendemos (a) que este poderá ser tido como contribuição de interesse das categorias
profissionais ou econômicas quando sua hipótese de incidência apontar substancialidade de
materialidade relativa à atuação no interesse destes específicos grupos. Adversamente, (b)
entendemos que as contribuições, qualquer que seja sua espécie, não poderá ter
materialidade de imposto extraordinário, conforme explicado em item anterior.
2.4.6
Imposto extraordinário versus contribuição social
Um (a) imposto extraordinário refletirá a materialidade de uma contribuição social
quando apontar postulados de hipótese de incidência prescrita no artigo 194, I a IV, da
CF/88 (para as contribuições destinadas à seguridade social), ou de contribuições residuais
(artigo 194, § 4, VI, da CF/88). Sua (b) inversão não é possível, contribuição social com
materialidade de imposto extraordinário.
130
2.4.7
Imposto nominado versus CIDE
Um bom exemplo para o encontro de materialidades da contribuição interventiva
para com o imposto nominado foi instituído pela Emenda Constitucional n. 33 de 2001287,
que se refere à permissão conferida à União para tributar, por meio de contribuição de
intervenção no domínio econômico, a importação ou comercialização de produtos de
petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.
Vejamos que a hipótese de incidência desse tributo representa um ato lícito do
contribuinte, revelado mediante a atividade de importação ou comercialização de
produtos, que nada mais é do que a materialidade do II (imposto sobre importação de
produtos estrangeiros, art. 153, I, da CF/88) e do ICMS (imposto sobre operações relativas
à circulação de mercadorias, art. 155, II, da CF/88).
Nesse caso, entendemos que o legislador constituinte derivado, utilizando-se do
veículo introdutor denominado emenda constitucional, nada mais fez do que instituir –
constitucionalmente – uma contribuição interventiva, cuja materialidade está descrita pela
Carta Política, nos mesmos moldes das contribuições para a seguridade social, prescritas
no art. 195, I, da CF/88.
Entendendo que a EC n. 33/2001 promoveu a possibilidade de instituição de um
novo imposto federal, Roque Antônio Carrazza288 escreve que
Resulta do exposto que as contribuições interventivas, previstas na
Emenda Constitucional 33/2001, inobstante seu nomen iuris, são, na
realidade, novos impostos federais, que, deveriam, em tudo e por tudo, ao
serem instituídos, obedecer às diretrizes do art. 154, I, da CF (instituição
por meio de lei complementar, observância do princípio da nãocumulatividade e necessidade de hipóteses de incidência e bases de
cálculo diversas dos impostos mencionados nos arts. 153, 155 e 156 da
Carta Magna), tudo sem prejuízo do disposto no art. 157, II, do mesmo
Diploma Excelso (partilha de 20% do produto de sua arrecadação com os
Estados-membros e o Distrito Federal).
Ainda, em relação ao veículo introdutor, revela que289, “Se as contribuições
interventivas tiverem hipótese de incidência […] de imposto da ‘competência explícita’ da
287
288
Acrescentou os parágrafos 2º, 3º e 4º ao art. 149 e, o parágrafo 4º do art. 177, ambos da CF/88.
Continua o autor: “Ademais, novos impostos, pela vontade do mesmo poder constituinte originário,
devem ter o produto de sua arrecadação partilhado com os Estados e o Distrito Federal, o que não deixa
de confirmar o espírito federativo de nosso ordenamento normativo”. (CARRAZZA, Roque Antônio.
Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n.
57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 603).
131
União (art. 153, I a VII, da CF) deverão ser criadas por lei ordinária e, é claro, poderão ser
cumulativas.”
Pensamos de modo distinto do ilustre professor, não cremos ser um novo imposto
federal, submetido, portanto, às regras do art. 154, I, da CF/88, mas, sim, uma contribuição
cuja materialidade é idêntica ao II e ao ICMS. E, consequentemente, que deve, em um dos
casos (abaixo relatado), ser instituída por lei complementar, e não por lei ordinária.
A consequência de possuirmos posicionamento contrário ao do citado jurista se
reflete no efeito sobre a (in)constitucionalidade desta cobrança tributária, pelo menos no
que se refere ao critério sob análise.
Antes de nos posicionarmos, registramos que dividiremos nossa conclusão em duas
partes, por entendemos que há uma distinção nesta análise. Na primeira, abordaremos a
contribuição interventiva sobre a importação e, na segunda, a contribuição interventiva
sobre a comercialização. Para ambas, partiremos da premissa de que a União Federal
possui competência para instituir contribuições interventivas sobre materialidades próprias
de impostos de sua competência (apenas das que lhe foram outorgadas pelo art. 153, da
CF/88), portanto diferente da opinião de Tácio Lacerda Gama290.
Para a primeira conclusão, julgamos ser constitucional a cobrança da contribuição
de intervenção no domínio econômico sobre a importação de produtos de petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados, e álcool combustível, uma vez que tal hipótese de
incidência é compatível com a materialidade do imposto de importação, também, de
competência do mesmo ente federado.
É válido mencionar que, segundo as premissas por nós estabelecidas, entendemos
que o legislador ordinário federal já possuía outorga constitucional para instituir a
contribuição interventiva sobre a importação de tais produtos independentemente da
prescrição contida na EC 33/2001, por ser materialidade de imposto de competência da
própria União. Nesse sentido, já seria permitido instituir a exação in abstrato, uma vez que
já possuía fundamento de validade constitucional.
Esta exação merece o seguinte questionamento: sendo uma contribuição de
intervenção no domínio econômico, a União possui obrigatoriedade de repartir sua receita
289
290
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 600.
Posicionamento registrado quando da descrição da subespécie contribuição interventiva.
132
com os demais entes? O comando normativo de repartição constitucional de receitas para
esta exação existe, porém, somente para com os Estados e o Distrito Federal, não para com
os Municípios. Devendo, claro, ser cumprida a ordem de observação de destinação da
receita, em respeito aos primados da contribuição, cuja norma constitucional é
representada pelo art. 159, III, da CF/88291.
Quanto à segunda parte de nossa conclusão, em razão de o ICMS ser um imposto
de competência dos Estados e do Distrito Federal, entendemos que a instituição de
contribuição de intervenção no domínio econômico sobre a comercialização de produtos
encontra-se vedada, em face da impossibilidade de a União tributar, sob o rótulo desta
contribuição, materialidades próprias da competência constitucional outorgada aos
impostos dos Estados e Municípios. No entanto, para Tácio Lacerda Gama, que defende a
possibilidade de as contribuições interventivas possuírem materialidades próprias de todos
os entes federados, tal instituição deve ser tida por constitucional.
Lembrando que, como nosso corte metodológico limita-se à análise da
possibilidade de instituição de materialidade idêntica a de outros entes federados (distintos
da União), não apreciaremos requisitos outros de constitucionalidade destas duas exações,
por exemplo, as diferentes nuanças das formas de atuação do Estado no domínio
econômico292, para se (re)conhecer estar ou não esta atividade enquadrada como domínio
econômico; noutro giro, apta ou não a se submeter a tal tributação. Paremos nossa
investigação por aqui.
2.4.8
Imposto nominado versus CIPE
As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas são
tributos que, normalmente, seguem o rito da parafiscalidade (OAB, CREA, CRM, CRF
etc.). Nesta tônica, é difícil imaginar convertibilidade destas exações.
Mas caso fosse viável, (a) um imposto nominado possuiria o formato jurídico de
uma contribuição profissional ou econômica quando sua materialidade apresentasse
291
292
“III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art.
177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei,
observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo”.
Para saber mais sobre as formas de atuação do Estado no domínio econômico, ver Tácio Lacerda Gama
(Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p.
238 et seq.).
133
tessitura de ingerência da União, via delegação, sobre determinada atividade privada. Já,
situação antagônica, (b) contribuição de interesse profissional terá característica de
imposto nominado quando apontar arquétipo de fato lícito, praticado pelo contribuinte,
desvinculado de qualquer ato estatal, cuja competência material seja de competência da
União.
2.4.9
2.4.9.1
Imposto nominado versus contribuição social
Imposto nominado versus contribuição social residual
Paulo Aires Barreto293 cita a possibilidade fictícia de a União, detentora da outorga
impositiva do imposto de importação, utilizar a materialidade desse tributo para criar
regra-matriz de contribuição social residual, não a da seguridade social, insculpida no art.
195, I, da CF/88. Mais uma vez, esclarecemos que as materialidades das contribuições
sociais destinadas ao financiamento da seguridade social estão descritas na Carta
Republicana.
Chamamos a atenção para o fato de o autor se referir, claramente, à contribuição
social que chama de específica, em oposição à nomenclatura contribuições sociais
gerais294, utilizada por parte da doutrina.
Continua o autor relatando que, caso a contribuição social seja instituída em
substituição a um imposto cuja receita deva ser repartida com outro ente federado,
respectiva situação causará desequilíbrio orçamentário da federação. No entanto, menciona
que, caso a substituição ocorra com imposto que não possua repartição constitucional de
sua receita, não haverá descumprimento do pacto federativo. E assim resume295:
[…] contribuições sociais específicas podem ser criadas pela União com
a mesma materialidade de impostos de sua competência privativa, cujo
produto da arrecadação não seja objeto de partilha com outro ente
tributante. A situação será completamente distinta se a materialidade for
de imposto cuja competência para instituição seja privativa de outros
entes tributantes. Nesse caso, põe-se em risco o equilíbrio federativo.
293
294
295
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,
2006, p. 108.
“As contribuições sociais que a doutrina denomina ‘gerais’ são, na verdade, específicas, no sentido de que
são destinadas a um fim social especificamente determinado.” (ibid., p. 105).
Ibid., p. 109-110.
134
Posto isto, questionamos se a situação seria a mesma caso a União criasse a
contribuição social residual, sem, contudo, substituir o imposto existente, mas, sim,
acrescendo ao sistema tributário mais uma exação. Ressalvamos que o exemplo abordado
por Paulo Aires Barreto institui um tributo em substituição a outro; nossa dúvida reside no
fato de, se ao invés de trocarmos um por outro, acrescermos um tributo no regramento
pátrio. Nesse sentido, perguntamos se as respostas apresentadas seriam as mesmas.
Para respondermos a esse questionamento, faremos uma cisão na resposta com o
objetivo de melhor esclarecer nossa perspectiva sobre o assunto e partiremos da premissa
de que as contribuições sociais residuais somente podem ser instituídas à identidade da
regra-matriz de impostos de sua própria competência.
Abordaremos a situação analisando a criação de um imposto nominado, cuja (a)
repartição constitucional de receitas seja prescrita pela Constituição Federal, na Seção VI,
“Da Repartição das Receitas Tributárias”, e sob a ótica da (b) ausência de obrigatoriedade
de divisão da arrecadação dos impostos com outros entes federados.
No primeiro plano, (a) colocamos a situação em que a União institua uma
contribuição social residual, cuja destinação seja respeitada, à semelhança material do
imposto de renda296 (por exemplo), e sem que haja extinção desse tributo no sistema.
Concluímos, segundo as premissas laboradas nesse estudo, que a contribuição em tela será
constitucional (analisada unicamente sob a perspectiva de sua materialidade), uma vez que,
além de não haver desrespeito ao equilíbrio federativo, a União criou contribuição cuja
materialidade é semelhante de imposto de sua competência.
O segundo momento da indagação (b) repousa no fato de a União criar contribuição
social residual, cuja materialidade seja idêntica à do imposto de importação297 (por
exemplo), permanecendo presente no sistema a cobrança e arrecadação deste imposto. Ou
296
297
Do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) ou, ainda, do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), ambos de competência da União Federal, cujo específico percentual deve ser
repartido com os demais entes tributantes. Apenas a título de informação, registramos os demais impostos
que possuem parte de sua receita dividida com outros entes federados, segue: Imposto sobre a
Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias
e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).
Ou do Imposto de Exportação (IE) e, do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio ou Seguro, ou
relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF). No mesmo sentido da nota de rodapé anterior,
informamos os demais impostos que não possuem previsão constitucional de repartição com os demais
entes federados, artigos 157 a 162 da CF/88: Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de
Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD); Impostos Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) ou,
ainda, do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
135
seja, a contribuição em nada substitui, mas, sim, acresce ao ordenamento jurídico outra
cobrança tributária. Nessa situação, em analogia com a anterior, também a teremos por
constitucional.
Em resumo, os aspectos que levamos em consideração foram os seguintes: (i) desde
que a União não invada esfera de competência privativa dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios, instituindo contribuições à paridade de seus tributos; e (ii) que não
ocorra substituição do imposto por uma contribuição social residual, mas, sim, a inclusão
deste último ao sistema jurídico; ambas as instituições serão constitucionais.
Não nos cansamos de mencionar, para que não restem dúvidas: nossa perspectiva
de estudo se limita à averiguação do critério material, cujo consequente, que também nos
interessa, são as notas permissivas a figurar na base de cálculo destes tributos.
2.4.9.2
Imposto nominado versus contribuição social destinada à seguridade social
A identidade neste caso não é abstrata, como demonstra Paulo Aires Barreto, é in
concreto. O autor menciona que o legislador constituinte derivado, por meio de emenda à
Constituição Federal, adicionou ao texto positivo máximo a possibilidade de a União
Federal instituir contribuição social destinada à seguridade social cuja materialidade incida
sobre a receita, ou seja, atingirá impostos que não são de sua competência, como o ICMS e
o ISS, de competência constitucional dos Estados e dos Municípios, respectivamente.
Neste passo, reproduziremos trecho de sua obra298:
Nessa hipótese, não há invasão de competência por força de expressa
autorização constitucional. Ciente da relevância da seguridade social
brasileira e da conseqüente necessidade de a ela assegurar fontes de
custeio, o legislador constituinte estabeleceu as hipóteses específicas em
que é admitido o alcance, por intermédio de contribuição, de um fato de
possível ocorrência, reservado à competência de Estados, Municípios e
Distrito Federal.
Este confronto apresenta vários exemplos, dentre eles: a contribuição social sobre o
lucro (CSLL) e o imposto de renda. Neste sentido, Roque Carrazza299:
298
299
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,
2006, p. 111.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 611.
136
Examinando a materialidade de sua hipótese de incidência, concluímos,
sem maior esforço, que se está diante de mero adicional do imposto sobre
a renda, com a só diferença de que o produto de sua arrecadação é
vinculado ao custeio da Seguridade Social.
Outro exemplo, que pode ser indicado neste item, é o Projeto de Lei Complementar
n. 48 de 2011300 que institui a Contribuição Social das Grandes Fortunas (CSGF), cuja
materialidade e base de cálculo são muito próximas ao imposto de renda,
consequentemente, da contribuição social sobre o lucro.
2.5
Imposto com Empréstimo Compulsório
Mencionados os registros necessários à introdução das duas espécies tributárias,
abordaremos nosso verdadeiro ponto de interesse, que é representado pelo confronto entre
as bases de cálculo dos impostos (em suas três subespécies) com o empréstimo
compulsório301.
Ocorre que esse estudo apresenta uma particularidade, até então, inexistente nas
comparações a que nos propusemos e que merece ser claramente compreendida, para que
possamos avançar na sua apreciação. Tal minudência reside no fato de que, nesse
específico confronto, tanto os impostos (em suas três subespécies) quanto o empréstimo
compulsório possuem mesmas materialidades, por conclusão, mesmas bases de cálculo.
Noutro giro, independente de qualquer outro comportamento da regra instituidora desses
gravames, ambos já nascerão idênticos no quesito material e quantitativo.
Assim, nota-se com extrema facilidade que esse único fator não é capaz de dizer
sobre a similaridade desses dois tributos. Para tanto, seremos impelidos a estender um
pouco mais o campo de análise. Com isso, teremos que verificar quais outras condições
normativas informam o empréstimo compulsório, e chegaremos aos dois pontos que os
diferenciam dos impostos, e dos demais tributos, que são: destinação do produto de sua
arrecadação e obrigatoriedade de restituição, visto ser um empréstimo.
300
301
Projeto de Lei Complementar do Deputado Federal Aluizio dos Santos Júnior, apresentado em
19.05.2011.
“[…] de acordo com sua hipótese de incidência e base de cálculo, pode revestir a natureza jurídica de
imposto (caso mais freqüente, por sua produtividade substancial) […]. A razão disso é patente: as
quantias em jogo na tributação por meio de impostos são muito mais expressivas que as quantias em jogo
na tributação por meio de taxas ou de contribuição de melhoria”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso
de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57/2008.
São Paulo: Malheiros, 2009, p. 580).
137
Com o intuito de facilitar a compreensão do que já foi até aqui descrito,
sintetizamos as principais informações em um quadro comparativo, antes de iniciar o
cotejo das bases de cálculo. Segue:
Quadro Comparativo das Subespécies de Impostos
1
Espécie
Tributária
Imposto Residual
Imposto
Extraordinário
Imposto
Nominado
Empréstimo
Compulsório
Fundamento
de Validade
Art. 154, I, da
CF/88.
Art. 154, II, da
CF/88.
Impostos descritos
nos arts. 153, 155 e
156.
Art. 148, I e II, da
CF/88.
Todos os impostos
existentes no
sistema.
Entendemos que,
inclusive, dos
impostos residuais.
De competência da
União, dos Estados
Federados e dos
Municípios.
i) impostos de
competência da
União;
ii) impostos de
competência
residual;
Notas da
materialidade
apontada.
Notas da
materialidade
apontada.
A legislação se
silencia, noutro
giro, não exige
motivação.
Guerra externa ou
sua iminência.
A legislação se
silencia, ou seja,
não exige
justificativa.
Ao imposto é
vedado possuir
destinação
específica, art. 167,
§ 4º, da CF/88.
Ao imposto é
vedado possuir
destinação
específica, art. 167,
§ 4º, da CF/88.
Ao imposto é
vedado possuir
destinação
específica, art. 167,
§ 4º, da CF/88.
2 Materialidade
3
4
Base de
Cálculo
Motivos
Autorizadores
da Instituição
Destinação da
5
Receita e
Restituição do
Tributo
i) diferente dos
impostos da União;
ii) não
cumulativos;
iii) fato gerador e
base de cálculo
diferente dos
impostos já
existentes.
Notas da
materialidade
apontada.
Notas da
materialidade
apontada.
i) calamidade
pública;
ii) guerra externa
ou sua iminência;
iii) investimento
público urgente e
de interesse
nacional.
Critério que o
diferencia das
demais espécies
tributárias:
destinação e
restituição. Ambos,
não apenas um.
Quando nos referimos a esse paralelo de bases de cálculo, inicialmente, temos a
sensação de que advém uma repetição de conjunturas quando do embate do empréstimo
compulsório às três subespécies de impostos (residual, extraordinário e nominado). No
entanto, existem pequenas nuanças que as individualizam, por isso exporemos uma a uma.
138
2.5.1
Imposto residual versus Empréstimo Compulsório
Para que, supostamente, ocorra identidade entre os elementos da base de cálculo de
um imposto residual com um empréstimo compulsório, noutras linhas, (a) para que o
critério mensurador daquele imposto seja considerado idêntico ao deste tributo, é
necessário que as normas que regulamentem sua tributação disponham sobre:
materialidade e base de cálculo distintas de todas já existentes na CF/88 e que seja não
cumulativo, primeiro ponto. E, como dissemos linhas acima, na comparação com os
impostos, todos os empréstimos compulsórios terão suas materialidades assemelhadas a
eles, ou seja, isso ainda não nos disse nada.
Anotamos que nos referimos à materialidade, e não à base de cálculo, uma vez que
a nota construtora do critério quantitativo do tributo abordado terá como limitador seu
critério material. Portanto, conhecendo a matéria a ser tributada, conhecemos o objeto, e
sabemos o que se pode nele tributar.
Sob essa perspectiva somos impelidos a promover um novo corte metodológico,
que, em nosso caso, se socorrerá da existência de destinação do produto da arrecadação e
da restituição do empréstimo compulsório custeado pelo contribuinte.
Assim, (a.1) caso a norma instituidora do imposto residual possua esses dois
mandamentos, concluiremos que estaremos diante de um verdadeiro empréstimo
compulsório, e não de um imposto residual, por ser constitucionalmente vedada sua
destinação. Relembrando que não é a roupagem que o tributo veste que lhe confere sua
natureza jurídica, mas, sim, as regras que o informam.
Agora, (a.2) inexistindo tais normas na instituição do imposto residual, podemos
até falar em identidade de bases de cálculo, porém, como o empréstimo compulsório
apresenta-se como um tributo que exige, para sua confirmação, elementos estranhos às
demais espécies, teremos identidade do(s) critério(s) quantitativo, mas não identidade que
autorize a declaração de constitucionalidade.
Vejamos agora o que o confronto inverso nos revela.
Para (b) que o empréstimo compulsório possua base de cálculo idêntica à de um
imposto residual, é imperioso que sua materialidade registre, ato lícito do contribuinte, que
não configure critério material de imposto de competência privativa da União (art. 153),
139
que seja não cumulativo e não possua fato gerador ou base de cálculo de impostos já
pertencentes ao sistema (de competência dos Estados e dos Municípios). Requisito
cumprido, passemos a outro elemento de diferenciação, uma vez que esse elemento
sozinho não está apto a distingui-los.
Outra vez, aferimos se a norma do empréstimo compulsório determina destinação
específica do produto da arrecadação e a devolução do tributo pago. Sendo positiva a
resposta, a base de cálculo dos dois tributos poderá ser idêntica, ocorrendo bitributação
constitucional permitida pelo sistema do direito posto. Desde que, claro, respeitados outros
princípios constitucionais.
Porém, consistindo a resposta numa negativa, ou seja, não possuindo a norma
instituidora do empréstimo compulsório determinação para que o valor arrecadado tenha
destinação específica, bem como, que seja restituído ao sujeito passivo, ou quem faça as
vezes, não estaremos diante de um empréstimo compulsório por claro descumprimento dos
preceitos constitucionais que lhe conferem fundamento de validade. Tributação indevida,
mas com base de cálculo e materialidade compatíveis com o dos impostos residuais. 302
2.5.2
Imposto extraordinário versus Empréstimo Compulsório
Para que o (a) imposto extraordinário tenha base de cálculo idêntica à do
empréstimo compulsório, sua hipótese de incidência deverá prescrever fatos sujeitos à
competência tributária da União (seja presente no art. 153 da CF ou mesmo dos impostos
residuais, abordados preteritamente).
Posto isso, para que conheçamos a constitucionalidade ou não dessa identidade,
precisamos enfrentar o próximo ponto de abordagem, que, conforme já apontamos nas
comparações anteriores, é a destinação do tributo e sua posterior restituição.
302
RESP 403094 Relator(a) Ministro Luiz Fux. Data da Publicação 12/09/2002. Com efeito, o entendimento
da Segunda Turma foi construído a partir de voto emitido pelo Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (no
REsp 44.221/PR), nestas palavras: “À vista do transcrito dispositivo, sustenta a União Federal que o
termo inicial do prazo decadencial é a data da extinção do crédito tributário e não o momento previsto
para sua devolução.” Não lhe assiste razão, contudo. De fato, admitida a natureza de imposto, da exação
declarada inconstitucional, a que se denominou empréstimo compulsório, resulta claro consubstanciar-se
tributo sujeito a lançamento por homologação, pois a norma legal que o instituiu atribui “ao sujeito
passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa.”
140
Se (a.1) a norma instituidora do tributo nada registrar, o que é esperado e correto,
teremos idêntica materialidade e, possivelmente, base de cálculo, de dois tributos
constitucionais, sujeitos à bitributação.
Mas, se (a.2) a norma do imposto extraordinário se referir a esses dois aspectos e se
for instituída com fundamento em guerra externa ou sua iminência, requisito que autoriza
ambos, o suposto imposto extraordinário deverá ser considerado empréstimo compulsório.
Portanto, nesse caso, não há que se falar em identidade.
O (b) empréstimo compulsório possuirá base de cálculo de imposto extraordinário
quando sua materialidade se referir a impostos de competência da União (art. 153 da
CF/88), incluindo-se os residuais (art. 154, I, CF/88) e excluindo os de competência dos
Estados e Municípios.
Sem maiores delongas, nota-se a identidade das materialidades, o que deve,
impreterivelmente, conduzir à paridade das bases de cálculo. E, mais uma vez, o critério
que irá apartar ambos será a destinação e restituição.
Se o (b.1.) empréstimo compulsório possuir tais notas, o tributo poderá ser
considerado constitucional303, sujeito à bitributação. Agora, (b.2) não possuindo essas
informações nas regras que o instituíram, deverá ser apontado como desprovido de
fundamento de validade, uma bitributação inconstitucional. Mas, anote-se, não pela
identidade de matéria, mas, sim, pelo descumprimento de normas que diretamente o
informam.
Ainda, a título de informação, caso o empréstimo compulsório possua materialidade
de imposto de competência dos Estados ou dos Municípios, será caso de bis in idem
inconstitucional, uma vez que haverá ocorrido invasão de competência tributária.
2.5.3
Imposto nominado versus Empréstimo Compulsório
A materialidade que circunda essas duas exações somente pode ocorrer entre
impostos de competência, mais uma vez, da União Federal, uma vez que, conforme
exposto, os empréstimos compulsórios não estão autorizados a criar materialidade de
303
Mais uma vez, fazemos a importante ressalva de que nosso recorte analítico está delimitado pela base de
cálculo e materialidade. Eventualmente um ponto ou outro será apontado.
141
impostos de competência de outro ente de direito público interno. Noutras palavras, não
poderá reproduzir materialidade de impostos naturais dos Estados e dos Municípios, sob
pena de invasão de competência.
Vejamos quais as probabilidades de equiparação dessas bases de cálculo. No que
traz à baila o fato de um (a) imposto nominado (IPTU, ITR, IR, IOF etc.) possuir critério
material similar ao de um empréstimo compulsório, repudiamos de imediato essa
confrontação. Justificamos nossa rejeição ante a impossibilidade, segundo as normas
constitucionais vigentes no momento, em virtude de que esses impostos já estão
registrados no direito positivo.
Melhor elucidando, as normas que dizem sobre os impostos nominados já existem
(suas materialidades, sujeitos ativos, passivos, bases de cálculos possíveis), já são por
todos conhecidas. Desse modo, somente a comparação inversa seria possível. Ou seja,
diferentemente dos impostos, os empréstimos compulsórios (aqui nos referimos aos
tributos in concreto) estão a sob a responsabilidade do legislador infraconstitucional, não
estão previstos na Carta Política, como os impostos.
Na mesma linha de raciocínio, visualizamos que o (b) empréstimo compulsório terá
base de cálculo de imposto nominado quando sua materialidade for uma espécie de
adicional304 a um imposto de competência exclusiva da União. Conjuntura que,
possivelmente, conduzirá a uma identidade de bases de cálculo, o que concluímos não ser
vedado pela CF/88. Mas uma vez, insistentemente, repetimos que nosso corte
metodológico se centra no binômio hipótese de incidência/base de cálculo, o que nos
permite excluir qualquer outra análise jurídica.
304
“Com efeito, se o art. 166 só permite a repetição do indébito a quem tenha suportado como contribuinte
de fato a tributação, não pode o legislador instituir um imposto restituível e devolvê-lo a quem não o
suportou economicamente, vez que o transferiu a terceiros. Isto posto, um empréstimo compulsório que
seja adicional do COFINS, ou do IPI, ou do imposto de importação, v.g., será impróprio, porquanto estes
impostos são transferíveis a terceiros. No entanto, se a carga recair no consumidor, como ocorreu no caso
da aquisição de passagem aéreas, combustíveis, automóveis, energia elétrica, os documentos probatórios
são oponíveis ao Estado para haver a restituição”. (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito
tributário brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 428).
142
2.6
Taxa com Taxa
No tocante à identidade entre as bases de cálculo da mesma espécie tributária – taxa
com taxa –, promoveremos um recorte que permitirá a análise sob o aspecto constitucional
e inconstitucional dessa paridade.
Para que haja (a) pertinência constitucional do critério mensurador (base de
cálculo) entre duas ou mais taxas, é preciso que essa paridade ocorra entre tributos criados
pelo mesmo ente federado, para que não ocorra invasão de competência tributária. Nesse
sentido, retornaremos inegavelmente ao instituto do bis in idem, ou seja, na analogia entre
a base mensurável desses dois tributos, que pode ser constitucional, desde que respeite
outros limites constitucionais, como o do não confisco, da legalidade etc.
Taxa (b) instituída por um ente federal x (ex: Estado Federado) nunca poderá ter
base de cálculo de taxa criada por membro federal y (ex: Município), em virtude da
discriminação constitucional das competências grafadas na Carta Política de 1988305. Ou
seja, a CF/88 estabeleceu aptidão aos entes de direito público interno conforme as funções
que cada um deverá exercitar.
De acordo com a “Organização Político-Administrativa”306 ditada pela Lei das
Leis, cada ente possui atribuição exclusiva. Implicação determinante para relatar que o
sujeito político administrativamente-competente para implementar respectivo serviço ou
atividade pode se valer da cobrança de taxas.
Afere-se, assim, que a natureza jurídica das funções político-administrativas de
cada ente delineia qual taxa a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios poderão instituir sem que incorram em invasão constitucional de competência
administrativa tributária. Tornando, portanto, inconstitucional a cobrança da taxa.
Apesar de não localizarmos na jurisprudência dos Tribunais Superiores exemplos
de confrontos entre bases de cálculo de taxas, segundo a divisão abaixo referida,
entendemos relevante alguns apontamentos registrados.
305
306
Artigos 25, 29, 30 e 32.
Título III, Capítulo I da CF/88.
143
2.6.1
Taxa de prestação de serviço público versus taxa pelo poder de polícia
Para que haja a alegação de identidade entre a base de cálculo de duas taxas, há
que se levar em conta que uma única realização estatal será efetivada (mediante prestação
de serviço ou exercício do poder de polícia); com isso, (i) o ente que instituir a cobrança
deve ser o competente para realizar o serviço ou o poder de polícia e, (iii)
consequentemente, será a pessoa ativa legítima para efetivar sua cobrança.
Caso a taxa seja instituída por ente diverso do que a realizou, nesse caso será
irrelevante serem ou não de mesma natureza tributária (serviço público ou poder de
polícia), possivelmente teremos duas cobranças de taxas (bis in idem), uma pelo legítimo
titular da competência administrativo-tributária e detentor do direito a contraprestação por
parte do contribuinte, e outra do membro federado que invadiu esfera de competência
alheia
(bitributação).
Dupla
tributação
que,
de
qualquer
modo,
entendemos
inconstitucional.
2.6.2
Taxa de prestação de serviço público versus taxa de prestação de serviço
público e taxa pelo poder de polícia versus taxa pelo poder de polícia
No entanto, se a dupla incidência ocorrer mediante a instituição de duas taxas
criadas pelo mesmo estado (bitributação), sendo elas da mesma natureza administrativotributária (serviço público versus serviço público e poder de polícia versus poder de
polícia), a priori, desde que respeitados princípios magnos, não falaremos em
inconstitucionalidade, por não haver expressa proibição constitucional. Pode ocorrer que
uma das taxas seja considerada “adicional” da outra, mas, deste ponto até sua alegação de
inconstitucionalidade, há um belo caminho a ser traçado.
Ainda nesse segundo e último caso, se as taxas (instituídas pelo mesmo ente)
forem de natureza distinta (serviço público versus poder de polícia), somente poderá
prevalecer a taxa que represente a efetiva materialidade do fato, ou é uma atividade
relacionada a serviço, ou ao exercício do poder de polícia. As duas não podem conviver
harmonicamente sem suscitar inconstitucionalidade.
144
2.7
Taxa com Contribuição de Melhoria
Em linhas pretéritas, retratamos as mais importantes características das espécies
impositivas taxa e contribuição de melhoria; compete-nos agora traçar os pontos que
identifiquem os critérios mensuradores destas duas exações.
Com os elementos que já relatamos neste estudo, possuímos condições de apontar
algumas distinções atinentes aos dois tributos em comento. A primeira é a periodicidade
das cobranças, a taxa pode ser cobrada constantemente, dentro de um lapso temporal
pertinente com sua materialidade, como a taxa de funcionamento e fiscalização, por
exemplo. Já a contribuição de melhoria somente poderá ser cobrada uma única vez, em
razão de uma obra específica realizada pelo Estado (ente federativo), e não reiteradas vezes
sob a perspectiva de valorização gerada por uma mesma obra pública.
O segundo apontamento fica a cargo da destinação do produto da arrecadação: na
taxa, o destino do pagamento dos tributos deve ser direcionado à remuneração dos serviços
ou ao poder de polícia; na contribuição de melhoria, isso não ocorre, uma vez que esses
custos são suportados pela receita originada pelos impostos.
Em terceiro lugar, o momento da instituição da exação, na taxa a arrecadação pode
ser feita, e muitas vezes o é, antes mesmo da contraprestação estatal; já nas contribuições
de melhoria, somente pode ser realizada após a implementação da obra e verificação de
ocorrência da valorização imobiliária, justamente porque sua base de cálculo somente
prescinde de tais quesitos, fato que servirá como referencial para a arrecadação tributária.
Quarto, a referibilidade existente entre a atuação e o obrigado. Geraldo Ataliba307
informa que somente haverá contribuição quando, “entre a atuação estatal e o obrigado, a
lei coloca em termo intermediário, que estabelece a referibilidade entre a própria atuação e
o obrigado. Daí o distinguir-se a taxa da contribuição pelo caráter (direto ou indireto)
[…]”. Continua o autor, “na taxa, a h.i. é uma atuação estatal diretamente, imediatamente
referida ao contribuinte. […] Na contribuição, a h.i. é uma atuação estatal indiretamente,
mediatamente referida ao contribuinte”.
No tocante à quantificação, quinto, sendo a materialidade da taxa uma atuação do
Estado, referida ao contribuinte, os elementos de sua base de cálculo se depreenderão da
307
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 147148.
145
atividade desenvolvida (custo da obra, valor gasto etc.). Pertinente à contribuição de
melhoria, a materialidade/base de cálculo encontram-se na efetiva valorização da obra
pública308.
Por fim, a materialidade dos tributos, na taxa, tem-se a prestação de serviço público
ou o exercício do poder de polícia, diferentemente da contribuição de melhoria, que se
refere à realização de uma obra pública.
Anota Geraldo Ataliba309 que
[…] não se confunde com a taxa, que financeiramente serve de
instrumento de cobertura de despesa feita pelo estado, relativamente à
pessoa posta, pela lei, como contribuinte. […] Juridicamente distingue-se
do imposto e da taxa porque sua hipótese de incidência não é a obra (h.i.
da taxa) nem o mero enriquecimento do contribuinte (h.i. do imposto)
mas a diferença do valor de uma propriedade antes e depois de uma obra.
[…] Para que se configure o fato imponível, não basta que haja obra –
que, em tese, ensejaria (taxa).
Respeitando o estilo adotado nesse trabalho, faremos, ainda, nova divisão. Melhor
elucidando, confrontaremos a base de cálculo da (a) contribuição de melhoria com a taxa
em razão da prestação de serviço público específico e divisível e (b) da contribuição de
melhoria com a taxa pelo exercício do poder de polícia.
2.7.1
Taxa pela prestação de serviço público versus Contribuição de Melhoria
Haverá identidade entre essas duas bases de cálculo quando (a.1) a taxa pela
prestação de serviço público, específico e divisível, tiver como base de cálculo a
valorização imobiliária decorrente de obra pública310 e (a.2) quando a contribuição de
308
309
310
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 150.
Ibid., p. 173-174.
“Já se observou também a taxa usada inconstitucionalmente em lugar da Contribuição de Melhoria, que
tem conceito constitucional inconfundível. Mas o caso foi anterior à Emenda nº 18/1965. Não é lícito nem
constitucional esse expediente, não apenas porque a Constituição Federal define um e outro tributo,
impondo-lhes características ou requisitos essenciais. É que, em se tratando de obra pública, que valoriza
imóveis dum grupo de particulares, são estes que devem pagá-la, mas só nos limites constitucionais com
ampla defesa à base da existência real e o quantum da valorização. Nascem, pois, direitos subjetivos para
o proprietário, que deles não pode ficar privado por substituição do procedimento complexo de
contribuições de melhoria pelo rito expedido da taxa. No RE n° 53.904, de 17.08.1965, Pedro Chaves
Piracicaba exigia taxa pela cobertura dum riacho. A decisão declarou opcional, no caso, a decretação da
taxa ou da contribuição de melhoria (RTJ 34/375). O Pleno do STF repeliu a taxa de construção e
pavimentação de Curitiba, porque era caso de contribuição de melhoria (RE nº 71.010-PR, 09.03.1972,
Thompson, RTJ, 61/160). Igualmente a taxa de conservação de estradas do Município Vicente Dutra, à
qual faltam os requisitos que poderiam legitimá-la como contribuição de melhoria (RE nº 72.571-RS,
146
melhoria tiver por critério mensurável – apenas – a realização da prestação de serviço
público, desvinculado de valorização imobiliária.
O Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Min. Alfredo Buzaid311, quando do
julgamento da taxa em razão do asfaltamento de via pública no perímetro urbano,
instituída pelo Município de Assis Chateaubriand/PR, entendeu que, existindo a
possibilidade de criação dessa cobrança através da espécie impositiva da contribuição de
melhoria, que se adéqua perfeitamente à situação em tela, não teria o município a opção de
instituí-la mediante taxa. Posição com a qual concordamos.
2.7.2
Taxa pelo exercício do poder de polícia versus Contribuição de Melhoria
A paridade relativa à taxa cobrada em razão do poder de polícia e a identidade de
sua base de cálculo com a contribuição de melhoria apenas advirá se (b.1) a taxa pelo
exercício do poder de polícia possuir como base de cálculo a valorização imobiliária
decorrente de obra pública, e o inverso se revelará (b.2i) quando essa contribuição encerrar
como critério mensurável, unicamente, o exercício do poder de polícia.
2.8
Taxa versus Contribuição
Algumas características pontuais distinguem estas duas espécies impositivas.
Entretanto, como as duas exações possuem subespécies tributárias, julgamos conveniente
promover as comparações diretamente entre as mesmas.
311
Gallotti, Pleno, 18.10.1972). Sobre a taxa de calçamento que o Município de Abaeté-MG considerou
contribuição de melhoria, ver repulsa no RE nº 75.769-MG, Baleeiro, 21.09.1973”. (BALEEIRO,
Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
508-509).
RE 95348/PR, RE, sob relatoria do Min. Alfredo Buzaid, com julgamento em 01.10.1982, Órgão
Julgador: Primeira Turma. A decisão mencionada data do ano de 1982, porém, ainda em 1995,
localizamos outro julgado, também, do STF, sobre a mesma questão. Veja: “Tributário. Município de
Santo André/SP. Taxa de pavimentação asfáltica. Lei n. 3.999/72, art. 244. Inconstitucionalidade. Tributo
que tem por fato gerador benefício resultante de obra pública, próprio de contribuição de melhoria, e não
a utilização, pelo contribuinte, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto
a sua disposição. Impossibilidade de sua cobrança como contribuição, por inobservância das formalidades
legais que constituem o pressuposto do lançamento dessa espécie tributária. Inocorrência da alegada
afronta ao art. 18, II, da EC 01/69. Inconstitucionalidade, que se declara, do art. 276 da Lei n. 3.999, de
29 de dezembro de 1972, do Município de Santo Andre/SP. Recurso não conhecido”. RE 140779/SP São Paulo. Recurso Extraordinário. Relator Min. Ilmar Galvão. Julgamento em 02.08.1995. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno.
147
Taxa cobrada pela prestação de serviço público versus Taxa cobrada em razão do
poder de polícia
A taxa cobrada em razão da prestação de serviço público, específico e divisível,
utilizado ou posto à disposição do contribuinte tem como hipótese de incidência uma
atividade estatal, dirigida ao contribuinte, conforme informado linhas atrás.
E a taxa cobrada pela realização do poder de polícia tem como hipótese de
incidência: “exames, vistorias, perícias, verificações, averiguações, avaliações, cálculos,
estimativas, confrontos e outros trabalhos, como condição de preparo do ato propriamente
de polícia, consistente em autorizar, licenciar, homologar, autorizar, permitir ou negar,
denegar, proibir etc.”312
Quanto à materialidade das contribuições, vejamos.
2.8.1
CIDE
A contribuição de intervenção no domínio econômico tem por materialidade,
também, uma atividade estatal, porém em função da intervenção do estado no domínio
econômico. E, nesta seara, a obrigação tributária é dirigida a entidades que não integram o
organograma estatal, mesmo que criadas por lei, com interesse de funções públicas313.
A taxa cobrada em razão da prestação de serviço público, específico e divisível, se
diferencia da contribuição de intervenção no domínio econômico pela porta da
indivisibilidade314 da prestação estatal.
2.8.2
CIPE
No tocante à contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas,
sua materialidade, também, é representada por uma atividade estatal, em razão ao interesse
312
313
314
ATALIBA, Geraldo. Considerações em torno da teoria jurídica da taxa. Revista de Direito Público, São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 09, jul./set. 1969, p. 488-489.
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática das taxas. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.
121-122.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p. 372.
148
de referidas categorias. Valendo, também, o que se disse sobre a obrigação tributária, ou
seja, que é dirigida às categorias representativas, tais como: OAB (Ordem dos Advogados
do Brasil), CREA (Conselho Regional de Economia e Administração), CRM (Conselho
Regional de Medicina), CRF (Conselho Regional de Farmácia), Ordem dos Músicos etc.
2.8.3
Contribuições Sociais
Por fim, a materialidade das contribuições sociais, que é – realmente – bem mais
complexa do que as demais, mas que traduziremos, aqui, primeiro, pelas contribuições
sociais destinadas a financiar a seguridade social (artigo 195, I a IV, da CF/88), e, após,
pelas demais contribuições sociais, também conhecidas como residuais, que não possui seu
critério material delineado pela Carta Política, mas que deve ser sistematizada pelo
legislador ordinário.
Pensamos que um exemplo de encontro dessas duas materialidades ocorre entre a
contribuição social devida pelo empregado e uma suposta taxa de poder de polícia, que
poderia ser instituída sobre a mesma materialidade. Uma vez que pode ser tida como taxa,
“exigível porque lhe são postos à disposição (vale dizer, lhe são direta e imediatamente
referidos) os serviços previdenciários (incontendivelmente, serviços públicos) para os
casos de doença […]315.”
2.9
Taxa com Empréstimo Compulsório
Inicialmente lembrados que o empréstimo compulsório não possui autorização
constitucional para suplantar esfera de competência tributária de outros entes, por lhe ser
vedado constituir empréstimos cuja materialidade seja de taxa de competência de outro
ente de direito público interno, que não da própria União.
Noutro giro, estabelecemos um limite à hipótese de incidência dessa nova
conferência, que somente se referirá às taxas criadas pela União Federal, cuja competência
315
Importante ressalvar que, nesse caso, apesar de possuirmos opinião classificatória das espécies tributárias
diversa de Carrazza, pensamos não haver qualquer contrariedade em apontarmos o exemplo acima, cuja
sugestão consta em sua obra. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário.
25. ed. rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 611612).
149
administrativa lhe seja própria. Posto isto, já excluímos todas as taxas de competência dos
Estados e dos Municípios. Ponto superado, passemos à análise do possível encontro das
materialidades e bases de cálculo dessas duas exações.
E, ressalvamos, mais uma vez, que o empréstimo compulsório não possui expressa
competência material delimitada pela CF/88.
2.9.1
Taxa pela prestação de serviço público versus Empréstimo Compulsório
Para que tenhamos uma (a.1) taxa pela prestação de serviço público à semelhança
de um empréstimo compulsório, é imperioso que a taxa seja de competência da União
Federal, uma vez que o empréstimo somente por este ente de direito público interno poderá
ser criado, mediante lei complementar. A recíproca (a.2) se passará quando o empréstimo
compulsório, para que seja constituído sob os moldes de uma taxa pela prestação de
serviço público, anotar em sua materialidade a realização de serviço público, específico e
divisível, realizado pela União.
2.9.2
Taxa pelo exercício do poder de polícia versus Empréstimo Compulsório
Esta situação ocorrerá nos mesmos termos do item anterior, com o diferencial de
que, ao invés de ser uma prestação de serviço público, será o exercício do poder de polícia.
Ainda, a título de informação, leia-se a anotação de Roque Antônio Carrazza316 que relata
que, no “plano puramente teórico, porém, nada impede que sejam instituídos empréstimos
compulsórios sob a forma de taxas ou de contribuição de melhoria (basta que se
implemente a hipótese de incidência destes tributos vinculados)”.
2.10 Contribuição de Melhoria com Contribuição de Melhoria
A paridade entre as bases de cálculo de uma contribuição de melhoria com outra
contribuição de melhoria se dará quando (a) a hipótese de incidência tributária das duas
for pautada pela realização da mesma obra pública, instituída por distintos entes federados
316
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 580.
150
(bis in idem), situação que será qualificada como invasão de competência constitucional
tributária. Para que isso ocorra, um dos membros haverá de ter instituído tributo para o
qual não deu causa, ou seja, sobre o qual não realizou a obra pública, que originou uma
valorização imobiliária para o contribuinte. Aqui, teremos clara inconstitucionalidade.
Ou ainda, quando o mesmo ente federado, detentor da competência administrativa
para realizar a obra, instituir dois tributos para incidir sobre a mesma obra, ou seja, sobre o
mesmo fato que gerou apenas uma única valorização imobiliária (bitributação).
2.11 Contribuição de Melhoria com Contribuição
Roque Carrazza317, ensinando mais do que o direito positivo, informa que alterou
seu pensamento ao revelar que,
Ao contrário do que sustentamos em edições anteriores, estamos agora
convencidos de que as ‘contribuições’ do art. 149 da CF não podem, nem
mesmo em tese, revestir a natureza de contribuição de melhoria, já que,
pelas finalidades que devem alcançar, não se coadunam com a regramatriz deste tributo (valorização imobiliária causada por obra pública).
Neste passo, concordando com o autor, descartamos qualquer possibilidade de
confronto entre estes dois tributos.
2.12 Contribuição de Melhoria com Empréstimo Compulsório
Estes dois tributos são institutos, praticamente, inexistentes em nosso cotidiano
jurídico, na realidade, os exemplos que outrora apontamos, remontam a tempos passados.
No entanto, a ausência de situações fáticas não nos impedirá de confrontá-los.
Com isso, relataremos os elementos que se apresentam imprescindíveis ao
confronto da (a) contribuição de melhoria com o empréstimo compulsório e (b) o inverso.
No primeiro caso, para que a contribuição de melhoria se assemelhe materialmente
ao empréstimo compulsório, é necessário apenas que aquele tributo possua materialidade
vinculada.
317
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 590.
151
Em virtude da inexistência de um rol específico de materialidades que representem
o empréstimo compulsório318, mesmo porque tal descrição seria inviável, em face das
peculiaridades desta imposição: obra pública319, será necessário que o intérprete examine
elementos outros que possam apontar notas dessa presumível harmonia/desarmonia de
quantificação tributária.
Em outras palavras, no extrato das normas gerais de direito tributário, entendemos
que não haverá diferença material normativa entre estas duas exações, desde que a
contribuição de melhoria seja criada pela União Federal, mediante lei complementar320.
Repita-se, quando do confronto da contribuição para com o empréstimo, e não viceversa. Ou seja, até este ponto concluímos que as materialidades, por si sós, podem ser
iguais, o que, presumivelmente, trará mesmos dados para a base de cálculo, sem que isso
ocasione sua inconstitucionalidade.
Reforçando a tese traçada, nos mesmos moldes utilizados quando do estudo da taxa
versus empréstimo compulsório, trazemos o apontamento de Roque Antônio Carrazza321:
“No plano puramente teórico, porém, nada impede que sejam instituídos empréstimos
compulsórios sob a forma de taxas ou de contribuição de melhoria (basta que se
implemente a hipótese de incidência destes tributos vinculados).”
Desejando dar continuidade à análise dessas exações, registramos que os subsídios
necessários (não pertencentes ao campo normativo tributário) serão: um, representado por
situação pré-jurídica, informada pelos motivos322 que autorizaram a instituição do tributo,
que, no caso do empréstimo compulsório, diz respeito à calamidade pública, guerra externa
ou sua iminência, ou investimento público de caráter urgente e nacional. O outro, norma de
318
319
320
321
322
Paulo de Barros Carvalho, quando se refere à materialidade dos empréstimos compulsórios, diz que se
encontram “ao talante criativo do legislador”.
O que tornará necessário que cada obra pública origine uma particular instituição de contribuição de
melhoria.
Importante ressaltar que, apesar de a CF/88 não exigir lei complementar para a instituição de contribuição
de melhoria, entendemos que não seria inconstitucional se assim fosse feito. Bem como, para que existam
rumores de identidade, é indispensável que sua instituição tenha se dado por esse veículo introdutor, já
que, o empréstimo compulsório somente pode ser criado por lei complementar.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 580.
“[…] a exposição de motivos costuma dar ênfase ao clima histórico-institucional em que o diploma foi
produzido, discutindo, muitas vezes, as teses em confronto na circunstância da elaboração, para justificar
(dar os motivos) a eleição de determinada tendência dogmática”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 430).
152
caráter orçamentário, destinação da receita arrecadada com o tributo e sua restituição ao
contribuinte. Ambos, critérios pertinentes ao empréstimo compulsório.
Assim, adentrando nesse estudo, consideramos que, caso a contribuição de
melhoria apresente os subsídios acima registrados, estaremos diante de um empréstimo
compulsório, e não de uma contribuição. Lembrando que este se origina de uma obra
pública, acrescida de valorização imobiliária.
A (b) situação inversa (aferir se a hipótese de incidência/base de cálculo do
empréstimo compulsório se adéqua a contribuição de melhoria) altera completamente os
parâmetros jurídicos. Afirma-se, nesse sentido, em virtude de que, para que o empréstimo
possua similaridade com a contribuição, é necessário possuir como materialidade a
valorização imobiliária causada por obra pública, além de ser instituído pela União,
atendo-nos apenas às normas jurídico-tributárias (materialidade e base de cálculo),
julgamos estar diante de uma bitributação constitucional.
2.13 Contribuição com Contribuição
Roque Carrazza, ao se referir às contribuições, revela que323
[…] há, neste particular, um limite insuperável: não podem existir duas
contribuições – obviamente destinadas a atender a finalidades distintas –
com idênticas hipóteses de incidência e bases de cálculo. […]
Exemplificando, para melhor esclarecer: na medida em que o art. 195, I,
da CF estabeleceu que uma das bases de cálculo possíveis da
contribuição social para a Seguridade Social é o faturamento (receita
bruta), esta mesma grandeza não poderá ser utilizada para a instituição de
uma contribuição interventiva. Ou, fugindo da negativa: a Constituição
determinou que o faturamento só pode ser a base de cálculo da referida
contribuição social. (grifos no original).
Em relação às contribuições324, entendemos que as residuais (outras fontes de
custeio da Seguridade Social) não podem ter base de cálculo das contribuições sociais
disciplinadas no artigo 195, I, e dos impostos prescritos na CF/88.
De modo diverso, as contribuições sociais, cuja materialidade está prevista no
artigo 195, I, da Carta política, possuem autorização constitucional para reproduzir
323
324
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 596-597.
Conforme expusemos no capítulo da descrição das espécies tributárias.
153
hipótese de incidência de impostos de competência da União. Segue julgado do STF325 que
confirma tais posicionamentos:
De outra parte, sendo a COFINS contribuição social instituída com base
no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, e tendo ela natureza
tributária diversa da do imposto, as alegações de que ela fere o princípio
constitucional da não-cumulatividade dos impostos da União e resulta em
bitributação por incidir sobre a mesma base de cálculo do PIS/PASEP só
teriam sentido se se tratasse de contribuição social nova, não
enquadrável no inciso I do artigo 195, hipótese em que se aplicaria o
disposto no § 4º desse mesmo artigo 195 (A lei poderá instituir outras
fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade
social, obedecido o disposto no art. 154, I) […]. (grifo nosso).
2.14 Contribuição com Empréstimo Compulsório
Iniciemos com as palavras de Márcio Severo Marques326:
A diferença maior que se põe entre a estrutura normativa das
contribuições e dos empréstimos compulsórios concerne aos comandos
que devem ser direcionados ao Estado, na qualidade de Administrador da
coisa pública, porque além da exigência concernente à previsão legal da
destinação específica do produto de arrecadação dos empréstimos
compulsórios, já outro – comando – dirigido ao legislador complementar
que lhe imputa o dever de criar a norma jurídica que obrigue o Estado à
devolução do respectivo montante ao contribuinte, a cabo de determinado
período, como condição de validade da norma de tributação. Assim,
desses dois tributos, característica que os aproxima, no caso dos
empréstimos compulsórios exige-se do Estado, ainda, sua restituição ao
particular, o que o diferencia das contribuições, em que o produto da
arrecadação é definitivamente recolhido ao erário pelo sujeito passivo,
sem o compromisso dessa posterior devolução.
2.14.1
CIDE versus Empréstimo Compulsório
O (a) empréstimo compulsório possuirá materialidade similar ao tributo
denominado contribuição de intervenção no domínio econômico quando sua materialidade
denunciar a ocorrência de uma atividade estatal referida à intervenção do estado na
economia, ou seja, em nada se referindo aos comandos constitucionais que permitem a
instituição sua instituição. Neste caso, a constitucionalidade é latente.
325
326
Recurso Especial n. 803098-PR (2005/0205677-6). Relator Ministro Luiz Fux. Data da Publicação
25/05/2006.
MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000,
p. 213.
154
Para que possamos nos referir à análise inversa, (b) contribuição interventiva com
hipótese de incidência de empréstimo compulsório, haveria que estar prescrito em sua
legislação instituidora não somente a destinação específica, o que não os distanciaria,
ainda. É imprescindível que esteja presente, também, a determinação de restituição do
montante pago pelo contribuinte, de modo integral e corrigido monetariamente.
2.14.2
CIPE versus Empréstimo Compulsório
No que tange à possibilidade de o (a) empréstimo compulsório se equiparar,
materialmente, à contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas, é
imperioso que informe uma atividade, preponderantemente, paraestatal, de interesse destas
categorias, observando, claro, que não poderá possuir uma norma que determine a
restituição do montante pago, findo determinado lapso.
2.14.3
Contribuições sociais versus Empréstimo Compulsório
Ao final, a materialidade das contribuições sociais, que se apresenta mais extensa
do que as anteriores, podendo subdividir-se em duas outras modalidades: de contribuições
sociais destinadas a financiar a seguridade social; e, pelas demais contribuições sociais,
chamadas de residuais, em que não possui seu critério material delineado pela Carta
Política, mas que deve ser sistematizada pelo legislador ordinário.
2.15 Empréstimo Compulsório com Empréstimo Compulsório
A título de respeito às premissas firmadas, não nos absteremos de comentar como
seria uma possível identidade entre bases de cálculos de dois ou mais empréstimos
compulsórios.
Nesta tônica, cremos que tal paridade ocorreria se duas exações, ambas instituídas
pela União Federal, possuíssem como base de cálculo rudimentos de um mesmo fato
(lícito) praticado pelo contribuinte, independentemente de qual surgiu primeiro. E, claro,
desde que respeitadas as premissas constitucionalmente prescritas: lei complementar,
empréstimo criado sob justificativa específica (de despesa decorrente de calamidade
155
pública, guerra externa ou sua iminência, ou no caso de investimento público urgente e
relevante) e, por fim, os recursos devem ser diretamente aplicados na despesa que o
fundamentou.
Noutro giro, independeria de qual exação foi instituída primeiro que a outra, de
qual tributo serviria como primeiro parâmetro, tendo em vista que somente podem ser
instituídas pela União, por isso não haveria que se falar em invasão de competência. Aqui,
respeitadas outras premissas constitucionais, como o não confisco, nota-se que os dois
empréstimos compulsórios poderiam ser tidos como constitucionais.
Exceções existem, porém, no que alude ao binômio hipótese de incidência/base de
cálculo, a advertência que vislumbramos encontra-se na sistemática da parafiscalidade.
Mas, é válido mencionar que é apenas uma observação, porque julgamos pertinente sua
aplicação a esta espécie impositiva. Vide Roque Carrazza327:
Pensamos que a parafiscalidade pode alcançar os empréstimos
compulsórios. Como já sustentamos em nosso livro O Sujeito Ativo da
Obrigação Tributária, nada impede que a União crie um empréstimo
compulsório e delegue, por meio de lei, a terceira pessoa, o direito de
arrecadá-lo.
Queremos, com isso, explicitar que, caso tenhamos dois empréstimos compulsórios,
cujas bases de cálculos sejam as mesmas, porém um seja arrecadado e fiscalizado pela
própria União e o outro, em virtude da obtenção de delegação da competência tributária,
seja arrecadado e fiscalizado pelo Município A328, por exemplo. Sob esta ótica, pensamos
que tal controvérsia, no que toca ao sujeito ativo da relação jurídica, poderia levar à
inconstitucionalidade de um dos empréstimos compulsórios, possivelmente do ente cuja
competência a obteve por delegação.
327
328
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. rev. ampl. e atual. até a
Emenda Constitucional n. 57/2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 581.
O empréstimo compulsório sobre energia elétrica da Eletrobrás, instituído pela União através da Lei
4.156/62, delegou competência para arrecadação e fiscalização aos municípios brasileiros. Segue trecho
de um acórdão do extinto TFR, publicada em 07.06.1984, sob Relatoria do Min. Pedro Acioli, processo
AC sob n. 36007: “Tributário. Empréstimo compulsório. Eletrobrás. Arrecadação pelo município. Multa.
Recolhimento de empréstimo compulsório, a ordem da Eletrobrás, pelo município que, então na
qualidade de distribuidor de energia elétrica, arrecadava dos consumidores locais. Prestação “ex lege”,
imposta pela União, a quem cabe explorar – diretamente ou mediante a concessão ou autorização – os
serviços de energia elétrica, bem como legislar sobre essa matéria. Legalidade da multa imposta ao
município, pelo atraso no recolhimento do tributo, observado o disposto no art. 8 do DL-1512/76, c/c o
art. 106, II, letra “c” do CTN. Improvimento do apelo do município; provimento do recurso da
Eletrobrás”.
156
2.16 Considerações Preliminares
Ainda que não seja confirmada a identidade dos elementos da base de cálculo dos
tributos, ocorrida no plano da sintaxe, entendemos ser imprescindível a consideração de
um segundo ponto de análise.
Não é coerente crer que a confirmação da identidade dos rudimentos
rudimentos das bases de
cálculo, por si sós, avalizee se tributos são ou não constitucionais. Pensar de tal maneira é
abordar o tema, extremamente rico e repleto de nuanças, como se simples e desprovido de
maiores representações normativas fosse. É extirpar o processo interpretativo, ainda que
sintaticamente.
Seria, como disse Jonathan Culler329:
O problema aqui dificilmente é de superinterpretação; se há algum
problema, é de subinterpretação,
subinterpretação, e não são examinados textos
anteriores reais para neles se descobrir um rosa-cruzianismo
cruzianismo oculto e
determinar possíveis relações de influência. (grifo
(grifo nosso).
nosso
Antes de prosseguirmos na análise do próximo plano semiótico, façamos um
brevíssimo relato da questão central, até então abordada:
1ª Análise: plano sintático. Pergunta-se: há
integral identidade entre os elementos dos
tributos confrontados?
329
Resposta: sim. Novo questionamento:
tais espécies tributárias possuem
autorização constitucional para ter
idênticas bases de cálculo, a exemplo
dos impostos extraordinários e dos
impostos genéricos ou das
contribuições sociais (art. 195, I) e dos
impostos federais?
Resposta: não. 2ª Análise:
plano semântico. Novo
questionamento: os elementos
apontados pela base de cálculo
do tributo em estudo
representam notas de sua
materialidade?
Se a resposta for sim. Então não
haverá que se falar em
inconstitucionalidade. Se a
resposta for não, como no caso do
imposto residual e da contribuição
interventiva, deveremos nos
remeter à 2ª análise registrada
neste estudo, para continuar a
investigação.
As consequências da afirmação
e negação desta resposta serão
abordadas, respectivamente, nos
planos semântico e pragmático.
Catedrático de Inglês e Literatura Comparada e diretor da Sociedade das Humanidades da Universidade
de Cornell, na Conferência e Seminário Tanner de 1990, ao se referir à interpretação e superinterpretação.
(ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação.
superinterpretação. Tradução Mônica Stahel. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2005, p. 132).
157
SEÇÃO III - PROPOSTA DE UMA ABORDAGEM CRÍTICA
Só é possível pensar com profundidade sobre o que
se sabe, por isso se deve aprender algo; mas também
só se sabe aquilo sobre o que se pensou com
profundidade.
Schopenhauer
Nesta seção, além de sugerir um complemento interpretativo ao plano sintático de
análise jurídica para a identificação de bases de cálculo em matéria tributária, faremos uma
abordagem crítica ao posicionamento da Corte Suprema. Mas, mais do que esses dois
aspectos, “o meu propósito, porém, foi apenas procurar reformar os meus próprios
pensamentos e edificar sobre uma base toda minha”330.
Optamos por não refazer, sintática e pragmaticamente, todo o paralelo apontado na
seção anterior. Justificamos esta seleção pelo fato de que o trabalho realizado prestigiou o
esperado comportamento do Supremo Tribunal Federal, em face da premissa adotada por
estes membros, cuja consequência é a atual direção das decisões proferidas pelas
autoridades judiciárias competentes.
330
DESCARTES, René. Discurso do método: regras para a direção do espírito. Tradução de Pietro Nassetti.
São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 29.
158
1 SEMIÓTICA E DIREITO POSITIVO: O ENCONTRO
A filosofia deve tornar claros e delimitar
rigorosamente os pensamentos, que de outro modo
são turvos e vagos.
Ludwig Wittgenstein
Na seção anterior, propusemos uma classificação para as espécies do gênero dupla
tributação (bis in idem e bitributação) e esmiuçamos as possíveis identidades entre as bases
de cálculo pertinentes às cinco espécies constitucionais tributárias. O parâmetro adotado
foi o da análise sintática, que nos permitiu estudar as semelhanças que podem se
estabelecer entre a linguagem da materialidade/base de cálculo dos diversos tributos ou
mesmo de suas subespécies impositivas.
Nossa opção por abordá-lo em seção única, neste estudo, se deve ao fato,
primordial, de ser este o parâmetro escolhido pela Suprema Corte Brasileira, o da análise
sintática. Deste modo, por ser aquela premissa a mola propulsora das decisões do STF,
trabalhamos todas as inferências possíveis.
Ao aplicar o plano sintático ao estudo comparativo da base de cálculo em matéria
tributária, valemo-nos da Lógica, que é um forte instrumento da sintaxe e que nos permitiu
“conhecer as relações estruturais do sistema e de sua unidade, a norma jurídica”331.
A premissa da sintaxe foi utilizada como condição máxima para a edição da
Súmula Vinculante n. 29 pelo Supremo Tribunal Federal, cuja redação ressalva que há de
existir integral identidade entre uma base e outra. Já registramos que, apesar de a norma
introduzida se referir ao imposto e à taxa, trabalhamos esta premissa quando da
confrontação das demais espécies tributárias. Porém, o fizemos em consonância com as
peculiaridades atinentes a cada uma das espécies.
A imersão na abordagem deste estudo, à maneira que desejamos, requer um olhar
semiótico332, imprescindível à apreensão do trabalho que desenvolvemos. Num primeiro
331
332
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógicosemântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 157.
“E a semiótica, a ciência dos signos, da qual Umberto Eco é o representante mais destacado, é exatamente
a tentativa de identificar os códigos e os mecanismos pelos quais o significado é produzido em várias
regiões da vida social”. (ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. Tradução Mônica Stahel. 2.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 138). Apesar de Diana de Barros trabalhar com a teoria semiótica
159
momento, pode transparecer que este olhar enevoe um pouco as pretensões acadêmicas que
seguirão. Mas, apresentou-se como o instrumental hábil a construir um método de
compreensão e divisão do estudo aplicado à confrontação das bases de cálculo das espécies
tributárias, tornando mais factível o corte metodológico pretendido.
Semiótica, ou teoria dos signos, é a linguagem que fala da linguagem, ou melhor, é
a forma “como as linguagens significam as coisas”333. Noutra exploração, é uma ciência
que tem como objeto a própria linguagem, mediante a utilização e relação de três distintos
e inter-relacionados componentes: o suporte-físico, a significação e o significado. Paulo de
Barros Carvalho334 ensina que,
Nessa conformação, o texto ocupa o tópico de suporte físico, base
material para produzir a representação na consciência do homem
(significação) e, também, termo da relação semântica com os objetos
significados. O texto é o ponto de partida da relação semântica com os
objetos significados. O texto é o ponto de partida para a formação das
significações e, ao mesmo tempo, para a referência aos entes significados,
perfazendo aquela estrutura triádica ou trilateral própria das unidades
sígnicas.
Neste contexto, Lúcia Santaella335 adverte que,
[…] por ser uma teoria muito abstrata, a semiótica só nos permite mapear
o campo das linguagens nos vários aspectos gerais que as constituem.
Devido a essa generalidade, para uma análise afinada, a aplicação
semiótica reclama pelo diálogo com teorias mais específicas dos
processos de signos que estão sendo examinados. Assim, por exemplo,
para se analisar semioticamente filmes, essa análise precisa entrar em
diálogo com teorias específicas de cinema.
Face à abstração natural da semiótica, traçaremos um diálogo desta ciência dos
signos com a ciência jurídica, criando uma interdisciplinaridade, “tudo para perseguir
aquele quantum de objetividade que pretende ter contraparte na carga mínima de
subjetividade”336.
333
334
335
336
desenvolvida por A. J. Greimas e pelo Grupo de Investigações Sêmio-Linguísticas da Escola de Altos
Estudos em Ciências Sociais, ou seja, não adotar a teoria semiótica – por nós eleita – de Charles Sanders
Peirce, vejamos o que diz esta Autora: “a semiótica tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever
e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”.
SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo:
Pioneira Thomson Learning, 2004, capa.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011,
p. 189-190.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2008, p. 6.
CARVALHO, op. cit., p. 199.
160
Após o passeio por alguns conceitos da semiótica, promoveremos o encontro destas
duas ciências, relação que também pode ser conhecida como um processo semelhante à
“positivação do direito ou a incidência das normas jurídicas”337. Para isso, é importante
entender que toda vez que um signo se referir ao seu objeto, ele o fará mediante a
utilização de outro signo, denominado pela semiótica como interpretante do primeiro. E
esta relação, cujo signo produz outro signo ao falar de seu objeto, é conhecida como
semiose338. Este, o objeto de estudo da semiótica339.
Noutros termos, o signo que fala sobre o objeto é chamado pela semiótica como
interpretante do primeiro. Assim, toda incidência jurídica será um interpretante do signo,
cuja função é metalinguística. Ou seja, “se pensarmos as incidências jurídicas como
interpretantes, as cadeias de normas que vão sendo geradas a partir das incidências são
cadeias metalingüísticas”340. E, a cada nova incidência, teremos uma nova semiose
jurídica.
Clarice von Oertzen de Araujo341 nos ensina como funciona a cadeia semiótica:
Com efeito, quando a Linguagem Social fez a primeira representação do
evento, ela o constitui em linguagem, em fato semiótico. Este primeiro
signo, o fato semiótico, irá se transformar no objeto de uma segunda
interpretação ou semiose, a qual, passando pela Linguagem do Direito
Positivo, irá produzir o fato jurídico, já em uma instância de segundo
interpretante nesta sequência.
É preciso que retenhamos o aspecto de que o processo semiótico, cuja relação é
triádica, será por nós abordado em seus três planos. Paulo de Barros Carvalho342 ressalva
que,
Na Semiótica se diz que o sistema do direito positivo é fechado
sintaticamente, porém aberto em termos semânticos e pragmáticos.
Explicando melhor, a dinâmica operacional do direito se dá pela
combinatória dos três modais (permitido, proibido e obrigatório). Como
são três e somente três (lei do quarto excluído), concluímos que há
fechamento sintático. Entretanto, estando as hipóteses normativas sempre
prontas para receber novos fatos que o legislador entenda relevantes,
como portas abertas a absorção de matérias sociais, políticas,
337
338
339
340
341
342
ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 70.
Ibid., p. 70.
Ibid., p. 128.
Ibid., p. 72.
Ibid., p. 126.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 211.
161
econômicas, morais, etc., teríamos abertura na dimensão semântica e
pragmática.
Noutro giro, como o sistema jurídico se apresentará sempre no formato: “D (H>C)”343, diz-se que é sintaticamente fechado, ou seja, sua estrutura será sempre invariável.
Por isto que a Lógica lhe é a ferramenta apropriada. Sob esta perspectiva, entendemos que
a Súmula Vinculante n. 29, cuja redação se refere à integral identidade de bases, possui
ilimitada coerência e pertinência jurídica com o sistema positivo.
Neste momento, registramos que não discordamos da análise sintática promovida
pela Corte Suprema. Mas, sim, entendemos inconsistente, incompleto e falível seu
processo interpretativo. Deste modo, explicitamos nossa crítica ao posicionamento adotado
pelo Supremo Tribunal, que, há mais de uma década344, insiste em guardar silêncio quanto
à necessária e indispensável análise semântica deste tema jurídico-tributário.
343
344
“Todas as regras do sistema têm idêntica esquematização formal: uma proposição-hipótese ‘H’, descritora
de um fato (f) que, se verificado no campo da realidade social, implicará como proposição-consequente
‘C’, uma relação jurídica entre dois sujeitos (S’ R S”), modalizada com um dos operadores deônticos (O,
V, P). Nenhuma norma foge a esta estrutura, seja civil, comercial, penal, tributária, administrativa,
constitucional, processual, porque sem ela a mensagem prescritiva é incompreensível”. (CARVALHO,
Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo:
Noeses, 2009, p. 272-273).
A tese preponderante nos dias atuais tomou corpo a partir de 1999, com a saída do Min. Ilmar Galvão.
162
2 PLANO SEMÂNTICO: O PROCESSO – INFERÊNCIA PAUTADA PELA
NATUREZA JURÍDICA DO TRIBUTO
Todo objeto, seja qual for sua origem, é, enquanto
objeto, sempre condicionado pelo sujeito, e assim
essencialmente apenas uma representação do sujeito.
Schopenhauer
Superado o nível sintático, cujo enfoque resume-se à comparação dos signos constantes
nas notas das bases de cálculo dos tributos345, voltemos nossa atenção para o plano
semântico, também conhecido como plano das significações ou do conteúdo dos
enunciados prescritivos, por (pré)ocupar-se com o significado das palavras e frases.
Em razão da infinitude de condutas envoltas pelo direito, seu conteúdo será,
naturalmente, heterogêneo. Nesta tônica, a semântica será utilizada como ferramenta apta a
promover a verificação da relação de pertinencialidade da base de cálculo à materialidade
do tributo. Comprovação esta não prestigiada pela Súmula Vinculante n. 29 do STF.
Aurora Tomazini Carvalho346 explica que
O ingresso no seu plano semântico possibilita a análise dos conteúdos
significativos atribuídos aos símbolos positivados. É nele que lidamos
com os problemas de vaguidade, ambigüidade e carga valorativa das
palavras e que estabelecemos a ponte que liga a linguagem normativa à
conduta intersubjetiva que ela regula.
Este processo, que irá confirmar ou negar a natureza jurídica da espécie tributária,
será realizado através do exame do signo (plano sintático/elementos prescritos na base de
cálculo em abstrata do tributo) com a realidade que ele produz. Ou seja, neste capítulo a
ênfase se dirige ao significado produzido pelas palavras e frases constantes dos enunciados
presentes no critério quantitativo da imposição jurídica.
345
346
“A sintaxe da língua portuguesa, por exemplo, analisa as relações das palavras na frase e das frases no
discurso”. (CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo
lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 157).
Informa ainda que: “Todo comando jurídico apresenta-se sob a mesma forma. A variação encontra-se no
conteúdo que satura a fórmula. As significações que compõem a posição sintática de hipótese e
conseqüente das normas jurídicas modificam-se, de acordo com a matéria eleita pelo legislador e com os
valores que informam a interpretação dos textos jurídicos. Com o decurso do tempo, novos enunciados
surgem, outros são retirados do sistema, as interpretações se modificam, os valores implementados pela
sociedade se transformam, mas a forma normativa não se altera. A estrutura do direito, necessária para se
transmitir um comando capaz de disciplinar relações intersubjetivas, é invariável, ao passo que seu
conteúdo, pela diversidade de condutas a serem reguladas, nunca é constante”. (ibid., p. 157).
163
Alfredo Augusto Becker347, quando de seu relato sobre a natureza jurídica do
tributo, afirma que
[…] o critério objetivo e jurídico é o da base de cálculo (base imponível). Este,
sempre e necessariamente, é o único elemento que confere o gênero jurídico do
tributo. Noutras palavras, ao se investigar o gênero jurídico do tributo, não
interessa saber quais os elementos que compõem o pressuposto material ou quais
as suas decorrências necessárias, nem importa encontrar qual o mais importante
daqueles elementos ou decorrências. Basta verificar a base de cálculo: a natureza
desta conferirá, sempre e necessariamente, o gênero jurídico do tributo”.
Interessante apresentar, agora, o comentário de Lúcia Santaella348 sobre a
complexidade do objeto (relação travada pela semântica), que virá a calhar com as notas
das bases de cálculos dos tributos estudados. Vejamos:
[…] cumpre reter, para começar, que o objeto é algo diverso do signo e
que este ‘algo diverso’ determina o signo, ou melhor: o signo representa o
objeto, porque, de algum modo, é o próprio objeto que determina essa
representação; porém, aquilo que está representado no signo não
corresponde ao todo do objeto, mas apenas a uma parte ou aspecto
dele. Sempre sobram outras partes ou aspectos que o signo não pode
preencher completamente. (grifo nosso).
Trazendo para o campo empírico, a ADIN n. 3.887-7/SP é um exemplo muito
pitoresco, porque se questiona a inconstitucionalidade da base de cálculo dos emolumentos
cartorários e dos serviços notariais e de registro do Estado de São Paulo, tributo da
espécie taxa.
Vejamos. Uma única legislação349, em um único artigo, supostamente, contrariou a
natureza jurídica do critério quantitativo do tributo sobre o qual legisla350. Conforme
alegam os requerentes, no inciso II, a legislação imputa elementos de base de cálculo
peculiar ao IPTU e, no inciso III, assinala como quantum nota característica do ITBI.
O Ministro Menezes Direito, relator, apoiado em precedente do Ministro Carlos
Velloso, votou no sentido de que “se fez a distinção entre esta identidade vedada
347
348
349
350
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4 ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 394.
SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo:
Pioneira Thomson Learning, 2004, p. 34.
LEI Nº 11.331, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2002. “Artigo 7º - O valor da base de cálculo a ser
considerado para fins de enquadramento nas tabelas de que trata o artigo 4º, relativamente aos atos
classificados na alínea “b” do inciso III do artigo 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a
seguir, prevalecendo o que for maior: […] II - valor tributário do imóvel, estabelecido no último
lançamento efetuado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade
predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente,
considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias; III – base de cálculo utilizada para o
recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis”.
Taxa de emolumentos cartorários e serviços notariais e de registro do Estado de São Paulo.
164
constitucionalmente e o estabelecimento de mero critério de referência para a incidência da
taxa […]”. Extrai-se deste trecho e, da completude do voto do relator351, que por sinal é
muito breve, que a fundamentação jurídica limita-se a aferir ser a base de cálculo da taxa
de emolumentos idêntica ou não ao dos impostos em referência. Mais uma vez,
desprestigiou-se a aferição da natureza jurídica da espécie tributária e suas nuanças
constitucionais.
Assim, em compasso com as premissas registradas no capítulo anterior, a ação foi
julgada improcedente pela maioria dos Membros da Corte. Porém, vale registrar que
votaram em sentido contrário os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio352, de cujo voto
transcrevemos trecho:
Não posso desconhecer o sentido vernacular das normas, não posso
desconhecer que, de uma forma até mesmo sutil, no que se alude a
enquadramento da espécie em certa tabela da lei, se tomou de empréstimo
– isso é estreme de dúvidas – fatores que são considerados para efeito de
recolhimento de impostos. Se entendermos que, no caso, não há conflito
da norma, do Diploma Paulista com a Constituição Federal, em termos de
vedação, a porta estará aberta para, mediante, como disse, um sutil jogo
de palavras, chegar-se como que ao drible do preceito constitucional.
O mecanismo analítico a que nos referimos se traduz na relação travada entre o
signo e o objeto, com a finalidade de encontrar o significado das palavras e frases. Noutras
linhas, é o processo gerado entre os elementos concretos (enunciados jurídicos) presentes
nas bases de cálculo dos tributos para produzir o significado, desaguando na confirmação
da natureza jurídica da exação.
Assim, face à interpretação de que a análise sintática, registrada nos preceitos da
Súmula Vinculante n. 29, não nos trouxe uma resposta suficientemente abrangente e
351
352
A fundamentação do Ministro Relator, além de resumir-se a uma única folha, cita julgamento do Ministro
Gilmar Mendes, do Ministro Carlos Velloso, trecho do parecer da Procuradoria Geral da Justiça e do
Governador do Estado, para, ao final, dar a sua contribuição: “Destarte, julgo improcedente a ação
direta”. Situação que nos lembra trecho de obra de Schopenhauer: “Ansiosas e apressadas em resolver
questões litigiosas remetendo a autoridades, as pessoas ficam realmente felizes quando podem recorrer
não ao seu entendimento e à sua inteligência próprios, de que carecem, mas ao entendimento e à
inteligência dos outros. Pois, como diz Sêneca: unus quisque mavult credere, quam judicare (qualquer
um prefere crer que julgar por si mesmo). Em suas controvérsias, as armas escolhidas em comum acordo
são as autoridades, e é com elas que as pessoas se batem. Para quem entra numa disputa desse tipo, de
nada serve querer resolvê-la com explicações e argumentos, pois contra essas armas eles são como
Siegfried, submersos na enchente da incapacidade de pensar e julgar. Por isso, tais pessoas pretendem
contrapor aos argumentos às suas autoridades como um argumentum ad verecundiam (argumento de
prova), para em seguida soltarem gritos de vitória”. (SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever.
Tradução, organização, prefácio e notas de Pedro Sussekind. Porto Alegre: LePM, 2008, p. 51).
O Ministro Marco Aurélio, há longa data, enfrenta os campos sintáticos e semânticos desta discussão.
165
satisfatória à solução do cotejo entre duas ou mais distintas imposições, concluímos que a
autoridade competente deveria se valer, também, do nível semântico de interpretação para
descobrir a natureza jurídica do tributo.
Encerrado o nível semântico de investigação, à semelhança do plano anterior,
façamos um organograma revisando as principais conclusões deste item:
166
3 PLANO PRAGMÁTICO: O PRODUTO – DECISÃO JURÍDICA IRRECORRÍVEL
A subjetividade é a verdade; a subjetividade é a
realidade.
Kierkegaard
Por fim, o plano pragmático, cuja participação completa os planos interpretativos
da semiótica jurídica. Rememoremos: no sintático, após tamanha descrição das relações
possíveis e juridicamente imagináveis, sempre com fundamento na integral identidade
entre os dados do critério quantitativo, puímos as páginas deste trabalho; no semântico,
apontamos criticamente o que entendemos ser uma falha jurídica que já esta chegando à
adolescência e, cada vez mais, calcificada pelas interpretações seguras353 da Corte
Suprema.
Concluímos que os três níveis são necessários e indispensáveis à formação do
processo gerador de sentido para a construção do conhecimento hábil à identificação da
semelhança entre as espécies tributárias. Sobre o fato de o plano pragmático ser
indispensável, discorreremos neste capítulo.
Para compreendermos um pouco o plano pragmático da semiótica, vejamos o que
ensina Clarice von Oertzen de Araujo354:
Mesmo o Direito Positivo apresenta seu aspecto falível. Muitas vezes
há contradição entre a previsão e a utilização de critérios sintáticos
prescritos para a produção normativa. Quando ocorre um questionamento
concreto da legalidade das relações jurídicas assim estabelecidas,
decisões jurídicas frequentemente são proferidas em prestígio aos valores
políticos, fazendo com que a imperativadade de uma ou várias normas
ocorra segundo um critério semântico/pragmático, cuja sintaxe não
corresponda à previsão genérica da ordem jurídica. Estes fenômenos
provocam a dúvida e forçam a elaboração de reflexões sobre o sistema.
(grifo nosso).
353
354
Jonathan Culler relata que “Muitas interpretações ‘extremas’, como muitas interpretações moderadas, sem
dúvida terão pouco impacto, por serem consideradas pouco convincentes, redundantes, irrelevantes ou
aborrecidas, mas, se forem extremas, terão mais possibilidade, parece-me, de esclarecer ligações ou
implicações ainda não percebidas ou sobre as quais ainda não se refletiu, do que se tentarem manter-se
‘seguras’ ou moderadas”. (ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. Tradução Mônica Stahel.
2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 131).
ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 16.
167
Este processo gera o produto, cuja tônica centra-se no sentido e compreensão da
identidade dos tributos, aferido pela tríade: (i) sintaxe/signo, (ii) semântica/objeto do signo,
e (iii) pragmática/interpretante. E deverá ocorrer na ordem apontada para que a apreensão
não ocorra de forma inócua355.
Vejamos as lições desta Autora356 sobre a decisão irrecorrível:
Outro bom exemplo de sequências metalinguísticas como semioses pode
ser retirado dos processos judiciais, assumindo o ponto de vista de uma
das partes no processo – por exemplo, a do autor: uma petição inicial
seria a linguagem-objeto sobre a qual a sentença se constitui em
metalinguagem; o recurso a esta sentença a concebe como linguagemobjeto e se apresenta como metalinguagem; o acórdão que decide o
recurso o toma como linguagem-objeto e se constitui sua metalinguagem.
E assim as cadeias vão se desenvolvendo numa sequência de
interpretantes (metalinguagens) até que não seja mais possível
recorrer e a última decisão (irrecorrível) deva ser cumprida. A
decisão irrecorrível, como ultimate opinion teria o caráter daquele
interpretante concebido por Peirce como interpretante final. (grifo
nosso).
Caso ainda persistam dúvidas, informamos que a decisão irrecorrível, que
apontamos neste capítulo, é a proferida pela Corte Maior do País, o interpretante final
anotado pela Autora supra transcrita.
Sabemos que resta ao aplicador do direito uma ponta de discricionariedade, a qual,
por mais que o sistema jurídico normativo tente restringir, será impossível fechar por
completo. Nessa tônica, registramos, linhas acima, o comentário de Barros Carvalho, de
que o sistema é aberto semântica e pragmaticamente.
Roque Antônio Carrazza357, nesta mesma linha, ainda que sustentando ser vedada a
perspectiva pragmática, ao final de seu relato, rende-se ao pragmatismo do Poder
Judiciário. Segue:
Não pode a lei, por meio de ficções, presunções ou equiparações levar a
imposições que a Constituição não autoriza. Menos ainda pode fazê-lo o
aplicador. […] Portanto, nem a lei complementar pode, neste ponto,
redefinir os campos impositivos, rigidamente plasmados pela
Constituição. Dúvidas que possam surgir, diante de questões
concretas, são dirimíveis, em última instância, pelo Supremo
355
356
357
SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo:
Pioneira Thomson Learning, 2004, p. 17.
ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 72.
CARRAZZA, Roque Antônio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 9091.
168
Tribunal Federal, que é, como não se questiona, o garante da
Constituição da República. (grifo nosso).
Recapitulando, no plano sintático, procedemos a uma comparação sintáticoestrutural dos termos presentes nas bases de cálculo dos tributos. No semântico, confere-se
sentido aos signos com o fito de descobrir a função da base de cálculo. Já o plano
pragmático examina o modo como as pessoas empregam estes conceitos para viabilizar a
comunicação.
Valendo-nos do exemplo citado no capítulo anterior, ADIN n. 3.887-7/SP,
inferimos que o argumento central se refere ao fato de que “os dispositivos impugnados
indicam referências que não se confundem com identidade capaz de atrair a vedação do art.
145, § 2º, da CF”358. Noutra linguagem, alegaram que o item preço do imóvel (constante na
legislação), que se refere ao critério quantitativo da taxa de emolumentos, não seria o
mesmo que elemento da base de cálculo. Mas, sim, “que o valor do imóvel é utilizado
apenas como parâmetro para determinação do valor daquela espécie tributária”359.
Neste caso, a distinção entre identidade e parâmetro para determinação foi a nota
decisiva para decretar a constitucionalidade da base de cálculo do tributo debatido360. O
signo identidade nos é familiar, representa, neste caso, a perfeita semelhança entre as bases
de cálculos dos tributos postos em comparação. No entanto, a expressão parâmetro para
determinação, cuja utilização pela Corte Superior vem adquirindo adeptos, indica dados
pertinentes à relação jurídica, que serão conjugados a outros elementos para determinação
o montante do débito.
A incidência desta norma ocorre mediante a realização de uma segunda semiose,
cujo resultado é a introdução de uma norma individual e concreta no sistema – declaração
de inconstitucionalidade, revelando que a construção de um fato jurídico é resultado da
construção da linguagem prescritiva.
358
359
360
Informativo n. 524 do STF.
Informativo n. 524 do STF.
“Ementa. Emolumentos. Serviços notariais e de registro. Art. 145, § 2°, da Constituição Federal. 1. Não
há inconstitucionalidade quando a regra impugnada utiliza, pura e simplesmente, parâmetros que não
provocam a identidade vedada pelo art. 145, § 2°, da Constituição Federal. No caso, os valores são
utilizados apenas como padrão para determinar o valor dos emolumentos. 2. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada improcedente”. (ADI n. 3.887/SP - São Paulo. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Relator Ministro Menezes de Direito. Julgamento: 15.10.2008. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno).
169
Neste último caso, ponderamos que, se os cortes realizados pelo legislador
ordinário para representar a materialidade de uma exação com ela não se coadunam, há que
ser declarada a incompatibilidade entre o critério quantitativo (base de cálculo) e o critério
material deste tributo.
Ainda que nos esforcemos por uma análise lógico-jurídica, permeada por conceitos
desta ciência, não há como deixar transcorrer incógnito o plano pragmático, cuja remessa
se refere ao caráter irracional presente em todo e qualquer julgamento jurídico. Mesmo que
balizado pelo sistema do direito positivo, este é o elemento eminentemente político do livre
convencimento do julgador que, em última instância, não apenas física (STF), mas mental
(pragmática), encerra toda a pretensa sonoridade científica, última tecla musical.
170
SEÇÃO IV – ANOTAÇÕES FINAIS
A doutrina e a jurisprudência, em especial esta última, manifestam-se sobre a dupla
tributação de modo completamente aleatório, em descompasso com a lógica e com as
normatizações jurídicas.
Com fundamento na lógica dos termos, procedemos à classificação da dupla
tributação; utilizamos três distintos fundamentos para dividir (ente competente,
materialidade e base de cálculo), sempre, de modo subordinado, evitando-se a falácia da
divisão cruzada, o que invalidaria toda a nossa classificação.
Com o primeiro fundamento para dividir – ente competente –, encontramos duas
espécies, as quais denominamos bis in idem e bitributação, em atenção à utilização de tais
nomenclaturas pelo direito pátrio. Porém, em razão de lhe conferirmos atributos
específicos, muito possivelmente, nossa classificação destoará de parte da doutrina e,
especialmente, da jurisprudência, por não visualizarmos nesta última uma metodologia
aplicada aos dois institutos.
Após, com o segundo fundamento para dividir – a materialidade –, encontramos
quatro espécies, ou melhor, duas subespécies do gênero bis in idem e duas do gênero
bitributação. Face à incapacidade de retratarmos a dupla tributação com a utilização destes
dois fundamentos, para dividir, apropriamo-nos do terceiro e último fundamento, o qual
entendemos ser de imenso valor, justamente por permitir o (re)conhecimento da natureza
jurídica das espécies tributárias, quando em face da hipótese de incidência, ou seja, a base
de cálculo.
Com este último dado, encontramos oito espécies. Noutro giro, quatro espécies de
bis in idem e quatro de bitributação. Descrevemos cada uma, apontando suas nuanças.
Ponderamos que dupla tributação e alargamento da base de cálculo são abordados
como se do mesmo instituto se referissem. Porém, representam realidade jurídica tributária
distinta, em método e consequência. A metodologia diz sobre a norma geral e abstrata que
aborda a instituição do tributo, sendo uma única norma, teremos o alargamento da base de
cálculo, independentemente de ser na própria cobrança (ICMS em sua própria base de
171
cálculo, ou reautuação fiscal); se a incidência se referir a duas distintas normas gerais e
abstratas, estaremos em face da dupla incidência jurídica tributária.
As recentes decisões dos Tribunais Superiores, em especial da Suprema Corte, após
a consolidação da Súmula Vinculante n. 29, apontam um requisito extremamente objetivo
para aferir se taxas possuem bases de cálculos de impostos, e vice-versa. Questões que se
repetem com hialina frequência nos tribunais.
Ocorre que a premissa eleita pelo STF é um dado que funcionaria com perfeição
para a ciência matemática, para as ciências exatas, em que se afere com requinte lógico se
uma equação é exatamente idêntica ou não a outra. No entanto, para as ciências humanas e
sociais, como o é a ciência do direito, tal preponderância é descabida, não se adéqua ao
anseio jurídico sistêmico de solução de conflitos sociais, humanos.
No entanto, quando da comparação da natureza jurídica das demais espécies e
subespécies tributárias, o raciocínio aplicado é o mesmo. Em outras linhas, existindo
integral identidade entre todos os elementos das bases de cálculo analisadas, consideram-se
similares os tributos. Acreditamos que o balizamento jurídico adotado pela Suprema Corte,
hoje, às espécies de taxa e imposto se estende, timidamente, ao confronto de todas as
demais espécies e subespécies tributárias. Hoje, de modo tímido, mas pensamos que, caso
o atual posicionamento prepondere, será este o fio condutor.
Com um pouco de acuidade, notamos que a declaração de constitucionalidade de
específico
tributo
pela
autoridade
jurídica
competente
exige
esforço
mental
perceptivelmente menor do que quando da declaração de inconstitucionalidade do tributo.
Noutro giro, esta última manifestação obriga que o responsável pela sua análise e revelação
despenda uma energia interpretativa consideravelmente maior, mais profunda e mais
abrangente. Situação que nos lembra trecho de obra de Arthur Schopenhauer361:
Ansiosas e apressadas em resolver questões litigiosas remetendo a autoridades,
as pessoas ficam realmente felizes quando podem recorrer não ao seu
entendimento e à sua inteligência próprios, de que carecem, mas ao
entendimento e à inteligência dos outros. Pois, como diz Sêneca: unus quisque
mavult credere, quam judicare (qualquer um prefere crer que julgar por si
mesmo). Em suas controvérsias, as armas escolhidas em comum acordo são as
autoridades, e é com elas que as pessoas se batem. Para quem entra numa disputa
desse tipo, de nada serve querer resolvê-la com explicações e argumentos, pois
contra essas armas eles são como Siegfried, submersos na enchente da
incapacidade de pensar e julgar. Por isso tais pessoas pretendem contrapor aos
361
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Tradução, organização, prefácio e notas de Pedro
Sussekind. Porto Alegre: LePM, 2008, p. 51.
172
argumentos as suas autoridades como um argumentum ad verecundiam
(argumento de prova), para em seguida soltarem gritos de vitória.
A premissa eleita pela Corte Suprema, como fundamento de validade hábil a
apontar ou não a identidade entre taxas e impostos, também servirá como instrumento para
aferir a compatibilidade entre contribuições e impostos. Por isto, adotamo-la como critério
capaz de apontar as possíveis identidades entre as distintas espécies e subespécies jurídicotributárias.
Vale mencionar que o exemplo citado não foi escolhido aleatoriamente, muito pelo
contrário, entendemos que a tendência atual é a maior incidência (no sentido de instituição)
de exações desta espécie, pelo simples fato de não demandar divisão de seus recursos com
os demais entes e, pela possibilidade de ser instituído por qualquer uma das pessoas
políticas de direito público interno.
Isso não nos coloca em posição de aquiescência com a premissa eleita pelo
Supremo Tribunal Federal. Ao contrário, acreditamos que a premissa eleita é insuficiente,
incompleta, o que é distinto de dizê-la equivocada.
Após a eleição do instrumental lógico e semiótico para abordagem do tema jurídico
eleito, aferimos que a premissa adotada pela Corte Suprema não engloba todas as nuanças
do sistema jurídico tributário. Noutro giro, utilizado isoladamente, como o é, apresenta-se
como um dado prematuro e incapaz de avaliar toda a riqueza e completude das espécies
tributárias. Neste sentido, entendemos que, ao aferir a identidade entre as espécies
tributárias mediante o comparativo das notas sintáticas de suas bases de cálculo, o STF
relega a plano inferior o aspecto semântico e, mesmo, o pragmático da semiótica.
A abdicação do plano semântico faz com que se desprestigie a natureza jurídica das
imposições tributárias, afastando as propriedades da base de cálculo. Com isto, aborta-se a
principal característica do binômio hipótese de incidência tributária e base de cálculo, cuja
ocupação diz sobre as funções da base de cálculo.
E não há como negar a força política do plano pragmático, representado pelo livre
arbítrio, pela preponderância subjetiva e contextual do produtor da norma jurídica
individual e concreta, norma última do sistema do direito positivo. Este é o caráter
irracional, última propriedade a atuar na composição da decisão jurídica irrecorrível.
173
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